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FICHAMENTO

Referência

ATLAN. Henri. A ciência é inumana. São Paulo: Cortez, 2004.

O inumano

O autor começa com uma distinção entre inumano e não-humano. O primeiro


somente pode ser relacionar-se com a espécie humana enquanto o segundo corresponde
a tudo o mais que a excede. A ciência, então entendida como prática humana, pode ser
questionada como humana ou inumana.
As ciências e as técnicas aumentaram o poder dos seres humanos sobre a
natureza e sobre eles mesmos, só que, a compreensão dos mecanismos, leis e
causalidades que constituem o labor científico, reduziram o chamado livre-arbítrio do
ser humano.
A ciência seria então inumana? A tradição humanista ocidental associa o
exercício da liberdade com humanidade. A ciência, ao postular o “determinismo”,
reconhece os homens como não livres, logo inumanos.
O autor irá tentar recolocar a questão da liberdade. Segundo Atlan, ele como
cientista vivia a contradição de duas experiências, pois nos laboratórios postulava o
determinismo absoluto enquanto que na sua vida cotidiana assumia o livre-arbítrio. Para
ele as filosofias do determinismo podem ajudar a juntar as duas perspectivas.
O saber científico é inumano porque compreende todas as ações humanas como
estritamente determinadas, sem qualquer liberdade para o sujeito, contrapondo-se ao
humanismo clássico ocidental. Entretanto, tal saber é humano na medida em que
promove o esclarecimento do sujeito. Quanto às causas de seus sofrimentos ou
incapacidades, para que esse mesmo sujeito possa, não evitar os acontecimentos, mas
agir de maneira mais consciente, lúcida e deliberada conseguindo conviver mais
harmonicamente com o sofrimento.

Livre necessidade e liberdade.

A idéia de liberdade do sujeito está na base de todas as filosofias morais,


inclusive a de Kant. As descobertas mais recentes da biologia contradizem tal postura
filosófica fundada na liberdade do sujeito.
O paradigma científico que informava as pesquisas biológicas na época de Kant
era o “vitalismo”. Os organismos vivos diferiam dos não-vivos ontológica e
epistemologicamente. A característica principal dos seres vivos era a finalidade interna
em contraposição aos mecanismos causais dos seres não-vivos.
A moderna biologia molecular mostra que os seres vivos não possuem uma
finalidade interna, mas são regidos por mecanismos físico-químicos. Sendo assim, em
vez de separação, é entendida uma continuidade entre o vivo e o não-vivo. O mundo da
consciência é contínuo com o mundo sem-consciência. Desse modo, a idéia de uma
alma separada de um corpo com autonomia e diferença essencial caiu por Terra.
Isso coloca uma questão filosófica importantíssima para a filosofia kantiana do
conhecimento. O sujeito e o objeto não possuem qualquer diferença de essência. Não há
porque distinguir entre o sujeito transcendental e a realidade em si.
Se não existe uma separação entre o mundo vivo do não-vivo, como então
conceber as diferenças evidentes? Segundo o autor, como distinguir o cão da nuvem?
Enquanto na última colocamos uma questão relativa a sua estrutura e causalidade, no
outro, além disso, também colocamos questões a respeito dos problemas de função. Mas
mesmo assim a “função” nos seres vivos deve ser explicada de maneira mecânica. Isto
quer dizer, as mesmas leis com diferentes propriedades.
A revolução biológica do século XX mostrou que se podia explicar química e
fisicamente os comportamentos (transmissão de características hereditárias,
metabolismo, adaptação ao meio) tidos como especificidades da vida. [O principal
problema é o reducionismo, mas mesmo assim com toda a certeza se poderia incluir
explicações culturais e psicológicas. É possível supor uma continuidade entre o não-
vivo, o vivo e o hiper-vivo.] A especificidade do vivo refere-se à complexidade de sua
organização e atividade sem qualquer idéia de “finalidade”.
A descoberta da morte programada das células ou “apoptose” levou a uma
mudança no conceito de vida como conjunto de fenômenos que são capazes de utilizar a
morte.
A idéia de liberdade em Kant fundamenta-se na noção de que os seres humanos
possuem em si uma finalidade. O “imperativo categórico” fundava a liberdade na
medida em que o homem elegia uma lei para se próprio. Isso é abalado porque não se
pode conceber uma finalidade para o vivo, isto porque este é entendido como uma
máquina. O determinismo concebe nossa liberdade de escolha como uma ilusão de
nossa imaginação.
Mas fica a pergunta, tais descobertas da ciência constituem um solapamento da
moral, do direito e da responsabilidade humanas?
O niilismo seria um não reconhecer outros valores que não os meus desejos. Na
verdade a idéia é essa: manter o sujeito livre somente pode ser feito de duas maneiras,
ou se nega a ciências e se institui uma religião de sujeito ou se afirma a ciência e se cai
na moral ditatorial do desejo.

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