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A CONSTRUÇÃO DA DEFICIÊNCIA MENTAL NUMA SOCIEDADE

PRAGMÁTICA, SOB O OLHAR DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

O presente trabalho tem o intento de, com uma revisão bibliográfica,


esboçar um perfil de como a deficiência mental é vista e tratada pela
sociedade contemporânea1 com seu pragmatismo2·. Nesta revisão termos
como fio condutor do nosso olhar a Psicologia sócio-histórica utilizando textos
de teóricos como Silvia Lane, Ana Bock, Vygotsky e etc., como também outros
textos que tenham sido construídos com base nesta linha teórica.

PSICOLOGIA SOCIO-HISTÓRICA: UMA “NOVA” PSICOLOGIA

Num breve colóquio faremos uma introdução á Psicologia Sócio-


histórica para que assim se possa entender qual será nossa linha de
raciocínio.

“A Psicologia Sócio-histórica carrega a possibilidade critica (...).


Fundamenta-se no marxismo e adota o materialismo histórico e
dialético como filosofia, teoria e método. Neste sentido concebe o
homem como ativo, social e histórico; a sociedade como produção
histórica dos homens que, através do trabalho, produzem sua vida
material (...)” BOCK (2009)

Com esta citação de BOCK (2009) podemos ter uma idéia de que
seguimento é formado a Psicologia Sócio-histórica, de bases crítica e
contestadora das “psicologias”, e não só, até então usadas.

Tendo, segundo BOCK (2009) esta Psicologia se apropriado das bases


do trabalho de Vygotsky sobre a Psicologia Histórico-cultural, com a proposta
de superar as dicotomias que as visões positivistas propunham que para ele
tinha sido considerada reducionista. Também impulsionada pela dialética
marxista, como falado a cima, proporcionou uma nova forma de fazer
psicologia, uma “Psicologia dialética” BOCK (2009). Tendo como um dos
1
“A Idade Contemporânea é um tempo histórico em aberto. Compreendendo o final do século XVIII até os dias
atuais (...)http://www.brasilescola.com/historiag/idade-contemporanea.htm, acessado domingo, 7 de novembro de
2010 as 22h e 15 min.. A partir deste conceito usaremos o termo “sociedade contemporânea” para nos referirmos
mais especificamente aos séculos XX e XXI
2
O eixo central da teoria pragmática é a ênfase na utilidade “prática” (...)http://pt.shvoong.com/humanities/1719194-
pragmatismo, acessado domingo, 7 de novembro de 2010 as 22h e 25 min. Assim consideraremos pragmático o
que é útil, usual e de aplicação pratica.
nomes mais expressivos Silvia Lane, se não o mais expressivo, que influenciou
inúmeros pensamentos e trabalhos, entre eles a própria Ana Bock, Odair
Furtado entre outros.

DEFICIÊNCIA MENTAL: UMA HISTÓRIA

Faremos uma descrição de três pontos mais especificamente, que para


nós são de extrema importância e que carece de uma observação critica 3·.
Teremos então primeiro uma reflexão sobre como, a sociedade
contemporânea absorve, insere (ou não) as pessoas com deficiência mental,
em seguir nos voltaremos para a família com sua importância e seus desafios
para com a deficiência mental, e por fim trataremos do “cuidar”, de como os
profissionais estão lhe dando, hoje, com a deficiência mental. Sendo que para
isso antes faremos uma descrição de como a deficiência mental de desenhou
na história tentando compreender os avanços e retrocesso que ocorreram no
lidar com a deficiência mental.

É difícil saber como o homem lidava com o deficiente, de todos os


gêneros, nos humanos primitivos, “(...) tudo indica que essas pessoas não
sobreviviam ao ambiente hostil da Terra (...)” 4 com o inicio da organização do
homem em grupos, com o intuito de se protegerem 5 a situação do deficiente
não mudou, visto que a força era ponto fundamental para que o individuo
pudesse sobreviver, tal vez já aqui o infanticídio fosse praticado ou ao menos o
abandono.

Como não existem relatos sobre a deficiência mental em períodos tão


remotos visto que só se passou a registrar quando a deficiência, de qualquer
tipo, tornou-se objeto de interesse comum da sociedade. Como cita CAMPOS 5 ,
na antiguidade este interesse já é delineado nos trabalhos de Platão quando
este cita que os “piores”, se referindo aos deficientes, deveriam se relacionar
com “piores” e os “melhores” com os “melhores”, e que a prole dos piores não
deveria ser criada, mas que isto deveria ser feito em segredo e só o estado
3
Análise profunda e bem detalhada sobre o objeto.
4
GUGEL, Maria Aparecida, A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade, Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência, 2010
5
CAMPOS, Rodrigues, Miriam, TARTARELLI, Pedro Miguel, FONSECA, Willian Alexander Kumagai da CASAMENTO
ENTRE DEFICIENTES MENTAIS NO BRASIL (este trabalho não estar datado)
deveria saber. Neste contexto a deficiência, ou desde que se passou a olhar
para ela, era vista pela ótica da religião, como castigo ou maldição .

Segundo CAMPOS6,

”Foi na Grécia que, pela primeira vez, os transtornos mentais foram


considerados como fenômenos naturais, contudo, com pouca
repercussão na sociedade, continuando vigente a idéia de castigo
divino.
“Apenas com o cristianismo surge o começo da solidariedade para
com os portadores de deficiência mental, por conseqüência do dogma
cristão da igualdade de todos os seres humanos, o amor, a
misericórdia e a sensibilidade para com os doentes.”

Ainda segundo CAMPOS, na idade média surgem os primeiros asilos,


orfanatos e instituições de saúde que recebem as pessoas com deficiência
mental. Estes trabalhos fora considerados prenunciadores do que viria a ser a
reabilitação, tratamento “(...) a igreja era a única instituição a dar esses
cuidados.”6 Aqui começamos a ver um acerta evolução na forma de olhar para
o deficiente mental, mesmo que estes olhares estivessem recheados de
crença, de superstições e a ciência baseada em conceitos mais metafísico e
transcendental, e no pensamento filosófico e religioso, mesmo que esta forma
de “cuidar” tenha sido, e ainda é, recriminada por excluir as pessoas isolando
do convívio social e familiar, e que este procedimento era realizado porque
esta “ciência” tinha como base a crença em Deus e no conceito de pecado e
culpa que as Sagradas escrituras ofereciam. Sendo que mesmo depois que a
ciência se “separou” da religião os deficientes mentais continuaram a serem
tratados do mesmo modo, excluídos e isolados da sociedade, basta para
constatar isso olhar para os hospitais psiquiátricos que, mesmo com a luta
manicomial, continua funcionado a todo vapor, só que existe entre as duas um
grande diferencial: a mentalidade e o momento histórico, político e social em
que estiveram inseridos. O primeiro o “homem”, o da fé e da razão que, por
conta principalmente da sua fé, passou a tratar o deficiente mental como
pessoa e oferecer como tratamento aquilo que a sua ciência tinha para
oferecer, e o “homem” só da ciência com seu pensamento e sua ciência

6
CAMPOS, Rodrigues, Miriam,
bastante evoluída e com muito mais recursos, mas que continuou, e continua,
a tratar o deficiente com os mesmos erros do “homem” da fé.

Com o Renascimento temos um grande avanço nas ciências e este fator


contribuirá de forma relevante para novos trabalhos, ao menos teórico, no
cuidar da deficiência mental. Neste período se destaca o trabalho desenvolvido
por “(...) Paracelso e Cardano médicos que pesquisaram a natureza da
deficiência mental, publicada na obra Sobre as Doenças que Privam os
Homens da Razão (1567). (...)”7, com este trabalho se é reconhecido pela
primeira vez um trabalho de uma autoridade na ciência e que abundantes
universidades reconhecia, passando a ver como medico o problema que antes
era tratado a luz da teologia e da moral judaico-cristã, tendo como principal
causa para a deficiência mental uma lesão ou disfunção do sistema nervoso
8
central , aqui exclusivamente o biológico era considerado, esta forma
organista desconsidera totalmente as influencias do meio ambiente 9.

Esta perspectiva talvez tenha sido a que mais predominou e que ainda
hoje tem delineado a forma de ver a deficiência mental caracterizado pelo
modelo médico que “(...) busca investigar a etiologia da deficiência mental
relacionando causa física com comportamentos do sujeito. Amplamente
utilizado por vários profissionais (...). Nesse modelo, o médico ocupa o papel
central, sendo que aos demais profissionais cabe apenas emitir um parecer
confirmando o diagnóstico. (...)” 10, que mesmo entre os psicólogos e analistas,
tem predominância.

Com esta brevíssima descrição da história da deficiência mental,


podemos voltar os olhares para o hoje e o que e de que forma a deficiência
mental tem sido vista e tratada.

A DEFICIENCIA MENTAL, FAMILIA E SOCIEDADE – “INCLUSÃO?!”

7ALLEBRANDT-PADILHA ,Sandra Marisa PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO DO DEFICIENTE MENTAL AO

LONGO DOS TEMPOS (este trabalho não tem data)

88 ALLEBRANDT-PADILHA apud PESSOT (1984)

99 ALLEBRANDT-PADILHA (sd)

1010 ANACHE, Alexandra Ayach, REFLEXÕES SOBRE O DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO DA DEFICIÊNCIA MENTAL UTILIZADO EM

EDUCAÇÃO ESPECIAL (UFMS)


A família é e sempre será um ponto chave para tratar quaisquer
problemas sociais, tendo em vista que esta é a célula mãe da sociedade e é
nela que se forma, ou germina o bem ou o mal que um dia será colocado em
confronto com a sociedade. Desta forma podemos dizer que a família é o
ponto de partida para entender a sociedade. Da forma que nos encontramos a
família vamos também encontra a sociedade.

No caso da deficiência mental a família merece uma atenção um tanto


especial já que a “(...) família constitui o primeiro universo de relações sociais
da criança e ‘... representa, talvez, a forma de relação mais complexa e de
ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga
emocional das relações entre seus membros’ (...)” 11. Aqui já começamos a ver
a historicidade do sujeito, história esta que já é construída antes da existência,
propriamente dita, do sujeito sendo ele construtor de sua de sua história antes
mesmo de ser ativo em sua história.

Nesta relação dialética sujeito-história-sujeito, podemos perceber como


devemos olhar mais adiante ou mais alem, onde antes era somente visto o
individuo como sujeito passivo condicionado a estímulos do meio, agora já
percebemos o quanto ele (quanto sua história) é responsável pela mudança do
ambiente e isto o fará mudar num movimento circular constante.

Assim a família comporta este sujeito, que aqui é deficiente mental, e


este ambiente que é o primeiro que ele terá contato e que muitas vezes se
torna o único ambiente. Este lugar, a família, carece de uma intervenção
contundente para que os laços afetivos se tornem mais intensos e possa dar
ao deficiente mental a melhor qualidade de vida possível e que estejam, os
membros , preparados para fornecer condições de desenvolvimento total para
a pessoa com deficiência. Neste ambiente que às vezes acolhe, às vezes
rejeita, o individuo será marcado, quase que determinando seu futuro, se ela
vai ter um desenvolvimento total dentro do seu potencial é este ambiente que
vai dizer. Por isso nossos olhares deve se voltar para a família, sua história
sua construção, para dessa forma poder, desde antes da chegada do individuo

1111
DESSEN, Maria Auxiliadora; SILVA Nara Liana Pereira DEFICIÊNCIA MENTAL E FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DA
PRODUÇÃO CIENTÍFICA. Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, ago/dez/2000
com deficiência, transformar este ambiente, este local histórico da sociedade
num ambiente colhedor e que “(...) proporcione a compreensão do processo
de desenvolvimento de crianças com deficiência mental (...)” 12.

Assim, “(...) a deficiência mental deve ser encarada como ma


construção social, não alheia à concepção de homem e de sociedade vigentes
e deve ser tratada como um fenômeno multideterminado. (...)” 13, dessa forma
temos que entender que a família é o lugar das primeiras, e como dissemos
talvez a única, experiências, estímulos que de certa forma definirá como o
individuo com deficiência irá progredir, dentro das suas limitações, em seus
processos cognitivos, por exemplo.

Sem esta compreensão, vemos um grande numero de famílias que


encontram na deficiência de um filho um enorme tormento quase que
intransponível, “(...) pais de crianças deficientes não só experimentam
sentimentos de culpa e vergonha, mas sentem-se culpados e envergonhados
14
por experimentá-los (...)” , nestas circunstâncias, sabendo que
comportamento como estes são compreensíveis, já que os pais não foram,
nem estão sendo, preparados para lidar com o diferente, com aquilo que
venha lhes proporcionar qualquer desgaste emocional ou físico, imersos à
cultura pragmática que nos tem conduzido cada vez mais para o “fácil”, menos
desgastante e, sobretudo no que se refere ao retorno que possa nos
proporcionar. É muito comum vermos a expressão: “Filho é um investimento”.
Esta frase do senso comum demonstra o quanto a família, e toda sociedade,
tem sido “educada” para não aceitar a deficiência e tudo aquilo que não lhe
proporcione benefícios práticos e que possa cada vez mais facilitar a sua vida.
Este percurso tem de certa forma nos levado de volta para os primórdios da
raça humana que só os fortes sobreviveriam como falamos à cima. Isto vemos
nos processos de seleção que se faz para ter o filho perfeito, pela manipulação
in vitro da vida pra alcançar a perfeição ou até o assassinato dos nascituros
como forma de seleção, que é apresentado a sociedade como uma

1212
DESSEN, Maria Auxiliadora; SILVA Nara Liana Pereira (2000)
1313
DESSEN, Maria Auxiliadora; SILVA Nara Liana Pereira (2000)
1414
MOURA,Leonice; VALÉRIO,Naiana, A família da criança deficiente, Cad. de Pós-Graduação em Distúrbios do
Desenv. São Paulo, v. 3, n. 1, p. 47-51, 2003
preocupação com a qualidade de vida que esta pessoa possa ter, o que nos
parece mais eufemismo.

“Além das pressões internas com as quais a família terá que lidar
com o nascimento de uma criança deficiente, esta também terá de
enfrentar as pressões exercidas pelas forças sociais externas, uma
vez que a sociedade tem dificuldade em conviver com as diferenças,
sendo este talvez um dos principais conflitos vividos pelas famílias.”
15

Dessa afirmação podemos delinear como a sociedade tem tratado a


deficiência mental, mesmo que possamos perceber avanços consideráveis no
que chamamos de inclusão, mas precisamos avançar, é necessário também
integrar.

“A integração do indivíduo com deficiência dependerá do processo de


relações dialéticas constituído desde as primeiras vivências no seu
grupo de referência. Em outros termos, é preciso que haja aceitação
da deficiência por parte dos demais participantes da comunidade.
Além disso, deverá haver vontade política para a construção de uma

prática social menos segregacionista e menos preconceituosa.” 16

“A sociedade tem dificuldade em conviver com diferenças e deixará isso


claro, de muitas formas sutis, dissimuladas e mesmo inconscientes (...)” 17.
Esse comportamento apresentado pela sociedade pode ser visto de diversas
maneiras, mas, sobretudo no tratar. Ainda temos um comportamento, que
chamamos de inclusão que só faz trazer para o meio, mas que na verdade se
esta fazendo uma “política de boa vizinhança” tentando por em pratica
algumas determinações legais, trazendo para dentro, mas segregando. Isto
tem ocorrido de forma muito comum quando se cria escolas especiais ou ao
menos classes especiais dentro de escolas comuns, empresas que separam

1515
MOURA; VALÉRIO (2003)

1616
MATTOS, Edna Antonia de, Deficiente Mental: Integração/Inclusão/Exclusão, Assistente-Doutora Fac.
Educação da USP, http://www.hottopos.com/videtur13/edna.htm, acessado em 22 de novembro de 2010

1717
MOURA; VALÉRIO (2003)
horários e locais só para deficientes ou mesmo momentos de lazer 18, ainda
que estas iniciativas sejam um avanço, não podemos negar que é um tipo de
segregação que gera muitos preconceitos por parte dos que não estão
envolvidos diretamente nestas atividades, que continuaram tratando os
deficientes mentais como “anormal”, “(...) a integração constitui uma via de
mão dupla, na qual deficientes e não-deficientes devem interagir na construção
19
de um entendimento comum (...)” isso se dá quando percebemos que o
diferente é somente mais uma peça no mosaico que é o ser humano.

Rejeição

MATTOS, Edna Antonia de, Deficiente Mental:


Integração/Inclusão/Exclusão, Assistente-Doutora Fac. Educação da USP,
http://www.hottopos.com/videtur13/edna.htm, acessado em 22 de novembro de
2010

1818
MATTOS (2010)

1919
MATTOS (2010)
Leonice Moura;Naiana Valério,A família da criança deficiente

Alunas do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em

Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Terapia ocupacional e Deficiência mental: Pensando sob uma otica soci-


interacionista. http://celinacb.br.tripod.com/toeinclusaosocial/id8.html
acessado em 21 de novembro de 2010 as 12:57

“Segundo Vygotsky (1991), o desenvolvimento humano é um processo sócio-


cultural: o homem se desenvolve a partir da apropriação que faz da cultura,
apropriação esta que só é possível mediante um processo de relação com
outros homens. Nesta perspectiva, o desenvolvimento não é um processo puro
e simples de acumulação, mas um processo dinâmico de transformações que
se dão tanto no nível físico como, e primordialmente, no nível psicológico (...).
Vygotsky nos ensina a olhar a pessoa com deficiência mental de uma outra
maneira: não mais como alguém que é menos, mas como alguém que é
diferente. Partindo de uma base diferente (pois não se nega a diferença, a
deficiência), a criança com deficiência mental desenvolve processos
diferenciados para poder seguir no seu desenvolvimento cognitivo. (...)”

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