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DESENVOLVIMENTO DA LITURGIA
NA HISTÓRIA
1. A LITURGlA JUDAICA
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ção do concílio. Essa tarefa foi realizada com rapidez e acerto,
em apenas I O anos. Isso é possível, evidentemente, graças a
toda a bagagem oferecida pelos 50 anos de movimento litúrgico.
A Igreja conta, desde então, com um novo missal (pro
mulgado, significativamente, quatrocentos anos depois do mis
sal do concílio de Trento: o de S. Pio V), orações eucarísticas,
lecionários, ritual e liturgia das horas. Isso possibilita à Igreja
viver logo uma liturgia renovada.
A liturgia cric;1ã é a celebração feiia pelo próprio povo de
Israel, agora ofuscada pela luminosidade do e,e,110 pascal de
Crrsto.
li
ro Templo, no Templo escatológico. O rompimento do véu do
Templo no momento da morte de Jesus é visto pela comunida
de como o fim desse sic,tcma cultuai ultrapassado É justamente
esse mistério de morte e ressurreição o centro, o lugar do culto
definitivo.
O culto a Deus centra-se no crucificado que foi ressusci
tado pelo braço poderoso de Javé. A comunidade do<; primeiros
discípulos é fascinada pela luz pascal. Nesse mistério, descobre
a manifestação definitiva da sah ação de Javé. É a revelação
plena de sua glória.
A comunidade vê em Cristo o novo Templo (Jo 2,19), e
mais que o Templo (Mt 12,5s); ele é o sumo e eterno sacerd9te
(Ilb 2, l 7;7,23-28); é o liturgista dos cristãos por excelência
(Hb 8,1s), o único mediador da aliança (Hb 8,6). Toda sua
existência é um mistério sacerdotal de expiação que culmina
na oferenda de sua morte, como sacrifício (llb 10,5s); ele pró
prio é a oferenda (Ef 5,2), o Cordeiro de sacrifício que purifica
e santifica por meio de seu sangue (Jo 1,29.36; 1Pd 1,19; Ap
5,6.12; 13,8). Uma vez exaltado, o Senhor exercita seu sacerdó
cio em favor dos seus; por isso, nele temos "acesso" diante de
Deus (Rm 5,1s) e por ele temos caminho livre e podemos
aproximarmo-nos confiantemente de Deus (Hb I O,19s).
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lação à primeira. Nela, ambas as bênçãos estão em paralelo e
com a mencionada simetria. Há uma bênção para o pão e outra
para o cálice (desapareceu uma das bênçãos sobre o cálice).
Os primeiros discípulos assistem, em Jerusalém, àc; cele
brações do Templo e celebram também a "ceia do Senhor".
Com o tempo, passam a compreender a novidade absoluta, a
ruptura que significa o evento Cristo e abandonarão o Templo.
A ceia judaica enquadra-se na casa de família, não no
Templo. Por isso, os cristãos se reunirão em casas de alguns
deles para celebrar a ceia. Nesse ponto reside uma das origina
lidades dos cristãos que chamará fortemente a atenção dos pa
gãos. Os discípulos desse Cristo não possuem Templo nem
altar. Por isso, durante a perseguição, a acusação mais freqüen
te será a de "ateus".
O espaço da celebração aparece como casa, onde se reú
ne a assembléia.
Qual é o tempo? Ou, se quiserem, que relação esse culto
incipiente mantém com o tempo?
Tampouco nesse ponto, como em outros, há uma criação
cristã. Israel está marcado pelas manifestações de Javé na his
tória, no tempo. Isso leva o povo de Deus a celebrar ao longo
do ano, culminando na Páscoa, e ao longo tia semana, concen
trada no shabbat. Nesse ponto, está a raiz da santificação do
tempo na liturgia cristã.
Os discípulos, ao compreenderem a centralidade de Cris
to na história da salvação, situam seu dia de celebração não
mais no shabbat, recordação do descanso de Javé na criação e
antecipação do descanso e paz escatológicos, mas sim no pri
meiro dia da semana.
O primeiro dia é o dia da ressurreição, da aparição do
Senhor a seus discípulos. Outros o chamarão o oitavo dia, por
que é a superação da antiga economia de salvação. É o "dia do
Senhor".
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3. A comunidade deve também perseverar nas orações
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que nos deste a conhecer por meio de Jesus, teu servo.
Glória a ti através dos séculos!
Assim como este pão, outrora disseminado sobre as
montanhas,
uma vez ajuntado, tomou-se uma só massa,
seja também reunida tua Igreja
dos confins da terra, em teu reino.
Pois a ti pertence a glória e o poder,
por Jesus Cristo, para sempre,
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se alguém não é, con\erta-se!
Mara11mhâ. Amém.
Quanto aos profetas, deixai-os render graças o quanto
quiserem.7
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Diante das mais diversas acusações, tão inverossímeis
quanto infundadas, os cristãos aprenderão que sua adesão ao
Crucificado impõe duras provas à sua existência.
Como já mencionamos, uma das imputações que mais
nos surpreendem é a de serem "ateus". Eram ateus aos olhos
dos pagãos porque não tinham templos nem sacrifícios, nem
\ ítimas, nem altares, nem sacerdotes. Numa época de grande
busca religiosa, num império atribulado por cultos orientais
ansiosos de salvação, os cristãos aparecem como aqueles que
não têm deuses, como ímpios. É, significativamente, a mesma
acusação que a Sócrates custou a cicuta.
Com isso, vemos a radical novidade que surge com o
cristianismo. Que tipo de culto exercem esses homens? Per
guntam-se alarmados. Circulam as versões mais disparatadas.
Ademais, surpreende e alarma esse car2ter internacional,
universal dos seguidores de Cristo. Isso é uma novidade que
hoje nos é difícil dimensionar. O culto surge desligado de uma
raça, de um território.
Tudo isso leva ao martírio de numerosos cristãos que
respondem com a coerência de suas vidas à novidade da qual
são portadores. As Igrejas rapidamente começam a valorizar o
martírio como testemunho perfeito que o cristão pode dar. São
eles os que cumpriram o discipulado em Jesus Cristo. Em Roma,
o bispo Inácio de Antioquia, prisioneiro acorrentado a caminho
de seu martírio, escreve às diferentes comunidades para que
essas não o privem da possibi I idade de tornar-se verdadeiro
discípulo de Jesus Cristo, mediante o seu sangue:
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Senhor. Em pouco tempo, começa com grande vigor o culto
dos mártires. Vê-se neles o verdadeiro culto. Tanto é, que os
martírios são descritos em termos cultuais e eucarísticos.
As comunidades cristãs, desde o princípio, estiveram mar
cadas pela espiritualidade do batismo. Recordemos sua impor
tância nas cartas de Paulo. Pelo batismo incorporamo-nos ao
mistério pascal de Cristo, mas também, ao mesmo tempo, à
uma comunidade cultuai, a um povo sacerdotal. A Didaqué
falava-nos também de sua relevância na vida das assembléias
cristãs.
Nessa época de maior organização e institucionalização,
adquire vigor uma das instituições mais fecundas da Igreja
primitiva: o catecumenato.
Além da crescente expansão da Igreja, a ação evangeli
zadora, o empenho em formar verdadeiros cristãos e a ameaça
das primeiras heresias são as causas do catecumenato.
Esse, catecumenato ao qual as comunidades dedicaram
um desmedido esforço, implica um prolongado processo de
provação dos candidatos. O processo era balizado por celebra
ções nas quais esses iam sendo introduzidos na vida da comu
nidade. Essa inserção culminava, para aqueles julgados dignos,
nos sacramentos da iniciação cristã.
Esse processo abria-se com o apadrinhamento do candi
dato. Um membro conhecido da comunidade devia apresentá
lo, garantindo junto a essa a seriedade de sua motivação.
O fato de ser aceito no estado catecurnenal implicava
incompatibilidade com certas profissões ligadas ao culto pa
gão, corno o serviço militar ou a administração do império. Ser
cristão não se mostrava fácil, tampouco, querer sê-lo.
Durante essa longa preparação, os candidatos iam sendo
instruídos doutrinalmente, sobretudo no conhecimento das Es
crituras.
Depois de urna longa provação de aproximadamente três
anos, entravam na preparação imediata à iniciação. Durante a
quaresma e, em especial, na última semana, os esforços são
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redobrados. Por fim, chega a noite santa em que serão feitos
plenamente cristãos.
Hipólito, num testemunho dessa época, informa-nos so
bre esses mistérios de iniciação:
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Jesus Cristo. E assim, depois de cada 11m ter-se secado,
1·0/tará a 1 estir-se e em seguida rodos pertencerão à
lgreja... 9
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No dia que se chama do sol, celebra-se 111110 re1111iâo dos
que mora111 nas cidades 011 nos campos e ali são 1/{ios,
fllllfO quanto o tempo permill', aJ Memônas dos Apósto
los ou os escritos cios profews.
Assim que o leiror ter111i11a, o presidente fa: 11111a exorta
çüo e co111·ula para 1111iwr111os tms bdos e.\emplos.
Erg11e1110-11os, entiío, e elel'{lmos em co11j1111to nossas pre
ces, após as quais se oferecem piío, 1•i11ho e âg11a, como
jâ dissemos. O presidente ta111hém, à medida de sua ca
pacidade, fa: elevar a Deus rnas preces e ações de gra
ças, ao que todo o povo responde "amém". Segue-se a
distribuição, dos alime11tos co11sagrados pela ação de
graças, e seu envio aos ause11tes, por 111eio dos diáconos.
Os que posrnem bens, e assim o querem, dão o que
melhor lhes apra:, conforme sua liin! deten11i11açüo, sen
do" coll'tCI c:ntreg11e ao pre.1ide111e, que: assim a11rilia os
ó,fcios e 1·11Í1'(IS, os enfemws, os polnes, os enc:ltrcc:ra
dos, os forasteiros, co11stitui11do-se, 111111,a palavra, o pro
vedor de quantos se llcham em necessidade. 11
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O pecado não é só ruptura com Deus, mas também com
a comunidade de Deus. Pode-se inclusive dizer que é ruptura
com Deus porque é antes ruptura com a assembléia. Pelo peca
do, fica-se excluído da comunidade. Por isso a reconciliação
com Deus é mediada pela reconciliação com a Igreja, com a
assembléia dos redimidos.
Essa teologia expressa-se muito claramente na liturgia.
Pela manifestação pública de sua situação de pecado (em que
se proclama especificamente perante a assembléia quais foram
seus pecados), é dolorosamente excluído da comunidade, da
qual ele próprio se separa pelo pecado. Os pecadores são ex
cluídos da plenitude da vida eclesial. Nas celebrações, só podi
am participar da liturgia da palavra.
A comunidade acompanhava todo o processo penitencial
dos pecadores, de modo especial rezando por eles, para que
não fraquejassem no duro caminho da conversão. E, chegado o
momento, eram publicamente reconciliados e readmitidos na
comunidade, perante o júbilo desta.
O que é isso?
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7. DE TRENTO AO t\lOVll\JENTO LITÚRGICO
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A nobre intenção de recuperar a palavra de Deus leva-o,
praticamente, a suprimir a ritual idade das celebrações.
Um dos pontos mais importantes de sua reforma litúrgi
ca é a introdução da língua vernácula na celebração.
Trento procura extinguir os abusos, já mencionados, que
se condensavam em avareza, irreverência e supe ·stição.
A intenção fundamental da reforma litúrg·ca é a de vol
tar às fontes antigas e genuínas da liturgia, dei <ando de lado
acréscimos e repetições, frutos de uma época determinada.
Trata-se, definitivamente, de voltar à tradição da Igreja,
deixando de lado as tradições "com letra minúscula".
Paradoxalmente, os integristas de nossos dias fazem de
Trento e seu missal (o promulgado por Pio V) um paradigma,
quando o concílio Vaticano II, quatro séculos depois, é anima
do pelo mesmo propósito, o de voltar à mais genuína tradição
da Igreja.
No que diz respeito à liturgia, a principal responsabilida
de da missa recai sobre os bispos. O concílio encarregou o
Papa da reforma do Missal (promulgado em 1570) e do Breviá
rio (em 1568).
Esse Missa/e Roma1111m vai constituir a única norma para
todas as Igrejas; e doravante nada podia ser mudado nele, a não
ser o que provasse ser uma tradição anterior a dois séculos.
Isso vai ser também usado como arma pelos integristas
em virtude da reforma do Missal em 1970 (curiosamente 400
anos depois do anterior). Esquecem-se de que o propósito que
impregnava essa proibição era o de conservar 1 liturgia mais
genuína, sem eílorescências espúrias. A reforma do Vaticano
li, da qual um dos novos frutos é o Missal, é motivada, na
reforma em questão, pelo mesmo propósito.
A liturgia do barroco caracteriza-se por e�se espírito fes
tivo, repleto de ornamentações.
A íesta do Corpus Chrisri surge como o �spaço em que
o barroco maniíesta-se sem freios. A controvérsia com os pro
testantes sobre a presença real conduz, na Contra-reforma, a
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uma ênfase especial nesse aspecto da eucaristia, tanto na teolo
gia quanto nas expressões litúrgicas e populares.
Já destacamos como a corrente devocional tende a es
quecer a unidade e centralidade do mistério pascal. A arquite
tura dos templos barrocos reflete essa dispersão, com a muti
plicação dos altares laterais. Longe se está de expressar a uni
dade de uma celebração comunitária. A multiplicidade de alta
res reflete a concepção da eucaristia como uma prática devo
cional dos sacerdotes.
Ademais, esse esquecimento do caráter axial do mistério
pascal revela-se no fato de que as estátuas dos santos e as
devoções vão deslocando a do Cristo. Como se pode entender
isso teologicamente? Que fundamento há no culto aos santos,
ou mesmo à Virgem, sem o fato de que em sua vida manifeste
se o mistério pascal de Cristo?
Os fiéis comungam cada vez menos, inspirados por uma
terrificante espiritualidade do sacramento. Os que comungam,
fazem-no majorirariamente fora da missa.
Voltou-se à situação anterior à reforma: a distância dos
fiéis, distância esla incrementada pela língua que desconhecem.
Diante da afirmação, por parte da reforma, do sacerdócio
dos fiéis, a liturgia pós-tridenrina insiste em ser uma ação fun
damentalmente hierárquica, à qual os fiéis assistem. Ê uma
prerrogativa clerical.
A celebração não é senão, antes de tudo, um espetáculo
que é preciso contemplar, comparecer, ver e ouvir. Não há
sequer uma mínima participação. No máximo, pode ser o espa
ço onde os fiéis recolhem-se em oração individual e em comu
nhões "espirituais".
8. O l\lOVIMENTO LITÚRGICO
Ao longo da história, houve épocas de intensa criativida
de lirúrgica. Desracamos de modo especial os séculos IV-VI,
em que se criam tanlo no Oriente quanto no Ocidente as gran-
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des "famílias litúrgicas", nos séculos X-XI no reino franco
com Pepino, Alcuíno e Carlos Magno; o movimento cistercien
se e o começo do franciscanismo; o ante e o pós-Trento.
Porém, o movimento litúrgico é um fenômeno bastante
moderno, não só na finalidade, mas também no conteúdo; é um
fenômeno histórico-social próprio de nosso tempo.
Entretanto, vê-se cada vez com maior nitidez que os
primeiros impulsos e realizações desse programa de renovação
já existiam, de modo surpreendente por sua clareza de visão e
tenacidade de propósitos, na época do iluminismo. Embora re
conhecendo isso, é claro que não há uma relaçii.o direta entre
eles.
Note-se bem o Sínodo de Pistóia, em 17:36. Ele repre
senta, do ponto de vista da liturgia, o fenômeno mais interes
sante do iluminismo.
Entre os desejos de reforma desse sínodc de tendência
heterodoxa encontramos o seguinte: participação ativa dos fiéis
no sacrifício eucarístico; comunhão com hóstias consagradas
na própria missa; menor estima pela missa particular; unicida
de do altar; limitação na exposição das relíquias sobre o altar;
significação da oração eucarística; necessidade da reforma do
Breviário; veracidade e historicidade das leituras; leitura anual
de toda a Sagrada Escritura; a língua vernácula, junto com o
latim, nos livros litúrgicos; supressão de muitas novenas e for
mas devocionais similares; relevância dada à comunidade pa
roquial, contra o fracionamento.
Significativamente, muitas dessas aspirações vão ser
realizadas pela reforma conciliar.
Os princípios que conduziram a esses anseios de reforma
eram a tendência à simplificação, o caráter co111u11itário, a com
preensão e edificação. Embora o ângulo seja préprio do ilumi
nismo, isso não tira a validez das reivindicações.
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. O século XIX
Nessa época marcada pelo romantismo, temos sobretudo a
renovação monástica, primeiro na França e depois na Alema
nha. Ela rapidamente toma consciência da importância da litur
gia na vida monástica. Portanto, renovar a vida monástica im-
plica renovar a liturgia e sua vivência.
O que é levado a cabo por D. Guéranger, o primeiro
abade do monastério beneditino de Solesmes, que irá publicar
numerosas obras, resgatando documentos litúrgicos antigos. Jun
tamente com isso, D. Guéranger reduz, infelizmente, a liturgia
à maneira romana, rejeitando qualquer elemento da liturgia
galicana.
Uma fundação do mosteiro de Solesmes, o do Beuron,
na Alemanha, começa a difundir esse trabalho litúrgico.
Todavia, todo esse movimento não ultrapassou os claus
tros, em virtude da falta de uma noção adequada de Igreja.
Essa era considerada, no século XIX sobretudo, úestacando sua
função social, pedagógica e organizadora. Sua essência litúr
gica e seu ser sacramental ficavam em segundo plano na
reflexão.
O século XX
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ção do concílio. Essa tarefa foi realizada com rapidez e acerto,
em apenas I O anos. Isso é possível, evidentemente, graças a
toda a bagagem oferecida pelos 50 anos de movimento litúrgico.
A Igreja conta, desde então, com um novo missal (pro
mulgado, significativamente, quatrocentos anos depois do mis
sal do concílio de Trento: o de S. Pio V), orações eucarísticas,
lecionários, ritual e liturgia das horas. Isso possibilita à Igreja
viver logo uma liturgia renovada.
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