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INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DA POLÍCIA FEDERAL

FACULDADE DAS CIÊNCIAS DA SEGURANÇA

DEONTOLOGIA DA SEGURANÇA

OS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES NA POLÍCIA


MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROFESSOR: DR. RICARDO LANGE

MESTRANDO: PAULO FERNANDO VILLELA CANTUARIA

2012
O presente faz uma rápida observação sob o tema “Os procedimentos ad-
ministrativos disciplinares na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”.
No Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra e a prisão uma ex-
ceção que somente pode ser aplicada pela autoridade judiciária competente, Federal
ou Estadual, Civil ou Militar, conforme dispõe a Constituição Federal de 1998, com
base nas disposições enumeradas no art. 5 º, que trata dos direitos e garantias fun-
damentais do cidadão.
O Direito Administrativo Militar, que se aplica aos Militares das Forças Ar-
madas (Exército Brasileiro, Marinha do Brasil e Aeronáutica) e aos Militares Estadu-
ais (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares), com o advento do texto
constitucional de 1988 passou por modificações que ainda estão sendo incorporadas
pelos diversos órgãos responsáveis pela Segurança Nacional e Segurança Pública
no Brasil.
O Direito Administrativo Castrense, assim como o Direito Administrativo no
Brasil em geral, não possui um Código de Normas, e nem mesmo encontra-se sis-
tematizado, o que dificulta o seu estudo, e muitas vezes impedem a sua perfeita a-
plicação. Os diplomas relacionados ao direito administrativo são esparsos, e não fo-
ram adaptados na maioria das vezes as novas regras constitucionais.
Apesar de toda esta desordem legislativa, os princípios constitucionais, e
até mesmo os princípios processuais, devem ser observados quando de um proce-
dimento administrativo disciplinar - PAD, para que a justiça possa ser aplicada de
forma escorreita, preservando os direitos e garantias fundamentais que são assegu-
rados a todos os cidadãos, inclusive aos integrantes das Corporações Militares, na
medida em que não se pode, objetivando fazer cumprir uma regulamentação ética
disciplinar afrontar direitos constitucionais e direitos humanos.
O PAD se inicia com a portaria ou termo acusatório da autoridade adminis-
trativa competente, que determina a citação do militar acusado, que deverá compa-
recer perante sua Organização Policial Militar – OPM, ou Organização Militar – OM,
para que tome ciência do termo. No dia e hora designados para o interrogatório, o
militar deverá comparecer acompanhando de seu advogado em atendimento aos
princípios do devido processo legal.
É importante se observar, que no processo administrativo militar não existe
uma norma legislativa expressa que determine a presença do advogado em todos os
atos processuais, tendo em vista que o próprio acusado poderá fazer sua defesa, ou
ter auxílio de um colega de caserna, que poderá ser um oficial PM, ou uma praça
bacharel em direito.
Encerrado o ato de interrogatório, por força de disposição normativa, o a-
cusado poderá apresentar a sua defesa prévia, e suscitar preliminares que sejam
cabíveis na espécie. A matéria suscitada deverá ser examinada pelo julgador, antes
da oitiva das testemunhas de acusação e testemunhas de defesa.
Com o advento da Lei nº. 10.792, de 1º de dezembro de 2003 que tornou o
interrogatório em Juízo contraditório, parte da doutrina vem entendendo que o inter-
rogatório realizado na Polícia Judiciária Civil, ou Militar, ou mesmo, o interrogatório
realizado no processo administrativo, comum ou militar, deverá ficar sujeito ao prin-
cípio do contraditório.
No processo administrativo militar, existem questões doutrinárias a serem
resolvidas, mas a partir do momento em que o acusado constitui um advogado para
patrocinar a sua defesa, este profissional passa a ter o direito de ser intimado por
meio da imprensa oficial, ou pessoalmente, dos próximos atos processuais que se-
rão realizados, em respeito ao princípio da publicidade e da igualdade entre as par-
tes, sob pena de nulidade absoluta dos atos processuais realizados sem a sua pre-
sença, ou devida intimação.
A falta de conhecimento, e o desrespeito às garantias constitucionais e
processuais, têm levado a adoção de um procedimento diverso daquele previsto pa-
ra a intimação dos atos processuais, fundamentado na praxe de se intimar o defen-
sor por meio do acusado, por telefone, ou até mesmo por bilhetes entregues pelas
mãos do réu, o que fere expressamente as garantias estabelecidas pelo vigente tex-
to constitucional. A adoção desta prática é extremamente condenável, e em nenhum
momento obriga o advogado, que é essencial à administração da Justiça, e que
possui prerrogativas asseguradas na Lei nº. 8.906, de 04 de julho de 1994 que regu-
lamenta o exercício profissional do direito, a comparecer aos atos processuais a se-
rem realizados pela autoridade militar. A realização dos atos administrativos sem a
presença do advogado, que em tese teria que ser intimado na forma anteriormente
mencionada, conduz apenas e tão somente a nulidade do ato administrativo, ou pro-
cessual, com um custo para os cofres públicos, uma vez que os atos terão que ser
refeitos.
A Transgressão Disciplinar nas Polícias Militares, hoje é considerada por
muitos, como crime, seja militar ou comum, sendo certo dizer que oitenta por cento
das punições disciplinares são oriundas de ato definido como crime. A maioria dos
regulamentos disciplinares de outros entes da federação está redigido em conso-
nância com a Constituição Federal de 1988, porém, no Estado do Rio de Janeiro,
base para nossos estudos, tal regulamento ainda é o modelo arcaico, dos tempos de
ditadura militar em nosso país. Se a prisão somente pode ser decretada por uma au-
toridade judiciária militar com base na lei, como o sistema poderá admitir uma prisão
administrativa fundada em um ato praticado por autoridade administrativa que justifi-
ca a sua decisão em um regulamento disciplinar militar que não foi editado por meio
de lei, mas um decreto do executivo? Segundo a doutrina, qualquer modificação o-
corrida após a Constituição Federal de 1988 nos regulamentos disciplinares somente
poderá ser feita por meio de lei proveniente da Assembléia Legislativa ou do Con-
gresso Nacional, sob pena de nulidade do ato, que poderá ser apreciado pelo Poder
Judiciário em atendimento ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. A prisão
administrativa não deve ser um instrumento de coação, mas uma medida excepcio-
nal, devendo ser asseguradas ao infrator todas as garantias processuais, para que o
cerceamento da liberdade possa ser revisto pelo Poder Judiciário, guardião dos di-
reitos e garantias do cidadão. O policial militar infrator poderá ser punido e até mes-
mo demitido pela prática de atos que sejam considerados ilegais ou abusivos, mas
somente sofrerá uma sanção após um processo administrativo onde seja assegura-
da a ampla defesa e o contraditório. A prática de um ilícito não é uma realidade ape-
nas do cidadão comum, mas também daqueles que integram a corporação policial,
de modo que a punição deve ser uma realidade no sistema para se evitar o senso
de impunidade que vem tomando conta de alguns países, como ocorre atualmente
com a Colômbia. Entretanto será a prisão administrativa realmente necessária? A
prisão somente pode ser decretada por uma autoridade judiciária militar com base
na lei. Entretanto, o sistema vem admitindo prisões administrativas fundadas em um
ato praticado por autoridade administrativa que justifica a sua decisão em um regu-
lamento disciplinar militar que não foi editado por meio de lei, mas um decreto do
executivo. Ocorre que com o advento da Constituição Federal de 1988, o processo
administrativo, que antes era considerado procedimento, passou a ter as mesmas
garantias asseguradas ao processo judicial sendo de se observar que o art. 5º, inci-
so LV, da CRFB preceitua que aos acusados em processo judicial, ou administrativo,
e aos litigantes em geral, são assegurados a ampla defesa, e o contraditório com to-
dos os recursos a ela inerentes, doutrinariamente conhecido como devido processo
legal. Assim, com o novo texto constitucional, foi instituído o devido processo legal
administrativo, fazendo-se necessário a presença do advogado. Dessa forma há que
se indagar, como instaurar um processo administrativo com base num regulamento
que não foi aprovado através de uma Lei?, Como fazer a intimação do defensor no
PAD?
Outro ponto importante de se refletir é que a Constituição da República Fe-
derativa do Brasil de 1988 dispõe em seu artigo 5º, inciso LXVIII que “conceder-se-á
habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder”, bus-
cando proteger a liberdade do cidadão, impedindo, ainda, no inciso XXXV do art. 5º
que a “lei não pode excluir da apreciação do Poder hierárquico lesão ou ameaça a
direito”, o que estabelece um conflito aparente de normas constitucionais em relação
às transgressões disciplinares militares.
Pelos fatos acima observa-se que os policiais militares, na realidade, são
tratados como cidadãos de segunda categoria, pois os seus direitos e garantias
constitucionais não são respeitados. Há uma verdadeira confusão quando da puni-
ção do Policial Militar ao considerar transgressão disciplinar ato que o mesmo tenha
praticado em sua vida pessoal, e mais, confundindo este com o ato que o mesmo
pratica em sua vida profissional, e ao final, com crime seja ele comum ou militar.
Considerando as colocações acima parece-nos que a prisão disciplinar de
um policial militar decretada por autoridade administrativa embora busque obedecer
ao devido processo legal, concedendo o direito a ampla defesa e ao contraditório, tal
ato se encontra eivado de erro posto que baseado em regulamento disciplinar que
não foi editado por lei, mas por decreto do poder executivo numa demonstração de
autoritarismo típica das mais rígidas ditaduras. O tema abordado não é novo, porém
ainda pouco explorado, no exercício de suas funções, os policiais militares são regi-
dos tanto pelos diplomas civis: Código Penal, Código de Processo Penal, Leis Espe-
ciais Criminais, como pelas leis militares: Código Penal Militar, Código de Processo
Penal Militar e Regulamentos Disciplinares. O Regulamento Disciplinar da Polícia Mi-
litar do Estado do Rio de Janeiro – RDPM é um decreto do executivo o que contraria
frontalmente a Constituição Federal. A liberdade é um direito fundamental do cida-
dão, sendo certo que num Estado Democrático de Direito não se admite a existência
de disposições que não estejam previamente previstas em lei, não importando se o
ato ilícito é um crime ou uma contravenção. Assim, forçoso concluir-se que a Polícia
Militar do Estado do Rio de Janeiro, objetivando dar uma pronta resposta política pa-
ra a sociedade conquanto às transgressões disciplinares dos policiais vem rotineira-
mente afrontando a Constituição Federal e princípios básicos de direitos humanos
numa atitude anti-ética injustificável uma vez que sua atuação visa, em resumo, o
estabelecimento do respeito à ética, aos costumes, às Leis e Regulamentos. A falta
de critérios objetivos na avaliação das punições vem conduzindo a excessos, onde o
respeito é imposto pelo terror. O poder disciplinar e hierárquico integram os poderes
da administração pública, civil ou militar, mas deve ser utilizado com parcimônia, na
busca do cumprimento dos princípios aos quais os administradores e os seus agen-
tes se encontram sujeitos em atendimento ao art. 37, caput, da CRFB.

REFERÊNCIAS

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1983.

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