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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Módulo II – Direitos Humanos e Transdisciplinaridade


Prof. Dr. Gilmar Antoniassi Junior
Pós-doutor; Doutor e Mestre em Promoção da Saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN); Especialista em
Psicologia Clínica e Neuropsicologia pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG). Graduado em
Psicologia pela Faculdades Integradas de Fernandópolis (FIFE) e Gradual em Pedagogia pela Faculdade Patos de
Minas (FPM). Atualmente é Professor Titular do Departamento de Graduação e Pós-graduação em Psicologia da
Faculdade Patos de Minas (FPM). Coordenador do Curso de Graduação e Pós-graduação em Psicologia do
Departamento de Psicologia da Faculdade Patos de Minas (FPM). Consultor Avaliador do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira autarquia vinculada ao Ministério da Educação. Membro
Efetivo do Grupo de Pesquisa Apoio Social e Promoção Social CNPq da Universidade de Franca (UNIFRAN).
Membro Efetivo e Lider do Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura, Subjetividade e Promoção Psicossocial do
DPGPSI da Faculdade Patos de Minas (FPM). Trabalha na linha de pesquisa de Políticas e Práticas em
Promoção da Saúde, e na Políticas e Práticas em Promoção Psicossocial, com interesse nas temáticas de:
Promoção Psicossocial e da Saúde; Intervenções Grupais em Psicodrama; Perspectivas em Saúde e Educação;
Relações Familiares; Comportamento Risco e Vulnerabilidade; Ambiente e Sustentabilidade; Gênero e
Sexualidade; Álcool e outras Drogas.

1 INTRODUÇÃO

O segundo módulo deste curso de Educação em Direitos Humanos tem o objetivo de


capacitar os profissionais da educação para fomentar uma compreensão aprofundada e
transdisciplinar dos princípios, valores e desafios relacionados aos Direitos Humanos,
capacitando os mesmos a integrarem esses conhecimentos em práticas educacionais inovadoras.
Por meio de abordagens transversais, promover a reflexão crítica sobre as interconexões entre
diferentes áreas do saber, desenvolvendo a habilidade de analisar questões complexas sob a
ótica dos Direitos Humanos e estimulando a formação de cidadãos conscientes, éticos e
engajados na promoção da justiça social. Além disso, busca-se instigar a produção de
conhecimento interdisciplinar, incentivando a pesquisa e a aplicação prática dos conceitos
aprendidos, com ênfase na construção de uma sociedade mais inclusiva, igualitária e respeitosa
com a diversidade.

Ótima aula a todos!

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2 CONCEITO DE TRANSDISCIPLINARIEDADE: e suas compreensões e diferenciações.

A transdisciplinaridade é um paradigma que transcende as fronteiras tradicionais das


disciplinas acadêmicas, buscando a integração e colaboração entre diferentes campos de
conhecimento. Diferentemente da abordagem multidisciplinar, que se caracteriza pela
coexistência de diversas disciplinas em um mesmo contexto, a transdisciplinaridade vai além,
criando uma rede de interações e conexões que ultrapassam os limites convencionais das áreas
do saber.

Nesse contexto, a transdisciplinaridade não se contenta em simplesmente agregar


conhecimentos de disciplinas distintas; ela procura criar perspectivas e abordagens que
emergem da interação entre essas disciplinas. Trata-se de um movimento que reconhece a
complexidade inerente aos desafios contemporâneos e busca soluções que vão além das
fronteiras estabelecidas, integrando saberes diversos em uma compreensão mais holística.

Ao adotar uma abordagem transdisciplinar, os pesquisadores e profissionais têm a


oportunidade de explorar questões complexas e interconectadas de maneira mais completa,
levando em consideração não apenas as especialidades individuais, mas também as interações
e influências mútuas entre elas. Essa abordagem amplia as possibilidades de compreensão e
intervenção em situações que demandam uma visão mais abrangente e integrada.

A transdisciplinaridade não apenas enriquece o processo de construção do


conhecimento, mas também se mostra essencial em contextos práticos, como na resolução de
problemas sociais, ambientais e culturais. Por meio da colaboração entre diferentes disciplinas,
a transdisciplinaridade promove uma visão mais completa e contextualizada do mundo,
contribuindo para a formação de soluções mais eficazes e sustentáveis. Assim, ela se torna uma
abordagem fundamental para enfrentar os desafios complexos e interdisciplinares da sociedade
contemporânea.

Segundo Nicolescu (1999) o declínio das civilizações é um fenômeno intrinsecamente


complexo, enraizado em uma obscuridade profunda. Apesar das várias explicações e
justificações superficiais disponíveis, não é possível dissipar a sensação de uma força irracional
agindo no âmago desse processo. Desde as vastas massas até os líderes proeminentes de uma
civilização, mesmo que tenham alguma consciência do declínio iminente, parecem incapazes
de conter a queda de sua sociedade. Um aspecto incontestável é a considerável disparidade entre

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as mentalidades dos participantes e as demandas internas para o desenvolvimento de uma


sociedade específica, que inevitavelmente acompanha o declínio civilizacional.

Acontece como se os conhecimentos e saberes incessantemente acumulados por uma


civilização não pudessem ser assimilados pelos próprios membros que a constituem.
Ironicamente, o ser humano, que deveria ocupar o cerne de qualquer civilização digna desse
nome, parece ficar à margem desse processo.

Por conseguinte, é importante diferenciar os conceitos de disciplinaridade,


multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. A diferenciação entre
disciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade é
fundamental para compreender e aplicar abordagens mais eficazes no contexto acadêmico,
científico e prático. Cada uma dessas perspectivas apresenta características distintas e oferece
contribuições específicas, refletindo diferentes graus de integração entre disciplinas e áreas de
conhecimento. Aqui estão as principais razões para a importância dessa diferenciação,
conforme apresentado no quadro abaixo:

Quadro de informações sobre a diferenciação entre conceitos.

1. Eficácia na Resolução de Problemas Complexos:


o Disciplinaridade: Abordagem que se concentra na especialização em uma única disciplina,
aprofundando o conhecimento em uma área específica.
o Multidisciplinaridade: Inclui a colaboração de diversas disciplinas, mas cada uma mantém
sua autonomia e aborda o problema a partir de sua própria perspectiva. Pode haver pouco
diálogo entre as disciplinas envolvidas.
o Interdisciplinaridade: Busca integrar diferentes disciplinas, promovendo diálogo e
colaboração entre elas para abordar um problema de maneira mais holística.

2. Compreensão Integrada de Complexidade:


o Interdisciplinaridade: Proporciona uma compreensão mais abrangente e integrada de
questões complexas ao combinar conhecimentos de diferentes disciplinas. Envolve uma
coordenação mais estreita entre os especialistas

3. Amplitude e Holismo:
o Transdisciplinaridade: Vai além da interdisciplinaridade, buscando uma compreensão
global e holística do objeto de estudo, transcendendo as fronteiras disciplinares. Integra não
apenas conhecimentos, mas também valores, experiências e perspectivas culturais.

4. Formação Acadêmica e Profissional:


o Disciplinaridade: Comum em cursos de graduação e pós-graduação, proporciona
especialização profunda em uma área específica.
o Multidisciplinaridade e Interdisciplinaridade: Têm relevância em programas que buscam
preparar profissionais para trabalhar em equipes multidisciplinares, promovendo uma visão
mais ampla.

5. Inovação e Criatividade:
o Transdisciplinaridade: Pode estimular a inovação ao promover a conexão de ideias
aparentemente não relacionadas, gerando abordagens e soluções criativas para problemas
complexos.

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Entender e aplicar esses conceitos de forma adequada pode enriquecer a pesquisa, o


ensino e as práticas profissionais, permitindo uma abordagem mais eficaz e abrangente para
lidar com os desafios contemporâneos. Cada uma dessas abordagens tem seu lugar e utilidade,
dependendo dos objetivos e da natureza do problema ou questão em análise.

Assim, a pluridisciplinaridade refere-se à análise de um objeto por várias disciplinas


simultaneamente, todas pertencentes à mesma área de conhecimento. A disciplinaridade,
pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade representam quatro
diferentes facetas de uma única e abrangente busca pelo conhecimento, formando juntas o arco
unificado do saber.

O primeiro significado de "Ser transdisciplinar" refere-se ao Ser da


transdisciplinaridade, ou seja, o Ser que representa a unidade entre Natureza e conhecimento.
Este é um significado filosófico desvinculado de qualquer interpretação religiosa. A unidade
entre Natureza e conhecimento implica cruzar a região de resistência de todos os níveis de
Realidade dos Objetos e dos Sujeitos, através da região de não resistência do Terceiro Incluído.
A metodologia transdisciplinar realiza essa unificação do Real e da Realidade por meio de uma
interconexão rigorosa de ontologia, lógica e epistemologia.

O segundo significado de "Ser transdisciplinar" diz respeito ao Ser do pesquisador


transdisciplinar. O pesquisador transdisciplinar não se separa do que sabe; ele é parte integrante
do conhecimento. A neutralidade e a objetividade rigorosa no conhecimento representam
apenas fantasmas do pensamento clássico, contradizendo as interpretações contemporâneas de
teorias e dados científicos. Isso implica necessariamente uma evolução espiritual do
pesquisador, permitindo-lhe incorporar a unificação entre Sujeito e Objeto por meio da ação do
Terceiro Incluído. Somente assim o pesquisador transdisciplinar pode dialogar com o Ser da
unidade entre Natureza e conhecimento.

O terceiro significado de "Ser transdisciplinar" consiste em enfrentar os desafios


complexos do mundo contemporâneo. Estamos vivendo um período de um novo barbarismo,
resumido em três palavras: transhumanismo, antropoceno e panterrorismo. Essa nova barbárie
pode conduzir, pela primeira vez na história, à total destruição da espécie humana. A
transdisciplinaridade deve estar profundamente envolvida com os problemas planetários e
sociais atuais. Somente através da unificação dos três significados acima do "Ser

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transdisciplinar" a metodologia da transdisciplinaridade se tornará o alicerce para enfrentar os


desafios do século XXI.

3 A PRÁTICA TRANSDISCIPLINARIEDADE: reflexões para o fazer.

A prática da transdisciplinaridade implica incorporar, em cada ação realizada, os


princípios da metodologia transdisciplinar, por meio de um conjunto de métodos adaptados a
situações específicas. Essa metodologia estabelece princípios gerais para a criação de diversos
métodos. Dessa forma, é possível observar que vários métodos podem ser alinhados com uma
única metodologia, delineada em termos de Níveis de Realidade, lógica do Terceiro Incluído e
Complexidade. A elaboração de métodos e ações transdisciplinares deve estar em conformidade
com as novas definições do Sujeito e do Objeto que surgem a partir da metodologia da
transdisciplinaridade.

A abordagem transdisciplinar nos capacita a contemplar uma Realidade


multidimensional, organizada em diversos níveis, substituindo a visão do pensamento clássico
que a concebia como unidimensional e de um único nível. As reflexões que se seguem não estão
condicionadas à finitude ou infinitude desse número. Para manter a clareza, consideremos, por
ora, que esse número seja infinito.

Para que a prática transdisciplinar ocorra é preciso aderir ao que Roberto Juarroz chama
de uma nova expressão transdisciplinar - a atitude transdisciplinar. O significado etimológico
da palavra "atitude" remete à "aptidão para manter uma postura". Seu antônimo, evidentemente,
é "impostura". Na perspectiva transdisciplinar, a atitude representa a capacidade, seja individual
ou social, de manter uma direção constante, inalterável diante da complexidade das situações e
das contingências da vida. Socialmente, essa direção corresponde ao fluxo de informação que
atravessa os distintos níveis de Realidade, enquanto, no âmbito individual, refere-se ao fluxo
de consciência que percorre os diversos níveis de percepção. A manutenção de uma direção
constante na travessia desses diferentes níveis de Realidade garante uma efetividade crescente
em nossas ações no mundo e na vida coletiva, seja em nível nacional, étnico ou global.

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O notável desenvolvimento tecnológico, culminando na revolução informática,


evidencia que essa efetividade tem sido uma constante na História, independentemente das
motivações individuais ou coletivas na esfera política, econômica e social. Manter uma direção
constante na exploração dos níveis de percepção assegura uma crescente afetividade,
fortalecendo a conexão entre o todo e o indivíduo. Ao longo da história, sábios têm afirmado
que o autoconhecimento é um processo evolutivo contínuo. Desde os primórdios da
humanidade até os dias atuais, as grandes obras da mística, da religião, da literatura e da arte
testemunham a presença constante da afetividade neste mundo.

A harmonia entre Objeto e Sujeito implica a concordância entre o espaço exterior da


efetividade e o espaço interior da afetividade. "Efetividade e afetividade" devem orientar os
projetos de civilização, ajustando-se aos desafios contemporâneos. Por conseguinte, a
totalidade dos níveis de Realidade e nosso conhecimento deles define o que chamamos de
masculinidade em nosso mundo. Por outro lado, a totalidade dos níveis de percepção e nosso
entendimento deles delineiam a feminilidade em nosso universo. A face do mundo é ternária:
masculinidade, feminilidade e a zona de resistência máxima entre os níveis de Realidade e
percepção, onde as alianças entre masculinidade e feminilidade podem ser celebradas.

Qualquer projeto de civilização futuro deve passar por um processo de feminilização


social. Visto que é apenas a mulher, não o homem, que dá à luz, é a feminilização do mundo
que pode gerar laços sociais atualmente escassos na comunicação entre os seres humanos. Isso
não implica, de maneira alguma, na homogeneização social, política, cultural, filosófica ou
religiosa. A visão transdisciplinar, por sua própria natureza, rejeita qualquer forma de
homogeneização que reduziria todos os níveis de Realidade a um único patamar e todos os
níveis de percepção a uma única dimensão.

A abordagem transdisciplinar pressupõe uma pluralidade complexa e uma unidade


aberta entre culturas, religiões, povos e visões sociais e políticas. A vida se recusa a se submeter
a dogmas e totalitarismos. Portanto, a atitude transdisciplinar requer tanto o pensamento quanto
a experiência interior, tanto a ciência quanto a consciência, tanto a efetividade quanto a
afetividade. A identidade de sentido entre o fluxo de informação nos níveis de Realidade e o
fluxo de consciência nos níveis de percepção confere significado e direção à atitude
transdisciplinar. A habilidade de preservar essa postura, voltada para a densificação da
informação e da consciência, caracteriza a atitude transdisciplinar. A descoberta de novos laços
sociais ocorre ao buscar pontes entre diferentes áreas do conhecimento e entre diferentes

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indivíduos, pois o espaço exterior e o espaço interior são duas faces de um único e mesmo
mundo. A transdisciplinaridade, portanto, pode ser compreendida como a ciência e a arte de
descobrir essas pontes.

Contudo, é preciso promover a evolução transdisciplinar do aprender, ou seja, o


surgimento de uma nova cultura capaz de mitigar as tensões que ameaçam a vida em nosso
planeta torna-se inalcançável sem uma abordagem educacional renovada, que considere todas
as dimensões do ser humano. As diversas tensões — econômicas, culturais, espirituais —
persistem e se aprofundam inevitavelmente devido a um sistema educacional fundamentado em
valores de épocas passadas e ao rápido desequilíbrio entre as estruturas sociais contemporâneas
e as transformações globais em curso.

Apesar da grande diversidade nos sistemas educacionais de diferentes países, os


desafios globais da nossa era estão gerando problemas comuns na educação. As crises que
afetam a educação em cada nação são meros sintomas de uma mesma fissura: a desarmonia
entre valores e as realidades de uma vida planetária em constante mutação. Embora não haja
uma solução mágica, existe um ponto central de questionamento que não devemos negligenciar
se almejamos verdadeiramente viver em um mundo mais harmonioso.

Segundo a “Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI” da UNESCO


apresenta quatro pilares de um novo tipo de educação: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver junto e aprender a ser e, neste sentido, a abordagem transdisciplinar pode
contribuir para um novo manejo das relações promotoras educação.

Aprender a conhecer implica a habilidade de construir pontes entre diferentes áreas de


conhecimento, relacionando-as com significados para nossa vida cotidiana e conectando-as às
nossas capacidades interiores. Essa abordagem transdisciplinar complementa essencialmente a
metodologia disciplinar, levando à formação de indivíduos continuamente conectados, capazes
de se adaptar às exigências em constante mudança da vida profissional, demonstrando uma
flexibilidade permanente direcionada à atualização de suas potencialidades interiores.

Aprender a fazer se configura como um processo de aprendizagem da criatividade. O


ato de "fazer" também significa explorar o novo, criar e revelar nossas potencialidades criativas.
Estabelecer as condições para o florescimento de indivíduos autênticos implica garantir um
ambiente propício à máxima realização de suas potencialidades criativas. Nesse sentido, a
hierarquia social, muitas vezes arbitrária e artificial, pode ser substituída por uma cooperação

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entre níveis estruturados em função da criatividade pessoal. Estes não seriam níveis impostos
pela competição, desconsiderando a dimensão interior do ser humano, mas sim níveis que
refletiriam verdadeiramente o ser.

A abordagem transdisciplinar se fundamenta no equilíbrio entre a pessoa exterior e a


pessoa interior. Sem esse equilíbrio, o ato de "fazer" se torna sinônimo de "submissão". Viver
em conjunto transcende a mera tolerância das diferenças de opiniões, cores e crenças; vai além
da submissão às exigências dos poderosos, da navegação entre conflitos intermináveis e da
separação rígida entre a vida interior e exterior. A atitude transcultural, transreligiosa,
transpolítica e transnacional pode ser cultivada, sendo inata na medida em que cada ser humano
abriga um âmago sagrado, intangível. Contudo, para que essa atitude inata seja atualizada e
incorporada à vida e à ação, é necessário um esforço constante.

Para que as normas de uma coletividade sejam respeitadas, elas devem ser validadas
pela experiência interior de cada ser. A atitude transcultural, transreligiosa, transpolítica e
transnacional nos permite compreender mais profundamente nossa própria cultura, defender de
maneira mais eficaz nossos interesses nacionais e respeitar de forma mais completa nossas
convicções religiosas ou políticas.

Aprender a ser pode parecer, à primeira vista, um enigma insolúvel. Sabemos que
existimos, mas como aprender a ser? Podemos iniciar esse processo entendendo que a palavra
"existir" implica descobrir nossos condicionamentos, identificar a harmonia ou desarmonia
entre nossa vida individual e social, e avaliar as bases de nossas convicções para descobrir o
que se encontra abaixo delas. O questionamento contínuo, no qual o espírito científico
desempenha um papel crucial, é fundamental. A aprendizagem de ser também é um processo
contínuo no qual os professores instruem os alunos tanto quanto os alunos instruem os
professores. A formação integral de uma pessoa inevitavelmente incorpora a dimensão
transpessoal. O desrespeito por essa necessária integração explica, em grande parte, uma das
tensões fundamentais de nossa era: a dicotomia entre o material e o espiritual.

Há uma relação clara entre os quatro pilares do novo sistema de educação: aprender a
fazer, aprendendo a conhecer e aprender a ser, aprendendo a viver juntos. Na perspectiva
transdisciplinar, uma transrelação conecta esses pilares, originando-se em nossa própria
constituição como seres humanos.

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A viabilidade de um sistema educacional está intrinsecamente ligada a uma abordagem


integral do ser humano, que se dirige à totalidade aberta do indivíduo, abrangendo todos os seus
componentes. A ênfase excessiva no intelecto em detrimento da sensibilidade e do corpo,
embora essencial em um determinado período para impulsionar o conhecimento, pode
conduzir-nos a uma lógica insensata da eficiência pela eficiência, culminando potencialmente
em nossa autodestruição. A partilha universal do conhecimento depende do surgimento de uma
nova tolerância fundamentada em uma atitude transdisciplinar, que implica a implementação
prática de uma visão transcultural, transreligiosa e transnacional. Daí decorre a relação direta e
incontestável entre paz e transdisciplinaridade.

4 A TRANSDISCIPLINARIEDADE E O DIREITOS HUMANOS: a escola universal e para


todos.

A busca por uma educação que transcenda fronteiras disciplinares e promova a


compreensão integral dos seres humanos é um tema que se entrelaça de maneira profunda com
a perspectiva dos Direitos Humanos. A transdisciplinaridade, ao abraçar uma abordagem
holística e interconectada do conhecimento, revela-se como um caminho promissor na
construção de uma escola universal que atenda a todos, independentemente de diferenças
sociais, culturais ou individuais.

Para isso é necessário transcender as barreiras disciplinares, pois, a


transdisciplinaridade, em sua essência, propõe uma visão que vai além das fronteiras rígidas
entre as disciplinas tradicionais. Ao invés de compartimentar o conhecimento, busca-se a
integração de diferentes saberes, reconhecendo que a realidade é complexa e multifacetada.
Essa abordagem permite que os estudantes não apenas absorvam informações de maneira
isolada, mas que compreendam as interconexões entre diversas áreas do conhecimento.

Nesse contexto, a transdisciplinaridade não se restringe ao âmbito acadêmico, mas se


estende para a formação integral dos indivíduos, promovendo uma visão mais abrangente de
mundo e instigando a capacidade de pensar criticamente. Ao transcender as barreiras
disciplinares, a educação transdisciplinar busca preparar os estudantes para enfrentar os
desafios complexos da vida, desenvolvendo habilidades que vão além do mero acúmulo de
informações.

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O debate sobre os Direitos Humanos tem como fundamento provocar a possibilidade


refletirmos sobre uma escola universal, alicerçada na transdisciplinaridade, é fundamental
considerar os princípios dos Direitos Humanos como um guia ético. Os Direitos Humanos
proclamam a dignidade, igualdade e liberdade inerentes a todos os seres humanos,
independentemente de suas características individuais.

Uma escola universal, sob a égide dos Direitos Humanos, deve ser inclusiva, acessível
e respeitar a diversidade em todas as suas formas. Isso implica não apenas o acesso físico, mas
também o reconhecimento e a valorização das diversas identidades, culturas e perspectivas. A
educação transdisciplinar, ao abraçar a multiplicidade de conhecimentos e experiências, alinha-
se naturalmente com os princípios inclusivos dos Direitos Humanos.

Os desafios e as oportunidades na implementação prática, no entanto, passa pela


concretização de uma escola universal e transdisciplinar enfrenta desafios práticos e estruturais.
A necessidade de reformas no sistema educacional, a formação de professores aptos a adotar
uma abordagem transdisciplinar e a criação de ambientes educativos que promovam a
diversidade são questões prementes.

É crucial superar barreiras históricas e estruturais que perpetuam desigualdades no


acesso à educação. A implementação de políticas educacionais baseadas na
transdisciplinaridade e nos Direitos Humanos exige um compromisso coletivo, envolvendo
governos, instituições educacionais, professores, alunos e a sociedade civil.

O futuro da educação encontra-se na interseção entre a transdisciplinaridade e os


Direitos Humanos. Uma escola universal, fundamentada nesses princípios, não apenas prepara
os indivíduos para o mundo acadêmico, mas também para a vida em uma sociedade globalizada
e diversificada.

A transdisciplinaridade e os Direitos Humanos são pilares que sustentam uma visão


educacional centrada na humanidade, na igualdade e na busca do conhecimento significativo.
Ao abraçar essa abordagem, aspiramos a uma sociedade mais justa, onde cada indivíduo,
independentemente de sua origem, encontre nas salas de aula as ferramentas para se tornar um
cidadão pleno e consciente de seus direitos e responsabilidades.

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A implementação da abordagem transdisciplinar e dos princípios dos Direitos Humanos


no cotidiano da sala de aula requer uma abordagem prática e consciente por parte do professor.
Aqui estão algumas estratégias que podem ser adotadas:

Quadro de possibilidade de fazer no dia-a-dia escolar a reflexão transdisciplinar sobre


os direitos humanos:
1. Desenvolver Projetos Transdisciplinares:
• Crie projetos que abordem temas relevantes e complexos, permitindo que os alunos explorem
diferentes disciplinas de maneira integrada.
• Incentive a colaboração entre os estudantes, promovendo a troca de conhecimentos e a construção
coletiva do saber.
2. Integrar os Direitos Humanos no Currículo:
• Introduza discussões sobre Direitos Humanos em diversas disciplinas, relacionando os conceitos
com situações reais e contemporâneas.
• Utilize casos práticos e estudos de caso para exemplificar violações ou promoção dos Direitos
Humanos.
3. Fomentar a Diversidade e a Inclusão:
• Valorize a diversidade cultural, étnica, de gênero e de habilidades na sala de aula, criando um
ambiente inclusivo.
• Integre materiais didáticos que representem diferentes perspectivas e experiências.
4. Estimular a Participação Ativa:
• Promova discussões em sala de aula que incentivem os alunos a expressar suas opiniões,
respeitando a diversidade de pontos de vista.
• Envolver os estudantes em atividades práticas que os coloquem em situações reais, estimulando a
reflexão crítica.
5. Capacitar os Alunos para a Cidadania:
• Desenvolva atividades que estimulem o engajamento cívico, incentivando os alunos a entenderem e
exercerem seus direitos.
• Envolva a comunidade local em projetos que promovam a conscientização sobre questões sociais e
direitos fundamentais.
6. Atuar como Facilitador:
• Assuma o papel de facilitador do aprendizado, proporcionando orientação e apoio à medida que os
alunos exploram diferentes disciplinas.
• Esteja aberto a aprender com os alunos, reconhecendo que o conhecimento é construído de maneira
colaborativa.
7. Avaliar de Forma Holística:
• Implemente métodos de avaliação que considerem não apenas o conhecimento disciplinar, mas
também a capacidade dos alunos de integrar informações de diferentes áreas.
• Valorize a aplicação prática do conhecimento em contextos reais.
8. Promover a Empatia:
• Desenvolva atividades que estimulem a empatia, como simulações ou projetos que abordem
desafios sociais.
• Incentive a compreensão das diferentes realidades dos colegas e de pessoas ao redor do mundo.
9. Atualizar-se Constantemente:
• Mantenha-se informado sobre temas transdisciplinares e questões relacionadas aos Direitos
Humanos, buscando constantemente atualizações e novas abordagens.
• Participe de workshops, seminários e cursos para aprimorar suas habilidades pedagógicas nesses
aspectos.

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Ao adotar essas práticas, os professores têm a oportunidade não apenas de transmitir


conhecimentos disciplinares, mas também de cultivar habilidades essenciais nos alunos, como
pensamento crítico, empatia e consciência social, contribuindo para uma educação mais
significativa e alinhada com os valores fundamentais dos Direitos Humanos.

5 INDICAÇÕES DO PROFESSOR

Leituras Complementares
Garcia, Joe. O futuro das práticas de interdisciplinaridade na escola. Rev. Diálogo Educ.,
Curitiba, v. 12, n. 35, p. 211-232, abr. 2012. Disponível em
<http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-
416X2012000100011&lng=pt&nrm=iso>.
Pires, Marília Freitas de Campos. Multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade no ensino. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 2, n. 2, p.
173–182, fev. 1998. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/icse/a/DC3DXHvJpTYfKzNdrRgX9Nj/?form#
Azevêdo, Nelma Menezes Soares de. Leitura literária e transdisciplinaridade : uma ponte
possível para os direitos humanos com crianças em sala de aula. 2016. 122 f. Dissertação
(Programa de Pós-Graduação Associado em Educação, Culturas e Identidades) -
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife. Disponível em:
http://www.tede2.ufrpe.br:8080/tede2/bitstream/tede2/5304/2/Nelma%20Menezes%20Soar
es%20de%20Azevedo.pdf

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste segundo módulo do curso de Educação em Direitos Humanos,


imergimos em uma rica jornada explorando os intrincados conceitos da transdisciplinaridade e
sua aplicação prática no contexto escolar. A transdisciplinaridade, como concebida, transcende
as barreiras disciplinares convencionais, abrindo portas para uma compreensão mais ampla e
integrada do conhecimento.
Aprofundamos nossa compreensão sobre a prática transdisciplinar, reconhecendo-a não
apenas como uma abordagem metodológica, mas como um caminho para a formação integral
dos estudantes. A construção de projetos e atividades que extrapolam as fronteiras das

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disciplinas tradicionais revela-se como uma estratégia eficaz para promover a interconexão de
conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades essenciais para a vida.
Particularmente notável foi a reflexão sobre a aplicabilidade da transdisciplinaridade no
universo escolar para discutir os Direitos Humanos. A abordagem transdisciplinar proporciona
uma lente única para explorar as complexidades das questões humanas, permitindo que os
estudantes compreendam as interações entre diferentes dimensões da sociedade.
Ao integrar os princípios dos Direitos Humanos nos projetos transdisciplinares, criamos
oportunidades para os alunos não apenas absorverem informações, mas também para
internalizarem valores fundamentais, como dignidade, igualdade e liberdade. A sala de aula se
transforma em um espaço dinâmico, onde a diversidade é celebrada, e os estudantes são
capacitados a se tornarem cidadãos críticos, conscientes e engajados.
Neste módulo, não apenas discutimos teorias, mas também exploramos práticas
concretas que podem moldar a educação do futuro. A transdisciplinaridade emerge como uma
ferramenta poderosa para construir uma escola mais inclusiva, reflexiva e alinhada com os
ideais dos Direitos Humanos. Ao encerrarmos este módulo, carregamos não apenas
conhecimento, mas a inspiração para transformar a sala de aula em um espaço que nutre não
apenas mentes brilhantes, mas também corações comprometidos com a construção de um
mundo mais justo e humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nicolescu, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade, Triom, São Paulo, 1999,


tradução do Francês por Lucia Pereira de Souza.

International Center For Transdisciplinary Research. Charter of Transdisciplinarity. The


International Center for Transdisciplinary Research (CIRET). http://ciret-
transdisciplinarity.org/index_en.php - Last modified on : Sunday, August 06, 2017.

Síntese do Congresso Internacional Que Universidade para o Amanhã? Em Busca de uma


Evolução Transdisciplinar para a Universidade, Locarno, Suíca, 30 de abril a 2 de maio de
1997. Esse documento pode ser encontrado em sua versão para o português no botão
“documentos” do site www.cetrans.futuro.usp.br.

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Cabral, S.; Cyrulnik, B. (orgs.). Resiliência: como tirar leite de pedra. São Paulo, Brasil: Casa
do Psicólogo, 2015.

Pineau, G. Transdisciplinarité et formation. L'Harmattan, 2005.

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