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TRILHAS (08 E 09) DELEGADO DE POLÍCIA – RESUMOS

Sumário

Trilha 08 – Resumos das Tarefas ........................................................................................................................ 5

Tarefa 01 – Direito Penal................................................................................................................................ 5

Tarefa 02 – Direito Administrativo ............................................................................................................... 34

Tarefa 03 – Direitos Humanos...................................................................................................................... 54

Tarefa 04 – Direito Processual Penal ........................................................................................................... 69

Tarefa 05 – Direito Constitucional ............................................................................................................... 96

Tarefa 06 - Criminologia............................................................................................................................. 119

Tarefa 07 – Legislação Penal e Processual Especial ................................................................................... 157

Tarefa 09 – Direitos Humanos.................................................................................................................... 183

Tarefa 10 – Direito Penal............................................................................................................................ 203

Tarefa 11 – Direito Administrativo ............................................................................................................. 209

Tarefa 12 – Direito Processual Penal ......................................................................................................... 225

Tarefa 13 – Medicina Legal ........................................................................................................................ 251

Trilha 09 – Resumos das Tarefas .................................................................................................................... 302

Tarefa 01 – Direitos humanos .................................................................................................................... 302

Tarefa 02 – Direito Processual Penal ......................................................................................................... 319

Tarefa 03 - Criminologia............................................................................................................................. 344

Tarefa 04 – Legislação Penal e Processual Especial ................................................................................... 394

Tarefa 05 – Direitos Humanos.................................................................................................................... 421

Tarefa 06 – Direito Penal............................................................................................................................ 432


Tarefa 07 – Direito Administrativo ............................................................................................................. 456

Tarefa 08 – Direito Processual Civil ............................................................................................................ 479

Tarefa 09 – Direito Processual Penal ......................................................................................................... 511

Tarefa 10 – Direito Constitucional ............................................................................................................. 535

Tarefa 11 – Direito Civil .............................................................................................................................. 568

Tarefa 12 – Legislação Penal e Processual Especial ................................................................................... 578

Tarefa 13 – Medicina Legal ........................................................................................................................ 589

Tarefa 14 – Direito Ambiental .................................................................................................................... 651

Considerações Finais ...................................................................................................................................... 668

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TRILHA 08
Tarefa 01 – Direito Penal Estudo da teoria da Aula 05 (Teoria Geral do Crime: Culpabilidade),
do tópico “CULPABILIDADE” ao tópico “Erro de Proibição”, inclusive.

Tarefa 02 – Direito Administrativo - Estudo da teoria da aula 05 (tópicos 3 a 5 - Atos


Administrativos - Elementos, mérito e atributos do ato administrativo).

Tarefa 03 – Direitos Humanos - Estudo da aula 05, do tópico “Convenção sobre Direito das
Crianças”.

Tarefa 04 – Direito Processual Penal Estudo da aula 05, de “Exame do corpo de delito e
perícias” a “Quaro-resumo”, inclusive.

Tarefa 05 – Direito Constitucional Estudo da aula 03. De “Mandado de Segurança Coletivo”


até o fim da aula teórica.

Tarefa 06 – Criminologia Estudo da aula 00 – Conceito, método, objeto e finalidade da


Criminologia.

Tarefa 07 – Legislação Penal e Processual Especial Estudo da aula 05, de “Do trabalho” até
o final da aula.

Tarefa 08 – Direito Civil Estudo das Pessoas Jurídicas: Personalidade, Classificação e


Associações da aula 02.

Tarefa 09 - Direitos Humanos Estudo da aula 05, do tópico “Convenção Internacional sobre
a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas
Famílias”.

Tarefa 10 - Direito Penal Estudo da Teoria da aula 05 (Teoria Geral do Crime: Culpabilidade),
do tópico “Coação Moral Irresistível” ao final da teoria da aula.

Tarefa 11 - Direito Administrativo Estudo da teoria da aula 05 (tópicos 6 a 8 - Atos


Administrativos - Espécies, Extinção, Convalidação e Conversão do ato administrativo).

Tarefa 12 - Direito Processual Penal Estudo da aula 05, de “Interrogatório judicial” a


“Declarações do ofendido”

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Tarefa 13 - Medicina Legal Estudo da Aula 03; De noções de asfixiologia até Resumo.

TRILHA 09
Tarefa 01 – Direitos Humanos Estudo da aula 05, do tópico “Convenção sobre o Direito das
Pessoas com Deficiência” até o subtópico “Conscientização e acessibilidade”.

Tarefa 02 – Direito Processual Penal Estudo da aula 05, de “Prova testemunhal” a


“Acareação”, inclusive.

Tarefa 03 – Criminologia Estudo da aula 01.

Tarefa 04 – Legislação Penal e Processual Especial Estudo da aula 06, de “Órgãos de


Execução Penal” a “Fixação de regime e unificação de penas”, inclusive.

Tarefa 05 – Direitos Humanos Estudo da aula 05, do subtópico “Direitos albergados” até o
subtópico “Contextualização – Libras e a Convenção”.

Tarefa 06 – Direito Penal Estudo da teoria da Aula 06 (Punibilidade), do tópico


“CONSIDERAÇÕES INICIAIS” ao tópico “DECADÊNCIA”, inclusive.

Tarefa 07 – Direito Administrativo Estudo da aula 06 – Contratos e convênios


administrativos (itens 1 a 7).

Tarefa 08 – Direito Processual Civil Estudo da aula 00, de “História do Novo Código de
Processo Civil” a “Exposição De Motivos do Novo CPC” (inclusive); e leitura dos art. 2º ao
12º do NCPC.

Tarefa 09 - Direito Processual Penal Estudo da aula 05, de “Prova documental” até o final
da aula.

Tarefa 10 - Direito Constitucional Estudo da aula 04. De “Teoria dos Direitos Sociais” até
“Outros Direitos Coletivos trabalhistas”, inclusive.

Tarefa 11 - Direito Civil Estudo das Pessoas Jurídicas: Fundações, Desconsideração da


Personalidade Jurídica e Domicílio da aula 03.

Tarefa 12 - Legislação Penal e Processual Especial Estudo da aula 06, de “Progressão e


regressão de regime” até o final da aula.

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Tarefa 13 - Medicina Legal Estudo da Aula 04; De “Causa jurídica da morte” até “fenômenos
transformativos”.

Tarefa 14 - Direito Ambiental Estudo da aula 00, do tópico “Conceito de Meio Ambiente”
ao tópico “O Direito Ambiental como um direito difuso, indivisível e transindividual”.

TRILHA 08 – RESUMOS DAS TAREFAS

TAREFA 01 – DIREITO PENAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Teoria Geral do Crime: Culpabilidade - do tópico “CULPABILIDADE” ao tópico “Erro de Proibição”,


inclusive.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1. Culpabilidade
Nesta aula na versão simplificada, finalizaremos a teoria do crime, com o estudo da culpabilidade. Como
adotada a teoria tripartida para conceituar infração penal, seus substratos são fato típico, ilicitude e
culpabilidade. Deste modo, a culpabilidade fecha o ciclo dos estudos sobre os elementos que constituem o
crime. A aula será composta pelos seguintes capítulos:

Conceito de Teorias sobre a Elementos da Causas excludentes da


culpabilidade culpabilidade culpabilidade culpabilidade

Esses assuntos tornam visto todo o conceito de crime, matéria complexa e fundamental para a compreensão
dos delitos da Parte Especial do Código Penal, bem como necessária para a compreensão do próprio Direito
Penal como um todo.

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Reitero meu desejo de que a aula seja agradável e produtiva! A culpabilidade possui aspectos práticos e
consiste no encerramento dos elementos do crime, matéria de importância nuclear nos concursos.

1.1 Conceito de culpabilidade

Culpabilidade é o juízo de reprovação ou censura, consistindo no terceiro substrato do conceito analítico de


crime, consoante preconiza a teoria tripartida. A própria palavra “culpado” já traz o sentido usual de
responsabilização de alguém por um fato que se reprova. Logo, é a análise se a conduta típica [primeiro
substrato do conceito analítico de crime] e não permitida pelo ordenamento jurídico [segundo substrato
do conceito analítico do crime] é ou não é reprovável [terceiro substrato do conceito analítico do crime].

A culpabilidade pode ser compreendida em um aspecto formal e em um aspecto material:

➢ Culpabilidade formal: é o juízo de reprovação realizado pelo legislador, de forma abstrata, para
fixação das sanções criminais, inclusive no que se refere aos limites máximo e mínimo das penas. É
feita uma análise de censura em relação às mais variadas infrações penais para fixação das penas
abstratamente cominadas a cada uma delas.
➢ Culpabilidade material: é o julgamento da reprovação do fato que é realizada pelo juiz, em
relação ao caso concreto, para a fixação da pena. É um dos critérios a serem levados em conta para
a individualização da sanção penal.
Sua previsão está expressa no artigo 59 do Código Penal, que traz as chamadas circunstâncias judiciais
para a fixação da pena-base, na primeira das três fases da dosimetria. Referidas circunstâncias
também são analisadas para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, da possibilidade de
substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos ou pena de multa, bem
como para escolha das penas cominadas de forma alternativa. Vale a leitura do referido dispositivo:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à


personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como
ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade

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IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se
cabível.

O Professor Cláudio Brandão ensina que, enquanto a tipicidade e a antijuridicidade se relacionam ao fato, a
culpabilidade se refere ao autor do fato. Culpabilidade do autor seria uma culpabilidade do caráter ou da
decisão de vida e levaria em conta a conduta social e a personalidade do agente, por exemplo. Põe-se, então,
a seguinte controvérsia, a culpabilidade é do autor ou do fato?

Prevalece que a culpabilidade é do fato, apesar de seus elementos estarem relacionados à pessoa do autor.
A culpabilidade constitui-se da imputabilidade, da potencial consciência da ilicitude e da exigibilidade de
conduta diversa. Referidos elementos são relacionados à pessoa, ao sujeito ativo da conduta. Entretanto, o
autor só deve ser reprovado enquanto agente da conduta, por aquilo que ele fez ou deixou de fazer.

As condições pessoais do agente são consideradas para a dosimetria da pena, mas não podem determinar a
reprovabilidade do ato. Deste modo, a censurabilidade relaciona-se ao fato praticado pelo agente, sendo
que ele deve ser analisado como o sujeito do fato. A reprovação, portanto, se dá em relação à gravidade da
conduta praticada pelo agente, seja ela omissiva ou comissiva.

Rogério Greco, entretanto, aponta que, com base na lição de Hans-Heinrich Jescheck, é possível defender a
união de ambas as concepções, tanto de culpabilidade de ator quanto de culpabilidade do fato. A
culpabilidade deve se centrar no fato, ou seja, ter nele seu núcleo, mas é possível levar em conta, em alguns
aspectos, a culpabilidade do autor.

Luiz Flávio Gomes, por sua vez, defende que o que interessa para o Direito Penal do Fato é o juízo de censura
sobre os fatos, sendo que as características do autor são reservadas para fixação da pena, nos termos do
artigo 59 do Código Penal. Assim, afasta-se o Direito Penal do Autor, que não é aceito atualmente, por
defender a punição e a responsabilização do homem por aquilo que ele é, e não pela ação ou omissão que
ele exteriorizou.

Em suma:

➢ Culpabilidade do autor: juízo de reprovação que recai sobre o autor, em virtude de sua conduta
e com base em sua capacidade de se autodeterminar.
➢ Culpabilidade do fato: é o juízo de reprovação do homem por aquilo que ele fez, a censura recai
sobre a conduta praticada pelo agente. Adotada pela doutrina majoritária.

Vista essa controvérsia, reiteramos que a maioria da doutrina entende que a culpabilidade do fato é a que
deve ser considerada. Cuida-se do terceiro e último substrato do conceito analítico de crime, de acordo com
o entendimento da teoria tripartida:

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Ao estudar a teoria da conduta, vimos que atualmente se adota a base finalista. Contudo, é importante
entender as alterações por que passou a conceituação da culpabilidade, bem como seus elementos,
conforme os juristas estudavam o enfoque que se daria à ação ou à conduta.

A teoria clássica da conduta, denominada de causalista, entendia que ela deveria ser compreendida de
forma objetiva. Deste modo, a análise do elemento subjetivo fica apenas para a culpabilidade.

No neokantismo, ainda que a conduta passe a contar com elementos subjetivos, o dolo e a culpa continuam
a ser estudados na culpabilidade, que passa a contar, para a maioria dos seus partidários, com um novo
elemento, a inexigibilidade de conduta diversa.

Por fim, o finalismo ensejou a migração do dolo e da culpa do substrato da culpabilidade para o substrato
do fato típico. A conduta humana, que sempre é dotada de alguma finalidade, não pode ser compreendida

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sem o seu elemento subjetivo. Deste modo, a conduta passa a ser vista em seu conjunto, sendo que, para
haver relevância penal, deve ser dolosa ou culposa. A culpabilidade deixa, então, de contar com os elementos
subjetivos (dolo ou culpa), passando a ser integrada pela potencial consciência da ilicitude, a imputabilidade
e a exigibilidade da conduta diversa.

Essa estrutura passa a ser usada como base pela grande maioria da doutrina, mesmo que haja algumas
modificações pontuais, como no caso do funcionalismo de Roxin1, que adiciona o elemento “necessidade de
pena”, ao lado da culpabilidade, para responsabilização penal.

Entretanto, o dolo e a culpa como elementos integrantes da conduta, e não mais da culpabilidade, é uma
concepção adotada por finalistas e, posteriormente, por funcionalistas, difundindo-se e sendo albergada
pela doutrina amplamente majoritária. Estudada essa relação entre as teorias da conduta e a culpabilidade,
cumpre então conhecer as teorias da culpabilidade, que variam conforme se compreendem a conduta e os
elementos que devem compor o juízo de censura.

1.2 Teorias sobre a culpabilidade

As teorias da culpabilidade dizem respeito à sua definição e aos elementos que a compõem. Como analisado
no tópico anterior, o estudo da culpabilidade foi se alterando, conforme a doutrina passou a conceber a ação

1
ROXIN, Claus. Derecho Penal, Parte General, Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito. Traduccion y notas
Diego-Manuel Luzón Peña (Director), Miguel Díaz y García Conlledo, Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, Reimp. 2008,
p.794.

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ou a conduta de forma diversa. As teorias da conduta, portanto, estão relacionadas com as teorias sobre a
culpabilidade.

Estudemos cada uma delas:

1.2.1 TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE


A teoria psicológica concebe a culpabilidade como a relação psíquica entre o autor e o resultado, na forma
de dolo ou culpa. Possui como único pressuposto a imputabilidade, ou seja, parte do ponto inicial de que é
necessária a imputabilidade, para só então se analisar o dolo ou a culpa do agente. Parte dos causalistas
considerava o dolo como normativo, já que seria seu elemento a atual consciência da ilicitude, ou seja, que,
no momento da conduta dolosa, o agente atuasse com vontade, conhecimento e atual consciência da
ilicitude. Franz von Liszt, por sua vez, considerava que a consciência da ilicitude não era relevante para o
Direito Penal.

A teoria psicológica foi adotada na época em que adotada a teoria causalista da conduta, e, portanto, o fato
típico não possuía como elemento o dolo nem a culpa. Deste modo, a culpabilidade era composta do dolo
ou da culpa, sendo que a imputabilidade do agente era seu pressuposto. Deixou de ser adotada com o
advento da teoria finalista. Antes, porém, já foi confrontada pela teoria psicológico-normativa, compatível
com a teoria neokantista da conduta e que veremos a seguir.

1.2.2 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA OU NORMATIVA DA


CULPABILIDADE

A teoria psicológico-normativa foi concebida por Reinhard Frank, após o reconhecimento da existência de
elementos normativos e subjetivos no tipo penal. Segundo essa teoria, a culpabilidade possui como
elementos o dolo ou a culpa, a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa. Referida teoria, assim
como a psicológica, entende que o dolo e a culpa integram a culpabilidade. Entretanto, passa a aceitar a
existência de elementos subjetivos no tipo penal. Portanto, possui compatibilidade com a teoria neokantista
da conduta.

Em relação à teoria psicológica da culpabilidade, uma grande diferença da teoria psicológico-normativa é a


inserção da inexigibilidade de conduta diversa como um novo elemento da culpabilidade. Referido
elemento advém da teoria da normalidade das circunstâncias, de Frank, que preconiza só ser culpável
determinada conduta desde que pudéssemos, naquelas circunstâncias, exigir uma conduta diferente do
agente. A inexigibilidade de conduta diversa é um elemento normativo, somando-se aos demais elementos,
que são psicológicos e consistem no dolo e na culpa. Por isso, a teoria possui tal denominação, psicológico-
normativa.

A inclusão da inexigibilidade de conduta diversa possuiu como finalidade solucionar questões como a do o
sujeito que, apesar de atuar com dolo ou culpa e ser imputável, não deveria ser considerado responsável
pelo delito, ou seja, não deveria ser punido criminalmente. É o caso da coação moral irresistível, que justifica

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a ausência de responsabilização criminal, mesmo que o agente atue com dolo e seja imputável. O dolo,
segundo a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, seria normativo, em razão de pertencer à
culpabilidade e, assim, ter como seu conteúdo a atual consciência da ilicitude. Só se pode imputar a um
agente uma conduta, a título de dolo, se ele possuía consciência, à época, de que seu comportamento era
antijurídico, caso contrário, não há o elemento subjetivo da conduta.

Com a concepção do dolo como integrado pela consciência da atual da ilicitude, bem como com a inserção
da inexigibilidade de conduta diversa como elemento da culpabilidade, esta deixa de ser mero elemento
psicológico que conecta a conduta praticada pelo agente e o agente do fato (a censurabilidade do sujeito
por aquilo que ele fez). A análise da culpabilidade passa por elementos normativos, ou seja, pela relação do
agente com relação à norma. Isto é, é necessário que ele tenha consciência atual da ilicitude e não se possa
exigir dele conduta diversa. Com a adoção da teoria finalista, o dolo e culpa passaram a integrar o fato típico,
levando à não adoção da teoria psicológico-normativa.

1.2.3 TEORIA NORMATIVA PURA OU ESTRITA DA


CULPABILIDADE

A teoria normativa pura ou estrita da culpabilidade foi elaborada com o advento da teoria finalista da
conduta, preconizada por Welzel. A teoria finalista passa a entender que a conduta humana é o exercício de
uma atividade final, ou seja, funde na conduta a vontade e a finalidade. Com isso, o dolo e a culpa passam a
integrar o fato típico, deixando de ser elemento da culpabilidade. Essa foi a grande modificação na teoria da
ação que vai influenciar diretamente a concepção da culpabilidade, por desprovê-la do elemento psicológico,
ou seja, do dolo e da culpa.

Com isso, a culpabilidade deixa de ser psicológica, já que o dolo e a culpa são concebidos como elementos
do fato típico. Seu conteúdo, então, fica sendo puramente normativo, isto é, exclusivamente o juízo de
reprovabilidade ou censurabilidade da conduta praticada pelo autor. Daí a denominação de teoria
normativa pura. Com a migração do dolo e da culpa para o fato típico, restam como elementos da
culpabilidade: a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude.

Outra diferença desta teoria, em relação à teoria psicológica, é que basta que a consciência da ilicitude seja
potencial, não sendo mais necessário que seja atual. Isto significa que se exige que o agente tenha condições
de entender que a sua conduta contraria as normas do ordenamento jurídico, ou seja, que atua de forma
ilícita. Não é necessário que o sujeito efetivamente saiba, no momento da sua atuação, que atua de forma
antijurídica. Basta a consciência potencial, isto é, que se demonstre que ele possuía condições de saber que
sua conduta era contrária ao que determinam as leis.

Portanto, a consciência da ilicitude deixa de ser elemento do dolo para se manter como elemento autônomo
da culpabilidade, enquanto o dolo passa a integrar o fato típico. Ademais, não se exige mais que a consciência
da ilicitude seja atual, bastando que seja potencial. Por fim, cumpre entender como a teoria normativa pura
da culpabilidade entende as chamadas descriminantes putativas. Vimos na aula passada que as
descriminantes são as causas excludentes de ilicitude, enquanto putativo é um termo derivado do latim que
significa suposto ou imaginado.

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Deste modo, concluímos que a descriminante putativa é a suposição do agente sobre a configuração de uma
causa que exclui a ilicitude do seu comportamento. Esta imaginação do agente, equivocada, pode ocorrer
em virtude de falsa percepção da realidade ou por motivo de interpretação incorreta da norma. As
descriminantes putativas decorrentes de erro sobre os pressupostos fáticos são tratadas como erro de
proibição, assim como as que decorrem da equivocada interpretação do tipo permissivo pelo agente. Deste
modo, tanto faz se o agente interpreta a realidade de forma equivocada e se imagina acobertado pela
legítima defesa, como se o agente interpreta mal a abrangência da norma que prevê a legítima defesa como
excludente de ilicitude. Em ambos os casos, estaríamos diante de um erro de proibição.

Portanto, todo erro que diz respeito à ilicitude da conduta (seja por erro de representação quanto aos fatos
que lhe são pressupostos, seja por má interpretação da norma), é considerado um erro de proibição, já que
a consciência da ilicitude integra a culpabilidade. Essa concepção sobre as dirimentes putativas possui
consequência prática. Em todos os casos de dirimentes putativas, o tratamento a ser dado deve ser o mesmo
do erro de proibição. Deste modo, se a conduta do agente for inevitável ou escusável, haverá isenção de
pena, por exclusão da culpabilidade. Se a sua conduta for evitável ou inescusável, a pena deve ser diminuída
de um sexto a um terço.

1.2.4 TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE


A teoria limitada da culpabilidade possui os mesmos fundamentos teóricos da teoria normativo pura, sendo,
para alguns, uma vertente da normativa pura. Também se concebem como elementos da culpabilidade a
imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude. Sua grande
diferenciação com a teoria normativa pura se restringe à natureza jurídica das descriminantes putativas
sobre os fatos, ou seja, aquelas que decorrem da incorreta percepção da realidade pelo agente.

Vejamos como a teoria limitada da culpabilidade diferencia as descriminantes putativas:

✓ O erro sobre os fatos, nas descriminantes putativas, é tratado como erro de tipo, um erro de tipo
permissivo. Ou seja, o erro sobre os pressupostos fáticos, sobre a realidade, que faz o agente pensar
estar acobertado por uma excludente de ilicitude, deve ser tratado como erro de tipo. É a chamada
descriminante putativa por erro de tipo, também denominada de erro de tipo permissivo. Se
inevitável, exclui a tipicidade. Se evitável, possibilita a punição da conduta a título de culpa, se a lei
previr a modalidade culposa do delito;
✓ Por sua vez, se o agente acreditar estar acobertado por uma causa excludente da ilicitude por
incorreta interpretação da norma, temos uma descriminante putativa por erro de proibição ou,
como também podemos denominá-lo, um erro de proibição indireto. Também pode ser
denominado de erro de permissão. Se a conduta for inevitável, há isenção de pena, por exclusão da
culpabilidade. Se a conduta for evitável, a pena deve ser diminuída de um sexto a um terço.

A teoria limitada da culpabilidade, portanto, diferencia a descriminante putativa de acordo com a espécie de
erro em que incorre o agente.

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Quanto à culpabilidade, o Código Penal adota a teoria limitada.

Segundo o entendimento dominante, esta é a teoria adotada pelo Código Penal2, conforme se depreende
das leituras dos seus artigos 20, § 1º, e 21:

Erro sobre elementos do tipo

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei.

Descriminantes putativas

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o
erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

(...)

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável,


isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da
ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Nota-se, da leitura do artigo 20, § 2º, que o tratamento de erro de tipo é reservado às hipóteses de
descriminante putativa em que o autor supõe situação de fato inexistente, ou seja, só se trata como erro de
tipo a descriminante putativa em que o erro recai sobre os seus pressupostos fáticos. Portanto, este é o
tratamento dado às descriminantes putativas pelo Código Penal, conforme a teoria limitada, por ele adotada
(entendimento majoritário):

2
OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro: parte geral: principios fundamentais e sistema. 2 ed. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 493. GOMES, Luiz Flávio. Ob. Cit., p. 107-110. PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit., 2020, p. 214. MASSON, Cleber. Ob. Cit., 2019,
p. 370. CUNHA, Rogério Sanches. Ob. Cit., 2020, p. 356. CAPEZ, Fernando. Ob. Cit., 2013, p. 332. BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob.
Cit., 2020, p. 530. JESUS, Damásio de. Direito Penal, volume 1: parte geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 356-357. Em sentido
contrário, defendendo que as previsões do Código Penal não são suficientes para concluir por uma ou outra teoria: ZAFFARONI,
Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, parte geral. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2019, p. 572.

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1.2.5 TEORIA EXTREMADA SUI GENERIS DA CULPABILIDADE
Sua diferenciação com a teoria normativa pura e com a teoria limitada da culpabilidade também se refere à
natureza jurídica das descriminantes putativas sobre os fatos. Tal como as outras duas, entende serem
elementos da culpabilidade: a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência
da ilicitude.

Entretanto, concebe que o tratamento da descriminante putativa decorrente da equivocada percepção da


realidade deve depender de ser tal erro evitável ou não. Deste modo, o erro sobre a excludente de ilicitude
com base nos pressupostos fáticas possui natureza jurídica diversa, caso seja considerado escusável ou
inescusável. Vejamos:

✓ Se o erro for inevitável, entende como a teoria extremada, com isenção de pena do agente. O
tratamento é o de erro de proibição.
✓ Se for evitável, segue o entendimento da teoria limitada, excluindo o dolo e punindo o fato a título
de culpa. Deste modo, segue as consequências do erro de tipo.

Notem que as teorias limitada e extremada sui generis da culpabilidade são variações
da teoria normativa pura da culpabilidade. A diferenciação entre as três se limita ao
tratamento do erro do agente sobre os pressupostos fáticos das excludentes de
iliticute.

Dada a relevância da matéria, cumpre verificar, no esquema abaixo, o tratamento das descriminantes
putativas de acordo com a teoria da culpabilidade:

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Atenção: o entendimento majoritário é de que houve a adoção da teoria limitada da culpabilidade por nosso
ordenamento jurídico. Em suma, as dirimentes putativas se traduzem em erro do agente sobre as causas
excludentes de ilicitude. Se o agente interpreta mal a norma, todas as teorias da culpabilidade ligadas ao
finalismo (normativa pura ou extremada, limitada e estrita ou extremada sui generis) tratam a hipótese como
erro de proibição. A divergência se refere ao caso de o agente se equivocar sobre a realidade, sobre os
pressupostos fáticos da excludente de ilicitude.

Uma última observação, em maio de 2020 procedi a uma revisão na nomenclatura das teorias, adotando a
posição de Luiz Regis Prado3. Há várias denominações utilizadas. Fernando Capez, por exemplo, denomina a
teoria estrita da culpabilidade como também teoria extremada4, enquanto Rogério Sanchez Cunha5, em sua
obra, usa o termo teoria extremada da culpabilidade para denominar a teoria normativa pura.

3
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral e parte especial. Luiz Regis Prado. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2020, p. 211-214.

4
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral (arts. 1º a 120). 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

5
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Arts. 1º ao 120. Volume Único. 2 ed. Salvador: Edição JusPodivm,
2014, p. 256-257.

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1.2.6 TEORIA DA COCULPABILIDADE
A teoria da coculpabilidade possui base na concepção do estudioso prussiano Jean-Paul Marat, que viveu no
tempo da Revolução Francesa. Marat defendeu que os indivíduos marginalizados na sociedade, por terem
seus direitos fundamentais desrespeitados, não podem se sujeitar às sanções que as leis prescrevem. Deste
modo, o Estado apenas poderia deles exigir a obediência à lei após lhes garantir a satisfação de suas
necessidades, com respeito aos seus direitos naturais.

Com raízes nesta concepção, o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni elabora a teoria da coculpabilidade,
segundo a qual o Estado deve compartilhar com os sujeitos excluídos e marginalizados da sociedade parte
da responsabilidade pelos atos que se imputam a eles. As condições de vida em que inseridos os membros
marginalizados da sociedade limitariam sua liberdade de escolha, tornando a sociedade corresponsável pelos
seus atos.

A teoria da coculpabilidade não serviria, nestes termos, para impedir a imputação da conduta ao agente,
excluindo sua culpabilidade. Sua função seria partilhar a responsabilização entre ele e a sociedade, o que
determinaria que sua pena fosse diferenciada em relação a um sujeito que teve ótimas condições de vida,
com seus direitos respeitados e o mínimo existencial garantido. Há uma possibilidade de sua incidência no
Direito Penal Brasileiro, já que o Código Penal prevê uma atenuante genérica na dosimetria da pena:

Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou
posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

Referida atenuante, a ser considerada na segunda fase da dosimetria, possibilita ao juiz a análise das
condições de vida do agente, sendo uma porta para a adoção da teoria da coculpabilidade na diminuição da
sanção penal em caso de marginalização do sujeito.A possibilidade de adoção da coculpabilidade já foi
analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, como se verifica pelo excerto do seguinte precedente:

“(...) ATENUANTE GENÉRICA. ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. COCULPABILIDADE. NECESSIDADE DE


REEXAME DE FATOS E PROVAS. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. A atenuante genérica prevista no art. 66
do Código Penal pode se valer da teoria da coculpabilidade como embasamento, pois trata-se de
previsão genérica, que permite ao magistrado considerar qualquer fato relevante - anterior ou
posterior à prática da conduta delitiva - mesmo que não expressamente previsto em lei, para reduzir
a sanção imposta ao réu; 2. No caso destes autos não há elementos pré-constituídos que
permitam afirmar que a conduta criminosa decorreu, ao menos em parte, de negligência estatal,
de modo que a aplicação do benefício pleiteado depende de aprofundado exame dos fatos e provas
coligidos ao longo da instrução para que se modifique o entendimento da Corte de origem acerca da
inaplicabilidade da atenuante. Tal providência, porém, não se coaduna com os estreitos limites do
habeas corpus. 3. Habeas corpus não conhecido.”

(STJ, HC 411243/PE, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19/12/2017).

16
668
Entretanto, não há no Código Penal uma agravante genérica, tal como ocorre como a atenuante do seu artigo
66. Tal previsão, inclusive, feriria o princípio da legalidade. Deste modo, não há base legal para a adoção da
teoria, que pode, entretanto, guiar o juiz na primeira fase da dosimetria, em que estão analisadas as
circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.

1.3 Elementos da culpabilidade

Como vimos, o Código Penal adota a teoria limitada da culpabilidade, que possui os mesmos elementos da
teoria normativa pura. Deste modo, seus elementos são:

• Imputabilidade;
• Potencial consciência da ilicitude;
• Exigibilidade de conduta diversa.

Referidos elementos devem estar presentes ao tempo do crime, que, segundo a teoria da atividade,
considera-se praticado quando o agente pratica o comportamento típico, seja ele comissivo ou omissivo. Por
isso, do ponto de vista do juiz, a análise será sempre retroativa, buscando verificar o preenchimento dos
pressupostos à época do crime. Vamos, então, estudar um a um cada uma das partes que integram a
culpabilidade, último substrato do crime de acordo com a concepção tripartida de crime.

1.3.1 IMPUTABILIDADE
A imputabilidade é a capacidade de se atribuir a alguém a responsabilidade por uma conduta típica e ilícita.
Podemos denominá-la de capacidade de culpabilidade, pois significa que o agente que praticou determinada
conduta pode ser responsabilizado por ela. Há doutrinadores que entendem que a capacidade penal é mais
ampla que a imputabilidade, por ser gênero que abrangeria também a capacidade de praticar atos como a
oferta de representação e o oferecimento de queixa-crime.

Prosseguindo, podemos conceituar a imputabilidade como a capacidade de compreender o caráter ilícito


da conduta e determinar-se conforme esse entendimento. Caso o sujeito não tenha capacidade de
compreender que sua conduta contraria o ordenamento jurídico, não pode ser considerado imputável e,
deste modo, não pode ser responsabilizado criminalmente. De igual modo, se a pessoa souber que seu
comportamento é ilícito, mas não conseguir evitar sua prática, por não ser capaz de se determinar conforme
sua consciência e compreensão, não será tipo por imputável. Hans Welzel entende que a imputabilidade é
composta de dois momentos, o momento cognoscitivo ou intelectual e o momento volitivo:

✓ Momento cognoscitivo: é a compreensão do agente acerca da conduta que pratica, da sua tipicidade
e da sua ilicitude. É a capacidade de entender;
✓ Momento volitivo: é a determinação da sua vontade, orientando sua conduta conforme sua
finalidade e compreensão. É a capacidade de querer.

17
668
A imputabilidade é presumida em relação a todos os sujeitos, sendo excluída se demonstrada uma causa
excludente da culpabilidade. Então, em regra, todo agente é imputável.

Há alguns critérios que podem ser adotados para a aferição da culpabilidade:

✓ Biológico: a imputabilidade é aferida de acordo com o desenvolvimento mental, levando em conta


eventual doença mental ou a idade do indivíduo.

✓ Psicológico: determina que a imputabilidade deve ser constatada a partir da capacidade de


entendimento e autodeterminação da pessoa, isto é, de sua capacidade de compreender o caráter
ilícito do fato e de se comportar de acordo com esse entendimento.

✓ Biopsicológico: é o critério que combina os dois anteriores. Consideram-se, para determinação da


imputabilidade, tanto a condição mental quanto a capacidade de entendimento e autodeterminação
do sujeito. Este critério, mais amplo, possui três requisitos para que determinada pessoa seja
considerada imputável:
a) Causal: exige-se a inexistência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou
retardado;
b) Consequencial: o agente deve possuir a capacidade de entender (momento cognitivo) e da
capacidade de querer (momento volitivo). O sujeito deve entender o que faz e ser capaz de se
determinar conforme seu entendimento;
c) Cronológico: exige que a imputabilidade seja constada ao tempo do crime, ou seja, no momento
da ação ou omissão do sujeito (teoria da atividade para a definição do tempo do crime).

Como regra, o Código Penal adota o critério biopsicológico.

Veremos, entretanto, que o Código Penal, apesar de em regra acolher o critério biopsicológico, também
adota o biológico, segundo a doutrina, quando se refere à inimputabilidade dos menores de 18 anos de
idade. Continuaremos a tratar do tema ao adentrarmos, ainda nesta aula, no estudo da inimputabilidade,
uma das excludentes da culpabilidade.

1.3.2 POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE


A potencial consciência da ilicitude é a capacidade do agente de compreender que sua conduta é
reprovável. Exige-se que o agente seja capaz de entender, ao tempo da sua ação ou omissão, que sua
conduta viola a norma jurídica, sendo censurável pela sociedade em que vive. Deve-se lembrar que, com o
advento da teoria normativa pura da culpabilidade e, posteriormente, a adoção da teoria limitada pelo
Direito Penal Brasileiro, a consciência da ilicitude deixou de integrar o dolo e passou a ser elemento da

18
668
culpabilidade, enquanto o dolo migrou para o fato típico. De igual modo, como diferenciação em relação à
teoria psicológico normativa, a teoria limitada pura exige a consciência potencial da ilicitude, não a
consciência atual.

Deste modo, não se exige que se comprove que o agente compreendeu, ao tempo do crime, que é o da sua
conduta, o caráter ilícito do que praticava. Basta que seja plenamente capaz de compreender, ou seja, que
se demonstre de que naquele momento era capaz de compreender o caráter ilícito do que praticava. Não
é necessário o conhecimento técnico pelo agente. Basta, portanto, a chamada valoração paralela na esfera
do profano, conforme expressão usada por Mezger6. A valoração paralela é aquela realizada
pelo leigo que, mesmo sem conhecimento técnico-jurídico, possui capacidade de entender o
que é lícito e aquilo que não é, em decorrência da sua convivência social.

A valoração é paralela pois é feita ao lado do juízo eminentemente jurídico. Sua esfera é a do
profano, pois não é a do Direito. É o âmbito do leigo, com recurso a aspectos morais, sociais,
escolares, culturais, religiosos, dentre outros. Por isso, consideram-se essas condições do sujeito para valorar
se ele possuía ou não condições de entender a reprovabilidade daquilo que ele praticava.

Não devemos confundir a exigência de potencial consciência da ilicitude com a possibilidade de o agente
declarar que desconhecia a lei. A ignorância a respeito da existência da lei, também chamada de erro de
direito, não é causa de exclusão da culpabilidade, pois, como diz o adágio latino, ignorantia legis neminem
excusat, ou seja, a ignorância da lei não escusa ninguém.

Nestes termos, é o que prevê o artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):

Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Essa norma é plenamente aplicável no caso dos crimes. Entretanto, no caso das contravenções penais, existe
norma específica, situada no artigo 8º da Lei das Contravenções Penais:

Art. 8º No caso de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando escusaveis, a pena pode
deixar de ser aplicada.

Portanto, apenas no caso de contravenções penais, a ignorância sobre a lei, se for escusável ou desculpável,
pode ensejar a não aplicação de pena pelo juiz. No caso dos crimes, como visto, ignorar a existência da lei
não exclui a culpabilidade, pois ninguém pode alegar o desconhecimento da lei para se eximir do seu
cumprimento. Entretanto, a ignorância sobre a lei é causa atenuante da pena:

6
Mezger, Edmund. Derecho Penal. Libro de Estudio. Parte General. Santiago: Ediciones Olejnik, 2019, p. 204.

19
668
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

(...)

II - o desconhecimento da lei;

Portanto, ainda que o desconhecimento da existência da lei não exclua a culpabilidade em relação à prática
de um crime, deve ser considerado na segunda fase da dosimetria, atenuando a pena do agente.

1.3.3 EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA


Exige-se, para que o agente seja culpável, que tenha a possibilidade de atuar de acordo com o que o
ordenamento jurídico prescreve, o que deve ser analisado no momento da prática do crime, ou seja, da sua
ação ou omissão (teoria da atividade). Só se pode reprovar a conduta de quem tinha condições, ao tempo
de sua conduta, de agir de modo diverso. Se não for possível exigir do sujeito um comportamento diferente,
sua ação ou omissão não é reprovável e, deste modo, fica afastada a sua culpabilidade. Não se deve punir
condutas que não poderiam ser evitadas. Referidos comportamentos não se submetem à reprovabilidade
penal. Se o sujeito não podia agir de modo diferente, não se pode fazer um juízo de censura sobre sua
conduta.

O jurista Reinhart Frank defende que a normalidade das circunstâncias concomitantes, ou seja, a
normalidade das circunstâncias em que o sujeito autua é um elemento da culpabilidade 7. Desse modo, a as
circunstâncias em que o agente atua deve acarretar a valoração da sua culpabilidade, com a possibilidade de
sua exclusão em determinados casos. Frank conclui, então, que a culpabilidade pode ser excluída se as
circunstâncias representam um perigo para o autor ou para terceira pessoa e a ação ilícia pode salvá-los8.

Sua concepção ficou conhecida como teoria da normalidade das circunstâncias. A culpabilidade passa a
contar, com sua teoria, com a exigibilidade de conduta diversa.

Entretanto, cumpre destacar que Frank adotava a concepção da teoria psicológico-normativa da conduta,
não adotada pelo nosso Código Penal, mas é destacada pela doutrina por buscar limitar o ius puniendi com
base em uma culpabilidade voltada à individualidade do agente.

7
FRANK, Reinhard. Derecho Penal. Sobre la estructura del concepto de culpabilidade. Buenos Aires: B de F, 2011, p. 41.

8
FRANK, Reinhard. Derecho Penal. Sobre la estructura del concepto de culpabilidade. Buenos Aires: B de F, 2011, p. 41.

20
668
1.4 Causas excludentes da culpabilidade

Estudamos que o Código Penal, ao adotar a teoria limitada da culpabilidade, prescreve que os elementos da
culpabilidade são a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
O juiz deve fazer uma análise retroativa, verificando se, ao tempo do crime, estavam presentes esses
pressupostos e, então, concluir se há ou não culpabilidade. Como a imputabilidade é elemento próprio da
culpabilidade, por exemplo, a inimputabilidade é causa excludente da culpabilidade. Não é demais lembrar
que a culpabilidade é um dos substratos do conceito analítico de crime, consoante a teoria tripartida. Por
conseguinte, se não há culpabilidade, não existe crime.

Vamos, então, estudar as causas que excluem a culpabilidade, também denominadas de exculpantes ou
dirimentes. São exculpantes previstas na lei: as hipóteses de inimputabilidade; o erro de proibição; a coação
moral irresistível e a obediência a ordem não manifestamente ilegal.

ELEMENTOS DA EXCLUDENTES
CULPABILIDADE
Imputabilidade Hipóteses de inimputabilidade
Potencial consciência da ilicitude Erro de proibição inescusável
Exigibilidade de conduta diversa Coação moral irresistível

Obediência a ordem não manifestamente ilegal

Além disso, enfrentaremos o tema sobre a possibilidade de reconhecimento de causas supralegais, ou seja,
não previstas expressamente na lei, que excluam a culpabilidade.

1.4.1 INIMPUTABILIDADE
A inimputabilidade, conforme se nota da própria denominação, é a exculpante relacionada à falta de
imputabilidade. A imputabilidade pode ser afastada em virtude das seguintes causas:

✓ Doença mental ou anomalia psíquica;


✓ Desenvolvimento mental incompleto;
✓ Desenvolvimento mental retardado e

21
668
✓ Embriaguez completa, decorrente de caso fortuito ou força maior.

Passemos ao estudo de casa uma dessas causas:

➢ Doença mental ou anomalia psíquica: é a anomalia ou perturbação que atinge o aspecto


mental ou psíquico do sujeito. Essa situação que acomete o agente o impede de compreender o
caráter ilícito do que faz ou de determinar-se de acordo com o seu entendimento.
O Código Penal prevê essa hipótese no seu artigo 26, caput:

Inimputáveis

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A doença mental envolve esquizofrenia, neurose, paranoias e demais outras desordens psíquicas,
além de enfermidades de outras espécies que possam retirar a capacidade de compreensão e de
vontade, como um delírio decorrente de febre muito alta.
Pode também ser considerada doença mental a dependência de drogas, se atingir um nível que
acometa a capacidade do agente, envolvendo os momentos volitivo e cognitivo. Isto deve ser aferido
em perícia médica específica. Ademais, a embriaguez patológica, que também retire do sujeito sua
capacidade de compreender o caráter ilícito de sua conduta ou de se comportar consoante seu
entendimento, pode ensejar o afastamento da imputabilidade, por doença mental.
Com relação a esta causa de inimputabilidade, o Código Penal adotou o critério biopsicológico. Isto
porque não basta a doença mental. É necessário, concomitantemente, que ela elimine a capacidade
de entender e de querer.
O inimputável por doença mental deve ser processado e, ao final, o juiz profere uma sentença
absolutória imprópria. Isto é, apesar de absolvido, será imposta uma sanção penal, consistente em
medida de segurança, que pode ser de tratamento ambulatorial ou de internação em hospital
psiquiátrico de custódia e tratamento psiquiátrico. A medida de segurança se funda na
periculosidade do indivíduo.
É possível, ainda, que a anomalia mental ou psíquica não retire totalmente a capacidade do sujeito
de entender que sua conduta é ilícita e se determinar de acordo com essa compreensão. Pode ser
que o estado mental do sujeito não o deixe plenamente incapaz de entender e de querer. Neste caso,
ele é chamado semi-imputável ou fronteiriço. O parágrafo único do artigo 26 do Código Penal prevê
a redução de pena, de um a dois terços, para esses casos:

Redução de pena

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de
perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não

22
668
era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.

A escolha da fração do redutor, de um terço e dois terços, pode ter como critério o grau de
perturbação da saúde mental ou da incompletude do desenvolvimento mental do agente.

Entretanto, há uma outra possibilidade de sanção penal para o sujeito. A pena, em vez de ser
reduzida, pode ser substituída por medida de segurança, nos termos do artigo 98 do Código Penal:

Substituição da pena por medida de segurança para o semi-imputável

Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado


de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela
internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos
termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

Percebam que a sanção penal será a pena, com a diminuição de um a dois terços, ou a medida de
segurança. Só pode ser imposta uma das duas espécies de sanção penal, em razão da adoção do
sistema vicariante ou unitário. Anteriormente, adotava-se o sistema do duplo binário ou dos dois
trilhos, que restou afastado com a Reforma Penal levada a efeito no ano de 1984.

➢ Desenvolvimento mental retardado: é o estado mental que não guarda proporção com a idade
cronológica do agente. Verifica-se quando o sujeito não se desenvolveu, no âmbito mental, como
seria esperado para o seu estágio físico de vida. As consequências e características são as mesmas
para o caso acima estudado, de doença mental ou anomalia psíquica. O critério adotado pelo Código
Penal foi o biopsicológico.
O sujeito deve ser denunciado, processado e ao final sofrer uma absolvição imprópria. Isto é, deve
ser imposta a ele uma medida de segurança, baseada em sua periculosidade (o agente, por ser
inimputável, não apresentou conduta dotada de culpabilidade). Caso seja semi-imputável ou
fronteiriço, deve ser imposta a ele a pena correspondente, com redução de um a dois terços, ou
medida de segurança. Em razão de o Código Penal ter adotado, depois de reforma por que passou, o
sistema vicariante ou unitário, só cabe a imposição de uma das espécies de sanção penal, ou pena
(reduzida) ou medida de segurança.

➢ Desenvolvimento mental incompleto: é a inimputabilidade em razão da idade. Considera-se


aqui o desenvolvimento das faculdades mentais ainda não ter se concluído, em razão da idade do
sujeito. Alguns autores também entendem que o desenvolvimento mental pode não ter se
completado em razão da falta de convívio social, o que seria o caso dos indígenas, que analisaremos
adiante. A expectativa é de que o indivíduo, ao atingir determinada idade cronológica, seja capaz de
compreender o caráter ilícito de determinados comportamentos e de conseguir direcionar seu
comportamento conforme seu entendimento.

23
668
No caso da inimputabilidade em razão da idade, a Constituição da República adotou o critério
exclusivamente biológico. Não importa se o sujeito já tem capacidade de compreender e de querer,
caso não tenha atingido a idade mínima estabelecida para se atingir o grau de maturidade, que foi
fixada de forma absoluta. Se o agente for menos de 18 anos de idade, será sempre inimputável. É o
que prevê o artigo 228 da nossa Lei Fundamental:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.

O Código Penal possui norma de teor similar:

Menores de dezoito anos

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às


normas estabelecidas na legislação especial.

Frise-se que este limite etário para a inimputabilidade está sendo questionado pela sociedade, com
discussão no Congresso Nacional sobre sua alteração. De todo modo, essa questão passa pelo exame
do Direito Constitucional, sobre ser ou não possível a sua modificação pelo Poder Constituinte
Derivado Reformador. Isto porque, caso se compreenda que o artigo 228 institui um direito ou
garantia fundamental, sua modificação esbarra na proibição consistente na natureza de cláusula
pétrea. Caso se compreenda que não se trata de direito fundamental, sua alteração é possível por
meio de emenda constitucional. O menor de 18 anos ao tempo do cometimento do delito não deve
ser sequer denunciado e, se o for, a denúncia deve ser rejeitada pelo juiz, ante a total
inimputabilidade. Ele estará sujeito, contudo, às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), que assim dispõe:

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

No caso dos adolescentes, serão submetidos a medidas socioeducativas. Às crianças que praticarem
ato infracional serão impostas as medidas específicas de proteção. Esta imposição não será realizada
no juízo criminal, sendo que a coautoria entre um adulto e um adolescente levará à cisão do processo
e do julgamento, devendo apenas o primeiro ser processado criminalmente. O critério para fixação
da idade mínima para o indivíduo ser considerado imputável é de política criminal. O Pacto de São
José da Costa Rica não prevê uma idade a ser adotada pelos Estados a fim de estabelecimento da
inimputabilidade, conforme seu artigo 5º, 5:

5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e
conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

Entretanto, limita a imposição de pena de morte, nos países em que for possível, ao mínimo de 18
anos de idade do agente ao tempo da prática da conduta, em seu artigo 4º, 5:

24
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5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for
menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.

O Tribunal Penal Internacional, instituído pelo Estatuto de Roma, por sua vez, limita a imputabilidade
a quem possua ao menos 18 anos de idade ao tempo da prática do crime. É o que prevê o artigo 26
do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, que promulgou referido tratado no Brasil:

Artigo 26

Exclusão da Jurisdição Relativamente a Menores de 18 anos

O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que, à data da alegada prática do crime, não
tenham ainda completado 18 anos de idade.

➢ Embriaguez completa, decorrente de caso fortuito ou força maior: a embriaguez, quando


completa, desde que decorrente de caso fortuito ou força maior, afasta a imputabilidade do agente.
Neste caso, considera-se que o agente não tinha a capacidade de entender e de querer nem no início
de sua ação, quando ingeriu a substância que o entorpeceu, nem quando realizou efetivamente a
conduta típica. Isto porque a própria embriaguez decorreu de caso fortuito ou força maior, ou seja,
foi acidental.
Os conceitos de caso fortuito e força maior variam na doutrina, razão pela qual vamos conceituá-los
conjuntamente como o evento natural ou o ato humano imprevisível e inevitável. Neste caso, o
sujeito não recebe sanção penal, por não haver previsão de imposição neste caso. Se processado, o
sujeito deve ser absolvido, pois a ausência de culpabilidade impede a configuração do crime.
Em suma, para a configuração desta dirimente, são necessários os seguintes pressupostos:
• Causal: a embriaguez deve ter origem em um caso fortuito ou força maior;
• Consequencial: a embriaguez deve retirar do agente sua capacidade de entender o caráter
ilícito do fato e se comportar de acordo com seu entendimento;
• Quantitativo: a embriaguez deve ser completa;
• Cronológico: a embriaguez deve estar presente ao tempo da prática do crime, ou seja, da ação
ou da omissão do agente.

Embriaguez

Embora já analisada a embriaguez no que se refere à hipótese de configuração de excludente da causalidade,


por inimputabilidade, cumpre estudar a relação entre a prática delitiva e o estado de embriaguez.

De início, é interessante anotar que a embriaguez possui algumas fases, representadas pela seguinte escada:

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Estudemos cada uma delas:

• Fase da excitação: representada pelo macaco, destaca-se pelo menor controle do agente
sobre seus mecanismos de autocontenção. É marcada pela euforia e inconveniência, com
perda de equilíbrio e velocidade de resposta pelo reflexo.
• Fase da depressão: representada pelo leão, é marcada pela agressividade do agente. O agente
se torna mais irritável e mais propenso à confusão dos seus pensamentos, com tendência a
se deprimir.
• Fase do sono: representada pelo porco, é marcada pela perda do controle do sujeito sobre
seu corpo, inclusive as funções fisiológicas. Deste modo, passa a um estado de dormência.
Neste caso, a possibilidade seria de cometimento de crimes por omissão.

Com relação às espécies de embriaguez e as diferentes consequências para o Direito Penal, temos o seguinte
esquema:

26
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Passamos agora ao estudo de cada uma das espécies de embriaguez.

A embriaguez pode ser patológica, ou seja, decorrer de uma situação de dependência doentia, retirando a
capacidade do agente. Neste caso, deve ser tratada como doença mental e, deste modo, como excludente
da culpabilidade, podendo levar à absolvição imprópria, com a imposição de medida de segurança. Isto se
houver a incapacidade de compreensão do caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este
entendimento (critério biopsicológico). Se for o caso de redução da capacidade do agente de entender e de
querer, será ele considerado semi-imputável e, assim, terá sua pena reduzida de um a dois terços ou
substituída por medida de segurança.

A embriaguez pode ser acidental, ou seja, decorrer de caso fortuito ou força maior. Neste caso, o sujeito não
possuiu escolha quando do momento da bebida, pois a consumiu em decorrência de uma situação de caso
fortuito ou de força maior. Foi um evento ou um ato humano, em qualquer dos casos imprevisível e
inevitável, que o levou a ficar embriagado. Se a embriaguez acidental for completa, como vimos, o sujeito
será considerado inimputável e, deste modo, a culpabilidade será eliminada. É o que prevê o artigo 28, § 1º,
do Código Penal:

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito
ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Por outro lado, se a embriaguez acidental for incompleta, ainda haverá culpabilidade na conduta do
indivíduo. Ou seja, sua conduta será considerada socialmente reprovável, mas com consideração desta
questão na dosimetria da pena. Será considerada a redução na sua capacidade de cognição e de vontade.
Deste modo, incidirá uma causa de diminuição de pena:

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente
de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.

Se a embriaguez for voluntária ou culposa, não sendo acidental, não implicará na inimputabilidade do
agente. É o que prevê o artigo 28, inciso II, do Código Penal:

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

(...)

Embriaguez

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

27
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Por fim, a embriaguez preordenada é aquela em que o agente consome bebida alcoólica ou substância de
efeitos análogos com o escopo, com o objetivo de praticar determinada infração penal. Neste caso, além de
não excluída a imputabilidade, a conduta do sujeito é mais reprovável, razão pela qual incide uma agravante:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam
o crime:

(...)

II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

l) em estado de embriaguez preordenada.

Portanto, o agente que bebe com a finalidade de cometer um delito deve ter sua pena agravada, por ser
mais censurável sua conduta.

✓ Entretanto, como se pode punir um sujeito que, ao tempo da ação ou da omissão, estava
embriagado? É possível considerá-lo imputável?

A tal respeito, há a teoria da actio libera in causa, tratada, dentre outros, pelo jurista Samuel von Pufendorf.
Segundo essa teoria, devemos considerar a consciência do agente quanto ao ato anteriormente praticado,
consistente na decisão de ingerir a substância alcoólica, seja visando ao estado de embriaguez, seja de forma
culposa. O ato posterior, de prática do delito, decorre do ato anterior, que foi praticado com consciência e
imputabilidade.

Portanto, consideramos imputável o agente, estando dotado capacidade de entender o caráter ilícito do
fato e de se comportar conforme seu entendimento, porque o momento de análise é aquele em que ele
ingeriu a substância. Entretanto, o tempo do crime é o da conduta, ou seja, da ação ou omissão. Neste
momento, o sujeito está embriagado. Considera-se, portanto, que a ação foi livre na sua causa, ou seja, lá
no ato antecedente, no momento em que o sujeito decidiu pela ingestão da substância e sabia, ou tinha
condição de saber, a possibilidade de cometer um crime.

Vejamos um precedente do STJ em que foi enfrentado o tema da embriaguez e da imputabilidade:

“3. Nos termos do art. 28, II, do Código Penal, é cediço que a embriaguez voluntária ou
culposa do agente não exclui a culpabilidade, sendo ele responsável pelos seus atos
mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aplica-se a
teoria da actio libera in causa, ou seja, considera-se imputável quem se coloca em estado
de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, de forma dolosa ou culposa, e, nessa
situação, comete delito. (...)”

(AgInt no REsp 1548520/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 22/06/2016).

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668
“(...) 3. Dada a adoção da teoria da actio libera in causa pelo Código Penal, somente a embriaguez
completa, decorrente de caso fortuito ou força maior que reduza ou anule a capacidade de
discernimento do agente quanto ao caráter ilícito de sua conduta, é causa de redução ou exclusão da
responsabilidade penal nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 28 do Diploma Repressor. (...)” (STJ, AgRg no
REsp 1247201/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2018).

Vale anotar, por fim, que para alguns a hipótese seria um resquício de responsabilidade penal objetiva, de
constitucionalidade questionável. De todo modo, sua aceitação prevalece na jurisprudência.

A emoção e a paixão

O Código Penal é expresso ao determinar que a paixão e a emoção não tornam o sujeito inimputável. Deste
modo, subsiste a responsabilidade penal se o sujeito estiver acometido por um deles. A emoção é um estado
passageiro e súbito, abrangendo a ira. A paixão, por sua vez, é um estado mais perene e contínuo, lento. É
comum, infelizmente, a notícia de crimes passionais, como assassinatos de ex-cônjuges.

Vejamos o que prevê o Código Penal no seu artigo 28, inciso I:

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão; (...)

Entretanto, a emoção pode ser utilizada como causa de diminuição de pena, nos casos de homicídio doloso
e lesões corporais dolosas. Estudaremos estas hipóteses ao adentrarmos a Parte Especial do Código Penal.
Entretanto, já podemos registrar que essas hipóteses de minorantes estão previstas no artigo 121, § 1º, e no
artigo 129, § 4º, todos do Código Penal, em relação ao homicídio e às lesões corporais, respectivamente.

Em relação aos outros crimes, pode incidir a atenuante da pena, prevista no artigo 65, inciso III, alínea “c”:

Circunstâncias atenuantes

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

(...)

III - ter o agente:

(...)

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de


autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima;

29
668
A paixão, por sua vez, segundo alguns doutrinadores, pode se transformar em doença mental. Se o agente
possuir doença mental, esta será a causa de sua imputabilidade, caso lhe retire a capacidade de compreender
o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento. O estado passional, por sua
vez, ainda que seja arrebatador e que tire o indivíduo de sua normalidade, como o que o leva a um ciúme
anormal, não exclui a sua imputabilidade.

Ainda que se trate de matéria processual, cabe a leitura do precedente a seguir, oriundo do STJ, em que se
considera a paixão como estado duradouro a justificar a necessidade de prisão preventiva do sujeito:

"HABEAS CORPUS". PRISÃO PREVENTIVA. CRIME PASSIONAL. ORDEM PÚBLICA.1. Apesar


da primariedade, dos bons antecedentes e da espontânea apresentação após
ultrapassada a fase do flagrante, em se tratando de delito passional, justifica-se a prisão
preventiva, sob o ângulo da garantia da ordem pública, porquanto, segundo
entendimento doutrinário prevalente, nestas condições, o estado de espírito que
impulsiona o agente se estereotipa na forma duradoura da emoção, "perturbando-lhe
a consciência e a vontade e determinando-a a atos que fora daí não praticaria." Assim, a restrição de
liberdade impede a prática de novos crimes, assegurando a integridade física da vítima. 2. Ordem
denegada.”

(STJ, HC 7828/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, DJ 17/02/1999)

Os indígenas

A regra, como foi dito, é de que todos os indivíduos sejam considerados imputáveis. Alguns doutrinadores
apontam, entretanto, que os indígenas podem ser considerados inimputáveis, caso haja um laudo pericial,
consistente em exame antropológico, que assim o determine. O caso seria de desenvolvimento mental
incompleto, já que a falta de seu convívio social, fora dos limites de seu povo, poderia influenciar na sua
compreensão do mundo dito civilizado, ou da sociedade não-indígena.

Outros doutrinadores entendem que, no caso do indígena não integrado, teremos um indivíduo imputável.
Admitem, no entanto, a hipótese de falta de potencial consciência da ilicitude ou a configuração de
inexigibilidade de conduta diversa. Esta corrente visa a superar o entendimento de desenvolvimento mental
incompleto, já que o índio, mesmo que não integrado, possui capacidade tal qual o não índio. O que ocorre
é que o sujeito que nasce em um povo indígena sem contato com os não-índios possui valores e visão de
mundo diversos.

Cabe destacar que o Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/73, prevê algumas disposições sobre a matéria penal:

Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na
sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola.

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668
Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime
especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios
mais próximos da habitação do condenado.

Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias,
de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter
cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.

Com relação à atenuação da pena, o STJ já decidiu que só entende possível sua aplicação em caso de índio
não integrado:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE INCÊNDIO. INDÍGENA INTEGRADO


À SOCIEDADE BRASILEIRA. PLEITO DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE DO ART. 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DA
LEI 6.001/73. IMPOSSIBILIDADE. 1. Este Tribunal Superior possui entendimento firmado de que o art.
56, parágrafo único, da Lei nº 6.001/76 (Estatuto do Índio), a embasar a pretensão de atenuação da
reprimenda, somente se destina à proteção do silvícola não integrado à comunhão nacional; ou seja,
esse dispositivo legal não pode ser aplicado em favor do indígena já adaptado à sociedade brasileira.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(STJ, AgRg no REsp 1361948/PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 16/09/2013).

Ademais, no caso de aplicação, pelos grupos tribais, de pena considerada cruel, a conduta ultrapassa o
permissivo do artigo 57 do Estatuto do Índio. Neste sentido, o STJ já decidiu:

“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TORTURA. CRIME EM RAZÃO DE COSTUMES INDÍGENAS. DISPUTA
DE TERRAS INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. TIPICIDADE. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1.
Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal quando a motivação do
delito envolve questões intrínsecas de direitos e cultura indígenas, como ocorre na hipótese. 2. Nos
termos do art. 57 do Estatuto do Índio, não é permitido aos líderes de grupos tribais a imposição de
sanções de caráter cruel ou infamante, nem de pena de morte contra seus membros, sendo típica,
portanto, a conduta que impôs à vítima intenso sofrimento físico, como forma de aplicar castigo. 3.
Fixado pelas instâncias ordinárias, com amplo arrimo no acervo probatório, que a vítima - indígena sob
sua autoridade - foi submetida a intenso sofrimento físico, não há como ilidir essa conclusão, pois
demandaria revolvimento de provas e fatos, não condizente com a via estreita do remédio
constitucional, que possui rito célere e desprovido de dilação probatória. 4. Habeas corpus não
conhecido.”

(STJ, HC 208634/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 23/06/2006)

Por fim, quanto à constatação da imputabilidade do índio no processo penal, o STF já decidiu ser dispensável
o laudo pericial, consistente em exame antropológico, se houver outros elementos nos autos que
demonstrem que o índio possui capacidade de compreender o caráter ilícito do fato e de se comportar
conforme este entendimento:

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“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
E PORTE ILEGAL DE ARMA PRATICADOS POR ÍNDIO. LAUDO ANTROPOLÓGICO. DESNECESSIDADE.
ATENUAÇÃO DA PENA E REGIME DE SEMILIBERDADE. 1. Índio condenado pelos crimes de tráfico de
entorpecentes, associação para o tráfico e porte ilegal de arma de fogo. É dispensável o exame
antropológico destinado a aferir o grau de integração do paciente na sociedade se o Juiz afirma sua
imputabilidade plena com fundamento na avaliação do grau de escolaridade, da fluência na língua
portuguesa e do nível de liderança exercida na quadrilha, entre outros elementos de convicção.
Precedente. 2. Atenuação da pena (artigo 56 do Estatuto do Índio). Pretensão atendida na sentença.
Prejudicialidade. 3. Regime de semiliberdade previsto no parágrafo único do artigo 56 da Lei n.
6.001/73. Direito conferido pela simples condição de se tratar de indígena. Ordem concedida, em
parte.”

(STF, HC 85198/MA, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, Julgamento em 17/11/2005).

1.4.2 ERRO DE PROIBIÇÃO


Um dos elementos da culpabilidade, como visto acima, é a consciência da ilicitude. Segundo a teoria
psicológico-normativa, a consciência da ilicitude era elemento do dolo, que pertencia ao substrato da
culpabilidade. Ademais, exigia-se a atual consciência da ilicitude, ou seja, era necessário que se demonstrasse
que o agente tinha, ao tempo da ação ou omissão, compreensão sobre o caráter ilícito do fato. Se o agente
achasse que o seu comportamento não era proibido, por interpretar mal a norma, ficaria afastada a sua
culpabilidade de acordo com referida teoria, independentemente de seu erro ser evitável ou inevitável. Isto
porque se exigia a atual consciência da ilicitude.

Com a adoção da teoria limitada da culpabilidade, após a mudança de parâmetro por meio da teoria
normativa pura, o dolo e a culpa deixaram de integrar a culpabilidade. A consciência da ilicitude deixou de
ser elemento do dolo e passou a ser um dos componentes da culpabilidade, de forma autônoma. Com isso,
a exigência da consciência de ilicitude deixou de ser a atual para ser potencial. Deste modo, basta que o
agente tenha capacidade de compreender que sua conduta é reprovável pelo ordenamento jurídico, não
sendo necessário se demonstrar que ele efetivamente compreendeu a reprovabilidade à época da prática
do fato. A exclusão da culpabilidade ocorrerá somente se faltar ao agente tal consciência por erro inevitável
ou escusável.

A causa excludente da culpabilidade que se refere à falta de potencial consciência da ilicitude é o erro de
proibição. O erro de proibição é a incorreta interpretação da norma pelo agente, que o impede de entender
que sua conduta está abrangida pela vedação da norma. É o erro sobre a reprovabilidade ou a proibição de
sua conduta.

Cumpre recordar que não há exclusão da culpabilidade em razão de se alegar ignorância sobre a existência
da lei. O chamado erro de direito não é causa de exclusão da culpabilidade no tocante aos crimes. A única
possibilidade de exclusão da infração penal, como visto acima no estudo da potencial consciência da ilicitude,

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668
se limita às contravenções penais, por expressa previsão legal. Quando aos crimes, a ignorantia legis
neminem excusat, ou seja, a ignorância da lei não escusa ninguém. O desconhecimento da lei serve apenas
como atenuante da pena.

O erro de proibição, consistente na má interpretação da norma pelo agente, que o leva a não compreender
que sua conduta é censurável, pode ser direto ou indireto:

✓ O erro de proibição direto é aquele em que o agente interpreta a própria norma penal de forma
incorreta, imaginando que sua conduta não é alcançada pela lei penal incriminadora.
✓ O erro de proibição indireto, também denominado descriminante putativa por erro de
proibição ou erro de permissão, que ocorre quando o agente interpreta a norma que prevê uma
excludente de ilicitude de forma errada, pensando que está acobertado, sem efetivamente estar.

Com relação às consequências do erro de proibição, os efeitos dependem de ser ou não evitável. Isto porque,
com a adoção da teoria limitada da culpabilidade, basta a potencial consciência da ilicitude, não sendo
necessária a consciência atual. Por isso, só o erro inevitável, escusável ou desculpável afasta a
culpabilidade. Vejamos como dispõe o Código Penal:

Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável,


isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da
ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Se o erro for inevitável, desculpável ou escusável, o agente não responde criminalmente. Há isenção de
pena, por falta de potencial consciência de ilicitude e, por consequência, ausência da culpabilidade. Caso o
erro seja evitável, indesculpável ou inescusável, a pena deve ser diminuída de um sexto a um terço. O erro
é evitável se ele poderia ter sido evitado com maior diligência. A pena deve ser diminuída porque, no caso a
culpabilidade do agente é menor, sendo que a pena deve ser fixada na medida de sua culpabilidade.

Quanto ao critério para se verificar se o erro é ou não evitável, o próprio parágrafo único do artigo 21 do
Código Penal define sua opção. O erro é considerado evitável quando o agente poderia, nas circunstâncias
em que praticou sua conduta, poderia ter ou atingir tal consciência. Deste modo, a própria lei define que
devemos considerar as próprias condições do agente e as circunstâncias em que agiu ou se omitiu. Por isso,
consideramos inviável a adoção do critério do homem médio. É o próprio indivíduo que deve ser analisado
para constatação se lhe era possível ter ou não consciência da reprovabilidade ou da proibição da sua
conduta.

Para melhor visualização das consequências do erro de proibição, conforme seja ele evitável ou inevitável,
segue um esquema:

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Por fim, cabe não confundir o erro de proibição com o erro de tipo, que são figuras diversas, com
consequências também diferentes. Para relembrar, erro de tipo é a equivocada percepção, pelo agente, da
realidade que o cerca. Ocorre, portanto, quando o sujeito ativo se equivoca quanto ao mundo exterior,
interpretando-o de forma incorreta. O erro de proibição, por sua vez, é a incorreta interpretação da norma
penal pelo agente.

TAREFA 02 – DIREITO ADMINISTRATIVO


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Atos Administrativos - Elementos, mérito e atributos do ato administrativo.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

3 – Elementos do ato administrativo (ou requisitos de validade)

Os elementos do ato administrativo, também conhecidos como “requisitos de validade” por parcela
doutrinária, são os elementos básicos para a produção do ato e para a sua validade, ou seja, ausente um
desses elementos ou a verificação de um defeito jurídico em um desses requisitos leva à anulação do ato
administrativo, salvo se o defeito for sanável e o ato puder ser convalidado.

São cinco os elementos do ato administrativo, extraídos do art. 2º da lei 4.717/65 (lei da ação popular):

a) Competência;
b) Finalidade;
c) Forma;
d) Motivo;
e) Objeto.

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Para não esquecer nunca mais, grave a palavra COFIFOMOB.

CO • COMPETÊNCIA

FI • FINALIDADE

FO • FORMA

M • MOTIVO

OB • OBJETO

3.1 – Competência (ou agente público competente)

É a atribuição legal conferida ao agente público para o desempenho das funções específicas relacionados ao
seu cargo público. A competência é definida pela lei ou diretamente pela própria constituição e não pode
ser alterada pela vontade das partes.

É possível que, para órgãos de menor hierarquia, a competência seja definida por ato normativo da
Administração com função de organizar internamente o serviço, mas esse ato normativo terá sua base
originária da lei. Essa forma de atribuição de competência é denominada “competência administrativa
secundária”.

Em primeiro lugar, ato administrativo somente pode ser editado por agente público amplamente
considerado, ou seja, toda e qualquer pessoa que atue, a qualquer título, em nome do Estado, ainda que
sem remuneração, por prazo determinado ou vínculo de natureza permanente.

Em segundo lugar, o agente deve possuir a atribuição específica, definida na lei, para a prática daquele ato
administrativo determinado, não bastando apenas ser agente público.

A competência é atribuída pela legislação mediante alguns critérios. São eles:

a) Em razão da matéria: atribuições distribuídas entre os órgãos de acordo com a matéria a ser tratada,
garantindo maior especialização (ex.: Ministério da Saúde, Ministério da Educação etc.);
b) Em razão da hierarquia (ou grau): atribuições distribuídas a partir da posição hierárquica dos órgãos;
c) Em razão do território: atribuições distribuídas pela localização do órgão (ex.: subprefeituras);
d) Em razão do tempo: determinadas funções somente poderão ser desempenhadas em um tempo
específico (ex.: exercício da função durante o mandato).

A competência é de exercício obrigatório, razão pela qual o agente público, diante da situação prevista na
lei, deve adotar a conduta nela prevista. Por este motivo, o elemento competência será sempre vinculado.

A doutrina ainda aponta as seguintes características da competência:

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a) Exercício obrigatório;
b) Irrenunciável, podendo, entretanto, o seu exercício ser parcial e temporariamente delegado (o que
não importa em renúncia, uma vez que o agente delegante poderá continuar exercendo a atribuição
delegada);
c) Intransferível (a delegação não transfere a titularidade, mas apenas o exercício);
d) Imodificável pela vontade das partes;
e) Imprescritível, pois o não exercício não importa na extinção do direito de exercer a competência;
f) Limitada.

Embora a titularidade da competência seja intransferível, pode haver a delegação e a avocação do seu
exercício. Estudamos este instituto na aula anterior, mas vamos relembrá-lo de forma resumida:

3.1.1 – Delegação e avocação de competência:

Em âmbito federal, os arts. 11 a 17 da lei 9.789/99 (lei do processo administrativo federal), estabelece as
regras para delegação e avocação de competências. Esses dispositivos são utilizados como teoria geral do
assunto.

a) Delegação

A delegação de competência consiste na atribuição, por um agente público, do exercício temporário de


algumas competências, originalmente pertencentes a seu cargo, a um outro agente público, subordinado
ou não.

A regra geral é a possibilidade de delegação de competências. Neste sentido, apenas quando a lei proibir
expressamente é que será vedada a delegação.

De acordo com a lei 9.789/99, é vedada a delegação de competência nas seguintes hipóteses:

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:


I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Para não esquecer mais, grave a palavra “CENORA”:

CE • COMPETÊNCIA EXCLUSIVA

NO • NORMAS (ATOS DE CARÁTER NORMATIVO)

RA • RECURSOS ADMINISTRATIVOS

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Outro destaque importante é que a delegação, ao contrário do que ocorre com a avocação, pode ocorrer
entre órgãos ou autoridades de mesmo nível hierárquico, não necessitando ocorrer entre superiores e
subordinados (art. 12).

Podemos resumir as características da delegação de competências da seguinte forma:

a) Ato discricionário;
b) Precário;
c) Parcial (não é absoluta, pois delega apenas parcela das atribuições);
d) Temporário;
e) Limitado (art. 13, lei 9.789/99);
f) Pode ocorrer entre órgãos de mesmo nível hierárquico;
g) Delega apenas o exercício da atribuição.

Quanto à responsabilidade pelos atos praticados com base na delegação de competência, o STF firmou
entendimento de que é o agente que praticou o ato, no exercício da competência delegada, que deve
responder em caso de lesão ou ameaça de lesão a terceiros. Vejamos:

Súmula 510-STF: Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra
ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

b) Avocação

A avocação, por outro lado, consiste no ato discricionário no qual o superior hierárquico toma para si o
exercício temporário de determinada competência atribuída por lei a um subordinado.

A doutrina defende que a avocação seja uma medida excepcional e devidamente fundamentada. Esse
entendimento foi consagrado na lei 9.789/99, vejamos:

Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente
justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.

Além disso, é vedada a avocação de competência exclusiva atribuída por lei a um subordinado. A avocação
é parcial e temporária, a exemplo da delegação.

Vale destacar que a avocação de competência não se confunde com a revogação da delegação de
competência.

Por fim, a avocação só é possível em relação a competências atribuídas a agentes públicos subordinados,
ao contrário da delegação, em que não há essa exigência.

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Delegação Avocação
Atribuição, por um agente público, do exercício Ato discricionário no qual o superior hierárquico
temporário de algumas competências, toma para si o exercício temporário de determinada
originalmente pertencentes a seu cargo, a um outro competência atribuída por lei a um subordinado.
agente público, subordinado ou não.
Pode ocorrer entre agentes públicos subordinados Só ocorre entre agente público superior e
ou não. subordinado.

3.1.2 – Função de fato e usurpação de função:

Conforme estudamos, para prática do ato administrativo, em primeiro lugar, o sujeito que pratica o ato deve
ser um agente público amplamente considerado. Entretanto, há hipóteses em que o sujeito que pratica o
ato que se pretende administrativo possui apenas uma aparência de agente público ou se passa por agente
público sem, contudo, ostentar essa condição.

No caso do agente de fato, o sujeito foi investido em cargo, emprego ou função pública de forma irregular,
ou seja, ocorreu alguma ilegalidade em sua investidura ou impedimento legal para a prática do ato. É o caso,
por exemplo, da nulidade do concurso público, quando o agente será destituído do cargo com efeitos
retroativos ou o caso do agente que não preencheu todos os requisitos para a posse (apresentou diploma
falso, por exemplo), dentre outros. O mesmo ocorre quando o agente público estava suspenso na data da
prática do ato.

Neste caso, o sujeito possui apenas aparência de agente público. Por este motivo, considerando
que o ato administrativo possui aparência de legalidade, surge a teoria da aparência, impedindo
que o terceiro beneficiado de boa-fé seja prejudicado. Assim, o ato será considerado válido, ou,
pelo menos, os efeitos decorrentes do ato que beneficiam terceiros de boa-fé.

Por outro lado, a usurpação de função é crime previsto no Código Penal e ocorre quando alguém, sem
qualquer forma de relação jurídica com a Administração, se passa por agente público. Neste caso, os atos
serão inexistentes e deles não decorre nenhum tipo de efeito, ainda que tenham beneficiado terceiro de
boa-fé.

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3.1.3 – Vício de competência (excesso de poder)

O excesso de poder é o exercício irregular da competência por um agente público regularmente investido
nesta condição. Neste caso, o agente pratica um ato não inserido no rol de suas atribuições ou exorbitando
os limites de sua competência.

Excesso de poder, conforme já estudado, é uma espécie do abuso de poder e consiste em vício no elemento
competência que, em regra, levará à anulação do ato.

Não obstante, o vício de competência é, regra geral, sanável, desde que não se trate de
competência exclusiva ou competência em relação à matéria, admitindo-se, desta forma,
convalidação do ato.

 Competência é um elemento sempre vinculado;

 O vício de competência é, em regra, sanável e admite convalidação do ato.

3.2 – Finalidade

A finalidade é o objetivo que se busca alcançar com a prática do ato administrativo. Trata-se de uma das
facetas do princípio da impessoalidade, de acordo com a qual o agente público deve objetivar sempre o
interesse público em sua atuação e não interesses pessoais. Pode ser dividida em finalidade geral e
específica:

a) Finalidade geral ou mediata: será sempre o interesse público, tendo em vista que é o vetor que
vincula toda a Administração;
b) Finalidade específica ou imediata: é o fim pretendido pela lei que regulamenta o ato administrativo
editado. É o objetivo direto, o resultado específico que se busca alcançar com o ato.

A finalidade específica da lei de desapropriação é permitir a expropriação de um bem privado para que passe
a integrar o patrimônio público. Já a finalidade geral da desapropriação é o atendimento ao interesse público.

Por outro lado, a finalidade é elemento do ato administrativo que sempre será vinculado. Não cabe ao
agente público ponderar se atende ou não a finalidade da lei.

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Mediata/Geral Interesse Público
FINALIDADE
Imediata/Específica Finalidade da lei

3.2.1 – Vício de finalidade (desvio de finalidade)

O desvio de finalidade é a atuação do administrador que busca um objetivo diverso daquele definido pela
lei ou do interesse público. Trata-se da outra espécie de abuso de poder (ao lado do excesso de poder) e
acarreta a nulidade do ato administrativo.

Entretanto, ao contrário do excesso de poder, o vício de finalidade é insanável, sendo que o ato eivado desta
espécie de ilegalidade absoluta não é suscetível de convalidação, devendo, obrigatoriamente, ser anulado.

Elemento do ato Adm. Natureza do elemento Espécie de vício


Competência Vinculado Em regra, sanável
Finalidade Vinculado Insanável

3.3 – Forma

A forma é o modo de exteriorização do ato administrativo, determinada pela lei.

Em regra, os atos administrativos são formais (princípio da solenidade) e a forma exigida pela lei, de forma
geral, é a forma escrita. No âmbito federal, a lei 9.784/99 (Lei do processo administrativo federal) coloca a
forma escrita como regra.

No Direito Administrativo vigora o princípio da solenidade das formas, ao contrário do Direito Privado, em
que a regra é a liberdade das formas de acordo com a autonomia da vontade dos particulares. A solenidade
das formas existe para proteção do Administrado, permitindo que este tenha ciência e exerça o controle
popular sobre os atos da Administração.

Existem, no entanto, atos administrativos não escritos, tais como as ordens verbais dos
superiores; gestos, apitos e sinais na condução do trânsito; cartazes e placas com ordens da
Administração etc.

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É importante esclarecer que a motivação, consistente na declaração escrita dos motivos que ensejaram a
prática do ato, integra a forma do ato administrativo e não o motivo. A ausência de motivação é vício de
forma.

➢ Forma: elemento vinculado ou discricionário?

A doutrina tradicional defende que a forma é um elemento do ato administrativo sempre vinculado.
Entretanto, atualmente, já se admite que a lei estabeleça margem de escolha ao Administrador para decidir
a melhor forma para a prática do ato.

Assim, para provas de concursos públicos, levem o entendimento de que o ato administrativo é, em regra,
vinculado, podendo ser discricionário quando a lei assim o autorizar.

(CESPE / DP-DF / 2019) Acerca de atos administrativos, serviços públicos e intervenção do Estado na
propriedade, julgue o item seguinte.
Comando ou posicionamento emitido oralmente por agente público, no exercício de função
administrativa e manifestando sua vontade, não pode ser considerado ato administrativo.
Comentários
A assertiva está INCORRETA. No Direito Administrativo vigora o princípio da solenidade das formas,
ao contrário do Direito Privado, em que a regra é a liberdade das formas de acordo com a autonomia
da vontade dos particulares. A solenidade das formas existe para proteção do Administrado,
permitindo que este tenha ciência e exerça o controle popular sobre os atos da Administração.
Existem, entretanto, atos administrativos não escritos, tais como as ordens verbais dos superiores;
gestos, apitos e sinais na condução do trânsito; cartazes e placas com ordens da Administração etc.

3.3.1 – Vício de forma

O vício no elemento forma do ato administrativo é sanável e, por este motivo, o ato é passível de
convalidação na forma da lei. Entretanto, quando a lei estabelecer uma forma como essencial à prática do
ato, o vício será insanável (ex.: registro público para transferência da propriedade de imóvel).

3.3.1.1 – Instrumentalidade das formas

Vale destacar que a forma não é a essência do ato administrativo, ou seja, o que se busca com o ato não é
apresentar uma forma sem quaisquer defeitos, busca-se, como finalidade geral, o interesse público. Por este
motivo, a doutrina e a jurisprudência têm aceitado a teoria da instrumentalidade das formas, que

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estabelece a manutenção do ato, ainda que haja defeito na forma, se este alcançou o objetivo desejado,
salvo se a lei definir a forma como essencial à prática do ato.

3.4 – Motivo

O motivo é a causa imediata, prevista em lei, que ensejou a prática do ato administrativo. É a situação de
fato e de direito que determinou ou autorizou a prática do ato, ou seja, o pressuposto fático e jurídico que
enseja a prática do ato.

A norma escrita prevê uma hipótese abstrata e genérica. Caso uma situação concreta no mundo dos fatos se
amolde à previsão genérica, há subsunção do fato à norma, devendo ser adotada a conduta prevista para o
caso. A descrição da subsunção do fato à norma é o motivo.

Como exemplo, a lei prevê licença paternidade com o nascimento do filho do servidor. O motivo, portanto,
será sempre o nascimento do filho que, amoldando-se à situação genericamente prevista em lei, enseja a
prática do ato administrativo, que consiste na concessão da licença. Na punição do servidor, o motivo será o
ato infracional cometido.

O motivo poderá ser vinculado ou discricionário. No caso da licença paternidade, o motivo é vinculado, pois
não cabe à Administração realizar qualquer ponderação de valores quanto ao nascimento do filho ou não.

Situação diferente ocorre quanto ao pedido de licença não remunerada para tratar de interesses
particulares. A lei 8.112/90 dispõe que a licença pode ser concedida a servidor que não esteja em estágio
probatório, a critério da Administração. Neste caso, o Poder Público realizará ponderação quanto à
conveniência e oportunidade para a concessão da licença, valorando os motivos relevantes para tanto.

Veja que, na situação narrada, a Administração definirá os motivos relevantes para a prática ou não do ato,
levando-se em conta, por exemplo, se há excesso ou carência de pessoal no setor, a economia de recursos
advindo da concessão da licença, dentre outros fatores.

Essa distinção entre situações em que o Administrador possui margem de escolha ou não quanto aos
motivos, é diferenciada pela doutrina sob as expressões motivo de fato e motivo de direito.

a) Motivo de fato: a lei elenca diversos motivos que podem ensejar a prática do ato administrativo,
cabendo ao agente público selecionar um deles de acordo com a conveniência e oportunidade;
b) Motivo de direito: a lei determina expressamente os motivos que, uma vez presentes no caso
concreto, acarretarão, obrigatoriamente, a edição do ato administrativo.

Desta forma, tem-se que o motivo de fato é sempre discricionário, enquanto o motivo de direito é vinculado.

3.4.1 – Vício de motivo

O motivo do ato administrativo pode apresentar duas espécies de vício:

42
668
a) Ausência de motivo: o motivo indicado pelo agente público para a prática do ato administrativo não
existe, ou seja, o fato previsto na lei que ensejou a prática do ato não ocorreu;
b) Motivo ilegítimo: trata-se do enquadramento errôneo do fato na hipótese prevista na norma. Neste
caso, existe um fato, mas ele não é apto a ensejar a conduta adotada pela Administração. Por
exemplo, a lei pode prever que um fato X enseja o ato administrativo Y, mas o agente público pratica
o ato Y diante de um fato Z.

O vício no motivo é sempre insanável, não sendo cabível a convalidação do ato administrativo.

3.4.2 – Motivo x Motivação

Conforme já estudamos, a motivação é a declaração expressa dos motivos e faz parte do elemento forma
do ato administrativo. A ausência de motivação ou a motivação incorreta enseja vício de forma e não vício
de motivo.

A diferença é clara, motivo é a situação de fato e de direito, prevista em lei, que enseja a
prática do ato, enquanto motivação é a declaração expressa do motivo.

Há divergência doutrinária quanto à obrigatoriedade de motivação nos atos administrativos.

a) Primeira corrente: a motivação é obrigatória para os atos vinculados e facultativa para os atos
discricionários (Hely Lopes Meirelles);
b) Segunda corrente: a motivação é obrigatória para os atos discricionários, tendo em vista a
necessidade de controle para evitar arbitrariedade do Administrador. Quanto aos atos vinculados, a
motivação seria facultativa, tendo em vista que os motivos já estão predefinidos na lei (Oswaldo
Aranha Bandeira de Mello);
c) Terceira corrente: dever de motivação de todos os atos administrativos, tendo em vista o princípio
democrático (art. 1º, CF – dever de prestação de contas, bem como, o art. 93, X, CF que, embora
preveja necessidade de motivação dos atos administrativos do Poder Judiciário, deve ser aplicado à
todos os Poderes (Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello);
d) Quarta corrente: inexistência do dever de motivação, salvo disposição legal expressa neste sentido,
em virtude da ausência de norma Constitucional que estabeleça este dever, interpretando-se
restritivamente o art. 93, X, CF (José dos Santos Carvalho Filho);
e) Quinta corrente: há necessidade de motivação dos atos decisórios e nas hipóteses previstas em lei
(Diogo Figueiredo Moreira Neto).

Em âmbito federal, o art. 2º, caput e parágrafo único, VII da lei 9.784/99 prevê a motivação como princípio
administrativo. O art. 50 da referida lei, por sua vez, apresenta um rol de situações em que o ato
administrativo deve ser motivado. Embora aparente que restringe a necessidade de motivação aos casos

43
668
expressamente previstos, prevalece o entendimento de que o artigo deve ser interpretado de forma
ampliativa para tornar a motivação a regra na Administração Pública Federal.

3.4.3 – Motivação aliunde ou per relatione

Além disso, é aceito na doutrina e na jurisprudência a motivação aliunde ou motivação per relatione que
consiste na tomada de uma decisão remetendo a sua fundamentação a outro documento (por exemplo, um
parecer). Na Administração Pública Federal, a lei 9.784/99 prevê expressamente esta possibilidade em seu
art. 50, §1º.

3.4.4 – Teoria dos motivos determinantes

A validade do ato administrativo depende da correspondência entre os motivos nele expostos e a


existência concreta dos fatos que ensejaram a sua produção. Desta forma, surge a teoria dos motivos
determinantes.

De acordo com esta teoria, ainda nas situações excepcionais em que a prática do ato independe da exposição
dos motivos, caso o agente público opte por descrever a situação de fato que ensejou a prática do ato, a sua
validade estará vinculada à verificação da realidade dos fatos indicados.

Assim, caso a Administração exonere um agente público ocupante de cargo público em comissão, cuja
exoneração independe da exposição do motivo, e opte por motivar o ato descrevendo que o agente público
praticou ato infracional, a validade do ato de exoneração estará vinculada à existência do motivo declarado.
Caso verificado que o motivo não corresponde à realidade, o ato deverá ser anulado e o agente exonerado
retornará ao cargo.

3.4.5 – Móvel dos atos administrativos

O móvel, ao contrário do motivo, é a intenção do agente público. Trata-se da vontade pessoal que move o
agente na realização de suas funções.

Há grande discussão na doutrina quanto à relevância jurídica do móvel em relação à validade do ato.
Prevalece o entendimento de que o móvel é importante para os atos discricionários, tendo em vista o
princípio da impessoalidade e a maior liberdade do agente público para realizar escolhas.

Quanto aos atos vinculados, parcela da doutrina entende que o móvel é irrelevante, uma vez que a prática
do ato depende apenas da compatibilidade formal entre a situação de fato e a situação hipotética prevista
em lei. Entretanto, outra parcela assevera que o móvel é relevante também para os atos vinculados, tendo
em vista que a dicotomia entre discricionariedade e vinculação não é absoluta. Além disso, afirmam esses
autores que a atuação do agente com sentimentos pessoais ou vontades privadas não é compatível com a
impessoalidade.

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3.5 – Objeto

O objeto é o efeito jurídico e material imediato produzido pelo ato administrativo. É o próprio conteúdo do
ato administrativo (ex.: no ato de demissão do servidor, o objeto é o rompimento do vínculo jurídico-
funcional com a Administração Pública).

Trata-se, portanto, da alteração material provocada pelo ato no mundo jurídico.

O objeto do ato administrativo pode ser discricionário ou vinculado. No primeiro caso, a lei elenca diversas
condutas que podem ser adotadas pelo agente público diante de determinada situação, que possuirá
margem de escolha para definir qual deve ser adotada, de acordo com os critérios de conveniência e
oportunidade.

Por outro lado, quando o objeto for vinculado, um motivo corresponderá exatamente a uma única conduta,
que deverá ser adotada, obrigatoriamente, pelo agente público.

3.5.1 – Vício de objeto

O vício no elemento objeto pode ser definido de duas formas:

a) Objeto não previsto em lei;


b) Objeto diferente do previsto em lei para a situação verificada.

O vício de objeto é insanável, não sendo cabível a convalidação do ato administrativo.

Elemento Obrigatoriedade Espécie de vício


Competência; Vinculado; Sanável, salvo competência exclusiva ou
em relação à matéria;
Finalidade; Vinculado; Insanável;
Forma; Em regra, vinculado; Sanável;
Motivo; Pode ser discricionário ou vinculado; Insanável;
Objeto. Pode ser discricionário ou vinculado. Insanável.
(IADES / AL-GO – Procurador / 2019) Os atos administrativos são a expressão da vontade da
administração pública, quer esta seja exarada no Poder Executivo, precipuamente, quer seja nos
Poderes Legislativo e Judiciário, de maneira residual, nas atividades não finalísticas destes. No que
tange aos elementos constitutivos dos atos administrativos, positivados na Lei nº 4.717/1965, a Lei
da Ação Popular, assinale a alternativa correta.

45
668
a) O objeto do ato administrativo poderá ser tanto vinculado pela legislação, impondo, assim, à
Administração um resultado jurídico determinado, quanto discricionário, conferindo ao agente público
a respectiva escolha, sendo, neste último caso, o resultado determinável.
b) Os elementos motivo e objeto apresentam a semelhança de terem conteúdo fático ou jurídico,
podendo, ainda, ambos serem mistos.
c) A competência, como elemento caracterizador do sujeito ativo do ato administrativo, impõe a
variação em grau, em razão de alguma especialização funcional, que seja acaso exigida para a prática
de certos atos.
d) A análise para se constatar o desvio de finalidade pressupõe, necessariamente, o exame do fim
previsto explicitamente no elemento da competência.
e) A teoria dos motivos determinantes, na qual há a vinculação dos atos administrativos à respectiva
fundamentação, ainda que tais atos sejam discricionários, decorreu do aperfeiçoamento da
obrigatoriedade da motivação insculpida na Constituição Federal de 1988.
Comentários
A alternativa A está correta e é o gabarito da questão. O objeto do ato administrativo pode ser
discricionário ou vinculado. No primeiro caso, a lei elenca diversas condutas que podem ser adotadas
pelo agente público diante de determinada situação, que possuirá margem de escolha para definir qual
deve ser adotada, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade.
Por outro lado, quando o objeto for vinculado, um motivo corresponderá exatamente a uma única
conduta, que deverá ser adotada, obrigatoriamente, pelo agente público.
O objeto, quando discricionário, é determinável porque somente será determinado quando o
administrador realizar a escolha que a lei lhe permite.
A alternativa B está incorreta. Somente o motivo é que possui um conteúdo fático ou jurídico, podendo
ainda ser misto caso contenha ambos os conteúdos. O objeto é o efeito material do ato, isto é, aquilo
que o ato prescrever.
A alternativa C está incorreta. A competência é atribuída pela legislação mediante alguns critérios. São
eles:
Em razão da matéria: atribuições distribuídas entre os órgãos de acordo com a matéria a ser tratada,
garantindo maior especialização (ex.: Ministério da Saúde, Ministério da Educação etc.);
Em razão da hierarquia (ou grau): atribuições distribuídas a partir da posição hierárquica dos órgãos;
Em razão do território: atribuições distribuídas pela localização do órgão (ex.: subprefeituras);
Em razão do tempo: determinadas funções somente poderão ser desempenhadas em um tempo
específico (ex.: exercício da função durante o mandato).
Neste sentido, a competência em razão do grau não possui relação com a especialização funcional,
mas com a hierarquia dos agentes. Além disso, a distribuição da competência não impõe a variação em
grau. A lei é que define o critério a ser utilizado.
A alternativa D está incorreta. O desvio de finalidade é a atuação do administrador que busca um
objetivo diverso daquele definido pela lei ou do interesse público. Trata-se da outra espécie de abuso
de poder (ao lado do excesso de poder) e acarreta a nulidade do ato administrativo.

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668
Não se relaciona com o elemento da competência, mas com o elemento da finalidade.
A alternativa E está incorreta. Não há dispositivo expresso na Constituição Federal instituindo a
obrigatoriedade da motivação. Esta obrigatoriedade somente foi prevista na lei 9.784/99. Por este
motivo, a alternativa está incorreta, somente quanto à sua parte final.

4 – Mérito do Ato Administrativo

Nos atos administrativos vinculados, todos os elementos encontram-se peremptoriamente definidos em lei,
devendo a Administração seguir exatamente o que o ordenamento jurídico define.

Entretanto, nos atos administrativos discricionários, os elementos motivo e objeto poderão ser
discricionários, cabendo ao Administrador ponderar, por meio dos critérios da conveniência e oportunidade,
qual motivo e/ou qual objeto deve ser adotado para melhor atender o interesse público.

Essa margem de escolha quanto ao motivo e ao objeto do ato administrativo configura o mérito
administrativo, que consiste no poder conferido pela lei ao agente público para que decida sobre a
conveniência e oportunidade em praticar o ato e definir o seu objeto dentro dos limites da lei.

Assim, pode-se dizer que somente existe mérito administrativo nos atos discricionários. Além disso, ainda
quando o ato for discricionário, os elementos da competência, finalidade e forma serão sempre vinculados,
não havendo qualquer margem de escolha para o administrador quanto a esses requisitos.

A definição do mérito administrativo é importante, pois o Poder Judiciário não pode apreciar aspectos
relacionados à escolha do administrador quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo, sob
pena de substituir o agente público competente e violar o princípio da harmonia entre os poderes.

Entretanto, dizer que o Poder Judiciário não pode apreciar o mérito administrativo não significa que não
poderá realizar controle judicial sobre atos discricionários. Na verdade, todos os atos estão sujeitos ao
controle judicial, sejam eles vinculados ou discricionários. Quanto aos atos discricionários, o Poder Judiciário
poderá avaliar a sua compatibilidade com o princípio da legalidade e da juridicidade, devendo estar em
acordo com todas as regras e princípios do ordenamento jurídico.

5 – Atributos do Ato Administrativo

Os atributos são as qualidades ou características inerentes aos atos administrativos, ao contrário dos
elementos ou requisitos, que são os pressupostos ou condições para a válida edição destes atos.

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668
Os atributos citados de maneira geral pela doutrina são:

a) Presunção de legalidade/legitimidade e presunção de veracidade;


b) Imperatividade;
c) Autoexecutoriedade;
d) Tipicidade.

Vale destacar que os atributos da imperatividade e da autoexecutoriedade não estão presentes em todos os
atos administrativos.

Presunção de
Autoexecutoriedade
legitimidade

Atributos

Tipicidade Imperatividade

5.1 – Presunção de legalidade/legitimidade e presunção de veracidade

A presunção de legalidade é verificada sob dois aspectos:

a) Presunção de legalidade/legitimidade: presume-se que o ato administrativo praticado pelo agente


público está em acordo com o ordenamento jurídico como um todo, significando que a interpretação
da norma jurídica realizada pela Administração foi correta. Por este motivo, o ato é válido até prova
em contrário.
b) Presunção de veracidade: os fatos alegados pela Administração na prática do ato são considerados
existentes e verdadeiros até prova em contrário.

Este atributo decorre da própria natureza do ato administrativo e está presente desde o seu nascimento,
independentemente de lei que o preveja. Além disso, fundamenta-se na necessidade de atuação ágil do
Poder Público para tutela do interesse público. Com a presunção de legitimidade, o ato obriga os
destinatários desde o seu nascimento, sem necessidade de comprovação de sua validade perante o Judiciário
ou qualquer outro órgão.

Assim, ainda que o ato administrativo contenha qualquer tipo de vício, será presumido válido, produzindo
efeitos até que seja comprovada a ilegalidade e o ato seja anulado. Por este motivo, diz-se que o ato
administrativo goza de fé pública,

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668
Não obstante, a presunção é relativa (iuris tantum), cabendo ao particular interessado
comprovar a ausência de legitimidade ou veracidade do ato. Por este motivo, tem-se
entendido que a presunção estudada implica na inversão do ônus da prova, ou seja, o
ônus de comprovar que a existência de vício ou a inveracidade dos fatos é de quem alega,
isto é, do administrado.

Entretanto, verifica-se que o caso não é de inversão do ônus da prova. O ônus da prova é, em verdade, do
próprio administrado, de acordo com o art. 373, I, CPC, que estabelece que o ônus da prova é do autor
quanto ao fato constitutivo de seu direito. Apenas quando o Poder Público propõe a ação judicial é que
ocorre a inversão do ônus da prova, pois o Poder Público estará dispensado de comprovar a validade do ato
administrativo.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ainda aponta um outro efeito da presunção estudada. De
acordo com a autora, o Judiciário não pode apreciar de ofício a validade do ato. Isto porque,
quanto aos atos jurídicos de Direito Privado, o Judiciário pode declarar de ofício as nulidades
absolutas (art. 168, CC). Já os atos administrativos, tendo em vista que se presumem válidos,
só podem ter eventual nulidade declarada pelo Juiz se houver provocação do interessado
comprovando o vício, seja ele absoluto ou relativo.

Além disso, os atos administrativos podem ser imediatamente impostos aos particulares, ainda que estejam
sendo impugnados administrativa ou judicialmente, salvo se houver decisão sustando os seus efeitos.

Por fim, é importante destacar que a doutrina diverge quanto à presença deste atributo em todos os atos
administrativos. Alguns autores apontam que a presunção de legalidade não está presente nos seguintes
atos:

a) atos privados da Administração;


b) atos manifestamente ilegais; e
c) atos que envolvam a prova de fato negativo pelo particular (prova diabólica).

A doutrina tradicional, entretanto, aduz que a presunção de legitimidade se encontra presente em toda
atuação da Administração Pública.

5.2 – Imperatividade

A imperatividade se identifica com a coercibilidade dos Poderes Administrativos. Consiste na possibilidade


que a Administração Pública possui de criar obrigações ou impor restrições de forma unilateral aos
particulares, sem qualquer anuência destes.

Trata-se de atributo decorrente do Poder Extroverso da Administração, consubstanciado na prerrogativa


que o Poder Público possui de praticar atos que extravasam a sua própria esfera jurídica, adentrando a esfera
jurídica dos particulares, alterando-a sem anuência prévia dos administrados.

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668
Este atributo não está presente em todos os atos administrativos, mas apenas naqueles que importem em
imposição de obrigação ou de restrição aos particulares sem o seu consentimento. Não estão presentes nos
atos administrativos que pressupõem a solicitação pelo administrado em seu próprio interesse, como é o
caso das licenças e autorizações.

5.3 – Autoexecutoriedade

Autoexecutoriedade é a característica que permite a execução direta, imediata e forçada, sem a


necessidade de prévia autorização do Poder Judiciário, de um ato administrativo. Exemplo é a dispersão de
invasores, destruição de construções irregulares, interdição de estabelecimentos, remoção forçada de
veículo estacionado de forma irregular, apreensão de mercadoria etc.

Vale destacar que a Administração Pública pode, caso entenda conveniente, buscar autorização judicial
para a prática do ato. Todavia, trata-se de uma faculdade do poder público, para conferir maior segurança
jurídica ao ato, sendo que poderia tomar providências sem a intervenção judicial.

O controle judicial, nesses casos, é apenas posterior, caso verificada alguma ilegalidade ou antijuridicidade
no ato, desde que haja provocação do Judiciário. Neste caso, jamais poderá ser afastado o controle judicial
posterior, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Importa ressaltar que nem todo ato administrativo goza de autoexecutoriedade. A imposição de uma multa,
por exemplo, possui o atributo da imperatividade, sua cobrança, entretanto, depende da atuação do Poder
Judiciário. A Administração Pública não pode penhorar bens do administrado, por exemplo, sem a atuação
judicial.

A doutrina vem reconhecendo a existência da autoexecutoriedade em duas situações:

a) Quando expressamente previsto em lei: não há necessidade de que a lei afirme literalmente que o
ato é autoexecutório, basta prever que a Administração pode atuar diretamente;
b) Em situações de urgência: neste caso, não há necessidade de previsão legal, o ato autoexecutório
decorre diretamente do poder de império estatal para consecução do interesse público.

50
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Auto
executoriedade

Lei

Urgência

Por fim, há quem sustente a existência de duas subespécies da autoexecutoriedade: executoriedade e


exigibilidade.

a) Executoriedade: é a utilização de meios coercitivos diretos, inclusive com uso da força pública, para
impor as medidas tomadas pela Administração (ex.: dispersão de tumulto, demolição de construção,
interdição de estabelecimentos, apreensão de mercadorias etc.);
b) Exigibilidade: é a utilização de meios coercitivos indiretos, que induzem o particular a tomar a
conduta determinada pela Administração (ex.: aplicação de multa como condição para emissão do
licenciamento do automóvel).

Meios coercitivos
Executoriedade
diretos
Autoexecutoriede
Meios coercitivos
Exigibilidade
indiretos

5.4 – Tipicidade

Trata-se de atributo criado pela professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro e, por isso, importante para provas
de concursos públicos, especialmente provas CESPE.

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668
De acordo com a autora, o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei
como aptas a produzir determinados resultados. Esse atributo, portanto, possui o objetivo de afastar a
possibilidade de a administração praticar atos inominados, pelo que todos os seus atos devem
corresponder a uma figura previamente estabelecida em lei.

De acordo com Di Pietro, duas consequências podem ser apontadas como decorrentes deste atributo:

a) Garantia ao administrado de que a Administração não vai praticar um ato, de forma unilateral e
coercitiva, sem prévia previsão legal;
b) Afasta a prática de um ato totalmente discricionário ou arbitrário, uma vez que os atos praticados
estarão previstos em lei, que estabelecerá os limites e parâmetros.

Por fim, a autora entende que a tipicidade só existe para os atos unilaterais, não sendo aplicada aos contratos
administrativos, pois, neste caso, não há imposição unilateral da Administração.

• Até prova em contrário, os atos administrativos


PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E
presumem-se válidos e os fatos nele expostos presumem-
VERACIDADE
se verdadeiros.

• Os atos administrativos podem impor obrigações ou


IMPERATIVIDADE restrições aos particulares de forma unilateral e
coercitiva, sem o consentimento de qualquer pessoa.

• Os atos administrativos podem ser executados de forma


AUTOEXECUTORIEDADE direta e imediata, inclusive com o uso de força pública,
sem prévia autorização do Poder Judiciário.

• Os atos administrativos devem corresponder a uma figura


TIPICIDADE previamente estabelecida em lei, sem a possibilidade de
se praticar atos administrativos inominados.

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(CESPE / TJ-PR / 2019) A administração pública pode produzir unilateralmente atos que vinculam os
particulares. No entanto, tal vinculação não é absoluta, devendo o particular, para eximir-se de seus
efeitos e anular o ato, comprovar, em juízo ou perante a própria administração, o defeito do ato
administrativo contra o qual se insurge, por caber-lhe o ônus da prova. Essa descrição refere-se ao
atributo do ato administrativo denominado
a) autoexecutoriedade.
c) imperatividade.
c) presunção de legalidade.
d) exigibilidade.
Comentários
A alternativa A está incorreta. Autoexecutoriedade é a característica que permite a execução direta,
imediata e forçada, sem a necessidade de prévia autorização do Poder Judiciário, de um ato
administrativo. Exemplo é a dispersão de invasores, destruição de construções irregulares, interdição
de estabelecimentos, remoção forçada de veículo estacionado de forma irregular, apreensão de
mercadoria etc.
A alternativa B está incorreta. A imperatividade se identifica com a coercibilidade dos Poderes
Administrativos. Consiste na possibilidade que a Administração Pública possui de criar obrigações ou
impor restrições de forma unilateral aos particulares, sem qualquer anuência destes.
A questão parece que vai exigir o atributo da imperatividade, mas ao tratar da atribuição do ônus de
provar a ilegalidade do ato ao particular, a questão exige, na verdade, o conhecimento de uma das
consequências do atributo da presunção de legitimidade.
A alternativa C está correta e é o gabarito da questão. A presunção de legalidade é verificada sob dois
aspectos:
Presunção de legalidade/legitimidade: presume-se que o ato administrativo praticado pelo agente
público está em acordo com o ordenamento jurídico como um todo, significando que a interpretação
da norma jurídica realizada pela Administração foi correta. Por este motivo, o ato é válido até prova
em contrário.
Presunção de veracidade: os fatos alegados pela Administração na prática do ato são considerados
existentes e verdadeiros até prova em contrário.
Não obstante, a presunção é relativa (iuris tantum), cabendo ao particular interessado comprovar a
ausência de legitimidade ou veracidade do ato. Por este motivo, tem-se entendido que a presunção
estudada implica na inversão do ônus da prova, ou seja, o ônus de comprovar que a existência de vício
ou a inveracidade dos fatos é de quem alega, isto é, do administrado.
Entretanto, verifica-se que o caso não é de inversão do ônus da prova. O ônus da prova é, em verdade,
do próprio administrado, de acordo com o art. 373, I, CPC, que estabelece que o ônus da prova é do
autor quanto ao fato constitutivo de seu direito. Apenas quando o Poder Público propõe a ação judicial
é que ocorre a inversão do ônus da prova, pois o Poder Público estará dispensado de comprovar a
validade do ato administrativo.

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A alternativa D está incorreta. Há quem sustente a existência de duas subespécies da
autoexecutoriedade: executoriedade e exigibilidade.
Executoriedade: é a utilização de meios coercitivos diretos, inclusive com uso da força pública, para
impor as medidas tomadas pela Administração (ex.: dispersão de tumulto, demolição de construção,
interdição de estabelecimentos, apreensão de mercadorias etc.);
Exigibilidade: é a utilização de meios coercitivos indiretos, que induzem o particular a tomar a conduta
determinada pela Administração (ex.: aplicação de multa como condição para emissão do
licenciamento do automóvel).
A questão exige o conhecimento de uma das consequências da autoexecutoriedade, ou seja, a
atribuição do ônus de provar eventual ilegalidade do ato administrativo ao particular, não tratando da
utilização de meios coercitivos para execução do ato administrativo.

TAREFA 03 – DIREITOS HUMANOS


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Convenção sobre Direito das Crianças.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

CONVENÇÃO SOBRE O DIREITO DAS CRIANÇAS

1 - INTRODUÇÃO
A Convenção sobre o Direito das Crianças foi editada pela ONU e assinada pelo Brasil, em 1989. Foi aprovada
pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 28/1990. Após depósito e ratificação, o
Presidente da República, por meio do Decreto nº 99.710/1990, promulgou internamente o texto da
Convenção.

Feito isso, vamos ao preâmbulo!

2 - PREÂMBULO
A Convenção considera como premissa o fato de que as crianças necessitam de cuidados e assistência
especiais ao longo da infância, em razão da imaturidade física e mental.

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A Convenção tem como objetivo incentivar a comunidade internacional a implementar o desenvolvimento
pleno e harmônico da personalidade das crianças, privilegiando o crescimento e o desenvolvimento da
criança em ambiente familiar.

A Convenção reconhece a família como o grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o
crescimento e bem-estar de todos os seus membros e deve receber proteção e assistência necessárias. A
criação, para seu pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, deve crescer no seio da
família.

Além disso, a Convenção estabelece parâmetros de orientação e de atuação política de seus Estados-partes
para a consecução dos princípios nela estabelecidos, visando ao desenvolvimento individual e social saudável
da infância, tendo em vista esse período ser basilar para a formação do caráter e da personalidade humana.

3 - CONCEITO DE CRIANÇA
Já no primeiro artigo da Convenção, temos o conceito de criança, que é todo ser humano com menos de 18
anos de idade, A NÃO SER QUE, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada
antes.

A Convenção sobre os Direitos das Crianças não traz qualquer distinção entre criança e adolescente. Além
disso, o texto da Convenção é claro em afirmar que são respeitadas eventuais distinções ou classificações
pela legislação, tal como temos em nosso Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA considera:

 criança: 0 a 12 anos incompletos; e

 adolescente: 12 a 18 anos completos.

Essa distinção existente em nosso ordenamento não contraria a Convenção.

4 - OBRIGAÇÕES ESTATAIS
A Convenção trata de um grupo vulnerável. Faticamente, crianças (de 0 a 18 anos) estão em condição
desfavorável. São mais facilmente expostas a violações de direitos. Em face disso, é necessário que o Estado
atue no sentido de conferir proteção específica à criança a fim de buscar condições efetivamente iguais para
o gozo dos seus direitos.

O resultado disso é a previsão de obrigações estatais. Os Estados-partes, ao assinarem a Convenção,


assumem um rol de deveres, cujos principais serão analisados neste tópico:

 O Estado não poderá adotar medidas discriminatórias e, além disso, deverá atuar no sentido de criar
medidas necessárias para a proteção da criança;

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 O Estado deve estruturar políticas e ações específicas tendo em vista o princípio do interesse maior da
criança, que indica a necessidade de se pensar todas essas políticas e ações prestigiando o que seria melhor
ou mais favorável à criança, mesmo que contrarie interesses dos pais, por exemplo.

No que tange aos direitos sociais, econômicos e culturais faz-se uma ressalva: a implementação desses
direitos (de segunda dimensão) será progressiva, guardando referência com o Pacto Internacional dos
Direitos Sociais, Econômicos e Culturais.

Ainda no campo das obrigações impostas aos Estados-partes da Convenção, temos o art. 11. Há
determinação para que os Estados adotem medidas com a finalidade de combater a transferência ilegal de
crianças para o exterior e a retenção ilícita destas fora do país, promovendo, para tanto, acordos bilaterais
para abordar o tema especificamente.

Vejamos, ainda, algumas outras obrigações atribuídas aos Estados.

 deveres do Estado em relação ao acesso à informação: Os Estados parte reconhecem a importância da


função de desempenhada pelos meios de comunicação, zelando para que a criança tenha acesso a
informações e materiais procedentes de diversas fontes, nacionais e internacionais. Particularmente,
devem incentivar a divulgação de materiais de interesse social e cultural para a criança, promover a
cooperação internacional no intercâmbio de informações e materiais de diversas fontes culturais, incentivar
a produção e difusão de livros para crianças, incentivar os meios de comunicação a considerarem as
necessidades linguísticas da criança e promover a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a
criança contra informação e material prejudiciais.

 dever de responsabilização dos pais pelos cuidados quanto à educação e desenvolvimento da criança: os
Estados partes devem reconhecer o princípio segundo o qual AMBOS os pais têm obrigações comuns com
relação à educação e ao desenvolvimento da criança, aos quais cabe a responsabilidade pela educação e
desenvolvimento da criança. Os Estados Partes prestarão assistência adequada aos pais e aos representantes
legais para o desempenho de suas funções

 dever de proteção contra violência, abuso, tratamento negligente, maus tratos ou exploração sexual: os
Estados devem adotar quaisquer medidas para proteger a criança contra todas as formas de violência física
ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual. Essas
medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de
programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas
de seu cuidado.

 dever de o Estado prover assistência à criança quando estiver separada do seio familiar: as crianças
privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar, ou cujo interesse maior exija que não
permaneçam nesse meio, terão direito à proteção e assistência especiais do Estado. Essas crianças têm
direito a cuidados alternativos, consistente, inter alia, na colocação em lares de adoção, adoção e colocação
em instituições adequadas para a proteção de crianças.

 dever de proteção à criança na condição de refugiada nos seguintes termos: os Estados Partes adotarão
medidas pertinentes para assegurar que a criança que tente obter a condição de refugiada, ou que seja

56
668
considerada como refugiada de acordo com o direito e os procedimentos internacionais ou internos
aplicáveis, receba, tanto no caso de estar sozinha como acompanhada por seus pais ou por qualquer outra
pessoa, a proteção e a assistência humanitária adequadas. Para tanto, os Estados Partes cooperarão, da
maneira como julgarem apropriada, com todos os esforços das Nações Unidas e demais organizações
intergovernamentais competentes, ou organizações não-governamentais que cooperem com as Nações
Unidas, no sentido de proteger e ajudar a criança refugiada, e de localizar seus pais ou outros membros de
sua família a fim de obter informações necessárias que permitam sua reunião com a família.

 deveres do Estado em relação à criança com deficiência: Os Estados Partes reconhecem que a criança
portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e decente em condições
que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade. As
crianças com deficiência têm direito a proteção especial. A assistência à criança com deficiência deve ser
gratuita, sempre que possível. Os Estados Partes promoverão, com espírito de cooperação internacional, um
intercâmbio adequado de informações nos campos da assistência médica preventiva e do tratamento
médico, psicológico e funcional das crianças deficientes.

O art. 23, por sua vez, refere-se à criança com deficiência. Há toda uma regrativa para se garantir às tais
crianças a dignidade, criando meios que tenham uma vida relativamente normal, com autonomia e
possibilidade de participação na comunidade em que se inserem.

Além disso, tais crianças são consideradas especialíssimas (“especiais dentro do tratamento especial que se
deve conferir às crianças”). Assim, destaca a Convenção que é mais do que importante a assistência integral
do Estado e da comunidade.

 dever de avaliar periodicamente criança submetida à internação: os Estados Partes reconhecem o direito
de uma criança que tenha sido internada em um estabelecimento pelas autoridades competentes para fins
de atendimento, proteção ou tratamento de saúde física ou mental a um exame periódico de avaliação do
tratamento ao qual está sendo submetida e de todos os demais aspectos relativos à sua internação.

 dever do Estado de adotar medidas voltadas à proteção da criança contra o uso de drogas: Os Estados
Partes adotarão todas as medidas apropriadas, inclusive medidas legislativas, administrativas, sociais e
educacionais, para proteger a criança contra o uso ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas.

 dever de proteção contra exploração e abuso sexual: Os Estados Partes se comprometem a proteger a
criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão,
em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para
impedir: o incentivo ou coação a que criança se dedique a atividade sexual ilegal; a exploração da criança
na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; e a exploração da criança em espetáculos ou materiais
pornográficos.

 dever de proteção conta sequestro, venda ou tráfico de crianças: Os Estados Partes tomarão todas as
medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir o sequestro, a
venda ou o tráfico de crianças para qualquer fim ou sob qualquer forma.

57
668
 dever de proteção contra exploração: Os Estados Partes protegerão a criança contra todas as demais
formas de exploração que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bem-estar.

Sigamos!

5 - PRINCÍPIOS BASILARES
A partir do art. 3º, a Convenção passa a tratar dos direitos humanos das crianças, destacando-se o direito à
vida (artigo 6º), à integridade física e moral (artigo 19), à privacidade e à honra (artigo16), à imagem, à
igualdade, à liberdade (artigo 37), ao direito de expressão (artigos. 12 e 13), de manifestação de
pensamento (artigo 14), entre outros. Toda a regrativa da Convenção é orientada, segundo o art. 3º, por dois
princípios basilares:

Princípios Basilares

princípio da proteção princípio do maior


integral interesse da criança

O princípio da proteção integral indica que a proteção da criança é de responsabilidade de todos, de modo
a abranger o Estado, a família e a sociedade.

O princípio do maior interesse da criança, por sua vez, orienta as ações adotadas em matéria de infância. O
juiz, o administrador público, o responsável por entidade hospitalar, o parlamentar deve atuar sempre no
sentido prestigiar o interesse da criança. Por exemplo, em matéria de adoção o que tem mais peso é o
interesse da criança a ser adotada, não dos pretendentes à adoção.

Sobre o artigo acima, leciona a doutrina de André de Carvalho Ramos9:

O art. 3º, por sua vez, determina a consideração primordial do melhor interesse da criança (best
interests of the child) em todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades
administrativas ou órgãos legislativos e que se assegure à criança a proteção e o cuidado que
sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus
pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão
todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

9 RAMOS, André de Carvalho. Direitos Humanos. São Paulo: Editora Sa raiva, 2014, versão digital.

58
668
6 - APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL
Regra comum a diversos tratados internacionais de direitos humanos é o art. 41. Trata-se de norma que
prestigia proteção mais favorável existente, seja na legislação interna do Estado parte, seja em outras normas
de Direito Internacional.

Assim, diante da coexistência de regras de direitos humanos protetivas do menor de 18 anos, devemos
aplicar a mais favorável (in dubio pro homine).

7 - PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL


Outra norma tradicional em Convenção é a previsão do princípio da cooperação internacional, sempre
estimulada para que os Estados-partes, juntos, possam buscar níveis mais elevados de proteção aos direitos
mais básicos.

Nesse contexto, o art. 45 da Convenção prevê o estímulo à cooperação internacional de diversas formas,
sempre com intervenção das Nações Unidas.

8 - DIREITOS ALBERGADOS
Os direitos contemplados pela Convenção deverão ser estudados com cuidado. Como dito anteriormente, é
muito comum a cobrança em provas de quais são os direitos abrangidos e quais não constam do texto
convencional.

DIREITOS RECONHECIDOS NA CONVENÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS


• não-discriminação seja pela condição de criança, seja em razão de sexo, etnia, condição social etc.;
• direito à vida;
• garantia à máxima sobrevivência e desenvolvimento;
• direito ao imediato registro;
• desde o momento que nasce, direito:
o a um nome;
o a uma nacionalidade;

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668
o a conhecer seus pais; e
o de ser cuidada pelos pais.
• direito à preservação da imagem;
• direito à convivência familiar;
• liberdade de manifestação;
• ampla defesa e contraditório;
• liberdade de expressão;
• liberdade de pensamento, de crença e de consciência;
• liberdade de associação;
• direito à informação;
• proteção especial às crianças portadoras de necessidades especiais;
• direito à saúde;
• direito à previdência social;
• direito à educação; e
• direito ao lazer.

Desse extenso rol de direitos prescritos ao longo da Convenção, vamos tratar dos mais importantes para a
sua prova.

8.1 - Direito à educação pelos pais

O primeiro direito é o direito de ser cuidado e educado pelos pais. Prevê o art. 5º que os Estados-partes da
Convenção respeitarão o direito de instrução e orientação pelos pais.

8.2 - Direito à vida

O tratamento do direito à vida não se restringe somente à sobrevivência, mas ao seu adequado
desenvolvimento. Assim, todo tratamento dispensado às crianças deve observar a sua condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento, o que implica a criação de direitos especiais e de medidas protetivas.

Além disso, decorre do direito à vida:

• direito ao imediato registro;

60
668
• desde o momento que nasce, direito:
o a um nome;
o a uma nacionalidade;
o a conhecer seus pais; e
o de ser cuidada pelos pais.

Além disso, derivado do direito à vida está o direito à preservação da identidade da criança. Quando uma
criança se vir privada de algum elemento que configura sua identidade, os Estados devem prestar assistência
e proteção adequada para o seu restabelecimento o mais rápido possível.

8.3 - Direito à convivência familiar

Do artigo 9º extrai-se a previsão do direito à convivência familiar. De acordo com esse direito, deve-se
priorizar a manutenção da criança junto à família dos pais. Em não sendo possível, secundariamente, deve-
se privilegiar o que a Convenção denomina de família ampliada, que alberga os familiares dos genitores
(avós, tios etc.). Por fim, se não for possível a permanência da criança junto à família biológica ou extensa,
deve priorizar a colocação da criança sob a modalidade de adoção.

Assim, temos:

ORDEM PARA O
DIREITO À
família substituta
CONVIVÊNCIA família biológica família ampliada
(adoção)
FAMILIAR E
COMUNITÁRIA

Além disso, o artigo abaixo citado é claro no sentido de que qualquer forma de retirada da criança do convívio
com os pais ocorrerá:

 de forma excepcional;

 estará sujeita de revisão judicial;

 todos os interessados terão a oportunidade de participar e manifestar suas opiniões;

 será aplicada tendo em vista o princípio do maior interesse da criança, um dos princípios basilares
da Convenção.

Ainda no contexto do direito à convivência familiar, o artigo 10 da Convenção estatui o dever dos Estados
parte de atender a solicitação apresentada por criança ou por seus pais para ingresso ou saída do país para

61
668
visitar ou reunir a família. A criança cujos pais residam em Estado diferente têm direito de manter relações
pessoais e contato direto periódicos.

Vimos acima que a adoção é forma subsidiária de realização do direito à convivência familiar e comunitária.
Dito de outra forma, quando não for possível que a criança fique sob os cuidados dos pais biológicos ou da
família ampliada, deverá ser inserida, por intermédio da adoção, em família substituta.

Sobre a adoção, a Convenção determina que sempre seja observado o melhor interesse da criança. São cinco,
em particular, os aspectos a serem considerados:

 a adoção seja autorizada apenas pelas autoridades competentes;


 a adoção para Estado estrangeiro é subsidiária e será utilizada na impossibilidade da adoção nacional;
 a criança adotada em outro país goze de salvaguardas e normas equivalentes às existentes em seu
país de origem com relação à adoção;
 a adoção não pode se realizar por razões financeiras;
 os Estados devem promover os objetivos do sistema de adoção mediante ajustes ou acordos
bilaterais ou multilaterais.

8.4 - Liberdades

Quanto à liberdade, a Convenção é exaustiva no sentido de assegurar diversos direitos de liberdade.

Assegura-se a liberdade de pensamento, de crença e de consciência, devendo ser respeitados os direitos e


deveres dos pais, na qualidade de representantes das crianças, que lhes proporcionarão ampla liberdade de
pensamento, de crença e de consciência de acordo com a evolução de sua capacidade. Relacionado a esse
direito está também a liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças.

Em que pese estejam em desenvolvimento, a Convenção alerta para a necessidade de dar atenção às
crianças. Assim, confere-se o direito às crianças de expressar suas opiniões livremente sobre todos os
assuntos com ela relacionados, levando-se em consideração suas opiniões, em função da idade e
maturidade.

No mesmo sentido, a Convenção assegura o direito à liberdade de expressão, que inclui a liberdade de
procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo. Há algumas restrições, voltadas unicamente
a se assegurar o respeito dos direitos ou da reputação e a proteção da segurança nacional, da ordem pública
ou para proteger a saúde e a moral públicas.

Ainda, a criança tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de crença, respeitado o direito e
dever dos pais de orientar a criança com relação ao exercício de seus direitos de maneira acorde com a
evolução da sua capacidade. A liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças estará sujeita,
unicamente, às limitações prescritas pela lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem, a moral, a
saúde pública ou os direitos e liberdades fundamentais dos demais.

62
668
A Convenção assegura, no art. 15, inclusive, a liberdade de associação, possibilitando-se às crianças a
realização de reuniões pacíficas, com as restrições em regra impostas às demais pessoas ou grupo de pessoas
necessárias à garantia da democracia, da segurança nacional, da ordem pública e da proteção à saúde e à
moral públicas.

NENHUMA criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família,
seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação, assegurada
a proteção da lei contra essas interferências ou atentados.

Em síntese, são asseguradas as seguintes liberdades:

• de expressão
• de pensamento
• de crença
LIBERDADES
• de consciência
• de professar a própria religião
• de associação

8.5 - Direito à saúde

Entre os direitos sociais mais importantes certamente está a saúde, que requer a prestação de serviços pelos
Estados. No que diz respeito à saúde das crianças, o art. 24 prevê um rol extenso de medidas a serem
adotadas pelos Estados:

Artigo 24
1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de
saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os
Estados Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada
de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.
2. Os Estados Partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as
medidas apropriadas com vistas a:
a) reduzir a mortalidade infantil;
b) assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as
crianças, dando ênfase aos cuidados básicos de saúde;
c) combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde
mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos
nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental;
d) assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal;
e) assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os
princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e

63
668
do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, e tenham acesso à
educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos;
f) desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de
planejamento familiar.
3. Os Estados Partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas
tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança.
4. Os Estados Partes se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional com
vistas a lograr, progressivamente, a plena efetivação do direito reconhecido no presente artigo.
Nesse sentido, será dada atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento.

8.6 - Direito à previdência social

O art. 26 da Convenção assegura direito à criança de gozar de benefícios previdenciários na forma da


legislação de cada Estado. Podem, por exemplo, serem beneficiárias de seguros contra acidentes, na
hipótese e laborarem, ou de pensões, conforme estiver descrito na legislação interna de cada Estado. Os
benefícios deverão ser concedidos, quando pertinentes, levando-se em consideração os recursos e a situação
da criança e das pessoas responsáveis pelo seu sustento, bem como qualquer outra consideração cabível no
caso de uma solicitação de benefícios feita pela criança ou em seu nome

8.7 - Mínimo existencial da criança

Ainda no espectro dos direitos sociais, o art. 27 busca estabelecer um rol de direitos sociais mínimos a serem
assegurados pelos Estados em relação às crianças. Entre os direitos, temos:

 nível de vida adequado ao desenvolvimento;

 condições mínimas de vida; e

 respeito à nutrição, vestuário e habilitação.

Vamos em frente!

8.8 - Direito à educação

Consta do art. 28 a previsão de que o ensino primário deverá ser obrigatório e gratuito. O ensino
secundário, por sua vez, deverá ser estimulado, inclusive na modalidade profissionalizante, com vistas à
inserção no mercado de trabalho. Quanto ao ensino superior, deverão os Estados-parte torná-lo, na medida
do possível, acessível a todos.

Assim:

64
668
ENSINO PRIMÁRIO ENSINO SECUNDÁRIO ENSINO SUPERIOR
• obrigatório • estimulado • acessível a todos
• gratuito • modalidades geral e progressivamente
profissionalizante

Além disso, informação e orientação educacionais e profissionais devem estar disponíveis às crianças e
medidas para estimular a frequência escolar e a redução do índice de evasão devem ser adotadas. A
disciplina escolar deve ser exercida de maneira compatível com a dignidade humana.

Ainda a respeito da educação, a criança deve ser orientada quanto aos seguintes aspectos: desenvolvimento
da personalidade, aptidões e capacidade mental e física; respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais; respeito aos pais, à própria identidade cultural, idioma e valores nacionais; e preparação para
uma vida responsável numa sociedade livre com respeito ao meio ambiente.

Sigamos!

8.9 - Direitos Culturais

Vejamos:

O artigo 30 da Convenção trata de uma regra que objetiva preservar a diversidade, o que fundamenta o
posicionamento da doutrina internacional no sentido de prevalece a universalidade dos direitos, que deve
constituir um padrão mínimo do qual não se pode descurar. De toda maneira, respeitado esse padrão
mínimo, a diversidade deverá ser garantida, ainda que seja prática minoritária, tal como enuncia o artigo 30
da Convenção.

Para o efeito respeito à diversidade, a Convenção assegura que NÃO será negado a uma criança que
pertença a minorias étnicas, religiosas, linguísticas ou etnológicas o direito de ter sua própria cultura,
professar e praticar a sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma.

O artigo 31, por sua vez, assegura o direito ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades
recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística. Os Estados devem
respeitar e promover o direito da criança de participar plenamente da vida cultural e artística.

8.10 - Direitos Trabalhistas

De acordo com o artigo 32 da Convenção, as crianças devem ser protegidas nas relações de trabalho
perigosas, insalubres ou que possam interferir em sua educação. Para tanto, os Estados-parte deverão
estabelecer limites mínimos para admissão em determinados empregos; fixar regras apropriadas dos
horários e condições de emprego; e estabelecer penalidades e sanções para quem violar os dispositivos de
proteção ao trabalho do menor.

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668
PROTEÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO PERIGOSAS, INSALUBRES estabelecer limites mínimos para
OU PREJUDICIAIS À EDUCAÇÃO. admissão em determinados empregos;

fixar regras apropriadas dos horários e


Para tanto, deverão os Estados-parte:
condições de empregado; e

estabelecer penalidades e sanções para


quem violar os dispositivos de proteção ao
trabalho do menor.

Essa norma é importante na medida em que trata de regras trabalhistas protetivas às crianças. Em suma,
importante levarmos para a prova:

• as crianças devem ser protegias contra as relações de trabalho perigosas, insalubres ou que possam
interferir em sua educação;
• para implementar essa proibição, os Estados-parte deverão estabelecer:
o limites mínimos para admissão em determinados empregos;
o regulamentação apropriada dos horários e condições de emprego; e
o penalidades e sanções para quem violar os dispositivos de proteção ao trabalho do menor.

9 - DIREITO INFRACIONAL
Sabemos que o menor de 18 anos que praticar ilícitos penais não responderá segundo as normas de Direito
Penal. Em nosso ordenamento, inclusive, aquele que tiver 12 anos incompletos, se praticar ilícitos penais a
ele será aplicada medida de proteção. Os adolescentes – entendidos como aqueles que têm entre 12 anos
completos e 18 anos incompletos – se praticarem ilícitos penais podem sofrer a aplicação de medidas
socioeducativas. Essas medidas, a depender da gravidade e do comprometimento do adolescente com o
ilícito, podem implicar em advertência, obrigação de reparar danos, prestação de serviços à comunidade,
liberdade assistida, semiliberdade e internação.

A Convenção sobre o Direito das Crianças traz algumas regras em relação à possibilidade de reprimendas
que podem ser aplicadas à criança em conflito com a lei pela prática de atos descritos na legislação penal
como crimes ou contravenções.

De acordo com a Convenção, a criança deve ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de
dignidade e valor e a fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e liberdades fundamentais
de terceiro, com foco na sua idade e na importância de se estimular sua reintegração e desempenho
construtivo.

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668
É clara a preocupação em se conferir um tratamento atento ao respeito aos direitos humanos. Justamente
em razão disso, são descritas várias garantias processuais aplicáveis:

Princípios processuais aplicáveis à apuração de ato


infracional:
1.Princípio da anterioridade aplicado à prática de atos infracional por menores;
2.Princípio da presunção de inocência;
3.Princípio a ampla defesa e do contraditório;
4.Princípio da celeridade;
5.Princípio do juiz natural;
6.Princípio da imparcialidade
7.Princípio do nemo tenetur se detegere (garantia de que a pessoa tem de não produzir
prova contra si mesmo).

A Convenção prevê ainda que os Estados parte devem estabelecer uma idade mínima antes da qual se
presume que a criança NÃO tem capacidade de infringir as leis penais. Além disso, as medidas para tratar
dessas crianças devem ser tomadas sem se recorrer a procedimentos judiciais quando isso for conveniente
e desejável.

Com isso, finalizamos, a primeira parte da Convenção.

10 - COMITÊ
No que diz respeito à fiscalização das regras, a Convenção criou o Comitê para os Direitos da Criança, que
será constituído por 10 especialistas, que serão eleitos para mandatos de 4 anos pelos Estados-parte,
porém, exercerão suas funções a título pessoal. A eleição tem quórum de 2/3 dos Estados-parte e os eleitos
são os que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta de votos dos representantes dos
Estados.

Esses peritos serão eleitos para um mandato de 4 anos.

O Comitê atuará na implementação dos direitos assegurados às crianças.

Confira a redação da Convenção:

11 - MECANISMO DE FISCALIZAÇÃO: RELATÓRIOS


Ao contrário de outras convenções, a Convenção sobre as Crianças prevê apenas o mecanismo de relatórios.
Os Estados-parte signatários dos tratados deverão, a cada 5 anos, e sempre que solicitados pelo Comitê,
indicar as circunstâncias e as dificuldades no cumprimento das regras da presente Convenção.

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668
Caso entenda ser necessário incluir informações complementares, o Comitê poderá solicitá-las aos Estados-
parte.

Por fim, é importante registrar que o Comitê, a cada 5 anos, submeterá à Assembleia-Geral das Nações
Unidas relatórios informando acerca do cumprimento das disposições constantes da Convenção pelos
Estados que assinaram o tratado.

O Comitê pode solicitar aos Estados-parte informações sobre a implementação da convenção. A cada dois
anos o Comitê deve submeter à Assembleia Geral relatório de atividades por intermédio do Conselho
Econômico e Social.

Encerramos, com isso a segunda parte da Convenção.

12 - DISPOSITIVOS FINAIS DA CONVENÇÃO


Esses artigos trazem informações sobre a assinatura e a ratificação da Convenção, bem como o depósito
desses atos e outros atos de administração que fogem ao nosso interesse.

13 - PROTOCOLOS FACULTATIVOS
Adicionalmente à Convenção sobre as Crianças, a Assembleia-Geral da ONU adotou dois protocolos
facultativos assinados em 2000. Ao contrário do que usualmente são estabelecidos nos Protocolos
Facultativos, esses protocolos não ampliaram os mecanismos de implementação dos direitos.

O primeiro é o Protocolo Facultativo sobre a Venda de Crianças, a Prostituição e Pornografia Infantis. Já o


segundo é o Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados.

Não vamos tratar desses protocolos, uma vez que eles especificam direitos assegurados na Convenção sobre
as Crianças, objetivando a proteção específica a determinadas situações.

PROTOCOLO FACULTATIVO SOBRE A


• prevê um conjunto de regras que vedam a venda, a
VENDA DE CRIANÇAS, A PROSTITUIÇÃO E
prostituição e pornografia infantis.
A PORNOGRAFIA

PROTOCOLO FACULTATIVO SOBRE O


• prevê regras para evitar o máximo que os Estados-parte
ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS EM
envolvam menores de 18 anos em conflitos armados.
CONFLITOS ARMADOS

68
668
TAREFA 04 – DIREITO PROCESSUAL PENAL
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“Exame do corpo de delito e perícias” a “Quaro-resumo”, inclusive.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1. EXAME DO CORPO DE DELITO E PERÍCIAS


A matéria relativa ao exame do corpo de delito e às perícias em geral encontra-se regulamentada no Capítulo
II, do Título VII do Código de Processo Penal. Sem prejuízo de alguma regulamentação em leis fora do Código,
é nos artigos 158 a 184 que encontramos a disciplina essencial acerca do assunto.

1.1 DEFINIÇÃO E TERMINOLOGIA


A prova pericial “advém da necessidade de se demonstrar no processo fato que dependa de conhecimento
especial que esteja além dos conhecimentos que podem ser exigidos do homem e do juiz de cultura média”.

JOSÉ FREDERICO MARQUES diz que “perícia é a prova destinada a levar ao juiz elementos instrutórios sobre
normas técnicas e sobre fatos que dependem de conhecimento especial” (Marques, 1997).

DENILSON FEITOZA: “perícia é o exame técnico feito em pessoa ou coisa para comprovação de fatos e realizado
por alguém que tem determinados conhecimentos técnicos ou científicos adequados à comprovação. A
perícia é realizada porque o magistrado não tem tais conhecimentos ou porque a lei exige” (Feitoza, 2008).

EUGÊNIO PACELLI consigna que a prova pericial “é uma prova técnica, na medida em que pretende certificar a
existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos.
Por isso, deverá ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, sendo o reconhecimento desta
habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades regulamentadas,
fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais”. Lembra que, normalmente, “o próprio Poder Público tem em
seus quadros de carreiras os peritos judiciais, responsáveis pela realização das perícias solicitadas pela
jurisdição penal. São os chamados peritos oficiais” (Pacelli, 2018).

1.2 CORPO DE DELITO


O Código de Processo Penal trata das perícias em geral e do exame do corpo de delito, conjuntamente, no
Capítulo II do Título VII. Precisamos, então, distinguir para não fazer confusão.

69
668
Corpo de delito é, em poucas palavras, “o conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime”.

A expressão é de FARINÁCIO que distinguia a alma do delito (anima delicti), que é a malícia
ou a negligência do agente, e o corpo de delito (corpus delicti), que é a materialidade do
crime, aquilo que se vê, ouve, palpa, sente, aquilo que cai sob os sentidos; instrumentos
e produto do crime, marcas, impressões, pegadas etc. O cadáver no crime de homicídio,
o cheque, no de emissão de cheque sem fundos; a carta injuriosa, no de injúria por meio
epistolar; a ferida, no de lesão corporal etc. Os crimes que deixam vestígios são facta
permanentes; os que não deixam, facta transeuntes (Tornaghi, 1997).

No mesmo sentido, BRASILEIRO:

Corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais ou sensíveis deixados pela infração


penal. A palavra corpo não significa necessariamente o corpo de uma pessoa. Significa
sim o conjunto de vestígios sensíveis que o delito deixa para trás, estando seu conceito
ligado à própria materialidade do crime. Exemplificando, suponha-se que haja um delito
de latrocínio no interior de um apartamento. Nessa hipótese, o corpo de delito não se
resume ao cadáver, abrangendo também todos os vestígios perceptíveis pelos sentidos
humanos, tais como eventuais marcas de sangue deixadas no chão, a arma de fogo
utilizada para a prática do delito, eventuais sinais de arrombamento da porta do
apartamento, etc. (Lima, 2018).

1.3 EXAME DE CORPO DE DELITO


Assimilado o conceito de corpo de delito, cumpre destacar que o exame de corpo de delito nada mais é que
uma perícia, a principal, a mais importante de todas as perícias, realizada sobre todos e cada um dos vestígios
materiais deixados pelo crime.

É a “verificação da prova da existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras
evidências, quando os vestígios, ainda que materiais, desapareceram”. NUCCI, ainda, conceitua vestígio como
“o rastro, a pista ou o indício deixado por algo ou alguém. Há delitos que deixam sinais aparentes da sua
prática, como ocorre com o homicídio, uma vez que se pode visualizar o cadáver. Outros delitos não os
deixam, tal como ocorre com o crime de ameaça, quando feita oralmente”.

Os vestígios podem ser materiais ou imateriais. Materiais são os vestígios que os


sentidos acusam (ex.: a constatação do aborto pela visualização do feto expulso e
morto). Imateriais são aqueles que se perdem tão logo a conduta criminosa finde, pois
não mais captáveis, nem passíveis de registro pelos sentidos humanos (ex.: a injúria
verbal proferida) (Nucci, 2018).

70
668
Quem nos traz uma síntese bastante direta e objetiva em relação a institutos correlatos (todavia distintos)
são DENILSON FEITOZA e GUILHERME MADEIRA, este baseado na lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI, conforme
consolidamos na sequência:

Não raro são feitas confusões entre os termos corpo de delito, exame de corpo de delito,
laudo de exame de corpo de delito e perícias em geral. Para que melhor se compreenda
o tema ora em estudo, há necessidade de esclarecimento desta terminologia. Assim,
temos:
a) Corpo de delito: “corresponde ao conjunto de elementos físicos, materiais, contidos,
explicitamente, na definição do crime, isto é, no modelo legal” (Dezem, 2018). É o
conjunto de vestígios materiais e sensíveis deixados pela infração penal. O vocábulo
corpo, nessa expressão, significa conjunto, e não especificamente o corpo de uma
pessoa. Suponhamos que, com a intenção de matar, uma pessoa entre em luta corporal
com a vítima, num bar. Durante a luta, dois copos e uma garrafa são quebrados, uma
cadeira é danificada, a parede é suja de sangue, a faca ensanguentada cai em cima de
uma mesa e, por fim, a vítima cai morta no chão. O corpo de delito é o conjunto de todos
esses vestígios sensíveis, ou seja, perceptíveis pelos sentidos humanos, que foram
deixados pela prática da infração penal (crime de homicídio doloso). Portanto, os dois
copos e a garrafa quebrados, a cadeira danificada, o sangue na parede, a faca
ensanguentada e o cadáver da vítima são o corpo de delito (Feitoza, 2008).
b) Exame de corpo de delito: é a verificação levada a cabo pelos peritos acerca dos
vestígios da infração penal (Dezem, 2018). É a análise que o perito faz nos vestígios
materiais ou sensíveis, deixados pela infração penal (Feitoza, 2008).
c) Laudo de exame de corpo de delito: é a peça que materializa o trabalho do perito
(Dezem, 2018). É a peça técnica em que o perito descreve os vestígios materiais da
infração penal que foram analisados e expressa suas conclusões técnicas (Feitoza, 2008).
d) Perícias em geral: correspondem às demais verificações técnicas feitas pelos peritos
quando não se referirem ao corpo de delito (Dezem, 2018).
Estas definições acabam por se apresentar de maneira mais clara e evidente quando se
analisa outra passagem da obra de TUCCI em que afirma que “O vocábulo exame parece-
nos corretamente empregado, por isso que não há confundir corpus delicti – conjunto
dos elementos físicos ou materiais, principais ou acessórios, permanentes ou
temporários, que corporificam a prática criminosa – com a sua verificação existencial,
mediante atividade judicial de natureza probatória e cautelar, numa persecução penal
em desenvolvimento. Configura ele, com efeito, uma das espécies de prova pericial
consistente na colheita, por pessoa especializada, de elementos instrutórios sobre fato
cuja percepção dependa de conhecimento de ordem técnica ou científica...”.
Desta forma, evidenciada está toda a diferença: o corpo de delito refere-se à
materialidade da infração penal, ou seja, ao conjunto de vestígios deixados pela infração
penal. Este corpo de delito é verificado por uma espécie de perícia, chamada exame de
corpo de delito. Todas as demais atividades técnicas que não se refiram ao corpo de

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668
delito são reconhecidas pelo Código de Processo Penal, em geral, com o termo perícia
(Dezem, 2018).

Como refere FEITOZA, várias perícias podem ser realizadas sobre um mesmo corpo de delito, produzindo-se
diversos laudos de exame de corpo de delito, embora recebam nomenclaturas diferenciadas. O autor ainda
exemplifica:

O corpo de delito pode sofrer vários exames periciais por peritos diferentes. Os laudos
produzidos serão laudos de exame de corpo de delito. Todavia, por costume, esses
laudos recebem nomes diferentes e, inclusive, um mesmo tipo de exame pode receber
nomes diversos conforme a polícia que o faça. Exemplificativamente, um ou dois peritos
criminais vão ao local do fato e examinam todos aqueles vestígios do exemplo dado, a
partir do que elaboram um laudo de exame de local de morte violenta, que nada mais é
do que um laudo de exame de corpo de delito. O cadáver da vítima é recolhido e levado
aos médicos-legistas, os quais o examinam, afirmam que a vítima está morta, concluem
qual a causa mortis e elaboram o laudo de exame cadavérico, também um laudo de
exame de corpo de delito. A faca ensanguentada pode ser enviada a outros peritos
criminais diferentes, para determinarem algum aspecto relevante dela, com o que será
produzido outro laudo de exame de corpo de delito e assim por diante. Na hipótese de
homicídios dolosos, normalmente, os dois primeiros laudos referidos são elaborados.
Entretanto, popularmente, é comum as pessoas leigas pensarem que exame de corpo
de delito é somente aquele feito para constatar lesões corporais e que laudo de exame
de corpo de delito é o respectivo laudo pericial. Há mesmo quem pense que corpo de
delito seja apenas o cadáver da vítima! Nada impediria que todos os laudos fossem
denominados pelos peritos laudos de exame de corpo de delito, complementando com a
espécie, por exemplo laudo de exame de corpo de delito (cadavérico), laudo de exame
de corpo de delito (estupro), laudo de exame de corpo de delito (lesões corporais) etc. Há
vários exames periciais que não são exame de corpo de delito. Por exemplo, os exames
de identidade de pessoas não o são, pois a identidade de alguém não é vestígio deixado
pela infração penal (Feitoza, 2008).

A constatação, portanto, de que o corpo de delito pode sofrer vários exames periciais e que as perícias que
se realizam sobre o corpo de delito não são as únicas (embora, normalmente, as mais importantes), na
medida em que outros exames podem ocorrer numa persecução penal é extraída, inclusive, de artigos do
CPP:

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
[...]

VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras
perícias;

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668
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superior.

Embora as autoridades da persecução penal (delegado, promotor e juiz) possam determinar a realização do
exame pericial, não poderão interferir na conclusão dos peritos, estes que têm autonomia, nos termos da
lei:

Lei 12.030/2009. Art. 2º No exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é


assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação
acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial.

Lei 9.266/1996. Art. 2º-D. Os ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal são responsáveis
pela direção das atividades periciais do órgão.

Parágrafo único. É assegurada aos ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal autonomia
técnica e científica no exercício de suas atividades periciais, e o ingresso no cargo far-se-á
mediante concurso público de provas e títulos, exigida formação superior e específica.

Segundo o CPP, não existe restrição de horário para realização do exame de corpo de delito e, além disso,
não há obrigatoriedade para as demais perícias:

Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.

Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a
perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

1.4 LAUDO PERICIAL


Assim prescreve o Código de Processo Penal:

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que
examinarem, e responderão aos quesitos formulados.

Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este
prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos.

O laudo pericial é a manifestação que normalmente encerra o trabalho do perito, contendo a sua declaração
técnica a respeito dos fatos e pontos examinados. É o documento que traduz o exame pericial realizado,
formalizando-o.

Subdivide-se em 4 (quatro) partes: a) preâmbulo: qualificação do perito oficial ou dos


peritos não-oficiais e do objeto da perícia; b) exposição: narrativa de tudo que é

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668
observado pelos experts; c) fundamentação: motivos que levaram os experts à conclusão
final; d) conclusão técnica: resposta aos quesitos (Lima, 2018).

Não há um momento certo e definido pela lei para que o laudo pericial seja apresentado/juntado no
processo. A própria denúncia, de regra, pode ser recebida sem ele e isso muito constantemente acontece,
principalmente nos procedimentos com réus presos, que devem tramitar mais rapidamente.

Recomenda-se, claro, que isso aconteça o quanto antes, inclusive para efeito de contraditório, lembrando
que é na fase de investigação que normalmente se realiza e se colhe a prova pericial, tendo em conta que os
vestígios da infração penal tendem a desaparecer ao longo do tempo. Em outras palavras: as autoridades
não podem aguardar a fase processual para somente então determinar a realização das perícias necessárias,
sob pena de completo esvaziamento de sua utilidade e eficácia em muitos casos.

Por outro lado, há duas exceções legais exigem a feitura do laudo antecipadamente, uma da Lei de Drogas e
outra em relação aos crimes contra a propriedade imaterial (produtos ‘piratas’):

Lei 11.343/2006. § 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento


da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da
droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.

CPP. Art. 525. No caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será
recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito.

Normalmente os exames periciais são realizados em fase de investigação, para que não desapareçam os
vestígios e não se perca o objeto do exame. Há necessidade empírica para isso e por essa razão temos os
comandos dos incisos I e VII do art. 6º do CPP.

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas,
até a chegada dos peritos criminais; [...]

VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras
perícias;

Importante notar que nessa fase embrionária da persecução penal não se tem processo, não se tem
advogado, não se tem acusado e, muitas das vezes, não há sequer suspeito. Impraticável, portanto,
implementar um contraditório pleno e antecipado. A maneira pela qual a lei compatibilizou o contraditório
(que se será diferido) consta do art. 159 do CPP:

§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: [...]

I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos,
desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam

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668
encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em
laudo complementar;

II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz
ou ser inquiridos em audiência.

§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de
perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

Em caso de problemas nos laudos periciais, é possível a correção ou até mesmo a repetição do exame:

Art. 181. No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou


contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou
esclarecer o laudo.

Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por
outros peritos, se julgar conveniente.

Laudos complementares são aqueles supervenientes, feitos depois do exame principal e normalmente
realizados pelos mesmos peritos, seja para esclarecimentos, seja porque o caso, em si, exige uma análise
posterior. AVENA aponta e exemplifica as duas principais situações em que se cogitaria de exames
complementares:

Laudos complementares são aqueles resultantes de perícias realizadas em momento


posterior à perícia principal e que devem ser realizados, se possível, pelos próprios
experts que fizeram o primeiro exame. Duas, basicamente, são as situações que levam
o Delegado de Polícia, o juiz e o próprio Ministério Público a determinarem ou
requisitarem essa providência, a saber:
a) Esclarecimento de omissões, obscuridades ou contradições (art. 181 do CPP). Não se
trata, aqui, de posicionamentos divergentes dos peritos, mas de laudo, efetivamente,
contraditório em suas conclusões. Exemplo: Atesta, como causa mortis da pessoa
encontrada em um rio, afogamento por água, ao mesmo tempo em que refere
encontrarem-se os pulmões do cadáver íntegros e secos;
b) Necessidade de aguardar o decurso de certo período de tempo para viabilizar a
resposta a quesitos relevantes na apuração do delito. Exemplos: Exame complementar
para a constatação da efetiva incapacidade para as ocupações habituais por mais de
trinta dias, o que deve ser feito logo após o decurso desse período (art. 168, caput e §§
1.º e 2.º, do CPP); exame complementar para constatar o caráter permanente de
debilidade de órgão, sentido, ou função etc. (Avena, 2017).

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668
E, ao fim, estará o juiz vinculado às conclusões das perícias?

A doutrina costuma citar dois sistemas em relação a isso:

1º) sistema vinculatório – como o próprio nome sugere, nesse sistema o juiz fica vinculado,
adstrito àquilo que concluiu a perícia; não há como definir diferente. Essa característica é
inerente à prova tarifada (por nós não adotada);

2º) sistema liberatório – por ele o juiz estaria livre para decidir de forma diversa, não estaria vinculado às
conclusões da perícia.

Ok, mas qual é o sistema adotado pelo Brasil? Citamos dois artigos do Código de Processo Penal para que
cheguemos à resposta:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, [...].

Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte.

A persuasão racional ou o livre convencimento motivado, como já vimos, implicam num sistema liberatório
– não há como ser diferente. Conforme vimos um pouco antes, por força do parágrafo único do art. 181, o
juiz pode, inclusive, ordenar que se realize novo exame, se julgar conveniente.

1.5 OBRIGATORIEDADE DO EXAME DE CORPO DE DELITO


Eis o que estabelece o Código de Processo Penal, em três normas sobre a questão:

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios,
a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...]

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: [...]

b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art.
167;

FREDERICO MARQUES já concluíra: “da conjugação desses três dispositivos, o que se infere é que o auto ou
exame de corpo de delito deve ser realizado em todo o delito que deixa vestígios, sob pena de nulidade. Por

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668
outra parte, não pode a confissão supri-lo; e, ante a impossibilidade de exame dos vestígios do crime, a prova
testemunhal é a única que o pode suprir” (Marques, 1997).

Cabe o apontamento de que não só no caso de ‘desaparecimento’ dos vestígios e não só por ‘prova
testemunhal’, a substituição do laudo pericial tem sido admitida pela jurisprudência. Nesse sentido a tese nº
9 do Jurisprudência em Teses do STJ, edição 111:

9) É necessária a realização do exame de corpo de delito para comprovação da materialidade do


crime quando a conduta deixar vestígios, entretanto, o laudo pericial será substituído por outros
elementos de prova na hipótese em que as evidências tenham desaparecido ou que o lugar se
tenha tornado impróprio ou, ainda, quando as circunstâncias do crime não permitirem a análise
técnica.

A ideia da jurisprudência, flexibilizando o rigor da lei, é basicamente a seguinte: infração deixou vestígios,
obrigatório se torna o exame pericial; vestígios desapareceram ou por alguma razão plausível/justificável o
exame não foi realizado, possível a utilização de outros elementos de prova.

TORNAGHI esclarece que a razão de a lei exigir o exame de corpo de delito está na tentativa de evitar erros
judiciários. Fazendo remissão a CARRARA lembra que “a história dos processos criminais oferece dolorosos
testemunhos de que os tribunais, ao esquecer uma regra tão salutar (a da exigência de constatar o corpo de
delito), frequentemente condenaram infelizes, como culpados de haver morto alguém que ainda vivia”.

Para explicar o tema, a doutrina traz uma classificação em relação aos crimes:

• infrações penais transeuntes – aquelas onde há fato transitório, momentâneo ou


passageiro (facti transeuntis), que normalmente não deixa vestígios;
• infrações penais não transeuntes – aquelas que deixam vestígios, resquícios materiais
da ocorrência (facti permanentis).

Para determinar a classificação nos mais variados casos, é preciso ter em conta o tipo do crime. Exemplo de
MADEIRA: “um homicídio, uma lesão corporal ou mesmo um estupro. São todos crimes que deixam vestígios
e, por isso mesmo, há necessidade de realização do exame de corpo de delito. Por outro lado, pense-se no
crime de injúria por manifestação oral. Nesse segundo exemplo não há o que ser periciado, na medida em
que a infração não deixou qualquer vestígio a ser analisado” (Dezem, 2018).

Ao demais, veja-se que o art. 158 do CPP menciona o exame de corpo de delito direto e indireto. O exame
de corpo de delito direto diz respeito àquele elaborado por perito (oficial ou não oficiais, nos termos do art.
159) sobre o próprio corpo de delito, a exemplo do exame realizado sobre o cadáver (necropsia) em um
crime de homicídio. Por outro lado, em relação ao exame indireto, pertinentes são as considerações de
BRASILEIRO no tocante ao seu conceito, ao elencar as duas visões existentes sobre o tema:

Se não há dúvidas quanto ao conceito de exame de corpo de delito direto, o mesmo não
ocorre quando se busca na doutrina o conceito de exame de corpo de delito indireto.
Para uma primeira corrente, não há qualquer formalidade para a constituição do corpo

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668
de delito indireto, constituindo-se pela colheita de prova testemunhal, a qual, afirmando
ter presenciado o crime ou visto os vestígios, será suficiente para suprir o exame direto,
ou, ainda, pela análise de documentos que comprovem a materialidade, tais como
fotografias dos vestígios sensíveis ou o prontuário médico do atendimento da vítima no
posto de saúde. É o que dispõe o art. 167 do CPP, quando preceitua que, não sendo
possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Perceba-se que, para essa primeira corrente, o
exame de corpo de delito indireto não é propriamente um exame, mas sim a prova
testemunhal ou documental suprindo a ausência do exame direto, em virtude do
desaparecimento dos vestígios deixados pela infração penal. Para uma segunda
corrente, o exame de corpo de delito indireto é um exame pericial e não se confunde
com o mero depoimento de testemunhas (CPP, art. 167). Para essa corrente, após
colherem os depoimentos das testemunhas acerca dos vestígios deixados pela infração
penal, ou analisar documentos pertinentes à materialidade da infração penal, os peritos
irão extrair suas conclusões, firmando um laudo pericial. Esse exame é tido como
indireto pelo fato de não ser feito diretamente sobre os vestígios deixados pela infração.
Logo, nessa acepção, não se tem na regra do art. 167 do CPP uma espécie de exame de
corpo de delito indireto, mas sim exclusivamente prova testemunhal. É essa a posição,
entre outros, de VICENTE GRECO FILHO e HÉLIO TORNAGHI. Conclui-se, portanto, que o exame
de corpo de delito direto é, sim, um exame pericial. De outro lado, a depender da
corrente adotada, o exame de corpo de delito indireto pode ser considerado um exame
pericial ou um exame judicial, ou seja, uma análise do juiz acerca da materialidade do
delito, porém a ser feita a partir da prova testemunhal ou documental (Lima, 2018).

Por fim, confira uma ilustração que consigna o que vimos até agora neste tema:

exame de corpo
corpo de delito
de delito

direto indireto direto indireto

exame indireto do prova


exame direto do
feito por perito (feito por testemunhal ou
atestado por perito (ex.
testemunhas ou outros vestígios outras suprem a
perito (exame) necropsia num
outras provas que não os do falta do exame -
homicídio)
corpo) - 1ª 2ª corrente

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668
1.6 PERITOS
Perito, como ensina FREDERICO MARQUES, “é órgão técnico e auxiliar do juízo na formação e colheita do
material instrutório” (Marques, 1997).

A disciplina a respeito dos peritos está nos seguintes artigos do CPP:

Art. 275. O perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina judiciária.

Art. 276. As partes não intervirão na nomeação do perito.

Art. 277. O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa
de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível.

Parágrafo único. Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada
imediatamente:

a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade;

b) não comparecer no dia e local designados para o exame;

c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos.

Art. 278. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá
determinar a sua condução.

Art. 279. Não poderão ser peritos:

I - os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos ns. I e IV do art. 69 do Código
Penal;

II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto


da perícia;

III - os analfabetos e os menores de 21 anos.

Art. 280. É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre suspeição dos juízes.

Art. 281. Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos.

A respeito de sua classificação, aduz MADEIRA:

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668
Os peritos classificam-se segundo sua vinculação com o Estado ou a falta dela. Desta
forma, tem-se a seguinte classificação:
a) perito oficial – corresponde ao sujeito investido no cargo criado por lei, mediante
concurso público, para a realização das perícias.
b) perito não oficial – corresponde à pessoa nomeada pela autoridade (delegado ou
magistrado) para a realização da perícia e que não ocupa cargo criado por lei.
Normalmente seu uso se dá no caso de falta de peritos oficiais (Dezem, 2018).

Disciplina judiciária significa a obediência à direção judicial do processo, “bem como o comprometimento
necessário com a imparcialidade e com o zelo e presteza na sua atuação profissional, não só por força dos
deveres de sua formação específica (leis orgânicas regulamentadoras de determinadas profissões), mas,
sobretudo, pelo munus publico que implica a disciplina judiciária (art. 159, § 2º, CPP), ainda que sob
remuneração pelo Estado” (Pacelli, et al., 2018).

A ela estão sujeitos tanto os peritos oficiais quanto aqueles que eventualmente sejam nomeados pelo juiz
(art. 159, § 1º, CPP).

Cumpre lembrar o art. 177 do Código de Processo Penal:

Art. 177. No exame por precatória, a nomeação dos peritos far-se-á no juízo deprecado.
Havendo, porém, no caso de ação privada, acordo das partes, essa nomeação poderá ser feita
pelo juiz deprecante.

Parágrafo único. Os quesitos do juiz e das partes serão transcritos na precatória.

Também vale fazer remissão (são poucos artigos) à Lei 12.030/2009, que dispõe sobre as perícias oficiais:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais para as perícias oficiais de natureza criminal.

Art. 2º No exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia


técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica,
para o provimento do cargo de perito oficial.

Art. 3º Em razão do exercício das atividades de perícia oficial de natureza criminal, os peritos de
natureza criminal estão sujeitos a regime especial de trabalho, observada a legislação específica
de cada ente a que se encontrem vinculados.

Art. 5º Observado o disposto na legislação específica de cada ente a que o perito se encontra
vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos
odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a
necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional.

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1.6.1 Formalidades e número de peritos

Assim estabelece o CPP:

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superior.

§ 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras
de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

§ 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o


encargo.

Regra geral (existem legislações específicas que disciplinam de forma diversa), atualmente, como se vê no
caput do art. 159, a perícia será realizada por apenas um perito oficial. Na falta de perito oficial é que se
permite a atuação de duas pessoas idôneas que prestarão o compromisso legal.

Em casos que exijam perícia complexa, permite a lei que mais de um perito seja nomeado (art. 159, CPP):

§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento


especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais
de um assistente técnico.

1.6.2 Divergência entre peritos

Sobre eventual divergência entre peritos, assim disciplina o CPP:

Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as
declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a
autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar
proceder a novo exame por outros peritos.

AVENA elabora um resumo quanto ao ponto:

a) Peritos convergem nas conclusões e o juiz concorda integralmente com o resultado


do laudo: a decisão será proferida em acordo com a perícia.
b) Peritos convergem nas conclusões e o juiz discorda com o resultado do laudo: o juiz
proferirá decisão contrária ao laudo, fundamentando-a, porém, em outros elementos
de prova coligidos ao processo.
c) Peritos divergem nas conclusões, caso em que o juiz:
• Poderá optar por uma das soluções apontadas, discordando da remanescente e
fundamentando esse seu entendimento.

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• Poderá nomear terceiro perito – chamado de “desempatador” – para indicar qual sua
posição em face das conclusões contraditórias dos peritos que o antecederam no
exame, guiando-se o magistrado, neste caso, pelo resultado das observações desse
último expert.
• Se o perito desempatador divergir das conclusões dos peritos que realizaram o
primeiro laudo, poderá o juiz determinar nova perícia, a ser realizada por dois outros
peritos, ignorando, então, a primeira realizada (Avena, 2017).

Ainda sobre os peritos, confira-se o teor da Súmula 361 do STF:

Súmula 361, STF: No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-
se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão.

Segundo precedentes do próprio STF, a referida súmula é aplicável apenas aos peritos não oficiais, na medida
em que o próprio CPP prevê a realização de exame por um perito oficial:

Outrossim, inexiste razão que justifique a concessão da ordem de habeas corpus para declarar a
ausência de materialidade do crime, fundada na premissa exclusiva de que o laudo pericial que
atestou a natureza da substância entorpecente foi subscrito por um único perito. Isso porque,
em primeiro lugar, há precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a Súmula 361
(No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que
tiver funcionando anteriormente na diligência de apreensão) não se aplica a peritos oficiais,
como ocorre com o Laudo Pericial acostado aos autos (...). (STF. HC 115530, Relator Ministro Luiz
Fux, Primeira Turma, julgamento em 25.6.2013, DJe de 14.8.2013).

1.7 ATUAÇÃO PROCESSUAL DAS PARTES EM RELAÇÃO À PERÍCIA


Destacamos, inicialmente, algumas regras do CPP (art. 159) que preveem algumas prerrogativas processuais
para as partes, com relação às perícias:

§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao


querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames
e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.

§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:

I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos,
desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam
encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em
laudo complementar;

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II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz
ou ser inquiridos em audiência.

§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de
perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

De acordo com essas regras, podemos identificar três nítidas prerrogativas processuais para as partes com
relação à perícia: 1) formulação de quesitos; 2) indicação de assistente técnico; 3) disponibilização do
material probatório.

A atual redação dos §§ 3º e 4º do art. 159 do CPP deixa claro que as partes têm a prerrogativa de indicar
assistentes técnicos e formular quesitos, como antes já ocorria no processo civil.

As partes podem indicar auxiliares para representá-las na formação da prova técnica. Estes são vinculados
às partes com quem contribuem, recebendo a designação de assistentes técnicos. “A eles não se aplicam as
causas de impedimento e de suspeição, e a sua nomeação ou destituição não fica na esfera de decisão do
magistrado” (Marinoni, et al., 2015). O assistente técnico “deve ser compreendido como um auxiliar das
partes, dotado de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, responsável por trazer ao processo
informações especializadas pertinentes ao objeto da perícia” (Lima, 2018).

Aliás, BRASILEIRO diferencia o assistente técnico do perito com base nos seguintes motivos:

1) Tratando-se de auxiliar das partes, é evidente que, da sua atuação, não se pode
esperar a mesma imparcialidade que permeia a atuação do perito. Destarte, ao
contrário dos peritos, os assistentes técnicos não se sujeitam às causas de impedimento
e suspeição;
2) Ao contrário dos peritos oficiais ou não oficiais, os assistentes técnicos não podem ser
considerados funcionários públicos, na medida em que não exercem cargo, nem
tampouco função pública;
3) Como o crime de falsa perícia previsto no art. 342 do Código Penal é um crime de mão
própria, tendo como sujeito ativo apenas o perito, eventuais falsidades cometidas pelo
assistente técnico não configuram o referido delito. A depender do caso concreto,
todavia, poderá restar caracterizado o delito de falsidade ideológica (CP, art. 299), caso
seja comprovado que o assistente técnico omitiu em seu parecer declaração que dele
devia constar, nele inseriu ou fez inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante. Logicamente, a prática do delito de falsidade ideológica está
condicionada à inserção de um dado objetivo falso em seu parecer, jamais podendo ser
censurada criminalmente eventual opinião do assistente técnico distinta daquela
firmada pelos peritos (Lima, 2018).

83
668
1.8 AUTÓPSIA E EXUMAÇÃO
Assim dispõe o Código de Processo Penal:

Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela
evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão
no auto.

Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver,
quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar
a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma
circunstância relevante.

Normalmente a doutrina critica o uso da locução autópsia, dizendo que o ideal seria o uso da palavra
necropsia.

O art. 162 do CPP estabelece as regras para que seja realizada a autópsia. A autópsia
(mais tecnicamente conhecida como necropsia, visto que o prefixo auto dá a ideia do
próprio cadáver realizar em si o exame o que, convenhamos, é impossível) (Dezem,
2018).
Apesar de o CPP usar a expressão autópsia, o ideal é usar a palavra necropsia, pois
autópsia significa inspeção de si próprio. Em regra, a necropsia envolve o exame interno
e externo, lavrando-se, em seguida, o laudo necroscópico ou cadavérico (Lima, 2018).

E necropsia, portanto, é o exame interno do cadáver que “tem por finalidade precípua a constatação da
causa da morte. Mas não apenas esta finalidade, pois se destina também a verificar outros elementos, tais
como o número de ferimentos havidos no cadáver, a trajetória dos projéteis e outras tantas informações
relevantes para a elucidação do crime”.

Exumar, por outro lado, traduz o ato de desenterrar o cadáver da sua sepultura, normalmente para se
realizar algum exame faltante ou complementar algum já existente.

Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que,
em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto
circunstanciado.

Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da


sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a
sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade
procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.

84
668
A exumação de cadáver presta-se à realização de prova pericial nos casos em que, por
meio dela, seja possível, ao exame cadavérico, apontarem-se alguma ou algumas
conclusões relevantes acerca da causa da morte. Exames de DNA, de arcada dentária
(havendo dúvidas sobre a identidade do morto) e outros de idêntica natureza, podem
esclarecer situações, fatos ou circunstâncias relevantes à imputação penal.
Evidentemente, será necessária a demonstração cabal da necessidade e da utilidade do
exame, tendo em vista os transtornos dele decorrentes. E, a nosso aviso, cabe apenas à
autoridade judicial a autorização para a sua realização, na medida em que a diligência
implica o tangenciamento a direitos subjetivos de terceiros, legitimados em razão da
proteção à imagem, à honra e, enfim, ao patrimônio moral do falecido. Autorizada que
seja a providência, cabe à Administração do local em que estiver enterrado o cadáver a
identificação do sepultamento, sob pena de responsabilidade (por desobediência)
(Pacelli, et al., 2018).

Art. 164. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem
como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime.

O objetivo é óbvio e dispensa especulações. A cena do crime deve ser preservada, a fim
de que a perícia técnica possa realizar seus trabalhos, muitas vezes relevantíssimos para
a apuração do crime. Como nem sempre as primeiras diligências relativas à identificação
do crime são feitas pela Polícia Judiciária, impõe-se toda cautela aos membros da Polícia
Militar, bem como aos particulares que, eventualmente, chegam ao local e se deparem
com cena do crime. Os peritos deverão, então, antes do recolhimento do material cuja
apreensão é legalmente autorizada, preservar a memória da situação de fato, para
posteriores conclusões (Pacelli, et al., 2018).

Art. 165. Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível,
juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente
rubricados.

Recomendação desbordante da regra de necessidade da regulação legal, isto é, excesso


de zelo na criação de regras legais, tendo em vista que o presente dispositivo já se
conteria no anterior. Se a ideia é a preservação da memória, por que não desenhos,
esquemas e outros grafismos, desde que comprovada a respectiva originalidade?
(Pacelli, et al., 2018)

Art. 166. Havendo dúvida sobre a identidade do cadáver exumado, proceder-se-á ao


reconhecimento pelo Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere ou pela

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668
inquirição de testemunhas, lavrando-se auto de reconhecimento e de identidade, no qual se
descreverá o cadáver, com todos os sinais e indicações.

Parágrafo único. Em qualquer caso, serão arrecadados e autenticados todos os objetos


encontrados, que possam ser úteis para a identificação do cadáver.

A dúvida aqui se resume à identidade do cadáver exumado. Aliás, como vimos, seria
esse (a dúvida) um dos fundamentos possíveis para a autorização da exumação. Nesse
caso, serão adotados os procedimentos de rotina para a identificação do cadáver
(arcada dentária, exame de DNA, impressões datiloscópicas, ou, se ainda possível, o
reconhecimento pessoal pelos parentes). A referência feita ao recolhimento de objetos
parece supor que tal providência não tenha sido realizada quanto do sepultamento, o
que é bastante raro, mas não impossível. E estes, os objetos, podem mesmo ser úteis
na confirmação da identificação, não valendo, por si só, como prova. (Pacelli, et al., 2018)

1.9 LAUDO COMPLEMENTAR NO CRIME DE LESÕES CORPORAIS

Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto,
proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de
ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.

§ 1º No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de


suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.

§ 2º Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º, I, do Código Penal,
deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime.

§ 3º A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal.

Como se sabe, uma das hipóteses de lesão corporal grave ocorre quando, da ofensa à
integridade corporal ou saúde de outrem, resulta incapacidade para as ocupações
habituais por mais de 30 (trinta) dias (CP, art. 129, § 1°, I). Nesse caso, além do primeiro
exame pericial, comprovando a ofensa à integridade corporal, é necessária a realização
de um exame complementar, a fim de se aferir se a vítima ficara incapacitada para as
ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias. Nesse sentido, prevê o art. 168, § 2°,
do CPP, que, se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1°,
I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data
do crime. Como esse prazo de 30 (trinta) dias serve para tipificar o delito do art. 129, §
1°, I, do CP, queremos crer que se trata de um prazo penal. Portanto, sua contagem deve
se dar à luz do art. 10 do Código Penal, incluindo-se o dia do começo no cômputo do

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668
prazo. Importante ressaltar, todavia, que a falta desse exame complementar poderá ser
suprida pela prova testemunhal (CPP, art. 167, c/c art. 168, § 3°). O Código de Processo
Penal também dispõe que, em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial
tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da
autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do
ofendido ou do acusado, ou de seu defensor (art. 168, caput). No exame complementar,
os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou
retificá-lo (Lima, 2018).

1.10 EXAME DE LOCAL DE CRIME

Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade
providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos
peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.

Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão,
no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.

Ocorrido o crime, deverá a autoridade policial conduzir-se para o local de sua ocorrência
e proceder nos termos do art. 6.º, I, do CPP. Tal isolamento do local do crime é relevante
para que se possa conduzir a perícia da melhor maneira possível e evitar
desvirtuamentos em seu resultado. [...] Os peritos devem descrever tudo o quanto
encontrado no local do crime e, inclusive, devem fazer constar de seu laudo eventual
alteração que tenha ocorrido no local. Tal providência, que deve provir de natural bom
senso, decorre do disposto no parágrafo único do art. 169 do CPP: “Os peritos registrarão,
no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências
dessas alterações na dinâmica dos fatos” (Dezem, 2018).

1.11 EXAMES LABORATORIAIS

Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a
eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas
fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.

Há determinadas perícias que demandam análise em laboratório, como as que


investigam se uma substância é entorpecente ou se é venenosa, ou mesmo qual a
quantidade de álcool existente no sangue de uma pessoa. Nesta situação, há
necessidade de se atentar para a exigência legal do art. 170 do CPP (Dezem, 2018).

87
668
Seguem, a partir daqui, inúmeras obviedades. Naturalmente, em se tratando de prova
técnica, realizada sobre os chamados vestígios, isto é, aquele material cujas natureza,
espécie, utilidade, e, enfim, principais características sejam importantes para a
determinação dos fatos e respectiva extensão e consequências, deve-se mesmo
preservar um mínimo que seja para eventual necessidade de repetição da prova
(pericial). Não bastasse a prudência inerente ao conhecimento nas ciências, o acelerado
desenvolvimento tecnológico e dos meios técnicos de avaliação pericial das coisas,
aliado ao risco, sempre presente, de surgimento de novas provas, poderá determinar o
reexame de material sobre o qual já tenha sido emitido juízo de certeza. Por isso, a
providência se justificaria mesmo se ausente previsão legal (Pacelli, et al., 2018).

1.12 AVALIAÇÃO

Art. 172. Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou


que constituam produto do crime.

Parágrafo único. Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio
dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências.

A depender da natureza do delito, é de fundamental importância a realização de exame


pericial atestando o valor dares ou do prejuízo suportado pela vítima. A uma, para fins
de aplicação do princípio da insignificância ou reconhecimento das figuras delituosas do
furto ou do estelionato privilegiados (CP, art. 155, § 2°, e art. 171, § 1º). A duas porque,
em virtude das alterações produzidas pela Lei nº 11.719/08, ao proferir sentença
condenatória, deverá o magistrado fixar valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido (CPP, art. 387,
inciso IV), sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido
(CPP, art. 63, parágrafo único). Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de
obstáculo à subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever
os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem
ter sido o fato praticado. Ademais, deverão proceder, quando necessário, à avaliação de
coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime. Caso seja
impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos
existentes nos autos e dos que resultarem de diligências (Lima, 2018).

88
668
1.13 EXAME DE LOCAL DE INCÊNDIO

Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado,
o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e
o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

Em se tratando de crime de incêndio, previsto no art. 250 do CP, há necessidade de


exame minucioso, pois detalhes havidos no crime podem alterar a tipificação do delito
(Dezem, 2018).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE INCÊNDIO. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL.


NECESSIDADE. ARTS. 158 E 173 DO CPP. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. ORDEM
CONCEDIDA. 1. Relativamente às infrações que deixam vestígios, a realização de exame pericial
se mostra indispensável, podendo ser suprida pela prova testemunhal apenas se os vestígios do
crime tiverem desaparecido. 2. Na hipótese, tratando-se de delito de incêndio, inserido entre os
que deixam vestígios, apenas poderia ter sido comprovada a materialidade do crime por meio de
exame pericial, já que os vestígios não haviam desaparecido. 3. "No caso de incêndio, os peritos
verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a
vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias
que interessarem à elucidação do fato" (art. 173 do CPP). 4. Ordem concedida para restabelecer
a sentença absolutória. (HC 65.667/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA,
julgado em 07/08/2008, DJe 15/09/2008)

1.14 EXAME GRAFOTÉCNICO

Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á
o seguinte:

I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se for
encontrada;

II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou
já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não
houver dúvida;

III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que existirem
em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem
ser retirados;

IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a


autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas

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668
em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as
palavras que a pessoa será intimada a escrever.

O que poderia ser objeto de indagações quanto às disposições deste dispositivo diz
respeito ao nemo tenetur se detegere, ou à chamada garantia da não autoincriminação,
cláusula processual de reforço aos direitos e inviolabilidades públicas (direito à
privacidade, intimidade, integridade física e psíquica etc.). Naturalmente, havendo
recusa ao fornecimento de padrões gráficos, para a realização do exame grafotécnico,
nada se poderá fazer quanto a semelhante modalidade de prova. A escrita ou gráfico há
que ser pessoal, partindo unicamente do punho daquele a ser investigado. Não é
possível – para além de não ser lícito – a coerção à realização da prova. O ato é de livre
determinação. E o processo penal não autoriza a formação de convencimento com base
no silêncio do acusado. Do mesmo modo, não deve ser admitida a valoração da recusa
(Pacelli, et al., 2018).

1.15 EXAME DOS INSTRUMENTOS DO CRIME

Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim
de se lhes verificar a natureza e a eficiência.

A utilidade deste exame limita-se à aferição da potencialidade lesiva do instrumento


utilizado na infração. Se, por exemplo, a arma de fogo não apresentava qualquer risco à
vida, por absoluta impossibilidade de funcionamento, semelhante circunstância poderá
ser relevante para a definição do juízo de valoração jurídico-penal do fato. Do mesmo
modo, aquele que ministra substância que acredita tratar-se de veneno poderá deixar
de ser responsabilizado (crime impossível, por absoluta impossibilidade do meio
empregado) criminalmente se constatado cuidar-se de substância de outra natureza –
não nociva. Naturalmente, nessa última hipótese (do veneno), não é necessário recorrer-
se à norma aqui prevista, que se refere ao instrumento. No entanto, a referência que
fizemos tem o objetivo de esclarecer a finalidade e a importância da diligência (Pacelli,
et al., 2018).

1.16 QUADRO-RESUMO
Para finalizar o capítulo, de modo a consolidar os ensinamentos, trazemos um quadro-resumo de NORBERTO
AVENA a respeito de perícias em determinadas infrações penais, inclusive registrando o entendimento da
jurisprudência:

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668
NATUREZA PREVISÃO
ASPECTOS PRINCIPAIS
DA PERÍCIA LEGAL
• Trata-se do exame interno do cadáver.

• Regra: obrigatória, no caso de morte violenta.

• Exceções: mesmo nos casos de morte violenta, poderá ser


dispensada a necropsia em duas hipóteses:

1. Quando a causa mortis for absolutamente certa. Ex.: morte


por decapitação.

2. Quando não houver indicativos da prática de infração penal.


Art. 162 do Ex.: considere-se que as provas apontem no sentido do
1. Necropsia
CPP suicídio da pessoa encontrada morta, não havendo indicativos
de que alguém tenha induzido, instigado ou auxiliado nessa
prática.

• Não sendo possível a realização da necropsia em face do


desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhal pode
suprir a falta do exame nos termos do art. 167 do CPP. Ex.:
hipótese em que testemunhas afirmam ter presenciado o
homicídio da vítima, sendo o corpo, após, lançado ao mar. Não
sendo localizado o cadáver, o depoimento das referidas
testemunhas será suficiente para comprovação da existência
do crime.
• Ato de retirar o corpo da sepultura ou desenterrá-lo. Este
procedimento exige justa causa, qual seja, buscar evidências a
respeito da morte do indivíduo.

• Difere da inumação, que é o ato de sepultar ou enterrar o


Art. 163 do
2. Exumação corpo.
CPP
• Tanto a exumação quanto a inumação, se realizadas sem a
observância das formalidades legais, importarão na
ilegitimidade da prova, sem prejuízo de se configurar a
contravenção penal do art. 67 do DL 3.688/1941.
3. Lesões • A constatação da incapacidade deve ocorrer a partir de
corporais exame complementar realizado logo que decorram os 30 dias
graves (art. 168, § 2.º).
Art. 168, §§
(incapacidade 2.º e 3.º, do • Se não for possível realizar esse exame por haverem
para as desaparecido os vestígios, entende-se que:
ocupações CPP
habituais por 1.ª Corrente (majoritária): a prova testemunhal (também outras
mais de 30 provas lícitas) poderá suprir-lhe a falta, ex vi do art. 168, § 3.º.
dias)

91
668
2.ª Corrente: o crime deve ser desclassificado para lesões
corporais leves, tendo em vista que não se pode aceitar o
suprimento da perícia em tal caso.

• Se a perícia complementar não for realizada logo que decorra


o prazo de 30 dias, entende-se que:

1.ª Corrente: o laudo pode ser utilizado pelo juiz, pois o objetivo
do art. 168, § 2º, ao determinar a realização da perícia logo que
decorram os 30 dias, é impedir que se percam os vestígios e
não estabelecer um prazo máximo para sua elaboração.

2.ª Corrente: O laudo deverá ser invalidado, operando-se, em


consequência, a desclassificação do crime para lesões
corporais leves.

• O prazo de 30 dias estabelecido no art. 129, § 1º, I, do CP


possui natureza material. Logo, conta-se a data do crime.
• Trata-se do furto cometido mediante arrombamento de portas ou
janelas, destruição de telhas, corte de cercas e qualquer outra forma
de violação de obstáculos.

• De acordo com o art. 171 do CPP, é necessária perícia para


4. Furto
constatação do rompimento do obstáculo à subtração da coisa. Se esta
qualificado pelo
perícia não for realiza, entende a jurisprudência:
rompimento de Art. 171, 1.ª
obstáculo à parte, do CPP
1.ª Corrente: é imperativa a desclassificação do delito para furto
subtração da
simples.
coisa
2.ª Corrente (majoritária): Se a não realização da perícia decorreu da
circunstância de que desaparecidos os vestígios, admite-se a
comprovação do rompimento por meio de prova testemunhal (art. 167
do CPP).
• A escalada compreende o ingresso em determinado lugar por meio
anormal, exigindo do agente um esforço incomum ao homem médio
para transposição do obstáculo. Ex.: penetração no lugar por meio de
janela, telhado, saltando muros ou portões, através de túneis etc.
Quanto à necessidade de perícia no obstáculo vencido, duas correntes
5. Furto são aceitas pelos Tribunais:
Art. 171, 2.ª
qualificado pela
parte, do CPP
escalada 1.ª Corrente: se a própria natureza do obstáculo superado pelo agente
já revela, por si, esforço incomum, é desnecessária a perícia. Ex.:
ingresso na casa através de janela basculante. Por outro lado, se tal
esforço não fica evidente, é imperativo o exame pericial. Ex.: o ato de
pular o muro apenas implica escalada quando esse mesmo muro, pela
sua altura, não pode ser ultrapassado com um simples salto. Em tais

92
668
casos, a falta de perícia e o seu suprimento pela prova testemunhal
apenas se justificam quando não for possível realizá-la, v.g., a hipótese
de o portão inutilizado pelo agente ter sido substituído por outro.

2.ª Corrente: tratando-se a escalada de expediente que não deixa


vestígios, a realização de perícia pode, sempre, ser suprida por outros
meios de prova.
•Estabelece o art. 173 do CPP que, no caso de incêndio, os peritos
verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que
dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio, a extensão do
dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à
Art. 173 do elucidação do fato.
6. Incêndio
CPP
• Em tese, a realização da perícia técnica é necessária para a
comprovação do caráter criminoso do incêndio. No entanto, se o
conjunto probatório, aí se incluindo a prova testemunhal, permitir essa
conclusão, a perícia poderá ser dispensada.
• Dispõe o art. 175 do CPP que os instrumentos do crime deverão ser
periciados, a fim de se comprovar a respectiva natureza e eficiência.

• Aplicado esse dispositivo ao crime de porte ilegal, infere-se que, em


princípio, a arma utilizada deverá ser apreendida e submetida a exame
para verificação de sua potencialidade lesiva.

• Divide-se a jurisprudência quanto à possibilidade de condenação


pelos crimes dos arts. 14 e 16 da Lei 10.826/2003 (porte de arma de
fogo de uso permitido e de uso restrito, respectivamente) na hipótese
de não ocorrerem a apreensão e o periciamento. Assim:
7. Porte ilegal de Art. 175 do
arma de fogo CPP
1.ª Corrente: o crime de porte ilegal exige a comprovação da
potencialidade lesiva da arma de fogo, não bastando a simples
indicação de perigo abstrato.

2.ª Corrente: trata-se o porte ilegal de arma de fogo de crime de perigo


abstrato, que se configura com o simples fato de serem praticadas as
condutas descritas nos verbos dos arts. 14 e 16 da Lei 10.826/2003.
Logo, prescindível a apreensão e perícia.

• Na esteira da posição dominante, não é necessário que a arma esteja


municiada para que se configure o crime de porte ilegal.
8. Roubo Art. 157, § • A perícia na arma de fogo utilizada na prática do roubo justifica-se no
majorado pelo 2.º, I, do CP e art. 175 do CPP, dispondo que os instrumentos do crime deverão ser
uso de arma de art. 175 do examinados a fim de lhes comprovar a natureza e eficiência.
fogo CPP

93
668
• Na hipótese de ausência desta perícia, compreende a jurisprudência:

1.ª Corrente: é imprescindível o exame pericial com a finalidade de


comprovar a potencialidade lesiva da arma de fogo. Ausente este
exame, impõe-se a desclassificação da conduta para roubo na
modalidade simples.

2.ª Corrente (majoritária): o reconhecimento da causa especial de


aumento de pena pode ocorrer a partir de outros meios de prova, não
sendo indispensável a perícia. Mesmo porque tal majorante se justifica
no maior poder de intimidação do agente e não apenas no perigo
causado ao ofendido em decorrência da utilização de arma de fogo.
• A necessidade de perícia fundamenta-se no art. 175 do CPP.

• Ausente este exame, divide-se a jurisprudência:

1.ª Corrente: é necessária a perícia, sob pena de inviabilizar-se a


9. Disparo de Art. 175 do
condenação.
arma de fogo CPP
2.ª Corrente (majoritária): o delito do art. 15 da Lei 10.826/2003 pode
ser comprovado mediante prova testemunhal, sendo desnecessários a
apreensão e o periciamento da arma, mesmo porque, se houve o
disparo, a potencialidade lesiva é inequívoca.
• Trata-se da perícia estabelecida no CPP com a finalidade de
confrontar a grafia incorporada a um determinado documento com a
letra da pessoa suspeita de tê-lo produzido.

• Para sua realização, a autoridade policial ou judicial poderá requisitar


documentos existentes em órgãos públicos para fins de confrontação
(art. 174, III). A referência de que tal requisição deve ser feita a
10. Grafia em Art. 174 do estabelecimentos públicos decorre da necessidade de que não haja
escritos CPP dúvidas sobre a autenticidade do documento utilizado na comparação.

• Em que pese o art. 174, IV estabelecer que, na ausência de


documentos para fins de confrontação, a autoridade “mandará” que a
pessoa escreva o que lhe for ditado, é entendimento consolidado que
o investigado ou acusado não pode ser obrigado a fornecer material
gráfico, sob pena de violação ao privilégio nemo tenetur se detegere
(privilégio da não autoincriminação).
• Nos crimes contra a propriedade imaterial, havendo vestígios, o
11. Crimes
Arts. 527 e exame de corpo de delito será condição de procedibilidade para o
contra a
exercício da ação penal. Sem ele, não poderão a denúncia e a queixa
propriedade
530-D do CPP ser recebidas.
imaterial

94
668
• Nos crimes contra a propriedade imaterial de ação penal privada, o
ofendido, fazendo prova de seu direito de ação (legitimidade), deverá
requerer ao juiz a apreensão do objeto para fins de perícia. Neste caso,
o exame será feito por dois peritos nomeados pelo juiz (art. 527).

• Opostamente, nos crimes de ação pública não haverá a necessidade


de o Ministério Público requerer ao juiz a apreensão do objeto a ser
periciado, o que poderá ser efetivado, diretamente, pela autoridade
policial, respeitadas, obviamente, as restrições à busca domiciliar (art.
530-B). Aqui, o exame poderá ser feito por apenas um perito (o art.
530-D refere-se a “pessoa tecnicamente habilitada”, no singular,
portanto).
• A exigência de perícia fundamenta-se no art. 158 do CPP, obrigando
12.
Art. 158 do a este exame quando se tratar de infração que deixa vestígio.
Falsificação de
CPP • Em tal situação, a perícia é indispensável, sob pena de inviabilizar o
documento
prosseguimento da ação penal e a prolação de sentença condenatória.
• O crime de dano, logicamente, deixa vestígios. Sendo assim, a perícia
é necessária, ex vi do art. 158.
Art. 158 do
• Independentemente desta regra, compreende a jurisprudência que a
13. Dano
falta do exame de corpo de delito não impede a propositura da ação
CPP
penal, não só porque ele pode ser produzido na fase instrutória, mas,
também, porque pode ser suprido pela prova testemunhal, na forma
do art. 167 do CPP.
14. Tortura • Nem sempre a tortura deixa vestígios. Deixando-os, incide a regra
Art. 158 do geral do art. 158.
(Lei
CPP • Sem embargo, é possível o suprimento da perícia por outros meios
9.455/1997) de prova quando os vestígios houverem desaparecido (art. 167).
• A materialidade dos crimes contra a dignidade sexual, havendo
vestígios, deve ser atestada mediante exame de corpo de delito.
15. Crimes
Art. 158 do
contra a • Não obstante, é tranquila a jurisprudência no sentido de que nos
CPP
dignidade sexual crimes contra a dignidade sexual, a despeito da previsão do art. 158 do
CPP, pode o exame de corpo de delito ser suprido por outros meios de
prova quando tiverem desaparecido os vestígios.
• A influência do álcool ou de outra substância psicoativa que cause
16.
Art. 306 da dependência pode ser comprovada por meio de etilômetro e de exame
Lei de sangue, ou, na recusa do motorista, por qualquer outro meio de
Embriaguez ao
9.503/1997 prova lícita, tais como exame clínico, vídeos e prova testemunhal
volante
(Avena, 2017).

95
668
TAREFA 05 – DIREITO CONSTITUCIONAL
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“Mandado de Segurança Coletivo” até o fim da aula teórica.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO


O mandado de segurança coletivo, ao lado do mandado de segurança individual, constitui espécie da ação
mandamental destinada a viabilizar a tutela jurisdicional de direito líquido e certo não amparável pelos
remédios constitucionais do habeas corpus e do habeas data. Essa ação está prevista no artigo 5º, LXX, da
Constituição Federal e foi regulamentada pela Lei 12.016/2009.

“LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em


funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou
associados.”

Os princípios básicos que regem o mandado de segurança individual informam e condicionam, no plano
jurídico-processual, a utilização do writ mandamental coletivo. A diferença essencial no mandado de
segurança coletivo para o mandado de segurança individual é a substituição processual, que tem por
finalidade alcançar, por uma só decisão, a várias pessoas.

O inciso LXX do artigo 5º da CF encerra o instituto da substituição processual. As entidades e pessoas jurídicas
nele mencionadas atuam, em nome próprio, na defesa de interesses que se irradiam, encontrando-se no
patrimônio de pessoas diversas.

Nos termos do artigo 21, parágrafo único, da Lei 12.016/2009, entende-se por direito líquido e certo
protegido por mandado de segurança coletivo os seguintes:

96
668
a) direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo
ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

b) individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação


específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

A Constituição Federal enumerou um rol taxativo de legitimados ativos do mandado de segurança coletivo.
São eles:

a) partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos
relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária. Entende-se por “finalidade partidária”os objetivos em
geral dos partidos políticos e não apenas os interesses de seus membros ou da própria pessoa jurídica.
Quanto à necessidade de representação no Congresso Nacional, basta que tenha conseguido eleger um
deputado ou um senador. A perda superveniente de representação não acarreta a perda da legitimação, de
maneira que se o partido político tinha representante no Congresso Nacional quando da impetração da ação,
se no momento do julgamento constatar-se que o partido já não tem mais nenhum deputado ou senador, a
ação deverá ser julgada ainda assim.

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há,


pelo menos, um ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros
ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para
tanto, autorização especial.

A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança coletivo ainda quando a pretensão
veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria (STF. Súmula 630). Não há a necessidade de
que todos os seus membros tenham sido afetados pelo ato combatido. Vale dizer que a entidade de classe
pode congregar categoria única e não precisa ser de âmbito nacional.

A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados
independe da autorização destes (STF. Súmula 629), mas como é próprio de toda substituição processual, a
legitimação para agir está condicionada à defesa dos direitos ou interesses jurídicos da categoria que
representa.

A associação regularmente constituída e em funcionamento há um ano pode postular em favor de seus


membros ou associados, não carecendo de autorização especial em assembleia geral, bastando a constante
do estatuto.

A legitimidade de sindicato para atuar como substituto processual no mandado de segurança coletivo
pressupõe tão somente a existência jurídica, ou seja, o registro no cartório próprio. Não há a necessidade de
estar em funcionamento há um ano, pois tal exigência é só para associações e entidades de classe (RE
198.919).

97
668
Estado membro não pode impetrar mandado de segurança coletivo, porque
não é órgão de gestão e nem de representação de sua população. O rol de
legitimados do writ é taxativo. (STF. MS 21.059)
“No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada
limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo
impetrante” (artigo 22 da Lei 12.016/2009).
O mandado de segurança coletivo não representa obstáculo para que o
interessado, favorecido pela sentença mandamental coletiva, promova, ele
próprio, desde que integrante do grupo ou categoria processualmente
substituídos pela parte impetrante, a execução individual desse mesmo
julgado. (RE 601.914 AgR)

O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais. Todavia, para que os
efeitos da coisa julgada beneficiem o impetrante a título individual, este deverá requerer a desistência de
seu mandado de segurança individual no prazo de trinta dias, a contar da ciência comprovada da impetração
da segurança coletiva.

Por fim, nos termos do § 2º do artigo 22 da lei 12.016/2009, a liminar em mandado de segurança coletivo,
só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que
deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

(2018/CONSULPLAN/Juiz de Direito Substituto) Em se tratando de mandado de segurança coletivo, é


correto afirmar que

A) o mandado de segurança coletivo induz litispendência para as ações individuais.

B) a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados depende
da autorização destes.

C) a entidade de classe não tem legitimação para o mandado de segurança coletivo quando a pretensão
veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

D) configura particularidade procedimental do mandado de segurança coletivo, a necessidade de oitiva


prévia da pessoa jurídica de direito público para o deferimento da medida liminar.

Gabarito: D

98
668
Conforme artigo 22, parágrafo 2º, da Lei 12.016/2009.

A) Errado. Artigo 22, parágrafo 1º, da Lei 12.016/2009.

B) Errado. Não há necessidade de autorização dos associados.

C) Errado. Súmula 630 do STF.

MANDADO DE INJUNÇÃO
“LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”

A Constituição Federal de 1988 contém uma série de dispositivos que carecem de regulamentação para que
possam produzir os seus efeitos. São as chamadas normas constitucionais não autoexecutáveis ou normas
de eficácia limitada.

Em defesa de tais dispositivos, a Lei Maior criou o mandado de injunção, de maneira que a pessoa
prejudicada pela falta de regulamentação das normas constitucionais poderá, por meio desse remédio,
requerer que uma decisão judicial supra a omissão legislativa.

O inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, que criou o mandado de injunção, é norma de eficácia
plena, de aplicabilidade imediata e direta. Não se pode confundir o mandado de injunção com a sua
finalidade. A ação constitucional, para ser aplicada, não depende de regulamentação. Tanto é assim que a
lei infraconstitucional regulamentadora só surgiu em 2016, vinte e oito anos depois da promulgação da
Constituição, não obstante o fato de a ação, até então, já ter sido amplamente utilizada.

O mandado de injunção é ação judicial de natureza cível, de rito especial, regulamentada pela Lei
13.300/2016. Subsidiariamente, aplicam-se as normas da Lei do Mandado de Segurança e do Código de
Processo Civil.

OBJETO/CABIMENTO

Cabimento

99
668
O artigo 2º da Lei 13.300/2016 dispõe que o mandado de injunção poderá ser impetrado sempre que a falta
de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

A falta de regulamentação das normas constitucionais pode ser total ou parcial. A regulamentação será
parcial quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente.

É ainda possível haver omissão administrativa, quando não são tomadas as devidas providências por parte
de órgão responsável para garantir a aplicabilidade de norma constitucional (falta um decreto, por exemplo).

O objetivo do mandado de injunção é garantir ao impetrante o uso de direitos que, embora previstos na
Constituição, não podem ser aplicados em razão da ausência de regulamentação infraconstitucional.

O objeto desse remédio constitucional é a omissão do Poder Público em relação à tutela dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Com efeito, deve ser considerada omissão capaz a ensejar o uso do mandado de injunção, a ausência total
ou parcial de medida de caráter normativo geral e abstrata, legal ou infralegal, de natureza legislativa,
regulamentar, material ou processual. Note que foge do campo de atuação do mandado de injunção o ato
materialmente administrativo, vez que não pode ser considerado “norma regulamentadora”.

O cabimento do mandado de injunção está condicionado à demonstração de omissão capaz de inviabilizar o


direito do impetrante. É também necessário ter transcorrido prazo suficiente para a criação da lei, pois do
contrário, não haverá como declarar a mora legislativa. Assim, o cabimento do mandado de injunção está
condicionado à demonstração concomitante de três pontos:

1) ausência de norma regulamentadora da Constituição;

2) decurso de prazo suficiente para a elaboração da lei;

3) inviabiliade de aplicação da norma constitucional sem que a regulamentação seja feita.

É de se notar que o mandado de injunção não se destina a questionar qualquer tipo de omissão. É necessário
demonstrar que a Constituição Federal criou um direito que carece de regulamentação para ser aplicado.
Sendo assim, o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir,
simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional, a previsão do dever estatal de emanar normas
legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas
estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação
constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao poder público.

Nesse passo, inexistente a previsão do direito na Constituição Federal, tampouco do dever de


regulamentação, não há que se falar em omissão legislativa que possa ser imputada às autoridades
impetradas. Dessa sorte, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal negou provimento ao MI 6.591 AgR, em

100
668
que se requeria a regulamentação dos direitos do nascituro, vez que não há norma constitucional que exija
a regulamentação do assunto.

Na mesma linha, a Corte Constitucional também indeferiu o MI 766 AgR, em que os impetrantes objetivavam
a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas sem indicar o dispositivo constitucional que
expressamente enuncia esse suposto direito. Não existe norma constitucional que confira o direito aos
impetrantes, de modo que a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na CF,
qualquer preceito consubstanciador de determinação constitucional para se que legisle, especificamente,
sobre exploração de jogos de bingo.

Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto na


Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de
injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto
em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem
estabelecidas discricionariamente pela União.

Normas constitucionais definidoras de princípios institutivos ou organizativos de natureza facultativa não


são questionáveis por mandado de injunção, vez que criam mera faculdade ao legislador e não uma
obrigação.

É preciso ficar claro que se a lei regulamentadora da norma constitucional existir, ainda que seja
inconstitucional, não poderá ser arguida por mandado de injunção. Para combater inconstitucionalidade de
lei, não cabe mandado de injunção.

Não cabe mandado de injunção para questionar falta de regulamentação de dispositivos contidos em leis
infraconstitucionais.

O Supremo Tribunal Federal admite a utilização de mandado de injunção para questionar a falta de
regulamentação de qualquer norma constitucional e não apenas pertinentes a direito fundamental. Foi o
que ocorreu por exemplo no MI 361, que questionou a norma constitucional que fixava juros reais de 12%
ao ano.

1. Cabe mandado de injunção para questionar falta de regulamentação de


normas da Constituição estadual. De igual maneira, o mandado de injunção
também pode ser utilizado para requerer a aplicação de normas da Lei Orgânica
do Distrito Federal, que tem valor de Constituição estadual.

2. Cabível é o mandado de injunção quando a autoridade administrativa se


recusa a examinar requerimento de aposentadoria especial de servidor público,
com fundamento na ausência da norma regulamentadora do art. 40, § 4º, da
Constituição da República. (STF. MI 4.842 AgR).

101
668
DO PROCESSO

Legitimação ativa
Pessoas naturais (brasileiras ou estrangeiras) ou jurídicas (de direito público ou privado) titulares dos
direitos, das liberdades ou das prerrogativas referidos constitucionais podem ser impetrantes de mandado
de injunção.

A Lei 13.300/2016, artigo 2º, dispõe que pessoas jurídicas têm legitimidade ativa em mandado de injunção
e não faz qualquer referência às pessoas jurídicas de direito público. Note que a lei não restringe a pessoa
jurídica de direito privado; antes, apenas cita “pessoa jurídica”, do que se depreende a de direito público e
a de direito privado.

O Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da publicação da lei que regulamentou o mandado de segurança
já admitiu que município pudesse utilizar o remédio constitucional, como se nota no MI 537/SC.

Legitimação passiva
São legitimados passivos em mandado de injunção o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para
editar a norma regulamentadora. A depender da situação, figurará, por exemplo, no polo passivo, o
Congresso Nacional (porque deixou de editar a lei) ou o Presidente da República (porque deixou de
encaminhar projeto de sua iniciativa privativa), ou outras autoridades ou órgãos.

Particulares não podem ser impetrados em mandado de injunção, já que somente ao Poder Público é dada
a prerrogativa de regulamentação de normas constitucionais. Dessa sorte, não há possibilidade de formação
de litisconsórcio passivo, em sede de mandado de injunção, entre a autoridade competente para a
elaboração da norma regulamentadora de dispositivo constitucional e particulares (MI 1.007 AgR).

Da inicial
A petição inicial, nos termos da Lei 13.300/2016, deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei
processual e indicará, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está
vinculado. Quando não for transmitida por meio eletrônico, a petição inicial e os documentos que a instruem
serão acompanhados de tantas vias quantos forem os impetrados.

Quando o órgão julgador recebe a petição inicial, determina a intimação do impetrado, que tem prazo de
dez dias para prestar esclarecimentos. Tanto o impetrado, quanto o órgão de representação judicial da
pessoa jurídica interessada, após ciência, recebem cópia da inicial e dos documentos juntados aos autos.

102
668
Findo o prazo para apresentação das informações, será ouvido o Ministério Público, no prazo de dez dias,
após o que, com ou sem parecer, os autos serão conclusos para decisão.

Quando o documento necessário à prova do alegado encontrar-se em repartição ou estabelecimento


público, em poder de autoridade ou de terceiro, havendo recusa em fornecê-lo, ainda que por cópia ou
certidão, o órgão julgador ordenará, a pedido do impetrante, a exibição do documento no prazo de dez dias.

A petição inicial será desde logo indeferida quando a impetração for manifestamente incabível ou
manifestamente improcedente. Dessa decisão, caberá agravo.

Liminar
Não cabe liminar em mandado de injunção dada a falta de previsão em norma legal e em razão da
orientação do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Para a Corte Constitucional, não cabe liminar em
mandado de injunção, porque a ação se destina à verificação da ocorrência ou não de omissão da autoridade
ou do Poder que deveria ter feito a regulamentação (MI-MC 4.060/DF).

Mérito
A Lei 13.300/2016, ao regulamentar o mandado de injunção, pacificou grande controversa doutrinária a
respeito dos efeitos da decisão. O legislador passou a adotar o posicionamento concretista ao mandado de
injunção julgado procedente.

Diz-se posicionamento concretista aquele em que o Poder Judiciário, ao reconhecer a mora legislativa ou
administrativa, permite que a norma não regulamentada seja aplicada, nos termos da decisão judicial, até
que a regulamentação seja feita. A decisão judicial supre, para as partes, a ausência de lei.

Em sentido diverso, tem-se o posicionamento não concretista, adotado pelo Supremo Tribunal Federal por
quase duas décadas, até o ano de 2007, segundo o qual cabe ao Judiciário apenas, ao reconhecer a mora
legislativa, dar ciência de sua decisão ao órgão competente para que este, ao seu tempo, faça a
regulamentação.

Da análise do artigo 8º da Lei 13.300/2016, conclui-se que o legislador adotou o posicionamento concretista,
tendo em vista que uma vez reconhecida a mora legislativa, a injunção será deferida para:

1) determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora.

2) estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas
reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a
exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.

103
668
Quanto ao alcance da decisão, o artigo 9º da Lei 13.300/2016 estabelece que a decisão terá eficácia subjetiva
limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora. Todavia, poderá ser
conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao
exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração.

Nota-se, no ponto, que a lei adotou, em regra, a posição concretista individual intermediária, porque após
julgar procedente o mandado de injunção, o tribunal não concretiza imediatamente a eficácia da norma
constitucional para o impetrante, mas dá ciência ao órgão omisso (impetrado) para que faça, no prazo fixado,
a regulamentação. Ao final do prazo estabelecido, se a omissão persistir, o Judiciário fixará as condições
necessárias ao exercício do direito por parte do impetrante.

Agora, poderá o tribunal adotar o posicionamento concretista geral, quando entender indispensável ao
exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da ação constitucional. Nesse caso, a decisão
judicial produzirá efeito erga omnes, de forma a permitir que todos os titulares do direito possam exercê-lo,
até a regulamentação.

Uma vez transitada em julgado a decisão, seus efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por
decisão monocrática do relator (artigo 9º da Lei 13.300/2016).

Se houver indeferimento do pedido por insuficiência de prova, novo mandado de injunção poderá ser
impetrado com fundamento em outros elementos probatórios.

A decisão poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes
modificações das circunstâncias de fato ou de direito.

Por último, caso a norma regulamentadora seja editada antes do julgamento do mandado de injunção, este
ficará prejudicado.

A decisão proferida em mandado de injunção é temporária, vez que terá duração até que a lei
regulamentadora da norma constitucional seja criada. Uma vez editada a lei, a decisão judicial expirará.

A norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos “ex nunc” em relação aos beneficiados por
decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável (artigo 11 da
Lei 13.300/2016).

104
668
(2019/VUNESP/TJ-AC/Juiz de Direito Substituto) Assinale a alternativa correta a respeito do mandado de
injunção.

A) Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido do interessado, se
sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito.

B) A decisão proferida no mandado de injunção terá eficácia subjetiva limitada às partes, mas ganhará
eficácia ultra partes ou erga omnes se não cumprida no prazo estabelecido.

C) Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para que o impetrado promova a
edição da norma regulamentadora no prazo de trinta dias.

D) Não será cabível o mandado de injunção quando houver regulamentação da matéria por normas editadas
pelo órgão legislador competente, ainda que insuficientes.

Gabarito: A. Conforme artigo 10 da Lei 13.300/2016

B) Errado. A decisão ganhará eficácia ultra partes ou erga omnes se o tribunal entender indispensável ao
exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração.

C) Errado. O prazo será determinado pelo Tribunal competente para julgar a ação, que poderá ser maior,
igual ou menor do que trinta dias.

D) Errado. O mandado de injunção poderá ser impetrado para questionar omissões parciais. Assim, caso a
lei seja insuficiente para o exercício do direito, caberá o remédio constitucional.

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO


A Lei 13.300/2016 regulamentou em seu artigo 13 o mandado de injunção coletivo. Não há nenhuma
previsão constitucional a respeito dessa ação, mas antes mesmo da edição da Lei 13.300/2016, como ao
mandado de injunção era aplicada a lei do mandado de segurança, já se admitia a impetração do mandado
de injunção coletivo.

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668
No mandado de injunção coletivo, há a substituição processual, de modo que o impetrante requer, em nome
próprio, direito de terceiro. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção
coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada
por grupo, classe ou categoria.

A estrutura dessa ação é a mesma do mandado de injunção individual, havendo diferença quanto aos
impetrantes. Podem promover mandado de injunção:

“I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou
individuais indisponíveis;

II - por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o


exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com
a finalidade partidária;

III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e


em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos,
liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou
associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades,
dispensada, para tanto, autorização especial;

IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para
a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos
necessitados.”

Os impetrantes de mandado de segurança coletivo não são os mesmos


do mandado de injunção coletivo. Observe que Ministério Público e
Defensoria Pública também têm legitimidade ativa em mandado de
injunção coletivo.

A sentença em mandado de injunção coletivo também tem, assim como na ação individual, em regra, efeito
concretista individual intermediário, salvo nos casos em que o efeito ultra partes ou erga omnes for
indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração, caso em que o
efeito será concretista geral.

O mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação aos individuais, mas os efeitos da coisa
julgada não beneficiarão o impetrante que não requerer a desistência da demanda individual no prazo de
trinta dias contados da ciência comprovada da impetração coletiva.

106
668
AÇÃO POPULAR
“LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”

A doutrina aponta que a ação popular tem origem no direito romano. A nomenclatura da ação é justificada
pelo fato de o legitimado ativo ser o indivíduo, alguém do povo, que atua com a finalidade de defesa da
coletividade e da coisa pública.

No Brasil, foi constitucionalizada em 1934. Em 1937, foi retirada do texto constitucional, mas em 1946,
ressurgiu e permaneceu até os dias de hoje. A Constituição Federal, promulgada em 1988, ampliou o seu
objetivo, eis que as anteriores apenas dispuseram sobre atos lesivos ao patrimônio público. Por outro lado,
a atual Constituição legitima o cidadão a, mediante ação popular, agir em defesa do patrimônio público ou
de entidade de que o Estado participe, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio
histórico e cultural.

Trata-se de ação constitucional, de natureza cível, que tramita em rito comum, regulamentada pela Lei
4.717/1965, em defesa de direitos difusos. Além de ser garantia fundamental, a ação popular é uma das
formas de manifestação da soberania popular, que permite ao cidadão o exercício, de forma direta, da
função fiscalizadora.

A democracia adotada no Brasil é a semidireta, de forma que o povo


tanto elege representantes para a tomada de decisões, quanto preserva
mecanismos de participação direta.

Plebiscito, referendo e iniciativa popular (artigo 14 da CF) são apenas


exemplos de exercício direto da democracia. Esse rol não é taxativo.

A ação popular permite que o cidadão, no exercício dos direitos


políticos, também participe diretamente da fiscalização da coisa
pública, razão por que também deve ser classificada como meio de
manifestação da soberania popular.

107
668
OBJETO/CABIMENTO
A ação popular tem por objeto ato de natureza administrativa (ou a ele equiparado) lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural.

Considera-se ato de natureza administrativa aquele com efeitos concretos (comissivo ou omissivo)
praticados pela Administração Pública, inclusive os que são realizados sob a regência do direito privado. Os
atos de conteúdo jurisdicional, por possuírem sistema específico de impugnação (recurso ou ação rescisória),
não são abrangidos pelo campo de incidência da ação popular.

Atos normativos genéricos não podem ser objeto de ação popular, que não se destina a atacar lei em tese.
Com efeito, a ação popular não pode ser utilizada como alternativa à não propositura de uma ação direta
de inconstitucionalidade, sob pena de uma ampliação indevida do rol de legitimados previsto no art. 103 da
Constituição da República. Tal instrumento processual tem como objetivo anular atos administrativos lesivos
ao Estado, e não a anulação de atos normativos primários (STF. AO 1.725 AgR).

O artigo 2º da Lei 4.717/1965 elenca exemplos de atos lesivos ao patrimônio público que podem ser atacados
por ação popular. Nos termos da lei, são nulos os atos praticados nos casos de incompetência; vício de forma;
ilegalidade do objeto; inexistência dos motivos e desvio de finalidade.

O objetivo da ação constitucional disponibilizada ao cidadão é a defesa de direitos difusos, pertencentes a


toda a sociedade, por meio da invalidação de atos lesivos a bens públicos materiais (patrimônio público ou
de entidade que o Estado participe) e bens imateriais (moralidade administrativa, meio ambiente e
patrimônio histórico e cultural).

A ação popular admite tanto a modalidade preventiva quanto a modalidade repressiva, não obstante a falta
de previsão constitucional e legal expressa a respeito da primeira espécie (“anular ato lesivo”). Com efeito,
a ação constitucional poderá ser utilizada para impedir a consumação de um ato lesivo ao patrimônio
público, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural ou à moralidade administrativa. Nesse caso,
será preventiva. Poderá ser proposta também após o ato lesivo já ter sido praticado, com a finalidade de
fazê-lo cessar ou de exigir reparação. Nesse caso, a modalidade é a repressiva.

O cabimento da ação está condicionado à observância, em regra, do binômio ilegalidade-lesividade. Há


sobre o assunto divergência doutrinária.

Da redação do texto constitucional (“anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”), são extraídas
três interpretações: 1) a necessidade de comprovação da lesividade do ato; 2) necessidade de comprovação
de lesividade apenas quando o ato incidir sobre meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural; 3) a
lesividade abarca a ilegalidade, porque todo ato lesivo ao patrimônio público é ilegal.

108
668
O entendimento que tem prevalecido na doutrina é o de que não basta comprovar a lesividade do ato, mas
também a sua ilegalidade. Todavia, conforme o bem jurídico tutelado, o binômio deverá ou não ser
observado, nos termos abaixo:

a) A respeito da proteção ao patrimônio público: é preciso demonstrar na inicial da ação popular a


lesividade e a ilegalidade do ato atacado;

b) Quanto à moralidade administrativa: não há a necessidade de comprovação de dano material ao


patrimônio público (RE 170.768/SP);

c) Na tutela do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural: é preciso demonstrar tanto a


ilegalidade quanto a lesividade do ato.

O Supremo Tribunal Federal dispensa a comprovação, na peça exordial, de prejuízo aos cofres públicos como
condição de propositura da ação popular. Para o Tribunal, basta a ilegalidade ou a imoralidade (ARE 824.781).

O posicionamento adotado pela Corte Constitucional vai muito além da mera anulação de atos lesivos
materiais a patrimônio público, mas contempla bens imateriais como moralidade administrativa e meio
ambiente.

Muito cuidado nas questões de prova, pois o assunto foi tratado em tese com repercussão geral. A
propositura da ação popular independe de comprovação de prejuízo aos cofres públicos.

OBJETO/CABIMENTO

Legitimidade ativa
A legitimidade ativa da ação popular é somente de cidadão. Entende-se por cidadão o brasileiro capaz de
exercer direitos políticos na condição ativa, isto é, o brasileiro que pode votar.

A Constituição Federal não atribuiu a qualquer pessoa ou a qualquer brasileiro a condição de propor ação
popular. Nem todos os brasileiros são cidadãos. De igual maneira, estrangeiros, pessoas jurídicas e Ministério
Público não podem ser autores de ação popular. Apenas o cidadão (sentido estrito) tem a condição de uso
desse remédio constitucional.

109
668
Nos termos do artigo 1º, § 3º, da Lei 4.717/1965, a prova da cidadania, para ingresso em juízo, deve ser
feita quando da propositura da inicial, por meio de título eleitoral ou documento correspondente, como
por exemplo, uma certidão emitida pela Justiça Eleitoral. Se após a propositura da ação o cidadão sofrer
suspensão de direitos políticos, não haverá obstáculos ao prosseguimento do feito.

A propositura da ação popular não tem dependência de o cidadão ter domicílio eleitoral no município (ou
comarca) em que foi ou está na iminência de ser praticado o ato combatido. Assim, poderá um cidadão
domiciliado em Salvador ingressar com ação popular para combater ato lesivo ao meio ambiente praticado
por governador do Amazonas, por exemplo.

Segundo posicionamento majoritário na doutrina, o autor de ação popular atua em substituição processual
da sociedade, de modo que age em nome próprio em defesa da coletividade. Não se pode confundir a
legitimação ativa com a capacidade postulatória. A condição de cidadão é um dos requisitos da ação, sem o
qual a inicial não será conhecida. O cidadão não tem capacidade postulatória, de forma que a petição da
ação popular deverá ser subscrita por advogado (a não ser que o cidadão seja advogado e esteja atuando
em causa própria).

O Ministério Público, embora não tenha legitimidade ativa, deverá acompanhará a ação, cabendo-lhe
apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem,
sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores (artigo
6º, § 4º, da Lei 4.717/1965).

A ação popular admite desistência. Se o autor desistir da ação, qualquer cidadão, bem como ao
representante do Ministério Público, dentro do prazo de noventa dias da última publicação de edital feita
para apontar a desistência, poderá promover o prosseguimento da ação.

1. Qualquer cidadão poderá habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.

2. Portugueses beneficiados pela equiparação, nos termos do artigo 12, § 1º, da Constituição Federal, podem
propor ação popular. Na inicial, o título de leitor e o comprovante de equiparação deverão ser apresentados.

3. A doutrina admite que o brasileiro maior de 16 anos e menor de 18 anos possa propor a ação popular sem
a necessidade de assistência, já que a condição para a propositura da ação é o exercício dos direitos políticos
e não o exercício da capacidade civil plena.

4. “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.” (STF. Súmula 365).

5. “O mandado de segurança não substitui a ação popular.” (STF. Súmula 101).

110
668
Legitimidade passiva
Nos termos do artigo 6º da Lei 4.717/1965, a ação popular será proposta contra:

1) União, Distrito Federal, Estados, Municípios e respectivos entes da Administração Indireta (autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações) e Direta;

2) autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou


praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os
beneficiários diretos do mesmo. Nesses casos, exige-se, no polo passivo, a inclusão da pessoa jurídica de
direito público a que pertencer a autoridade que deflagrou o ato impugnado.

Segundo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, todos os entes introduzidos ao Direito


Administrativo brasileiro que podem gerir verba pública podem figurar no polo passivo da ação popular. É o
caso, por exemplo, de agência executiva ou reguladora ou de organização social (RESP 453.136/PR).

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal entendeu o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional
do Ministério Público, por não serem pessoas jurídicas, não poderão ser réus em ação popular (STF. Pet.
3674 QO).

Da inicial
Na ação popular, diferente das demais ações constitucionais, o procedimento obedecido é o comum,
previsto no Código de Processo Civil. Assim, há a formação de lide típica, de forma que há autor, réu, citação,
audiência de conciliação, contestação, dilação probatória e audiência de instrução e julgamento.

Ao despachar a inicial, o juiz ordenará a citação dos réus, a intimação do Ministério Público para acompanhar
a causa e requisição de documentos às entidades citadas na inicial, quando necessário.

A ação popular é gratuita, isenta de custas processuais, de maneira que o cidadão não terá que fazer preparo
prévio. Todavia, deverá o autor atribuir à causa valor e requerer que o réu pague as despesas judiciais e
extrajudiciais relacionadas diretamente com a ação, bem como a condenação em honorários de
sucumbência. Se o autor agir com má-fé e esta restar comprovada nos autos, haverá condenação em custas
e honorários de sucumbência.

Competência
Conforme a origem do ato impugnado, será competente para processar e julgar ação popular o juiz estadual
ou o juiz federal, de acordo com a organização judiciária de cada Estado e da Justiça Federal (artigo 5º da Lei
4717/1965).

111
668
É de se notar que tribunais não têm competência para julgar ação popular originariamente. A competência
é do juízo de primeiro grau estadual ou federal. Se a causa envolver a União ou qualquer de suas autoridades,
a competência será de juiz federal do lugar de domicílio do autor, ou de onde foi praticado o ato ou do lugar
em que se encontrar a causa objeto do litígio (artigo 109, parágrafo 2º, da Constituição Federal). Nos demais
casos, a competência será de juiz estadual.

O Supremo Tribunal Federal poderá processar e julgar originariamente a


ação popular em três hipóteses:

a) quando houver conflito entre os entes federativos (União e estados;


União e Distrito Federal; estado e outro estado; estado e Distrito Federal),
conforme disposto no artigo 102, I, “f”, da CF, inclusive as respectivas
entidades da Administração Indireta;

b) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou


indiretamente interessados (artigo 102, I, “n”, da CF);

c) ação em que mais da metade dos membros do tribunal de origem


estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados (artigo
102, I, “n”, da CF).

Não há prerrogativa de foro na ação popular, de forma que se, por exemplo, o Presidente da República for
réu nessa ação, a competência será de juiz federal (por se tratar de autoridade da União) e não do Supremo
Tribunal Federal, até por que a competência deste Tribunal está fixada taxativamente no artigo 102, I, da Lei
Maior (STF. AO 859 QO).

Para fins de competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios aos
atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direito público.

A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente
intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.

Mérito/Liminar
O artigo 5º, §4º, da Lei 4.717/1965 prevê a utilização de liminar para suspender o ato impugnado.

A sentença de mérito é desconstitutiva e condenatória, porque visa à anulação do ato impugnado e à


condenação dos réus em perdas e danos. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a
invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática
e os beneficiários dele.

112
668
O artigo 18 da Lei 4.717/1965 dispõe que a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes",
salvo no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova. Neste caso, qualquer
cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Da sentença que julgar o pedido procedente, caberá apelação.

A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal (artigo 19 da Lei 4.717/1965).

Qualquer cidadão e também o Ministério Público poderá recorrer da sentença e/ou decisão contrária ao
autor da causa.

A decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos,
os fundamentos adotados pelo julgador não se estendem, de forma automática, a outros processos em que
se discuta matéria similar (STF. Pet. 3.388 ED).

(2018/FUNDEP/MPE-MG/Promotor de Justiça Substituto) Assinale a alternativa INCORRETA:

A) Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus
da sucumbência.

B) O Ministério Público, quando não for autor da ação popular, oficiará como custos legis, cabendo-lhe
acompanhar a ação, apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que
nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus
autores. Além disso, no caso em que o autor popular desistir da ação ou der motivo à absolvição de instância,
caberá ao Ministério Público promover o prosseguimento da ação.

C) De acordo com a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, são nulos os atos lesivos ao patrimônio, nos casos
de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade.
Segundo a referida Lei, a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais
do agente que o praticou; o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular
de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; a ilegalidade do objeto ocorre quando o
resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; a inexistência dos motivos
se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente
ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e o desvio de finalidade se verifica quando o agente
pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

113
668
D) O sujeito ativo da ação popular é o cidadão, ou seja, o eleitor, que é a pessoa natural no gozo de sua
capacidade eleitoral ativa. A comprovação da condição de eleitor deve ser feita por meio do título de eleitor.

Gabarito: B

A. Certo. Literalidade do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal.

B. Errado. O Ministério Público não pode propor ação popular.

O Ministério Público, quando não for autor da ação popular, oficiará como custos legis, cabendo-lhe
acompanhar a ação, apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que
nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus
autores. Além disso, no caso em que o autor popular desistir da ação ou der motivo à absolvição de instância,
caberá ao Ministério Público promover o prosseguimento da ação.

C. Certo. Conforme artigo 2º da Lei 4.717/1965.

D. Certo. Conforme artigo 1º, parágrafo 3º, da Lei 4.717/1965.

RESUMO

Finalidade Legitimados ativos Legitimados Modalidade


passivos
Habeas Corpus Combater ato ilegal Brasileiros e Autoridade Preventiva;
ou abusivo capaz estrangeiros; pública;
de causar violência Liberatória;
ou coação à Pessoa jurídica (em Particulares.
liberdade de defesa de pessoa Individual;
locomoção. física);
Coletivo (de
Ministério Público acordo com o
STF).

114
668
Habeas Data Assegurar o Brasileiros e Órgão ou entidade Individual
conhecimento, a estrangeiros; detentora da
retificação ou a informação.
complementação Pessoas jurídicas;
de de informações
relativas à pessoa Ministério Público.
do impetrante.

Mandado de Proteger direito Brasileiros e Autoridade Preventiva;


Segurança líquido e certo, não estrangeiros; pública e pessoa
amparado jurídica a ela Liberatória;
por habeas Pessoas jurídicas, vinculada.
corpus ou habeas formais e entes Individual;
data. despersonalizados. Ministério Público;
Coletivo.
Partido Político
Mandado de Tornar viável o Brasileiros e Autoridades ou Individual;
Injunção exercício dos estrangeiros; órgãos
direitos e responsáveis pela Coletivo.
liberdades Pessoas jurídicas. elaboração da
constitucionais e norma
das prerrogativas regulamentadora
inerentes à da Constituição.
nacionalidade, à
soberania e à
cidadania,
prejudicados pela
falta de norma
regulamentadora.

Ação Popular Anular ato lesivo ao Somente o cidadão. Autoridade Preventiva;


patrimônio público pública e pessoa
ou de entidade de jurídica de direito Represiva.
que o Estado público a que
participe, à pertencer a
moralidade autoridade que
administrativa, ao praticou o ato
meio ambiente e combatido.
ao patrimônio
histórico e cultural.

115
668
Natureza Procedimento Gratuidade Liminar

Habeas Corpus Penal Especial (CPP). Sim Sim

Tem total
preferência de
distribuição e
julgamento.
Habeas Data Cível Especial (Lei Sim. Sim.
9.507/1997).

Preferência de
distribuição e
julgamento após
habeas corpus e
mandado de
segurança.
Mandado de Cível Especial (Lei Sim.
Segurança 12.016/2009).

Preferência de
distribuição e
julgamento após
habeas corpus.
Mandado de Cível Especial (Lei Não.
Injunção 13.300/2016.
Ação Popular Cível Comum (CPC) Sim, salvo Sim.
comprovada má-fé
do didadão.

Legitimados ativos
Mandado de Segurança a) partido político com representação no Congresso Nacional;
Coletivo
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano.
Mandado de Injunção I - pelo Ministério Públicos;
Coletivo

116
668
II - por partido político com representação no Congresso Nacional,

III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente


constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano.

IV - pela Defensoria Pública.

DESTAQUES DA JURISPRUDÊNCIA
Habeas Corpus
1) O STJ não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação,
agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista
da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade da paciente, seja cogente a
concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

2) O conhecimento do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte
demonstrar de maneira inequívoca a pretensão deduzida e a existência do evidente constrangimento ilegal.

3) O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, admissível apenas quando
demonstrada a falta de justa causa (materialidade do crime e indícios de autoria), a atipicidade da conduta
ou a extinção da punibilidade.

4) O reexame da dosimetria da pena em sede de habeas corpus somente é possível quando evidenciada
flagrante ilegalidade e não demandar análise do conjunto probatório..

5) O habeas corpus é ação de rito célere e de cognição sumária, não se prestando a analisar alegações
relativas à absolvição que demandam o revolvimento de provas.

6) É incabível a impetração de habeas corpus para afastar penas acessórias de perda de cargo público ou
graduação de militar imposta em sentença penal condenatória, por não existir lesão ou ameaça ao direito
de locomoção.

7) O habeas corpus não é a via adequada para o exame aprofundado de provas a fim de averiguar a condição
econômica do devedor, a necessidade do credor e o eventual excesso do valor dos alimentos, admitindo-
se nos casos de flagrante ilegalidade da prisão civil.

117
668
8) Não obstante o disposto no art. 142, § 2º, da CF, admite-se habeas corpus contra punições disciplinares
militares para análise da regularidade formal do procedimento administrativo ou de manifesta teratologia.

9) A ausência de assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo na inicial de habeas corpus inviabiliza o
seu conhecimento, conforme o art. 654. § 1º, “c”, do CPP.

10) É cabível habeas corpus preventivo quando há fundado receio de ocorrência de ofensa iminente à
liberdade de locomoção.

11) Não cabe habeas corpus contra decisão que denega liminar, salvo em hipóteses excepcionais, quando
demonstrada flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada, sob pena de indevida supressão de
instância, nos termos da Súmula 691/STF.

12) O julgamento do mérito do habeas corpus resulta na perda do objeto daquele impetrado na instância
superior, na qual é impugnada decisão indeferitória da liminar.

13) Compete aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Regionais Federais o julgamento dos pedidos
de habeas corpus quando a autoridade coatora for Turma Recursal dos Juizados Especiais.

14) A jurisprudência do STJ admite a reiteração do pedido formulado em habeas corpus com base em fatos
ou fundamentos novos.

15) O agravo interno não é cabível contra decisão que defere ou indefere pedido de liminar em habeas
corpus.

16) O habeas corpus não é via idônea para discussão da pena de multa ou prestação pecuniária, ante a
ausência de ameaça ou violação à liberdade de locomoção.

17) O habeas corpus não pode ser impetrado em favor de pessoa jurídica, pois o writ tem por objetivo
salvaguardar a liberdade de locomoção.

18) A jurisprudência tem excepcionado o entendimento de que o habeas corpus não seria adequado para
discutir questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes.

Mandado de Segurança
Súmula nº 41 – O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente,
mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos Respectivos órgãos.

Súmula nº 105 – Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.

Súmula nº 169 – São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.

118
668
Súmula nº 177 – O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamente,
mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado.

Súmula nº 202 – A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à
interposição de recurso.

Súmula nº 206 – A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial
resultante das leis de processo.

Súmula nº 376 – Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado
especial.

TAREFA 06 - CRIMINOLOGIA
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Conceito, método, objeto e finalidade da Criminologia.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E A RELEVÂNCIA DA


CRIMINOLOGIA NA ATUALIDADE
Guerreiros,

Ainda hoje, muitos candidatos não sabem o porquê devem se dedicar ao estudo da matéria.
Para muitos, a matéria não é tão atrativa quanto Direito Penal ou Processo Penal, por exemplo.
Para outra parcela de alunos, a matéria não é tão relevante.

Erro primário!

Percebemos que esse tipo de pensamento ainda representa a maioria dos candidatos às vagas de concursos
públicos, - esperamos que a partir de agora não mais -, porém, temos certeza de que você que é nosso aluno
sairá desta aula convencido da importância da disciplina e terá uma nova perspectiva com uma visão clara
de todo conteúdo.

Nossa proposta aqui, neste módulo, é desmistificar a dificuldade da matéria, deixá-lo apto a gabaritar toda
e qualquer prova da disciplina e, sobretudo, fazer com que de fato se torne um candidato estratégico e isso
acontecerá na medida em que você entender que:

119
668
A sua prova não é um mestrado em direito penal, processo penal ou da matéria pela qual
você é apaixonado. A sua prova é composta por DISCIPLINAS ESTRATÉGICAS, com um
número de QUESTÕES ESTRATÉGICAS, buscando aprovar CANDIDATOS ESTRATÉGICOS.

Entender isso é integrar o ranking dos melhores rapidamente.

Social e culturalmente falando, podemos afirmar que a criminologia foi deixada de lado, enquanto as outras
ciências que, dentro das ciências criminais, ganharam força e destaque.

A conclusão pode ser feita a partir de observações básicas e muito atuais. Quando encontramos pessoas
falando de VIOLÊNCIA URBANA, APARELHAMENTO DO CRIME ORGANIZADO – tema que tem sido discutido
em larga frequência “em tempos de OPERAÇÃO LAVA-JATO” -, crescimento desajustado da CORRUPÇÃO e
tantos outros assuntos inclusos na atual pauta social, é possível notar que muitos manifestam, na maioria
das vezes, uma visão crítica notadamente desprovida de informações reais ou um respaldo minimamente
fundamentado.

Com o crescimento e avanço da internet e, consequentemente, das redes sociais, essas opiniões dão às
pessoas a possibilidade de emitir opinião sobre todo e qualquer tipo de assunto. Discussão sobre
criminalidade então, é algo que está sempre em alta. Todo mundo tem opinião e a maioria das pessoas as
lançam, quase sempre, nas redes sociais. O problema disso, como já dizia ZAFFARONI:

Atualmente, todos comentam sobrem futebol e violência, existindo milhares de técnicos desse
esporte, e, na mesma proporção, criminólogos10.

Não é que alguém precise ser Doutor ou Mestre em qualquer tema para manifestar opinião, mas um mínimo
de fundamento nelas é imprescindível.

10
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. A Questão Criminal; Rio de Janeiro: Revan, 2013.

120
668
Não precisamos de uma análise profunda para perceber que a maioria das opiniões lançadas acerca da
criminalidade, por exemplo, ou até mesmo dos recentes casos de rebelião que ocorreram nos presídios
brasileiros, ou ainda, nas recentes e polêmicas decisões da Suprema Corte – como no caso destacado no
Informativo11 nº 860:

Em que se vedou o exercício de direito de greve a todos os policiais civis e aos que atuem
diretamente na área de segurança pública, são reproduções de comentários prontos. (Vide
jurisprudências sobre segurança pública em destaque no capítulo 5).

Parcela leiga da população, simplesmente aceita e reproduz textos “bonitos”, porém, desprovidos de teorias
ou conceitos científicos e que empobrecem a percepção a respeito das causas reais dos fenômenos delitivos,
o que permite uma fácil manipulação popular quando não um clamor social desfundado e midiático.

A consequência?

Certamente, a aprovação de medidas meramente paliativas. Aquelas que servem para


absolutamente nada. É verdadeiramente o remédio que não cura, mas mitiga a doença. O
resultado disso gera o que a doutrina classifica como DIREITO PENAL SIMBÓLICO.

CLEBER MASSON12 nos explica:

A função simbólica é inerente a todas as leis, não dizendo respeito somente às de cunho penal. São
aquelas que não produzem efeitos externos, mas tão somente, na mente dos governantes e dos
cidadãos.

É que no primeiro caso, acarreta aos governantes a sensação de terem feito algo para a proteção da paz
social. No outro, proporciona a falsa impressão de que a criminalidade está sob controle.

11
Info 860: Policiais são proibidos de fazer greve. O exercício do direito de greve, sob qualquer
forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente
na área de segurança pública. É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada
pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165 do CPC, para
vocalização dos interesses da categoria. STF. Plenário. ARE 654432/GO, Rel. orig. Min. Edson Fachin,
red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5/4/2017 - repercussão geral.

12
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 10.

121
668
Masson13 ainda revela que, no âmbito penal, o simbolismo manifesta-se de forma comum, no que ele chama
de direito penal do terror que se verifica com a inflação legislativa do Direito Penal de Emergência, criando-
se exageradamente figuras penais desnecessárias, ou então, aumento desproporcional e injustificado das
penas em casos pontuais – Hipertrofia do Direito Penal.

A título de exemplo, podemos citar a criação da Lei 8.072/90 – Lei de Crimes Hediondos (recentemente
alterada pela Lei nº 13.964/19 – o “Pacote Anticrime”). E aí você já sabe, há um rol taxativo de crimes que
são punidos com “MUITO” ou com “MAIS RIGOR” que os crimes ali não previstos.

O Legislador brasileiro da década de 90, tomado por uma ideia de Direito Penal Máximo14, Movimento Lei
e Ordem15 (Law and Order), bem como a Teoria das Janelas quebradas16 (Broken Windowns Theory),

13
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 10.

14
O Direito Penal Máximo constitui justamente o oposto do Direito Penal Mínimo, e traz em si a ideia
de que o Direito Penal é a solução para todos os problemas existentes na sociedade. Por tal movimento,
o Direito Penal é o meio de controle social mais eficaz a restringir o direito à liberdade do ser humano,
devendo, portanto, ser a solução adotada em primeiro lugar. HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais.
10ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 470.

15
Movimento Lei e Ordem15 (Law and Order): movimento idealizado por Ralf Dahrendorf, que surgiu
como uma reação ao crescimento dos índices de criminalidade. Tal movimento baseia-se na ideia da
repressão, para o qual a pena se justifica por meio das ideias de retribuição e castigo. Os adeptos desse
movimento pregam que somente as leis severas, que imponham longas penas privativas de liberdade ou
até mesmo a pena de morte, têm o condão de controlar e inibir a prática de delitos. Dessa forma, os
crimes de maior gravidade devem ser punidos com penas longas e severas, a serem cumpridas em
estabelecimentos prisionais de segurança máxima. Leis Penais Especiais. 10ª. Edição. Revista
atualizada e ampliada. Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 470.

16
Teoria das Janelas quebradas16 (Broken Windowns Theory): Em 1982, o cientista político James Q.
Wilson e o psicólogo criminologista Geroge Kelling, ambos norte-americanos, criaram a The Broken
Windowns Theory, denominada no Brasil TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS. (...) essa teoria ganhou
esse nome em razão de seus autores utilizarem a imagem das janelas quebradas para explicá-la,
estabelecendo relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade. Segundos tais autores, se
apenas uma janela de um prédio fosse quebrada, e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que
passassem no local e vissem que a janela não havia sido consertada concluiriam que ninguém se
importava com isso, e em curto espaço de tempo todas as demais janelas também estariam quebradas.
Uma janela quebrada, mas que não é consertada, é sinal de que ninguém cuida e, portanto, não custa
quebrar mais janela.

122
668
implantou um movimento de política criminal bastante severo como forma de tentar diminuir a
criminalidade. Para isso, criou tipos penais, aumentou penas para alguns crimes etc. 17

O Direito Penal Máximo constitui justamente o oposto do Direito Penal Mínimo, e traz em si a ideia de que
o Direito Penal é a solução para todos os problemas existentes na sociedade. Por tal movimento, o Direito
Penal é o meio de controle social mais eficaz a restringir o direito à liberdade do ser humano, devendo,
portanto, ser a solução adotada em primeiro lugar.18

Movimento Lei e Ordem (Law and Order): movimento idealizado por Ralf Dahrendorf, que surgiu como uma
reação ao crescimento dos índices de criminalidade. Tal movimento baseia-se na ideia da repressão, para o
qual a pena se justifica por meio das ideias de retribuição e castigo. Os adeptos desse movimento pregam
que somente as leis severas, que imponham longas penas privativas de liberdade ou até mesmo a pena de
morte, têm o condão de controlar e inibir a prática de delitos. Dessa forma, os crimes de maior gravidade
devem ser punidos com penas longas e severas, a serem cumpridas em estabelecimentos prisionais de
segurança máxima.

Trabalharemos de forma aprofundada em todas essas teorias ao longo do curso, por ora, a título de exemplo,
citamos o crime de porte ou a posse de arma de fogo de uso proibido (art. 1º, Parágrafo único, inciso II, Lei
8072/90 com alteração pela Lei nº 13.964/19). Quem porta ou mantém em sua posse armas, cujo uso é
proibido, terá sua pena fixada em patamar mais alto que quem porta ou tem a posse de arma cujo uso
permitido.19 Além disso, para que esse indivíduo alcance eventual progressão de regime, deverá cumprir
40% da pena se for primário ou 60% se for reincidente (alteração produzida pela Lei nº 13.964/19).

Agora, te fazemos um convite à reflexão: Pense conosco!

Indivíduos que portam fuzis ou que desfilam com armamentos de última geração, com
tecnologia israelense, de fato estão preocupados com o rigor ou com a aplicabilidade da lei
8.072/90?

17
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. 10ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 470.

18
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. 10ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm, 2018. Pg. 470.

19
Art. 16 do R-105 – define as armas de uso restrito.

123
668
Acaso, eles deixariam de portar as armas utilizadas para enfrentar o sistema de Segurança Pública e causar
guerra entre as favelas do Rio de Janeiro, apenas porque surgiu uma lei que pune com maior rigor esse tipo
de crime, por exemplo?

Será que eles deixariam de utilizar esse tipo de armamento apenas para assegurar que a lei seja cumprida,
que a Polícia deixe de “estourar” cativeiros e interrompa o tráfico de drogas nas favelas Brasil a fora, porque
surgiu a Lei 8072?

Entendemos que não. Para nós, os efeitos e reflexos legislativos, nesses casos, são muito mais no sentido
de satisfazer um clamor público que pede por uma solução, – o que, na maioria das vezes, se traduz no
encarceramento do indivíduo delinquente como a mais eficaz solução para a violência ou crimes que
acometem a sociedade, – do que, de fato, atingir o cerne do problema com soluções reais.

Como defendido por Ney Moura Teles20:

“Querer combater a criminalidade com o Direito Penal é querer eliminar a infecção com analgésico”

O crime só pode ser combatido por instrumentos que possibilitam a apuração da visão crítica e científica dos
que se propõem a analisar o problema da delinquência, Guerreiros.

E é por isso que o estudo da criminologia é tão importante, além de necessário.

Concordamos com a melhor doutrina, no sentido de que o desenvolvimento desses fenômenos criminais,
como ampliação dos crimes de colarinhos brancos, a violência urbana, crescimento da população carcerária,
caos nos estabelecimentos penais, aumento nos índices de prisões de mulheres, crimes de cunho sexuais,
grande incidência de crimes contra saúde pública entre outros, são motivos que justificam o destaque da
criminologia, como ciência que pode dar respostas detalhadas a esses problemas, é ela que analisa os
fatores que justificam o cenário atual.

No entanto, não se pode confundir, já que a linha é tênue.

A criminologia não se propõe a punir o transgressor, isso cumpre ao Direito Penal. Tampouco se destina a
definir os procedimentos acertados de persecução penal durante fases, seja de investigação, seja na ação
processual, para isso, temos o Processo Penal. À criminologia deixamos o diagnóstico de
entender o contexto da prática delituosa, analisando o contexto social de justiça criminal,
a pessoa do delinquente, a vítima, o controle social e até mesmo o reflexo da lei penal na
sociedade.

20
TELES, Ney Moura. Direito Penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2004. V. 1, p.46.

124
668
Bem, como perceberam, a matéria é extremamente relevante. E é com subsídio nestas razões que a matéria
tem sido tão cobrada em concursos públicos. Extrair a visão crítico-jurídica dos candidatos, a partir de
noções gerais da disciplina, de suas potencialidades e ferramentas conceituais, exigindo deles a
diferenciação entre conhecimento técnico e científico, é, sem dúvida, muito inteligente e estratégico.
Nesse caso, integra o pódio aqueles que estão minimamente preparados.

É por essas razões que desenvolvemos este CURSO DE CRIMINOLOGIA. Um curso teórico com esquemas,
doutrinas, jurisprudências e destaques para polêmicas ações judiciais que envolvem temas relevantes e que,
atualmente, tramitam no Supremo Tribunal Federal, e que, nos últimos anos, têm sido cobradas como
jurisprudência na maioria das provas.

Além disso, atenção especial será destinada às tendências das bancas, aos assuntos mais cobrados e que
mais CAUSAM CONFUSÕES quando o assunto é EVOLUÇÃO DAS IDEIAS CRIMINOLÓGICAS, ESCOLAS
PENAIS, dentre outros. Por essa razão, também destacaremos os posicionamentos doutrinários
divergentes, bem como as teorias e sucessivas revogações e alterações legislativas que, certamente, serão
cobradas em provas futuras.

Dentro dessa proposta metodológica, também observaremos, de forma concomitante, conceitos


indispensáveis fornecidos por outros ramos do direito, a exemplo, pelo Direito Constitucional, Direito
Processual, Direito Penal, Legislação Especial, enfim, utilizaremos todas as legislações pertinentes e
disponíveis a nós.

Por fim, é importante destacar que, todos os assuntos aqui abordados, serão tratados para atender tanto
àquele que está iniciando os estudos como àquele que está estudando há mais tempo.

Sendo assim, apresentamos a você os aspectos gerais da matéria e os impactos em provas de concursos.

2 – O ESTUDO DA CRIMINOLOGIA
Guerreiro (a),

A Criminologia é a disciplina que tem a capacidade de nos conduzir ao estudo das ciências penais
com enfoque especial, que vai além do mundo jurídico vivenciado por nós, da área do Direito. É que a

125
668
criminologia faz essa ponte procurando compreender, sobretudo, os processos sociais que são dinâmicos e
estão em constante mudança.

De forma abreviada, pode-se dizer que:

Trata-se de uma disciplina cujo estudo será sempre realizado de forma livre, livre das amarras
e rigidez das estruturas legalistas.

Por isso, a Criminologia é considerada uma Ciência Interdisciplinar!

Não poderia ser menos. Ora, é a disciplina que proporciona aos profissionais das mais variadas áreas do
conhecimento humano uma análise sistematizada e crítica do controle social da criminalidade,
contribuindo, consequentemente, para a escrita de autores e estudiosos de outros ramos de conhecimento,
englobando:

➔ Filósofos;
➔ Juristas;
➔ Psicólogos;
➔ Psiquiatras;
➔ Sociólogos;
➔ Jornalistas.

Enfim, todo o conjunto de profissionais que necessitam desta análise sistematizada. Perceba que, isso por si
só, revela a riqueza de informações a respeito da realidade que a Criminologia se empenha a compreender,
por isso, Ciência Interdisciplinar.

E se ainda não ficou claro, Guerreiro (a), recorra ao dicionário, é ele que afirma que “interdisciplinar” significa
estabelecer relações com uma ou mais disciplinas, ou ainda, que é comum a duas ou mais disciplinas.

Não é exagero dizer que a riqueza de informações é tão grande que, no meio acadêmico, não é incomum o
despertamento do senso crítico e a promoção de revisões teóricas que têm a capacidade de gerar grandes
impactos e até mesmo alterações legislativas.

Sendo assim, as mudanças institucionais junto à sociedade são alvo certo. Veremos ao longo do curso,
inclusive, que a sociedade é tratada pela Criminologia como um fator de grande influência, podendo
colaborar ou não, para a vida de um criminoso.

126
668
A Criminologia trabalha esta análise, por intermédio do viés, meio social, daí porque, o uso do controle social
formal (aquele exercido pelo Estado) e o informal (aquele composto pela sociedade) são objetos de estudo
da Criminologia, pois podem realizar o diagnóstico de um país, estado ou cidade. Falaremos mais sobre o
assunto, em momento oportuno.

Também não é exagero afirmar que:

A Criminologia é a ciência que cuida da etiologia21 do comportamento


criminoso e também de seus meios preventivos.

É que, se de um lado temos o Direito Penal estabelecendo normas de condutas e cominando sanções para a
prevenção e reprovação dos crimes e contravenções penais, consequentemente, temos o legislador criando
um tipo penal. Ao criar um tipo penal, o legislador tem em mente a proteção de um bem jurídico relevante
que, se for atacado por qualquer lesão, tem poder de acarretar uma desarmonia social. Concorda?!

Note que se trata, portanto, de uma valoração subjetiva na escolha dos bens a serem protegidos pela
norma, sendo que, neste procedimento de seleção a Criminologia pode auxiliar o legislador, momento em
que revela uma de suas faces, a da ciência que cuida da etiologia do comportamento criminoso.

A propósito, a Criminologia não é feita apenas de histórias bonitas, ciência prestativa e mil maravilhas. Na
doutrina, há quem critique tamanha responsabilidade, e o discurso é o de que a programação criminalizante
se baseia em uma realidade inexistente. Mas, como bem contestou Zaffaroni, trata-se de uma afirmação
vulgar, e não é obra de má-fé ou simples conveniência, mas é resultado da falta de capacidade de substituir
o discurso22.

Ora, a Criminologia é uma matéria relativamente nova e seu enfrentamento moderno, principalmente,
depende, e muito, da soma de esforços dela e do Direito Penal. Não se pode descartar que, embora exista
esse quadro de contradições entre o real e o efetivo, a Criminologia moderna fornece substrato necessário
à pré-compreensão, estruturação e, consequentemente, enfrentamento dos “modernos” problemas da

21
Ramo do conhecimento cujo objeto é a pesquisa e a determinação das causas e origens de um determinado
fenômeno.

22
ZAFFARONI, Eugênio R. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal; trad.
Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 14.

127
668
criminalidade”. Por poucas palavras, o suporte fático parece ser elemento estruturante capaz de transmitir
à normatividade a racionalidade necessária para a compreensão e tratamento da criminalidade.

Obviamente, as divergências não terminam por aqui.

Foi Jiménez de Asúa, quem afirmou, entusiasmadamente, que: - Chegará o dia em que a
Criminologia engolirá o Direito Penal. E conclui dizendo: - Só a criminologia imperará no futuro.

Claro que se trata de um absolutismo inverso que deve ser repelido em favor de um sistema comunicante
entre ambas as ciências. Como bem destacou Souza, a ciência penalista moderna exige um modelo de análise
interdisciplinar e sucessiva metodologias científicas.

De igual modo, em expressa observação, Murillas Cueva alerta que para


conseguir uma Ciência do Direito Penal realista é necessário ter em alta
conta o caráter integrador da Criminologia, enquanto Sainz Cantero, após
breve abordagem sobre a diferença entre as ciências, dedica item especial
às suas relações e é categórico ao afirmar que a importância da investigação
criminológica no Direito Penal é imprescindível, pois o penalista não deve
limitar-se à contemplação da estrutura formal e externa da norma, senão há
de indagar a realidade por ela regulada23.

Seja como for, uma coisa é fato, Direito Penal não é ciência sozinho. O Direito Penal, como bem sabemos, é
ultima ratio, e isso se deve ao fato de que, sua intervenção em momento inapropriado, pode causar efeitos
drásticos na vida de um indivíduo.

Logo, é necessária uma releitura do discurso jurídico-penal no sentido de exigir no Direito Penal os
aconselhamentos criminológicos, uma vez que a Criminologia é a ciência que procura entender a
criminalidade.

Nesse sentido, foi Peláez quem afirmou que nenhum problema penal pode ser resolvido sem considerar os
resultados da Criminologia e, justamente por isso, a justiça penal tende a ser uma justiça penal criminológica.
Assim sendo, o que se pode concluir é que a Criminologia se converte em realidade para o Direito Penal.
Vamos, portanto, ao estudo dos elementos fundamentais da Criminologia.

23
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. 2ª. Tir. Jun/2018. Salvador: Editora JusPODIVM.

128
668
3 – A HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA
Guerreiro (a),

Qualquer que seja a disciplina estudada, em um capítulo chamado “história”, geralmente, se inicia falando
do surgimento, do porquê, como e quando nasceu, concorda? Acontece que aqui, na nossa disciplina de
Criminologia, embora saibamos quando e porque surgiu, não é possível estabelecer um marco exato de
nascimento da criminologia.

Em nossa disciplina, estuda-se o período histórico da Criminologia, dividindo-o em dois períodos: o período
pré-científico e o período científico.

Não é possível, em absoluto, certificar o exato momento de nascimento da Criminologia!

Em apertada síntese, o período pré-científico abrange temas que vão desde a Antiguidade,
até o surgimento do período científico. Ressalte-se que, desde a antiguidade, é possível constatar a existência
da criminologia a partir de textos esparsos de autores que revelavam sua preocupação com a existência do
crime e seus “porquês”.

Noutro giro, quanto ao período científico, há divergências doutrinárias no sentido de se estabelecer um


momento exato para seu surgimento.

Majoritariamente: a doutrina atribui o surgimento da Criminologia Científica à Cesare


Lombroso. Neste discurso, afirma-se que a disciplina nasce a partir da publicação de sua
Obra O homem delinquente em 1876.

Mas há quem discorde!


A doutrina minoritária prega, em seu discurso, que o surgimento da fase científica ao francês
Paul Topinard. Foi ele o primeiro antropólogo que utilizou expressamente, pela primeira vez, em
1879, o termo criminologia.

E há quem discorde das duas teses acima!

Surge então uma terceira corrente, de posicionamento também minoritário.

129
668
Para esta terceira corrente, minoritária, Rafaelle Garofalo foi o responsável foi trazer o
marco divisor entre o período pré-científico e científico ao utilizar em seu livro, em 1885,
a nomenclatura Criminologia como título de seu livro científico, que é compreendido
como a ciência da criminalidade do delito e da pena.

Finalmente, a Escola Clássica, formando um quarto posicionamento discorda das correntes acima.

Para a Escola Clássica: o período científico da criminologia surgiu a partir da obra Programa
de Direito Criminal, publicada em 1859, e escrita por Francisco Carrara. Devendo a ele ser
atribuído o surgimento da fase científica.

E você pode estar se perguntando, mas professor,


diante de tantas divergências doutrinárias, qual o
posicionamento que devo adotar em minha
prova?

Guerreiro (a),

Acompanhamos sempre à doutrina majoritária em provas, evidente que em uma prova discursiva, você tem
a oportunidade de trazer à baila as divergências doutrinárias mostrando ao seu examinador que elas existem
e que você domina o tema.

Diferente situação acontece, por exemplo, em provas de múltiplas-escolha. Neste caso, especificamente, as
bancas tendem a considerar o gabarito que aponta para Cesare Lombroso. No caso de bancas que possuem
posicionamento diverso, as alternativas vão indicar para um destes autores de doutrina minoritária. Cumpre
a você, lembrar destes nomes e desta possibilidade.

Veja como o tema já foi explorado em provas e antes que eu me esqueça, quero ressaltar que o tema
“surgimento da Criminologia” e suas “divergências quanto ao surgimento” é a polêmica preferida da
VUNESP.

130
668
Nesse sentido:

▪ O tema em provas

(VUNESP/DELEGADO DE POLÍCIA BA – 2018 – Adaptada ) Em relação ao conceito de crime, de


criminoso e de pena nas diversas correntes do pensamento criminológico e ao
desenvolvimento científico de seus modelos teóricos, é correto afirmar:
“A criminologia científica nasceu no ambiente do século XVIII, recebendo contribuições da Escola
Positivista, mas ganhando contornos mais precisos com a Escola Clássica.”
a. Certo
b. Errado
Comentários
Como vimos, a Criminologia, de acordo com a doutrina majoritária, surgiu em meados do séc.
XIX, especificamente, em 1879, com a obra de Cesare Lombroso, chamada O homem delinquente.
Gabarito: Errado.

Ainda pela VUNESP, veja como o tema foi explorado no concurso de Delegado de Polícia de SP em 2014:

(VUNESP/DELEGADO DE POLÍCIA SP – 2014) A obra, o Homem delinquente, publicada em 1876, foi


escrita por:
a. Cesare Lombroso
b. Enrico Ferri
c. Rafael Garófalo
d. Césare Bonesana
e. Adolphe Quetelet
Comentários:

131
668
A obra Foi escrita por Cesare Lombroso, inclusive, a doutrina majoritária se posiciona no sentido de
que, esta foi a obra que trouxe o marco entre as fases pré-científica e científica da Criminologia. Por
isso, defensores desta tese vão atribuir à Césare Lombroso o surgimento da fase pre científica da
criminologia.
Gabarito: A

Superado este tema, vamos à Criminologia no Brasil!

3.1 – SÍNTESE: A CRIMINOLOGIA NO BRASIL


Divergências superadas, cabe a nós, antes de aprofundarmos no estudo das fases da criminologia, trazer à
baila outros dados históricos importantes neste momento, como por exemplo, o surgimento da Criminologia
no Brasil.

No Brasil, a Criminologia surgiu com a obra do pernambucano João Vieira de


Araújo, chamada Os ensaios do Direito Penal publicada pelo autor em 1884.

4 – A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PUNIR


Guerreiro (a),

Há uma evolução histórica no direito de punir e na formação da sociedade disciplinar que acarreta no
descobrimento da figura do criminoso, redirecionando para ele e para o delito o foco do estudo da
Criminologia.

132
668
Sabemos que grandes transformações foram operadas no Direito ao longo dos séculos, em especial, no final
do Século XVIII e início do Século XIX e, de forma resumida, pode-se apontar 03 (três) fases de suma
importância, no processo de evolução pena.

São elas: o período de vingança, o período humanista e o período científico.

Veremos agora todos os períodos e como o desaparecimento do suplício deu espaço a sutis ou indiretos
meios de punições.

4.1 – PERÍODO DE VINGANÇA


O período de vingança engloba o Absolutismo Europeu, nos séculos XV e XVI, revelando-se através de 03
(três) vetores, quais sejam:

133
668
Período de vingança

Vingança Privada Vingança Divina Vigança Pública

O exercício do poder punitivo era


atribuído à igreja. Neste caso, a
O monarca assume o poder
figura do sacerdote era
Período regido pela Lei do Talião. punitivo, como representando do
indispensável, pois ele era tido
Neste caso, a vítima era a Estado, seguindo as execuções de
como um mandatário de Deus.
detentora do poder punitivo, um ritual sádico em que o público
Neste período, a culpabilidade era
admitindo-se o exercício das assistia aos suplícios dos
determinada por meio das
próprias razões sob a filosofia do condenados até a morte, o que fez
ordálias, ou seja Juízo de Deus, e o
"olho por olho, dente por dente". com o que referido período ficasse
fogo era o elemento purificador da
conhecido como ciclo do terror.
alma, sendo este período
conhecido por fase mitológica

Note que neste período, o destaque era ao corpo supliciado por esquartejamentos, amputações em
cerimonias públicas e, na medida que o caráter corretivo da pena passou a surgir (nos séculos seguintes) e
avançava, o suplício deixou de ser o alvo da repressão penal.

4.2 – PERÍODO HUMANISTA


Em relação ao período humanista, frise-se que este foi iniciado com o surgimento do Estado Liberal nos
séculos XVII e XVIII, inclui-se também o movimento iluminista que, diga-se de passagem, foi capitaneado
por John Locke, ostentado, portanto, por caráter retribucionista.

Neste período, o suplício se torna mais inaceitável e forma-se um consenso entre teóricos do direito, filósofos
e parlamentares sobre a necessidade de punir de outro modo, com penas moderadas e proporcionais.

134
668
No entanto, o grande marco, ocorre de fato, no período seguinte, mais precisamente, na passagem do séc.
XVIII para o XIX.

4.3 – PERÍODO CIENTÍFICO


Finalmente, o período científico é o que mais nos interessa.

Este período foi iniciado com o Naturalismo do Séc. XIX e XX, momento em que surgia, especialmente, o
positivismo criminológico que atribuía à pena o sentido ou finalidade de defesa social.

Aqui há um marco histórico, vale lembrar que um século antes, ou seja, do século XVIII para o século XIX, o
período foi marcado pelo abandono total dos suplícios. Sendo assim, a pena, neste momento, deixou de
recair sobre o corpo do criminoso e passou a recair sobre a liberdade do criminoso.

➔ Abandono total dos suplícios.


➔ Pena -> deixou de recair sobre o corpo do criminoso
➔ Pena -> passou a recair sobre a liberdade do criminoso.

Neste período, a dor e o sofrimento físico deixaram de constituir elementos integrantes da pena.

Entenda que é um cenário de elevação da burguesia em relação à figura do monarca absolutista e que o
cenário traz novos rumos à política e, consequentemente, um reajuste no discurso criminológico que se
apoia à visão cartesiana e iluminista de mundo.

Por esta razão, traz-se à baila o surgimento de um novo discurso jurídico, robusto de princípios e com
imposições a respeito da pena e a necessidade de humanização da mesma, a necessidade de estruturação
do Direito Penal como limitador do poderio punitivo do Estado, bem como, a substituição da noção de
vingar pela noção de punir.

Aqui, portanto, temos um importante salto, o carrasco é substituído por profissionais como carcereiros,
médicos, psicólogos, psiquiatras, educadores e a pena de morte passa a ser executada com celeridade. E a
pena? Bem, amigo, a pensa passa a conferir não só um caráter retribucionista, mas também um
comportamento desviante, de neutralização da periculosidade e promoção de socialização.

Para Natacha Alves de Oliveira (p. 32, 2018):

A partir desse momento, o indivíduo passa a aceitar as leis da sociedade, evidenciando-se o pacto
social, de modo que a prática de uma conduta definida como crime implicará em seu

135
668
rompimento, autorizando a punição como defesa do corpo social. Percebe-se, assim, que a
crença na certeza da punição é que deverá persuadir o indivíduo a não praticar um delito e não
mais os espetáculos sangrentos de execução em praça pública.

É neste momento que alguns objetos vão ganhando destaque. Surge, por exemplo, um grande foco de estudo
no crime, suas causas, na pessoa do criminoso e os motivos que o levaram a cometer o crime. Se as
influências do meio social formam fatores determinantes ou apenas colaboraram para o cometimento do
crime ou mesmo, se o agente possuía alguma hereditariedade.

Finalmente, cumpre destacar que, este momento, consagra a importância da interdisciplinaridade, pois são
perguntas que só podem ser respondidas a partir da colaboração de outros ramos da ciência, como por
exemplo, a psicologia e psiquiatria.

5 – AS FASES DA CRIMINOLOGIA
Como vimos, são inúmeras as teorias e posicionamentos doutrinários sobre as fases da Criminologia, embora
nenhuma delas seja capaz de apontar, com exatidão, o momento do surgimento.

A propósito, se fossem, tais posicionamentos seriam, no mínimo, questionáveis e dificilmente seriam válidos.

Por outro lado, embora não se possa afirmar o momento exato do surgimento, sabemos que a Criminologia
sempre existiu. É claro que, de maneira “elementar, rudimentar e tosca”, como afirma o Doutor e Mestre
em Direito Penal, Eduardo Viana24, in verbis:

É intuitiva a afirmação de que o fenômeno crime exerce algum tipo de atração sobre os homens; bem por
isso se diz que a criminologia sempre existiu, ainda que de maneira elementar, rudimentar e tosca.
Precisamente por isso, Goppinger aponta que a Criminologia tem uma curta história, porém um longo
passado, daí porque pela justa razão, há permanente risco em se recuar muito no tempo em busca de um
estudo com verniz criminológico. (grifo do autor)

Sendo assim, para fins didáticos, adotamos o posicionamento majoritário e dividiremos a história do
pensamento criminológico em duas fases, quais sejam:

24
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 23.

136
668
Fase pré-científica Pseudociências

Fases
Criminologia
Fase científica
moderna

Assim, temos que:

i. Na FASE PRÉ-CIENTÍFICA, estão localizadas as teorias relacionadas à etiologia do crime, tais


teorias são fundamentadas e subsidiadas por conhecimentos advindos de pseudociências.
ii. Na FASE CIENTÍFICA, com métodos de pesquisas, situam-se os precursores científicos da
Moderna Criminologia.

Não é demais reiterar que, esta divisão, embora esteja em consonância com o posicionamento doutrinário
majoritário, não pode ser considerada o momento de nascimento da Criminologia.

De toda sorte, iniciaremos como marco desse pensamento criminológico científico autônomo, o positivismo
criminológico do século XIX.

5.1 – FASE PRÉ-CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA


A fase pré-científica da Criminologia é marcada pela Antiguidade.

Parcela da doutrina reage à fase pré-científica, afirmando que este período pertence ao mundo das crenças
e convicções populares sendo manipulada por um falso empirismo a fim de tornar praticável, superstições
pessoais.

A reação é resultado de colocar na balança o período científico e pré-científico.

137
668
Se de um lado, o marco científico é marcado por pesquisas robustas, investigações criminológicas e um
método empírico mais robusto, de outro, a doutrina ataca a falta de elementos do período pré-científico,
que tem como característica a prevalência da aproximação das Ciências Ocultas (pseudociências) e a
Criminologia. Como veremos, é tênue a linha entre as Ciências Ocultas (pseudociências) e o pensamento
criminológico da fase pré-científico.

Nesse ínterim, foram vários os pensadores que colaboraram para os estudos criminológicos, estabelecendo
as bases do delito e sua punição destacando as causas e finalidades.

É o que veremos.

5.1.1 – Autores que contribuíram para os estudos criminológicos no período da Antiguidade

José César Naves de Lima Júnior (2017, p; 41-45) destaca em seu livro diversos pensadores que contribuíram
com seus escritos, na Antiguidade, para o estudo da Criminologia, a título de exemplo, convém destacar:

✓ Protágoras;
✓ Sócrates
✓ Hipócrates
✓ Isócrates
✓ Platão;
✓ Aristóteles, além disso, instrumentos como o Código de Hamurabi, também foram importantes
colaboradores para o período.

Em síntese, veja a influência de cada um deles para o nosso estudo, in verbis:

Código de Hamurabi

Possuía dispositivo punindo o delito de corrupção praticado por funcionários públicos de elevada
autoridade. Séc. XIV a.C

Legislação de Moisés

138
668
Apresentava aspectos punitivos. Séc. XIV a.C

Isócrates

Ao atribuir a responsabilidade ao agente que ocultava o delito, forneceu as bases do conceito de


coautoria. (436-338 a.C)

Protágoras

Compreendia a pena como meio de evitar a prática de novas infrações pelo exemplo que deveria
dar a todos os membros de um corpo social, e com isso lhe conferia um caráter preventivo
afastado da ideia de retribuição, ou de castigo. (485-415 a.C)

Sócrates

Parece destacar a importância da ressocialização, na medida em que pervagava a necessidade


de ensinar o delinquente a não reintegrar a conduta delitiva. (470-399 a.C)

Hipócrates

Relacionava os vícios à loucura, do que se deduzia que os delitos estavam ligados à demência,
fornecendo-se as premissas da inimputabilidade penal. Com isso, o homem acometido pela
insanidade seria irresponsável penalmente. (460-355 a.C)

Platão

Sustentava que a ganância, cobiça ou cupidez geravam a criminalidade, logo, parece ter a prática
delituosa a fatores de ordem econômica. (427-347 a.C)

139
668
Aristóteles

Seguindo a mesma linha de pensamento de Platão, imputava a fatores econômicos a causa do


fenômeno criminal. (388 – 322 a. C)

Note que se trata de um período responsável por lançar premissas éticas do delito e sua punição,
destacando, evidentemente, suas causas e finalidades.

5.1.2 – A fase pré-científica e as ciências ocultas

Como já fora dito, a aproximação das Ciências Ocultas (pseudociências) e a Criminologia é imensa, pois, se
de um lado o marco da fase científica tem características de um método empírico, de outro, temos esta fase,
marcada por crenças e convicções populares.

São teses que se destacaram no período pré-científico:

➔ Demonologia;
➔ Fisionomia
➔ Frenologia e
➔ Psiquiatria.

Demonologia

A doutrina entende que, mais que todas as Ciências Ocultas, a Demonologia é a mãe em linha reta da
Criminologia. Foi com fundamentos nesta ciência que, por anos, procurou se explicar o mal por meio da
existência de demônios.

A Demonologia é o estudo da natureza e qualidades dos


demônios. A partir deste estudo, foi possível chegar ao
número de 7 milhões de demônios.

▪ INDIVÍDUOS MAIS AFETADOS PELA TESE DA DEMONOLOGIA

140
668
Essa ciência perturbou, em especial, doentes mentais, pois eles eram confundidos com pessoas com algum
tipo de possessão maligna. A classificação era tão estreita que o enfermo era classificado conforme o diabo
que o possuía.

A tipologia proporcionou em alguns casos, desenvolvimento de medidas curativas, pois supostamente,


com base no tratamento à base de água gelada e fogo, o demônio saia do corpo enfermo. Essas medidas
perduravam com algum alcance, até a revolução propiciada pela psiquiatria de Pinel25. (Eduardo Pontes,
2018. Pg. 27)

▪ TEORIAS DESENVOLVIDAS A PARTIR DA DEMONOLOGIA

Sem contar as ideias de possessão, a Demonologia desenvolveu uma teoria que prevalece até os dias de
hoje, e decorre das ideias trabalhadas na Demonologia, chamada de Teoria da tentação.

É que, para esta teoria, o criminoso, embora não possuído, era, por vezes, tentado pelo espírito do mal. Tal
concepção promove a compreensão do crime como um mal externo à natureza humana.26

Fisionomia

A fisionomia é considerada a pseudociência mais próxima ao positivismo criminológico do final do século


XIX.

Além disso, o próprio nome sugere a teoria aqui adotada.

Essa ciência considera a aparência do indivíduo para estabelecer a sua conexão com a maldade. Desde a
antiguidade, difundiu-se a ideia segundo a qual era possível estabelecer uma relação entre a estrutura
corporal do indivíduo e a sua personalidade.

25
Chamam-se assim por serem desenvolvidas, em regra, nos conventos, por monges e frades que
constituíam pequeno grupo que sabiam ler e tinha biblioteca a disposição e, portanto, conhecimento
científico oculto da maioria da população; segunda razão é que os experimentos, para evitar a suspeição
por bruxaria ou feitiçaria, eram realizados em segredo. VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição.
Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 27.

26
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 27.

141
668
Noutras palavras, significa que, para esse método, a partir do nível de beleza ou
feiura do indivíduo era possível afirmar sobre suas virtudes e defeitos, estando a
“feiura” diretamente ligada ao conceito de maldade.

São relações com referências extraídas do Código Manu (VI-VII a.C), por exemplo, bem assim na figura de
Zófiro e Eximeneses.

▪ INDIVÍDUOS MAIS AFETADOS PELA TESE DA FISIONOMIA

Os feios foram os mais afetados por esta tese. De acordo com ela a “feiura” está diretamente ligada ao
conceito de maldade.

▪ AUTORES E OBRAS RELACIONADAS

A Fisionomia tem referência direta com o Código de Manu (VI – VIII a.c.), além disso, ressaltamos os
seguintes autores de destaque: Della Porta, Joahnn Kaspar Lavater e Marquês de Moscardi.

Vejamos a influência de cada um deles no campo da fisionomia.

Della Porta:

AUTOR: Della Porta (italiano).


IMPORTÂNCIA: foi o primeiro a sintetizar a Fisionomia.
ANO: 1545-1616
OBRA: De humana physiognomia
Técnica: Observação corporal. A partir da observação corporal, sustentava a relação entre o corpo e a
alma ao sinalizar algumas características de índole criminosa, as quais podem manifestar-se na cabeça,
orelha, nariz e dentes.

Joahnn Kaspar Lavater

142
668
AUTOR: Joahnn Kaspar Lavater (suíço).
IMPORTÂNCIA: Impulsionou o cientificismo da Fisionomia
ANO: 1741-1801
OBRA: Fragmentos fisionômicos para o conhecimento do homem e do amor do homem.
Técnica: compara a comportamentos do homem com animal, ao descrever o homem de maldade
natural: “Tudo o que sucede na alma do homem se manifesta em seu rosto, a beleza e a feiura deste
correspondem com a bondade ou a maldade daquele, ou seja, quanto mais bonito o indivíduo, melhor
moralmente ele será, quanto mais feio o indivíduo, pior moralmente será.”

Marquês de Moscardi

AUTOR: Marquês de Moscardi (Nápoles).


IMPORTÂNCIA: repercutiu a influência da fisionomia
ANO: séc. XVIII
OBRA: -
Técnica: -
Marques de Moscardi, impôs o hábito de que no momento de prolatar a sentença seria imprescindível
dizer: “Ouvidas as testemunhas de acusação e defesa, observadas a face e cabeça, te condeno a....
Também é possível encontrar antecedentes, o qual dizia: “Quando se tem dúvida entre dois
presumidos culpados, condena-se o mais feio”.

Note que são teses sem qualquer rigor metodológico!

Por isso, são “teses alvos” das críticas doutrinárias uma vez que as inolvidáveis repercussões negativas desse
tipo de pensamento, especialmente no que se refere à criminalização da classe social, era o alvo das punições
da época. No entanto, não se pode omitir que a fisionomia teve seu mérito.

O principal foi trazer para o centro das investigações científicas o protagonismo do fenômeno do crime, ou
seja, o criminoso. Exemplo dessa influência pode ser revelado pelo retrato falado. Ora, Guerreiro (a), para
elaboração de tal documento, é imprescindível a observação e descrição do suposto criminoso no retrato
falado e a sua importância para o esclarecimento dos crimes.

Nesse ínterim, há quem diga e, nesse sentido, Rodrigo Manzanera, que à Fisionomia também é devido o
mérito de ressaltar que os juízes sentenciam pessoas e não casos.

143
668
Frenologia

Foi a ciência que desenvolveu a teoria da localização ou teoria do crânio.

Os frenólogos preocupavam-se em identificar a localização física de cada função


anímica do cérebro, assim, seria possível explicar o comportamento delitivo, portanto,
significa dizer que: a chave para explicar o comportamento delitivo do homem está
no cérebro.

Sendo assim, imprescindível era, para adeptos dessa ciência, observar as marcas
externas do crânio. É que, para eles, é impossível explicar o homem moral sem as contribuições do homem
físico. Logo, aqui não se fala em livre arbítrio ou constatação, temas que seriam mais tarde, reafirmado pelo
positivismo criminológico.

▪ AUTORES E OBRAS RELACIONADAS

A figura mais importante nesta ciência, foi o médico FRANZ JOSEPH GALL e, não é exagero destacar que
TODA a fundação e difusão da Frenologia é devida a ele. A Frenologia foi fundada e difundida, depois que
Gall, publicou (1810) a obra Anatomia e Fisionomia do sistema nervoso em particular, com observações
sobre a possibilidade de reconhecer várias disposições intelectuais e morais do homem e dos animais pela
configuração de suas cabeças.

O autor defendia, basicamente, sua teoria em 03 (três) vetores, quais sejam:

144
668
1. O cérebro se forma em
razão da interferência do
Crânio, por meio do
continente se desvenda o
conteúdo;

3. A partir do estudo das


cabeças dos condenados à
morte, dizia ser possível 2. Cada região do cérebro é
comprovar seus instintos de responsável por uma
defesa extraordinariamente faculdade;
desenvolvidos, coragem e
tendência à agressividade.

Obs.1: Em relação ao ponto de nº 03, as “qualidades” eram diferenciadas fisicamente, atrás das
orelhas. A tendência homicida, por sua vez, situava acima e à frente das orelhas. Ainda segundo
Gall, as pessoas propícias à discussão tinham as cabeças mais largas.

As visitas de Gall aos manicômios, penitenciárias e o exame da cabeça dos homens que eram
condenados à morte, permitiram que Gall, elaborasse um conhecido mapa cerebral.

Nele estão pontuadas as 38 (trinta e oito) regiões e a


respectivas faculdades intelectivas com elas relacionadas.

O crime, ponderava, pode ser causado por um


desenvolvimento parcial e não compensado do cérebro, o
que ocasiona a hiperfunção de determinado sentimento: o
roubo, por exemplo, seria consequência de um
desenvolvimento desmedido do instinto de propriedade e
não da condição de miserabilidade do agente. Os discípulos

Figura 1: Mapa Frenológico de Gall

145
668
de Gall, após sua morte, eximiram-lhe o crânio e constataram uma cabeça extremamente filosófica27.

Destaque-se que, no campo penal, a teoria de Gall reverbera diretamente na DOSIMETRIA DA PENA.

E isso é importante que você saiba para fins de prova!

É que, segundo ele, os graus de culpabilidade variam conforme a condição do indivíduo, razão pela qual,
impõe-se uma graduação da pena conforme a individualidade de cada sujeito28.

Nesse caso, significaria que a pena deveria ser estabelecida com base no criminoso e não no crime.

Psiquiatria

O desenrolar da psiquiatria como ciência autônoma, deu-se no início do Séc. XVIII, conforme nos ensina,
Eduardo Viana:

Naquele momento histórico, as ideias de otimismo e crença na humanidade impulsionadas,


sobretudo, pelo movimento iluminista, tiveram enorme significado para o desenvolvimento da
psiquiatria.

Para o ramo da criminologia, quem brilhou na psiquiatria foi PHILIPPE PINEL.

27
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 31.

28
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 31.

146
668
Médico francês, Philippe Pinel foi responsável pela realização dos primeiros diagnósticos que diferenciavam
o criminoso do enfermo mental.

Com base nos seus estudos, mais de 50 (cinquenta) enfermos foram desencarcerados, dentre eles, um
famoso soldado alcoólatra, Chevingné, que mais tarde, tornou-se seu ajudante29.

Merece menção outros dois médicos que também se ocuparam das questões atinentes aos crimes, são eles:
Esquirol e Morel.

Abaixo, compactamos:

PHILIPPE PINEL ESQUIROL MOREL


Foi responsável pela realização Elaborou e sistematizou a Foi o ponto de partida para a
dos primeiros diagnósticos que classificação de enfermidades psicopatologia criminal, pois
diferenciavam o criminoso do que domina o pensamento promovia estudos entre: a
enfermo mental. psiquiátrico do século XIX. delinquência, a loucura ou a
doença mental.
Para ele, promover a separação Foi o grande responsável pelo Para ele, todo delito seria um
entre o binômio enfermidade indulto de Pierre Rivière30. fenômeno patológico, causado
mental e a delinquência, pela reiteração de fatores
propiciando a criação de asilos biológicos.
destinados a diagnósticos
clínicos e tratamento dos
enfermos mentais.

Vencida a etapa pertinente a fase pré-científica, passaremos ao surgimento do movimento científico da


criminologia.

29
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 33.

30
Pierre Rivière, jovem camponês que em 1835 assassinou sua mãe, a irmã e o irmão, foi redescoberto
e publicado em 1973 em um livro organizado pelo filósofo francês Michel Foucault (1926-1984).

147
668
5.2 – FASE CIENTÍFICA: O SURGIMENTO DO MOVIMENTO CIENTÍFICO
DA CRIMINOLOGIA

Bem, se de um lado não se pode estabelecer a data exata do surgimento da Criminologia, mas tão somente,
resquícios de teorias apresentadas no período pré-científico, doutro, podemos acertadamente dizer que a
pretensão de cientificismo no âmbito da Criminologia somente é alcançada nos fins do séc. XIX.

Nesta fase, a Criminologia passa a ter um viés individual, sendo conceituada como estruturante de
anormalidade endógena individual. É que os cientistas desse período voltaram os olhos para o fenômeno
do crime e, como consequência, encontram o criminoso. Então, este passa a ser, nesta fase, o objeto central
das pesquisas, sendo que, seu comportamento criminoso passa a ter como causa, necessária disfunção
patológica interna.31

Por esta razão, diz-se que a Criminologia do século XIX, é caracterizada pelo empirismo
e pelo método experimental ou indutivo de estudo. É que há um rompimento, ela
abandona o método abstrato e dedutivo do silogismo clássico, utilizado, até então, na
fase pré-científica, e passa ao campo do concreto da verificação prática relacionada ao
crime e ao criminoso, ou ainda, relacionada ao delito e ao delinquente.

Com as adaptações de foco para o individual, muitas foram as consequências e, já no final do Séc. XIX, sob a
inspiração da Fisionomia e da Frenologia, ambas da fase pré-científica, é que surge o positivismo
criminológico. Com a Scuela Positiva Italiana, liderada por Lombroso, Ferri e Garofálo. Vejamos:

▪ AUTORES E OBRAS RELACIONADAS

31
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 33.

148
668
A. PERÍODO DA ANTROPOLOGIA CRIMINAL,

Césare Lombroso (1856-1929)

Autor da obra O homem delinquente (1876), foi considerado o pai da criminologia e criador da
disciplina antropologia criminal. Empregou o método empírico em suas investigações e
defendeu o determinismo biológico no campo criminal.

Não é demais repetir que, neste período, o estudo da criminalidade abandona a Escola Clássica que, por sua
vez, era defensora do livre-arbítrio, e migra para o terreno do concretismo, da verificação e da prática do
delito e do delinquente.

A partir do positivismo antropológico de Lombroso, era possível identificar um criminoso nato por sinais
físicos, como por exemplo, a forma da calota craniana, face e do maxilar inferior, fartas sobrancelhas,
orelhas grandes e muito mais.

De forma resumida, pode-se dizer que o criminoso nato seria propenso à prática de delitos devido aos
aspectos morfológicos advindos de seus ancestrais.

Enrico Ferri (1856-1929)

Autor da obra Sociologia Criminal (1914), defendeu o determinismo, em negativa ao livre arbítrio,
o determinismo social, considerando o delito como um fenômeno social determinado por causas
naturais.

Ferri negava a tese do livre-arbítrio, mas saía em defesa do determinismo social. Assim sendo, não admitia a
possibilidade de o crime ser fruto da liberdade de escolha do delinquente, e defendia a ideia da
responsabilidade social. Ferri dizia que todo criminoso deveria ser afastado do convívio social, mas não por
pena ou castigo, e sim, como meio de defesa da sociedade.

Outro destaque atribuído à Ferri, foi a Lei da Saturação Criminal. Para esta lei, da mesma forma que um
líquido em determinada temperatura diluía em parte, assim também ocorria com o fenômeno criminal, pois
em determinadas condições sociais seriam produzidos determinados delitos.

Raffaele Garofalo (1851-1934)

149
668
Foi responsável pela criação do termo Criminologia, e indicou a existência de suas espécies de
delitos, os delitos legais e os delitos naturais.

O autor entendia que a Criminologia é a ciência da criminalidade, do delito e das penas.

B. PERÍODO DA SOCIOLOGIA CRIMINAL,

Posteriormente, inicia-se o período da sociologia criminal. Vale dizer que é um período representado pela
Escola Cartográfica, e a Escola Positiva ou Positivismo Criminológico.

Augusto Comte

Embora a escola clássica tivesse conseguido enfrentar as barbáries do absolutismo e o respeito do indivíduo
como ser humano, o ambiente político e filosófico, em meados do Séc. XIX, impôs a necessidade de defesa
da sociedade.

Nesse período, estudos sociológicos e biológicos ganhavam destaques a partir de doutrinas evolucionistas
como, Darwin e Lamarck e ainda sociológicas como Comte e Spencer. É a partir dessa acidentada evolução
que nasce, portanto, o Positivismo Criminológico, mais conhecido como Escola Positiva.

No entanto, importante destacar que Augusto Comte aparece como fundador da sociologia criminal.

Conforme asseverado por Fernandes e Fernandes, aparece como fundador da sociológica


moderna, que se ergue para combater a teoria de Lombroso, alegando que fatores exógenos
desencadeavam a prática de delitos.

Lambert Adolphe Quelet

A Escola Cartográfica está diretamente ligada à pessoa do belga Lambert Adolphe Quelet (1796-1874).

Foi ele quem aproximou a disciplina da probabilidade. Por ser matemático, acreditava ser
possível compreender o comportamento humano delitivo recorrendo à probabilidade.

Vale destacar que o matemático estabeleceu premissas básicas que permitiam derivar leis gerais capazes de
explicar e predizer o comportamento delitivo. Em outras palavras, Quelet considerava que leis físicas eram
capazes de medir o comportamento do homem médio.

150
668
5.3 – ESCOLAS PENAIS NO MOVIMENTO CIENTÍFICO
Guerreiro (a),

Superado o tema pacificado, importante abrir este tópico que ainda ocorreu no período do Século XIX.

Destacado pelo autor Eduardo Viana (2018, p. 34) que explica em livro que, embora o foco individual tenha
sido alinhado às perspectivas sociais e econômicas como fatores decisivos para a criminalidade, isso por si
só, não é suficiente para destacar a importância da antropologia italiana, muito pelo contrário. Seus aportes
foram não somente significativos, como igualmente decisivos para o nascimento e difusão da Criminologia,
bem assim para chamar à ordem a necessidade de enfrentamento da criminalidade a partir das
considerações sobre o protagonismo do crime.

Seja como for, essa acidentada evolução histórica é destacada pelo autor indicando que a evolução das ideias
penais foi o berço da corrente de pensamentos que tiveram como objetivo converter o estudo do fenômeno
criminal em ciência. Tais correntes, como já dissemos hoje, são chamadas de Escolas Penais.

Em síntese,

As Escolas Penais sintetizam correntes de pensamento sobre os problemas que envolvam o


fenômeno do crime e da criminalidade, bem assim sobre os fundamentos e objetivos de todo o
sistema penal, e correspondem, em maior ou menor medida, às fases de evolução do
pensamento metodológico penal32.

É o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a mesma
natureza do crime e o fim das sanções.

32
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 34.

151
668
Nesse diapasão, tais construções científicas foram elaboradas depois dos firmes alicerces de Beccaria,
também conhecido como o Marquês de Bonesana, em sua obra Dos delitos e das penas (1764) passam a
divergir, especialmente, sobre a natureza das penas e pelo método científico adotado.

Tanto foram as discussões neste período que passaram a proliferar entre as duas principais Escolas da época,
chamadas:

 Escola Clássica e Escola Positiva, ou ainda, Positivismo Criminológico.

5.3.1 – A Luta das Escolas: Escola Clássica X Escola Positiva

A Escola “Clássica” foi desenvolvida pejorativamente pelos positivistas em razão da divergência de


pensamentos sobre os conceitos estruturais do Direito Penal33.

Portanto, a Escola Clássica nasce entre o final do Século XVIII e a metade do Sec. XIX, como reação ao
totalitarismo do estado Absolutista, filiando-se ao movimento revolucionário e libertário do absolutismo.
Viva-se o Século das Luzes34.

Já a Escola Positiva, baseava-se nas ideias científicas dos Séculos XIX e XX, que surgiu como resposta às
limitações da Escola Clássica35, também é denominada Criminologia Positiva ou Escola Positivista ou
simplesmente Positivismo Criminológico.

33
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 90.

34
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 90.

35
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. p. 94.

152
668
Vale destacar que o método lógico-abstrato ou dedutivo foi usado pelos clássicos.

Em outro sentido, os positivistas utilizavam o método indutivo. Essa divergência


doutrinária ficou conhecida como a LUTA DAS ESCOLAS.

Resumidamente, o estudo de ambas as escolas procurava responder os seguintes


questionamentos:

Qual a Qual a definição


responsabilidade (conceito) de
penal do crime?
criminoso?

O Criminoso é um Qual a definição


homem normal ou de Pena e quais
anormal? são são efeitos?

Evidentemente, além da grande divergência entre as duas grandes Escolas, outros modelos, mais ou menos
uniformes sobre a legitimidade do direito de punir foram se formando, paralelamente, durante a Luta das
Escolas. No entanto, não se pode olvidar que esses outros eventos tiveram a atenção tomada pela guerra
entre os clássicos e os positivistas.

Seja como for, convém destacar que isso não reduziu a importância destes outros momentos para a
Criminologia, sendo a maior prova disso, o estudo das Escolas Criminológicas. Falaremos sobre elas em aula
específica, porque agora, passaremos ao estudo da Escola Cartográfica e sua importância para a
Criminologia.

Vamos lá? Mas antes, veja como este tema já foi explorado em provas.

O Tema em provas

153
668
(FUMARC/DELEGADO DE POLÍCIA MG – 2018) “Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e
interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle
social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada,
sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema
individual e como problema social -, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo
e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de
resposta ao delito”. Esta apresentação ao conceito de Criminologia apresenta, desde logo, algumas
das características fundamentais do seu método (empirismo e interdisciplinaridade), antecipando o
objeto (análise do delito, do delinquente, da vítima e do controle social) e suas funções (explicar e
prevenir o crime e intervir na pessoa do infrator e avaliar os diferentes modelos de resposta ao
crime). MOLINA, Antônio G.P.; GOMES, Luiz F.; Criminologia; 6. ed. reform., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais. p. 32.
Sobre o método, o objeto e as funções da criminologia, considera-se:
I. A luta das escolas (positivismo versus classicismo) pode ser traduzida como um enfrentamento entre
adeptos de métodos distintos; de um lado, os partidários do método abstrato, formal e dedutivo (os
clássicos) e, de outro, os que propugnavam o método empírico e indutivo (os positivistas).
II. Uma das características que mais se destaca na moderna Criminologia é a progressiva
ampliação e problematização do seu objeto.
III. A criminologia, como ciência, não pode trazer um saber absoluto e definitivo sobre o
problema criminal, senão um saber relativo, limitado, provisional a respeito dele, pois, com o tempo
e o progresso, as teorias se superam.
Estão CORRETAS as assertivas indicadas em:
a. I e II, apenas.
b. I e III, apenas.
c. I, II e III.
d. II e III, apenas.

Gabarito: C

5.3.2 – A ruptura do positivismo criminológico

Pois bem, o método formalista da escola clássico provocou uma reação e, consequentemente, favoreceu o
aparecimento de uma nova orientação, que passa a focar, sobretudo, nas lacunas deixadas pelos clássicos,
a título de exemplo, podemos citar a comprovação da ineficácia acerca das concepções clássicas para
diminuir a criminalidade.

154
668
Em outro giro, são fatores que favoreceram, e muito, a ruptura do positivismo:

➔ Aplicação do método de observação ao estudo do homem;


➔ Novos estudos no campo das estatísticas dos fenômenos sociais, em especial a
contribuição de Quetelet, a qual demonstrou regularidade e uniformidade na quantidade
de crimes, pelo que era possível formular leis que os expressava com precisão.
➔ Novas ideologias políticas, as quais reconheciam que a proteção dos direitos dos
indivíduos havia ultrapassado os limites necessários e sacrificado os interesses da
coletividade.

Bem por isso, se compararmos os modelos, detectaremos pressupostos diametralmente opostos. Nesse
sentido, compilamos as principais diferenciações em nosso quadro sinóptico. Vejamos:

Diferenças Escola Clássica Escola Positivista


Enfoque no estudo Tinha o delito como ente jurídico Tinha o delito como entre um fato real,
da criminalidade abstrato. natural, empírico, histórico e concreto.
Concepção de delito Por sua orientação garantista, Entendiam que a essência do crime não
consentia com a definição legal de se esgotaria com a violação da norma
delito. jurídica, senão que havia necessidade de
elaborar um conceito natural de delito,
de base sociológica como sinônimo de
comportamento antissocial.
Figura do criminoso Estudavam a partir do binômio: delito Não havia delito, senão delinquente.
– pena. Voltavam, por isso, os olhos para o autor
do fato e não para o fato mesmo.
Dosagem de castigo deve ser mensurada
pela periculosidade do agente e não pela
gravidade do fato.
Determinismo Construía suas bases sobre o princípio Construía suas bases sobre o princípio do
do (in)determinismo. determinismo.
Defesa da - O positivismo eleva a defesa social como
prevenção especial fator essencial de fundamentação da
pena e deixa de lado a prevenção geral
em favor da prevenção especial guiada
por um sistema de medidas e
tratamentos de readaptação do
criminoso.

155
668
Destacada as principais diferenças entre ambas as escolas, passaremos à análise da Escola Cartográfica.

5.3.1 – A importância da Escola Cartográfica para a Criminologia e sua transição para a fase
científica da criminologia

A Escola Cartográfica teve especial colaboração para a consolidação do método adotado


ainda hoje pela Criminologia, tendo como principal figura Lambert Adolphe Quetelet (1796 – 1874).

Foi ele quem aproximou a disciplina da probabilidade. Por ser matemático, acreditava ser possível
compreender o comportamento humano delitivo recorrendo à probabilidade.

Vale destacar que o matemático estabeleceu premissas básicas que permitiam derivar leis gerais capazes de
explicar e predizer o comportamento delitivo. Em outras palavras, Quetelet considerava que leis físicas eram
capazes de medir o comportamento do homem médio.

Aponta a doutrina que o principal mérito da escola cartográfica diz respeito ao legado do método estatístico:
para alguns, o único válido para a Criminologia, para outros, um método criticável, mas inevitável. Mas não
é somente isso. Se observarmos as considerações de Quetelet e a compararmos com as anteriores
pseudociências, é possível identificar uma diferença primordial: ele foi o primeiro a encontrar uma explicação
social para a origem do comportamento criminoso.

Se agora unimos esses elementos, fica clara a relevância da escola cartográfica para a ciência
criminológica:

Romper com o modelo explicacional voltado unicamente para o autor do delito


para considerar a criminalidade como fenômeno social.

156
668
Noutros termos, a escola promove a transição de micro para a macrocriminologia e assenta as bases para a
sociologia criminal; aporta a utilização do método estatístico que, como fundamentado, é o mais utilizado
no campo da investigação36.

TAREFA 07 – LEGISLAÇÃO PENAL E PROCESSUAL ESPECIAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Do trabalho” até o final da aula.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

EXECUÇÃO PENAL. DO TRABALHO. DOS DEVERES, DOS DIREITOS E DA DISCIPLINA

DO TRABALHO

O trabalho, em sede de execução penal, tem caráter híbrido, pois a LEP estabeleceu o trabalho
interno do condenado como um dever (art. 39, V37) um direito (art. 41, II38), fazendo jus a uma remuneração.

O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, apresentará


finalidade educativa e produtiva, sempre visando à formação profissional do detido. Não confunda esse
dever social com a pena de trabalhos forçados, situação vedada pelo art. 5º, XLVII, “c”, da Constituição

36
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 50-51.

37 Art. 39 da LEP: Constituem deveres do condenado:

V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

38 Art. 41 da LEP: Constituem direitos do preso:

II – atribuição de trabalho e sua remuneração.

157
668
Federal. Guardem isso: Não se pode impor ao condenado trabalho com a imposição de castigos físicos ou
qualquer outro tipo de maus tratos.

Embora o trabalho do preso não seja submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.

O preso não faz jus a 13º salário, adicional de férias, férias, horas extraordinárias. Afinal de contas,
como já dito, preso não se submete à CLT.

Já disse que o trabalho interno do preso condenado é obrigatório (art. 39, V, da LEP). Assim, a LEP
considera falta grave à execução a recusa injustificada ao trabalho (art. 50, VI39).

Como toda regra há exceções. São 3 exceções:

• o condenado a crime político não está obrigado ao trabalho (art. 200 da LEP).

• o trabalho será facultativo ao condenado a pena de prisão simples que não exceda a 15 dias (art.
6º, §2º, Decreto-Lei de nº 3688/41). Lembrando que prisão simples é prevista apenas para as contravenções
penais.

• o preso provisório não está obrigado ao trabalho (art. 31, parágrafo único, da LEP).

O preso fará jus a remuneração em razão do trabalho prestado, podendo ainda usufruir dos
benefícios da Previdência Social.

39 Art. 50 da LEP: Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

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668
Chamo a atenção de vocês para destacar que a prestação de serviços à comunidade não será
remunerada. Motivo: Além da gratuidade ser inerente a essa atividade, observem que a prestação de serviço
à comunidade é espécie de pena restritiva de direitos (art. 46, §1º, do CP40 e art. 5º, XLVI, “d”, da CF41).

A LEP estabelece a remuneração mínima, que não poderá ser inferior a ¾ do salário mínimo.
Reparem que foi estabelecido o limite mínimo da remuneração do preso. Dessa forma, o preso pode ganhar
mais que ¾ do salário mínimo, mas nunca deve auferir renda menor que isso.

Questão: O estabelecido no art. 29, caput, da LEP é constitucional? O recebimento de ¾ do salário


mínimo pelo preso não viola a garantia de um salário-mínimo descrita no art. 7º, IV, da Constituição Federal?

A resposta é negativa. Como vimos, o trabalho do preso tem caráter educativo e produtivo, não
podendo ser equiparado ao labor prestado pelas pessoas que não cumprem sanção penal. Tanto assim o é
que os presos não se submetem às regras descritas na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). No
julgamento da ADPF de nº 336/DF, de relatoria do Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2021, decidiu que “o
patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no art. 29, caput, da Lei nº 7.210/84
(Lei de Execução Penal - LEP) não representa violação aos princípios da dignidade humana e da isonomia,
sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário-mínimo prevista no art. 7º, IV, da Constituição Federal”
(Informativo 1007 do STF)”

Em conformidade com a finalidade educativa e produtiva do trabalho, o produto da remuneração


deverá atender:

1) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados
por outros meios;
2) à assistência à família;
3) a pequenas despesas pessoais;
4) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção
a ser fixada e sem prejuízo da destinação previstas nas situações acima.

40Art. 46, §1º, do CP: A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas
gratuitas ao condenado.

41 Art. 5º, XLVI, da CF: A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

d) prestação social alternativa;

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668
E depois de tudo isso acima, se ainda sobrar algum dinheiro (fato praticamente impossível no mundo
real), tal quantia remanescente será destinada à constituição de pecúlio, mediante depósito em Caderneta
de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

O trabalho pode ser interno ou externo. Para ficar bem claro, trabalho interno é realizado no interior
do estabelecimento penal, enquanto o trabalho externo é o realizado extramuros, ou seja, fora do
estabelecimento prisional.

Em regra, o trabalho do preso será o interno. O condenado à pena privativa de liberdade está
obrigado ao trabalho na medida de sua capacidade e aptidões, segundo constatado no exame de
classificação. O preso também pode se capacitar por meio de curso profissionalizante.

Como já falado, o trabalho do preso provisório é facultativo. Todavia, se vier a trabalhar, situação
recomendável em razão do benefício da remição42, tal preso exercerá esse mister no interior do
estabelecimento. Em resumo, para preso provisório há previsão apenas de trabalho interno.

Percebam que para a escolha do trabalho do preso, a LEP traçou 4 critérios: a habilitação, a condição
pessoal, as necessidades futuras do preso e as oportunidades oferecidas pelo mercado.

O objetivo maior desse trabalho não é apenas manter o preso ocupado para fins de disciplina interna,
mas sim preparar a reinserção do preso no mercado de trabalho quando estiver em liberdade, ou seja, há
uma preocupação com o futuro profissional desse preso, devendo ser aproveitada a experiência profissional
e profissionalizante adquirida no estabelecimento penal. Com isso, a LEP determina que deve ser evitado o
artesanato sem valor comercial, salvo naquelas regiões de turismo.

A LEP também se preocupa com o trabalho do preso idoso e deficiente. Os maiores de 60 anos
poderão solicitar ocupação adequada à sua idade. Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão
atividades apropriadas ao seu estado.

A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 nem superior a 8 horas, com descanso nos
domingos e feriados.

42 Art. 126, caput, da LEP: O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por
trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

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Os presos que trabalham em serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal
podem ter horário especial de trabalho, inclusive aos domingos e feriados. Exemplos: Faxineiro, cozinheiro,
etc...

Em atenção ao ideal ressocializador, o trabalho apresenta como objetivo a formação profissional do


condenado, podendo ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa.
Nesse caso, a entidade gerenciadora deve promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos
empresariais, encarregar-se da sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive o pagamento da
remuneração adequada.

Se não for possível a venda do produto do trabalho do preso a particulares, os órgãos da


Administração Direta ou Indireta da União, Estados, Territórios, Distrito Federal e dos Municípios, com
dispensa de licitação, adquiram tais produtos, caso em que o dinheiro arrecado será revertido em favor da
fundação ou empresa pública incumbida do gerenciamento ou, na sua falta, ao estabelecimento penal a que
pertencer o preso (art. 35 da LEP).

Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para
implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.

Se a regra é o trabalho interno, a exceção é o trabalho externo.

Podem exercer o trabalho externo tanto os presos do regime fechado como os do semiaberto.

Os presos no regime fechado somente podem exercer trabalho externo em serviço ou obras públicas
realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que adotadas as
cautelas contra fugas e mantida a disciplina. Todavia, o limite máximo de número de presos será de 10% do
total de empregados na obra.

Caberá ao órgão da Administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse


trabalho.

O trabalho externo do condenado em regime fechado se dá mediante o cumprimento de requisitos


objetivo e subjetivo:

Requisito Objetivo – Cumprimento mínimo de 1/6 da pena.

Requisito Subjetivo – demonstração de aptidão para o trabalho, disciplina e responsabilidade.

Essa autorização para o trabalho externo em regime fechado dispensa autorização judicial, sendo
suficiente a concordância do diretor do estabelecimento penal. Todavia, eventual negativa do diretor do

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668
presídio pode ser questionado no Poder Judiciário, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da
jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF)

OBS: Quando o trabalho externo for realizado em entidade privada haverá a necessidade de
consentimento expresso do preso.

De acordo com o art. 37, § único, da LEP, ocorrerá a revogação da autorização do trabalho externo
ao preso que vier a praticar fato definido como crime (não necessitando sequer da instauração do processo),
for punido por falta grave ou apresentar comportamento incompatível com a medida.

DOS DEVERES, DOS DIREITOS E DA DISCIPLINA

A execução penal é uma relação jurídica estabelecida entre Estado (detentor do direito de punir e
executar a pena) e o preso/internado marcada pela existência de direitos e obrigações para ambas as partes.

DEVERES

O condenado definitivo à pena privativa de liberdade ou restritivas de direitos e o preso provisório


devem obediência à disciplina carcerária, sendo informados, no momento que ingressam no sistema
penitenciário, das regras de disciplina vigentes.

Se, por acaso, ocorrer o descumprimento de norma disciplinar, o condenado poderá sofrer sanção
disciplinar, devendo essa transgressão (falta) estar previamente descrita em lei ou regulamento, não
podendo tal penalidade, colocar em perigo a integridade física e moral do condenado.

O art. 39 da LEP elenca esses deveres em 10 incisos. Vejamos:

I - Comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;


II - Obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa como quem deva relacionar-se;
III – urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;
IV – conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à
disciplina;
V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;
VI – submissão à sanção disciplinar imposta;
VII – indenização à vítima ou aos seus sucessores;
VIII – indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção,
mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;
IX – higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;

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X – conservação dos objetos de uso pessoal;

Chamo a atenção de vocês para destacar os incisos II (obediência ao servidor e respeito a qualquer
pessoa com quem deva relacionar-se) e V (execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas).
Motivo: O seu descumprimento acarreta punição por falta grave (art. 50, VI, da LEP).

DIREITOS

O respeito à integridade física e moral dos presos tem previsão constitucional (art. 5º, III, da CF).

No plano infraconstitucional, o art. 38 do CP assevera que o preso conserva todos os direitos não
atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e
moral. No mesmo sentido, o art. 40 da LEP ratifica que essas imposições devem ser observadas por todas as
autoridades e atingem presos definitivos e provisórios.

Dito isso, é correto afirmar que o privado da liberdade ainda figura como sujeito de direitos, tendo a
LEP, em seu art. 41, apresentado um rol exemplificativo desses direitos, pois há inúmeros direitos espalhados
em outros diplomas (Convenção Americana de Direitos Humanos, Regras mínimas da ONU para tratamento
de reclusos – Regras de Mandela43, etc...). Vejamos os direitos do art. 41 da LEP.

I – alimentação suficiente e vestuário;


II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – Previdência Social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI – exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que
compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da individualização da pena.

43Regras de Mandela é a atualização das regras mínimas da ONU para tratamento de presos (1955), que se se deu no
ano de 2015, em reunião na África do Sul, recebendo daí o novo nome do documento internacional.

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668
XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito.
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios
de informação que não comprometam a moral e os bons costumes;
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena de responsabilidade da autoridade
judiciária competente.

Alguns direitos podem ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado pelo Diretor do
estabelecimento. São 3 direitos que podem sofrer isso, quais sejam, incisos V (proporcionalidade na
distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação), X (visita do cônjuge, da companheira, de
parentes e amigos em dias determinados) e XV (contato com o mundo exterior por meio de correspondência
escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes).

DISCIPLINA

A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades


e seus agentes e no desempenho do trabalho. Estão sujeitos a esse regime disciplinar tanto os condenados
à pena privativa de liberdade ou restritivas de direito como o preso provisório. O não acatamento dessas
regras de conduta gerará a imposição de faltas disciplinares.

Reparem que o art. 44, § único, da LEP não faz menção aos submetido à medida de segurança.
Motivo: Se eles não possuem discernimento para se submeter a uma pena, não deve, pelo mesmo motivo,
sujeitar-se as normas disciplinares, porém será exigido o atendimento mínimo à preservação da ordem.

Para que possa existir uma convivência harmoniosa no ambiente carcerário foram previstas regras
disciplinares com o objetivo de manter a ordem no interior do estabelecimento penal. Para tanto, o
condenado ou denunciado, no início da execução da pena ou da prisão, será cientificado das normas
disciplinares.

A atividade disciplinar, por apresentar caráter administrativo, em regra, será exercida pelo Diretor
do estabelecimento penal.

Os princípios da anterioridade e da legalidade também estão previstos na seara disciplinar


da Lei de Execução Penal. Motivo: Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e
anterior previsão legal e regulamentar. Essas sanções não podem colocar em perigo a
integridade física e moral do condenado. A LEP ainda veda de maneira expressa o emprego
de cela escura (A “solitária” é expressamente vedada pela LEP. Afinal de contas, a CF veda a
imposição de pena cruel – art. 5º, XLVII, “e”, da CF), bem como a aplicação de sanções
coletivas (o que afrontaria o princípio constitucional da individualização da pena – art. 5º, XLVI, da CF).

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668
A atividade disciplinar nas penas privativas de liberdade, por apresentar caráter administrativo, em
regra, será exercida pelo Diretor do estabelecimento penal, em conformidade com as disposições
regulamentares, sendo inadmissível qualquer espécie de delegação.

Nas penas restritivas de direito, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a
que estiver sujeito o condenado.

Com isso, vale destacar que não há necessidade de informar o Juízo da Execução acerca da imposição
de sanções disciplinares, salvo na prática de faltas consideradas graves.

Nas faltas graves, a autoridade administrativa deve informar o Juízo da execução para os fins de
regressão de regime (art. 118, I, da LEP), revogação de saídas temporárias (art. 125 da LEP), perda dos dias
remidos (art. 127 da LEP) e conversão da pena restritivas de direitos em privativa de liberdade (art. 181,
§§1, “d” e 2º, da LEP).

São classificadas as faltas disciplinares em graves, médias e leves.

As condutas contrárias às normas disciplinares recebem o nome de faltas disciplinares. Pune-se a


tentativa com a sanção correspondente à falta consumada.

As faltas médias e leves, assim como suas sanções correspondentes, são descritas em estatutos
penitenciários (legislação estadual). Já as faltas graves estão descritas em rol taxativo na LEP, não
admitindo interpretação extensiva.

Observem ainda que a competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente, nos
exatos termos do art. 24, I, da CF.

O art. 50 da LEP elenca um rol taxativo de faltas graves praticadas durante o cumprimento da pena
privativa de liberdade. Vejamos os 8 incisos:

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;


II – fugir;
III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;
IV – provocar acidade de trabalho;
V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei;
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a
comunicação com outros presos ou com ambiente externo.

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VIII - recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. (Incluído pela Lei nº
13.964/19)44

Além das hipóteses do art. 50 da LEP, é também previsto como falta grave a prática de fato definido
como crime doloso (art. 52, caput, da LEP45). Ainda sobre esse assunto, vale a pena destacar o teor da súmula
526 do STJ: O reconhecimento de falta grave decorrente de fato definido como crime doloso no
cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal
instaurado para a apuração do fato.

Para a apuração da falta grave é imprescindível a instauração de procedimento administrativo


disciplinar, com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo ainda assegurado ao
preso a assistência de um advogado (constituído ou dativo) ou um integrante da Defensoria Pública para a
realização de sua defesa técnica. Esse é o teor da súmula 533 do STJ: Para o reconhecimento da prática de
falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo
pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado
constituído ou defensor público nomeado.

A regra geral foi muito bem estabelecida na súmula 533 do STJ. Contudo, o Supremo Tribunal Federal,
nos autos do RE de nº 972598, julgado em 04/05/2020 (Repercussão Geral – Tema 941), firmou o
entendimento de que a oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação
realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento
Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica
no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena.

Diante da lacuna desse tema na LEP, os Tribunais Superiores firmaram o entendimento que deve ser
levado em conta o menor prazo prescricional previsto na tabela do art. 109 do Código Penal, qual seja, o
prazo de 3 anos (art. 109, inciso VI, do CP). O termo inicial desse prazo é data da consumação da infração
disciplinar. Só lembrando que no caso de fuga do estabelecimento penal (art. 50, II, da LEP), falta disciplinar

44
Essa infração administrativa sofre severas críticas da doutrina, eis que ninguém é obrigado a produzir prova contra si
mesmo (nemo tenetur se detegere)

45Art. 52, caput, da LEP: “A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar
subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem
prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

166
668
de natureza permanente, o termo inicial será a data da recaptura do preso, ocasião em cessa a permanência,
em conformidade com o art. 111, III, do CP.

A LEP, em seu art.51, também previu falta grave para o condenado no cumprimento da pena
restritiva de direitos nas seguintes hipóteses:

I – descumprir, injustificadamente, a restrição imposta;


II – retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta;
III – inobservar os deveres previstos nos incisos II (obediência ao servidor e respeito a qualquer
pessoa com quem deva relacionar-se) e V (execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas),
do artigo 39, da LEP.

As faltas médias e leves estão descritas na legislação estadual do respectivo ente federativo.

SANÇÕES

As sanções disciplinares estão num rol taxativo do art. 53 da LEP:

I - advertência verbal;
II - repreensão;
III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único);
IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento
coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei (o condenado será alojado em cela individual que
conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório);
V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.

OBS: A advertência e a repreensão são admoestações feitas ao preso. Todavia, a segunda difere da
primeira por ser sempre escrita e não verbal.

Só lembrando que as faltas tentadas terão a mesma sanção das faltas consumadas (art. 49, § único,
da LEP).

As sanções dos incisos I a IV serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento. A
sanção do inciso V (regime disciplinar diferenciado) será por decisão judicial.

A autorização para a inclusão de preso em regime disciplinar dependerá de requerimento


circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.

A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do
Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias.

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A aplicação de sanção disciplinar deve nortear-se por critérios de individualização em que se
considerem a natureza, os motivos determinantes, as circunstâncias e as consequências do fato praticado,
bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão (LEP, art. 57).

Nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos incisos III a V do art. 53 da LEP: a) suspensão
ou restrição de direitos; b) isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que
possuam alojamento coletivo, observado o disposto no art. 88 da LEP; c) inclusão no regime disciplinar
diferenciado.

O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a 30


dias, ressalvada a hipóteses do regime disciplinar diferenciado. O isolamento será
sempre comunicado ao Juiz da Execução.

O regime disciplinar diferenciado (RDD) só pode ser determinado pelo juiz e terá duração máxima de até
2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie. (Falarei adiante
sobre o RDD)

As faltas leves e médias são punidas com advertência ou repreensão. Já as faltas graves autorizam
a imposição de suspensão ou restrição de direitos, isolamento em cela ou local adequado ou inclusão no
RDD (regime disciplinar diferenciado).

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (art. 52 da LEP)

Origem: O regime disciplinar diferenciado deita suas raízes na resolução de nº 26/2001 da Secretaria
de Administração do Estado de São Paulo (SAP) como forma de dar um tratamento mais rigoroso às facções
criminosas atuantes nos estabelecimentos prisionais paulistas. Em seguida, mais precisamente no ano de
2003, ingressou no ordenamento jurídico a Lei nº10.792/03 para inserir tal infração disciplinar no rol das
sanções estabelecidas na Lei de Execução Penal.

O regime disciplinar diferenciado (RDD) é uma sanção disciplinar aplicável aos presos condenados ou
provisórios, nacional ou estrangeiro. O RDD tem cabimento em 3 situações:

• com a prática de fato previsto como crime doloso, que constitui falta grave, desde que ocasione subversão
da ordem ou disciplina internas, sem prejuízo da sanção penal correspondente (art. 52, caput, da LEP);

• quando o preso apresentar alto risco para a ordem ou a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade (art. 52, §1º, da LEP).

168
668
• quando existirem fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do preso provisório ou condenado,
a qualquer título, em organizações criminosas, associação criminosa ou milícia privada,
independentementeda prática de falta grave (art. 52, §2º, da LEP, com redação dada pela Lei nº 13.964/19).

Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa
ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime
disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal (art. 52,
§3º, da LEP, com redação dada pela Lei nº 13.964/19). Nessa situação, o regime disciplinar diferenciado
deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se
evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
ou de grupos rivais.

O RDD somente pode ser aplicado pelo juiz da execução penal, em decisão fundamentada, no prazo
de 15 dias, após prévia manifestação do MP e da defesa.

Quem pode requerer a inclusão no RDD?

De acordo com a LEP, o RDD deve ser pleiteado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade
administrativa (Ex: Secretário Estadual de Administração Penitenciária). Não cabe o magistrado aplicar o RDD
de ofício. Ao observar o art. 68, II, “a”, da LEP46, cremos que o MP, órgão de execução que é, também pode
pleitear o RDD. Ao observar o art. 68, II, “a”, da LEP47, cremos que o MP, órgão de execução que é, também
pode pleitear o RDD.

Características do RDD:

a) Duração máxima de 2 anos, sem prejuízo de repetição dessa sanção em caso de cometimento de
nova falta grave da mesma espécie. OBS: No caso de preso provisório, ainda sem pena fixada,
será levada em conta a pena mínima cominada para o delito. Repare ainda que essa sanção pode

46
Art. 68 da LEP. Incumbe, ainda, ao Ministério Público: II - requerer: a) todas as providências necessárias ao
desenvolvimento do processo executivo

47
Art. 68 da LEP. Incumbe, ainda, ao Ministério Público: II - requerer: a) todas as providências necessárias ao
desenvolvimento do processo executivo

169
668
ser imposta de forma repetida, sem a imposição de limites, tantas vezes forem as faltas graves
cometidas;

b) Recolhimento em cela individual;

c) Visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para
impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro,
autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas. Essa visita será gravada em sistema de
áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário. Após
os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber essa visita
poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da
família, 2 (vezes) por mês e por 10 (dez) minutos.

De acordo com as Regras de Mandela, em seu preceito 106, o Estado deve velar para se
mantenham e melhorem as boas relações entre o preso e sua família, visando sempre o melhor
interesse de ambos. No mesmo sentido, vale lembrar que o ECA, em seu art. 19, §4º, enaltece a
convivência da criança e do adolescente com a mãe ou pai privado da liberdade, por meio de
visitas periódicas promovidas pelo responsável, independentemente de autorização judicial.

d) Direito do preso de sair da cela por 2 horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro)
presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso.

e) Entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas
para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em
contrário;

f) Fiscalização do conteúdo da correspondência;

g) Participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a


participação do defensor no mesmo ambiente do preso.

Prorrogação do RDD – Com o advento da Lei nº 13.964/19, restou expressamente estabelecido a


prorrogação sucessiva do RDD, por períodos de 1 ano, existindo indícios de que o preso: I - continua
apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade;
II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados
também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do
grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.

170
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É possível a inclusão preventiva do preso no regime disciplinar diferenciado (RDD), no interesse da
disciplina e da averiguação do fato, por decisão do juiz competente, sem a necessidade de ouvir o MP para
deferir essa medida cautelar baseada no fumus boni iuris e periculum in mora, conforme autoriza o art. 60
da LEP. Tanto o isolamento como o tempo de inclusão preventiva no RDD serão computados no período de
cumprimento da sanção disciplinar. Decorrido o prazo de 10 dias, se não for decretada a inclusão definitiva
no RDD, o preso retorna ao cumprimento normal da pena no cárcere. Atenção total agora! Não confunda a
inclusão preventiva no RDD com o isolamento preventivo, que pode ser determinado pelo diretor do
estabelecimento, pelo prazo de 10 dias.

PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento administrativo disciplinar (PAD)
pelo diretor do estabelecimento para a sua apuração, com observância do contraditório e da ampla defesa,
devendo a defesa técnica ser realizada por advogado ou defensor público (Súmula 533 do STJ). A decisão
será motivada.

RECOMPENSAS

Já vimos que o mau comportamento do preso durante a execução penal autoriza a imposição de
sanção disciplinar. De outro lado, o bom comportamento também mereceu atenção da LEP, com a previsão
de benefícios chamados de recompensas como forma de incentivar tal comportamento durante o
cumprimento da pena.

Então, as recompensas têm em vista o bom comportamento reconhecido em favor do condenado,


de sua colaboração com a disciplina e de sua dedicação ao trabalho.

Essas benesses chamadas de recompensas são divididas em 2 modalidades:

• Elogio

• Regalias. A legislação local (estatutos penitenciários) e os regulamentos estabelecerão a natureza


e a forma de concessão de regalias. É evidente que a concessão dessas regalias não pode frustrar os
objetivos da Lei de Execução Penal, tampouco conceder privilégios inaceitáveis. Impõe-se também a
observância do princípio da legalidade quando da concessão de recompensas. Exemplo de recompensa:
visita íntima.

TAREFA 08 – DIREITO CIVIL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

171
668
Das Pessoas Jurídicas: Personalidade, Classificação e Associações.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

II. PESSOAS

2. PESSOAS JURÍDICAS
O que é pessoa jurídica? As pessoas jurídicas, coletivas, abstratas, fictas ou mesmo morais, são entidades
que conglobam pessoas, bens ou ambos (pessoas + bens). Elas são aptas a titularizar relações jurídicas de
maneira bastante ampla e, por isso, as pessoas jurídicas têm personalidade jurídica, como as pessoas físicas
ou naturais.

E quais são as características da pessoa jurídica? Depende do autor que você escolher, mas posso indicar, a
partir de diversas obras, as seguintes, mais importantes do ponto de vista prático:

a. Capacidade de direito e capacidade de fato;


b. Estrutura organizativa;
c. Objetivos comuns dos membros que a formam;
d. Patrimônio próprio e independente dos membros que a formam;
e. Publicidade de sua constituição, dado que, diferente da pessoa natural, a pessoa jurídica não
tem “nascimento” propriamente dito.

A pessoa jurídica é, portanto, titular de direito e deveres na ordem civil, como remete o art. 1º do CC/2002.
Seus direitos e obrigações certamente não são os mesmos que os da pessoa natural. Pessoa jurídica não vota
e não tem liberdade sexual, mas tem alguns direitos de personalidade (e sofre dano moral), direitos
obrigacionais (pode contratar livremente), direitos reais (pode ser proprietária de bens) e mesmo direitos
sucessórios (pode receber bens mortis causa).

A Lei 13.874/2019, sumarizando essas características, modificou o CC/2002 para incluir o art. 49-A. Segundo
a norma, a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Por isso, a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação
de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de
empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos (parágrafo único).

172
668
2.1. PERSONALIDADE
Diversas teorias foram criadas ao longo do tempo para justificar a pessoa jurídica. Segundo a Teoria da
Realidade Técnica, adotada pelo CC/2002, soma da Teoria da Ficção e da Teoria da Realidade
Orgânica/Objetiva, a pessoa jurídica resulta de um processo técnico, a personificação, que depende da lei.
Assim, a pessoa jurídica é uma realidade, ainda que técnica, produzida pelo Direito, a partir de uma forma
jurídica.

Essa teoria, por conta do Positivismo Jurídico, é a teoria mais aceita. Atualmente, ela se encontra no art. 45
do CC/2002, que assim dispõe:

Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato
constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação
do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato
constitutivo.

Assim, cumpridos os atos exigidos por lei, a pessoa jurídica passa a existir, como se pessoa fosse (no sentido
de ser humano). A esse processo se dá o nome de personificação, que nada mais é do que dotar de
personalidade jurídica algo que não tem personalidade ainda, para que esse algo possa se tornar uma
pessoa. Ou seja, a personificação constitui a pessoa jurídica.

2.2. CLASSIFICAÇÃO
Quais são as pessoas jurídicas trazidas pelo CC/2002? São duas classificações:

• Pessoa jurídica nacional ou interna


Quanto à nacionalidade • Pessoa jurídica estrangeira ou externa

• Pessoa jurídica de direito público


Quanto à capacidade/função • Pessoa jurídica de direito privado

Quanto à primeira classificação, não há dificuldade, sendo as nacionais aquelas organizadas em


conformidade com a lei brasileira e sediadas no país. Já as estrangeiras, apesar de organizadas conforme a
lei alienígena e sediadas em Estado estrangeiro, só podem funcionar aqui se tiverem autorização do Poder
Executivo.

Já a segunda classificação é mais complexa e atende à distinção prevista no art. 40. As pessoas jurídicas de
direito público são regidas por regime jurídico de direito público, típico do Direito Administrativo, e as
pessoas jurídicas de direito privado são regidas por regime jurídico de direito privado, típico do Direito
Civil/Empresarial.

173
668
No entanto, antes de adentrar essa classificação, é relevante apontar um grupo um tanto sui generis de
pessoas e bens que se reúnem sem se submeter ao regime legal determinado às pessoas jurídicas. Esses
entes, apesar de se assemelharem em maior ou menor grau às pessoas jurídicas, pessoas jurídicas não são,
curiosamente...

A. Grupos não personificados

São mero agrupamento de pessoas e/ou bens, sem que cheguem a constituir pessoas jurídica.
No entanto, possuem direitos e obrigações muito semelhantes às pessoas jurídicas, sendo
que alguns desses grupos, de maneira bastante contraditória, possuem até mesmo CNPJ (que,
como o próprio nome diz, é o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas), como é o caso do
condomínio.

A relevância dos entes despersonalizados, em termos jusprivatísticos, está no direito processual, pois, apesar
de não terem personalidade jurídica, e, portanto, capacidade jurídica, possuem capacidade processual,
exercida mediante representação processual.

Quem são esses grupos despersonalizados? Eles aparecem no art. 75 do CPC, que estabelece que serão eles
representados em juízo, ativa e passivamente, por um representante:

174
668
1. A massa falida

• Pelo administrador judicial

2. A herança jacente ou vacante

• Por seu curador

3. O espólio

• Pelo inventariante

4. A sociedade e a associação irregulares/de fato

• Pela pessoa a quem couber a administração de seus bens

5. O condomínio

• Pelo administrador ou síndico

6. Outros entes organizados sem personalidade jurídica

• Pela pessoa a quem couber a administração de seus bens

A questão, certamente, está longe de se pacificar, mas o entendimento majoritário, doutrinário e


jurisprudencial é de que o condomínio também é um ente sem personalidade jurídica.

B. Pessoas jurídicas de direito público

Os arts. 41 e 42 do CC/2002 classificam as pessoas jurídicas de direito público da seguinte forma:

175
668
PJ de Direito Público Interno PJ de Direito Público Externo

Estados da comunidade
União
internacional
Demais pessoas regidas pelo
Estados
Direito Internacional Público

Municípios

Distrito Federal

Territórios

Autarquias

Associações Públicas

Fundações Públicas

Demais entidades de caráter


público criadas por lei

O último caso, das pessoas jurídicas de direito público interno, elucida bem uma distinção fundamental entre
as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado. Aquelas são criadas,
habitualmente, por lei. Exemplo são as fundações criadas por lei – também chamadas de fundações
autárquicas –, que são pessoas jurídicas de direito público. Por quê? Porque são “entidades de caráter
público criadas por lei”.

Cuidado com o art. 41, parágrafo único! As pessoas jurídicas de direito público interno que
tiverem estrutura de direito privado serão regidas pelas regras do Direito Privado. Ou seja,
apesar de serem públicas são tratadas como se privadas fossem. Ainda assim, há diferenças,
analisadas pelo Direito Administrativo.

É o caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista. O Direito Administrativo
as chama de “pessoas jurídicas de direito privado”, já que têm regime jurídico de direito privado. O Direito
Civil as chama de “pessoas jurídicas de direito público com estrutura de direito privado”, já que foram criadas
pelo Estado, mas adotaram uma estrutura de direito privado, ou seja, regime jurídico de direito privado.

O Enunciado 141 da III Jornada de Direito Civil esclarece que, para além dessas pessoas jurídicas,
as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado,
mencionadas pelo art. 41, parágrafo único, são as fundações públicas e os entes de fiscalização
do exercício profissional, como o CFM (uma autarquia) ou a OAB (uma entidade sui generis,
como definiu o STF na ADI 3.026/DF).

176
668
C. Pessoas jurídicas de direito privado

O art. 44 do CC/2002 classifica as pessoas jurídicas de direito privado. Atente porque, segundo o Enunciado
144 da III Jornada de Direito Civil, a relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44 não
é exaustiva (rol taxativo ou numerus clausus); trata-se de rol meramente exemplificativo (numerus apertus).

Eis o rol das pessoas jurídicas de direito privado trazido pelo Código e pelas leis especiais:

177
668
2. Sociedades (art. 44, inc. II)
1. Associações (art. 44, inc. I) Reunião de pessoas e bens ou serviços com
Pessoas jurídicas de direito privado formadas objetivo econômico e partilha de resultados,
para fins não econômicos ou seja, têm natureza eminentemente
lucrativa

4. Organizações religiosas (art. 44, inc. IV)


3. Fundações (art. 44, inc. III)
Têm por objetivo a união de leigos para o culto
Complexo de bens. Curiosamente, são pessoas
religioso, assistência ou caridade. Por isso, não
jurídicas sem quaisquer pessoas
podem ter fim econômico, segundo
físicas/naturais em sua instituição
estabelece o art. 53

6. Empresas Individuais de Responsabilidade


5. Partidos políticos (art. 44, inc. V) Limitada - EIRELIs (art. 44, inc. VI)
Associações com ideologia política, cujos Segundo o Enunciado 469 do CJF, a EIRELI não
membros se organizam para alcançar o poder é sociedade, mas novo ente jurídico
político e satisfazer os interesses de seus personificado
membros

7. Sindicatos (art. 8º da CF/1988 e art. 511 da


CLT) 8. Empresas públicas (art. 5º, inc. II do
Associações de defesa e coordenação dos Decreto-Lei 200/1967)
interesses econômicos e profissionais de São empresas que sempre têm patrimônio
empregados, empregadores e trabalhadores próprio e capital exclusivo da União
autônomos

10. Cooperativas (art. 1º da Lei 5.764/1971)


9. Sociedades de Economia Mista (art. 5º, inc.
III do Decreto-Lei 200/1967) São um conglomerado de pessoas que
reciprocamente se obrigam a contribuir com
Sociedades constituídas sob a forma de S.A. e
bens ou serviços para o exercício de uma
com maioria do capital votante da União ou
atividade econômica, de proveito comum, sem
da Administração Indireta
objetivo de lucro

Esclarece o Enunciado 142 do CJF que os partidos políticos, os sindicatos e as associações religiosas, por
terem natureza associativa, são classificados como pessoas jurídicas de direito privado. Por isso, aplica-se a
elas o Código Civil. Evidentemente que a legislação trabalhista (art. 8º da CF/1988 e arts. 511 e seguintes da
CLT) traz disposições específicas a respeito dos sindicatos; bem como o faz a legislação eleitoral (art. 17 da
CF/1988 e Lei 9.096/1995, a Lei dos Partidos Políticos), no tocante aos partidos políticos.

178
668
Quanto às organizações religiosas, sua criação, organização e funcionamento não podem sofrer
intervenção estatal, prevê o art. 44, §1º.

Ainda no esmaecimento entre as fronteiras do Direito Público e do Direito Privado, há o Terceiro Setor.
Determinadas pessoas jurídicas compõem aquilo que se convencionou chamar de Terceiro Setor, que nada
mais é do que uma parcela das atividades do interesse do Poder Público a cargo do setor privado, sem a
necessidade de concessão ou de outras medidas de cunho administrativo geralmente utilizadas nesses casos.

Notabilizam-se as ONGs, Organizações Não-Governamentais, cuja atuação tende à filantropia. Na esteira


desse raciocínio existem dois títulos que podem ser dados a determinadas pessoas jurídicas de direito
privado:

1. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP: previstas no art. 1º da Lei 9.790/1999, são
organizações da sociedade civil de interesse público;

2. Organizações Sociais – OS: previstas no art. 1º da Lei 9.637/1998, são organizações cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio
ambiente, à cultura e à saúde;

3. Organizações da Sociedade Civil – OSC: previstas no art. 2º, inc. I, da Lei 13.019/2014, são organizações
se dirigem à consecução de finalidades de interesse público em regime de mútua cooperação, por meio de
termos de fomento ou em acordos de cooperação.

Elas nada mais são do que qualificações dadas pelo Poder Público a determinadas pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, para que possam receber recursos da Administração Pública para a consecução
de seus objetivos. Ou seja, as OSCIP, OS e as OSC não são pessoas jurídicas propriamente ditas, mas
qualificação dada a determinadas pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos! Para fazer jus ao
recebimento dessa qualificação, a pessoa jurídica interessada deve comprovar uma série de requisitos.
Cumpridos essas exigências, a pessoa jurídica pode habilitar-se à qualificação pretendida.

Como disse mais acima, o nascimento da pessoa jurídica depende de um ato formal, já que ela
“naturalmente” não existe. Esse ato é o registro do ato constitutivo, consoante regra do art. 45 do CC/2002.
Mas o que é necessário para o registro? O art. 46 estabelece quais são os requisitos gerais do registro, em
seus incisos:

I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;


II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e
extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

179
668
A partir daí, a pessoa jurídica precisa ser administrada. Caso ela tenha administração coletiva, as decisões
se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso (art.
48). E se essas decisões violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude?
Nesse caso, determina o parágrafo único que é possível anulá-las no prazo (imprecisamente chamado de)
decadencial de 3 anos.

Na hipótese de não existir, por qualquer razão, administrador à pessoa jurídica, o juiz, a requerimento de
qualquer interessado, nomeará um administrador provisório, ad hoc, permite o art. 49. Se a “crise” da pessoa
jurídica se agravar e ela for dissolvida ou cassada sua autorização de funcionamento, ela subsiste para os fins
de liquidação, até que esta se conclua (art. 51).

Veja que aqui, efetivamente, ocorrerá a despersonificação ou despersonalização da


pessoa jurídica, conceito esse completamente distinto da desconsideração da
personalidade jurídica. A primeira situação abarca a extinção, dissolução da pessoa
jurídica, ao passo que a segunda trata do abandono da regra de cisão patrimonial
entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que dela fazem parte.

Essa liquidação será averbada no registro da pessoa jurídica (§1º), aplicando-se as disposições a respeito das
sociedades, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado (§2º). Com o encerramento da
liquidação, promove-se finalmente o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica (§3º); somente nesse
momento a pessoa jurídica é extinta, deixando de existir no plano jurídico.

O art. 52, por fim, estabelece que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos
direitos da personalidade. A extensão dos direitos da personalidade à pessoa jurídica depende,
obviamente, da possibilidade de a pessoa jurídica poder ser titular de determinados direitos e
obrigações.

O Código detalha diversas espécies de pessoas jurídicas, mas são relevantes aqui apenas as
associações e as fundações.

2.3. ASSOCIAÇÕES
As associações são pessoas jurídicas de direito privado formadas para fins não econômicos,
conforme estabelece o art. 53 do CC/2002. Veja que nada impede que as associações
desenvolvam atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa, evidentemente
(Enunciado 534 da VI Jornada de Direito Civil).

Consequentemente, o parágrafo único do art. 53 prevê que não há, entre os associados, direitos
e obrigações recíprocos. Não confunda esse dispositivo com a possiblidade de haver direitos e obrigações
recíprocos entre o associado e a associação; não há entre os associados em si! Os requisitos da associação
encontram-se no art. 54:

I - a denominação, os fins e a sede da associação;

180
668
II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III - os direitos e deveres dos associados;
IV - as fontes de recursos para sua manutenção;
V - o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;
VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

Todos esses requisitos devem estar contidos no Estatuto Social. Esse Estatuto pode prever categorias de
associados com vantagens especiais, mas todos eles devem ter iguais direitos (art. 55 do CC/2002). Por isso,
nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função, a não ser nos casos e pela forma
previstos na Lei ou no Estatuto (art. 58 do CC/2002).

A possibilidade de instituição de categorias de associados com vantagens especiais admite a atribuição de


pesos diferenciados ao direito de voto, desde que isso não acarrete a sua supressão em relação a matérias
previstas no art. 59 (destituição de administradores e alteração do estatuto).

O Estatuto ainda tem de prever normas de admissão e a possibilidade de demissão dos


associados. A exclusão do associado só é admissível se houver justa causa, assim reconhecida
em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no
estatuto, conforme estabelece o art. 57.

O art. 59 estabelece que é de competência privativa da assembleia geral, especialmente


convocada para esse fim, a destituição dos administradores e a alteração do estatuto. O quorum será fixado
no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.

(MPT / MPT – 2015) Acerca das disposições sobre associações no Código Civil, assinale a alternativa
INCORRETA:
a) Os associados devem ter direitos iguais, mas o estatuto poderá instituir categoria com vantagem
especial.
b) A exclusão de associado é feita de acordo com os estatutos, que é soberano para estabelecer o
procedimento que entender adequado.
c) Compete privativamente à assembleia geral, especialmente convocada para esse fim, destituir os
administradores.

181
668
d) Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido
legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto.
e) Não respondida.
Comentários
A alternativa A está correta, na literalidade do art. 55: “Os associados devem ter iguais direitos, mas o
estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais”.
A alternativa B está incorreta, como se extrai do art. 57: “A exclusão do associado só é admissível
havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso,
nos termos previstos no estatuto”.
A alternativa C está correta, na conjugação do art. 59, inc. I (“Compete privativamente à assembleia
geral destituir os administradores”) com seu parágrafo único (“Para as deliberações a que se referem
os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembleia especialmente convocada para esse
fim, cujo quórum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos
administradores”).
A alternativa D está correta, conforme o art. 58: “Nenhum associado poderá ser impedido de exercer
direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma
previstos na lei ou no estatuto”.
Ademais, a convocação dos órgãos deliberativos também deve ser feita na forma do estatuto, prevê o
art. 60. Fica garantido, de qualquer forma, a 1/5 dos associados o direito de promovê-la.

A qualidade de associado é, em regra, intransmissível. No entanto, o art. 56 permite que


o estatuto disponha em contrário. Atente, porém, para a previsão do parágrafo único sobre
o elemento patrimonial da associação. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do
patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da
qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.

O art. 44, §2º estabelece que as disposições concernentes às associações se aplicam subsidiariamente às
sociedades empresariais. Minudencia o Enunciado 280 da IV Jornada de Direito Civil que as regras dos arts.
57 e 60, relativas às associações, se aplicam às sociedades empresariais, exceto às limitadas.

Em caso de dissolução da associação, primeiro devem ser deduzidas as quotas ou frações ideais
de titularidade dos associados. Atenção, já que as associações não podem distribuir lucro aos
associados, mas isso não se confunde com a devolução das cotas dos associados em caso de
dissolução da associação! Ademais, o §1º permite que os associados podem receber em
restituição o valor atualizado das contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da
associação, caso isso esteja previsto no estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos
associados.

Pois bem. Feitas essas deduções, se for o caso, determina o art. 61 que o remanescente do patrimônio
líquido seja destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por
deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

182
668
Se não existir no respectivo território em que a associação tiver sede instituição nas referidas condições, o
que remanescer do seu patrimônio ficará com o Estado, o Distrito Federal ou a União, conforme o caso.

(TRF / TRF-3ª Região – 2016) Relativamente às pessoas jurídicas, marque a alternativa correta:
a. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão, em qualquer caso, pela
maioria de votos dos presentes.
b. Compete privativamente às assembleias gerais das associações a destituição e a eleição dos
administradores, bem como a alteração dos estatutos.
c. Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão incorporados em
outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante, independentemente do que dispuser o
instituidor.
d. É obrigatória a inclusão de norma estatutária nas associações que preveja o direito de recorrer dos
associados na hipótese de sua exclusão.
Comentários
A alternativa A está incorreta, na forma do art. 48: “Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva,
as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de
modo diverso”.
A alternativa B está incorreta, segundo o art. 59, incs. I e II: “Compete privativamente à assembleia
geral:
I – destituir os administradores;
II – alterar o estatuto”.
A alternativa C está incorreta, de acordo com o art. 63: “Quando insuficientes para constituir a
fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados
em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante”.
A alternativa D está correta, pela combinação dos arts. 54, II (“Sob pena de nulidade, o estatuto das
associações conterá os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados”) e 57 (“Art.
57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento
que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”).

TAREFA 09 – DIREITOS HUMANOS


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

183
668
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e
dos Membros das suas Famílias.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A PROTEÇÃO DOS


DIREITOS DE TODOS OS TRABALHADORES MIGRANTES E DOS
MEMBROS DAS SUAS FAMÍLIAS

1 - INTRODUÇÃO
Essa convenção é muito importante na estrutura do Sistema Global de Direitos Humanos e deve ser bem
estudada. A presente Convenção, editada no ano de 1990 e assinada pelo Brasil, ainda pende de
internacionalização no direito brasileiro.

Assim, temos:

1990 ? ? ?
• assinatura • aprovação no • depósito • promulgação
Congresso
Nacional

A Convenção tem por objetivo, segundo doutrina de Flávia Piovesan48:

contribuir para a harmonização das condutas dos Estados através da aceitação de princípio
fundamentais relativos ao tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas
famílias, considerando a situação de vulnerabilidade em que frequentemente se encontram.

48
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ª edição, rev. e atual., São Paulo: Editora
Saraiva, 2012, p. 287.

184
668
Foi elaborada para uniformizar e reforçar uma série de acordos bilaterais celebrados entre os países de forma
isolada. Esse reforço foi necessário, pois muitos desses acordos não respeitavam os direitos das pessoas,
voltando-se geralmente para interesses econômicos dos países envolvidos.

Ademais, o fenômeno da migração tornou-se intenso com a globalização, e constitui lugar comum na agenda
de diversos países. A título de exemplo, cite-se a imigração de haitianos e venezuelanos no Brasil, de
mexicanos para os EUA e de africanos para a Europa. Fortes discussões de ordem econômica, muitas vezes
sem maiores preocupações com tais pessoas, expostas a grave vulnerabilidade.

Segundo André de Carvalho Ramos49:

Seu objetivo fundamental foi estabelecer normas para uniformizar princípios fundamentais
relativos ao tratamento dos trabalhadores migrantes e de suas famílias, por meio de uma
proteção internacional adequada, especialmente tendo em vista sua situação de vulnerabilidade
e seu afastamento do Estado de origem.

É importante mencionar, desde o início, que a Convenção se preocupou tanto com o migrante regular como,
e especialmente, com o migrante irregular, em regra, exposto a condições menos favoráveis, notadamente
no campo trabalhista. Muitas vezes, esses migrantes irregulares são contratados e submetidos a um labor
precário, sem observância das normas de Direito do Trabalho dada a informalidade. Por conta disso, a
Convenção é clara em exigir dos Estados-partes a adoção de medidas para prevenir e eliminar o trabalho dos
migrantes irregulares, até mesmo como forma de reduzir o interesse de empregadores na subcontratação
de migrantes irregulares.

Vamos ao texto da Convenção?!

2 - PREÂMBULO
Da leitura do preâmbulo (que faremos abaixo) notamos algumas informações importantes.

Primeiramente, há reconhecimento quanto à importância do trabalho de migrantes e de suas famílias, bem


como o reconhecimento do esforço que determinados países fazem para garantir direitos básicos a esses
trabalhadores.

Considerando a importância e a extensão desse movimento, a comunidade internacional entende que é


necessário criar regras uniformes, com foco no respeito aos direitos humanos de trabalhadores migrantes

49
RAMOS, André de Carvalho. Direitos Humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, versão digital.

185
668
e de suas famílias, muitas vezes violados e não reconhecidos de forma satisfatória em razão da
vulnerabilidade e em razão da dispersão da família.

Na parte final do preâmbulo temos o destaque para dupla vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes a
familiares que estiverem em situação irregular. Essa dupla vulnerabilidade decorre do fato de que não estão
à margem da legislação local e, também, porque facilitam a contratação em condições ainda mais precárias.

3 - ABRANGÊNCIA E CONCEITOS

3.1 - Abrangência

Primeiramente, a Convenção aplica-se ao trabalhador migrante como também aos seus familiares, que
estiverem com o trabalhador. Ademais, a Convenção se presta a protegê-los ao longo de todo o processo
migratório.

De acordo com o art. 1º, 2, da Convenção, o processo migratório abrange:

PROCESSO MIGRATÓRIO

preparação para migração

partida

trânsito

duração total da estada

atividade remunerada

retorno ao Estado de origem

Estado de residência habitual

Eventualmente, você poderá estar com duas dúvidas:

186
668
Primeiro, quem devemos considerar como trabalhador migrante? Apenas aquele que exerce
atividade remunerada contratado formalmente ou quem, ainda que de forma irregular, exerça
atividade laboral fora do seu país de origem?
Segundo, qual a abrangência do conceito de “membro da família”?

São duas dúvidas importantes, que encontram resposta na Convenção e importantes para a prova.

A Convenção aplica-se tanto ao trabalhador migrante que estiver no Estado de emprego de forma regular,
como também àquele que foi para outro pais e lá ingressou de forma irregular. A subsidiar esse
entendimento, temos o art. 5º da Convenção, que distingue entre trabalhadores migrantes documentados
(regulares) e não documentados (irregulares).

Para fins de prova:

DOCUMENTADOS NÃO DOCUMENTADO

autorizados a entrar, permanecer e


aqueles que não preencherem as
exercer uma atividade remunerada no
condições acima.
Estado de emprego;

O segundo questionamento é respondido pelo art. 4º da Convenção, que prevê a aplicação da Convenção a
pessoas casadas com o trabalhador ou que mantenham relação que legalmente produzam efeitos
equivalentes aos do casamento, assim como filhos e outras pessoas a seu cargo. Basicamente são três ordens
de pessoas a serem consideradas como membro da família do migrante:

SÃO CONSIDERADOS
MEMBROS DA FAMÍLIA

pessoa casada ou com


pessoas sob
quem mantenha
filhos responsabilidade do
convivência segundo a
trabalhador
legislação do Estado

Esclarecidas as possíveis dúvidas, sigamos!

187
668
3.2 - Espécie de trabalhadores migrantes

No art. 2º, temos um rol extenso de espécies de trabalhadores migrantes. Em primeiro lugar, o trabalhador
migrante é a pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não
é nacional.

O trabalhador fronteiriço trabalha fora, mas retorna ao seu Estado de origem. É exemplo comum desse tipo
de atividade, a desempenhada por brasileiros que residem em Foz do Iguaçu/PR, na tríplice fronteira, e
exercem atividades laboral em Porto Iguzú, na Argentina, ou em Punta del Leste no Paraguai.

No caso do trabalhador sazonal, temos a permanência fora da residência por um certo período de tempo
dentro do ano em razão das atividades profissionais.

Entre os exemplos de trabalhadores marítimos, destaca-se aquela pessoa que trabalha em plataforma de
petróleo sob a jurisdição de outro Estado.

Por fim, vamos apenas sintetizar os demais conceitos:

ESPÉCIE DE CONCEITO PREVISÃO NA


TRABALHADOR CONVENÇÃO
Trabalhador A pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade
remunerada num Estado de que não é nacional.
migrante
Trabalhador O trabalhador migrante que mantém a sua residência habitual Artigo 58
fronteiriço num Estado vizinho a que regressa, em princípio, todos os dias ou,
pelo menos, uma vez por semana.
Trabalhador O trabalhador migrante cuja atividade, pela sua natureza, depende Artigo 59
Sazonal de condições sazonais e somente se realiza durante parte do ano.
Trabalhador Abrange os pescadores, designa o trabalhador migrante
marítimo empregado a bordo de um navio matriculado num Estado de que
não é nacional.
Trabalhador numa O trabalhador migrante empregado numa estrutura marítima que
estrutura se encontra sob a jurisdição de um Estado de que não é nacional.
marítima
Trabalhador O trabalhador migrante que, tendo a sua residência habitual num Artigo 60
itinerante Estado, tem que viajar para outros Estados por períodos curtos,
devido à natureza da sua ocupação.
Trabalhador O trabalhador migrante admitido num Estado de emprego por Artigo 61
vinculado a um tempo definido para trabalhar unicamente num projeto concreto
projeto conduzido pelo seu empregador nesse Estado

188
668
Trabalhador com O trabalhador migrante: Artigo 62
emprego
específico enviado pelo seu empregador, por um período limitado e definido,
a um Estado de emprego para realizar uma tarefa ou função
específica; ou

que realize, por um período limitado e definido, um trabalho que


exige competências profissionais, comerciais, técnicas ou
altamente especializadas de outra natureza; ou

que, a pedido do seu empregador no Estado de emprego, realize,


por um período limitado e definido, um trabalho de natureza
transitória ou de curta duração; e que deva deixar o Estado de
emprego ao expirar o período autorizado de residência, ou
antecipadamente, caso deixe de realizar a tarefa ou a função
específica ou o trabalho inicial;
Trabalhador O trabalhador migrante que exerce uma atividade remunerada Artigo 63
Autônomo não submetida a um contrato de trabalho e que ganha a sua vida
por meio dessa atividade, trabalhando normalmente só ou com
membros da sua família, assim como o trabalhador considerado
autônomo pela legislação aplicável do Estado de emprego ou por
acordos bilaterais ou multilaterais.

3.3 - Hipóteses de prestação de serviço em outros países que não é considerado como
trabalhador migrante

O artigo 3º, da Convenção, elenca uma série de pessoas em relação às quais não se aplica a Convenção:

1. pessoas enviadas por organizações internacionais ou para realização de funções oficias;


2. pessoas enviadas pelo Estado para programas de desenvolvimento e de cooperação;
3. pessoas que se instalam em Estados estrangeiros na qualidade de investidores;
4. refugiados e apátridas, exceto previsão em contrário da legislação nacional;
5. estudantes e estagiários; e
6. marítimos.

189
668
3.4 - Estado de origem, de emprego e de trânsito

As expressões Estado de origem, de emprego e de trânsito são comumente utilizadas ao longo da Convenção.
Estado de origem é o Estado de que a pessoa interessada é nacional. Estado de emprego é o local em que o
migrante exerce sua atividade remunerada. Estado de trânsito é o país por cujo território a pessoa deve
transitar a fim de se dirigir ao Estado de emprego ou vice-versa.

Em síntese do que vimos neste capítulo:

A Convenção protege a todos aqueles que, ingressados de forma


regular ou não, exercerem atividade laboral em pais do qual não seja
nacional, estendendo-se a proteção aos membros da família do
trabalhador.

Finalizamos, com isso, a parte relativa aos conceitos e à abrangência de aplicação da Convenção.

4 - DEVERES DOS ESTADOS-PARTES


No art. 7º da Convenção temos regra que impõe a não-discriminação em matéria de direitos. Vale dizer, o
Estado-arte deve respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção aplicando-os aos trabalhadores
migrantes e membros da sua família, que estejam em seu território.

5 - DIREITOS ALBERGADOS
A convenção prevê diversos direitos aos migrantes e membros de suas famílias. Esses direitos representam
uma proteção mínima conferida a essas pessoas e devem ser observados em todas as situações. Estudem
com afinco quais os direitos abrangidos pela Convenção, pois é muito comum as provas cobrarem quais
direitos são contemplados no texto e quais não são.

190
668
DIREITOS RECONHECIDOS NA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE TODOS
OS TRABALHADORES MIGRANTES E DOS MEMBROS DAS SUAS FAMÍLIAS50
• direito à vida;
• direito de não ser submetido à tortura, nem a penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes;
• direito de não ser constrangido a realizar trabalhos forçados;
• liberdade de pensamento, de consciência e de religião;
• liberdade de expressão;
• vida privada e familiar;
• liberdade e segurança pessoal;
• direito a ser tratado com humanidade, dignidade e respeito à sua identidade cultural, quando
privados de liberdade;
• proibição de medidas de expulsão coletiva;
• proteção e assistência das autoridades diplomáticas e consulares do seu Estado de origem;
• reconhecimento da sua personalidade jurídica; e
• direito a um tratamento não menos favorável àquele que for concedido aos nacionais do Estado
de emprego em matéria de retribuição.

Vamos analisa-los a partir do que regra a Convenção?!

Mantenhamos o foco!

6 - DIREITO DE IR E VIR
Talvez um dos direitos mais básicos é o direito de ir e vir, a ser garantido aos trabalhadores migrantes, tal
como estabelecido no art. 8º, que assegura o direito de o migrante e sua família saírem livremente de
qualquer Estado, inclusive o de origem. Esse direito não é absoluto, existindo as seguintes restrições
expressas:

 necessárias à segurança nacional, à ordem pública, à saúde e à moral públicas; ou

 que impliquem violação a direitos e liberdades de outras pessoas.

50
Com base em PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 288.

191
668
7 - DIREITO À VIDA
O direito à vida vem expresso de forma direta e objetiva: o migrante e sua família têm direito à vida,
protegido pela lei.

8 - VEDAÇÃO À TORTURA E À ESCRAVIDÃO


Acima, vimos exceções ao direito de ir e vir. Concluímos que os direitos humanos não são absolutos e,
portanto, comportam exceções. Aqui, neste tópico, veremos o contrário: direitos humanos que,
excepcionalmente, não comportam exceções.

De acordo com a doutrina de Direitos Humanos, a vedação à tortura e a vedação à escravidão constituem
garantias ditas absolutas. Vale dizer, não há razão que legitimamente justifique a escravidão ou tortura ou
tratamento cruel ou degradante. A Convenção também veda que o migrante seja compelido a realizar
trabalho forçado ou obrigatório, exceto os decorrentes da pena de prisão.

Não será considerado como trabalho forçado ou obrigatório:

 serviço exigido em razão de decisão judicial em razão de condenação penal;

 serviço exigido em caso de crime ou de calamidade que ameace a vida ou bem-estar da


comunidade; e

 obrigações cívicas normais exigidas dos cidadãos do Estado.

Sigamos!

9 - DIREITO DE PENSAMENTO, DE CONSCIÊNCIA E DE RELIGIÃO


A Convenção menciona expressamente o direitos dos migrantes à liberdade de pensamento, consciência e
religião, vedada a submissão a coação que prejudique esse direito

10 - DIREITO DE EXPRESSÃO
O art. 13 retrata outro direito de primeira dimensão. Novamente estamos diante de um direito, que
comporta restrições. Dito de outra forma, a liberdade poderá sofrer limitações:

 para garantia de direitos e reputação de outrem;

 para fins de segurança nacional, ordem pública, saúde ou moral públicas;

192
668
 prevenção à incitação à guerra;

 prevenção à apologia do ódio nacional, racial e religioso.

11 - DIREITO À VIDA PRIVADA


O art. 14 da Convenção prevê que o trabalhador migrante e família não podem sofrer intromissões arbitrárias
ou ilegais em sua vida privada, com a garantia de buscar proteção legal em face de violações a esses direitos.

12 - DIREITO DE PROPRIEDADE
Em relação aos bens, assegura-se o direito de propriedade, na medida em que é vedado ao Estado, por
conduta arbitrária, privar o trabalhador migrante e família dos seus bens. Qualquer forma de expropriação
de bens somente será admitida na forma prevista em lei.

13 - DIREITO À LIBERDADE E SEGURANÇA PESSOAL


Entre as regras que encontramos disciplinadas no extenso art. 16, que você lerá abaixo, destacamos:

 o direito de receber proteção Estatal contra violência, maus tratos, ameaças e intimidações;

 a vedação à prisão arbitrária;

 em caso de prisão legal, é assegurado o direito de informação sobre os motivos que ensejaram a
prisão (em língua compreensível para o migrante);

 o direito de ser apresentado à autoridade judicial quando preso para decidir a respeito da prisão
antes da sentença penal final;

 o direito a ser julgado em prazo razoável e de permanecer livre até decisão definitiva;

 no caso de determinação de prisão preventiva, o trabalhador migrante terá direito a contatar e


manter comunicação com autoridades diplomáticas ou consulado do Estado de origem;

 o direito ao duplo grau de jurisdição;

 o direito a uma decisão célere quanto à necessidade de prisão preventiva

 o direito à assistência jurídica gratuita;

 o direito a um intérprete;

193
668
 o direito ao princípio anterioridade penal;

 o direito a indenização por erro judiciário.

O artigo 17 prevê a humanização da pena, de modo que o migrante e sua família privados de liberdade
devem ser tratados com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana e à sua identidade
cultural. Já o artigo 19 traz a regra da anterioridade penal, só podendo o migrante responder criminalmente
por fato que já fosse considerado crime no momento da sua prática.

14 - DIREITOS E GARANTIAS JUDICIAIS


O art. 18 da Convenção é importante para fins do nosso estudo, pois estabelece um rol de direitos e garantias
judiciais previstos em prol do trabalhador migrante.

Em síntese, temos:

DIREITOS E GARANTIAS JUDICIAIS


• julgamento público;
• tribunal competente, independente e imparcial;
• observância do devido processo legal;
• presunção de inocência;
• duplo grau de jurisdição;
• princípio da anterioridade da lei penal;
• informação quanto às acusações formuladas;
• contraditório de ampla defesa;
• não obrigação de testemunhar ou confessar-se culpado

Entendemos desnecessário maior detalhamento dessas normas para fins de prova.

15 - VEDAÇÃO À PRISÃO CIVIL POR DÍVIDAS


O art. 20 da Convenção veda a prisão civis por dúvidas. A prisão é admitida como regra em razão da prática
de ilícitos penais. A prática de ilícitos civis não sugere a prisão, exceto situações extremamente específicas,
como na hipótese de descumprimento voluntário e inescusável de pensão alimentícia. Fora essa situação,
não há possibilidade de prisão pela prática de ilícitos civis. Nesse contexto, a vedação constante da
Convenção é clara:

194
668
16 - VEDAÇÃO À DESTRUIÇÃO DE DOCUMENTOS
O art. 21 traz uma medida específica: a não ser funcionários públicos devidamente autorizados, NINGUÉM
tem o direito de apreender, destruir ou tentar destruir documentos do migrante.

17 - VEDAÇÃO À EXPULSÃO COLETIVA


No art. 22 temos uma regra relevante, que veda a expulsão coletiva de trabalhadores migrantes e membros
da família. Eventuais decisões de expulsão são admitidas apenas de modo individualizado e se estiverem de
acordo com a legislação do país. A decisão de expulsão deve ser recorrível, salvo quando emanada de
autoridade judicial. Eventual anulação da decisão após sua execução dá direito de indenização ao
prejudicado. Além disso, a expulsão não prejudica os direitos do trabalhador, como a remuneração devida
pelo serviço prestado.

18 - DIREITO A PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA DIPLOMÁTICA E CONSULAR


Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias terão o direito de recorrer à proteção e à
assistência das autoridades diplomáticas e consulares do seu Estado de origem ou de um Estado que
represente os interesses daquele Estado em caso de violação dos direitos reconhecidos.

19 - RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


O art. 24 prevê que o trabalhador migrante terá sua personalidade reconhecida, sendo compreendido
legalmente no Estado de emprego como sujeito de direitos.

20 - DIREITOS TRABALHISTAS
A partir do art. 25, a Convenção busca fixar uma série de prerrogativas a serem asseguradas aos
trabalhadores migrantes. Há clara orientação para assegurar mesma proteção assegura aos trabalhadores
nacionais aos migrantes. É vedada qualquer derrogação desse direito à igualdade. De acordo com a
Convenção, mesmo o trabalhador migrante em situação irregular não deve ser privado desses direitos.

Em linhas gerais, assegura o dispositivo um tratamento igual em relação:

 aos salários; e

 às condições de trabalho (horas extras, descanso semanal, férias, segurança, saúde, suspensão do
contrato, idade mínima para trabalhar, restrições para o trabalho doméstico).

Sigamos!

195
668
A Convenção prevê expressamente no artigo 26 o dever de os Estados-partes reconhecerem o direito aos
trabalhadores migrantes de participarem das reuniões e das atividades dos sindicatos, bem como a
possibilidade de inscreverem-se em tais organismos e deles solicitarem auxílio.

Na sequência vamos analisar vários direitos humanos assegurados, em relação aos quais devemos apenas
lê-los com atenção. Mantenhamos o foco!

21 - DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL


Os migrantes têm direito a benefícios previdenciários do mesmo modo que os nacionais têm direito,
cumpridas as condições previstas na legislação ou em tratados.

22 - DIREITO À SAÚDE
Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de receber os cuidados médicos
urgentes que sejam necessários para preservar a sua vida ou para evitar danos irreparáveis à sua saúde,
em pé de igualdade com os nacionais do Estado em questão.

23 - DIREITO AO NOME E NACIONALIDADE


O filho de um trabalhador migrante tem o direito a um nome, ao registro do nascimento e a uma
nacionalidade.

24 - DIREITO À EDUCAÇÃO
O filho de um trabalhador migrante tem o direito fundamental de acesso à educação em condições de
igualdade de tratamento com os nacionais do Estado interessado, vedada a negativa ou limitação de
acesso a estabelecimentos públicos de ensino pré-escolar ou escolar por conta de eventual irregularidade
da permanência ou do emprego.

25 - DIREITO À IDENTIDADE CULTURAL


Os Estados Partes assegurarão o respeito da identidade cultural dos trabalhadores migrantes e dos
membros das suas famílias e não os impedirão de manter os laços culturais com o seu Estado de origem.

196
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26 - DEMAIS DIREITOS PREVISTOS
Os migrantes têm direito a transferir seus ganhos e poupanças, bens e pertences, nos termos da legislação
dos Estados interessados. O migrante não se isenta do cumprimento de qualquer lei ou regulamento do
Estado de trânsito ou de emprego tão somente em razão da sua condição, nem há direito à regularização da
situação dos migrantes não documentados se não forem cumpridas as normas pertinentes.

Agora, ATENÇÃO!

Até o presente, vimos um rol extenso de direitos. Um questionamento que pode ter havido é se os direitos
previstos se aplicam aos trabalhadores migrantes regulares (documentados) ou irregulares (não
documentados).

TODOS os direitos que vimos até o presente se aplicam a ambos, trabalhadores documentados e não
documentados.

Mas o tratamento é exatamente o mesmo? Não há diferenças?

Sim, existem diferenças e vamos analisá-las a partir de agora. Os direitos arrolados na quarta parte da
Convenção são direitos aplicados apenas aos trabalhadores documentados, ou seja, trabalhadores que
estejam em situação regular.

27 - DIREITOS ASSEGURADOS APENAS AOS MIGRANTES REGULARES


 direito à informação quanto às condições para admissão como migrante regular: Antes da sua partida ou,
ao mais tardar, no momento da sua admissão no Estado de emprego, os trabalhadores migrantes e os
membros das suas famílias terão o direito de ser plenamente informados pelo Estado de origem ou pelo
Estado de emprego, conforme o caso, de todas as condições exigidas para a sua admissão, especialmente
as que respeitam à sua permanência e às atividades remuneradas que podem exercer.

 direito de se ausentar temporariamente sem prejuízo à autorização de permanência ou de emprego já


concedida: os Estados de emprego deverão envidar esforços no sentido de autorizarem os trabalhadores
migrantes e os membros das suas famílias a ausentar-se temporariamente, sem que tal afete a sua
autorização de permanência ou de trabalho, com direito à informação sobre as condições em que são
autorizadas as saídas temporárias.

 direito de circular e escolher livremente a residência: os trabalhadores migrantes e os membros das suas
famílias terão o direito de circular livremente no território do Estado de emprego e de aí escolher
livremente a sua residência.

 direito constituir associações e sindicatos: os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias
terão o direito de constituir associações e sindicatos no Estado de emprego para a promoção e a proteção
dos seus interesses econômicos, sociais, culturais e de outra natureza.

197
668
 direitos políticos nos país de origem, se assim permitir a legislação: os trabalhadores migrantes e os
membros das suas famílias terão o direito de participar nos assuntos públicos do seu Estado de origem, de
votar e de candidatar-se em eleições organizadas por esse Estado, de acordo com a legislação vigente

 direitos políticos no país de emprego: Os trabalhadores migrantes poderão gozar de direitos políticos no
Estado de emprego se este Estado, no exercício da sua soberania, lhes atribuir esses direitos.

 direitos diversos assegurados em iguais condições com os nacionais do Estado de emprego,


nomeadamente: acesso a instituições e serviços educativos, a serviços de orientação profissional e de
colocação, a facilidades e instituições de formação e aperfeiçoamento profissional, habitação, serviços
sociais e de saúde, cooperativas e empresas de autogestão e participação na vida cultural.

 proteção à família: os Estados Partes adotarão as medidas adequadas a assegurar a proteção da família
dos trabalhadores migrantes. Os Estados devem facilitar a reunificação dos trabalhadores migrantes com
suas famílias.

 gozo de serviços do Estado de emprego

• instituições e serviços educativos;


• serviços de orientação profissional e de colocação no mercado de
trabalho;
SERVIÇOS PÚBLICOS • instituições de formação e aperfeiçoamento profissional;
ASSEGURADOS • acesso à habitação;
• serviços sociais de saúde;
• acesso às cooperativas e às empresas em autogestão;
• acesso à participação na vida cultural.

 direito a gozar de isenções de direitos e taxas tal como concedidos aos nacionais do Estado de emprego.

 direito de enviar os ganhos ao Estado de emprego: Os trabalhadores migrantes terão o direito de


transferir seus ganhos e economias, em particular as quantias necessárias ao sustento das suas famílias, do
Estado de emprego para o seu Estado de origem ou outro Estado.

 vedação ao bis in idem no tocante a impostos, assegurado o direito a reduções e incentivos fiscais. Os
Estados devem promover medidas para evitar a dupla tributação dos rendimentos e das economias. Essa
norma consagra o que a doutrina denomina de vedação ao bis in idem. Vale dizer, em relação aos
rendimentos decorrentes da prestação pessoal de serviços, o empregado, a depender da legislação do país,
será tributado. Como o trabalhador migrante, em regra, exerce suas atividades num país, lá auferindo seus
rendimentos e os usa ou destina ao país de sua nacionalidade, prevê o texto da Convenção que esse
trabalhador não será tributado duas vezes caso destine o seu dinheiro ao Estado de origem.

198
668
Além disso, não poderão ser criadas regras tributárias distintas para empregados nacionais e trabalhadores
migrantes, fazendo jus, inclusive, às regras de reduções ou de isenções de impostos previstas aos nacionais.

 autorização de residência: os Estados devem emitir autorização de residência com duração pelo menos
igual à da autorização de trabalho. Trabalhadores que forem autorizados a escolher livremente a sua
atividade remuneração não serão considerados em situação irregular.

 possibilidade de autorização para que membros da família do trabalhador migrante que faleceu
permanecer no Estado de emprego. O Estado onde se encontre a família do trabalhador deve considerar
favoravelmente a permanência, tomando em conta o tempo de residência no país.

 liberdade de escolha do emprego: os migrantes não serão considerados em situação irregular no caso de
cessação da sua atividade remunerada antes do vencimento da autorização de trabalho, salvo quando a
autorização dependa expressamente da atividade em questão. Os migrantes têm direito de procurar outro
emprego e de participar de programas públicos, bem como de frequentar cursos de formação durante o
período de autorização.

Os trabalhadores migrantes terão, no Estado de emprego, o direito de escolher livremente a sua atividade
remunerada, subordinado às restrições ou condições especificadas a seguir, permitida a limitação em
relação a algumas categorias limitadas e com a condição de que se cumpram as qualificações profissionais
exigidas. Os membros da família de um trabalhador migrante que beneficiem de uma autorização de
residência ou de admissão por tempo ilimitado ou automaticamente renovável serão autorizados a escolher
livremente uma atividade remunerada nas condições aplicáveis ao referido trabalhador migrante.

 igualdade de direitos com os nacionais em relação à proteção contra a despedida injustificada e seguro-
desemprego, assegurado também o direito de reclamação trabalhista.

 igualdade de direitos trabalhistas: Os trabalhadores migrantes a quem tenha sido concedida autorização
para exercer uma atividade remunerada, sujeita às condições previstas nessa autorização, deverão
beneficiar de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado de emprego no exercício daquela
atividade remunerada. Eventual expulsão não priva o migrante dos seus direitos adquiridos em relação ao
trabalho.

Com isso, finalizamos o rol de direitos que são aplicáveis tão somente aos trabalhadores migrantes que
estiverem em situação irregular.

28 - DIREITOS ASSEGURADOS A CATEGORIAS ESPECIAIS DE


TRABALHADORES MIGRANTES

Seguindo com a extensa previsão de direitos trazidos na Convenção, veremos a partir do art. 57 regras
específicas. Aqui a Convenção relaciona disposições aplicáveis a categorias especiais de trabalhadores
migrantes e membros de suas famílias, quais sejam:

199
668
 trabalhadores fronteiriços
 trabalhadores sazonais
 trabalhadores itinerantes
 trabalhadores vinculados a um projeto
 trabalhadores com emprego específico
 trabalhadores autônomos.

Devemos destacar, que os direitos que vimos acima, aplicáveis apenas aos trabalhadores migrantes
regulares, aplicam-se também a cada um dos trabalhadores acima.

29 - PROMOÇÃO DE CONDIÇÕES DIGNAS AOS TRABALHADORES


MIGRANTES

Em sequência a Convenção trata da promoção de melhores condições aos trabalhadores migrantes. Segundo
o art. 64, os Estados devem agir em cooperação com os demais, a fim de promover condições saudáveis,
equitativas, dignas e justas para os trabalhadores.

Por conta disso, os Estados devem considerar não apenas as necessidades e recursos de mão de obra ativa.
Deverão levar em consideração as necessidades de natureza social, econômica e cultural dos trabalhadores
migrantes, bem como as consequências das migrações para as comunidades envolvidas.

Ainda em relação a esta parte, destaca-se que os Estados devem criar meios para propiciar a regularização
dos migrantes não-documentados, bem como facilitar o retorno destes ao Estado de origem.

Apenas são autorizados a realizar o recrutamento de migrantes os serviços ou organismos oficiais do Estado,
os serviços ou organismos oficiais do Estado de emprego e os organismos instituídos no âmbito de um acordo
bilateral ou multilateral. Outros órgãos, empregadores e representantes poderão realizar recrutamento
sob reserva de autorização, aprovação e fiscalização dos órgãos oficiais de Estado.

Os Estados-parte se comprometem a cooperar a fim de prevenir e eliminar movimentos e trabalho ilegais


ou clandestinos de migrantes em situação irregular, tomando medidas contra a divulgação de informações
que induzam a erro os migrantes, detectando e eliminando movimentos ilegais ou clandestinos e impondo
sanções às pessoas, grupos ou entidades que realizem essa movimentação ilícita.

As normas de saúde, de segurança e de higiene e aos princípios inerentes à dignidade humana aplicáveis
aos migrantes devem ser as mesmas que a dos trabalhadores nacionais.

Se ocorrer a morte do migrante, os Estados-Parte devem facilitar a repatriação dos restos mortais,
assegurada indenização nos casos previstos em lei.

200
668
30 - COMITÊ E MECANISMOS DE FISCALIZAÇÃO
No que diz respeito à aplicação, mencione-se que a Convenção cria o Comitê para Proteção dos Direitos de
Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias.

Esse Comitê é composto por 14 peritos de alta autoridade moral, imparcialidade, e reconhecida competência
no domínio abrangido pela Convenção, para exercerem suas funções a título pessoal. A principal finalidade
desse Comitê é atuar da fiscalização dos direitos prescritos na Convenção pelos Estados-partes.

Caberá ao Comitê analisar os relatórios. Ademais, poderá convidar agências especializadas e outros órgãos
da ONU, bem como organizações intergovernamentais e outros organismos interessados, para prestarem
informações e esclarecimento quanto à aplicabilidade da Convenção.

Por fim, consigne-se que o Cômite fará um relatório anual, que será encaminhado à Assembleia Geral das
Nações Unidas informando o estágio de aplicação da Convenção nos Estados partes.

Vejamos, enfim, os dispositivos:

O Comitê adota um Regulamento interno, com eleição de secretariado para um período de dois anos. As
reuniões são anuais na sede da ONU.

30.1 - Mecanismos de fiscalização: relatórios

A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
Membros das suas Famílias, prevê o mecanismo de relatórios para a implementação de seus direitos, nos
termos do artigo 73. Esses relatórios, enviados a cada cinco anos e sempre que o Comitê solicitar, devem
indicar os fatores e as dificuldades de implementação dos direitos assegurados na Convenção. O Comitê
examina os relatórios e transmite aos Estados eventuais comentários.

Sigamos!

30.2 - Mecanismos de fiscalização: comunicações interestatais

Além dos relatórios, o texto da Convenção prevê as denominadas comunicações interestatais, conforme
dispõe o artigo 76. Contudo, como regra de procedibilidade de tais comunicações, é necessária, assim como
ocorre em relação às demais Convenções Internacionais, a declaração do Estado-parte aceitando a
submissão às comunicações interestatais.

Além disso, para o Comitê analise a comunicação apresentada, é necessário constatar que todas as vias e
recursos internos foram esgotados.

São, portanto, duas as exigências para o processamento das comunicações interestatais:

201
668
REQUISITOS DAS
COMUNICAÇÕES
INTERESTATAIS

declaração de aceitação
pelo Estado quanto ao esgotamento dos recursos
mecanismo de fiscalização; internos.
e

O Comitê se põe à disposição das partes para a obtenção de solução amigável do litígio. Quando não se
obtiver uma solução o Comitê expõe em relatório os fatos relativos ao objeto da disputa.

Vamos em frente!

30.3 - Mecanismo de fiscalização: petições individuais

O terceiro mecanismo de fiscalização previsto expressamente na Convenção são as petições individuais ao


Comitê, também denominadas de comunicações apresentadas por indivíduos.

As petições individuais são direcionadas ao Comitê. Entre as regras a serem observadas, destaca-se:

 A admissibilidade da petição individual está condicionada a inexistência de outro procedimento


submetido a outro procedimento internacional (litispendência internacional);

 Inadmissibilidade de petições individuais anônimas, abusivas ou incompatíveis com as regras da


Convenção; e

 Esgotamento dos recursos internos.

Note que há exigência de aceitação expressa pelo Estado quanto a esse mecanismo de fiscalização.

Após sua análise, o Comitê transmite suas conclusões ao Estado-Parte em causa e ao interessado.

O art. 78 traz o princípio da aplicação da norma mais favorável, caso, internamente, o Estado preveja
tratamento jurídico favorável comparado à Convenção. Já o artigo 79 ressalta que a Convenção não afeta o
poder dos Estados de estabelecer critérios de admissão de trabalhadores migrantes e suas famílias. É vedada
a renúncia aos direitos da Convenção nem é possível a derrogação das normas por contrato. Em relação às
garantias judiciárias, os Estados devem garantir a existência de recursos à disposição dos migrantes, o acesso
ao judiciário e o seguimento dos processos.

202
668
31 - DISPOSIÇÕES FINAIS
As disposições finais trazem normas a respeito da aceitação, ratificação, depósito e entrada em vigor da
Convenção, principalmente. São normas que fogem ao nosso interesse. Finalizamos, assim, o estudo da
convenção que trata dos migrantes!

TAREFA 10 – DIREITO PENAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Teoria Geral do Crime: Culpabilidade), do tópico “Coação Moral Irresistível” ao final da teoria da
aula.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1.4.3 COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL


A exigibilidade de conduta diversa é um dos elementos da culpabilidade. Não se pode exigir conduta diversa
do agente quando ele age sob coação moral irresistível ou em razão de obediência hierárquica.

Vejamos no esquema abaixo as duas hipóteses legais de inexigibilidade de conduta diversa:

203
668
A coação moral irresistível é o emprego de grave ameaça para que determinada pessoa atue, de forma
dolosa ou culposa, conforme se ordena a ela. É o emprego da chamada vis relativa, a promessa de realizar
algum mal ao sujeito, o que o leva a se submeter à vontade de outrem. A coação moral deve ser irresistível,
ou seja, aquela à qual o agente só pode sucumbir. Caso o agente possa não ceder ou resistir à ameaça, a
coação moral será considerada resistível, o que não exclui a culpabilidade.

Não se admite que a coação seja realizada pela sociedade, mas apenas de sujeito determinado ou de um
grupo de pessoas. A imputabilidade é do agente coator, e não do coato, que, no caso de não poder resistir à
ameaça, não possuirá culpabilidade. O Código Penal assim prevê:

Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

O coator pode responder pelo crime praticado pelo coato em concurso com o crime de tortura. Há também
de hipótese de responder somente pelo crime praticado pelo coato, com a pena agravada, nos termos do
artigo 62, II, do Código Penal:

Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que:

(...)

II - coage ou induz outrem à execução material do crime;

No caso de coação moral resistível, não haverá exclusão da culpabilidade. Isto porque se poderia exigir
conduta diversa do agente, que poderia resistir à coação. Entretanto, o Código Penal prevê a consideração
da circunstância na dosimetria da pena, com a incidência de uma atenuante:

Circunstâncias atenuantes

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

(...)

III - ter o agente:

(...)

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de


autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

204
668
Em suma, são as consequências da coação moral, caso seja resistível ou irresistível:

No caso de coação física, o sujeito não terá agido de forma livre e consciente. Seu movimento
corporal terá sido determinado por outrem, o que exclui sua conduta. Deste modo, não há
crime, por não haver sequer fato típico. A coação física irresistível é causa excludente da própria
conduta.

1.4.4 OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA


A exigibilidade de conduta diversa também pode ser afastada em caso de obediência hierárquica. Essa
excludente da culpabilidade incide quando o agente age sob uma ordem, proferida por uma superior
hierárquico, que não seja manifestamente ilegal. A relação de hierarquia deve ser de direito público, não
abrangendo a superioridade moral, religiosa ou de poder familiar. Não implica na inexigibilidade de conduta
diversa, de igual modo, a hierarquia de relações de trabalho, em sociedades empresárias. É necessário que
haja um superior e um subordinado, ambos com vínculo com a Administração Pública e submetidos à mesma
cadeia hierárquica.

Ademais, a ordem não pode ser manifestamente ilegal. Se a ordem não tiver aparência de legalidade, o
agente não terá afastada a sua responsabilidade criminal, configurando-se a culpabilidade da sua conduta.
O subordinado deve agir em cumprimento à ordem, acreditando que ela é legal e que age conforme o direito.

Por fim, o subordinado deve proceder ao estrito cumprimento da ordem. Se ele agir além da ordem que
recebeu, será responsável por seu excesso, caso ilícito. A excludente de culpabilidade, decorrente da

205
668
obediência à ordem não manifestamente ilegal, só acoberta a conduta do agente que aja efetivamente nos
limites da manifestação de vontade do seu superior hierárquico.

O artigo 22 do Código Penal trata do assunto:

Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Percebam que deve ser responsabilizado o superior hierárquico, como autor da ordem, pela conduta
praticada pelo subordinado. Assim como no caso da coação, o autor é considerado mediato, ou seja, aquele
que atua por trás, usando de uma pessoa sem culpabilidade (por coação moral irresistível ou obediência
hierárquica. A autoria mediata deve ser estudada na aula sobre concurso de pessoas. Caso a ordem seja
considerada manifestamente ilegal, a conduta do agente será censurável e, assim, ficará configurada a
culpabilidade. O Código Penal, contudo, prevê uma atenuante da pena para o caso:

Circunstâncias atenuantes

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

(...)

III - ter o agente:

(...)

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de


autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima;

Podemos visualizar as consequências de o agente atuar sob a ordem de superior hierárquico, seja ela
manifestamente ilegal ou não:

206
668
1.4.5 CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE
Existe controvérsia na doutrina a respeito da possibilidade de reconhecimento de outras causas dirimentes
além das previstas expressamente em lei. São duas as posições:

✓ Rol taxativo (numerus clausus) das causas de exclusão da culpabilidade: as causas excludentes de
culpabilidade devem estar previstas expressamente em lei, por serem parte da sistemática da
legislação sobre o assunto. Deste modo, não se admite analogia in bonam partem em matéria de
exculpantes.
Nelson Hungria defendeu essa posição.

✓ Rol exemplificativo (numerus apertus) das causas de exclusão da culpabilidade: as causas de


exclusão da culpabilidade são previstas em lei por um rol exemplificativo, o que dá abertura à
consideração de causas supralegais. A exigibilidade de conduta diversa é a porta de entrada de causas
supralegais, consistente em uma espécie de cláusula geral de configuração da culpabilidade. O Direito
Penal não pode punir, por não ser reprovável, qualquer conduta se, em tais circunstâncias, não se
poderia exigir comportamento diverso do agente. Essas situações não se limitam aos casos de
obediência hierárquica e coação moral irresistível.
É o entendimento que vem sendo adotado pelo STJ.

207
668
Como visto, se adotada a concepção de que as causas excludentes da culpabilidade são previstas em lei de
forma exemplificativa, as causas supralegais serão extraídas do conceito de inexigibilidade de conduta
diversa. São exemplos enumerados pela doutrina:

➢ Desobediência Civil: é a conduta de se insurgir contra a ordem estabelecida para luta por um direito
humano ou fundamental. Tem o escopo de representar um protesto contra determinado estado de
coisas na sociedade, não devendo acarretar danos graves para sua configuração.

➢ Cláusula de consciência: é a justificativa para descumprimento de determinado dever com base


religiosa, moral ou filosófica. Baseia-se na crença do agente, justificando sua conduta de contrariar a
ordem jurídica. Sua admissão é feita com ressalvas. Seria a justificativa de quem se recusa à
convocação militar.

➢ Situação financeira da sociedade empresária e crimes tributários: a situação financeira de uma


determinada pessoa jurídica tem sido invocada para justificar o não recolhimento de determinados
tributos.

Assim, encerramos o conteúdo desta aula. Vale, então, relembrar, em um esquema, os elementos que
compõe o crime, em uma concepção tripartida de delito:

208
668
TAREFA 11 – DIREITO ADMINISTRATIVO
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Atos Administrativos - Espécies, Extinção, Convalidação e Conversão do ato administrativo.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA


6 – ESPÉCIES DE ATO ADMINISTRATIVO
São cinco espécies de atos administrativos de acordo com a clássica lição de Hely Lopes Meirelles:

a) Atos normativos;
b) Atos ordinatórios;
c) Atos negociais (ou de consentimento);
d) Atos enunciativos; e
e) Atos punitivos (ou sancionatórios).

Há ainda parcela doutrinária que leciona a existência autônoma dos atos declaratórios, ao passo que a
doutrina de Hely Lopes Meirelles insere essa espécie dentro dos atos enunciativos.

Por outro lado, outra parcela doutrinária aponta outra espécie de ato administrativo:

f) Atos administrativos de controle.

Veja que não há sistematização uniforme na doutrina, mas utilizaremos a lição mais usual e mais cobrada
nas provas de concursos públicos, deixando o aluno informado quanto aos diversos aspectos apontados
pelos autores.

209
668
Normativos

Punitivos Ordinatórios

Espécies

Atos de
Enunciativos Negociais controle

6.1 – Atos normativos

São atos dotados de generalidade e abstração (normatividade), não possuindo destinatários específicos.
Esses atos apenas preveem uma situação geral e abstrata (hipotética) e uma consequência que deverá ser
observada ou praticada quando um fato se enquadrar na situação hipotética prevista no ato normativo.

Correspondem, neste sentido, à classificação dos atos gerais estudados anteriormente.

Possuem conteúdo análogo às leis, porém, com elas não se confundem, uma vez que não podem, em regra,
inovar no ordenamento jurídico, criando direitos ou obrigações que não estejam previamente estabelecidas
na lei.

No entanto, vale ressalvar os atos normativos denominados regulamentos autorizados, editados


principalmente por órgãos técnicos da Administração ou pelas agências reguladoras, que, apesar da
divergência doutrinária, podem inovar no ordenamento jurídico dispondo sobre questões técnicas, dentro
dos parâmetros e limites estabelecidos pelo legislador.

Os atos administrativos não podem ser impugnados em tese, isto é, não podem ser impugnados diretamente
mediante recurso administrativo ou na esfera Judicial. O administrado só poderá atacar o ato normativo de

210
668
forma incidental, como causa de pedir, cujo pedido será sempre uma consequência concreta observada em
sua esfera individual. Ou seja, impugna-se os efeitos do ato, e não o ato normativo em si.

Um ato normativo somente poderá ser objeto de impugnação direta no poder judiciário quando for o caso
de propositura da ação direta de inconstitucionalidade, desde que atendidos os pressupostos desta ação.
Vale destacar que não será cabível a ADI caso a violação seja apenas reflexa, ou seja, quando o ato normativo
violar primariamente uma lei infraconstitucional que, por sua vez, viole a Constituição. A afronta ao texto
constitucional deve ser direta. Portanto, só se verifica essa possibilidade quando o ato normativo for
autônomo.

São exemplos de ato normativo: decretos, regulamentos, regimentos internos, instruções normativas,
resoluções, deliberações, dentre outros. São utilizadas inúmeras nomenclaturas pelos órgãos
administrativos e a denominação utilizada pelos órgãos e entidades administrativas não é uniforme.

6.2 – Atos ordinatórios

São atos administrativos internos que possuem a finalidade de organizar a atividade administrativa nos
órgãos e entidades públicas. Conforme estudamos, decorrem do poder hierárquico da administração, tendo
em vista que são emitidos como ordens superiores aos servidores públicos, estabelecendo rotinas internas,
distribuição de tarefas, dentre outros.

Por se tratar de ato interno, dirigidos aos agentes públicos e não produzindo efeitos diretos em relação aos
administrados, em regra, não há necessidade de publicidade em meio oficial, bastando a publicidade
interna que alcance os agentes destinatários.

São exemplos: as instruções (orientações aos subalternos), as circulares internas (ordens para uniformização
do serviço), os avisos, as portarias, as ordens de serviços, os memorandos, os ofícios, os despachos, dentre
outros.

6.3 – Atos negociais (ou de consentimento)

São atos de consentimento da Administração Público ao pedido do administrado para exercer uma atividade
ou direito de interesse dele ou a utilização de bem público. São editados em situação em que o ordenamento
jurídico exige que o particular obtenha anuência prévia da administração para o exercício da atividade
desejada.

Vale destacar que, embora a administração emita sua concordância quanto a uma atividade de interesse
preponderante do particular, o ato administrativo sempre deve objetivar o interesse público. Neste caso,
portanto, o interesse privado deve coincidir com o interesse público, ainda que este não seja o objetivo
primário do particular. Por este motivo alguns doutrinadores denominam essa espécie de ato de
consentimento, uma vez que a vontade da administração coincide com a do particular em certa medida.

Por outro lado, é importante memorizar que, embora a nomenclatura utilizada seja “ato negocial”, trata-se
de ato unilateral da administração. Não é uma espécie de contrato. O particular apenas provoca a

211
668
administração mediante requerimento ou solicitação, mas o ato é emitido mediante manifestação de
vontade exclusiva da Administração Pública.

O ato negocial poderá ser vinculado ou discricionário. No primeiro caso, o particular possui o direito
subjetivo à emissão do ato de anuência pela Administração, tendo em vista o preenchimento dos requisitos.
No segundo caso, o particular possui mero interesse, cabendo ao agente público ponderar a conveniência e
a oportunidade para anuir ou não ao pedido do interessado.

Além disso, poderá ser definitivo ou precário. No primeiro caso, trata-se de ato vinculado em que a
Administração apenas reconhece o direito subjetivo do interessado, não comportando revogação. O ato
somente será extinto a pedido, por meio da cassação (quando verificado que o particular não preenchia ou
deixou de preencher os requisitos para manutenção do ato) ou anulação quando houver ilegalidade.

Os atos precários, por sua vez, se caracterizam por serem atos discricionários, podendo ser revogados a
qualquer tempo pelo Poder Público por motivo de conveniência e oportunidade.

Em geral, os atos negociais são viabilizados por meio de alvará. As principais formas do alvará são as
seguintes.

6.3.1 – Licença

Licença é um ato administrativo vinculado e definitivo por meio do qual o poder público confere
consentimento ao particular para exercer uma atividade privada de interesse individual, desde que
preenchidos os requisitos previstos em ato normativo. Trata-se de ato meramente declaratório do direito
subjetivo do particular.

Neste sentido, quando o particular preenche todas as condições necessárias para obter a licença, surge para
ele o direito subjetivo, ficando a Administração Pública obrigada a expedir essa espécie de alvará.

São exemplos de atividades que podem exigir licença administrativa a construção de um edifício, o exercício
de uma profissão, o exercício de comércio de determinado produto etc.

Vale destacar que a licença administrativa não se confunde com a licença ambiental. Esta última é
entendida como ato discricionário, tendo em vista que, cabe ao administrador, integrante do órgão técnico
ambiental, levar em consideração não apenas critérios jurídicos objetivos, mas deve avaliar critérios
ambientais, que estão inseridos em sua discricionariedade técnica. Além disso, há possibilidade de sua
suspensão ou cancelamento em caso de superveniência de graves riscos ambientais e de saúde, o que
também é de avaliação discricionária do administrador, por se tratar de conceitos jurídicos indeterminados.

A licença ambiental também possui três fases com prazos bem definidos, pelo que o licenciamento consiste
em um verdadeiro procedimento administrativo complexo (licença prévia, licença de instalação e licença de
operação), enquanto a licença administrativa contém uma única fase.

212
668
6.3.2 – Permissão

É o ato administrativo discricionário e precário que permite o exercício de determinada atividade pelo
particular ou o uso privativo de bem público. Trata-se de ato constitutivo, tendo em vista que antes da edição
do ato não há direito subjetivo do particular.

Por se tratar de ato precário, pode ser revogado a qualquer tempo pela Administração Pública por critérios
de conveniência e oportunidade.

Vale destacar que a permissão de serviço público, prevista na lei 8.987/95 (art. 2º, IV e art. 40) não é espécie
de ato negocial, mas sim um contrato administrativo.

6.3.3 – Autorização

Ato administrativo discricionário e precário por meio do qual a Administração Pública autoriza o particular
a realizar uma atividade privada, de interesse predominantemente privado, ou autoriza a utilização de bem
público. Neste caso, não há direito subjetivo do particular, há um mero interesse privado na obtenção da
autorização. Por este motivo, o ato é constitutivo, uma vez que, antes da manifestação de consentimento da
administração não existia o direito do particular.

Por se tratar de ato precário, pode ser revogado a qualquer tempo pela Administração Pública por critérios
de conveniência e oportunidade.

São exemplos tradicionais da autorização de polícia o trânsito por determinados locais, o porte de arma de
fogo, dentre outros.

Embora sejam similares, a doutrina distingue autorização e permissão com base no interesse preponderante.
Quanto à permissão, embora a atividade ou uso de bem público seja de interesse do particular, o interesse
preponderante na emissão da vontade é o interesse público. Já quanto à autorização, embora seja atendido
de forma mediata o interesse público, prepondera o interesse do particular.

Vejamos de forma esquematizada as principais diferenças entre os atos negociais estudados.

Ato negocial Características Interesse preponderante


Licença ✓ Vinculado; ✓ Interesse público.
✓ Definitivo;
✓ Declaratório.
Permissão ✓ Discricionário; ✓ Interesse público.
✓ Precário;
✓ Constitutivo.
Autorização ✓ Discricionário; ✓ Interesse privado.
✓ Precário;
✓ Constitutivo.

213
668
6.3.4 – Admissão

Por fim, a doutrina cita a admissão, que consiste no ato administrativo vinculado que reconhece o direito ao
recebimento de determinado serviço público (ex.: admissão em escolas, hospitais etc.). Preenchidos os
requisitos, a administração deve emitir o ato de admissão do particular.

6.4 – Atos enunciativos

Os atos enunciativos podem ser definidos em dois sentidos:

a) Sentido estrito: atos que contém um juízo de valor, uma opinião, uma sugestão ou uma
recomendação para a atuação administrativa, podendo ser esta manifestação jurídica, técnica ou
política (quanto ao interesse público). É o caso dos pareceres;
b) Sentido amplo: além dos casos acima, abrange também os atos de conteúdo declaratório, sem
qualquer emissão da opinião da Administração, tais como as certidões e atestados.

O sentido amplo é o mais utilizado pela doutrina tradicional e o mais cobrado em provas de concursos
públicos. Por outro lado, os autores que adotam o sentido estrito, entendem que os atos declaratórios são
uma espécie autônoma de ato administrativo.

Vale destacar que os atos enunciativos são caracterizados por não produzirem efeitos jurídicos por si só.
Dependem de uma manifestação posterior da administração pública, de conteúdo decisório, para produção
de efeitos. Alguns autores defendem que os atos declaratórios possuem o efeito de conferir certeza jurídica
a uma situação. Entretanto, não alteram qualquer situação jurídica relacionada aos particulares.

Além disso, tanto os atos enunciativos quanto os declaratórios não contém uma manifestação de vontade
da Administração Pública, sendo, portanto, atos administrativos apenas em sentido formal.

Adotando-se o sentido amplo, temos as seguintes espécies de atos enunciativos:

a) Certidão

É um ato cujo conteúdo é uma cópia de informações registradas em bancos de dados da Administração
Pública. Declaram a existência, a inexistência e a forma jurídica de atos ou fatos administrativos.

A obtenção de certidão, independentemente do pagamento de taxas, é um direito fundamental individual


previsto na Constituição Federal (art. 5º, XXXIV, “b”), cuja negativa pode ser atacada mediante mandado de
segurança.

b) Atestado

Difere da certidão pois consiste em uma declaração da administração referente a uma situação que ela toma
conhecimento em decorrência da atuação de seus agentes. Neste caso, a informação não se encontra em
bancos de dados ou registro previamente existente, trata-se de uma constatação realizada pelo próprio

214
668
agente público que atesta o fato em documento oficial, tal como o atestado médico emitido por junta médica
oficial.

c) Apostilas ou apostilamento

Averbam determinados fatos ou direitos reconhecidos pela norma jurídica (ex.: apostilamento da variação
do valor do contrato administrativo decorrente de reajuste previsto no contrato, conforme art. 65, §8º, lei
8.666/93).

6.4.1 – Parecer

Por fim, o parecer é a espécie de ato enunciativo mais importante para provas de concursos públicos.

Trata-se de um documento técnico de caráter opinativo emitido pelo agente público que expressa sua
opinião sobre determinada questão fática, técnica ou jurídica (ex.: parecer do Procurador do Estado
relacionado à licitação – art. 38, VI, lei 8.666/93; parecer quanto ao licenciamento ambiental etc.).

Em regra, os pareceres não vinculam a administração, por se tratar de uma opinião do agente público.
Entretanto, em alguns casos definidos na lei, o parecer será dotado de força normativa (denominado parecer
normativo) e vinculante para toda a Administração Pública. É o caso, por exemplo, do parecer elaborado
pelo Advogado-Geral da União e aprovado pelo Presidente da República, na forma do art. 40, §1º, da Lei
Complementar nº 73/1993.

A doutrina aponta três espécies de pareceres, em entendimento já adotado pelo STF:

i. Parecer facultativo: é o parecer que não é exigido por lei para formulação da decisão da
autoridade competente, mas esta decide solicitar o parecer para auxiliar na tomada de decisão.
Uma vez emitido, o parecer não vincula a decisão da autoridade;
ii. Parecer obrigatório: a lei exige a emissão do parecer antes da tomada de decisão, mas a opinião
nele contida não vincula a autoridade competente para decidir, que poderá contrariar o parecer,
desde que de forma motivada;
iii. Parecer vinculante: é o parecer que deve ser obrigatoriamente elaborado, cujo teor vincula a
autoridade administrativa que terá o dever de acatá-lo ou então não decidir. Neste casso, tem-se
que há uma partilha do poder decisório entre a autoridade administrativa competente para
decidir e o agente público que emite o parecer.

Quanto à responsabilidade do parecerista, o agente público somente poderá ser responsabilizado pela
opinião emitida no parecer se comprovado erro grosseiro ou dolo, nos termos do art. 28 da LINDB.

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668
Obrigatótio

Facultativo Vinculante

Parecer

6.5 – Atos punitivos

São os atos por meio dos quais a Administração Pública impõe punições aos seus agentes públicos ou aos
administrados de maneira geral quando atuarem em desconformidade com a ordem jurídica.

Vamos relembrar a relação entre os poderes administrativos e as pessoas que sofrem punição da
Administração Pública:

Poder disciplinar-
Sanções aplicadas aos servidores públicos.
hierárquico

Sanções aplicadas a particulares com um


Poder disciplinar vínculo jurídico específico com o poder
público (ex.: contrato administrativo).

Sanções aplicadas aos particulares sem


Poder de polícia qualquer tipo de vínculo jurídico específico
com o poder público.

216
668
6.6 – Atos administrativos de controle ou de verificação

Espécie apontada por Rafael Oliveira51, que consiste nos atos que controlam a legalidade e o mérito do ato
administrativo já editado. Em alguns casos, o autor aponta que os atos de controle são necessários para a
produção de eficácia de outro ato anterior, razão pela qual podem ser denominados atos confirmatórios.

São exemplos de atos de controle a homologação (ato pelo qual a Administração Pública reconhece a
validade de um ato jurídico), o visto e a aprovação.

7 – EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS


A extinção do ato administrativo é a sua retirada do mundo jurídico, deixando de produzir efeitos.
Estudaremos a seguir as diferentes espécies de extinção. São elas:

a) Normal ou natural;
b) Subjetiva;
c) Objetiva;
d) Por manifestação de vontade do particular (renúncia e recusa);
e) Por manifestação de vontade da Administração (anulação, revogação, caducidade, cassação e
contraposição).

7.1 – Extinção normal ou natural

O ato administrativo é extinto quando produz todos os seus efeitos a que estava destinado a produzir ou
com o advento do prazo nele estipulado (ex.: o ato que concede licença paternidade é extinto com o fim do
prazo estabelecido em lei para a licença, a autorização de uso de bem público por cinco anos é extinta após
o decurso deste prazo etc.).

7.2 – Extinção subjetiva

Ocorre com o desaparecimento da pessoa beneficiária do ato administrativo (ex.: falecimento da pessoa
autorizada ao uso de bem público, extinção da pessoa jurídica detentora de licença para execução de
atividade particular etc.).

51
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 7. Ed. São Paulo: Método, 2019.
P. 345-347.

217
668
7.3 – Extinção objetiva

Ocorre com o desaparecimento do objeto da relação jurídica (ex.: extinção do ato de autorização de uso de
bem público no caso em que este foi destruído por incêndio).

7.4 – Extinção por manifestação de vontade do particular

7.4.1 – Renúncia

É a extinção do ato administrativo por vontade unilateral do administrado (ex.: exoneração a pedido do
servidor público que rompe o vínculo funcional com a administração, renúncia à autorização de uso de bem
público etc.).

7.4.2 – Recusa

É a extinção do ato administrativo antes da produção dos efeitos a que estava destinado (ex.: recusa do
particular em utilizar o bem público que foi objeto da autorização de uso).

Renúncia é a extinção do ato administrativo por vontade do particular após o início da


produção dos seus regulares efeitos, enquanto a recusa é a extinção do ato por vontade do
particular antes que ele produza qualquer efeito.

7.5 – Extinção por manifestação de vontade da Administração Pública

É a forma de extinção do ato administrativo mais cobrada em provas de concursos públicos.

Decorre do princípio da autotutela, que permite à Administração Pública retirar do mundo jurídico seus
próprios atos administrativos por motivo de legalidade ou de mérito administrativo (conveniência e
oportunidade), conforme art. 53 da lei 9.784/99 e súmula 474 do STF.

7.5.1 – Anulação

A anulação do ato administrativo tem lugar quando verificado algum vício de legalidade ou legitimidade (ou
juridicidade) – a ofensa ao ordenamento jurídico como um todo. É sempre um controle de legalidade. Por
este motivo, pode-se anular tanto um ato vinculado quanto um ato discricionário, tendo em vista que todos
eles devem estar em harmonia com o ordenamento jurídico.

O vício poderá ser sanável ou não. Em caso de vício insanável, a anulação é obrigatória, não cabendo à
administração fazer qualquer ponderação em relação à extinção do ato. Tomando conhecimento do vício,
deve realizar a sua anulação.

218
668
Por outro lado, em caso de vícios sanáveis o ato poderá ser convalidado, desde que não acarrete prejuízo a
terceiros ou lesão ao interesse público.

A anulação do ato administrativo, seja qual for a espécie do vício verificado (sanável ou insanável), retroage
os seus efeitos à data da prática do ato, daí ser correto dizer que a anulação produz efeitos ex tunc ou
retroativos. Assim, todos os efeitos produzidos pelo ato anulado serão desconstituídos, resguardados os
efeitos individuais produzidos que beneficiaram terceiros de boa-fé.

Se a anulação produzir efeitos na esfera de interesse dos particulares, deve ser precedida de procedimento
que oportunize o contraditório e a ampla defesa pelos interessados. Esse entendimento encontra-se
consolidado no STF.

Além disso, em regra, a anulação do ato administrativo gera direito de indenização aos particulares que
sofrerem prejuízos, salvo se contribuíram para a existência da ilegalidade.

Por outro lado, a anulação pode ocorrer por parte da Administração Pública, de ofício ou mediante
provocação, por parte do Poder Judiciário apenas se provocado e pelo Poder Legislativo, com o auxílio do
Tribunal de Contas, nas hipóteses previstas na Constituição Federal.

Vale ainda destacar os dispositivos inseridos na LINDB pela lei 13.655/2018, determinando que, na anulação
de ato administrativo, devem ser levadas em conta as suas consequências jurídicas:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou
da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das
possíveis alternativas.
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a
invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo
expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Em âmbito federal, a lei 9.784/99 prevê o prazo decadencial de 05 anos para a anulação de atos dos quais
resultem efeitos favoráveis ao Administrado, salvo comprovada má-fé. A doutrina é controvertida quanto ao
prazo para anulação de atos administrativos praticado com má-fé do administrado, prevalecendo o
entendimento que, neste caso, não haveria prazo decadencial para anulação do ato.

219
668
Vale destacar que este prazo de 5 anos é aplicável em âmbito federal, mas cada Estado ou Município pode
editar suas leis estabelecendo prazo para anulação de atos com efeitos favoráveis aos particulares. Como
exemplo, no Estado de São Paulo, o prazo é de 10 anos (Lei Estadual 10.177/98, art. 10).

Por outro lado, o STF possui jurisprudência pacífica no sentido de que os atos administrativos
flagrantemente inconstitucionais podem ser anulados a qualquer tempo, resguardado o
direito à ampla defesa e contraditório. Exemplo claro é a investidura em cargo público sem
submissão a concurso público. Nesta hipótese, tanto o STF quanto o STJ entendem válida a
anulação do ato de investidura em razão de flagrante violação do princípio do concurso
público (MS 28279).

➢ Modulação dos efeitos da anulação do ato administrativo

De acordo com parcela da doutrina, na anulação de um ato administrativo, a Administração pode modular
os efeitos da invalidação do ato ilegal em defesa da segurança jurídica e do interesse público, nos mesmos
moldes do controle de constitucionalidade (art. 27, lei 9.868/99).

Para esta doutrina, a lei 13.655/2018, ao inserir os arts. 23 e 24 na LINDB, reforçou esse entendimento, tendo
em vista que o dispositivo citado prevê a vedação a que se declarem inválidas situações plenamente
constituídas com base em mudança posterior de orientação geral.

7.5.2 – Revogação

A revogação é a retirada de um ato administrativo válido do mundo jurídico por critério de conveniência e
oportunidade do administrador. O ato não possui qualquer irregularidade, está em perfeita harmonia com
o ordenamento jurídico, mas a administração decide revogá-lo por entender ser a medida que melhor atende
ao interesse público.

A revogação somente se aplica aos atos discricionários. É vedada a revogação de ato administrativo
vinculado. Além disso, a revogação em si é um ato discricionário, pois decorre exclusivamente da escolha do
administrador após ponderação dos critérios da conveniência e oportunidade.

A revogação, ao contrário da anulação, somente produz efeitos a partir do momento em que o ato foi
revogado, ou seja, produz efeitos prospectivos (ex nunc). Além disso, deverão ser respeitados os direitos
adquiridos pelos interessados.

220
668
Somente a Administração Pública pode revogar os seus próprios atos, não cabendo revogação por parte do
Poder Judiciário, que apenas anula atos administrativos, quando provocado, por vício de legalidade ou
legitimidade.

A revogação ainda depende de prévio procedimento que permita o contraditório e a ampla defesa do
interessado.

Além disso, a revogação, em regra, não gera direito a indenização dos particulares, tendo em vista que
somente se revoga um ato precário, em que o particular possui mera expectativa de direito. Entretanto, em
determinados casos excepcionais pode ser reconhecido o direito a indenização do particular, especialmente
quando violados princípios jurídicos e houver prejuízo ao particular.

A doutrina aponta ainda alguns atos que não podem ser revogados:

a) Atos consumados: aqueles que já exauriram seus efeitos ou com prazo expirado;
b) Atos vinculados;
c) Atos que já geraram direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF);
d) Atos preclusos no processo administrativo: o processo administrativo é um procedimento com uma
sucessão ordenada de atos administrativos, sendo que o ato anterior é pressuposto para a prática do
posterior. Neste sentido, ao editar um novo ato dentro do procedimento, ocorre a preclusão
administrativa quanto à etapa anterior;
e) Atos declaratórios (“meros atos administrativos”): tendo em vista que se limitam a declarar a
existência ou não de uma situação e a sua forma jurídica, sendo impossível a revogação da realidade;
f) Atos opinativos (enunciativos): tendo em vista que não produzem efeitos por si só. A revogação tem
a finalidade de impedir que um ato continue a produzir efeitos.

Anulação Revogação
Anula um ato inválido; Revoga um ato válido;
Anula atos vinculados ou discricionários; Revoga apenas atos discricionário;
Em regra, é ato vinculado (será discricionários se É um ato discricionário em si;
houver possibilidade de convalidação);
Produz efeitos retroativos (ex tunc); Produz efeitos prospectivos (ex nunc);
Administração Pública, Poder Judiciário e Poder Apenas a Administração Pública;
Legislativo;
Em regra, gera direito a indenização. Em regra, não há direito a indenização.

221
668
7.5.3 – Caducidade

A caducidade é a espécie de extinção do ato administrativo quando sobrevém uma nova lei incompatível
com a manutenção do ato no mundo jurídico. Desta forma, a situação contida no ato administrativo não é
mais tolerada pela nova legislação.

Veja que o ato foi editado regularmente, porém, tornou-se ilegal em virtude da alteração legislativa.

Há parcela da doutrina que defende a aplicação da caducidade apenas em relação aos atos discricionários e
precários, pois não geram direito adquirido ao particular. Os atos vinculados geram direito adquirido,
devendo ser protegido mesmo na hipótese de superveniência de nova legislação. A extinção retirada do ato
vinculado pela Administração acarreta direito a indenização.

Por fim, duas distinções são necessárias. Em primeiro lugar, a caducidade não se confunde com a anulação,
embora, em ambos os casos, o ato administrativo é extinto, por iniciativa da Administração, em virtude de
ilegalidade. Ocorre que, na anulação, o vício é anterior à prática do ato ou ocorreu durante a sua produção,
enquanto na caducidade o vício é superveniente à sua produção, em decorrência do advento de uma nova
lei.

Por outro lado, a caducidade do ato administrativo não se confunde com caducidade do contrato
administrativo. Neste último caso, a caducidade é a extinção do contrato por inciativa da Administração,
em regra discricionária, por descumprimento de cláusulas contratuais ou de normas jurídicas pelo
contratado (art. 38, lei 8.987/95), possuindo natureza sancionatória. Apenas no caso do art. 27 (transferência
de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente) da
referida lei a caducidade do contrato administrativo será ato vinculado.

Caducidade do Ato Adm. Anulação Caducidade do contrato Adm.


Nova lei incompatível com a Vício de legalidade ou Descumprimento do contrato ou
manutenção do ato; legitimidade; normas jurídicas;
Vício superveniente. Vício anterior ou concomitante à Vício posterior à celebração do
prática do ato. contrato.

7.5.4 – Cassação

A cassação é a extinção do ato administrativo por descumprimento das condições fixadas pela
Administração Pública ou pela ilegalidade superveniente imputada ao beneficiário do ato. Trata-se de uma
verdadeira punição à conduta ilegal do administrado.

A cassação não se confunde com a anulação, embora, em ambos os casos, o ato administrativo é extinto,
por iniciativa da Administração, em virtude de ilegalidade. Ocorre que, na anulação, o vício é anterior à
prática do ato ou ocorreu durante a sua produção, enquanto na cassação o vício é superveniente à sua
produção, em decorrência da perda dos requisitos necessários para a permanência do ato no mundo jurídico
pelo particular.

222
668
7.5.5 – Contraposição ou derrubada

A contraposição é a extinção do ato administrativo pela incompatibilidade material com ato administrativo
posterior. Neste caso, a Administração edita um novo ato que se contrapõe ao ato anterior, que é extinto.

Embora a maioria da doutrina entenda como uma espécie autônoma de extinção do ato administrativo por
manifestação da Administração Pública, parcela doutrinária entende que se trata de verdadeira revogação
tácita.

8 – CONVALIDAÇÃO E CONVERSÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

8.1 – Convalidação ou sanatória

A convalidação do ato administrativo é a correção ou regularização de ato que contenha defeito sanável,
desde a sua origem (ex tunc), fazendo com que os efeitos já produzidos permaneçam válidos e que o ato
continue no mundo jurídico de forma válida.

A convalidação é um ato discricionário da Administração Pública, que poderá optar, diante de um defeito
sanável, entre anular o ato administrativo ou convalidá-lo. Vale destacar ainda que o ato somente poderá
ser convalidado se não acarretar lesão ao interesse público ou prejuízo a terceiros.

Em âmbito federal, a convalidação é regulamentada no art. 55 da lei 9.784/99:

Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo
a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria
Administração.

Os requisitos, portanto, podem ser esquematizados da seguinte forma:

a) Ato sanável;
b) Não acarretar lesão ao interesse público;
c) Não acarretar prejuízo ao erário;
d) Decisão discricionária da administração de acordo com a conveniência e oportunidade.

A convalidação, conforme visto, possui efeitos retroativos (ex tunc), tornando o ato válido desde a sua
produção. Além disso, a convalidação pode incidir sobre atos vinculados ou discricionários.

Vale lembrar que apenas dois elementos do ato administrativo podem conter vícios sanáveis:

a) Competência, desde que não seja competência exclusiva ou em relação à matéria;


b) Forma, desde que a lei não considere a forma como essencial à prática do ato.

223
668
Os vícios nos demais elementos do ato administrativo (finalidade, motivo e objeto) serão sempre insanáveis,
tornando o ato insuscetível de convalidação.

➢ Convalidação involuntária ou tácita

Por fim, é importante destacar que parcela da doutrina entende que o decurso do prazo de cinco anos (ou
outro prazo estabelecido na lei do Ente Público) para a anulação do ato administrativo, configurando a
decadência do direito de anular o ato, é uma espécie de convalidação involuntária ou convalidação por
omissão.

A lei 9.784/99 prevê o prazo decadencial de 05 anos para a anulação de atos dos quais resultem efeitos
favoráveis ao Administrado, salvo comprovada má-fé. Transcorrido este prazo, a Administração não mais
poderá anular o ato ilegal, que permanecerá no mundo jurídico indefinidamente. Neste caso, parcela da
doutrina entende que houve convalidação involuntária ou tácita.

Por outro lado, os juristas que não admitem denominar esta hipótese de convalidação no caso de vícios
insanáveis, entendem que houve estabilização ou consolidação do ato administrativo.

(CESPE / PGM-CAMPO GRANDE-MS / 2019) Acerca de atos administrativos, julgue o item que se
segue.
Ato administrativo vinculado que tenha vício de competência poderá ser convalidado por meio de
ratificação, desde que não seja de competência exclusiva.
Comentários
A assertiva está CORRETA. A convalidação do ato administrativo é a correção ou regularização de ato
que contenha defeito sanável, desde a sua origem (ex tunc), fazendo com que os efeitos já produzidos
permaneçam válidos e que o ato continue no mundo jurídico de forma válida.
Vale lembrar que apenas dois elementos do ato administrativo podem conter vícios sanáveis:
Competência, desde que não seja competência exclusiva ou em relação à matéria;
Forma, desde que a lei não considere a forma como essencial à prática do ato.

8.2 – Conversão

Embora não exista consenso na doutrina quanto a existência e à definição da conversão, vale mencionar este
instituto para que o aluno não seja surpreendido nas provas de concursos públicos.

224
668
Pode-se conceituar a conversão como o aproveitamento de um ato nulo (vício insanável), transformando-
o em um ato válido de outra categoria, pela modificação de seu enquadramento legal, de forma retroativa,
ou seja, o ato passa a pertencer a uma outra categoria, se tornando válido desde a sua produção.

Em resumo, o ato nulo é desfeito e transformado, retroativamente, em um ato de outra espécie e válido.

Esta hipótese de aproveitamento do ato nulo é bastante questionável juridicamente, mas vale a menção
nesta aula para que o aluno tenha conhecimento completo sobre os pontos relevantes da doutrina.

TAREFA 12 – DIREITO PROCESSUAL PENAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Interrogatório judicial a Declarações do ofendido.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

2. INTERROGATÓRIO JUDICIAL

2.1 CONCEITO
O interrogatório judicial é o ato por meio do qual o acusado é ouvido e perguntado pelo magistrado a
respeito de suas qualificações pessoais e sobre os fatos imputados na denúncia, “abrindo-lhe oportunidade
para que, querendo, deles se defenda (incidindo, nesse caso, o direito constitucional ao silêncio, que não
pode ser tomado como prova contra o réu)” (Bonfim, 2013).

É manifestação dos princípios da ampla defesa e do contraditório; é, também, manifestação do direito à


autodefesa, mormente em seu elemento “direito de audiência”.

Em outras palavras, é a oportunidade que o réu tem, dentro do processo penal, de exercer diretamente a
autodefesa. Após tomadas as suas qualificações pessoais, poderá o acusado expor ao magistrado a sua
versão dos fatos; confessar ou negar a autoria delitiva; contestar as alegações das testemunhas inquiridas;
esclarecer pontos que entender pertinentes; ou mesmo permanecer em silêncio – art. 186, caput e parágrafo
único do CPP:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado
será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado
e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

225
668
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa.

Como se nota, o interrogatório judicial engloba tanto uma fase sobre a pessoa do acusado quanto uma fase
a respeito dos fatos imputados. É o interrogatório, portanto, um ato bifásico.

Essa constatação, ainda, decorre de expressa previsão legal, conforme art. 187 do CPP, o qual também dita
o ‘roteiro’ durante a realização do ato:

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os
fatos.

§ 1º Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou


profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente
se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve
suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados
familiares e sociais.

§ 2º Na segunda parte será perguntado sobre:

I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece
a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas
esteve antes da prática da infração ou depois dela;

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta;

IV - as provas já apuradas;

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem


o que alegar contra elas;

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta
se relacione e tenha sido apreendido;

VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e
circunstâncias da infração;

VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa.

226
668
2.2 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica do interrogatório judicial está longe de ser ponto pacífico na doutrina.

RENATO MARCÃO aponta quatro correntes de entendimento sobre o tema: “1ª) o interrogatório é meio de
prova; 2ª) o interrogatório é meio de defesa; 3ª) o interrogatório é meio de prova e de defesa; 4ª) o
interrogatório é meio de defesa e eventualmente meio de prova” (Marcão, 2017).

a) Interrogatório como meio de prova: guarda relação com o próprio sistema inquisitorial, no qual o acusado
é visto como mero objeto de prova. Essa natureza jurídica parece ter sido a adotada pelo CPP (que é de 1941,
a propósito), como bem expõe BRASILEIRO:

Confirmando seu viés inquisitorial, o Código de Processo Penal em vigor sempre


considerou o interrogatório como meio de prova. A própria posição topográfica que o
interrogatório ocupa no CPP, dentro do Capítulo III (“Do interrogatório do acusado”) do
Título VII (“Da prova”) reforça esse entendimento (Lima, 2017).

b) Interrogatório como meio de defesa: visão que tem crescido nos últimos tempos e defendida por célebres
doutrinadores. Para essa corrente, o interrogatório é meio de defesa, (não obstante a sua localização dentro
da estrutura do CPP), mormente em razão do próprio direito constitucional ao silêncio garantido durante o
ato (art. 5º, LXIII) e seus consectários.

Afirma NESTOR TÁVORA:

(...) o interrogatório é, na essência, meio de defesa, notadamente porque o réu pode


invocar o direito ao silêncio, sem nenhum prejuízo à culpabilidade. Ademais, o
interrogatório é o momento para o réu, em desejando, esboçar a versão dos fatos que
lhe é própria, sendo expressão da autodefesa. Pode até mesmo mentir para livrar-se da
imputação. Nesse sentido ADA PELLEGRINI, SCARANCE FERNANDES, GOMES FILHO, TOURINHO,
dentre outros. É também a nossa posição. O interrogatório pode funcionar até como
fonte de prova, mas não deve ser enquadrado na vala comum dos meios de prova
(Távora, 2017).

Complementa BRASILEIRO:

Com a entrada em vigor da Lei nº 10.792/03, e, posteriormente, em virtude da reforma


processual de 2008, esse entendimento ganhou reforço. Isso porque foram introduzidas
as seguintes inovações: a) cariz facultativo do comparecimento do acusado perante o
Juiz [sic]; b) obrigatoriedade da presença do defensor técnico no interrogatório; c) direito
à entrevista reservada do interrogando com seu defensor técnico antes da realização

227
668
desse ato; d) proibição do uso do direito ao silêncio como argumento de prova contra o
acusado; e) colocação do interrogatório ao final da instrução probatória, possibilitando
que o acusado seja ouvido após a colheita de toda a prova oral (Lima, 2017).

c) Interrogatório como meio de prova e de defesa: visão que tem prevalecido nos tribunais superiores. Para
os adeptos dessa corrente, ao mesmo tempo em que o interrogatório é meio de defesa (pelas razões
expressas na corrente anterior), é, também, meio de prova, porquanto o magistrado, ao formular perguntas
e receber respostas referentes aos fatos imputados, poderá delas se valer como auxílio para a apuração da
verdade e para formar sua convicção.

d) Interrogatório como meio de defesa e, eventualmente, meio de prova: diferencia-se da corrente anterior
por não considerar ambas as naturezas como presentes permanente e concomitantemente, mas de maneira
casuística e gradativa; apenas caso o acusado não faça uso de seu direito ao silêncio (meio de defesa) é que
se pode pensar no interrogatório como meio de prova. Nas palavras de NUCCI, adepto dessa corrente:

Note-se que o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a


Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se
avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se
apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que
disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em
consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo (Nucci, 2015).

MARCÃO, que adere a essa posição, sintetiza:

Afirmar que o interrogatório constitui apenas meio de prova não explica a situação em
que o acusado faz opção pelo silêncio Constitucional, pois desse silêncio não se pode
retirar prova alguma quanto ao mérito da imputação. Dizer que é meio de defesa também
não explica aquelas situações em que ocorre confissão e/ou delação de corréu, que em
harmonia com o restante da prova servirá para a formação de juízo condenatório. Isso
também afasta a possibilidade de afirmar que será sempre meio de prova e de defesa
(Marcão, 2017).

2.3 MOMENTO PARA REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO


Anteriormente à reforma do Código de Processo Penal, em 2008, o interrogatório era ato inaugural da
instrução processual.

Houve a quebra desse paradigma com o advento da Lei 11.719/2008, momento a partir do qual passou o
art. 400 do CPP a prever o interrogatório como último ato da instrução:

228
668
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60
(sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das
testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art.
222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Apenas a título de complementação, essa alteração abrangeu também o procedimento do Tribunal do Júri,
tanto na primeira (art. 411, caput do CPP) quanto na segunda fase (como se percebe dos arts. 473 e 474 do
CPP):

Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se


possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem
como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.

Art. 473. Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz
presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão,
sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas
arroladas pela acusação.

Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no
Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção.

Há se ter cautela, todavia. Não obstante essa relativamente recente previsão no Código de Processo Penal,
o interrogatório ainda é previsto como sendo o primeiro ato da instrução em algumas leis penais especiais,
como exemplifica RENATO BRASILEIRO DE LIMA:

Apesar da nova posição topográfica do interrogatório no curso do procedimento comum


previsto no CPP, não se pode olvidar que, em certos procedimentos especiais, o
interrogatório continua sendo o primeiro ato da instrução probatória. É o que acontece,
por exemplo, no procedimento da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06, art. 57), no
procedimento ordinário do processo penal militar (CPPM, art. 302, c/c art. 404, caput) e
no procedimento especial da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93, art. 104).

Contudo, concluiu o Plenário do STF, no julgamento do HC 127.900/AM, pela necessidade de se realizar o


interrogatório ao final da instrução criminal também nos procedimentos penais especiais, regulados em
legislação esparsa e que possuam previsão do interrogatório como primeiro ato de instrução. Assim, restaria
garantida a efetiva observância aos postulados da ampla defesa e contraditório também nesses
procedimentos outros.

De todo modo, o entendimento apenas incidiria nos casos posteriores à data de publicação da ata de
julgamento (11/3/2016) cuja instrução ainda não tenha encerrado. Confira trecho da esclarecedora ementa
do aludido julgado:

229
668
Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local
sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de
atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada
(CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças
Armadas. Irrelevância para fins de fixação da competência. Interrogatório. Realização ao final
da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça
Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº 11.719/08, em detrimento do art. 302 do
Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos
preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do
contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do
Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha
encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da
norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata
do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a
todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas
ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. [...] 3. Nulidade do interrogatório dos
pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art. 302). 4. A Lei nº 11.719/08
adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos
preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus
princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais
benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo
penal militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De
modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já
sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja
instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória
proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. [...] (HC 127900, Relator(a): Min. DIAS
TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 02-
08-2016 PUBLIC 03-08-2016)

Sem embargo de algumas oscilações dentro de suas Turmas, a Suprema Corte recentemente está
observando a tese firmada no caso paradigma – interrogatório como último ato da instrução, para que não
haja violação ao contraditório e à ampla defesa:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. INSTRUÇÃO CRIMINAL. REALIZAÇÃO DO


INTERROGATÓRIO DO RÉU AO FINAL. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROVIMENTO DO AGRAVO. 1. O art. 7º da
Lei n. 8.038/1990 determina que "recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora
para o interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério
Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso". A interpretação literal do
comando normativo é no sentido de que o interrogatório do réu, nos processos de competência
originária do Supremo Tribunal Federal, deve ser o ato inaugural da instrução processual penal.
2. No entanto, o dispositivo não se coaduna com os princípios do contraditório e da ampla defesa,
que impõem a realização do ato apenas ao término da instrução. 3. Nesse sentido é o
entendimento do Pleno e dessa 1 ª Turma (AP 528 AgR, Rei. Min. RICARDO LEWANDOWSKI,

230
668
Tribunal Pleno, DJe de 8/6/2011). (AP 988 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURELIO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 04/04/2017, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 15-05-2017 PUBLIC 16-05-2017). 4. Provimento do Agravo para
reformar a decisão agravada, determinando que a instrução processual penal se inicie com a
oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, realizando-se o interrogatório ao final. (AP 1027
AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO,
Primeira Turma, julgado em 02/10/2018).

Para que se cogite de possível nulidade do interrogatório pela inversão da ordem dos atos, tem-se exigido
que a defesa a tenha arguido por ocasião da própria audiência de instrução e que seja demonstrado efetivo
prejuízo causado ao acusado em virtude disso, em observância ao princípio pas de nullité sans grief. Já
decidiu o STF:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.


TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI 11.343/2006). INTERROGATÓRIO REALIZADO NO INÍCIO DA
INSTRUÇÃO CRIMINAL. NULIDADE DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DEFENSIVA
TARDIA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 1. Na audiência de instrução e julgamento, a
defesa, em momento algum, questionou a ordem da colheita das inquirições, tampouco
requereu a reinquirição após o término da instrução processual. Nessas circunstâncias, não pode
a defesa, agora, valer-se de suposto prejuízo decorrente de sua omissão, para invalidar a ação
penal. 2. Sem a demonstração de efetivo prejuízo causado à parte não se reconhece nulidade no
processo penal (pas de nullité sans grief). Precedentes. 3. Embargos de declaração recebidos
como agravo regimental, ao qual se nega provimento (HC 158104 ED, Relator(a): Min.
ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 28/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
213 DIVULG 04-10-2018 PUBLIC 05-10-2018)

Assim também tem entendido o STJ:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS.


NULIDADE PROCESSUAL. INTERROGATÓRIO COMO PRIMEIRO ATO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE
PREJUÍZO. PRECLUSÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. [...] 2. A jurisprudência desta Corte é
reiterada no sentido de que a decretação da nulidade processual, ainda que absoluta, depende
da demonstração do efetivo prejuízo por aplicação do princípio do pas de nullité sans grief. No
caso em análise, a defesa não logrou demonstrar qual o prejuízo experimentado em razão da
antecipação da prova, restringindo-se a sustentar a aplicação do art. 400 do Código de Processo
Penal - CPP no procedimento especial previsto na Lei n. 11.343/06. 3. A suposta nulidade do
interrogatório está preclusa, pois não alegada na própria audiência. A defesa permaneceu
silente, somente arguindo a nulidade em sede de recurso de apelação. 4. Habeas Corpus não
conhecido. (HC 472.605/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
12/02/2019, DJe 21/02/2019)

Superada essa questão, importante lembrar que o CPP, em seu art. 185, prevê a possibilidade de o
interrogatório ser realizado a qualquer momento durante o “curso do processo penal”:

231
668
Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal,
será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

Por fim, conforme art. 196 do CPP, mesmo na hipótese de já ter sido o acusado interrogado, há a
possibilidade de que se proceda a novo interrogatório, seja por iniciativa das partes, seja ex officio pelo juiz:

Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido
fundamentado de qualquer das partes.

2.4 CONDUÇÃO COERCITIVA


Outra questão que desperta intensas discussões é a possibilidade ou não de se poder conduzir o acusado
contra a sua vontade (coercitivamente) para o seu interrogatório.

Em primeiro lugar, veja o que dispõe o art. 260 do CPP:

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou


qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-
lo à sua presença.

Pode-se perceber, nesse tema, a relação existente entre o entendimento adotado sobre a natureza jurídica
do interrogatório e a possibilidade ou não de que seja possível a condução coercitiva do réu para a sua
realização. Seria incongruente, por exemplo, considerar o interrogatório como meio de defesa e afirmar ser
possível a condução forçada do acusado ao ato.

Em decisão absolutamente recente, de 14/06/2018, o Plenário do STF “declarou que a condução coercitiva
de réu ou investigado para interrogatório, constante do artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP), não
foi recepcionada pela Constituição de 1988”. A decisão foi publicada em 22/06/2018; contudo, o seu teor
traz poucos detalhes sobre a matéria decidida, de maneira que optamos por colacionar, aqui, a notícia do
site oficial da Corte, muito mais completa e didática:

A decisão foi tomada no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental


(ADPFs) 395 e 444, ajuizadas, respectivamente, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB). O emprego da medida, segundo o entendimento majoritário,
representa restrição à liberdade de locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, sendo,
portanto, incompatível com a Constituição Federal.

Pela decisão do Plenário, o agente ou a autoridade que desobedecerem a decisão poderão ser
responsabilizados nos âmbitos disciplinar, civil e penal. As provas obtidas por meio do
interrogatório ilegal também podem ser consideradas ilícitas, sem prejuízo da responsabilidade
civil do Estado. Ao proclamar o resultado do julgamento, a presidente do STF, ministra Cármen
Lúcia, ressaltou ainda que a decisão do Tribunal não desconstitui interrogatórios realizados até a

232
668
data de hoje (14), mesmo que o investigado ou réu tenha sido coercitivamente conduzido para
tal ato.

O julgamento teve início no último dia 7, com a manifestação das partes e dos amici curiae e com
o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, pela procedência das ações. Na continuação, na
sessão de ontem (13), a ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator.

O ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente, entendendo que a condução coercitiva


é legítima apenas quando o investigado não tiver atendido, injustificadamente, prévia intimação.
O ministro Edson Fachin divergiu em maior extensão. Segundo ele, para decretação da condução
coercitiva com fins de interrogatório é necessária a prévia intimação do investigado e sua
ausência injustificada, mas a medida também é cabível sempre que a condução ocorrer em
substituição a medida cautelar mais grave, a exemplo da prisão preventiva e da prisão
temporária, devendo ser assegurado ao acusado os direitos constitucionais, entre eles o de
permanecer em silêncio. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Roberto Barroso e Luiz Fux.

O julgamento foi retomado na tarde desta quinta-feira (14) com o voto do ministro Dias Toffoli,
que acompanhou o relator. Para o ministro, é dever do Supremo, na tutela da liberdade de
locomoção, “zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução
coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o
direito fundamental de ir e vir, a garantia do contraditório e da ampla defesa e a garantia da não
autoincriminação”.

O ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou a corrente majoritária, e afirmou que se


voltar contra conduções coercitivas nada tem a ver com a proteção de acusados ricos nem com
a tentativa de dificultar o combate à corrupção. “Por mais que se possa ceder ao clamor público,
os operadores do direito, sobretudo os magistrados, devem evitar a adoção de atos que viraram
rotina nos dias atuais, tais como o televisionamento de audiências sob sigilo, as interceptações
telefônicas ininterruptas, o deferimento de condução coercitiva sem que tenha havido a
intimação prévia do acusado, os vazamentos de conversas sigilosas e de delações não
homologadas e as prisões provisórias alongadas, dentre outras violações inadmissíveis em um
estado democrático de direito”, disse.

Para o ministro Marco Aurélio, que também votou pela procedência das ações, o artigo 260 do
CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1998 quanto à condução coercitiva para
interrogatório. O ministro considerou não haver dúvida de que o instituto cerceia a liberdade de
ir e vir e ocorre mediante um ato de força praticado pelo Estado. A medida, a seu ver, causa
desgaste irreparável da imagem do cidadão frente aos semelhantes, alcançando a sua dignidade.

Votou no mesmo sentido o ministro Celso de Mello, ressaltando que a condução coercitiva para
interrogatório é inadmissível sob o ponto de vista constitucional, com base na garantia do devido
processo penal e da prerrogativa quanto à autoincriminação. Ele explicou ainda que, para ser
validamente efetivado, o mandato de condução coercitiva, nas hipóteses de testemunhas e
peritos, por exemplo, é necessário o cumprimento dos seguintes pressupostos: prévia e regular

233
668
intimação pessoal do convocado para comparecer perante a autoridade competente, não
comparecimento ao ato processual designado e inexistência de causa legítima que justifique a
ausência ao ato processual que motivou a convocação.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, acompanhou o voto do ministro Edson Fachin. De
acordo com ela, a condução coercitiva interpretada, aplicada e praticada nos termos da lei não
contraria, por si só, direitos fundamentais. Ressaltou, entretanto, que não se pode aceitar
“qualquer forma de abuso que venha a ocorrer em casos de condução coercitiva, prisão ou
qualquer ato praticado por juiz em matéria penal.

2.5 FORO COMPETENTE PARA A REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO


Em relação ao foro competente para o interrogatório, é evidente que o acusado, em regra, deva ser ouvido
pelo juiz competente para o julgamento do respectivo processo-crime. Todavia, em determinadas situações,
há a possibilidade de ser o acusado interrogado por juiz diverso.

Trata-se dos interrogatórios realizados por meio de cartas precatórias; instrumentos de cooperação entre
juízos de Comarcas e Estados diversos.

Em termos mais práticos: se o acusado reside em localidade deveras afastada daquela em que tramita o
processo, não seria razoável exigir-lhe custoso e inconveniente deslocamento para que tenha a oportunidade
de exercer o seu direito de audiência. Portanto, nada impede (muito pelo contrário; o bom senso dita) que
o réu possa ser interrogado perante o juízo criminal da Comarca em que se encontra, remetendo-se a
respectiva mídia digital/termos de audiência ao juízo competente para o julgamento.

Não se pode perder de vista a extensão continental do Brasil. Exigir-se, sempre, o interrogatório perante a
autoridade que conduz o processo-crime representaria insuperável estagnação dos feitos, com prejuízos
para toda a sociedade e à própria administração da Justiça. Poderia representar, em algumas situações,
prejuízo ao próprio acusado, porquanto lhe seria tolhido o direito à autodefesa pelas contingências da
distância.

Poder-se-ia indagar: como ficaria o aparente embate entre o princípio da identidade física do juiz e o
interrogatório por carta precatória?

Essa questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Para a Corte, analisando-se o processo penal
por enfoque global e a finalidade da reforma de 2008, sem se olvidar das peculiaridades que geralmente
envolvem os casos concretos, não haveria choque entre o referido postulado e essa modalidade de
interrogatório.

GONÇALVES et. al sintetiza a questão com um julgado esclarecedor do STJ:

É pacífico o entendimento, no Superior Tribunal de Justiça, de que é possível a realização


do interrogatório por meio de carta precatória, sem que isso importe em ofensa ao

234
668
princípio da identidade física do magistrado: ‘1. Com a introdução do princípio da
identidade física do Juiz no processo penal pela Lei 11.719/08 (art. 399, § 2º do CPP), o
Magistrado que presidir os atos instrutórios, agora condensados em audiência una, deverá
proferir a sentença, descabendo, em regra, que o interrogatório do acusado, visto
expressamente como autêntico meio de defesa e deslocado para o final da colheita da prova,
seja realizado por meio de carta precatória, mormente no caso de réu preso, que, em
princípio, deverá ser conduzido pelo Poder Público (art. 399, § 1º do CPP); todavia, não está
eliminada essa forma de cooperação entre os Juízos, conforme recomendarem as
dificuldades e as peculiaridades do caso concreto, devendo, em todo o caso, o Juiz justificar
a opção por essa forma de realização do ato. 2. A adoção do princípio da identidade física
do Juiz no processo penal não pode conduzir ao raciocínio simplista de dispensar totalmente
e em todas as situações a colaboração de outro juízo na realização de atos judiciais, inclusive
do interrogatório do acusado, sob pena de subverter a finalidade da reforma do processo
penal, criando entraves à realização da Jurisdição Penal que somente interessam aos que
pretendem se furtar à aplicação da Lei’ (STJ — CC 99.023/PR — 3ª Seção — Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho — julgado em 10.06.2009 — DJe 28.08.2009) (Gonçalves, et
al., 2017).

2.6 AUSÊNCIA DO INTERROGATÓRIO


A ausência do interrogatório pode se dar por diferentes motivos, e, a depender da origem dessa ausência,
diferentes também serão as suas consequências.

Imprescindível se faz, pois, separar duas situações completamente diferentes: a não ocorrência do
interrogatório por vontade do acusado e a não realização do interrogatório por vontade do julgador.

Partindo-se das premissas de que: i) o interrogatório constitui manifestação direta dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV da CF); ii) o direito à autodefesa (dentro da
ampla defesa) é renunciável; e iii) o interrogatório é (pelo menos ‘também’) meio de defesa – é
completamente possível que o acusado não tenha interesse e não participe do ato. Isso não acarreta
qualquer nulidade ao processo, desde que lhe tenha sido oportunizada, caso porventura desejasse, a
possibilidade de exercer tal direito.

Situação totalmente diversa é a não designação do interrogatório pelo magistrado ou a não realização do
ato estando o réu presente e interessado em participar dele. MARCÃO muito bem distingue:

A não designação de interrogatório é causa de nulidade absoluta por quebra dos


princípios anteriormente anotados [contraditório e ampla defesa]. Não há que se
confundir, entretanto, a não designação com a não realização. Embora necessário, o
interrogatório não é imprescindível (Marcão, 2017).

235
668
Ou seja, em sentido diametralmente oposto à primeira situação, a segunda enseja reconhecimento de
nulidade absoluta, conforme art. 564, III, e do CPP:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...]

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: [...]

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos
concedidos à acusação e à defesa;

É dizer, a única hipótese em que se admite a não ocorrência de interrogatório em um processo-crime é


quando isso advir da própria vontade do acusado. Caso contrário, estar-se-á diante de uma nulidade
processual.

2.7 CARACTERÍSTICAS DO INTERROGATÓRIO

2.7.1 Ato personalíssimo

É ato pessoal do acusado, não podendo outra pessoa ocupar a sua posição. Não pode ser delegado.

Convém registrar que, em casos de processo penal contra pessoa jurídica, o interrogatório é realizado pelo
seu representante legal (Badaró, 2017).

2.7.2 Ato contraditório

Permite-se, no interrogatório, a participação de ambas as partes na formulação de reperguntas ao acusado,


como efetivo exercício do postulado do contraditório. Nesse sentido, a atual redação do art. 188 do CPP:

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para
ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

2.7.3 Ato assistido tecnicamente

No interrogatório, o acusado deve, necessariamente, ser assistido por defensor público ou particular,
constituído ou nomeado. A defesa técnica é um aspecto da ampla defesa irrenunciável pelo réu.

Essa obrigatoriedade da presença de defensor está estampada no art. 185 do CPP:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal,
será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

Perceba-se, contudo, que não basta a mera presença do defensor durante a realização do ato, é necessário
que se possibilite ao acusado entrevistar-se prévia e reservadamente com o referido profissional.

236
668
Aliás, o próprio CPP, no § 5º do art. 185, prevê, peremptoriamente, a necessidade de que, em qualquer
modalidade de interrogatório, seja garantido esse contato do defensor e acusado antes do ato. In verbis:

§ 5º. Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista


prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também
garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja
no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

Sobre as consequências da não observância desses direitos pelo magistrado durante o interrogatório, expõe
BRASILEIRO, ao citar interessante julgado do STJ52 sobre o tema:

De fato, como já concluiu o STJ, com a alteração do CPP pela Lei nº 10.792/03, assegurou-
se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório do réu;
de outro, o direito do acusado de entrevista reservada com seu defensor antes daquele
ato processual. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis – direitos decorrentes
de norma sensível –, a inobservância pelo juiz dessas novas regras implica a nulidade do
ato praticado. Caso em que o réu foi interrogado sem a assistência de advogado, tendo
dispensado a entrevista prévia com o defensor nomeado pelo juiz. Recurso provido a
fim de se anular o processo penal desde o interrogatório do acusado (Lima, 2017).

2.7.4 Ato oral

Como regra geral, o interrogatório é realizado de forma oral, ou seja, através da fala.

A depender do caso, de maneira excepcionalíssima, o interrogatório será realizado e registrado de outras


formas. O próprio CPP prevê algumas possíveis situações e a maneira de se proceder para garantir a lisura e
a validade do ato.

Em se tratando de acusado surdo, mudo ou surdo-mudo, dispõe o art. 192 do CPP:

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte:

I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente;

II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito;

52
STJ, 6ª Turma, RHC 17.679/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 20/11/2006 p. 362.

237
668
III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as
respostas

Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete
e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo

Caso o acusado não fale ou compreenda a língua portuguesa, o interrogatório deverá contar com intérprete.
É o que prevê o art. 193 do CPP:

Art. 193. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio
de intérprete.

Ainda, se o acusado não souber escrever, não puder ou não quiser assinar, tal fato será feito constar do
termo. Art. 195 do CPP:

Art. 195. Se o interrogado não souber escrever, não puder ou não quiser assinar, tal fato será
consignado no termo.

2.7.5 Ato individual

Nos processos em que haja mais de um réu, os interrogatórios deverão ser feitos individualmente. É o que
dispõe o art. 191 do CPP:

Art. 191. Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente.

Complementa BRASILEIRO: “Nesse caso, (...) deve-se possibilitar ao advogado do corréu a possibilidade de
formular reperguntas aos demais acusados, notadamente se as defesas de tais acusados se mostrarem
colidentes, sob pena de violação à ampla defesa” (Lima, 2017).

2.7.6 Ato bifásico

Conforme já explanado, o interrogatório é constituído de duas fases distintas: uma sobre a pessoa do
acusado; outra sobre os fatos imputados. Relembre o que dispõe o art. 187 do CPP:

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os
fatos.

§ 1º Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou


profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente
se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve
suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados
familiares e sociais.

§ 2º Na segunda parte será perguntado sobre:

238
668
I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece
a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas
esteve antes da prática da infração ou depois dela;

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta;

IV - as provas já apuradas;

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem


o que alegar contra elas;

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta
se relacione e tenha sido apreendido;

VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e
circunstâncias da infração;

VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa.

A título de complementação, interessante notar que as informações pessoais do acusado colhidas na


primeira fase do interrogatório (§ 1º) guardam forte relação com as circunstâncias judiciais presentes no art.
59 do CP, as quais serão valoradas pelo juiz para a fixação da pena-base na primeira fase de dosimetria da
pena. Veja o que dispõe o art. 59:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade


do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação
e prevenção do crime.

Além disso, como bem registra TÁVORA:

A falta de oportunidade de emprego, moradia, educação, saúde, que contribuem para


que o agente se envolva na atividade delitiva, pode funcionar como atenuante genérica,
ou nas situações de maior evidência, pode implicar na absolvição do réu, afastando-se
a culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa. Salutar a previsão do CPP em
permitir o conhecimento da vida do interrogado, destinando um tópico do
interrogatório com esta finalidade (Távora, 2017).

Ao demais, na segunda fase, o acusado será perguntado sobre a imputação que lhe é feita (§ 2º), o que
permitirá ao magistrado (caso o acusado não faça uso de seu direito constitucional ao silêncio) ouvir a sua
versão dos fatos, esclarecer pontos relevantes e melhor apurar a verdade.

239
668
2.7.7 Ato público

Em regra, o interrogatório (assim como todos os atos judiciais) é público (art. 93, IX da CF). Entretanto,
existem situações nas quais a publicidade pode ser mitigada, dando lugar ao sigilo. São ocasiões
excepcionais, descritas no art. 792, § 1º do CPP:

Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão
nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça
que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.

§ 1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo,


inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma,
poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja
realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

Portanto, apenas será admitida a mitigação da publicidade, reduzindo-se o número de pessoas presentes
durante o ato de interrogatório, quando houver perigo de escândalo, perturbação da ordem ou
inconveniente grave que possa ocorrer em decorrência da própria publicidade. Caso contrário, qualquer do
povo poderá acompanhar o ato.

2.8 LOCAL DA REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO


O interrogatório dos réus soltos segue a regra geral em relação ao local de realização dos atos processuais:
ocorrerá na sede do juízo, ou seja, na sala de audiências do Fórum.

Essa regra geral provém do art. 792 do CPP:

Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão
nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça
que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.

Excepciona-se a essa regra o interrogatório de réu preso. Nesses casos, há três formas de realização do ato
no que diz respeito ao local, conforme sustenta BRASILEIRO:

a) pessoalmente, dentro do presídio em que se encontra, mas desde que haja segurança
para todas as pessoas envolvidas no ato; b) por videoconferência; c) pessoalmente, no
fórum: de acordo com o art. 185, § 7º, do CPP, será requisitada a apresentação do réu
preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não possa ser realizado no interior
do presídio ou por videoconferência (Lima, 2017).

240
668
a) Interrogatório dentro do estabelecimento prisional: com previsão no art. 185, § 1º do CPP, parece ter
sido essa a primeira opção do legislador infraconstitucional no que diz respeito ao local de realização do
interrogatório. Dispõe o artigo:

§ 1º. O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que
estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério
Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.

Não obstante essa aparente preferência, a prática tem demonstrado a inviabilidade de realização do ato nos
estabelecimentos prisionais.

A inviabilidade é causada, em primeiro lugar, pelos próprios requisitos que necessitam ser observados para
que se possa proceder ao ato nesses moldes, como uma sala de audiências própria (não se olvidando das
situações estruturais já quase sempre precárias desses estabelecimentos); garantia da segurança de todas
as pessoas envolvidas no ato (que demandaria deslocamento do já escasso efetivo de agentes de segurança
penitenciária); observância da publicidade (como se garantir, ao mesmo tempo, a publicidade do ato dentro
de um estabelecimento prisional, a segurança de todos os envolvidos e a própria manutenção do controle e
ordem dentro do presídio?), dentre outros requisitos.

Em segundo lugar, a inviabilidade (de índole processual) é demonstrada pela própria adoção da audiência
una de instrução e julgamento pelo processo penal brasileiro, a partir da reforma de 2008, como bem registra
BRASILEIRO:

(...) de acordo com a reforma processual de 2008, houve a adoção de uma audiência una
de instrução e julgamento, na qual é colhida toda a prova oral – oitiva do ofendido, das
testemunhas, eventuais esclarecimentos dos peritos, e, por fim, o interrogatório do
acusado – com ulteriores alegações orais e sentença proferida pelo magistrado. Ora, se
a intenção do legislador foi a de imprimir maior celeridade ao procedimento comum,
concentrando os atos da instrução probatória em uma audiência una, que deve ser
realizada no fórum, não se mostra razoável que todas as pessoas envolvidas com tal
audiência tenham que se deslocar até o estabelecimento prisional (Lima, 2017).

b) Interrogatório por videoconferência: previsto no art. 185, §§ 1º a 6º do CPP. Será analisado em item
próprio.

c) Interrogatório pessoal no Fórum: apesar de também ser apresentada no CPP como uma forma subsidiária
de interrogatório (art. 185, § 7º), essa tem sido a praxe no processo penal, tendo em vista toda a
problemática envolvendo o interrogatório nos estabelecimentos prisionais, bem como a dificuldade de
implementação e utilização dos sistemas de videoconferência e sua inerente carga de excepcionalidade.

Dispõe o referido parágrafo:

241
668
§ 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o
interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1º e 2º deste artigo.

Dessa forma, o réu que se encontra preso terá a sua apresentação em juízo requisitada às respectivas
autoridades, de modo que será escoltado ao Fórum para que acompanhe todos os atos processuais e possa,
ao final, ser interrogado pessoalmente.

2.9 NOMEAÇÃO DE CURADOR


A redação anterior do art. 194 do CPP previa a necessidade de se nomear curador para os acusados menores
de 21 (vinte e um) anos para que acompanhasse o interrogatório. Veja o que dispunha o artigo:

Art. 194. Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador.

A menoridade a que o dispositivo fazia menção era a civil. Ocorre que, com o advento do Código Civil de
2002, a menoridade passou a cessar (no critério ‘idade’) aos 18 (dezoito) anos completos. Essa alteração
esvaziou a efetividade do art. 194.

Veja, in verbis, o que dispõe o artigo 5º do Código Civil:

Art. 5º. A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à
prática de todos os atos da vida civil.

Além disso, logo em seguida, como bem contextualiza MARCÃO, essa alteração ocasionou mudanças na lei
processual penal:

A nova regra determinou efeitos na legislação penal e processual penal, sendo um deles
exatamente a revogação do art. 194 do CPP, situação posteriormente confirmada pelo
art. 10 da Lei n. 10.792/ 2003, que cuidou de revogar expressamente referido dispositivo.
Foi derrogado o art. 564, III, c, parte final, do CPP, que tipificava nulidade quando não
providenciada a nomeação de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos. Está superada
a discussão (Marcão, 2017).

Outrossim, encontra-se revogado tacitamente o artigo 15 do CPP que determina a nomeação de curador
para os indiciados menores de 21 (vinte e um) anos de idade por ocasião da tomada de declarações no
inquérito policial (Távora, 2017).

Não obstante esses registros, a figura do curador no processo penal ainda subsiste em algumas situações,
como para os indígenas não integrados à sociedade e os doentes mentais incapazes, como bem pontua
RENATO MARCÃO:

242
668
Com efeito, deverá ocorrer nomeação nas hipóteses em que o acusado for indígena que
não esteja completamente integrado à civilização, ou quando se tratar de pessoa
portadora de doença mental que a torne incapaz de entender o caráter ilícito do fato e
de determinar-se de acordo com esse entendimento – semi-imputável ou inimputável –
na forma do art. 26 do CP. A ausência de curador especial torna nulo o interrogatório e,
por consequência, os demais atos a seguir praticados (Marcão, 2017).

2.10 INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA


Com o advento da Lei nº 11.900/2009, essa forma de interrogatório passou a ser tratada pelo CPP em seu
art. 185, § 2º, o qual, de antemão, já deixa explícita a excepcionalidade da medida:

§ 2º. Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das


partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro
recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja
necessária para atender a uma das seguintes finalidades: [...]

A respeito do aparato tecnológico a ser utilizado para a prática do ato, BRASILEIRO concebe algumas
interessantes premissas básicas empíricas:

1) a transmissão audiovisual bidirecional (two-way), de molde a permitir a efetiva


interação entre o acusado (ou a testemunha remota) e os demais participantes do
depoimento; 2) um padrão de qualidade e clareza na transmissão do sinal que permita
a perfeita audição e visualização recíproca entre todos os participantes do ato
processual, além da continuidade da transmissão durante todo o ato processual; 3) a
plena visualização por parte das pessoas situadas na sala de audiências de todos os
recantos do recinto onde o acusado ou a testemunha remota se encontram, a fim de
evitar a presença de pessoas estranhas, que estejam orientando ou coagindo tal
testemunha (Lima, 2017).

Não basta que o interrogatório por videoconferência ocorra a esmo; é imprescindível que sejam tomadas
todas as medidas cabíveis para garantir que o ato seja realmente efetivo e escorreito, evitando-se que essa
modalidade de interrogatório seja utilizada de maneira subversiva ante as peculiaridades que envolvem essa
medida excepcional.

Outrossim, conforme § 3º do mesmo artigo, devem as partes ser intimadas com antecedência mínima de 10
(dez) dias da data do interrogatório:

§ 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes


serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.

243
668
Ademais, é expressamente permitido ao acusado (e já o seria de qualquer forma, tendo em vista os
inafastáveis postulados da ampla defesa e do contraditório) acompanhar, pela videoconferência, a realização
dos demais atos de instrução criminal anteriores ao interrogatório. Trata-se do § 4º do referido art. 185:

§ 4º Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo


sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento
de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código.

Outro ponto relevantíssimo, já trabalhado por ocasião das características do interrogatório, é a previsão legal
da necessidade de se garantir ao acusado entrevista prévia e reservada com o seu defensor. A previsão legal
abrange todas as modalidades de interrogatório, mas pormenoriza como esse acesso e contato do acusado
e seu defensor deve ocorrer nas videoconferências. Relembre o que dispõe o artigo, atentando-se para a sua
segunda parte:

§ 5º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista


prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido
o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no
presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

Perceba-se, então, a necessidade de haver dois defensores nas hipóteses de interrogatório por
videoconferência, permanecendo um no estabelecimento prisional e outro na sala de audiência do Fórum.
Além disso, deve-se garantir o contato telefônico (direto e sigiloso) entre os dois defensores e entre o
advogado presente na sala de audiência e o preso.

Por fim, o § 6º do artigo em análise impôs a necessidade de fiscalização da sala reservada para audiências
por todos os sujeitos do processo, bem como pelos órgãos e entidades em sentido genérico:

§ 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por


sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como
também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

2.10.1 Finalidades do uso da videoconferência

Estão elencadas no art. 185, § 2º do CPP:

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre
organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

Destaque para “fundada suspeita”. Não basta meras conjecturas e ilações sobre ser o preso integrante de
organização criminosa, ou mero receio de que possa fugir durante eventual deslocamento. São necessários
elementos concretos nesse ou naquele sentido.

244
668
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade
para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

Hipótese de o acusado, por alguma circunstância pessoal involuntária (interna ou externa) não poder ser
conduzido ao juízo, ou que tal condução não seja recomendável no momento. Assegura-se, assim, que o réu
participe do ato processual através da videoconferência e possa exercer sua autodefesa.

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível
colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

No magistério de BRASILEIRO, “em outras palavras, a testemunha e o ofendido serão inquiridos por
videoconferência. Caso não seja possível a oitiva deles por videoconferência, aí sim o juiz determinará a
retirada do acusado da sala de audiências, prosseguindo-se na inquirição por videoconferência com a
presença do seu defensor” (Lima, 2017).

IV - responder à gravíssima questão de ordem pública

O termo “gravíssima” empregado no dispositivo gera dúvidas acerca de seu verdadeiro significado e
abrangência, cabendo à doutrina conceber contornos mais palpáveis a esse inciso.

AVENA, novamente, bem esclarece o assunto:

Cremos que nele se enquadra toda sorte de motivos que levem o juiz a compreender
que a videoconferência, no caso concreto, justifica-se pelo receio de que o
comparecimento pessoal do acusado preso ao fórum possa acarretar prejuízo à ordem
normal dos trabalhos a serem realizados em audiência.

O autor, ainda, exemplifica:

Como exemplos de situações que poderiam conduzir à aplicação do art. 185, § 2. º, IV,
estão o clamor social em torno do fato imputado ou da pessoa do réu preso, de tal forma
que a sua presença em audiência possa importar em protestos populares, riscos de
agressão física, ofensas morais etc.; e o grau de periculosidade do acusado, exigindo
elevado contingente de policiais ou agentes para impedi-lo de eventuais agressões
contra o juiz, partes e servidores (Avena, 2015).

245
668
3. CONFISSÃO

3.1 CONCEITO
A confissão nada mais é do que a admissão, pelo indiciado ou acusado, da veracidade das imputações que
lhe são feitas.

Nas palavras de TOURINHO FILHO, “é o reconhecimento feito pelo imputado da sua própria responsabilidade”
(Filho, 2011).

Tem natureza de meio de prova, não só pela sua localização topográfica dentro do CPP, mas pelo fato de que
é um instrumento possível de ser utilizado pelo magistrado na busca da verdade e formação de sua convicção
- quando efetivamente exteriorizado pelo acusado, evidentemente.

3.2 ESPÉCIES DE CONFISSÃO


Várias são as classificações da confissão. Vejamos, então, as suas diversas espécies:

a) Confissão extrajudicial: é a confissão realizada fora do processo, ou seja, é exteriorizada na fase


investigatória. Para AURY LOPES JR., não há sentido na distinção entre a confissão “extrajudicial” e a “judicial”,
porquanto apenas pode ser valorada a confissão realizada em juízo, com efetiva compreensão, pelo acusado,
de seus direitos constitucionais e assistido por defensor técnico (Júnior, 2018).

BRASILEIRO, sobre esse ponto, registra:

Em duas situações, todavia, a jurisprudência tem admitido a valoração da confissão


extrajudicial: a) no plenário do júri, em virtude do sistema da íntima convicção do juiz,
que vigora em relação à decisão dos jurados; b) quando a confissão extrajudicial é feita
na presença de defensor (Lima, 2017).

b) Confissão judicial: é a confissão realizada perante o magistrado, observados o contraditório e a ampla


defesa.

MARCÃO aponta a existência de subdivisões dessa espécie de confissão: a confissão judicial própria e a
imprópria:

Em relação à confissão judicial, há quem diga que ela pode ser dividida em: confissão
judicial própria e confissão judicial imprópria, referindo-se a primeira hipótese à confissão

246
668
prestada perante a autoridade judiciária competente para julgar o caso, e a segunda à
hipótese de ser prestada perante autoridade judicial diversa (Marcão, 2017).

c) Confissão explícita: trata-se de uma confissão direta e objetiva. O acusado confessa de maneira
indubitável o fato delituoso.

d) Confissão implícita: o acusado pratica ou busca praticar atos que podem revelar a admissão de culpa. Nas
palavras de CAPEZ, essa espécie de confissão ocorre “quando o pretenso autor da infração procura ressarcir
o ofendido dos prejuízos causados pela infração” (Capez, 2018). Dentro do processo penal, essa confissão
não tem qualquer valor (Lima, 2017).

e) Confissão simples: o acusado admite como verdadeiras as imputações que lhe são feitas sem invocar
quaisquer justificantes (excludentes de ilicitude – art. 23 do CP) ou exculpantes (excludentes de culpabilidade
– arts. 26 e 28, § 1º do CP, dentre outros).

f) Confissão qualificada: o acusado confessa a prática do fato delituoso, mas afirma que teria agido sob o
manto de alguma excludente de ilicitude ou culpabilidade. Contanto que seja utilizada para a formação do
convencimento do magistrado, essa espécie de confissão também enseja a aplicação da atenuante genérica
de pena prevista no art. 65, III, d do CP. A esse propósito, veja o que dispõe a Súmula 545 do STJ:

Súmula 545 - Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o
réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.

g) Confissão ficta: ocorre por omissão; o acusado não contesta as imputações feitas.

MOUGENOT BONFIM, para quem a confissão tácita e ficta são sinônimos, assevera que essa espécie é
incompatível com o processo penal brasileiro: “O processo penal brasileiro não admite a confissão tácita,
vigendo a presunção de inocência e dispondo expressamente que o silêncio do acusado não importará em
confissão” (Bonfim, 2013).

No mesmo sentido, CAPEZ: “A confissão ficta ou presumida, contumaz no processo civil, não se verifica no
âmbito do processo penal, por falta de amparo legal. Ainda que o acusado deixe o processo correr à sua
revelia, tal fato não importa na presunção de veracidade acerca daquilo que foi alegado pela acusação”
(Capez, 2018).

h) Confissão delatória: o acusado confessa a prática do crime e, ao mesmo tempo, aponta terceiros
envolvidos nessa empreitada criminosa. Nas palavras de AVENA: “A confissão delatória consiste na afirmação
realizada pelo acusado, por ocasião de seu interrogatório, de que, além de seu próprio envolvimento, uma
terceira pessoa, agindo como seu comparsa, também concorreu para a prática delituosa” (Avena, 2015).

247
668
3.3 CARACTERÍSTICAS DA CONFISSÃO
Podem ser elencadas quatro características principais da confissão:

a) Ato personalíssimo: apenas e tão somente o acusado pode confessar a prática delituosa,
não lhe sendo possível outorgar o ato a outra pessoa, nem mesmo a seu procurador ou
defensor.

b) Ato livre e espontâneo: a confissão deve advir da própria vontade do acusado, seja qual for a motivação
de cunho íntimo que o tenha levado a externá-la. É inadmissível a confissão obtida através de coação ou de
outros meios que viciem a manifestação de vontade do interrogado.

A propósito, como bem lembra BRASILEIRO: “de acordo com o art. 1º, inciso I, da Lei nº 9.455/97, constitui
crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaçam causando-lhe sofrimento
físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”
(Lima, 2017).

c) Ato retratável: mesmo após ter confessado a prática de determinado crime, pode o acusado se retratar.
Conforme leciona MARCÃO: “Uma vez feita, o confitente poderá voltar atrás; desdizer-se e apresentar, ou
não, elementos de convicção a respeito dessa nova versão”.

d) Ato divisível: a confissão pode ser direcionada a apenas alguns fatos delituosos. Caso essa confissão
pontual venha a compor elemento para a formação da convicção do julgador, ensejará a aplicação da
atenuante genérica em relação ao respectivo crime confessado. Tanto a retratabilidade quanto a
divisibilidade da confissão decorrem de expressa previsão legal, conforme art. 200 do CPP:

Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz,
fundado no exame das provas em conjunto.

3.4 VALOR PROBATÓRIO DA CONFISSÃO


Sobre o tema, contextualiza TOURINHO FILHO:

Houve tempo em que a confissão era considerada a rainha das provas, porque ninguém
melhor do que o acusado pode saber se é ou não culpado. Tão importante era ela que
se torturava o pretenso culpado para arrancar-lhe o reconhecimento de sua
culpabilidade. E, muitas vezes, a tortura era pior que a pena cominada à infração, o que
levava o indivíduo, mesmo inocente, a confessar sua pretensa culpa (Filho, 2011).

Já ultrapassada a época em que a confissão tinha valor supremo dentro de um processo penal, constituindo
a chamada regina probationum, ou “rainha das provas”.

248
668
Com o abandono do sistema inquisitorial como sistema processual vigente e do sistema da prova tarifada
como método de avaliação das provas, a confissão passou a ter valor relativo, assim como todos os demais
meios de prova.

Convém relembrar trecho do item VII da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal a esse respeito:

VII – [...] Não serão atendíveis as restrições à prova estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao
estado das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia de provas: na livre apreciação destas, o juiz
formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A própria confissão do acusado não
constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são
relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior
prestígio que outra. [...]

É exatamente essa a visão explicitada pelo art. 197 do CPP:

Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de
prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

É dizer, possuindo valor relativo, a confissão deve ser analisada sob um ponto de vista conglobado do
processo, cotejando-a com os demais elementos probatórios coligidos durante a persecução penal, a fim de
que lhe possa ser conferido maior ou menor força como meio de prova.

4. DECLARAÇÕES DO OFENDIDO
O Código de Processo Penal trata acerca da figura do ofendido em capítulo apartado daquele em que fala
sobre as testemunhas, isso, certamente, para deixar claro que os dois sujeitos não se confundem.

O ofendido não presta o compromisso legal de dizer a verdade (art. 203, CPP), portanto não comete o crime
de falso testemunho (art. 342, CP). Além disso, não deve ser computado no que se refere ao número máximo
de testemunhas das partes (art. 398, CPP).

Entretanto, apesar de não estar sujeito ao crime de falso testemunho, caso se comprove que deu causa a
instauração de investigação, processo etc., contra pessoa que sabia ser inocente, pode responder pelo crime
de denunciação caluniosa (art. 339, CP).

O artigo 201 do CPP estabelece que o ofendido deve ser ouvido sempre que possível, isso em primazia à
busca pela verdade e esclarecimento dos fatos.

Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias
da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por
termo as suas declarações.

249
668
O próprio Código prescreve os ‘fatos’ sobre os quais repousará a oitiva do ofendido, a qual se inicia, sempre,
por sua qualificação. Segundo o caput do artigo 201 do CPP, após a sua qualificação, o ofendido será
perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor e, ainda, sobre as
provas que possa indicar.

Se o ofendido for intimado para prestar declarações e não comparecer injustificadamente, poderá ser
conduzido coercitivamente (art. 201, § 1º, CPP), inclusive para realização de exames periciais, exceto no caso
de exames invasivos (p.ex.: tirar sangue para comprovar que o sangue encontrado no local do crime é o seu),
caso em que terá de concordar com a realização.

Após a edição das leis nº 11.690/2008 e 11.719/2008 reconheceu-se, explicitamente, que a oitiva do
ofendido deve se dar em audiência de instrução e julgamento (arts. 400, 411, 473 e 531 do CPP), embora
essa sempre tenha sido a forma adotada na prática.

Ao ofendido concede-se o direito de: ser comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do
acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e aos respectivos acórdãos que a
mantenham ou modifiquem (art. 201, § 2º, CPP); ser comunicado no endereço por ele indicado, admitindo-
se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico (§ 3º); ter espaço reservado e separado para si, antes
do início da audiência de instrução e durante a sua realização (§ 4º); caso necessário, de ser encaminhado
para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde,
a expensas do ofensor ou do Estado (§ 5º); e, por fim, de que o juiz tomará as providências necessárias à
preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o
segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu
respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação (§ 6º).

Assim como toda e qualquer prova produzida no processo penal, a oitiva do ofendido deve ocorrer
observando-se o contraditório (artigo 5º, LV, CF). Isso não significa dizer que a vítima deve ser ouvida na
presença do acusado. O artigo 217 do CPP garante, à vítima e às testemunhas, a faculdade de pedir a retirada
do réu da sala de audiência, quando a sua presença puder causar humilhação, temor ou sério
constrangimento.

Com relação ao valor probante das declarações do ofendido é importante destacar que, em razão do
‘sentimento’ de ter tido algum bem violado, a sua força probante é reduzida (relativa). Lembre-se que ele
não é, de regra, totalmente imparcial, porquanto sofreu as consequências do ato criminoso. Por outro lado,
como a análise do ‘valor’ da prova fica a critério do juiz, nada impede que um acusado seja condenado apenas
com base nas declarações da vítima (alguns autores criticam ferozmente essa possibilidade), desde que
revestidas de elementos que lhe confiram credibilidade e estejam em consonância com as circunstâncias
delineadas pela instrução.

Não há se olvidar, porém, que em alguns crimes, à palavra da vítima é dada grande importância, porquanto
será o principal elemento a esclarecer não só como os fatos se deram, mas, principalmente, quem foi o autor.
Cite-se como exemplo os crimes contra a dignidade sexual que, na grande maioria das vezes, não é
presenciado por nenhuma testemunha. Caso a palavra da vítima não tivesse grande valia, nesses casos,
certamente não ocorreriam condenações na grande maioria dos casos de estupro, por exemplo.

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668
TAREFA 13 – MEDICINA LEGAL
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

De noções de asfixiologia até Resumo.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1 – NOÇÕES DE ASFIXIOLOGIA
A Asfixiologia é o ramo da Medicina Forense que se preocupa com o estudo das asfixias.

Em termos médicos asfixia é a supressão da respiração, assim, podemos concluir que a morte, seja qual for
sua modalidade, sempre será uma asfixia. Do ponto de vista fisiopatológico, uma vez cessadas as trocas
orgânicas por influência patológica ou por impedimento mecânico de causa fortuita, violenta e externa,
ocorrerá a morte por parada respiratória, antecedendo, na maioria das vezes, a parada cardíaca.

Curiosidade! Embora utilizada com frequência, a palavra asfixia mostra-se inadequada já que significa “não
pulsar” (a + sphyxis).

1.1 – ASFIXIOLOGIA EM GERAL


Sabemos que todos os seres vivos respiram.

Para tanto é necessário que a respiração se processe. Em condições normais o ambiente externo precisa ser
gasoso, com um teor de oxigênio de aproximadamente 21%, nitrogênio 78% e gás carbônico 0,03%, ou seja,
praticamente livre de gases tóxicos. Além disso, é necessário que haja permeabilidade das vias respiratórias,
movimentação toracodiafragmática, expansibilidade pulmonar, circulação sanguínea e volemia em
condições suficientes para o transporte de oxigênio aos tecidos garantindo-se a regularidade da hematose
(transformação do sangue venoso em arterial, por meio de oxigenação nos pulmões).

251
668
Temos que ter em mente que nem todo o oxigênio do ar inspirado alcançará os alvéolos pulmonares. Cerca
de 4% (quatro por cento) do oxigênio fica retido pelas vias aéreas superiores; assim, a proporção de oxigênio
do ar alveolar é de 17% e não 21%.

O homem precisa dessa taxa de oxigênio para viver e, em razão disso, o percentual de 7% de oxigênio no ar
atmosférico ocasiona perturbações orgânicas relativamente graves, e o percentual de 3%, provoca exitus por
exaustão de oxigênio pulmonar e hipercapneia (aumento do gás carbônico no sangue arterial).

É por meio dos alvéolos pulmonares que ocorre a hematose, ou seja, a transformação, por osmose, do
sangue venoso em arterial, pela perda de gás carbônico e entrada de oxigênio.

A tensão do gás carbônico é mais elevada no sangue do que no ar alveolar. Já a tensão do oxigênio é maior
nos alvéolos pulmonares do que nos capilares pulmonares. É essa diferença de pressão entre os gases do ar
alveolar e os do sangue que permite as trocas de gás carbônico por oxigênio na hematose pulmonar.

Dá se o nome de ar circulante ou respiratório à quantidade de ar que entra e sai dos pulmões, em respiração
calma.

Ar complementar é o nome que se dá ao maior volume de ar introduzido nos pulmões, numa inspiração
forçada.

Chama-se de ar de reserva a quantidade de ar eliminado numa expiração profunda.

Já ar residual é nome dado ao volume de ar que sempre permanece nos pulmões, por mais forçada que seja
a expiração.

A frequência respiratória normal é, em média:

➢ Recém-nascido 40-45 movimentos respiratórios por minuto


➢ Lactente 25-30 movimentos respiratórios por minuto
➢ Pré-escolar 20-25 movimentos respiratórios por minuto
➢ Escolar 18-20 movimentos respiratórios por minuto
➢ Adolescente 18 movimentos respiratórios por minuto

A frequência dos movimentos respiratórios, em geral, é de 16 por minuto, no adulto normal, em repouso.
Nas mulheres, em repouso, admite-se 18-22 movimentos por minuto.

A cada movimento respiratório, no indivíduo normal, em condições de repouso físico e mental,


correspondem 4 pulsações cardíacas.

252
668
• Eupneia: é a respiração normal.
• Bradipneia (espaniopneia e oligopneia): é a diminuição dos movimentos respiratórios.
• Taquipneia (polipneia e hiperpneia): é o aumento da frequência respiratória.
• Dispneia: é a respiração forçada e difícil.
• Ortopneia: é uma dispneia muito intensa que obriga o indivíduo a parar qualquer atividade para dar
inteira liberdade de ação aos músculos auxiliares da respiração.
• Apneia: é a pausa ou suspensão temporária da respiração.

1.2 – FISIOPATOLOGIA E SINTOMATOLOGIA DO PROCESSO ASFÍXICO


Um processo asfíxico típico dura cerca de 7 (sete) minutos. Obviamente existem exceções; na submersão
leva cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) minutos; no enforcamento, quando a morte não ocorre por inibição dos
centros nervosos e depende da intensidade de constrição leva cerca de 10 (dez) minutos.

O processo asfíxico divide-se em duas fases e cada fase divide-se em dois períodos:

1. Fase de irritação.
2. Fase de esgotamento.

Dispneia
Período de
respiratória
Fase de Irritação
Dispneia
expiratória

253
668
Inicial, apneico, ou
Período
de morte aparente
Fase de
esgotamento
Terminal

A) Fase de irritação

Na fase de irritação estão abrangidos os períodos de dispneia inspiratória (de cerca de um minuto de
duração), em que a pessoa, sem perder a consciência, absorve desordenadamente em grandes inspirações
o ar; e o período de dispneia expiratória (de cerca de 3 minutos de duração), em que há inconsciência e,
algumas vezes, convulsões tônico-clônicas devidas à ação excitadora do gás carbônico.

Obs.: Convulsões tônico-clônicas envolvem duas fases: na fase tônica há perda de consciência, o paciente cai
e o corpo se contrai e enrijece enquanto que na fase clônica o paciente contrai e contorce as extremidades
do corpo, perdendo a consciência que é recobrada gradativamente após a crise.

B) Fase de esgotamento

Na fase de esgotamento teremos o período inicial, de pausa ou de morte aparente, em que há parada da
respiração durante algum tempo, e o período terminal, em que os últimos movimentos respiratórios que
precedem a morte ocorrem. O tempo de duração da fase de esgotamento é de aproximadamente 3 (três)
minutos.

Vale destacar que a depender da modalidade de processo asfíxico, da idade da vítima, da higidez e dos
hábitos respiratórios, as fases de irritação e de esgotamento podem não obedecer à sequência acima
descrita, assim como seus períodos; sendo certo que em alguns não será possível identificar um limite de
separação entre as fases que poderão se interpor ou se mesclar.

Lembre-se! Nas asfixias a parada respiratória antecede a parada cardíaca.

Atenção! Caso não haja morte após o estado asfíxico avançado, poderão ocorrer perturbações
psíquicas (amnésia) ou neurológicas (convulsões).

254
668
Dispnéia
Dispnéia Últimos
expiratória
Fases da inspiratória Parada movimentos
(dificuladade
asfixia (dificuldade respiratória respiratórios
para expelir o
de puxar o ar) e morte
ar)

1.3 – ASFIXIAS MECÂNICAS EM GERAL


Nas asfixias mecânicas em geral não há sinais patognomônicos (sintoma específico). Os que se tem são sinais
característicos, inconstantes, de valor relativo que, quando associados a outros elementos, permitem o
diagnóstico.

Podemos dividir esses sinais característicos em sinais externos e sinais internos.

1.3.1 – Sinais externos

1.3.1.1. Cianose da face (cor arroxeada ou azulada)

A cianose é uma tonalidade azulada da pele e mucosas devido ao aumento da carboxiemoglobina no sangue
capilar.

Presente em certos tipos especiais de asfixia, como na esganadura, na estrangulação e na compressão


torácica em que a estase da veia cava superior origina raramente a máscara equimótica da face, pode não
estar presente em alguns casos de enforcamento.

Quando, presente nos tecidos orgânicos, através dos capilares e líquidos intersticiais, a oxiemoglobina perde
parte de seu oxigênio e o sangue recebe ácido carbônico proveniente das combustões intracelulares,
formando carboxiemoglobina, e esta atinge o limiar da cianose (5g%), acima do qual surge a cor azul ou, se
intensa, a cor violeta, como borra de vinho.

255
668
1.3.1.2. Espuma (cogumelo de espuma)

Com um aspecto semelhante a um cogumelo podem surgir na boca e/ou no nariz uma espuma. Com
frequência ocorre nos casos de submersão, podendo não estar presente em outros tipos de asfixia.

O cogumelo de espuma somente se forma se houver entrada de líquido nas vias aéreas e em razão da
expulsão de ar e muco nos indivíduos que tentaram evitar a morte e tiveram os corpos retirados
precocemente da água.

1.3.1.3. Projeção da língua para fora da boca

Presente tanto no enforcamento como no estrangulamento. A língua escurecida é projetada além das
arcadas dentárias (para fora). Pode ser vista, raramente nos casos de afogamento no início da putrefação.

1.3.1.4. Equimoses externas na pele e mucosas (especialmente nas pálpebras e olhos)

Decorrentes do extravasamento e infiltração do sangue que se coagula nas malhas dos tecidos, em razão da
ruptura dos capilares.

Arredondadas e pequenas, localizam-se na pele das pálpebras, pescoço, face e tórax, e nas mucosas
exteriores das conjuntivas, dos lábios e, menos comumente, das asas do nariz, formando, muitas vezes,
verdadeiras sufusões sanguíneas.

1.3.1.5. Livor cadavérico (escuro e precoce)

Aparece precocemente. É rosado na submersão, devido às modificações do sangue, vermelho vivo quando
o agente é o óxido de carbono, e escuro nas asfixias mecânicas em geral.

1.3.2 – Sinais internos


1.3.2.1. Caracteres do sangue (sangue fluído, não coagula e é escuro)

Leva-se em consideração o aspecto, a cor e a fluidez.

256
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Nas mortes por asfixia, em regra, o sangue é fluido e de cor negra; porém nos casos de asfixia por monóxido
de carbono, o sangue se apresentará vermelho vivo e nos afogados que ingeriram grande quantidade de
líquido, terá cor do sangue rosada.

É possível a presença de alguns coágulos esparsos e pouco consistentes.

Obs.: No coração estarão ausentes os coágulos fibrinosos (brancos) e cruóricos (negros).

Atenção! A fluidez e a cor negra do sangue não são sinais patognomônicos das asfixias, pois podem estar
presentes em outras modalidades de morte súbita em que, não tenha ocorrido agonia.

1.3.2.2. Equimoses viscerais

São as chamadas petéquias, também chamadas manchas de Tardieu.

São encontradas em quase todos os tipos de asfixia, aparecem geralmente na região subpleural e
supepicárdica (abaixo das membranas que recobrem o pulmão e o coração).

Possuem forma arredondada, puntiforme ou em forma de lentilha ou de sufusões sanguíneas.

Ocorrem como decorrência da fluidez do sangue nas vítimas de asfixia e especialmente em razão da ruptura
dos capilares pelo aumento da pressão arterial advinda da excitação dos centros nervosos bulbares pelo
gás carbônico.

As manchas de Tardieu são petéquias violáceas, em pequeno número — três ou quatro —, ou aglomeradas
em grande quantidade, que recobrem a superfície pleural, interlobares e basilares dos pulmões, do
pericrânio e, nos recém-nascidos, do timo. Também, podem ser encontradas nas vísceras ocas e maciças, na
mucosa gastroduodenal e nas vias respiratórias e no tecido celular profundo periaórtico e mediastínico. Por
isso alguns autores as denominam equimoses viscerais superficiais, equimoses das mucosas e equimoses
do tecido celular profundo.

Obs.: As manchas de Paltauf são equimoses viscerais nos pulmões dos afogados.

1.3.2.3. Congestão polivisceral

Quase todos os órgãos são passíveis de congestão (aumento do volume de sangue) nos diferentes tipos de
asfixia. O mesentério, o fígado e os rins, notadamente no afogamento, são os que se mostram com maior
aumento de sangue, sendo por isso chamados de “fígado e rins asfíxicos” de Etienne Martin.

Já o baço, devido ao fato de contrair-se intensamente durante as fases da asfixia, mostra-se com o sangue
esvaído (sinal de Etienne Martin).

257
668
2 – CLASSIFICAÇÃO DAS ASFIXIAS
Existem diversas classificações das asfixias. Aqui destacaremos as classificações de Thoinot, de Afrânio
Peixoto e de Oscar Freire.

2.1 – CLASSIFICAÇÃO DE THOINOT

1. Asfixias mecânicas por constrição do pescoço: enforcamento; estrangulamento por mão;


estrangulamento por laço.
2. Asfixias mecânicas por oclusão dos orifícios respiratórios externos.
3. Asfixias mecânicas por respiração num meio líquido (submersão), ou num meio pulverulento
(soterramento).
4. Asfixias mecânicas resultantes da oclusão das vias respiratórias por corpos estranhos.

2.2 – CLASSIFICAÇÃO DE AFRÂNIO PEIXOTO


1. Asfixias puras — são manifestadas pela anoxemia (falta de oxigênio no sangue) e hipercapneia
(aumento do gás carbônico no sangue):

A) Asfixias em ambiente por gases irrespiráveis:

 Confinamento;
 Asfixia por monóxido de carbono;
 Asfixias por outros vícios de ambiente.

B) Obstaculação à penetração do ar nas vias respiratórias:

 Sufocação direta (obstrução da boca e das narinas pelas mãos ou das vias aéreas mais
inferiores);

258
668
 Sufocação indireta (compressão do tórax);
 Transformação do meio gasoso em meio líquido (afogamento);
 Transformação do meio gasoso em meio sólido (soterramento).

2. Asfixias complexas — interrupção primária da circulação cerebral, anoxemia, hipercapneia; inibição


por compressão dos elementos nervosos do pescoço:

-Constrição ativa do pescoço exercida pelo peso do corpo (enforcamento).

-Constrição ativa do pescoço exercida pela força muscular (estrangulamento).

3. Asfixias mistas — graus variados dos fenômenos respiratórios, circulatórios e nervosos (esganadura).

2.3 – CLASSIFICAÇÃO DE OSCAR FREIRE


1. Modificações físicas do ambiente:

-Modificações quantitativas dos componentes do ar (diminuição de oxigênio, aumento de gás


carbônico, aumento de temperatura, excesso de umidade): confinamento.

-Modificações qualitativas:

1) ambiente líquido em lugar de gasoso: afogamento;

2) ambiente sólido em lugar de gasoso: soterramento.

2. Obstáculos mecânicos no aparelho respiratório:

-Nas aberturas aéreas (narina e boca, glote): sufocação direta.

259
668
-Nas vias aéreas, por constrição externa, devido ao laço acionado pelo peso da própria vítima:
enforcamento.

-Nas vias aéreas, por constrição externa, devida a laço acionado pela força muscular ou
equivalente: estrangulamento.

-Nas vias aéreas, por constrição externa, devida à ação da mão: esganadura.

3. Obstáculo na oxigenação das hemácias: asfixia pelo monóxido de carbono.

4. Supressão da expansão torácica por contenção externa: sufocação indireta.

3 – ASFIXIA POR CONSTRIÇÃO CERVICAL


A Asfixia por constrição cervical também é chamada de asfixia por constrição do pescoço e ocorre nas
hipóteses de:

a. Enforcamento
b. Estrangulamento
c. Esganadura

3.1 – ENFORCAMENTO
O enforcamento é a modalidade de asfixia mecânica determinada pela constrição do pescoço por um laço
cuja extremidade se acha fixa a um ponto dado, agindo o próprio peso do indivíduo como força ativa.

Só há enforcamento quando a força atuante é o peso do corpo.

Geralmente em suicídio, o enforcamento poderá ser homicida ou acidental.

260
668
Podemos classificar o laço que constringe o pescoço em três tipos:

1. Laços duros (cordões e correntes, fios elétricos, arames, cordas, etc.);


2. Laços moles (lençóis, cortinas, gravatas, etc.); e
3. Laços semirrígidos (cintos de couro).

O laço em regra é constituído pelo nó (mas pode acontecer de ele não existir) e pela alça. Esse nó poderá ser
fixo ou não (corredio). A alça que promoverá a constrição mecânica do pescoço fazendo com que se
interrompa a livre circulação do ar atmosférico nas vias respiratórias por compressão da traqueia e pelo
rechaço da base da língua contra a parede posterior da faringe.

O nó comumente aparece na região posterior (nuca), algumas vezes na lateral (mastoide) e, raramente,
na frente do pescoço.

Já o laço é colocado em torno do pescoço, normalmente uma única volta, mas há casos de várias voltas.

O ponto de suspensão resistente serve para fixar o laço e é variável: galhos de árvores, bandeira de portas,
traves de futebol, espaldar de camas, armadores de rede, maçanetas de portas, cravo de dormentes, grades
de prisões, cano de chuveiro, etc.

A suspensão poderá ser:

➢ Típica ou completa: o corpo permanece completamente suspenso, apoiado apenas pelo laço; e
➢ Atípica ou incompleta: alguma parte do corpo (geralmente, pés, joelhos, braços ou abdome) toca o
solo.

A morte por enforcamento se dá entre cinco (5) e dez (10) minutos, a depender da intensidade da
constrição.

Os livores cadavéricos: começam a surgir a partir da 3ª hora do enforcamento. Após 6 horas já são intensos
e fixam-se.

Obs.: Há casos em que a morte é instantânea em razão da parada cardíaca por


reflexo nervoso e não em razão da asfixia, é a chamada morte por inibição.

Curiosidade! Antigamente considerava-se, por lei, o enforcamento atípico, por suspensão incompleta, uma
simulação. Após 1830, com o suicídio do príncipe de Condé, passou-se a dar-lhe validade jurídica.

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668
3.1.1. Fenômenos ocorridos no enforcamento

Como dissemos acima a morte por enforcamento pode ser rápida em razão da inibição reflexa devido ao
choque laríngeo e à irritação dos seios corotídeos, ou em até 10 (dez) minutos, dependendo da intensidade
da constrição ou das lesões locais ou à distância (danos medulobulbares).

Ao realizar o estudo fisiopatológico consideramos os fenômenos ocorridos durante o enforcamento e os


fenômenos de sobrevivência.

A) Fenômenos ocorridos durante o enforcamento

Esses fenômenos ocorrem em três períodos:

a. Período inicial — sensação de calor, zumbidos e perda rápida da consciência em razão da constrição
do feixe vásculo-nervoso do pescoço o qual compromete a vascularização cerebral;
b. Segundo período (Respiratório) — hipoxemia seguida de hipercapneia, com convulsões e fenômenos
ligados à paralisia do pneumogástrico decorrentes da impossibilidade do livre trânsito do ar
atmosférico determinada pela obstrução das vias aéreas ao nível do osso hioide, pelo laço, e pelo
rechaço da base da língua contra a parede posterior da faringe; e
c. Terceiro período — apneia, parada cardíaca e morte.

B) Fenômenos de sobrevivência

Há situações em que o indivíduo sobrevive ao enforcamento e, após retirado do laço, vem a falecer, sem ter
recobrado a consciência, em razão da lesão degenerativa das células cerebrais, pela anoxia.

Há quem venha a óbito alguns dias depois, inclusive após ter recobrado a consciência.

Frustrado o enforcamento, conforme a fase em que a vítima é socorrida, podem advir perturbações locais
ou gerais.

a. Perturbações locais – decorrentes da ação traumática do laço sobre os órgãos da fonação e da


deglutição, congestão dos pulmões e broncopneumonia favorecidas pela introdução de corpos
estranhos nas vias respiratórias:
✓ O sulco, em geral único, é descontínuo e desigual em profundidade, oblíquo ascendente, tumefeito
e violáceo, situado comumente por cima da laringe, escoriando ou lesando a pele.

262
668
✓ Dor.
✓ Afonia.
✓ Disfagia.

b. Perturbações gerais — de origem asfíxica e circulatória:

✓ Confusão mental.
✓ Depressão.
✓ Amnésia.
✓ Estado comatoso.
✓ Paralisia do reto e uretrovesical.

3.1.2. Aspecto do cadáver

Primeiramente, com base na coloração da face distinguem-se os enforcados azuis e os enforcados


brancos.

Essa diferença se deve ao fato de existirem graus variáveis de obstrução da circulação dos vasos do pescoço.

Nos enforcados brancos a face é pálida e lívida em razão do completo impedimento da circulação por oclusão
total das carótidas e das veias jugulares, interrompendo o fluxo sanguíneo para a cabeça.

Já nos enforcados azuis temos uma constrição que compromete intensamente as artérias do pescoço e mais
completamente as jugulares, estabelecendo-se a estase venosa (comprime a circulação e impede a
eliminação do gás carbônico), que confere ao rosto tonalidade azulada e aspecto vultoso (aumentado) e,
raramente, pequenas equimoses palpebrais e conjuntivais.

Obs.: O oxigênio deixa o sangue com cor vermelha viva e o gás carbônico deixa o sangue com cor arroxeada,
azulada.

A cabeça do enforcado pende para o lado oposto ao nó, fletida para diante, como se o queixo tocasse o
tórax.

A depender da altura e da colocação do laço poderá ocorrer projeção da língua cianosada para o exterior e
espuma sanguinolenta na boca e narinas.

263
668
Pode ocorrer a exoftalmia (projeção do globo ocular para fora de sua órbita), mas este não é um sinal
constante.

O pavilhão auditivo é violáceo, podendo manifestar otorragia por ruptura do tímpano.

No enforcamento típico ou completo, os membros superiores pendem paralelamente ao corpo, com os


punhos semicerrados.

No enforcamento atípico ou incompleto, os membros superiores assumem posições diversas, podendo,


inclusive, os dedos ficarem presos entre o laço e o pescoço. Os membros inferiores podem apresentar
contusões e feridas incisas por projeção violenta dos mesmos contra paredes e objetos próximos.

A rigidez cadavérica instala-se mais tardiamente no enforcamento.

Pela ação da gravidade, as hipóstases e as equimoses post mortem se localizam na metade inferior do corpo
e, mais intensamente, na extremidade dos membros inferiores.

No enforcamento ocorre putrefação seca na metade superior do corpo e úmida na parte restante.

Na suspensão completa, devido à perda de tonicidade e eventual repleção das vesículas seminais, poderá
ocorrer ejaculação post mortem e engurgitamento hipostático dos corpos cavernosos penianos.

3.1.3. Sinais externos

Diz respeito ao sulco deixado pelo laço.

No enforcamento completo o sulco é na parte mais alta do pescoço, entre o hioide e a laringe. Geralmente
é único, mas pode ser duplo, triplo ou múltiplo, de acordo com o número de voltas em torno do pescoço. A
direção é oblíqua ascendente bilateral anteroposterior e, o sulco normalmente é descontínuo,
interrompendo-se nos pontos correspondentes à interposição de corpos moles e especialmente nas
proximidades do nó. Será contínuo, quando produzido por laço muito apertado. Pode não haver sulco se
forem empregados laços moles, ou quando é interposto um corpo mole entre o laço e o pescoço; ou ainda
se a constrição não foi muito demorada.

A largura e a profundidade do sulco vão depender da espessura do laço, da sua consistência e do tempo de
constrição.

Os sulcos produzidos por laços moles são de tonalidade clara ou azulada, e os determinados por laços duros
são pergaminhados (escoriados), firmes e pardo-escuros (linha argêntica), devido à desidratação do tecido
conjuntivo subcutâneo.

No enforcamento incompleto o sulco pode não estar entre o hioide e a laringe e pode se apresentar
horizontalizado ou oblíquo descendente.

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668
No sulco de enforcamento podem ser notados os seguintes sinais:

a) Sinal de Ponsold: localizado nas bordas dos sulcos, são livores cadavéricos que se
apresentam em placas, interna e externamente.
b) Sinal de Azevedo Neves: localizados por baixo e por cima das margens do sulco, são
livores puntiformes.
c) Sinal de Thoinot: localiza-se nas margens do sulco formando uma zona violácea.
d) Sinal de Neyding: encontrado no leito do sulco, são infiltrações hemorrágicas puntiformes.
e) Sinal de Ambroise Paré: é a pele enrugada e escoriada no leito do sulco.
f) Sinal de Lesser: são vesículas sanguinolentas encontradas no fundo do sulco.
g) Sinal de Bonnet: marcas da textura do laço.

Ao se realizar o exame histológico do sulco poderão ser observadas estas sufusões hemorrágicas que são um
indício para se diferenciar o enforcamento verdadeiro da simulação de enforcamento.

3.1.4. Sinais internos

São os sinais locais, os sinais dos planos profundos do pescoço e os sinais à distância.

1) Sinais locais — São as sufusões hemorrágicas da derme e da tela subcutânea.


2) Sinais dos planos profundos do pescoço — Existem muitos, mas esses são os mais
importantes para a Medicina Legal:
a) Sinal de Hoffmann-Haberda: infiltrações sanguíneas dos músculos cervicais;
b) Sinal de Morgagni-Valsalva-Orfila-Roëmmer: fratura do osso hioide;
c) Sinal de Hoffmann: fraturas das apófises superiores da cartilagem tireoide;
d) Sinal de Helwig: fratura do corpo da cartilagem tireoide;
e) Sinal de Morgagni-Valsalva-Deprez: fratura do corpo da cartilagem cricoide;
f) Sinal de Amussat-Divergie-Hoffmann: seção transversal da túnica íntima da carótida comum,
próxima à sua bifurcação;

265
668
g) Sinal de Friedberg: sufusão hemorrágica da túnica adventícia;
h) Sinal de Dotto: ruptura da bainha mielínica do vago;
i) Sinal de Ambroise Paré: luxação da segunda vértebra cervical;
j) Sinal de Brouardel-Vibert-Descourt: equimoses retrofaringeanas.
l) Lesão de Orsòs: gotas de gordura emulsionadas pelo líquido tissular na tela adiposa
subcutânea.

Obs.: os sinais à distância já foram descritos quando falamos das asfixias em geral.

3.1.5. A morte no enforcamento

A morte por enforcamento pode se dar de três formas:

a. Morte por asfixia mecânica

O rechaço da base da língua contra a parede posterior da faringe, contra a qual se associa a ação do laço,
obstrui as vias respiratórias, comprometendo a oxigenação e favorecendo a hipercapneia e
consequentemente a morte.

b. Morte por obstrução mecânica circulatória

A obstrução das artérias carótidas comuns e vertebrais ocasiona perturbações cerebrais e a morte.

c. Morte por inibição

A constrição exercida pelo laço lesa os nervos vagos e os seios carotídeos, ocasionando a morte.

3.2 – ESTRANGULAMENTO
É a asfixia mecânica por constrição do pescoço por laço tracionado por qualquer força que não seja
o peso da própria vítima.

No passado dividia-se o estrangulamento em duas modalidades: estrangulamento por laço e


estrangulamento pela mão.

266
668
Atualmente, o estrangulamento pela mão é chamado de esganadura.

3.2.1 – Fenômenos ocorridos no estrangulamento

a) Asfixia: em razão do laço, é mais decisiva que no enforcamento. Ocorre em razão da


obliteração da traqueia e fechamento da fenda glótica, pela aplicação de uma força
(aproximadamente 25 quilos) que impede a passagem de ar para os pulmões, que, assim como
no enforcamento, desencadeia rápida perda da consciência.

b) Obliteração dos vasos do pescoço: em razão da compressão do feixe vásculo-nervoso do


pescoço, a circulação cerebral, representada especialmente pelas artérias vertebrais e
carótidas comuns e, em grau menor, pelas veias jugulares, ocasiona graves comprometimentos encefálicos
e morte.

c) Compressão dos nervos do pescoço: atinge os nervos vagos (confirmado pelo sinal de Dotto) promove a
morte por inibição do sistema nervoso central.

3.2.2 – Sintomas que ocorrem no estrangulamento

Esses sintomas dependem do modo que se deu o estrangulamento, se lento, violento ou contínuo, mas em
regra a vítima passa por três períodos:

a) Resistência;
b) Inconsciência e convulsões; e
c) Asfixia e morte aparente seguida por morte real.

Se não houver sucesso no estrangulamento é possível que a vítima apresente: amnésia, confusão mental,
agitação, angústia, convulsões, dificuldade na fala, rouquidão, edema e equimose de coloração
vermelho-violácea na região periorbitária direita e esquerda, hemorragia conjuntival e petéquias na
pálpebra inferior de ambos os olhos; escoriação linear, horizontal, uniforme, de coloração avermelhada,
localizada abaixo da tireoide, dor cervical, dispneia e disfagia, espuma sanguinolenta bucal e relaxamento
dos esfíncteres.

3.2.3 – Sinais externos do estrangulamento

➢ Face, em geral, tumefeita (inchada) e violácea;


➢ Hemorragias puntiformes nas conjuntivas, na face, no pescoço e na região torácica anterior
produzidas a distância do ponto de aplicação da força, pela asfixia;

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668
➢ Projeção externa da língua, intensamente cianosada;
➢ Possível otorragia (hemorragia no canal auditivo), com ou sem ruptura do tímpano;
➢ Pavilhão auricular e lábios arroxeados;
➢ Ocorrência de espuma sanguinolenta recobrindo a boca e as narinas (é provável mas não está sempre
presente); e

O sulco está localizado geralmente sobre a laringe; único, duplo, triplo ou múltiplo, contínuo e de
profundidade uniforme, de margens elevadas e cianosadas e leito deprimido não pergaminhado, é
tipicamente horizontalizado, podendo, porém excepcionalmente, ser ascendente quando o laço foi
tracionado pelo agente por detrás e para cima.

3.2.4 – Sinais internos do estrangulamento

Teremos as lesões nos planos profundos do pescoço e as lesões à distância.

3.2.4.1. - Lesões nos planos profundos do pescoço

a. Infiltração hemorrágica do tecido celular subcutâneo e dos músculos longos do pescoço.


b. Lesões do osso hioide e das cartilagens tireoide e cricoide (excepcionalmente).
c. Infiltrações hemorrágicas da adventícia das artérias carótidas (sinal de Friedberg).
d. As rupturas transversais das carótidas, imediatamente abaixo da bifurcação (sinal de Amussat);
excepcionalmente.

Curiosidade! Bonnet e Pedace entendem que, no estrangulamento e no enforcamento,


mesmo quando ausentes os sinais de Amussat e de Friedberg, é possível provar a
existência de lesões das artérias carótidas comuns, próximas a sua bifurcação,
especialmente representadas por achatamento, deformidade e rupturas.

Obs.: Os sinais à distância já foram descritos quando falamos das asfixias em geral.

3.3 – O ESTRANGULAMENTO E A MEDICINA LEGAL


O estrangulamento pode ser homicida, suicida ou acidental.

1. O estrangulamento homicida é a modalidade mais comum.

Não raramente o elemento surpresa facilita a prática criminosa, como no chamado “golpe do pai Francisco”,
que consiste na aplicação traiçoeira da alça em volta do pescoço da vítima e, num movimento rápido, o autor
sai encurvado com a vítima carregada nas costas, presa pelo laço.

268
668
2. O suicídio é possível, porém raro, e se dá, preferentemente, pelo emprego de torniquete.
3. O estrangulamento acidental é pouquíssimo visto mas pode ocorrer, por exemplo, em razão do
deslizamento de pesado fardo sobre as costas, apoiado ao pescoço por uma corda.

Tenham em mente as diferenças entre os sulcos do estrangulamento e do enforcamento:

a) No estrangulamento o sulco é horizontal e, nos raros casos de suicídio, descendente ou ascendente,


múltiplo, contínuo e uniforme, em toda a periferia do pescoço, e não pergaminhado;

b) No enforcamento é único, oblíquo ascendente, de situação alta, por cima da cartilagem tireóidea, mais
profundo na parte central da alça, descontínuo por interrupção ao nível do nó, e pergaminhado.

Estrangulamento Enforcamento
Sulco é horizontal e, nos raros casos de suicídio, Sulco é único, oblíquo ascendente, de situação alta,
descendente ou ascendente, múltiplo, contínuo e por cima da cartilagem tireóidea, mais profundo na
uniforme, em toda a periferia do pescoço, e não parte central da alça, descontínuo por interrupção
pergaminhado. ao nível do nó, e pergaminhado.

3.4 – ESGANADURA
Consiste na asfixia mecânica por constrição anterolateral do pescoço, impeditiva da
passagem do ar atmosférico pelas vias aéreas, promovida diretamente pela mão do
agente ou outra parte do corpo.

Forma homicida de asfixia, exige, para sua execução, superioridade de forças, ou que
a vítima não possa, por qualquer motivo, opor resistência.

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668
A morte ocorre em razão da ocorrência de fenômenos inibitórios resultantes da compressão nervosa do
pescoço, atribuindo-se à obliteração vascular pequena importância.

Caso a esganadura não leve à morte, pode causar disfagia (dificuldade para engolir), disfonia, tumefação
cervical e miocontratura do pescoço.

3.4.1 – Sinais externos à distância

São sinais externos à distância, da esganadura:

a. Cianose ou palidez da face (varia de acordo com o grau de constrição do pescoço e da desproporção
das forças de modo a interromper totalmente ou não a circulação de sangue para a cabeça);
b. Pontilhado escarlatiniforme de Lacassagne, disseminado por área extensa da face e do pescoço
(petéquias na face – sinal de Lacassagne);
c. Congestão conjuntival;
d. Exorbitismo (saliência dos olhos), é raro mas pode ocorrer;
e. Otorragia, principalmente se houver ruptura do tímpano (é possível, mas pode não ocorrer);
f. Ocorrência de procidência da língua e de espuma sanguinolenta nas narinas (é possível, mas pode
não ocorrer);
g. Fratura do osso hioide (gogó).

Nos casos de infanticídio, além destes sinais haverá fratura da coluna cervical.

3.4.2 – Sinais externos locais

São sinais externos locais:

a. Equimoses elípticas ou arredondadas, situadas bilateral e irregularmente no pescoço, produzidas


pela ação compressiva dos dedos do agressor;
b. Estigmas ou marcas ungueais (escoriações produzidas pelas unhas do agressor), comumente
pergaminhadas, variáveis em número e encontradas à esquerda da linha mediana do pescoço quando
o agente for destro, ou em forma de rastros escoriativos, de diferentes tamanhos e direções, devido
às reações da vítima ao defender-se.

Por óbvio, esses sinais escoriativos pericervicais podem não estar presentes se entre a mão e o pescoço for
colocado corpo mole, ou se o agressor usava luvas.

270
668
3.4.3 – Sinais locais profundos

Nos casos de esganadura também podemos notar os sinais locais profundos, quais sejam:

a) Infiltrações hemorrágicas difusas nas partes moles do pescoço (constantes e mais acentuadas que no
estrangulamento);

b) Fraturas dos pequenos e grandes cornos do osso hioide e das cartilagens tireoide e cricóide (mais
frequentes que no estrangulamento);

c) Lesões dos vasos do pescoço, tanto das carótidas como das jugulares (raras).

Obs.: Marcas de França são soluções de continuidade ou infiltrações hemorrágicas dispostas


longitudinalmente, semilunares ou atípicas, e de concavidade voltada para a linha medial do pescoço, na
túnica íntima da artéria carótida comum, próximas à bifurcação. São comumente encontradas nos casos de
esganadura.

d) Lesões da coluna vertebral (ocorrem nos casos de infanticídio por esganadura).

e) Equimoses do pericrânio, congestão das meninges e do encéfalo.

Os sinais locais profundos podem não ocorrer se a morte se der por inibição reflexa dos seios carotídeos.

4 – ASFIXIA POR SUFOCAÇÃO


A sufocação ou constrição das vias respiratórias consiste na asfixia mecânica provocada pelo impedimento
direto ou indireto à entrada do ar atmosférico nas vias respiratórias ou por permanência forçada em
espaço fechado.

a) Direta ou ativa

✓ Oclusão dos orifícios externos das vias aéreas;

✓ Oclusão das vias aéreas

✓ Soterramento

✓ Confinamento

b) Indireta ou passiva

271
668
✓ Compressão do tórax

4.1 – SUFOCAÇÃO DIRETA


Consiste na asfixia causada pelo impedimento da entrada de ar por obstáculo nos orifícios externos (nariz e
boca) ou nas vias aéreas superiores (antes de chegar ao pulmão). Existem quatro modalidades de sufocação
direta:

a) Oclusão dos orifícios externos respiratórios (narinas e boca)

Por meio do emprego da mão ou de corpos moles, pressupõe acentuada desproporção de forças entre o
agressor e a vítima.

Pode ser acidental, como, por exemplo, nos recém-nascidos, em pessoas em crise de epilepsia, pessoas
embriagadas, que podem apoiar a face em travesseiros ou algo que se assemelhe obstruindo narinas e boca.

b) Oclusão das vias respiratórias

Geralmente acidental. Ocorre por aspiração brusca de corpos estranhos (dentaduras, porções de
alimentos, bolinhas de gude, etc.), na árvore respiratória, impedindo a passagem do oxigênio até os
pulmões e desencadeando a morte por asfixia.

O cadáver pode apresentar alguns sinais como equimoses nos lábios, sinais de dentes na mucosa labial
interna e marcas ungueais nas proximidades da boca e das fossas nasais, nos casos de sufocação manual,
sendo estas ausentes quando o agente emprega corpos moles (travesseiros, panos), e provável fratura de
dentes e hemorragias puntiformes oriundas da introdução forçada do corpo estranho dentro da boca.

c) Soterramento

Resulta da obstrução direta das vias respiratórias quando a vítima se encontra mergulhada num meio
sólido ou empoeirado.

Comumente acidental, especialmente nos desabamentos.

Ao se analisar o cadáver é possível notar cianose e equimoses na face e no pescoço e substâncias inerentes
ao meio pulverulento (empoeirado), como terra, cinzas, farinhas, cal e gesso na boca, na árvore respiratória,
no esôfago e estômago, além de lesões traumáticas (fratura, contusões, feridas incisas) e dos sinais gerais
de asfixia.

272
668
A presença de corpos pulverulentos na traqueia, brônquios, esôfago e estômago é de grande importância
para se dizer se a lesão se deu em vida, já que indica que a vítima respirou e viveu durante algum tempo
após o soterramento.

d) Confinamento

A asfixia se dá em razão do enclausuramento do indivíduo em espaço restrito ou fechado, sem renovação


do ar atmosférico, o que implica no esgotamento do oxigênio e aumento gradativo do gás carbônico,
aumento da temperatura, alterações químicas e saturação do ambiente por vapores de água causando
intermação (impede a perda de calor pelo organismo).

4.2 – SUFOCAÇÃO INDIRETA (COMPRESSÃO TORÁCICA)


A sufocação indireta se dá pela compressão do tórax ou eventualmente do tórax e abdome, em grau
suficiente para impedir os movimentos respiratórios e ocasionar a morte por asfixia.

Pode ser homicida ou acidental.

Obs.: To Burk processo em que os criminosos sentavam sobre o tórax da vítima até matá-la.

É possível que em caso de sufocação indireta não se tenham sinais de asfixia, porém quando presentes,
geralmente podemos notar a máscara equimótica de Morestin ou cianose cérvico-facial,de Le Dentut,
ocasionada pela estase venosa da veia cava superior consequente à compressão torácica.

Ao se analisar o cadáver poderão ser encontradas fraturas do gradil torácico, distensão e congestão dos
pulmões (sinal de Valentin), com sufusões sanguíneas subpleurais, além dos sinais inerentes às asfixias em
geral.

4.2.1. Fraturas múltiplas de costela (respiração paradoxal)

Entre os pulmões e o tórax há um espaço de pressão negativa, que os mantém aderidos, permitindo que os
movimentos das costelas expandindo ou reduzindo o tórax, puxem ou comprimam os pulmões possibilitando
a entrada e a saída do ar.

Quando há fratura das costelas, o tórax não se expande quando o indivíduo puxa o ar o que impede a
entrada de ar, causando um assincronismo entre os movimentos respiratórios e os movimentos do tórax
(respiração paradoxal).

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668
4.2.2. Paralisia dos músculos respiratórios

➢ Paralisia espástica (músculos para em contração, uma espécie de cãimbra). Comum nos casos
de eletroplessão e de drogas que causem contração muscular.
➢ Paralisia flácida (músculos sem contração). Comum quando a vítima faz uso de drogas
relaxantes musculares.
➢ Fadiga muscular (exaustão).

5 – INFLUÊNCIA DO LÍQUIDO E GASOSO


A Asfixia poderá ainda ocorrer em ambientes líquidos ou gasosos. Nesse caso, são as consequências de cada
ambiente:

a. Líquido: afogamento
b. De gases irrespiráveis: asfixia por gases

Dito isso vamos analisar as diferentes modalidades de asfixia.

Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: PC-SP Prova: MÉDICO LEGISTA


Assinale a alternativa que contém sinais mais comumente encontrados nas vítimas de
afogamento.
a) Manchas de Tardieu, cogumelo de espuma e máscara equimótica.
b) Manchas de Paltauf, maceração da pele e cogumelo de espuma.
c) Máscara equimótica, manchas de Paltauf, pele anserina.
d) Hipóstases claras, manchas de Tardieu e cianose ungueal.
e ) Lesões por animais aquáticos, cianose ungueal e hipóstases escuras.
Gabarito: B

274
668
6 – AFOGAMENTO
Modalidade de asfixia mecânica que ocorre em decorrência da penetração de líquidos nas vias respiratórias,
por permanência da vítima imersa (totalmente ou não) em meio líquido.

O indivíduo pode vir a afogar-se no próprio sangue (afogamento interno), como no esgorjamento; ou pelo
conteúdo estomacal regurgitado.

O afogamento poderá ser acidental, suicida ou homicida.

Nos meses mais quentes há um considerável aumento na frequência dos afogamentos acidentais de pessoas
imprudentes que se afastam da praia ou entram em lagos, rios e represas, muitas vezes em estado de
embriaguez.

O afogamento suicida e o afogamento homicida são menos frequente, mas são possíveis.

É possível que o examinador traga o conceito de Vibert, que diferencia duas modalidades de asfixia por
afogamento: submersão-inibição e submersão-asfixia.

Há quem entenda que a submersão-inibição não pode ser considerada afogamento, já que o indivíduo
embora imerso, não ingere grande quantidade de líquido, ou seja, não se afoga, sucumbindo rapidamente,
por inibição do sistema nervoso central. Nesses casos não há no cadáver (chamado afogado branco de
Parrot) sinais característicos das asfixias.

Na submersão-asfixia ou afogamento verdadeiro, a morte geralmente ocorre de forma lenta quando o


indivíduo por sucessivas vezes tenta absorver o ar em grandes inspirações e, acaba por engolir o líquido,
engasga e tosse, e, após grande resistência, perde a consciência e, sucumbe em aproximadamente cinco
minutos. Pode acontecer de a morte ser rápida se, após cair na água, o indivíduo não consegue mais vir à
superfície.

Assim, temos dois tipos de afogados:

- Afogados branco: quando não há líquido nos pulmões, uma vez que a morte se deu por parada
cardíaca reflexa (morte por inibição).
- Afogados azul: a morte se deu pela entrada de líquido nos pulmões, ou seja por asfixia.

6.1 – FASES DO AFOGAMENTO


A morte por afogamento desenvolve-se em quatro fases:

275
668
1ª Fase - De luta: a vítima tenta não se afogar, sobe e afunda várias vezes, tenta se agarrar em
pedras, plantas, engole muita água e geralmente se machuca.
2ª Fase - De resistência: caracterizada pela apneia voluntária, durante a qual, a vítima conserva-
se lúcida e com os movimentos reflexos.
3ª Fase - De exaustão ou da inspiração: caracterizada por dispneia com inspirações profundas e
expirações curtas, desencadeada pelo estímulo dos centros nervosos bulbares pela hipercapneia.
4ª Fase - De asfixia: caracterizada pela parada respiratória, perda da consciência, insensibilidade,
algumas vezes com convulsões e morte.

É durante a fase de dispneia que, em razão dos movimentos inspiratórios reflexos, a água penetra no sistema
respiratório (bronquíolos e alvéolos) originando enfisema hidroaéreo pulmonar e espuma sanguinolenta
intrabrônquica pela agitação em borbulhas do ar e pelo refluxo do sangue da cavidade aurículo-ventricular
direita e do sistema porta. O líquido ingerido no afogamento invade o aparelho gastrintestinal.

6.2 – SINAIS DA ASFIXIA POR AFOGAMENTO


De forma básica, os sinais de asfixia por afogamento produzem dois tipos básicos de sinais, os Externos
(geralmente de fácil visualização) e Internos. Veremos agora cada um deles.

6.2.1. Sinais Externos

Dividem-se em sinais atípicos (variam de acordo com o tempo de permanência do cadáver no meio líquido)
e sinais típicos (fenômenos vitais ocorridos durante o afogamento, indicadores de que a vítima estava viva
dentro da água).

6.2.1.1. Sinais externos atípicos

São aqueles que se manifestam em outras formas de morte que não o afogamento, em que o cadáver
permanece por qualquer motivo submerso por algum período de tempo. São eles:

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668
a. Pele anserina ou “pele de galinha”: ocorre como decorrência da saliência dos folículos pilosos pela
contração dos músculos eretores cutâneos. São frequentemente encontradas nos ombros, na região
lateral das coxas e dos antebraços, constituindo o sinal de Bernt.
b. Retração dos mamilos: ocorre pelo mesmo motivo da pele anserina.
c. Retração dos testículos e do pênis: decorre do desequilíbrio térmico inicial entre o corpo e a massa
líquida, por estímulo cremastérico.
d. Temperatura baixa da pele.
e. Maceração epidérmica: decorre da embebição da pele, se apresenta mais acentuada nas mãos e nos
pés, destacando-se por grandes retalhos, ou quando nas mãos, em dedos de luva junto com as unhas.
f. Rigidez cadavérica precoce.
g. Cor da face: lívida ou azulada nos afogados brancos de Parrot e cianosada nos mortos por submersão-
asfixia.
h. Queda fácil dos pelos (daqueles que permaneceram durante algum tempo submersos).
i. Destruição por animais da fauna aquática, como peixes, siris e outros crustáceos das partes moles
e cartilaginosas: como boca, supercílios, pálpebras, globos oculares, nariz e pavilhões auditivos.
j. Projeção da língua além das arcadas dentárias (ocorre no início da putrefação).
k. Presença de erosões das polpas digitais e entre os dedos; sob as unhas presença de lama ou grãos
de areia e, nos lábios presença de corpos estranhos inerentes à massa líquida onde ocorreu a
submersão.
l. Lesões de arrasto (Simonin): decorrem do roçar da fronte, mãos, joelhos e pododáctilos, nos
afogados que permanecem submersos em decúbito ventral em movimentos de vaivém, pelo impulso
das águas. Nas vítimas que permanecem submersas na posição de decúbito dorsal em opistótono, as
lesões de arrasto serão encontradas na região occipital e nos calcanhares.

6.2.1.2. Sinais externos típicos (Caracterizam a asfixia-submersão):

a. “Cabeça de negro”: característica dos afogados por submersão em estado de putrefação; a pele da
cabeça adquire cor verde e bronzeada.
b. Tonalidade vermelho-clara dos livores cadavéricos: em razão das alterações do sangue na asfixia-
submersão (fluidez, falta de coagulação), localiza-se comumente nas regiões mais declives do corpo
(cabeça, pescoço, metade superior do tronco, mãos e pés), podendo, ser generalizada.
c. Cogumelo de espumas: é consequência do arejamento do muco misturado à água na traqueia e nos
brônquios, somente se forma nos indivíduos que reagiram energicamente dentro d’água e aparecem
sobre a boca e narinas dos que foram retirados da água cedo.
d. Putrefação: enquanto a vítima está submersa é lenta, porém se desenvolve rapidamente se o corpo
é posto em contato com o meio exterior. Inicia-se pela parte superior do tórax, face e depois cabeça
e progride em direção descendente comprometendo todo o corpo, que assume forma gigantesca,

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lembrando balão inflado. Há distensão exagerada do aparelho genital masculino fazendo com que o
pênis e as bolsas escrotais tenham dimensões descomunais.

Obs.: a mancha verde que marca o início da putrefação nos afogados aparece no tórax.

6.2.2. Sinais Internos

Trazem as lesões provocadas pelo líquido no interior da árvore respiratória, no aparelho digestivo e no
ouvido médio, e os sinais gerais de asfixia.

➢ Lesões internas provocadas pelo líquido no interior da árvore respiratória:

a) Presença de líquido na árvore respiratória: encontrado em forma de espuma branca, rósea ou


sanguinolenta, na traqueia e brônquios. Tem importância para tipificar o meio líquido (pântanos,
águas doces ou salinas) em que se deu o afogamento.
b) Presença de líquido dentro das cavidades subpleurais: será encontrado apenas nos casos de
submersões prolongadas. Explica-se seu aparecimento em razão da passagem do sangue diluído em
água dos pulmões para os espaços subpleurais, dificilmente dará origem às manchas de Tardieu ou
equimoses subpleurais.
c) Obs.: As manchas de Paltauf são equimoses subpleurais maiores que as de Tardieu (2cm ou mais), de
forma irregular e de coloração vermelho-clara, cujo surgimento se deve à ruptura das paredes dos
alvéolos e dos capilares sanguíneos.
d) Presença de corpos estranhos no interior da árvore respiratória: que podem ser fragmentos de
folhas, de madeira, de restos alimentares, ou mesmo de lodo, areia ou plâncton, partículas
microscópicas formadas no meio líquido por animais, minerais e carapaças das algas diatomáceas.
Como a constituição do plâncton varia de local para local, num mesmo meio líquido, ele terá valor
para indicar o ponto onde ocorreu o afogamento.

Obs.: É possível que ocorra penetração de líquido e de plâncton em cadáveres lançados no meio líquido,
porém será em quantidade bem menor em relação à submersão-asfixia.

e) Lesões dos pulmões: caracterizadas pelo aumento de volume, menor elasticidade e distensão
acentuada dos pulmões (sinal de Valentin), e pela presença de enfisema aquoso, de rupturas dos
órgãos e das paredes alveolares e dos capilares sanguíneos, originando as equimoses subpleurais (e
até sufusões) ou manchas de Paltauf.

Obs.: O enfisema aquoso subpleural é explicado por Paltauf como sendo provocado pela penetração do
líquido aspirado nos alvéolos e tecidos intersticiais, através da via linfática.

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f) Diluição do sangue: a fluidez do sangue é mais acentuada no hemicórdio esquerdo do que no direito.

Na submersão-asfixia o sangue mostra tonalidade vermelho-clara, fluidez acentuada e incoagulabilidade.

g) Presença de líquido no aparelho digestivo: encontrada no estômago e duodeno e,


excepcionalmente, é encontrada no resto do intestino delgado se aí for encontrado faz prova de
asfixia-submersão.
h) Presença de líquido no ouvido médio.

➢ Sinais gerais de asfixia

a) Congestão polivisceral dos rins e especialmente do fígado (fígado asfíxico de Etienne Martin):
provocada pela hipertensão da pequena circulação e da veia cava superior.
b) Equimoses nos músculos do pescoço e do tórax: originadas pelo esforço violento do indivíduo
evitando se afogar ou pelas convulsões manifestadas na fase final do afogamento.

6.3 – TEMPO DE SUBMERSÃO


É muito difícil dizer ao certo quanto tempo a vítima permaneceu dentro d’água. Esse tempo é variável
conforme as estações e o tipo do meio líquido.

Assim sendo, é praticamente impossível dizer, com precisão, a data da morte no afogamento.

Essa será feita por aproximação considerando os antecedentes e uma série de observações médico-legais,
como a maceração da pele, a queda das unhas, a fase de putrefação e de adipocera etc.

Na água doce, o cadáver flutua habitualmente após 24 horas da morte e por até 5 dias, graças aos gases de
putrefação. No mar flutua mais cedo devido ao maior peso específico da água salina.

Assim, por exemplo, no verão, a maceração destaca a pele das mãos e dos pés em dedos de luva, a putrefação
é acentuada e confere ao cadáver o aspecto gigantesco, no terceiro dia. Isso sem falar na rapidez com que a
putrefação se desenvolve no afogado retirado da água no verão. A “cabeça de negro”, no verão, se forma
comumente no segundo dia.

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6.4 – MECANISMOS DE MORTE POR AFOGAMENTO

6.4.1. Em água doce

A água que chegará aos alvéolos pulmonares estará livre de eletrólitos.

Por ser menos concentrada que o sangue ela passa dos alvéolos para os vasos e dilui o sangue, causando
aumento de volume do sangue e falência cardíaca já que o coração não consegue bombear esse grande
volume.

Além disso a água penetra nos glóbulos vermelhos fazendo com que estourem e liberem potássio o que
causa arritmia cardíaca. Assim a morte se dá por parada cardíaca e não por asfixia.

6.4.2. Em água salgada

A água do mar é mais concentrada que o sangue.

Essa água desloca a água do sangue para o interior dos alvéolos que ficam encharcados tanto pela água
aspirada como pela água do sangue, levando à asfixia. Esse é o verdadeiro afogamento.

A pressão da água rompe os alvéolos e os vasos e o sangue extravasa formando equimoses dentro dos
pulmões, as chamadas manchas de Paltauf, as quais são típicas de afogamento.

7 – ASFIXIA POR GASES


Essa modalidade de asfixia é classificada da seguinte forma:

❖ Asfixia por gases de combate

a) Lacrimogêneos

✓ Bromureto de benzila
✓ Iodureto de benzila
✓ Bromacetona
✓ Metil-etil-acetona

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b) Estemutatórios

✓ Etil-dicloroarsina
✓ Difenil-cloroarsina
✓ Cianureto de difenil-arsina

c) Vesicantes

✓ Sulforeto de etila diclorado ou iperita ou gás mostarda

d) Sufocantes

✓ Oxicloreto de carbono
✓ Cloro
✓ Cloropiarsina
✓ Cloroformiato de metila

❖ Asfixia por gases tóxicos

a) Vegetais

• Ácido cianídrico

b) Das habitações

• Monóxido de carbono

❖ Asfixia por gases industriais

a) Vapores nitrosos

b) Formeno, metano, grisu ou gás dos pântanos

❖ Asfixia por gases anestésicos

a) Clorofórmio

b) Éter

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c) Cloreto de etila

d) Protóxido de nitrogênio

7.1 – ASFIXIA POR GASES DE COMBATE

A. Gases lacrimogênios

Em contato com os olhos, não se diluem nas secreções que banham o globo ocular, porém penetram
rapidamente no epitélio corneano e conjuntival, causando, inicialmente, leve sensação de formigamento
reflexo nas pálpebras e, dentro do primeiro minuto após a explosão, intenso lacrimejamento acompanhado
de cefaleia, fadiga, vertigens e irritação das vias aéreas superiores e da pele.

O gás lacrimejante mais importante é o cloro-acetofenona. Na concentração de 0,0045mg por litro de ar


torna o ambiente intolerável e na concentração de 0,86mg por litro produz a morte após 10 minutos de
exposição.

Eram usados pela polícia para dispersar multidões ou para desabrigar marginais homiziados dentro das casas.

B. Gases esternutatórios

Constituídos de agentes que contêm arsênico; causam irritação das vias aéreas superiores, efeitos sobre as
terminações nervosas e sintomas de intoxicação arsenical.

Causam tosse violenta, espirros, rinite, fotofobia, conjuntivite, náuseas, vômitos, dores torácicas e
abdominais, cefaleia, irritação da pele, astenia, sudorese, poliúria, dilatação capilar e destruição epitelial na
traqueia e nos brônquios.

O mais letal gás esternutatório é o etildicloroarsina, poderoso irritante tóxico dos pulmões, que gera
vesicação da pele após uma exposição de cerca de 5 minutos e leva à morte quando inalado na concentração
de 0,5mg por litro de ar durante 10 minutos.

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668
C. Gases vesicantes

O mais famoso gás vesicante é a iperita ou gás mostarda. Chamado “rei dos gases de batalha”, é o vapor do
sulfureto de etila biclorado; altamente tóxico, é o elemento mais destruidor da guerra química.

O gás mostarda atua sobre a pele, olhos e aparelho respiratório. Na pele exposta duas a dez horas ao gás
mostarda surge eritema, às vezes acompanhado de erupção puntiforme, e, posteriormente, flictenas
contendo líquido seroso claro que, rompendo-se, deixam entrever tecido subjacente vermelho e
hemorrágico. As lesões dérmicas, assentam-se na face, no ânus e nas bolsas escrotais, onde o epitélio é mais
espesso. Os olhos lacrimejam, as pálpebras edemaciam, as conjuntivas inflamam e o corpo ciliar e a íris
hiperemiam. A córnea opacifica-se e a superfície do globo ocular adquire aparência rugosa. A orofaringe e a
laringe tornam-se edemaciadas e granulosas. Além disso provoca cefaleia, sede intensa, mal-estar, vertigens,
tonturas, vômitos e diarreias, arritmia cardíaca, podendo a morte sobrevir por broncopneumonia. A
exposição a uma concentração de 0,15mg por litro de ar, durante 10 minutos leva à morte.

A Convenção de Genebra condenou seu uso. Foram utilizados, pela primeira vez, em julho de 1917, na
Primeira Grande Guerra Mundial, causando quatrocentas mil mortes.

D. Gases sufocantes

O mais importante é o cloro. A intoxicação por cloro causa dor intensa, espasmo laríngeo e da musculatura
brônquica, dispneia, hipotensão arterial, hepatização dos pulmões, engurgitamento venoso geral, grave
acidose, cianose, náuseas, vômitos, síncope, inconsciência, falência do ventrículo esquerdo e morte por
edema agudo do pulmão.

No cadáver observa-se:

I. Presença de exsudato consequente à inflamação dos brônquios;


II. Pulmões hepatizados, com extensas áreas edematosas;
III. Focos de enfisema e de atelectasia;
IV. Dilatação aguda, especialmente do ventrículo esquerdo;
V. Líquido serossanguinolento, às vezes abundante, nas vias respiratórias.

Uma parte de cloro por mil partes de ar leva à morte após cinco minutos de exposição.

7.2 – ASFIXIA POR GASES TÓXICOS


Os mais importantes são o ácido cianídrico e o monóxido de carbono.

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668
A) Ácido cianídrico

A inalação de vapores de ácido cianídrico ou ácido prússico acarreta a morte dentro de poucos minutos até
3 horas. A vítima sente vertigens, hiperpneia, cefaleia, taquicardia, cianose, inconsciência, convulsões e
morte por asfixia.

B) Monóxido de carbono

O monóxido de carbono quando inalado é absorvido pelos alvéolos e reage quimicamente com a
hemoglobina do sangue formando a carboxiemoglobina (HbCO), que impede o processamento normal da
hematose, causando anoxia e não envenenamento, pois esse gás não é, em si mesmo, tóxico para as células.

A vítima apresenta edema cerebral, cefaleia intensa, vasodilatação cutânea, zumbidos, tosse, batimentos
dolorosos nas têmporas, escotomas, náuseas, vômitos, síncope, taquisfigmia, taquipneia, debilidade
muscular e paralisia dos membros inferiores que impede a vítima de deixar o local, respiração de Cheyne-
Stokes, convulsões intermitentes, coma, podendo chegar à morte.

Os sintomas citados dependerão da concentração desse gás no ar inspirado, da tensão de CO e O2 no ar


alveolar, e da duração da exposição sanguínea.

Supondo que a vítima seja retirada com vida, a concentração sanguínea de carboxiemoglobina, por ser
dissociável, diminui rapidamente e, se as trocas respiratórias forem satisfatórias, em algumas horas ela será
eliminada por completo do sangue da vítima.

O oxigênio puro expele todo o monóxido de carbono do organismo entre 30 e 90 minutos; ao ar livre são
necessárias cerca de 2 ou mais horas, com as trocas respiratórias processando-se normalmente.

Existe uma forma super aguda de asfixia pelo monóxido de carbono, pela inalação brusca e violenta desse
gás, nesse caso imediatamente surgem tremores, vertigens, perda da consciência, às vezes, convulsões
intermitentes, síncope respiratória e morte por parada respiratória.

Caso a vítima sobreviva, apresentará sequelas psíquicas e neurológicas, amaurose, xantopsia, pneumonia de
regurgitamento, sintomas cardiovasculares, edema cerebral, entre outros.

Curiosidade! Há uma forma crônica de asfixia oxicarbonada, que decorre dos efeitos cumulativos de uma
agressão repetida aos tecidos, causada pela exposição intermitente ao monóxido de carbono, que se
manifesta por sintomatologia psíquica proteiforme e neurológica, hemática e cardiocirculatória,
especialmente, nos foguistas, nos cozinheiros e churrasqueiros profissionais, nos que trabalham em usinas
de álcool ou de pinga.

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O tratamento do indivíduo intoxicado pelo monóxido de carbono consiste em retirar a vítima imediatamente
do local e colocá-la ao ar livre; oxigenoterapia; cuidados gerais; exanguíneo-transfusão, se necessário;
respiração artificial com trações da língua, se o ofendido estiver apneico.

O cadáver do intoxicado por monóxido de carbono apresentará:

a) Rigidez precoce;

b) Face carminada;

c) “Cianose vermelho-clara” das unhas, das mucosas e da pele;

d) Sangue fluido e rosado;

e) Manchas de hipóstase claras;

f) Pulmões rosados e, eventualmente, trombosados;

g) Edema cerebral;

h) Trombose das artérias coronárias;

i) Petéquias e infiltração perivascular, com necrose focal, no coração, no cérebro e em outros órgãos;
e

j) Putrefação tardia.

Obs.: Utiliza-se a espectroscopia e outras reações químicas para pesquisa da presença de monóxido de
carbono no sangue, colhido no interior das cavidades cardíacas, dos grandes vasos ou de vísceras maciças,
para evitar possíveis erros por invasão hemática post mortem do monóxido de carbono.

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668
Espectroscopia, de acordo com Dalton Croce, é o método que permite analisar determinadas substâncias
(hemoglobina, oxiemoglobina, carboxiemoglobina, metemoglobina, hemocromogênio, hematoporfirina),
caracterizando-as, de acordo com o seu espectro de emissão ou de absorção. Esse exame é feito com
espectroscópios, que evidenciam, no espectro solar visível, riscas escuras, verticais e fixas, na seguinte
posição: A e B no vermelho, C no alaranjado, D no alaranjado e no amarelo, E no amarelo e no verde, F no
verde, G no anil, H e K no violeta, chamadas raias de Fraunhofer. Essas raias indicam que certas irradiações
sofrem absorção quando atravessam a lente e o prisma dos aparelhos. O exame espectroscópico do
monóxido de carbono se faz diluindo-se algumas gotas de sangue em água destilada, as quais, observadas
no aparelho, mostram duas faixas no espectro de absorção, entre as estrias “D” e “E” de Fraunhofer,
correspondendo, respectivamente, à carboxiemoglobina (mais escura e estreita no amarelo) e à
oxiemoglobina (mais larga e mais clara no verde), quando o título da solução desta última oscila de 1 a 6 por
mil. Se o seu grau de diluição for superior a 1 para 10 mil, visualiza-se uma terceira faixa entre as estrias “H”
e “K”. Adicionando-se, a seguir, sulfidrato de amônia, sulfureto de amônia ou hidrossulfito de sódio, que são
agentes redutores, ao líquido examinando, supondo exista carboxiemoglobina, as duas faixas não se unem,
permanecem isoladas, não formando, pois, a faixa única de Stokes inerente à presença de oxiemoglobina.
Vale deixar consignado que toda a oxiemoglobina é reduzida a hemoglobina, no máximo duas horas após o
óbito.

O espectro de absorção da carboxiemoglobina está formado por duas faixas entre as raias D e E, sendo, desse
modo, muito assemelhado ao espectro de absorção da oxiemoglobina. É o modo de comportar-se da
carboxiemoglobina e da oxiemoglobina com os agentes redutores que permite diferenciar facilmente estas
duas substâncias.

As reações químicas mais importantes são:

a) Reação de Solkowski: o sangue normal tratado por uma solução aquosa de hidrogênio sulfurado
torna-se esverdeado pela formação de sulfemetemoglobina; em contrapartida, o sangue
oxicarbonado não se altera.

b) Reação de Katayama: o sangue oxicarbonado, diluído a 1/50, adicionado de algumas gotas de


sulfeto de amônio e de ácido acético a 30%, toma coloração vermelho-clara; o sangue normal, por
essa forma tratado, adquire tonalidade vermelho-esverdeada, suja.

c) Reação de Stockis: uma solução aquosa de cloreto de zinco a 25% gera um precipitado de cor
achocolatada, no sangue normal, e de tonalidade vermelho-cereja clara, com ou sem precipitação,
conforme seja o número de gotas empregado no sangue oxicarbonado.

d) Reação de Kunkel e Weltzel: o sangue suspeito, diluído em partes iguais com solução de tanino a
1,5% ou com o ácido acético, forma coágulo rosado, se houver monóxido de carbono, e, nos casos
negativos, anegrado, que, por seu peso, irá se depositar no fundo do tubo de ensaio.

Além destes métodos há ainda um método bastante simples para distinguir as soluções de oxiemoglobina e
de carboxiemoglobina. Mencionado método consiste na diluição separada de ambas, com água, até debilitar

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ao máximo as suas cores: o líquido que contém oxiemoglobina, nestas condições, mostra tonalidade amarela
esmaecida, enquanto o de carboxiemoglobina, vermelho-azulada.

7.3 – ASFIXIA POR GASES INDUSTRIAIS


É causada pelos vapores nitrosos, formeno, metano, grisu ou gás dos pântanos, que interessa à Infortunística
Acidentária, já que é o responsável pelas explosões e sufocação dos obreiros que trabalham no interior das
minas.

Provocam dispneia, irritação intensa da laringe, da traqueia, dos brônquios e dos pulmões.

7.4 – ASFIXIA POR GASES ANESTÉSICOS


São gases usados pelos anestesistas.

Existem situações imprevisíveis de acidentes anestésicos, chamados erroneamente de choques anafiláticos,


que podem levar o paciente à morte, independentemente da competência do profissional.

Cumpre esclarecer que o acidente respiratório, durante uma anestesia geral, não é fato imprevisível, pelo
contrário, deve sempre ser cogitado pelos cirurgiões. Assim, não se pode alegar caso fortuito ou força maior.

Por fim, não custa lembrar que a morte de paciente em razão da anestesia, ocorrida em centro médico
desprovido da aparelhagem indicada, ou de qualquer forma eficaz de segurança para os pacientes, é
considerada, do ponto de vista penal, circunstância agravante, vez que configura inobservância de regra de
ofício, arte ou profissão.

Assim, estabelece o artigo 61 do Código Penal Pátrio:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam
o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou
impossível a defesa do ofendido;

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d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que
poda resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei
nº 11.340, de 2006)

g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
(grifo nosso)
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação dada pela Lei
nº 10.741, de 2003)

i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;


j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça
particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.

Assim, caberá ao perito, após realizar perícia, esclarecer se a causa da morte foi acidental ou decorrente
de negligência do profissional.

A questão é tão importante que em 2018 O Conselho Federal de Medicina revogou a antiga resolução sobre
anestésicos e editou novas regras, elaborando o texto da Resolução 2.174 de 2017, publicada em fevereiro
de 2018.

Finalizamos o estudo dos traumas e energias hoje, Guerreiros.

Após essa aula tão rica, é importante fixarmos todo o conteúdo estudado hoje e a melhor forma é através
da resolução de questões.

Então, vamos lá.

RESUMO
• Energia físico-química

Trauma é a atuação de uma energia externa sobre o indivíduo, com intensidade suficiente para causar
desvio suficiente da normalidade ou alterar o funcionamento do organismo.

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Quanto à lesão, dissemos que é uma alteração estrutural oriunda de uma agressão ao organismo. Assim,
uma lesão será considerada violenta quando causada por traumatismo.

Dissemos que as energias vulnerantes podem ser divididas em três:

✓ Física: mecânica, barométrica, térmica, elétrica e radiante;


✓ Química: cáusticos e venenos;
✓ Físico-Química: asfixias.

Analisamos as energias físicas e químicas e na aula de hoje analisamos as energias físico-químicas.

As energias chamadas de físico-químicas dizem respeito às ações físicas (mecânicas) que ocasionam
alterações da química do organismo.

Assim, podemos dizer que se enquadram como energias físico-químicas as asfixias mecânicas já que a ação
física que obstrui a respiração causa no sangue arterial:

- Hipoxia (redução do oxigênio)

- Hipercarpnia (aumento do gás carbônico)

• Asfixiologia forense

Asfixia é a supressão da respiração.

Do ponto de vista fisiopatológico, uma vez cessadas as trocas orgânicas por influência patológica ou por
impedimento mecânico de causa fortuita, violenta e externa, ocorre a morte.

• Asfixiologia em geral

Sabemos que todos os seres vivos respiram. É por meio dos alvéolos pulmonares que ocorre a hematose, ou
seja, a transformação, por osmose, do sangue venoso em arterial, pela perda de gás carbônico e entrada de
oxigênio.

✓ Eupneia: é a respiração normal;


✓ Bradipneia (espaniopneia e oligopneia): é a diminuição dos movimentos respiratórios;
✓ Taquipneia (polipneia e hiperpneia): é o aumento da frequência respiratória;
✓ Dispneia: é a respiração forçada e difícil;
✓ Ortopneia: é uma dispneia muito intensa que obriga o indivíduo a parar qualquer atividade para dar
inteira liberdade de ação aos músculos auxiliares da respiração; e
✓ Apneia: é a pausa ou suspensão temporária da respiração.

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668
• O processo asfíxico

Um processo asfíxico típico dura cerca de 7 (sete) minutos. Obviamente existem exceções; na submersão
leva cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) minutos; no enforcamento, quando a morte não ocorre por inibição dos
centros nervosos e depende da intensidade de constrição leva cerca de 10 (dez) minutos.

O processo asfíxico divide-se em duas fases e cada fase divide-se em dois períodos:

Dispneia
Período de
respiratória
Fase de Irritação
Dispneia
expiratória

Inicial, apneico, ou
Período
de morte aparente
Fase de
esgotamento
Terminal

Fase da irritação

Na fase de irritação estão abrangidos os períodos de dispneia inspiratória (de cerca de um minuto de
duração), em que a pessoa, sem perder a consciência, absorve desordenadamente em grandes inspirações
o ar; e o período de dispneia expiratória (de cerca de 3 minutos de duração), em que há inconsciência e,
algumas vezes, convulsões tônico-clônicas devidas à ação excitadora do gás carbônico.

Fase de esgotamento

Na fase de esgotamento teremos o período inicial, de pausa ou de morte aparente, em que há parada da
respiração durante algum tempo, e o período terminal, em que os últimos movimentos respiratórios que
precedem a morte ocorrem. O tempo de duração da fase de esgotamento é de aproximadamente 3 (três)
minutos.

Lembre-se! Nas asfixias a parada respiratória antecede a parada cardíaca.

Dispnéia
Dispnéia Últimos
expiratória
Fases da inspiratória Parada movimentos
(dificuladade
asfixia (dificuldade respiratória respiratórios e
para expelir o
de puxar o ar) morte
ar)

290
668
• Asfixia mecânica em geral

Nas asfixias mecânicas em geral não há sinais patognomônicos (sintoma específico). Os que se tem são
sinais característicos, inconstantes, de valor relativo, que, quando associados a outros elementos, permitem
o diagnóstico.

Podemos dividir esses sinais característicos em sinais externos e sinais internos.

➢ Sinais externos:
✓ Cianose da face (cor arroxeada ou azulada)
✓ Cogumelo de espuma
✓ Projeção da língua para fora da boca
✓ Equimoses externas na pele e mucosas
✓ Livor cadavérico escuro e precoce

➢ Sinais internos
✓ Sangue fluído (não coagula) e escuro.
✓ Equimoses viscerais (manchas de Tardieu – petéquias na região subpleural e supepicárdica)
Obs.: As manchas de Paltauf são equimoses viscerais nos pulmões dos afogados.
✓ Congestão polivisceral

• Classificação das asfixias

Asfixia por constrição do pescoço (constrição cervical)

✓ Enforcamento
✓ Estrangulamento
✓ Esganadura

Asfixia por sufocação (obstrução das vias respiratórias)

➢ Direta ou ativa
✓ Oclusão dos orifícios externos das vias aéreas;
✓ Oclusão das vias aéreas
✓ Soterramento
✓ Confinamento
➢ Indireta ou passiva
✓ Compressão do tórax

291
668
Indivíduo em ambiente

✓ Líquido: afogamento
✓ De gases irrespiráveis: asfixia por gases

• Enforcamento

O enforcamento é a modalidade de asfixia mecânica determinada pela constrição do pescoço por um laço
cuja extremidade se acha fixa a um ponto dado, agindo o próprio peso do indivíduo como força viva.

Só há enforcamento quando a força atuante é o peso do corpo.

Podemos classificar o laço que constringe o pescoço em três tipos:

✓ Laços duros (cordões e correntes, fios elétricos, arames, cordas, etc.);


✓ Laços moles (lençóis, cortinas, gravatas, etc.); e
✓ Laços semirrígidos (cintos de couro).

O laço em regra é constituído pelo nó e pela alça. Esse nó poderá ser fixo ou não (corredio). A alça promoverá
a constrição mecânica do pescoço fazendo com que se interrompa a livre circulação do ar atmosférico nas
vias respiratórias por compressão da traqueia e pelo rechaço da base da língua contra a parede posterior da
faringe.

A suspensão poderá ser:

➢ Típica ou completa: o corpo permanece completamente suspenso, apoiado apenas pelo laço; e
➢ Atípica ou incompleta: alguma parte do corpo (geralmente, pés, joelhos, braços ou abdome) toca o
solo.

Fenômenos de sobrevivência

Frustrado o enforcamento, conforme a fase em que a vítima é socorrida, podem advir perturbações locais
ou gerais.

a) Perturbações locais – decorrentes da ação traumática do laço sobre os órgãos da fonação e da deglutição,
congestão dos pulmões e broncopneumonia favorecidas pela introdução de corpos estranhos nas vias
respiratórias:

✓ O sulco, em geral único, é descontínuo e desigual em profundidade, oblíquo ascendente, tumefeito


e violáceo, situado comumente por cima da laringe, escoriando ou lesando a pele.
✓ Dor.
✓ Afonia.
✓ Disfagia.

292
668
b) Perturbações gerais — de origem asfíxica e circulatória:

✓ Confusão mental.
✓ Depressão.
✓ Amnésia.
✓ Estado comatoso.
✓ Paralisia do reto e uretrovesical.

Aspecto do cadáver

➢ Enforcados brancos a face é pálida e lívida em razão do completo impedimento da circulação por
oclusão total das carótidas e das veias jugulares, interrompendo o fluxo sanguíneo para a cabeça.
➢ Enforcados azuis temos uma constrição que compromete intensamente as artérias do pescoço e mais
completamente as jugulares, estabelecendo-se a estase venosa (comprime a circulação e impede a
eliminação do gás carbônico), que confere ao rosto tonalidade azulada e aspecto vultoso
(aumentado) e, raramente, pequenas equimoses palpebrais e conjuntivais.

A cabeça do enforcado pende para o lado oposto ao nó, fletida para diante, como se o queixo tocasse o
tórax.

A rigidez cadavérica instala-se mais tardiamente no enforcamento.

Pela ação da gravidade, as hipóstases e as equimoses post mortem se localizam na metade inferior do corpo
e, mais intensamente, na extremidade dos membros inferiores.

No enforcamento ocorre putrefação seca na metade superior do corpo e úmida na parte restante.

Sinais externos

➢ No enforcamento completo o sulco é na parte mais alta do pescoço, entre o hioide e a laringe.
Geralmente é único, mas pode ser duplo, triplo ou múltiplo, de acordo com o número de voltas em
torno do pescoço. A direção é oblíqua ascendente bilateral anteroposterior e, o sulco normalmente
é descontínuo, interrompendo-se nos pontos correspondentes à interposição de corpos moles e
especialmente nas proximidades do nó. Será contínuo, quando produzido por laço muito apertado.
Pode não haver sulco se forem empregados laços moles, ou quando é interposto um corpo mole
entre o laço e o pescoço; ou ainda se a constrição não foi muito demorada.
➢ No enforcamento incompleto o sulco pode não estar entre o hioide e a laringe e pode se apresentar
horizontalizado ou oblíquo descendente.

Sinais internos

São os sinais locais, os sinais dos planos profundos do pescoço e os sinais a distância.

293
668
1) Sinais locais — São as sufusões hemorrágicas da derme e da tela subcutânea.

2) Sinais dos planos profundos do pescoço — Existem muitos mas esses são os mais importantes para a
medicina legal:

a) Sinal de Hoffmann-Haberda: infiltrações sanguíneas dos músculos cervicais;

b) Sinal de Morgagni-Valsalva-Orfila-Roëmmer: fratura do osso hioide;

c) Sinal de Hoffmann: fraturas das apófises superiores da cartilagem tireoide;

d) Sinal de Helwig: fratura do corpo da cartilagem tireoide;

e) Sinal de Morgagni-Valsalva-Deprez: fratura do corpo da cartilagem cricoide;

f) Sinal de Amussat-Divergie-Hoffmann: seção transversal da túnica íntima da carótida comum,


próxima à sua bifurcação;

g) Sinal de Friedberg: sufusão hemorrágica da túnica adventícia;

h) Sinal de Dotto: ruptura da bainha mielínica do vago;

i) Sinal de Ambroise Paré: luxação da segunda vértebra cervical;

j) Sinal de Brouardel-Vibert-Descourt: equimoses retrofaringeanas.

l) Lesão de Orsòs: gotas de gordura emulsionadas pelo líquido tissular na tela adiposa subcutânea.

A morte por enforcamento pode se dar de três formas:

a) Morte por asfixia mecânica

b) Morte por obstrução mecânica circulatória

c) Morte por inibição

• Estrangulamento

É a asfixia mecânica por constrição do pescoço por laço tracionado por qualquer força que não seja o peso da
própria vítima.

294
668
Fenômenos ocorridos no estrangulamento

a) Asfixia
b) Obliteração dos vasos do pescoço
c) Compressão dos nervos do pescoço

Sintomas ocorridos no estrangulamento

Esses sintomas dependem do modo que se deu o estrangulamento, se lento, violento ou contínuo, mas em
regra a vítima passa por três períodos:

Resistência;

✓ Inconsciência e convulsões; e
✓ Asfixia e morte aparente seguida por morte real.

Se não houver sucesso no estrangulamento é possível que a vítima apresente: amnésia, confusão mental,
agitação, angústia, convulsões, dificuldade na fala, rouquidão, edema e equimose de coloração
vermelho-violácea na região periorbitária direita e esquerda, hemorragia conjuntival e petéquias na
pálpebra inferior de ambos os olhos; escoriação linear, horizontal, uniforme, de coloração ave rmelhada,
localizada abaixo da tireoide, dor cervical, dispneia e disfagia, espuma sanguinolenta bucal e relaxamento
dos esfíncteres.

Sinais externos do estrangulamento

✓ Face, em geral, tumefeita (inchada) e violácea;


✓ Hemorragias puntiformes nas conjuntivas, na face, no pescoço e na região torácica anterior
produzidas a distância do ponto de aplicação da força, pela asfixia;
✓ Projeção externa da língua, intensamente cianosada;
✓ Possível otorragia (hemorragia no canal auditivo), com ou sem ruptura do tímpano;
✓ Pavilhão auricular e lábios arroxeados;
✓ Ocorrência de espuma sanguinolenta recobrindo a boca e as narinas (é provável mas não está sempre
presente); e
✓ O sulco está localizado geralmente sobre a laringe; único, duplo, triplo ou múltiplo, contínuo e de
profundidade uniforme, de margens elevadas e cianosadas e leito deprimido não pergaminhado
(escoriado), é tipicamente horizontalizado, podendo, porém, excepcionalmente, ser ascendente
quando o laço foi tracionado pelo agente por detrás e para cima.

Sinais internos do estrangulamento

➢ Lesões nos planos profundos do pescoço:

295
668
a) Infiltração hemorrágica do tecido celular subcutâneo e dos músculos longos do pescoço.

b) Lesões do osso hioide e das cartilagens tireoide e cricoide (excepcionalmente).

c) Infiltrações hemorrágicas da adventícia das artérias carótidas (sinal de Friedberg).

d) As rupturas transversais das carótidas, imediatamente abaixo da bifurcação (sinal de


Amussat); excepcionalmente.

Diferenças entre os sulcos do estrangulamento e do enforcamento:

Estrangulamento Enforcamento
Sulco é horizontal e, nos raros casos de suicídio, Sulco é único, oblíquo ascendente, de situação alta,
descendente ou ascendente, múltiplo, contínuo e por cima da cartilagem tireóidea, mais profundo na
uniforme, em toda a periferia do pescoço, e não parte central da alça, descontínuo por interrupção
pergaminhado. ao nível do nó, e pergaminhado.

• Esganadura

Consiste na asfixia mecânica por constrição anterolateral do pescoço, impeditiva da passagem do ar


atmosférico pelas vias aéreas, promovida diretamente pela mão do agente ou outra parte do corpo.

Caso a esganadura não leve à morte, pode causar disfagia (dificuldade para engolir), disfonia, tumefação
cervical e miocontratura do pescoço.

Sinais externos à distância

São sinais externos a distância, da esganadura:

a) Cianose ou palidez da face (varia de acordo com o grau de constrição do pescoço e da desproporção
das forças de modo a interromper totalmente ou não a circulação de sangue para a cabeça);

b) Pontilhado escarlatiniforme de Lacassagne, disseminado por área extensa da face e do pescoço


(petéquias na face – sinal de Lacassagne);

c) Congestão conjuntival;

d) Exorbitismo (saliência dos olhos), é raro mas pode ocorrer;

e) Otorragia, principalmente se houver ruptura do tímpano (é possível, mas pode não ocorrer);

f) Ocorrência de procidência da língua e de espuma sanguinolenta nas narinas (é possível, mas pode
não ocorrer);

296
668
g) Fratura do osso hióide (gogó).

Sinais externos locais

São sinais externos locais:

a) Equimoses elípticas ou arredondadas, situadas bilateral e irregularmente no pescoço, produzidas


pela ação compressiva dos dedos do agressor;

b) Estigmas ou marcas ungueais (escoriações produzidas pelas unhas do agressor), comumente


pergaminhadas, variáveis em número e encontradas à esquerda da linha mediana do pescoço quando
o agente for destro, ou em forma de rastros escoriativos, de diferentes tamanhos e direções, devido
às reações da vítima ao defender-se.

Sinais locais profundos

Nos casos de esganadura também podemos notar os sinais locais profundos, quais sejam:

a) Infiltrações hemorrágicas difusas nas partes moles do pescoço (constantes e mais acentuadas que
no estrangulamento);

b) Fraturas dos pequenos e grandes cornos do osso hioide e das cartilagens tireoide e cricoide (mais
frequentes que no estrangulamento);

c) Lesões dos vasos do pescoço, tanto das carótidas como das jugulares (raras).

d) Lesões da coluna vertebral (ocorrem nos casos de infanticídio por esganadura).

e) Equimoses do pericrânio, congestão das meninges e do encéfalo.

Os sinais locais profundos podem não ocorrer se a morte se der por inibição reflexa dos seios carotídeos.

❖ Sufocação

Consiste na asfixia mecânica provocada pelo impedimento direto ou indireto à entrada do ar atmosférico
nas vias respiratórias ou por permanência forçada em espaço fechado.

1. Sufocação direta

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668
Consiste na asfixia causada pelo impedimento da entrada de ar por obstáculo nos orifícios externos (nariz e
boca) ou nas vias aéreas superiores (antes de chegar ao pulmão). Existem quatro modalidades de sufocação
direta:

a) Oclusão dos orifícios externos respiratórios (narinas e boca)


b) Oclusão das vias respiratórias
c) Soterramento
d) Confinamento

2. Sufocação indireta

A sufocação indireta se dá pela compressão do tórax ou eventualmente do tórax e abdome, em grau


suficiente para impedir os movimentos respiratórios e ocasionar a morte por asfixia.

Fratura múltipla de costela (respiração paradoxal)

Quando há fratura das costelas, o tórax não se expande quando o indivíduo puxa o ar o que impede a entrada
de ar, causando um assincronismo entre os movimentos respiratórios e os movimentos do tórax (respiração
paradoxal).

Paralisia dos músculos respiratórios

✓ Paralisia espástica (músculos para em contração, uma espécie de cãimbra). Comum nos casos
de eletroplessão e de drogas que causem contração muscular.
✓ Paralisia flácida (músculos sem contração). Comum quando a vítima faz uso de drogas
relaxantes musculares.
✓ Fadiga muscular (exaustão).

❖ Afogamento

Modalidade de asfixia mecânica que ocorre em decorrência da penetração de líquidos nas vias respiratórias,
por permanência da vítima imersa (totalmente ou não) em meio líquido.

Dois tipos de afogados:

➢ Afogados branco: quando não há líquido nos pulmões, uma vez que a morte se deu por parada
cardíaca reflexa (morte por inibição).
➢ Afogados azul: a morte se deu pela entrada de líquido nos pulmões, ou seja por asfixia.

Fases do afogamento: A morte por afogamento desenvolve-se em quatro fases:

298
668
1ª Fase: De luta: a vítima tenta não se afogar, sobre e afunda várias vezes, tenta se agarrar em pedras,
plantas, engole muita água e geralmente se machuca.

2ª Fase - De resistência: caracterizada pela apneia voluntária, durante a qual, a vítima conserva-se lúcida e
com os movimentos reflexos.

3ª Fase - De exaustão ou da inspiração: caracterizada por dispneia com inspirações profundas e expirações
curtas, desencadeada pelo estímulo dos centros nervosos bulbares pela hipercapneia.

4ª Fase - De asfixia: caracterizada pela parada respiratória, perda da consciência, insensibilidade, algumas
vezes com convulsões e morte.

Sinais da asfixia por afogamento

➢ Sinais externos atípicos

São aqueles que se manifestam em outras formas de morte que não o afogamento, em que o cadáver
permanece por qualquer motivo submerso por algum período de tempo. São eles:

a) Pele anserina ou “pele de galinha”.


b) Retração dos mamilos.
c) Retração dos testículos e do pênis.
d) Temperatura baixa da pele.
e) Maceração epidérmica.
f) Rigidez cadavérica precoce.
g) Cor da face: lívida ou azulada nos afogados brancos de Parrot e cianosada nos mortos por
submersão-asfixia.
h) Queda fácil dos pelos.
i) Destruição por animais da fauna aquática, como peixes, siris e outros crustáceos das partes moles
e cartilaginosas.
j) Projeção da língua além das arcadas dentárias.
l) Presença de erosões das polpas digitais e entre os dedos; sob as unhas presença de lama ou grãos
de areia e, nos lábios presença de corpos estranhos inerentes à massa líquida onde ocorreu a
submersão.
m) Lesões de arrasto (Simonin).

➢ Sinais externos típicos (Caracterizam a asfixia-submersão):

a) “Cabeça de negro”: característica dos afogados por submersão em estado de putrefação; a pele da
cabeça adquire cor verde e bronzeada.

299
668
b) Tonalidade vermelho-clara dos livores cadavéricos: em razão das alterações do sangue na asfixia-
submersão (fluidez, falta de coagulação), localiza-se comumente nas regiões mais declives do corpo
(cabeça, pescoço, metade superior do tronco, mãos e pés), podendo, ser generalizada.
c) Cogumelo de espumas: é consequência do arejamento do muco misturado à água na traqueia e
nos brônquios, somente se forma nos indivíduos que reagiram energicamente dentro d’água e
aparecem sobre a boca e narinas dos que foram retirados da água cedo.
d) Putrefação: enquanto a vítima está submersa é lenta, porém se desenvolve rapidamente se o corpo
é posto em contato com o meio exterior. Inicia-se pela parte superior do tórax, face e depois cabeça
e progride em direção descendente comprometendo todo o corpo, que assume forma gigantesca,
lembrando balão inflado. Há distensão exagerada do aparelho genital masculino fazendo com que o
pênis e as bolsas escrotais tenham dimensões descomunais.
Obs.: a mancha verde que marca o início da putrfação nos afogados aparece no tórax.

➢ Sinais internos

Lesões provocadas pelo líquido no interior da árvore respiratória, no aparelho digestivo e no ouvido médio,
e os sinais gerais de asfixia.

a) Presença de líquido na árvore respiratória.


b) Presença de líquido dentro das cavidades subpleurais.
Obs.: As manchas de Paltauf são equimoses subpleurais maiores que as de Tardieu (2cm ou mais), de
forma irregular e de coloração vermelho-clara, cujo surgimento se deve à ruptura das paredes dos
alvéolos e dos capilares sanguíneos.
c) Presença de corpos estranhos no interior da árvore respiratória.
d) Lesões dos pulmões.
e) Diluição do sangue.
f) Presença de líquido no aparelho digestivo.
g) Presença de líquido no ouvido médio.

➢ Sinais gerais de asfixia


✓ Congestão polivisceral dos rins e especialmente do fígado (fígado asfíxico de Etienne Martin):
provocada pela hipertensão da pequena circulação e da veia cava superior
✓ Equimoses nos músculos do pescoço e do tórax: originadas pelo esforço violento do indivíduo
evitando se afogar ou pelas convulsões manifestadas na fase final do afogamento.

❖ Asfixia por gases

Essa modalidade de asfixia é classificada da seguinte forma:

1) Asfixia por gases de combate

a) Lacrimogêneos

300
668
✓ Bromureto de benzila
✓ Iodureto de benzila
✓ Bromacetona
✓ Metil-etil-acetona

b) Estemutatórios

✓ Etil-dicloroarsina
✓ Difenil-cloroarsina
✓ Cianureto de difenil-arsina

c) Vesicantes

✓ Sulforeto de etila diclorado ou iperita ou gás mostarda

d) Sufocantes

✓ Oxicloreto de carbono
✓ Cloro
✓ Cloropiarsina
✓ Cloroformiato de metila

2) Asfixia por gases tóxicos

a) Vegetais

✓ Ácido cianídrico

b) Das habitações

✓ Monóxido de carbono

3) Asfixia por gases industriais

a) Vapores nitrosos

b) Formeno, metano, grisu ou gás dos pântanos

4) Asfixia por gases anestésicos

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668
a) Clorofórmio

b) Éter

c) Cloreto de etila

d) Protóxido de nitrogênio

Os mais importantes gases TÓXICOS são o ácido cianídrico e o monóxido de carbono.

✓ ÁCIDO CIANÍDRICO
✓ MONÓXIDO DE CARBONO

O cadáver do intoxicado por monóxido de carbono apresentará:

✓ Rigidez precoce;
✓ Face carminada;
✓ “Cianose vermelho-clara” das unhas, das mucosas e da pele;
✓ Sangue fluido e rosado;
✓ Manchas de hipóstase claras;
✓ Pulmões rosados e, eventualmente, trombosados;
✓ Edema cerebral;
✓ Trombose das artérias coronárias;
✓ Petéquias e infiltração perivascular, com necrose focal, no coração, no cérebro e em outros órgãos;
e
✓ Putrefação tardia.

TRILHA 09 – RESUMOS DAS TAREFAS

TAREFA 01 – DIREITOS HUMANOS


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência até o subtópico Conscientização e
acessibilidade.

302
668
PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

CONVENÇÃO SOBRE O DIREITO DAS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA

1 - PROTEÇÃO ÀS PESSOAS DEFICIENTES


Em relação à proteção das pessoas deficientes, segundo a doutrina de Flávia Piovesan53, a evolução é
marcada por 4 fases.

1ª fase: marcada pela intolerância às pessoas deficientes. Em tal época, a discriminação era total, os
deficientes eram considerados impuros, marcados pelo pecado e pelo castigo divino.

Nesse período, as pessoas com deficiência eram segregadas da comunidade, muitas delas internadas em
instituições mantidas sob condições precárias.

2ª fase: marcada pela invisibilidade das pessoas deficientes. Há um total desprezo pela condição de tais
pessoas.

3ª fase: marcada pelo assistencialismo. As pessoas deficientes são vistas como doentes, essa fase é pautada,
portanto, pela perspectiva médica.

4ª fase: marcada pela visão de direitos humanos das pessoas com deficiência. Há ênfase na relação da pessoa
deficiente com a sociedade e com o meio no qual está inserida. Há uma mudança metodológica, na qual o
problema passa a ser do meio e das demais pessoas e não da pessoa deficiente.

Nosso ordenamento transita da terceira fase para quarta fase, ao passo que, na seara internacional,
prepondera a quarta fase de proteção.

A proteção às pessoas com deficiência no âmbito internacional é recente e marcada pela inexistência de uma
proteção efetiva até a Convenção de 2006.

53
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 13º edição, rev. e atual., São Paulo: Editora
Saraiva: 2013, p. 289/290.

303
668
Existem alguns diplomas esparsos, ou seja, são resoluções, convenções e declarações, porém, nenhuma
delas instituída com o poder de conferir adequado tratamento à temática.

Somente com a Convenção sobre as Pessoas com Deficiência de 2006 é que a comunidade internacional
consolida atendimento real e adequado às pessoas com deficiência.

No âmbito interno, para além das consequências da internalização da Convenção – que será analisada no
tópico seguinte –, destaca-se a Constituição de 1988 como um marco de transição para o regime
democrático, que manteve os direitos previstos nas constituições anteriores e que conferiu tratamento mais
amplo e detalhado às pessoas com deficiência, em grande medida devido à participação das associações
representativas desses grupos vulneráveis.

Segundo ensinamentos de Flávia Piovesan54:

A Carta brasileira de 1988, ao revelar um perfil eminentemente social, impõe ao poder público o
dever de executar políticas que minimizem as desigualdades sociais e é neste contexto que se
inserem os sete artigos constitucionais atinentes às pessoas com deficiência. Esses dispositivos
devem ser aplicados de modo a consagrar os princípios da dignidade da pessoa humana, da
igualdade, da cidadania e da democracia. Vale dizer, a elaboração legislativa, a interpretação
jurídica e o desenvolvimento das atividades administrativas devem se pautar por esses princípios,
a fim de alcançar o ideal de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

A título ilustrativo, vejamos os dispositivos constitucionais que remetem à proteção das pessoas com
deficiência.

Contudo, pondera-se que os direitos previstos no Texto Constitucional não têm sido implementados de
modo satisfatório. A violação aos direitos das pessoas deficientes subsiste especialmente pela falta de
concretização dos direitos constitucionais previstos.

2 - NORMA CONSTITUCIONAL E CLÁUSULA PÉTREA


Antes de avançarmos, é importante registrar a discussão em torno do status da Convenção sobre as Pessoas
com deficiência em nosso ordenamento jurídico e as consequências que a internalização traz.

Conforme visto na aula passada, o art. 5º, §3º, da CF, determina o status constitucional dos tratados e das
convenções internacionais de direitos humanos, aprovados com quórum especial das emendas
constitucionais.

54 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 6º edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 429.

304
668
Desse modo, se aprovado por 3/5 dos votos, em dois turnos, em ambas as Casas do Congresso Nacional, o
tratado ou a convenção ingressam em nosso ordenamento jurídico com forma de norma constitucional.

Considerando que os tratados internacionais podem ser internalizados com o quórum de emenda
constitucional ou com o quórum de lei ordinária, conforme atual posicionamento do STF:

• tratados internacionais de Direitos Humanos aprovados com quórum de emenda constitucional:


possuem status de emenda constitucional;
• tratados internacionais de Direitos Humanos aprovados com quórum de normas
infraconstitucionais: possuem status de norma supralegal, em ponto intermediário, acima das leis,
abaixo da Constituição Federal.
• demais tratados internacionais, independentemente do quórum de aprovação: possuem status de
norma infraconstitucional.

Esse entendimento a respeito dos tratados de direitos humanos conduziu a uma sensível alteração na
pirâmide hierárquica do ordenamento jurídico brasileiro.

Lembram da pirâmide abaixo?

305
668
Constituição Federal e tratados internacionais de Direitos Humanos
aprovados com o quórum de emenda
• compreende o texto originário e as emendas constitucionais

Tratados Internacionais de Direitos Humanos aprovados com quórum


de normas infraconstitucionais
• caráter supralegal

Atos normativos primários


• buscam validade diretamente no texto constitucional
• ex. leis ordinárias, leis complementares, decretos legislativos etc.
• estão compreendidos, dentro do conjunto de leis
infraconstitucionais, os tratados internacionais, à exceção dos
tratados de Direitos Humanos

Atos normativos secundários


• buscam validade nos atos normativos primários
• ex. decretos executivos, portarias, instruções normativas

A Convenção sobre as Pessoas com Deficiência e o Protocolo Facultativo foram aprovados pelo Congresso
Nacional com o quórum específico. Vejamos, o introito do Decreto nº 186/2008:

Faço saber que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Garibaldi Alves Filho, Presidente do Senado
Federal, conforme o disposto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal e nos termos do art. 48,
inciso XXVIII, do Regimento Interno, promulgo o seguinte
DECRETO LEGISLATIVO Nº 186, de 2008
Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.

Desse modo, a Convenção tem força de emenda constitucional em nosso ordenamento jurídico. Essa
informação é central para a nossa prova, seja em razão da importância, seja porque é documento
internacional que integra o bloco de constitucionalidade. Como veremos, as questões exploram muito essa
temática. Portanto, atenção!

306
668
SÃO NORMAS CONSTITUCIONAIS EM NOSSO
ORDENAMENTO JURÍDICO

o Protocolo Facultativo à
a Convenção sobre as Pessoas
Convenção sobre as Pessoas
com Deficiência
com Deficiência

Diante disso, questiona-se: As normas previstas tanto na Convenção sobre as Pessoas com Deficiência
como no respectivo Protocolo Facultativo são cláusulas pétreas?

Sim, são cláusulas pétreas. Assim dispõe o art. 60, §4º, IV, da CRFB.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)


IV - os direitos e garantias individuais.

Ao Poder Constituinte Derivado foi assegurada a possibilidade de alteração do Texto Constitucional.


Contudo, algumas matérias não podem ser objetivo de emenda tendente à redução ou à abolição de
determinados direitos, considerados essenciais ao nosso Estado Democrático de Direito. Nesse contexto,
destacam-se os direitos e garantias individuais – direitos humanos internamente positivados –, que se
revestem sobe o manto de cláusulas pétreas.

Esse dispositivo constitucional conferiu uma proteção inarredável aos direitos considerados mínimos para
a dignidade da pessoa humana e representou uma evolução gigantesca na proteção dos direitos humanos
no âmbito interno, de forma a tornar impossível a diminuição ou a abolição dos direitos fundamentais.

Desse modo, considerando que foram internalizados como normas constitucionais, são, também, cláusulas
pétreas de nosso ordenamento jurídico.

3 - TERMINOLOGIA
Comumente adota-se a terminologia “pessoa portadora de deficiência” para se referir àqueles que possuem
alguma limitação física ou psíquica.

307
668
É a terminologia adotada pela CF. Vejamos alguns exemplos:

 art. 7º, XXXI, que proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do
trabalhador portador de deficiência.

 art. 208, III, que prevê a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Contudo, a expressão “portador de deficiência” não é a adequada.

Tal acepção relaciona-se com o modelo adotado. Pelo modelo médico da deficiência entende-se a deficiência
como uma mazela, que exige tratamento ou cura. Em razão disso é necessário criar meios para adaptar as
pessoas à vida social.

Desse modo, a atenção da comunidade volta-se para o reconhecimento e o desenvolvimento de estratégias


para reduzir os efeitos da deficiência. Os deficientes foram encarados como objeto de direito. Contudo, em
razão da falta de interesse social ou econômico em torno dos deficientes, a marginalização, a pobreza e a
discriminação em relação a tais grupos aflorou.

O modelo médico da deficiência não se mostrou adequado e suficiente. Pelo contrário, a sociedade passou
a não dar a devida atenção às pessoas com deficiência.

Vejamos o que nos ensina André de Carvalho Ramos55:

A adoção deste modelo gerou falta de atenção às práticas sociais que justamente agravavam as
condições de vida das pessoas com deficiência, gerando pobreza, invisibilidade e perpetuação
dos estereótipos das pessoas com deficiência como destinatárias da caridade pública (e piedade
compungida), negando-lhes a titularidade de direitos como seres humanos. Além disso, como a
deficiência era vista como “defeito pessoal”, a adoção de uma política pública de inclusão não
era necessária.

Pelo modelo social (ou de direitos humanos) a deficiência é encarada como a existência de barreiras no
ambiente e nas atitudes das pessoas. Há uma mudança de abordagem, com esforço para propiciar aos
deficientes o gozo de direitos sem discriminação.

Segundo o referido autor56:

55
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, 1º edição, São Paulo: Editora Saraiva, versão eletrônica.

56 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, versão eletrônica.

308
668
Este princípio de antidiscriminação acarreta a reflexão sobre a necessidade de políticas públicas
para que seja assegurada a igualdade material, consolidando a responsabilidade do Estado e da
sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano. Assim, não
se trata mais de exigir da pessoa com deficiência que esta se adapte, mas sim de exigir, com base
na dignidade humana, que a sociedade trate seus diferentes de modo a assegurar a igualdade
material, eliminando as barreiras à sua plena inclusão.

É justamente essa a abordagem constante da Convenção, que será objeto de estudos adiante.

MODELO MÉDICO O deficiente é visto como um doente, objeto de direito, que


DA DEFICIÊNCIA requer cuidados especiais da sociedade

A deficiência, vista como um problema da sociedade,


MODELO SOCIAL DA
representa um conjunto de barreiras no ambiente e na
DEFICIÊNCIA
atitude das pessoas.

Nesse contexto, desenvolveu-se o conceito de deficiência atrelado às barreiras sociais e ambientais que
impedem o exercício de direito pelas pessoas, das mais variadas condições físicas e psicológicas.

Desse modo, o termo “pessoa com deficiência” é, terminologicamente, mais adequado, em que pese o
conceito anteriormente mencionado seja o predominante, inclusive nos documentos legislados.

Pessoa portadora de deficiência Pessoa deficiente

3 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA CONVENÇÃO


A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Protocolo Facultativo, ambos
assinados em Nova Iorque, foram promulgados pelo Decreto n° 6.949/2009, após aprovação pelo Decreto
Legislativo no 186/2008.

309
668
Devemos destacar, inicialmente, que na mesma oportunidade, em Nova Iorque, foram assinados dois
documentos internacionais: a Convenção sobre as Pessoas com Deficiência e o Protocolo Facultativo. A este
coube, especificamente, possibilitar a adoção, pelos interessados do mecanismo, das comunicações
individuais.

Sempre houve um incômodo na comunidade internacional em relação à proteção das pessoas com
deficiência, posto que não havia, até 2007, um diploma específico no âmbito da ONU sobre o tema, embora
aproximadamente 10% da população mundial possua alguma deficiência.

De acordo com a doutrina, essa realidade é conduzida pela invisibilidade e pela falta de foco dos Estados e
da comunidade internacional em relação às pessoas com deficiência. Vejamos os ensinamentos de André de
Carvalho Ramos57:

Cabe salientar que a invisibilidade no que tange aos direitos das pessoas com deficiência é
particularmente agravada pela separação existente entre elas e o grupo social majoritário,
causada por barreiras físicas e sociais. Mesmo quando há notícia pública da marginalização, há
ainda o senso comum de que tal marginalização é fruto da condição individual (modelo médico
da deficiência) e não do contexto social.

Ou seja, o deficiente é visto como um doente. O enfrentamento da questão se dá pela condição da pessoa.
Com a Convenção, o enfrentamento da pessoa se dá por intermédio da sociedade. Desse modo, passa-se do
modelo médico da deficiência para o modelo social de deficiência. O problema da deficiência não está nos
deficientes, mas no tratamento discriminatório e desigual que a sociedade confere a tais pessoas.

A fim de ilustrar tal pensamento, vejamos o exemplo58 trazido pelo autor:

Por exemplo, no caso brasileiro, a inacessibilidade de alguns locais de votação no Brasil teve
como resposta a edição de resolução do Tribunal Superior Eleitoral desonerando os eleitores
com deficiência de votar (o que, aliás, contraria o dever de votar, previsto na CF/88), ao invés de
exigir a modificação e acessibilidade total destes locais.

Antes de analisarmos o texto da Convenção vamos destacar, de forma pontual as principais regras relativas
à Convenção.

 A Convenção adota a terminologia “pessoa deficiente”, mais adequada terminologicamente.

57
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, versão eletrônica.

58 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, versão eletrônica.

310
668
 O centro da Convenção é o compromisso com a dignidade e com os direitos das pessoas com deficiência,
especialmente com a igualdade em sentido material e a não-discriminação.

Nesse contexto leciona Flávia Piovesan59:

O propósito maior da Convenção é promover, proteger e assegurar o pleno exercício dos direitos
humanos das pessoas com deficiência, demandando dos direitos Estados-partes medidas
legislativas, administrativas e de outra natureza para a implementação dos direitos nela
previstos. Introduz a Convenção o conceito de “reasonable accommodation”, apontando ao
dever do Estado de adotar ajustes, adaptações ou modificações razoáveis e apropriadas para
assegurar às pessoas com deficiência o exercício de direitos humanos em igualdade de condições
com as demais. Violar o “reasonable accomodation” é uma forma de discriminação nas esferas
pública e privada.

 Princípios Gerais

PRINCÍPIOS GERAIS DA CONVENÇÃO


• respeito pela dignidade
• não-discriminação
• participação e inclusão na sociedade
• respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência
• igualdade de oportunidades
• acessibilidade
• igualdade entre o homem e a mulher
• desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência

Ä A Convenção comporta um extenso rol de direitos, entre eles os civis, políticos, sociais, econômicos e
culturais, todos voltados para preservar a dignidade das pessoas, o pleno gozo dos direitos, a não-
discriminação e um padrão mínimo de vida.

São direitos, prerrogativas e garantias conferidas aos deficientes:

59 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Internacional Constitucional, p. 292.

311
668
proteção especial às proteção especial às criação de
disseminação da
mulheres com crianças com instrumentos de
conscientização
deficiência deficiência acessibilidade

proteção específica
em situações de
reconhecimento
direito à vida risco e de acesso à justiça
igual perante a lei
emergências
humanitárias
prevenção contra
tortura ou
liberdade e prevenção contra a proteção da
tratamentos ou
segurança da exploração, a integridade da
penas cruéis,
pessoa violência e o abuso pessoa
desumanos ou
degradantes

promoção de vida liberdade de


liberdade de criação de
independente e expressão e de
movimentação e instrumentos de
inclusão na opinião e acesso à
nacionalidade mobilidade pessoal
comunidade informação

programas de
respeito à respeito pelo lar e
direito à saúde habilitação e de
privacidade pela família
reabilitação

participação na vida
direitos a padrão de
participação na vida cultural e em
direito ao trabalho vida e proteção
política e pública recreação, lazer e
social adequados
esporte

 A cada direito previsto na Convenção esforça-se em atribuir responsabilidades aos Estados signatários da
Convenção. Essas obrigações devem ser adotadas, segundo explicita a Convenção, na medida do possível
(progressivamente), segundo as possibilidades do Estado.

 Obrigação dos Estados em implementarem um banco de dados para avaliar e para controlar a aplicação
das medidas previstas na Convenção, com a criação de órgãos específicos e a adequação do sistema jurídico
e administrativo para enfrentamento do tema.

 Prevê a cooperação internacional como forma de apoio aos esforços para a consecução do propósito e
dos objetivos da Convenção, com o compartilhamento de informações e de tecnologias.

312
668
Ä Entre os mecanismos de fiscalização são previstos os relatórios que devem ser encaminhados
periodicamente ao Comitê.

4 - PREÂMBULO
O Preâmbulo traz o espírito geral da Convenção. A Convenção reconhece a dignidade, o valor inerente e os
direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana, sem distinção ou discriminação de
qualquer espécie.

De acordo com a Convenção, a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da


interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a
plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas. Desse modo, uma preocupação constante da Convenção é na eliminação de barreiras à vida em
sociedade da pessoa com deficiência para que esta possa viver com autonomia e independência.
Particularmente, as mulheres e meninas estão expostas a maiores riscos de sofrer agressão.

É essencial ainda fazer três observações fundamentais.

(i) Os convencionados envidaram esforços para estabelecer uma série de direitos e garantias às pessoas com
deficiência. Percebe-se, pela leitura do preâmbulo, que valores como a igualdade, a dignidade, a não
discriminação, são princípios e valores fundamentais que orientam toda a estruturação do texto.

(ii) Extrai-se, também, o conceito de deficiência, cujo correto entendimento é fundamental para a nossa
prova. Para a Convenção considera-se prejudicial à deficiência eventuais barreiras existentes no ambiente e
nas atitudes das pessoas.

É importante perceber que o conceito apresentado retira o foco da deficiência e da condição física da pessoa
e o atribui à falta da condição do ambiente ou em razão das atitudes das pessoas.

Desse modo, um local dotado de condições de acessibilidade e com pessoas instruídas, não há que se falar
em deficiência, não havendo maiores dificuldades.

Por outro lado, a deficiência poderá ficar evidente a depender do local ou do tratamento conferido pelas
pessoas com restrições de saúde.

313
668
(iii) Outro ponto relevante destacável do preâmbulo é a preocupação da sociedade com a realidade das
pessoas com deficiência. Entre os fatos mencionados está a pobreza e a marginalização social, especialmente
de pessoas insertas em grupos vulneráveis e com deficiência, tal como ocorre com crianças e mulheres.

Todos esses fatos enunciados ao longo texto preambular justificam a necessidade do tratamento conferido
na Convenção.

5 - CONCEITOS E PROPÓSITO DA CONVENÇÃO


O art. 1º da Convenção traz, primeiramente, os propósitos da Convenção:

PROPÓSITOS DA CONVENÇÃO:

promover, proteger e assegurar o exercício


promover o respeito da comunidade em
pleno e a igualdade de condições dos
relação aos direitos das pessoas com
direitos humanos das pessoas com
deficiência.
deficiência; e

Ainda, temos o conceito de pessoa com deficiência representado no art. 1º.

MÁXIMA ATENÇÃO!

Já traçamos algumas linhas iniciais na análise do conceito de deficiência. Como vimos, o foco na deficiência
não está na pessoa, mas em barreiras existentes.

Assim, para que você consiga bem conceituar deficiência é importante que estejamos atentos a conceitos
que, somados, formam a deficiência tal como ela deve ser encarada contemporaneamente.

Primeiramente, temos o conceito de impedimento de longo prazo.

Por impedimentos de longo prazo devemos compreender dificuldades de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial que a pessoa possa ter de forma permanente.

O segundo conceito é o de barreiras.

Por barreira devemos compreender eventuais dificuldades que as pessoas podem encontrar na sociedade
para se locomover, se relacionar com outras pessoas entre outras.

Por exemplo, a ausência de rebaixamento do meio-fio constitui um elemento de urbanização que gera a
dificuldade de locomoção. Em geral uma pessoa conseguirá transpor essa barreira facilmente. Mesma

314
668
situação não ocorrerá em relação com limitação motora, espécie de limitação de longo prazo. Temos,
portanto, a deficiência.

Note que a deficiência decorre do somatório do impedimento de longo prazo com a existência de barreiras.
Se houvesse adequado rebaixamento de meio-fio não haveria limitação ao exercício do direito de ir e vir pela
pessoa com limitação motora por esse aspecto.

Assim, para fins de prova, lembre-se:

PESSOA COM
DEFICIÊNCIA

Impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial


que, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Ainda no campo conceitual, devemos ficar atentos a alguns conceitos importantes mencionados pela
Convenção. “Comunicação” abrange uma variedade de modos de expressão, inclusive a tecnologia da
informação e comunicações acessíveis. “Língua” abrange as línguas faladas e sinais e outras formas de
comunicação não-falada. “Discriminação por motivo de deficiência” é qualquer diferenciação, exclusão ou
restrição baseada em deficiência que impeça o pleno exercício dos direitos humanos e liberdades
fundamentais, abrangendo a recusa de adaptação razoável. “Adaptação razoável” significa as modificações
e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido a fim de assegurar
à pessoa com deficiência o gozo e exercício dos direitos do homem. Finalmente, “desenho universal” é a
concepção de produtos, ambientes, programas e serviços que permitam o uso pela pessoa com deficiência
sem necessidade de adaptação ou projeto específico.

6 - PRINCÍPIOS DA CONVENÇÃO
O art. 3º traz os princípios gerais da Convenção das Pessoas com deficiência. Vejamos um esquema para
facilitar a absorção do assunto:

315
668
PRINCÍPIOS GERAIS DA CONVENÇÃO

• respeito pela dignidade


• não-discriminação
• participação e inclusão na sociedade
• respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência
• igualdade de oportunidades
• acessibilidade
• igualdade entre o homem e a mulher
• desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência

7 - RESPONSABILIDADES ESTATAIS
De acordo com o art. 4º, ao Estado compete assegurar e promover os direitos humanos das pessoas com
deficiência. Para tanto, segundo a Convenção, são várias as obrigações que ele deve assumir. Entre elas,
destacam-se:

 A adequação do ordenamento jurídico com edição de leis compatíveis e a revogação de legislações


discriminatórias.

 A adoção de medidas administrativas visando à realização dos direitos das pessoas com deficiência,
bem como a adoção de políticas públicas adequadas.

Em relação a esse aspecto, discorre a Convenção que o Estado deverá manter estreita comunicação
com pessoas com deficiência e as organizações representativas.

 A abstenção do Estado e de órgãos estatais em praticar a discriminação contra deficientes sob


qualquer forma, tomando as medidas necessárias para a eliminação da discriminação contra esse
grupo vulnerável.

 O fomento de pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias e da acessibilidade das informações,


notadamente com a ampliação da utilização do desenho universal.

A realização desses deveres é progressiva, observando-se a capacidade econômica do Estado. A elaboração


e implementação das políticas públicas da pessoa com deficiência devem ser precedidas de consulta e
envolvimento ativo das próprias pessoas com deficiência por intermédio de organizações representativas.

Essas regras, evidentemente, somente serão aplicadas se as regras internas não forem mais favoráveis.
Trata-se de aplicar o princípio pro homine. Vale dizer, a retrativa mais favorável aos deficientes deve ser
aplicada quando houver duas ou mais regras tratando do mesmo assunto, sejam elas nacionais ou
internacionais.

316
668
Ademais, de acordo com o item 2, que trata dos direitos de segunda dimensão, a Convenção disciplina que
tais direitos devem ser implementados progressivamente, dentro daquela ideia já disseminada, nos tratados
internacionais que tratam de direitos econômicos culturais e sociais, de que a exigibilidade deve observar a
reserva do possível de cada Estado.

8 - POSTULADOS GERAIS
Falamos acima sobre os princípios que orientam a aplicação da Convenção. Aqui falamos dos postulados,
que nada mais são do que supraprincípios. Ditos de outra forma, os postulados são princípios dos princípios.
Podemos afirmar que eles constituem os valores que irão orientar toda a estrutura normativa da Convenção,
compreendendo regra e também princípios.

Primeiramente, confira o art. 5º. Procure, ao longo da leitura, identificar esses postulados. Para isso,
devemos constatar que, de acordo com a Convenção, todos são iguais perante a lei, mas os Estados devem
adotar medidas para garantir adaptações razoáveis em favor das pessoas com deficiência com intenção de
realizar a igualdade no plano dos fatos. Dessa forma...

Dois são os fundamentos da Convenção das Pessoas Portadoras de Deficiência. O primeiro deles é a
igualdade substancial, de forma que é necessário conferir um tratamento desigual, mais favorável às pessoas
com deficiências, a fim que de tenham as mesmas condições em relação ao restante das pessoas. O segundo
fundamento reside na não-discriminação. De nada adiantaria alcançarmos a igualdade em sentido material,
caso a discriminação seja perpetrada pela sociedade.

igualdade material
FUNDAMENTOS DA
DECLARAÇÃO
não-discriminação

317
668
9 - DUPLA VULNERABILIDADE: MULHERES E CRIANÇAS DEFICIENTES
Os arts. 6º e 7º da Convenção reportam-se às mulheres e crianças com deficiência, conferindo especial
tratamento a esses grupos de deficientes. Em relação às mulheres, sugere-se a adoção de medidas visando
ao desenvolvimento, ao avanço e ao empoderamento dessas. Em relação às crianças, exige-se a tomada de
medidas tendo em vista o superior interesse das crianças.

adoção de medidas visando ao pleno


MULHERES desenvolvimento, avanço e empoderamento das
mulheres

adoção de medidas tomando como premissa o


CRIANÇAS
superior interesse das crianças.

10 - CONSCIENTIZAÇÃO E ACESSIBILIDADE
Tendo em vista que a não-discriminação é um dos fundamentos da Convenção das Pessoas Portadoras de
Deficiência, o art. 8º, arrola diversos instrumentos que podem ser utilizados para a conscientização da
comunidade a respeito do tema. A conscientização a respeito dos direitos da pessoa com deficiência
envolve toda a sociedade e visa combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas à integração da
PcD, bem como almeja promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições das pessoas com
deficiência. As medidas de conscientização são as seguintes:

MEDIDAS DE CONSCIENTIZAÇÃO
• Adoção de normas e de diretrizes mínimas para acessibilidade às instalações e serviços.
• Formação das pessoas para questões afetas à acessibilidade.
• Promover a sinalização de edifício e instalações públicas com braille e demais formatos
de fácil leitura e compreensão.
• Criar mecanismos de assistência às pessoas com deficiência.
• Promover o desenvolvimento e acesso a tecnologias que viabilizem o exercício dos
direitos pelas pessoas com deficiência.

318
668
O acesso aos meios físicos, ao transporte, à informação e à comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias
da informação e comunicação, como também aos serviços e instalações abertos ao público ou de uso público
devem ser garantidos aos deficientes, com a construção de vias e de instrumentos adequados, bem como
com a eliminação de barreiras. Para efetivar essa acessibilidade a Convenção prevê uma série de medidas:

MEDIDAS DE ACESSIBILIDADE

• normas e diretrizes mínimas para a acessibilidade das instalações e dos serviços


abertos ao público ou de uso público.
• Proporcionar, a todos os atores envolvidos, formação em relação às questões de
acessibilidade.
• Dotar os edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público de
sinalização em braille e em formatos de fácil leitura e compreensão.
• formas de assistência humana ou animal e serviços de mediadores, incluindo guias,
ledores e intérpretes profissionais da língua de sinais, para facilitar o acesso aos edifícios
e outras instalações abertas ao público ou de uso público.
• Promover outras formas apropriadas de assistência e apoio a pessoas com deficiência,
a fim de assegurar a essas pessoas o acesso a informações.
• Promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da
informação e comunicação, inclusive à Internet.
• Promover, desde a fase inicial, a concepção, o desenvolvimento, a produção e a
disseminação de sistemas e tecnologias de informação e comunicação, a fim de que
esses sistemas e tecnologias se tornem acessíveis a custo mínimo

TAREFA 02 – DIREITO PROCESSUAL PENAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Prova testemunhal a Acareação, inclusive.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

5. PROVA TESTEMUNHAL

5.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


Nas acuradas lições de NESTOR TÁVORA, testemunha “é a pessoa desinteressada que declara em juízo o que
sabe sobre os fatos, em face das percepções colhidas sensorialmente” (Távora, 2017).

319
668
Ou, ainda, nas palavras de FERNANDO CAPEZ, testemunha é “a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de
depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos
sabidos e concernentes à causa” (Capez, 2018).

Atente-se para o fato de que, com base na definição empregada pela maioria da doutrina, só há se falar em
“testemunha” durante a fase judicial da persecução penal – é o que os autores denominam de característica
da judicialidade da prova testemunhal.

A testemunha presta o seu testemunho em juízo, com a observância do contraditório e da ampla defesa.
Durante a fase inquisitorial da persecução, essa pessoa declara o que tem de conhecimento sobre os fatos;
mas, para que se possa conferir ao relato o ‘status’ de prova testemunhal, deverá haver a reprodução da
oitiva perante o magistrado.

Interessante observar que, no processo penal, toda pessoa pode ser testemunha. É exatamente a regra geral
que desponta do art. 202 do Código de Processo Penal:

Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha.

É dizer, independentemente do fato de determinada pessoa ser menor de 18 (dezoito) anos ou incapaz por
qualquer outro motivo, poderá ela figurar como testemunha em um processo-crime. Frise-se, por evidente,
que determinadas condições pessoais da testemunha poderão afetar o grau de credibilidade dos seus
depoimentos.

No que diz respeito à natureza jurídica, a prova testemunhal é considerada meio de prova e apresenta valor
relativo.

Segundo o magistério de TÁVORA, “é mais um meio de prova, que conta com a colaboração daqueles que,
escolhidos pelo destino, acabam tendo conhecimento do acontecimento delitivo” (Távora, 2017).

5.2 CARACTERÍSTICAS
Podem ser elencadas cinco principais características atinentes à prova testemunhal. Vejamos.

a) Judicialidade: conforme já tratado acima, a prova testemunhal é constituída em juízo, perante o


magistrado, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Para que se considere um
depoimento prestado perante a autoridade policial em sede de inquérito (ou em outra forma de
investigação), deverá ocorrer a reprodução da oitiva em juízo.

b) Oralidade: a testemunha relata o que tem de conhecimento dos fatos de forma oral, manifestando seu
pensamento por meio da fala. Aliás, essa oralidade decorre de expressa previsão legal, conforme art. 204 do
CPP:

320
668
Art. 204. O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo
por escrito.

Embora a testemunha não possa levar o seu depoimento por escrito, não há impedimento a que ela se valha
de anotações para breves consultas, conforme parágrafo único do referido dispositivo:

Parágrafo único. Não será vedada à testemunha, entretanto, breve consulta a apontamentos.

Todavia, convém registrar que, sendo regra, a oralidade da prova testemunhal


comporta exceções.

Como exceção à própria disposição do art. 204 do CPP, às autoridades máximas dos
Três Poderes conferiu-se a expressa possibilidade de prestarem o seu depoimento por
escrito. É o que dispõe o art. 221, § 1º do CPP:

§ 1º O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara


dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por
escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão
transmitidas por ofício.

Ao demais, também há (lógica) exceção à oralidade nos casos de testemunha surda, muda ou surda-muda.
O parágrafo único do art. 223 do CPP determina que, nesses casos, proceder-se-á nos moldes do art. 192,
que trata sobre o interrogatório de acusados que apresentem essas condições:

Art. 223. Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para
traduzir as perguntas e respostas.

Parágrafo único. Tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á na conformidade


do art. 192.

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte:

I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente

II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito

III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as
respostas.

Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete
e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

321
668
c) Objetividade: a testemunha deve relatar o que tem de conhecimento acerca do fato delituoso de forma
estritamente objetiva, apontando o que efetivamente presenciou/conheceu/sentiu pelas percepções
sensoriais.

A testemunha deve abster-se de tecer considerações subjetivas ou pessoais sobre os fatos, a não ser que tais
apreciações subjetivas não possam ser separadas da narrativa. É isso que dispõe o art. 213 do CPP:

Art. 213. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo
quando inseparáveis da narrativa do fato.

d) Retrospectividade: o depoimento de testemunha sempre será sobre fatos já ocorridos. Nas palavras de
TÁVORA: “a testemunha vai narrar o que sabe sobre os fatos de que tem conhecimento. A percepção é
pretérita. Refere-se a acontecimentos passados, para não se tornar mera especuladora” (Távora, 2017).

e) Individualidade: assim como o interrogatório, as inquirições das testemunhas são realizadas


separadamente, a fim que o depoimento de uma não influencie no depoimento da outra. A individualidade
está expressa no art. 210 do CPP:

Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam
nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso
testemunho.

Ademais, como forma de tutelar ainda mais essa característica (embora de maneira basicamente
impraticável), dispõe o parágrafo único desse artigo:

Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados
espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.

5.3 DEVERES DAS TESTEMUNHAS

5.3.1 Dever de depor

Presenciar um fato delituoso escapa à esfera de controle das pessoas; trata-se de uma coincidência de
espaço e tempo entre aquele e esta, para bem ou para mal. Outrossim, tomar conhecimento das
circunstâncias de um fato criminoso pode estar relacionado ao próprio ofício desempenhado por um
indivíduo (como o investigador da Polícia Civil) ou, também, simplesmente acontecer com pessoas que nada
tenham a ver com o fato, mas por vias oblíquas acabem possuindo informações relevantes.

Fato é que essas pessoas, uma vez convocadas a figurarem como testemunhas em um processo-crime,
passarão a ter o dever de depor e contribuir com o que sabem para o deslinde do feito.

Algumas pessoas, entretanto, e excepcionalmente, em virtude de relações familiares que porventura


ostentem com os envolvidos nos fatos, poderão recusar esse dever. É o que dispõe o art. 206 do CPP:

322
668
Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto,
recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que
desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível,
por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Atenção: como o próprio dispositivo explicita, essas pessoas podem recusar a obrigação de depor. É dizer,
caso queiram depor independentemente desse vínculo familiar, nada as impede que o façam. Nesses casos,
não prestarão o compromisso legal de dizer a verdade constante do art. 203, conforme deixa claro o art. 208
do Código de Processo Penal:

Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais
e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206.

Porém, conforme parte final do art. 206 do CPP, se o testemunho desses familiares constituir a única forma
de se obter ou integrar a prova do fato e de suas circunstâncias, não lhes caberá a recusa ao dever de depor;
serão inquiridos, todavia, sem prestar o compromisso legal do art. 203.

De outro lado, existem algumas pessoas que estão proibidas de depor. Ou seja, mesmo que queiram, não
poderão prestar o seu depoimento, a não ser que sejam desobrigadas pela parte interessada. Estão referidas
no art. 207 do CPP:

Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar
o seu testemunho.

A esse respeito, exemplifica AVENA:

Exemplos: padre, psicólogo, psiquiatra, advogado etc., em relação, evidentemente, aos


fatos que souberam em decorrência da confiança inspirada pela atividade que exercem.
Se, contudo, desobrigados vierem a depor, estarão sujeitos a compromisso, já que não
incluídos no rol do art. 208 do CPP (Avena, 2017).

TÁVORA muito bem elucida a ideia do art. 207 e o seus termos genéricos:

Como salienta MIRABETE, ao “invés de adotar o sistema de indicar especificamente as


profissões compatíveis com o segredo profissional, como outras legislações, a lei pátria
usa de palavras compreensivas, de forma genérica, para indicá-las. Considera-se, na
doutrina, como pessoas que devem guardar segredo, aquelas: a) previstas em lei; b)
previstas nos regulamentos que disciplinam o exercício da atividade; c) previstas por
normas consuetudinárias; e d) as indicadas pela própria natureza da atividade”. Para
efeito da vedação legal, considera-se:

323
668
a) função: o encargo que alguém recebe em virtude de lei, decisão judicial ou contrato.
Pode abarcar ainda a função pública; b) ministério: é o encargo em atividade religiosa
ou social; c) ofício: é a atividade eminentemente mecânica, manual; d) profissão: é a
atividade de natureza intelectual, ou aquela que contempla a conduta habitual do
indivíduo, tendo fim lucrativo (Távora, 2017).

Além disso, existem outras situações peculiares previstas no ordenamento jurídico; vale o registro.

a) Deputados e Senadores: conforme art. 53, § 6º da Constituição Federal, não serão obrigados a depor
sobre informações relacionadas ao exercício do mandato e os sujeitos emitentes ou receptores de tais
informações:

§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas


ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou
deles receberam informações.

b) Magistrados e promotores: não poderão atuar nos casos em que tenham figurado ou figurem como
testemunhas, conforme arts. 252, II e 258 do CPP:

Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;
[...]

Art. 258. Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou
qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as
prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes.

c) Corréu: para TÁVORA, há vedação, também, ao corréu figurar como testemunha em relação ao seu
comparsa:

Corréu também não pode ser testemunha em relação ao seu comparsa, afinal, não
presta compromisso de dizer a verdade, podendo até mesmo mentir. Não se nega valor
jurídico à delação do corréu, que pode ter o status até de delação premiada, devendo-
se assegurar reperguntas ao advogado do comparsa delatado, contudo, tais
declarações, não têm a natureza de prova testemunhal (Távora, 2017).

d) Advogado: a questão do advogado como testemunha em processo criminal demanda atenção especial,
haja vista a necessidade de se cotejar, juntamente ao CPP, as disposições do Estatuto da OAB (Lei 8.906/04)
e do Código de Ética e Disciplina da OAB:

324
668
Sobre essa questão, RENATO BRASILEIRO DE LIMA muito bem leciona:

É o que ocorre, por exemplo, com advogados, na medida em que o Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil proíbe o advogado de depor, mesmo que desobrigado pela
parte interessada. O art. 7º, inciso XIX, da Lei nº 8.906/94 prevê que é direito do advogado
“recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou
sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado
ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”. Em
sentido semelhante, o art. 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB também prevê que
“o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão
de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual
funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha
sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte”. Somente em
situações excepcionais é que se verifica a presença de justa causa autorizadora da
revelação do segredo, como ocorre no caso de grave ameaça ao direito à vida, à honra,
ou quando o advogado é afrontado pelo próprio cliente ou necessitar depor em defesa
própria (art. 25 do Código de Ética e Disciplina da OAB).

Conclui o autor:

Não se deve interpretar o referido dispositivo no sentido de que o advogado jamais


poderá ser testemunha. Na verdade, essa proibição está relacionada ao conteúdo da
confidência que o advogado teve conhecimento para exercer o múnus que lhe foi
confiado. Logo, ausente a proibição de depor prevista no art. 207 do Código de Processo
Penal e inaplicável a prerrogativa prevista no art. 7º, XIX, da Lei n° 8.906/94, o advogado
passa a ter o dever de depor (Lima, 2017).

Em síntese, o advogado, mesmo que liberado do seu dever de sigilo, tem o direito – assegurado em lei federal
– de recusar-se a depor nos termos e situações descritos no art. 7º, XIX do Estatuto da OAB.

5.3.2 Dever de comparecimento

Além do dever de depor, a testemunha também tem o dever de comparecer em juízo em local, data e hora
previamente designados para ser inquirida, quando intimada para esse fim.

A testemunha que, devidamente intimada, não compareça ao ato injustificadamente poderá ter
determinada a sua apresentação pela autoridade policial ou a sua condução por oficial de justiça. É o que
dispõe o art. 218 do CPP:

325
668
Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado,
o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida
por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

Além disso, essa testemunha estará sujeita a multa, pagamento das custas da diligência e até mesmo a
processo criminal por desobediência, nos termos do art. 219 do CPP:

Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do
processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.

O art. 220 do CPP dispõe acerca das testemunhas impossibilitadas de comparecer à audiência, as quais
deverão ser inquiridas onde estiverem:

Art. 220. As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer para
depor, serão inquiridas onde estiverem.

Ao contrário das testemunhas “comuns”, que são intimadas para comparecerem em local e tempo
previamente determinados, o art. 221 do CPP elenca algumas autoridades que poderão ajustar, com o
magistrado, local, dia e hora para a inquirição:

Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os


ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os
prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas
Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da
União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em
local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.

Sobre o referido dispositivo, BRASILEIRO tece algumas importantes considerações:

Essa regra prevista no art. 221 do CPP tenta conciliar o dever que todos têm de
testemunhar com as relevantes funções públicas exercidas pelas autoridades ali
mencionadas, por meio de agendamento prévio de dia, hora e local para a realização de
audiência em que essas autoridades serão ouvidas. De modo algum, todavia, poderá
esse dispositivo legal abrir espaço para que essas autoridades possam, simplesmente,
recusar-se a testemunhar, seja não indicando a data, a hora e o local em que quisessem
ser ouvidas, seja não comparecendo aos locais, nas datas e nos horários por elas
indicados (Lima, 2017).

Há precedente no STF, todavia, no sentido de que a inércia da autoridade na indicação de dia, hora e local
para a inquirição (assim como o seu não comparecimento) impõe a perda dessa prerrogativa:

326
668
[...] DEPUTADO FEDERAL ARROLADO COMO TESTEMUNHA. NÃO INDICAÇÃO DE DIA, HORA E
LOCAL PARA A OITIVA OU NÃO COMPARECIMENTO NA DATA JÁ INDICADA. AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA PARA O NÃO ATENDIMENTO AO CHAMADO JUDICIAL. DECURSO DE MAIS DE TRINTA DIAS.
PERDA DA PRERROGATIVA PREVISTA NO ART. 221, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Passados mais de trinta dias sem que a autoridade que goza da prerrogativa prevista no caput
do art. 221 do Código de Processo Penal tenha indicado dia, hora e local para a sua inquirição
ou, simplesmente, não tenha comparecido na data, hora e local por ela mesma indicados, como
se dá na hipótese, impõe-se a perda dessa especial prerrogativa, sob pena de admitir-se que a
autoridade arrolada como testemunha possa, na prática, frustrar a sua oitiva, indefinidamente
e sem justa causa. Questão de ordem resolvida no sentido de declarar a perda da prerrogativa
prevista no caput do art. 221 do Código de Processo Penal, em relação ao parlamentar arrolado
como testemunha que, sem justa causa, não atendeu ao chamado da justiça, por mais de trinta
dias. (AP 421 QO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 22/10/2009).

Nos casos de testemunhas que residam em outra Comarca, serão elas inquiridas no respectivo juízo, por
meio de carta precatória. Veja o que dispõe o art. 222 do CPP:

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de
sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as
partes.

§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.

§ 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória,
uma vez devolvida, será junta aos autos.

§ 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por
meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em
tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a
realização da audiência de instrução e julgamento.

Sobre esse ponto, importante ficar atento ao conteúdo de algumas súmulas dos tribunais superiores:

Súmula 155/STF. É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de
testemunha.
Súmula 273/STJ. Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no
juízo deprecado.

Ainda, a respeito da necessidade de presença do acusado nesses atos deprecados, BRASILEIRO expõe a visão
do STF a esse respeito:

Muito se discute acerca da obrigatoriedade da presença do acusado perante o juízo


deprecado. Em se tratando de acusado solto, logicamente, fica a critério do acusado
comparecer (ou não) ao juízo deprecado. No caso de acusado preso, o Supremo Tribunal

327
668
Federal entende que, desde que tenha havido prévio requerimento do acusado, a ele
deve se assegurar o direito de presença perante o juízo deprecado (Lima, 2017).

Caso a testemunha resida no estrangeiro, será expedida carta rogatória para a sua inquirição. Trata-se de
medida excepcional, que será apenas admitida em situações realmente necessárias. Essa visão decorre do
art. 222-A do CPP:

Art. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua


imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio.

5.3.3 Dever de prestar o compromisso de dizer a verdade

Como regra geral, a testemunha presta o compromisso legal de dizer a verdade, nos termos do art. 203 do
CPP:

Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que
souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência,
sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes,
ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões
de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

Já sob o compromisso legal, caso a testemunha venha a fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade,
poderá responder pelo crime de falso testemunho, nos termos do art. 342 do Código Penal.

Conforme já abordado anteriormente, não são todas as pessoas que prestam esse compromisso legal.
Relembre o art. 208 do CPP e suas referências:

Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais
e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206.

Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto,
recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que
desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível,
por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

5.3.4 Dever de comunicar mudança de residência

Outro dever que a testemunha assume ao adquirir esse status é o de comunicar o juízo sobre eventual
mudança de endereço. Veja o que dispõe o art. 224 do CPP:

Art. 224. As testemunhas comunicarão ao juiz, dentro de um ano, qualquer mudança de


residência, sujeitando-se, pela simples omissão, às penas do não-comparecimento.

328
668
No preciso magistério de TÁVORA:

Não o fazendo, caso precise ser novamente ouvida e não seja encontrada, será tratada
como testemunha faltante, incorrendo nas consequências do art. 219 do CPP (multa,
condução coercitiva, pagamento da diligência, responsabilidade por desobediência).
Entendemos, portanto, que a mera ausência de comunicação não pode desaguar em
tais sanções, como prevê o art. 224 do CPP. A omissão deve ter reflexos efetivos, ou seja,
deve frustrar intimação para que ela seja novamente ouvida (Távora, 2017).

5.4 CLASSIFICAÇÃO DAS TESTEMUNHAS


a) Testemunhas numerárias: são as testemunhas arroladas pelas partes e que prestam o compromisso legal.
São computadas no sentido de número máximo de testemunhas arroláveis por cada parte – daí o nome.

b) Testemunhas extranumerárias: não são computadas para verificação do limite de testemunhas. Para
BRASILEIRO: “São testemunhas extranumerárias: as ouvidas por iniciativa do juiz (art. 209, caput, CPP), as que
não prestam o compromisso legal e foram arroladas pelas partes, e as que nada sabem que interesse à
decisão da causa (CPP, art. 209, § 2º)” (Lima, 2017).

MARCÃO sustenta que as testemunhas extranumerárias são “aquelas arroladas pelas partes além do número
máximo permitido. O juiz não está obrigado a ouvi-las, mas, se forem ouvidas, poderão ser compromissadas
ou não, conforme o caso” (Marcão, 2017).

c) Testemunha direta: testemunha que presenciou ou visualizou o acontecimento.

d) Testemunha indireta: testemunha que não presenciou diretamente o crime, mas teve conhecimento
sobre o fato por outras pessoas. Nas palavras de MARCÃO, “são aquelas cujos depoimentos consistem na
reprodução de algo que ouviram de terceira pessoa” (Marcão, 2017).

e) Testemunha própria: é aquela que depõe sobre a imputação feita ao acusado na peça inaugural do
processo (thema probandum);

f) Testemunha imprópria ou fedatária: depõe sobre um ato processual, geralmente para atestar a sua
regularidade. Como exemplo, têm-se as testemunhas que presenciaram a oitiva do acusado perante a
autoridade policial e assinaram o respectivo termo (art. 6º, V do CPP).

g) Informante: pessoas que não prestaram o compromisso de dizer a verdade. São os indivíduos elencados
no art. 206 do CPP, os menores de 14 (quatorze) anos e os doentes/deficientes mentais, conforme art. 208
do CPP.

329
668
h) Testemunha referida: são pessoas referidas por outras testemunhas durante o seu depoimento. Nos
termos do art. 209, § 1º, se ao juiz parecer conveniente, poderá haver a inquirição dessas testemunhas
referidas:

Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas
pelas partes.

§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

i) Depoimento ad perpetuam rei memoriam: são as testemunhas nas situações do art. 225 do CPP, as quais
poderão ter antecipada a sua inquirição:
Numerária e extranumerária
Art. 225. Se qualquer testemunha houver de
ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, Direta e indireta
inspirar receio de que ao tempo da instrução
criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou
Própria e imprópria/fedatária
a requerimento de qualquer das partes, tomar-
Testemunha
lhe antecipadamente o depoimento.
Informante
j) Testemunha anônima: testemunha cujos dados de
qualificação permanecem em sigilo em relação ao
Referida
imputado, como forma de preservação de sua imagem
e integridade.
Depoimento ad perpetuam
rei memoriam
k) Testemunha ausente: nas palavras de BRASILEIRO, é
“aquela que não comparece em pessoa para prestar
depoimento durante o julgamento do acusado, por Anônima
diversos motivos (v.g., testemunha que faleceu logo
após o crime)” (Lima, 2017). Ausente

5.5 PROCEDIMENTO PARA A OITIVA DE TESTEMUNHAS


Para a acusação, seja a ação pública ou privada, o momento previsto em lei para a indicação (‘rol’) de
testemunhas é quando da apresentação da peça acusatória, note-se:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a
classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

A defesa, por outro lado, deve arrolar testemunhas quando da apresentação de resposta à acusação:

330
668
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à
sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar
testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

Essas oportunidades devem ser exercidas pelas partes sob pena de, em tese, incorrer em preclusão,
perdendo a oportunidade de produção da prova testemunhal. Fala-se ‘em tese’ porque não se descarta a
possibilidade de o juiz determinar a inquirição delas, usando das faculdades dos seguintes dispositivos do
CPP:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício:[...]

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências


para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas
pelas partes.

§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

Interessante notar – e isso fica claro na interpretação das regras citadas – que a inquirição de testemunhas
fica a critério do juízo, por discricionariedade, observados os princípios do processo penal e as circunstâncias
do caso concreto. Em outras palavras: caso alguma das partes perca a oportunidade de arrolar testemunhas
não terá amparo normativo explícito e específico para impor a inquirição ao juiz da causa.

5.5.1 Número máximo de testemunhas

Existe um número máximo de testemunhas que cada parte pode arrolar (Lima, 2018):

1) Procedimento comum ordinário: 8 (oito) testemunhas (CPP, art. 401, caput);

2) Procedimento comum sumário: 5 (cinco)testemunhas (CPP, art. 532);

3) Procedimento sumaríssimo (Lei n° 9.099/95): 3 (três) testemunhas;

4) Primeira fase do procedimento do júri: 8 (oito) testemunhas (CPP, art. 406, § 3°);

5) Segunda fase do procedimento do júri: 5 (cinco) testemunhas (CPP, art. 422);

6) Procedimento da Lei de drogas: 5 (cinco) testemunhas (Lei n° 11.343/06, art. 54, inciso III);

7) Procedimento ordinário do CPPM: 6 (seis) testemunhas (CPPM, art. 77, alínea "h'').

331
668
Ao largo de alguma controvérsia na doutrina, o entendimento jurisprudencial que prevalece entende que o
número máximo de testemunhas deve ser considerado de acordo com cada fato delituoso imputado. Para a
defesa, além disso, deve ter em conta quantos são os réus.

Com relação ao número de testemunhas pelas partes, há se observar que algumas não entram na contagem,
segundo o Código de Processo Penal:

Art. 209. § 2º Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à
decisão da causa.

Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação
e 8 (oito) pela defesa.

§ 1º Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas.

Conforme consolida AVENA, podemos encontrar, então, quatro categorias que não serão consideradas dentro
desse número máximo:

Também, como regra, não se computarão no número máximo permitido as


testemunhas referidas, as não compromissadas, as judiciais e as que nada souberem
que importe à decisão da causa (arts. 401, § 1.º, e 209, caput e § 2.º). Destarte, ainda que
esgotado o número máximo de testemunhas passíveis de serem arroladas em cada
procedimento pelos interessados, poderá o juiz ouvir, no curso da instrução, outras
testemunhas, quer agindo de ofício (testemunhas judiciais), quer porque foram elas
referidas durante a audiência. Igualmente, poderão o Ministério Público e a defesa
arrolar, além do que lhe permite o rito correspondente, quantas testemunhas não
compromissadas (informantes) entenderem conveniente, uma vez que quanto a estas
pode ser extrapolado o número máximo. Em casos tais, contudo, se exagerada a
quantidade de pessoas que se pretende sejam inquiridas, poderá o magistrado
determinar a intimação das partes, para que limitem o número, adequando-o ao
estabelecido por lei ou esclareçam a necessidade de inquirição das pessoas que, mesmo
não compromissadas, excedem o máximo permitido (Avena, 2017).

Para finalizar, uma tabela de AVENA:

OITO TESTEMUNHAS CINCO TESTEMUNHAS TRÊS TESTEMUNHAS

332
668
Procedimento do crime de
Procedimento comum
Procedimento comum abuso de autoridade (art.
sumário (art. 532 do CPP)
ordinário (art. 401, caput, do 2.º, parágrafo único, da Lei
CPP) 4.898/1965, na falta de
outra previsão específica)
Procedimento dos crimes
Procedimento do júri (art. falimentares (art. 185 da Lei
406, §§ 2.º e 3.º, do CPP) 11.101/2005 c/c o art. 532
do CPP)
Procedimento dos juizados
Procedimento dos crimes de especiais criminais, por
responsabilidade de analogia ao art. 532 do CPP.
funcionário público (art. 518 Inaplicável o art. 34 da Lei
do CPP) 9.099/1995, pois específico
aos juizados especiais cíveis
Procedimento dos crimes Procedimento previsto na lei
contra honra (art. 519 do de drogas (arts. 54 e 55, §
CPP) 1.º, da Lei 11.343/2006)
Procedimento dos crimes
contra a propriedade
imaterial (art. 524 do CPP)
Procedimento dos crimes de
competência dos tribunais
dos Estados, tribunais
regionais federais e tribunais
superiores (art. 9.º da Lei
8.038/1990 c/c a Lei
8.658/1993)
Procedimento dos crimes Procedimento dos crimes
eleitorais, quando punidos eleitorais, quando punidos
com pena máxima igual ou com pena máxima inferior a
superior a quatro anos quatro anos (analogia ao
(analogia ao procedimento procedimento comum
comum ordinário) sumário)

5.5.2 Intimação das testemunhas

Em princípio, as testemunhas devem ser intimadas para comparecer em juízo no dia e hora marcados, onde,
normalmente, serão inquiridas em audiência. A intimação, de regra e diferente do processo civil, opera-se
pessoalmente e por mandado, a teor do art. 370 c/c o art. 351 do CPP.

333
668
Caso a audiência seja adiada/redesignada, as testemunhas que tiverem comparecido devem ser intimadas
no próprio ato, consignando-se a ciência na assentada:

Art. 372. Adiada, por qualquer motivo, a instrução criminal, o juiz marcará desde logo, na
presença das partes e testemunhas, dia e hora para seu prosseguimento, do que se lavrará termo
nos autos.

Caso “a testemunha, devidamente intimada, não compareça, é possível que o magistrado determine sua
condução coercitiva, sem prejuízo de multa de l a 10 salários mínimos, responsabilização criminal pelo delito
de desobediência, e pagamento das custas da diligência de condução coercitiva” (Lima, 2018). Essas
consequências estão previstas no Código de Processo Penal:

Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado,
o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida
por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do
processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da
diligência.

Os “militares deverão ser requisitados à autoridade superior. Em se tratando de funcionários públicos, após
sua regular intimação, deve haver a expedição de mandado ao chefe da repartição comunicando
imediatamente o dia e a hora marcados para o depoimento, a fim de que não haja solução de continuidade
do serviço público” (Lima, 2018). Vejamos o que diz o art. 221 do CPP:

§ 2º Os militares deverão ser requisitados à autoridade superior.

§ 3º Aos funcionários públicos aplicar-se-á o disposto no art. 218, devendo, porém, a expedição
do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em que servirem, com
indicação do dia e da hora marcados.

5.5.3 Substituição de testemunhas

Não há previsão acerca da substituição de testemunhas no CPP, na medida em que a Lei nº 11.719/2008
modificou as disposições dos artigos 397 e 405. O artigo 397, que antes tratava da possibilidade de substituir
testemunha que não fosse encontrada, hoje disciplina a absolvição sumária. O artigo 405, por outro lado,
passou a cuidar do registro dos fatos ocorridos durante a audiência.

Entretanto, diante da importância da prova testemunhal no processo penal e do silêncio da norma, entende-
se aplicável, quanto ao tema, as disposições do Código de Processo Civil, em analogia.

Art. 451. Depois de apresentado o rol de que tratam os §§ 4º e 5º do art. 357, a parte só pode
substituir a testemunha:

334
668
I - que falecer;

II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor;

III - que, tendo mudado de residência ou de local de trabalho, não for encontrada.

A disciplina é perfeitamente aplicável ao processo penal, tanto que não se verifique eventual fraude
processual e/ou preclusão da oportunidade de se arrolar testemunhas.

5.5.4 Desistência da oitiva de testemunha

A gestão da prova no processo penal é essencialmente das partes. Nesse sentido, elas têm a prerrogativa de
não arrolar testemunhas ou, mesmo tendo arrolado, desistir da inquirição em tempo oportuno. Eis o que
estabelece o Código:

Art. 401. § 2º A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas,
ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.

O artigo 209 do CPP, referido, trata dos casos em que o juiz, de ofício, decide ouvir testemunhas além
daquelas indicadas pelas partes.

A desistência pode ser feita, inclusive, durante a realização da audiência de instrução, desde que, é claro,
ainda não tenha sido iniciado o depoimento.

Em processos de competência do Tribunal do Júri, igualmente, a parte pode desistir da oitiva de testemunha
arrolada, desde que o faça antes do início da sessão de julgamento. Após a abertura da sessão, só poderá
desistir com a concordância do juiz-presidente, dos jurados e da parte adversa.

5.5.5 Incomunicabilidade das testemunhas

No intuito de preservar as variadas versões de depoimentos de cada uma das testemunhas, a fim de que
externem a sua visão dos fatos e não opiniões de outrem, o artigo 210 do CPP estabelece que as oitivas serão
realizadas de forma separada, de modo que uma testemunha não ouça o depoimento da outra.

Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam
nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso
testemunho.

Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados
espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.

O artigo prevê, ainda, que se reserve espaço separado, mesmo fora da sala de audiência, para garantir a
incomunicabilidade das testemunhas. Na prática forense, normalmente, as testemunhas aguardam juntas
em uma única antessala. Cabe ao juízo fiscalizar a incomunicabilidade antes e durante a audiência.

335
668
5.5.6 Retirada do acusado da sala de audiência

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério
constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do
depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma,
determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá
constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.

No caso de a testemunha pedir para ser ouvida sem a presença do réu o juiz, constatando que essa
providência é realmente necessária, pode realizar a oitiva por videoconferência ou, na impossibilidade,
determinará a retirada do réu da sala de audiências. A presença do defensor é indispensável. Qualquer das
medidas deve constar do termo de audiências, com os motivos que a ordenaram, em fundamentação
concreta.

5.5.7 Compromisso de dizer a verdade

Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber
e lhe for perguntado [...].

A par da impossibilidade de se eximir da obrigação de depor, prevista no art. 206 do CPP, a testemunha é
exortada e deve prometer dizer a verdade.

Muito ao contrário do que se pensa, o dever de dizer a verdade jamais decorreu da


assunção do decantado compromisso de dizer a verdade, previsto nesse dispositivo. Na
realidade, decorre é do dever de depor resultante do comando do art. 206 [...]. O que
aqui se contém não passa de mera exortação de fundo moral ou cívico, com o qual se
pretende convencer a testemunha da importância de seu múnus, e da necessidade de
se ater ela aos ditames de sua consciência, quanto à veracidade dos fatos de que tem
conhecimento. Imagine-se a hipótese de o juiz se esquecer de tomar o compromisso da
testemunha; imagine-se, ainda, que, exortada ao compromisso de dizer a verdade, a
testemunha afirmar ao juiz, por quaisquer razões pessoais, não admitidas em Lei, que
não irá dizer a verdade. O que fazer? Ora, pouco importa estar ela compromissada –
formalmente, isto é, pela tomada de compromisso – ou não. Se a Lei a obriga a depor, e
é essa a disposição do art. 206, CPP, obriga também ao depoimento verdadeiro,
parecendo-nos impensável a hipótese de se obrigar alguém a comparecer em juízo
apenas para se entrevistar com o magistrado e com as partes. Deve-se dizer a verdade
porque, igualmente, deve-se depor (Pacelli, et al., 2018).

Segundo a parte final do art. 210 do CPP, além da tomada do compromisso, deve o juiz advertir a testemunha
em relação ao falso testemunho:

336
668
Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam
nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso
testemunho.

5.5.8 Qualificação da testemunha

Art. 203. [...] devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão,
lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais
suas relações com qualquer delas [...].

A identificação e a qualificação da testemunha são medidas obrigatórias e antecedentes ao depoimento e,


havendo dúvidas, diz o art. 205 do CPP como proceder:

Art. 205. Se ocorrer dúvida sobre a identidade da testemunha, o juiz procederá à verificação
pelos meios ao seu alcance, podendo, entretanto, tomar-lhe o depoimento desde logo.

Diverge a doutrina quanto ao crime que se configura na hipótese de a testemunha


mentir quanto a sua qualificação. Parte da doutrina entende estar caracterizado o delito
de falso testemunho (CP, art. 342). Segundo MAGALHÃES NORONHA, ''trata-se de
formalidade substancial (CPP, art. 203), que influi no mérito e valor que serão dados ao
depoimento. Sua falsidade ofende, do mesmo modo, os diversos interesses em litígio e
atenta contra a administração da justiça, ferindo-a em sua atuação normal e na eficácia
da realização". Em sentido diverso, MIRABETE entende estar caracterizado o delito de falsa
identidade, previsto no art. 307 do Código Penal (Lima, 2018).

5.5.9 Contradita e arguição de parcialidade da testemunha

Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou arguir
circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará
consignar a contradita ou arguição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou
não lhe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.

A contradita corresponde à impugnação do depoimento da testemunha, diante de sua proibição de depor


(art. 207, CPP). Arguida a contradita, pretendendo-se impedir o depoimento, o juiz deve decidir o incidente
na própria audiência, antes de iniciado o depoimento.

No caso da arguição de parcialidade, o que se pretende, é a consignação, em ata, de circunstâncias que


tornam a testemunha parcial ou indigna de fé. Nesse caso, não se pretende impedir a testemunha de depor,
mas registrar os fatos que devem ser sopesados pelo juiz quando da valoração do seu depoimento.

337
668
5.5.10 Colheita do depoimento

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo
o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem
na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

Antes do advento da Lei nº 11.690/2008, as perguntas que as partes desejassem fazer às testemunhas
deviam ser dirigidas ao juiz que, por sua vez, as faria. Era o chamado sistema presidencialista da instrução.

Com a entrada em vigor da referida Lei, e as mudanças por ela introduzidas, o artigo 212 do CPP passou a
ter nova redação, permitindo que as perguntas sejam feitas pelas partes diretamente às testemunhas (direct-
examination ou ‘exame direto’), sem a necessidade de intermediação pelo juiz. A parte contrária, do mesmo
modo, na reinquirição, dirige-se diretamente à testemunha, ainda que não tenha sido por ela arrolada. Essa
possibilidade de reinquirição pela parte que não arrolou a testemunha (advinda do sistema norte-americano)
é chamada pela doutrina de cross-examination ou ‘exame cruzado’.

Logicamente, a parte que arrolou a testemunha começa a perguntar e, depois, abre-se a possibilidade de
reinquirição pela parte contrária.

Notadamente, conforme artigo antes transcrito, cabe ao juiz indeferir perguntas que puderem induzir a
resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

5.5.11 Inversão da ordem de inquirição das testemunhas

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60


(sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das
testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art.
222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

A leitura do artigo deixa claro que, no que se refere à oitiva das testemunhas, inicia-se pela inquirição das
testemunhas de acusação, passando-se, depois, a ouvir as de defesa. Eis, portanto, a ordem legal.

A ressalva do artigo 222 do CPP se refere à testemunha que tenha de ser ouvida por carta precatória. Quando
isso ocorrer, pode-se ouvir a referida testemunha independentemente da ordem, uma vez que a expedição
de carta precatória não suspende a instrução criminal (§ 1º).

Há, ainda, outro caso em que se permite a inversão, previsto no artigo 225 do CPP. Se refere à possibilidade
de o juiz tomar antecipadamente o depoimento de testemunha que tenha de “ausentar-se, ou, por
enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista”.

338
668
A não observância da ordem de inquirição é causa de nulidade relativa, dependendo, para seu
reconhecimento, da demonstração de prejuízo.

6. RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS

6.1 CONCEITO
O primeiro conceito do verbo “reconhecer” no dicionário AURÉLIO explica bem o que representa esse instituto
no processo penal:

1 - Conhecer novamente (por certas particularidades) que uma pessoa ou coisa é a


mesma que noutro tempo nos foi conhecida.

A ideia é exatamente essa. No processo penal, reconhecimento é o ato pelo qual um indivíduo descreve,
verifica e identifica outra pessoa ou coisa que lhe é apresentada, como sendo aquela que viu no passado.

O reconhecimento, que pode ocorrer tanto perante a autoridade policial quanto a autoridade judiciária, é
tratado pelo Código de Processo Penal nos seus artigos 226 a 228.

6.2 PROCEDIMENTO
O procedimento (rito), está descrito no art. 226 do CPP, que dispõe:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á


pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva
ser reconhecida;

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que
com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a
apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de
intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida,
a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela


pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

339
668
Parágrafo único. O disposto no nº III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal
ou em plenário de julgamento.

Note que o inciso IV prevê a necessidade de lavratura de auto pormenorizado das ocorrências do
reconhecimento, assinado pela autoridade e por mais duas testemunhas. Entende a doutrina, contudo, que
as exigências desse inciso se aplicam apenas ao reconhecimento perante a autoridade policial, porquanto
na fase judicial o ocorrido é devidamente relatado no próprio termo de audiência/ata de julgamento, com a
concomitante ciência das partes.

Interessante registrar que o parágrafo único do art. 226 do CPP – que veda a aplicação do inciso III em sede
de instrução criminal ou plenário de julgamento – é alvo de críticas doutrinárias, porquanto nada justificaria
essa vedação legal à proteção do reconhecedor fora da fase investigatória. A esse respeito, GUILHERME NUCCI:

A não aplicabilidade da preservação do reconhecedor frente ao reconhecido na fase


judicial, como menciona o art. 226, parágrafo único, do CPP, é inviável. Vale registrar ser
totalmente incompreensível a vedação estabelecida para a preservação da imagem do
reconhecedor frente ao reconhecido em juízo. Como leciona, com pertinência,
TORNAGHI, a medida foi injustificável, demonstrando que a lei brasileira preferiu seguir
“servilmente” a italiana (Compêndio de processo penal, t. III, p. 921). Em sentido oposto,
estando de acordo com a vedação e alegando “razões óbvias”, sem as enumerar, no
entanto, está a posição de TOURINHO FILHO (Comentários ao Código de Processo Penal,
v. 1, p. 432). [...] Portanto, cremos que o referido art. 226, parágrafo único, do CPP, deve
ser interpretado em sintonia com as demais normas existentes, no processo penal
brasileiro, inclusive sob o espírito de proteção trazido pela Lei 9.807/99, permitindo até
mesmo a troca de identidade de pessoa ameaçada, para que seu depoimento seja isento
e idôneo. Defendemos que a leitura deste dispositivo deve ser no sentido da
possibilidade do reconhecimento em juízo ser feito, com ou sem o isolamento do
reconhecedor, conforme as condições locais, enquanto, na polícia, o isolamento é
obrigatório (Nucci, 2015).

Outrossim, segundo o STJ, a inobservância do procedimento previsto no art. 226 do CPP não produz nulidade
absoluta:

[...] A inobservância da forma estabelecida no art. 226 do Código de Processo Penal para o
reconhecimento de pessoas e coisas não produz nulidade absoluta, máxime quando se tratar
de confirmação de reconhecimento já realizado na fase inquisitorial. [...] (HC 397.523/SP, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2018, DJe 16/04/2018).

Por fim, no que diz respeito ao reconhecimento de coisas, dispõe o art. 227 do CPP:

Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo


anterior, no que for aplicável.

340
668
6.3 RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E FONOGRÁFICO
Apesar de não contarem com previsão legal expressa, têm-se admitido essas modalidades de
reconhecimento como próprio corolário dos princípios da liberdade probatória (seriam provas inominadas,
segundo alguns autores) e da busca da verdade.

Em relação ao reconhecimento fonográfico, BRASILEIRO atesta a sua utilidade:

Supondo-se um crime praticado por criminosos encapuzados, ou usando capacetes, é


possível que a vítima faça o reconhecimento do acusado através de sua voz. Mais uma
vez, deve ser usado o procedimento probatório previsto para o reconhecimento de
pessoas. Seu valor probatório é relativo, sendo inviável que um decreto condenatório
esteja lastreado única e exclusivamente em um reconhecimento fonográfico.

Ainda, o autor toma o cuidado de evitar que se confunda o reconhecimento fonográfico com o exame pericial
sobre a autenticidade da voz:

Importante esclarecer que esse reconhecimento fonográfico não se confunde com o


exame pericial de verificação de locutor (ou de autenticidade de voz), tido como exame
pericial feito por perito oficial (ou por dois peritos não oficiais) para verificar se a voz
gravada em interceptações telefônicas judicialmente autorizadas provém (ou não) do
aparelho fonador de determinada pessoa (Lima, 2017).

O reconhecimento por foto segue a mesma sorte em relação ao valor probatório, sendo visto com certa
cautela e parcimônia pelos tribunais, ante a natureza de sua produção, que é indireta. Nesse sentido, leciona
RENATO MARCÃO, elencando a visão dos tribunais superiores sobre o tema:

Ainda que bem formalizado, não se trata de reconhecimento direto, daí seu resultado
apresentar mero indício, prova indireta da autoria, a ser confirmada em juízo por outros
elementos de convicção. O Pretório Excelso e o Superior Tribunal de Justiça têm se
pronunciado reiteradamente nessa linha de raciocínio, conforme demonstram as
ementas que seguem: O reconhecimento fotográfico do acusado [realizado na fase
inquisitorial], quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e da ampla defesa,
pode servir como meio idôneo de prova para lastrear o édito condenatório (STF, HC 104.404/
MT, 1ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 21-9-2010, DJe 230, de 30-11-2010). O reconhecimento
fotográfico tem valor probante pleno quando acompanhado e reforçado por outros
elementos de convicção (STF, HC 74.267/ SP, 2ª T., rel. Min. Francisco Rezek, j. 26-11-1996,
DJ de 28-2-1997). O reconhecimento fotográfico, acompanhado de outras provas, justifica o
regular processamento da ação penal e pode servir de elemento de convicção do Juiz (STJ, HC

341
668
120.867/ SP, 5ª T., rel. Min. Adilson Vieira Macabu, j. 6-12-2011, DJe de 3-2-2012). Nos
moldes da jurisprudência desta Corte, o reconhecimento fotográfico do acusado, quando
ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla defesa, pode servir como meio
idôneo de prova para formar a convicção do magistrado e lastrear o édito condenatório,
notadamente quando corroborado por outros elementos probatórios, inexistindo, portanto,
ilegalidade manifesta a ser reparada (STJ, HC 248.400/ DF, 5ª T., rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, j. 18-9-2012, DJe de 21-9-2012) (Marcão, 2017).

O STF, no HC 157007/SP (rel. Min. MARCO AURÉLIO, em julgamento do dia 06/8/2019), assentou da seguinte
forma:

A utilização do meio fotográfico como base a implicar a condenação pressupõe a existência de


outras provas, obtidas sob o crivo do contraditório, aptas a corroborá-lo, revelando-se
insubsistente o pronunciamento lastreado exclusivamente nesse meio de prova. O Supremo
Tribunal Federal, em diversas oportunidades, assentou a inadmissibilidade do reconhecimento
fotográfico como único fundamento a respaldar a condenação (HC 70.038, HC 70.936, HC 74.368
e HC 74.751) – Informativo 946.

7. ACAREAÇÃO

7.1 CONCEITO
Acarear é confrontar, é colocar frente a frente, ou “cara a cara”, na linguagem coloquial.

Trazendo esse conceito para o processo penal, nas palavras de EDILSON MOUGENOT BONFIM, acareação é o “ato
pelo qual se colocam frente a frente duas ou mais pessoas cujas declarações sobre fatos ou circunstâncias
relevantes sejam conflitantes, a fim de que expliquem os pontos de divergência” (Bonfim, 2013).

É, portanto, um meio de prova com o propósito de expurgar quaisquer inconsistências e conflitos que
tenham surgido entre e a partir dos relatos e declarações dos depoentes.

O artigo 229 do CPP estabelece as hipóteses em que é admissível a acareação:

Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre
testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas,
sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de


divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.

342
668
Ou seja, dividindo-se em itens o dispositivo acima transcrito, a acareação se faz possível entre: a) acusados;
b) acusado e testemunha; c) testemunhas; d) acusado e ofendido; e) testemunha e ofendido; f) ofendidos.

A doutrina concebe, com base na parte final do artigo 229, pressupostos a serem observados para que se
possa realizá-la. MARCÃO sintetiza:

Pressuposto da acareação é a preexistência de declarações formalizadas nos autos, nas


quais se identifique divergência sobre fatos ou circunstâncias relevantes para a
reconstrução da verdade. Objeto da acareação, portanto, são as divergências existentes
nas declarações que se antagonizam. A divergência sobre fato irrelevante ou
impertinente não autoriza a providência, porquanto inútil para o julgamento da causa
(Marcão, 2017).

Lembre-se que a acareação pode também ocorrer, assim como o reconhecimento, em sede de inquérito
policial, conforme art. 6º, VI do CPP:

Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

7.2 PROCEDIMENTO
Qualquer das partes pode requerer a realização de acareação, assim como também é possível que o
magistrado a determine ex officio.

O procedimento em si nada mais é do que o previsto no parágrafo único do art. 229 acima transcrito: os
acareados são perguntados novamente sobre pontos específicos e relevantes de suas narrativas, a fim de
que expliquem as divergências de seus relatos.

Nas lições de VICENTE GRECO FILHO: “Perante as pessoas acareadas, o juiz exporá os pontos divergentes e
solicitará esclarecimentos ou confirmação do que fora afirmado anteriormente, lavrando-se termo do
ocorrido. Os acareados poderão ser reperguntados pelas partes sobre os pontos discordantes” (Filho, 2012).

Ainda, conforme art. 230 do CPP, a acareação também é possível por meio de carta precatória; ou seja, entre
pessoas de Comarcas e até mesmo Estados diversos:

Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja
presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que
explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar
onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha
presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se
complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a

343
668
testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao
processo e o juiz a entenda conveniente.

No ponto, NUCCI relembra a possibilidade de que a acareação também ocorra por videoconferência, com o
advento da Lei 11.900/2009:

Atualmente, a edição da Lei 11.900/2009 viabilizou a realização de acareação por meio


da videoconferência, de modo que se torna desnecessária a utilização da precatória (art.
185, § 8.º, CPP). É lógico que as Comarcas envolvidas (onde se encontram os acareados)
devem possuir o equipamento para tanto. Enquanto esse material inexistir, permanece
o envio da precatória como única forma para a acareação à distância (Nucci, 2015).

7.3 VALOR PROBATÓRIO


Assim como todos os demais meios de prova, a acareação tem valor relativo. Entretanto, a prática tem
revelado que a acareação dificilmente logra êxito em cumprir o seu objetivo, o que acaba por afetar o seu
valor como meio de prova.

A doutrina, a esse respeito, é unívoca. Veja o que afirma TÁVORA:

Na prática, o valor probatório da acareação se reduz porque os envolvidos costumam


sustentar as versões de suas declarações ou depoimentos. De todo modo, o produto da
acareação, seja transcrito, seja gravado em sistema audiovisual, será aferido de forma
relacionada com as demais provas dos autos (Távora, 2017).

TAREFA 03 - CRIMINOLOGIA
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Escolas criminológicas e etapas evolutivas.

344
668
PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
A Criminologia promove a nós uma viagem em seu estudo e, consequentemente, nas Ciências Penais. É claro
que, neste último caso, o enfoque é diferenciado e vai muito além do campo jurídico, isso porque, ela procura
compreender os processos sociais dinâmicos que estão em constantes mudanças.

Além disso, como ciência interdisciplinar que é, a Criminologia nos proporciona, enquanto profissionais (seja
de qualquer ramo), uma análise sistemática e crítica do controle social da criminalidade. Contribuindo,
portanto, com nossos trabalhos enquanto autores, juristas, filósofos e outras categorias profissionais, pois,
como já fora relatado aqui, a Criminologia possui um espaço rico e amplo de informações da realidade que
se procura compreender.

Nesse raciocínio, a partir do capítulo de hoje, ou seja, das noções gerais desta disciplina, será possível
identificar sua potencialidade e ferramentas conceituais que são utilizadas para explicar a lógica dos
pensamentos requestada pela Criminologia.

É o que veremos a partir de agora.

2 – CIÊNCIAS PENAIS
Antes de iniciarmos o estudo da disciplina de Criminologia propriamente dito, é necessário que adentremos
brevemente na seara das ciências penais, pois essa breve passagem nos dará importantes informações
metodológicas.

É que o crime, o criminoso e a sanção penal, como você já sabe, são objeto de estudo em várias ciências
penais - também conhecidas como enciclopédias penais.

Embora não haja consenso na doutrina acerca da quantidade ou variedade das ciências criminais, já que as
discussões sobre a autonomia de cada uma delas impedem tal conclusão, podemos afirmar que são as áreas
que predominam as ciências penais: a Dogmática Penal, a Política criminal e a Criminologia.

Assim sendo, temos o seguinte panorama:

345
668
Ciências
Criminais

Dogmática
Penal

Política
Criminal

Criminologia

Anote-se que, embora coexistentes, todas essas ciências são autônomas, cada qual com sua vertente. Trata-
se de institutos inseparáveis e interdependentes.

Porém, ressalte-se que à Criminologia não cabe apresentar-se com conceituações criminológicas parciais,
uma vez que:

Todas as ciências possuem a mesma importância jurídica cientifica,


adotando, como diz Lélio Braga “um modelo não piramidal entre as
ciências60”.

Veremos a partir de agora cada um desses institutos.

2.1 – DOGMÁTICA PENAL


A Dogmática Penal derivada de “Dogma”, ou seja, crenças ou ponto fundamental.

60
CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. Niterói: Impetus, 2009. p.13

346
668
A palavra dogmática releva-nos que os princípios e regras ordenadas sistematicamente pelo Direito Penal
são absolutos e, por isso, devemos nos vincular a ela. Sua missão é, inicialmente, conhecer os princípios
jurídico-penais positivos e, posteriormente, desenvolver de modo sistemático o conteúdo para o Direito
Penal.

Note que, aqui, as normas são o ponto de partida para solucionar problemas.

Se de um lado a doutrina61 nos ensina que o direito é parte componente da cultura humana e deve ser
interpretado de modo que lhe permita cumprir as tarefas éticas, sociais e econômicas da atualidade, de
outro, é função, portanto, da dogmática penal:

Interpretar, sistematizar e aplicar a lógica-racional do direito penal.

Mas todo cuidado é pouco!

Finalmente merece atenção o fato de que a dogmática penal não é sinônimo de dogmatismo,
não podendo haver confusão entre tais institutos, já que o dogmatismo se resume na
aceitação cega e sem crítica de crenças absolutas e imutável.

Veja a seguinte sinopse:

61
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 13.

347
668
Dogmática Dogmatismo
Interpretação e sistematização e
Aceitação cega e sem críticas de
aplicação lógico racional do
uma verdade absoluta e imutável.
Direito Penal.

É IN(compatível) com a própria


É compatível com a ciência.
ideia da ciência.

2.2 – O DIREITO PENAL


O Direito Penal é uma ciência jurídica e normativa, ou seja, é uma ciência do “dever ser”. A propósito, anote-
se que, como ciência, utiliza-se do método dedutivo-sistemático para apreciação de qualquer que seja o fato
delituoso.

Nesse ínterim, embora seja um tema que será abordado nas próximas linhas, vale adiantar que o Direito
Penal não pode ser confundido com a Criminologia, já que se utiliza de metodologias diferentes para análise
do fato delituoso e também são diferentes enquanto ciência.

2.2.1 – Direto Penal ≠ Criminologia

Veja a seguinte sinopse:

348
668
Direito Penal Criminologia

É uma ciencia jurídica e normativa É uma ciencia empírica

Utiliza o método dedutivo-sistemático Utiliza o método Naturalístico e Indutivo

Ciência do dever-ser Ciência do ser

Classificada a Dogmática Penal e o próprio Direito Penal, falaremos agora sobre a política criminal.

2.3 – POLÍTICA CRIMINAL


A política criminal é ciência independente.

Num primeiro momento, é ela quem apresenta críticas, num segundo, apresenta reformas ao Direito Penal
em vigor. Para Basileu Garcia62, a política criminal constitui uma ponte entre a teoria jurídico-penal e a
realidade.

62
GARCIA, Basileu. Op. Cit., p.37

349
668
Em reforço, Masson63 vai nos dizer que a política criminal encontra-se intimamente relacionada
com a dogmática, uma vez que na interpretação e aplicação da lei penal interferem critérios de
política criminal. Baseia-se em considerações filosóficas, sociológicas, políticas e também de
oportunidade, em sintonia com a realidade social, para propor modificações no sistema penal.

O raciocínio é intuitivo.

Basta lembrar que as leis penais são resultadas de vontades políticas manifestadas a partir dos
nossos representantes junto aos Poderes do Estado.

Assim, adotamos e instituímos regras, leis e princípios refletindo em nosso Direito Penal (e noutros tantas),
nossa cultura e civilização. É por isso a doutrina fala tanto em leis que pegam e leis que não pegam, como
forma de demonstração de afinidade (ou a falta dela) entre interesses de uma população e o Estado. Logo,
é a partir deste raciocínio que adotamos a política criminal como o instituto que nos revelará tais motivos.

Para Masson, (para não ficar “ele” e “ela” e “ele” seguidos usei o sobrenome) ela
também nos ensina a compreender o Direito à luz de considerações extraídas dos
fins a que ele se dirige e aplicá-lo nos casos singulares em atenção a esses fins64.

Finalmente, pode-se concluir que a política criminal, de forma crítica e dinâmica,


analisa os fatos sociais que são atuais, trazendo uma comparação entre o sistema
penal que vigora no momento da análise propondo ou não mudanças pertinentes, sem abandonar o ideal
de justiça que se importa o Direito Penal.

2.3.1 – Política Criminal ≠ Criminologia

Não são raras as vezes em que a Criminologia e a Política Criminal são confundidas, no entanto, isso não deve
ser feito por você!

Se de um lado a Criminologia estuda o delinquente e a etiologia da criminalidade, de outro, a Política Criminal


se ocupa com o estudo dos meios de prevenção e repressão dos delitos.

63
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 13.

64
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 13.

350
668
Na atualidade a Criminologia emprega seus esforços nas críticas e sugestões de estratégias para o controle
da criminalidade, portanto, a Criminologia transferiu seu foco para o objetivo da política criminal 65. A
propósito, há quem diga que a Criminologia orienta a Política Criminal.

Falaremos mais sobre a Criminologia, propriamente dita, a partir de agora.

2.4 – CRIMINOLOGIA
Doutor (a),

A palavra Criminologia foi criada por Paul Topinard (1883), embora tenha se espalhado
internacionalmente a partir de RAFFAELE GAROFALO em 1885 em seu livro
Criminologia. 66

Noutro giro, quanto à origem etimológica, a palavra possui derivação de duas línguas, e
é por essa razão, que se fala em origem etimológica híbrida.

Se de um lado, extraímos da língua latina a palavra Crimino que significa Crime, doutro, extraímos da língua
grega o termo Logo que significa estudo.

Assim, temos a seguinte junção:

Crimino = Crime Logos = Estudo

(Língua latina) (Língua grega)

Consequentemente, a partir dessa análise etimológica, chegamos à tradução da palavra CRIMINOLOGIA que
significa estudo do crime.

65 65
LIMA JÚNIOR, José César Nunes. Manual de Criminologia. 5ª. Edição. Revista atualizada e
ampliada. Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 85.

66
PENTEADO, Nestor Sampaio Filho. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 17.

351
668
Para Antônio García-Pablos de Molina67

“A Criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime,


da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo e trata de
ministrar uma informação válida e contrastada sobre a gênese, dinâmica e variações
principais do crime, contemplando-o como problema individual e social, assim como sobre os
programas para sua prevenção especial, as técnicas de intervenção positiva no homem
delinquente e os diversos modelos ou sistema de respostas ao delito”.

Certamente, dentre todas as espécies de ciência criminal, esta é a que mais nos interessa, por
essa razão, passaremos a uma análise mais aprofundada do tema nos próximos capítulos.

67
MASSON, Cleber. Direito penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 14.

352
668
2.4.1 – Classificação da Criminologia

São diversas as classificações que a doutrina de Criminologia apresenta em seus estudos. De forma resumida,
a Criminologia é gênero que se subdivide em, pelo menos, 12 (doze) espécies, a saber:

Científica

Aplicada

Acadêmica

Analítica

Crítica, dialética ou
radical
CRIMINOLOGIA

da Reação Social

Orgnizacional

Clínica ou
Microcriminologia

Criminologia verde

do Desenvolvimento

Midiática

Fenomenológica

Vamos às conceituações de cada uma delas.

353
668
– Criminologia Científica

É ciência autônoma, empírica e interdisciplinar, que tem por objeto o estudo do crime, do criminoso, da
vítima e do controle social da conduta criminosa, com o escopo de prevenção e controle da criminalidade68.

É a criminologia que para nós importa e a que estudaremos durante o nosso curso.

– Criminologia Aplicada

Para Sumariva,

Consiste na aplicação pelos operadores do direito dos conhecimentos auferidos pela Criminologia
Científica69.

– Criminologia Acadêmica

A Criminologia que sistematiza o saber criminológico para fins pedagógicos e didáticos.

– Criminologia Analítica

É a parte da Criminologia responsável por verificar o cumprimento do papel das ciências criminais e da
política criminal.

– Criminologia Crítica, dialética ou radical

Com fundamentos marxistas, é a Criminologia que nega o capitalismo.

68
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 52.

69
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 52.

354
668
Isso porque, de acordo com Natacha Alves70:

[...] nega o capitalismo, haja vista implicar em um processo de estigmatização da população


marginalizada, em que a classe trabalhadora figura como alvo preferencial do sistema punitivo.

– Criminologia da Reação Social

É a Criminologia responsável pelo estudo dos procedimentos para a criação de normas penais e sociais
relacionadas ao comportamento desviante.

– Criminologia Organizacional

Além do processo de criação das leis, é a criminologia que compreende a violação dessas normas, bem como,
as formas de reação.

– Criminologia clínica ou Microcriminologia

Para Alvino Sá (2008, p. 03), a Criminologia é tradicionalmente conceituada como71:

A ciência que, valendo-se dos conceitos, conhecimentos, princípios e métodos de investigação e


prevenção médico-psicológicos (e sociofamiliares), ocupa-se da pessoa do apenado, para nele
investigar a dinâmica de sua conduta criminosa, sua personalidade e seu “estado perigoso”
(diagnóstico), as perspectivas de desdobramentos futuros da mesma (prognóstico) e assim
propor e perseguir estratégias de intervenção, com vistas à superação, ou contenção de uma
possível tendência criminal e a evitar uma recidiva (tratamento).

Neste sentido, pode-se afirmar que é a ciência que busca conhecer a pessoa do criminoso, bem como,
compreender os motivos ensejadores do delito.

70
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 52.

71
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 52.

355
668
– Criminologia Verde ou Green Criminology

Trata-se de uma moderna criminologia que tem crescido mundo à fora. Sua função está diretamente ligada
à responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais, cuja tutela é a biodiversidade.

A doutrina72 a classifica como uma das manifestações da heterogênea criminologia crítica, também com
influências marxistas.

Para nós, brasileiros, é um ramo importante, pois está diretamente relacionado aos
movimentos de ecofeminismo, antirracismo ambiental e até ecologismo vermelho ou de
esquerda, por isso, é a Criminologia que sustenta que as mulheres e minorias sociais são
aliados nos contextos decisórios de relevantes questões ambientais.

Penteado Filho (2016, p.113) vai nos dizer que é a Criminologia que impulsionada pelo
realismo de esquerda, torna-se a vertente criminológica que ataca grandes corporações, responsabilizando-
as pela prática de lavagem de capitais com a utilização do meio ambiente, ou seja, o greenwashig, que faz
com que se apresentem respeitosas e preocupadas com a causa ambiental, como por exemplo, pela
realização de campanhas na mídia, quando na verdade, são extremamente nocivas.

– Criminologia do desenvolvimento

Defendida por Patterson, Loeber, Le Blanc e Moffit, consiste no estudo longitudinal e com
enfoque dinâmico das variáveis do comportamento criminoso ao longo do desenvolvimento da vida do
indivíduo, de acordo com sua idade e fase de crescimento, levando em consideração, dentre outras
circunstâncias, suas experiências pessoais e idade em que iniciou a vida criminosa, com o escopo precípuo
de preservação da criminalidade73.

72
Nesse sentido: De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM,
2018. Pg. 53.

73
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 54.

356
668
– Criminologia midiática

Sem cientificidade, a Criminologia Midiática é destoada de estudos acadêmicos. Por outro lado,
atende a uma criação de realidade substanciada em crenças e preconceitos que, por meio da informação,
subinformação e desinformação que é vinculada pela mídia.

Anote-se que a mídia é uma grande impulsionadora deste tipo de Criminologia, pois, com sua seletividade
penal, acatada pelo senso comum, mistura, erroneamente, a ideia da prisão como um principal meio de
estabelecer a ordem pública e segurança pública.

– Criminologia Fenomenológica

A Criminologia Fenomenológica analisa a essência das coisas a partir de sua aparência, procurando
entender a realidade objetiva do fenômeno criminal74.

Noutras palavras, significa dizer que a Criminologia Fenomenológica tem o objetivo de estudar a realidade
fenomenológica do comportamento criminoso em sua realidade fática, ou seja, como um fenômeno real.

74
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 56.

357
668
3 – A CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA

Para a doutrina majoritária, a Criminologia é uma ciência autônoma, empírica e


interdisciplinar, que possui como objeto de estudo, o crime, o criminoso, a vítima e o comportamento
social.

Como fora dito, Antônio García-Pablos de Molina nos ensina que a Criminologia é uma ciência empírica e
interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do
comportamento delitivo e trata de ministrar uma informação válida e contrastada sobre a gênese, dinâmica
e variações principais do crime, contemplando-o como problema individual e social, assim como sobre os
programas para sua prevenção especial, as técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e os
diversos modelos ou sistema de respostas ao delito. 75

Nas palavras de Cleber Masson76:

A Criminologia ocupa-se das circunstâncias humanas e sociais relacionadas com o surgimento, a


prática e a maneira de evitar o crime, assim como do tratamento dos criminosos.

Em outras palavras, significa dizer que a criminologia possui métodos e objetos de estudo próprios -por isso
autônoma- é baseada numa experiência (da realidade) – por isso empírica - e agrega conhecimentos
fornecidos por outros ramos, a exemplo: ramo sociológico, comportamental, medicinal, filosófico,
psicológico, do direito, etc. – por isso interdisciplinar.

75
MASSON, Cleber. Direito penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 14.

76
MASSON, Cleber. Direito penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 14.

358
668
Criminologia é uma Ciência: A, E, I

Autônoma: métodos e objetos de estudo próprios


Empírica: baseada na experiência
Interdisciplinar: implica relações com várias disciplinas e áreas de conhecimento.

1 – Interdisciplinaridade ≠ multidisciplinariedade

No tocante a interdisciplinaridade, convém enfatizar que esta não se confunde com a


multidisciplinariedade.

Nas palavras dos Professores Eduardo Fontes e Henrique Hoffmann77, a interdisciplinaridade é mais
profunda, uma vez que os saberes se integram e cooperam entre si. Enquanto na multidisciplinariedade, as
inúmeras visões sobre determinado problema são tratadas de maneira compartimentada onde cada uma
delas oferece sua própria visão sem necessariamente levar em consideração a posição das demais.

77
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. Pg. 3.

359
668
Atenção: INTERDISCIPLINAR ≠ MULTIDISCIPLINAR

Multidisciplinariedade: as inúmeras visões sobre


Interdisciplinar: interdisciplinaridade é mais determinado problema são tratadas de maneira
profunda, uma vez que os saberes se integram e compartimentada onde cada uma delas oferece sua
cooperam entre si. própria visão sem necessariamente levar em
consideração a posição das demais.

Destarte, a Criminologia compreende a criminalidade ou fenômeno criminal como um problema social e


individual, sendo que, o ponto de vista levantado aqui é biopsicossocial. Ou seja, a criminologia não
despreza, mas analisa o contexto do fenômeno criminal a partir de fatores biológicos e sociológicos,
investigando personalidade do delinquente, da vítima, o contexto, os motivos/causas do crime, as formas de
ressocializar o delinquente e até mesmo as formas de prevenir o delito a partir do contexto de controle
social.

Por fim, agora que você já sabe o conceito de Criminologia, cumpre ressaltar que a Criminologia não pode
ser confundida com a Criminalística.

É o que veremos a seguir.

2 - Criminalística ≠ Criminologia

A CRIMINALÍSTICA é uma disciplina autônoma, pois possui métodos, leis e princípios próprios.

Com reforço, é importante esclarecer que apesar de valer-se dos conhecimentos de outras ciências, como
por exemplo, a Medicina, Toxicologia, Química, Física, Biologia, Matemática, dentre tantas outras, a

360
668
Criminalística não perde seu caráter autônomo. Daí porque, a necessidade de peritos criminalísticos ou
peritos criminais com diferentes formações profissionais78.

Se de um lado a Medicina Legal estuda os vestígios intrínsecos do crime, ou seja, na pessoa, a


Criminalística objetiva reconhecer e interpretar os indícios materiais extrínsecos do delito ou
identificar o criminoso.

Esses vestígios materiais são analisados de forma dinâmica incluindo a origem, os fatos geradores, a
interpretação, os meios e formas com que foram produzidos e a interligação entre eles. Por essa razão,
afirmamos que a Criminalística é disciplina autônoma.

Noutro giro, note que se contrapõe a conceituação de Criminologia que outrora definimos como ciência
autônoma que estuda o fenômeno criminal de maneira empírica e interdisciplinar.

▪ O tema em provas de concurso

IESES/IGP SC -2014
Ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima,
do controle social e do comportamento delitivo. Este é o conceito atribuído a qual dessas ciências
abaixo relacionadas:

78
BITTAR, Neusa. Medicina Legal e Noções de Criminalística. 5ª. Edição. Salvador: Editora
JusPodivm., 2016, p.75.

361
668
a. Medicina Legal
b. Criminalística
c. Perícia Criminal
d. Criminologia

Comentários:
Alternativa a: Errada. A medicina legal é uma ciência, pois possui métodos, objetos e finalidade
própria. Seu objetivo é orientar legisladores e magistrados na elaboração e aplicação da lei,
respectivamente, esclarecendo questões criminais e civis, dentre outras. Também importa aos
juristas, pois fornece informações para subsidiar a formulação de quesitos e a interpretação dos
laudos e pareceres médico-legais.
Alternativa b: Errada. A Criminalística objetiva reconhecer e interpretar os indícios materiais
extrínsecos do delito ou identificar o criminoso, não se confunde com a Criminologia uma vez que
esta é ciência autônoma que estuda o fenômeno criminal de maneira empírica e interdisciplinar.
Alternativa C: Errada. Perícia é do que o conjunto de procedimentos técnicos, com fundamentação
científica, realizados por pessoa qualificada, especialista – o perito. Sua finalidade das perícias é
provar fatos e esclarecer situações que interessem à Justiça.
Alternativa D: Certa. A Criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo
do crime, da pessoa do infrator, da vítima, do controle social e do comportamento delitivo.
Gabarito: Letra D

Assim sendo, salve:

CRIMINOLOGIA x CRIMINALÍSTICA

362
668
Criminologia Criminalística

É disciplina meramente
Ciência autônoma, empírica auxiliar das ciências
e interdisciplinar que possui criminais, objetiva ajudar a
como objeto de estudo, o percussão criminal
crime, o criminoso, a vítima fornecendo provas técnicas
e o comportamento social. periciais. Estuda os vestígios
de crime.

Logo, podemos concluir que a Criminologia não pode ser confundida com a Criminalística, pois a
Criminalística é disciplina meramente auxiliar das ciências criminais, que objetiva ajudar a percussão criminal
fornecendo provas técnicas periciais.

Vencidas a conceituação da Criminologia enquanto ciência, veremos agora, as finalidades da Criminologia


enquanto ciência.

3.1 – O PANORAMA FORNECIDO PELA CRIMINOLOGIA


A Criminologia nos oferece panoramas que nos proporcionam analisar os modelos sociais
de justiças criminais, a vítima, o delinquente, as formas de controle social, os reflexos das
legislações penais em uma sociedade. Mas não é só isso, todo esse cenário nos dá a
possibilidade de compreender – ou ao menos buscar compreender numa análise crítica -
, o contexto da prática delituosa juntamente com os fatores que culminaram no cenário
atual79.

Embora a Criminologia muito nos ofereça sobre aspectos penais, não podemos confundir. Se de um lado o
panorama fornecido por ela é sobre os envolvidos em um contexto criminológico de modo geral, de outro é
do Direito Penal a tarefa de punir o delinquente. E ainda, é do processo penal a tarefa de legislar sobre
procedimentos a serem adotados durante a persecução penal.

79
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. Pg. 24.

363
668
Então fique atento!

A Criminologia oferece um panorama completo que nos possibilita analisar os contextos


criminológicos e todo sistema e pessoas ali envolvidas. Não legisla, tampouco pune.

Eduardo Fontes e Henrique Hoffmann, em seu manual de Criminologia, nos diz que:

A Criminologia apura a visão crítica e científica daquele que se propõe a analisar o problema da
delinquência, além de fornecer respostas mais detalhadas aos problemas criminais que assolam a sociedade.
80

Com embargos, há que discorde na doutrina brasileira, embora prevaleça que o panorama fornecido pela
disciplina científica, de índole diagnóstica e profilática81 é que possibilita a compreensão das várias facetas
do fenômeno criminal.

De forma resumida, veja o infográfico apresentado pela Criminologia.

80
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. Pg. 24.

81
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. Pg. 24.

364
668
Figura 2: Imagem: Estratégia Concursos. Panorama apresentado pela criminologia.

Assim, podemos concluir que a Criminologia se ocupa das circunstâncias humanas e sociais relacionadas com
o surgimento, a prática e a maneira de evitar o crime, assim como do tratamento dos criminosos. Preocupa-
se com aspectos sintomáticos, individuais e sociais do crime e da criminalidade, isto é, aborda
cientificamente os fatores que podem conduzir o homem ao crime. E, ao fornecer informações sobre o
delinquente, o delito, a vítima e o controle social (objetos da criminologia) ela contribui com o estudo das
causas do crime82.

De outro lado, o Direito Penal é a disciplina normativa que declara “o que deve ser”, enquanto a Criminologia
empírica estuda “o que é83”.

82
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 14.

83
MASSON, Cleber. Direito Penal - parte geral. 11ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Pg. 14.

365
668
3.2 – FINALIDADES DA CRIMINOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA

A finalidade da Criminologia consiste na busca de conhecimentos sobre o crime,


criminoso, a vítima e controle social.

Essa busca tem como intenção compreender, de forma científica, o fenômeno criminal a fim de possibilitar:

➔ Prevenção do crime
➔ Repressão eficiente do crime
➔ Inúmeros modelos de respostas ao fenômeno criminal

Ressalte-se que não se trata de estudo casualista amparado em leis, ao contrário, a finalidade aqui é ofertar
um diagnóstico sobre o delito e atuação sobre o homem criminoso fundamentado em ciência prática.

Logo, o desafio é encarar problemas reais, por isso falamos em controle e prevenção, pois fatalmente,
haverá impactos em porcentuais nestes dois institutos a partir dos estudos realizados pela Criminologia.

Por essa razão, não é forçoso reconhecer que a Criminologia enquanto ciência criminal
influencia diretamente o Direito Penal, orientando, inclusive, a política criminal. A consequência é a
possibilidade de reprimir condutas criminosas que outrora não foram ou puderam ser evitadas.

Nas palavras de Luiz Flávio Gomes:

Essa ciência busca adotar programas de prevenção eficaz do comportamento delitivo, técnicas
de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos sistemas de respostas ao delito84.

84
GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. Revista dos Tribunais, 2008, p. 43.

366
668
É nessa sistemática, Guerreiro, que as inúmeras teorias – estudaremos futuramente- foram e são criadas. É
a fim de entender as razões que levam as pessoas a cometerem crimes e o motivo pelo qual os delitos
acontecem na sociedade.

Por ora, entenda que a finalidade ou função da Criminologia resume-se em:

➔ Compreender cientificamente o fenômeno criminal.


➔ Intervir na pessoa do delinquente, de forma que previna e reprima crimes com eficiência.
➔ Valorar diferentes modelos de respostas ao fenômeno criminal.

O tema já foi explorado na prova de Atendente de Necrotério Policial de São Paulo, dentre outras. Veja.

VUNESP/ATENDENTE DE NECROTÉRIO POLICIAL SP – 2014


São fins da criminologia, dentre outros:
a. Os valores do ressarcimento e da indenização da vítima pelos danos sofridos.
b. A prevenção e o controle do fenômeno criminal.
c. O processo e o julgamento judicial do criminoso.
d. O diagnóstico e a profilaxia das enfermidades mentais, mediante tratamento
ambulatorial e internação hospitalar.
e. A vingança e o castigo público do criminoso.
Gabarito: Letra B

367
668
Superada a conceituação acerca da Criminologia, bem como as principais diferenciações, passaremos a
estudar outros temas demasiadamente importantes.

3.3 – OS MÉTODOS UTILIZADOS PELA CRIMINOLOGIA


Guerreiro,

Quando falamos em “métodos”, na verdade, estamos fazendo referência a instrumentos. São estes
instrumentos que, por intermédio de raciocínio, procura entender um fato relativo ao homem, sociedade e
natureza.

Na Criminologia não é diferente. Evidente que, neste caso, o método necessita estar alicerçado em estudos
científicos, como já vimos, mas além disso, é imprescindível as experiências comparadas e repetidas a fim de
se encontrar a realidade.

Para isso, a Criminologia se vale dois métodos fundamentais, quais sejam:

 Empirismo – baseado na observação de fatos para estudar o delito, e;


 Interdisciplinaridade, - baseada na relação com outras diversas áreas de
conhecimento, ex. dir. penal, sociologia, biologia, etc.

Veja como o tema já foi explorado em provas de Delegado. A propósito, ressalte-se que é um tema que
possui um ENORME NÚMERO DE INCIDÊNCIAS.

(CESPE/MA DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL – 2018) Afirmar que a criminologia é interdisciplinar e


tem o empirismo como método significa dizer que esse ramo da ciência
a. utiliza um método analítico para desenvolver uma análise indutiva.
b. considera os conhecimentos de outras áreas para formar um conhecimento novo, se
afirmando,
então, como independente.
c. utiliza um método silogístico
d. utiliza um método racional de análise e trabalha o direito penal de forma dogmática.
e. é metafísica e leva em conta os métodos das ciências exatas para o estudo de seu objeto.

Gabarito: A

368
668
3.3.1 – Métodos da Criminologia e as implicações das fases criminológicas (ou surgimento
da Criminologia)

Anote-se que foi com a chegada da fase científica da Criminologia que se passou a utilizar os métodos:
empírico ou experimental e indutivo.

Aqui, vale o parêntese.

Para que possamos entender cada um desses métodos, - os analisaremos a seguir - é necessário
que façamos um breve retorno ao nascimento da Criminologia e, embora não seja possível
afirmar em absoluto, o exato momento de nascimento da Criminologia, mesmo com inúmeras
teorias e posicionamentos doutrinários, sabemos que ela surgiu e sempre existiu. Obviamente,
de maneira “elementar, rudimentar e tosca”, como afirma o Doutor e Mestre em Direito Penal,
Eduardo Viana85:

É intuitiva a afirmação de que o fenômeno crime exerce algum tipo de atração sobre os homens;
bem por isso se diz que a Criminologia sempre existiu, ainda que de maneira elementar,
rudimentar e tosca. Precisamente por isso, Goppinger aponta a Criminologia tem uma curta
história, porém um longo passado, daí porque pela justa razão, há permanente risco em se recuar
muito no tempo em busca de um estudo com verniz criminológico. (grifo do autor)

Fato é que ao desvendar o longo passado criminológico, adotamos o posicionamento majoritário, dividindo
a história do pensamento criminológico em duas fases, quais sejam: FASE PRÉ-CIENTÍFICA e FASE
CIENTÍFICA.

85
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª. Edição. Revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora
JusPodivm,2018. Pg. 23.

369
668
FASE PRÉ-CIENTÍFICA86: localizam-se as teorias cujas teses relacionadas à etiologia do crime são
subsidiadas por pseudociências.
FASE CIENTÍFICA87: aqui há um método de pesquisas onde situam-se os precursores científicos
da moderna Criminologia.

Bem, fechado o parêntese, consequentemente, podemos afirmar que o método empírico foi impresso pela
escola positiva para estudar o objeto da Criminologia, ou seja: o crime, a vítima o criminoso e o controle
social, partindo da análise dos fatos, da realidade, da prática, do mundo do se, para a regra, com base no
método biológico e sociológico.

Convém antecipar, embora iremos tratar dessa divergência durante nosso curso, que a
Escola Clássica e a Escola Positiva divergem em relação aos métodos adotados para a
compreensão do fenômeno criminal.

É que a primeira adota o método formal, abstrato e dedutivo, enquanto a segunda se vale do
método empírico e indutivo.

– Empirismo

O método empírico é aquele que se baseia na observação do fato para estudar o delito.

Nas palavras de José Cesar Naves88, a Criminologia utiliza-se do método empírico baseando-
se na análise dos fatos, da prática para compreender o fenômeno criminal. Trata-se, como
visto, de ciência empírica pertencente ao mundo do ser.

Destaque-se que difere do Direito.

86Prevalece na doutrina que o marco científico da criminologia se dá com a publicação da obra “L'Uomo
delinquente”, de Cesare Lombroso, ou apenas Lombroso, como muitos se referem. Embora haja relatos
de que muitas investigações antes dele foram não resistiram por método típico da criminologia, ou seja,
ao empirismo.

87
Nesta fase, a Criminologia tem um viés individual, sendo conceituada como estruturante de
anormalidade endógena individual. É que os cientistas desse período voltaram os olhos para o fenômeno
do crime e, como consequência, encontram o criminoso. Então, ele passa a ser, nesta fase, o objeto
central das pesquisas, sendo que, seu comportamento criminoso passa a ter como causa, necessária
disfunção patológica interna.

88
LIMA JÚNIOR, José César Nunes. Manual de Criminologia. 5ª. Edição. Revista atualizada e ampliada.
Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 64.

370
668
Ora, o Direito é ciência cultural, contrariamente, se vale do método dedutivo, partindo da regra jurídica para
o fato. Enquanto a criminologia parte do fato para a regra jurídica revelando seu caráter empírico.

Importante destacar que a diferença metodológica entre o Direito e a Criminologia se deve ao


fato de que o objeto do Direito se situa num plano axiológico, ou seja, normativo. De modo
diverso, a Criminologia se posiciona no plano da realidade, passível de verificações práticas.

Embora o destaque supra toda a especulação e supere divergências relativas ao método abstrato formal e
dedutivo, não é demais repetir que a Escola Clássica e a Escola Positiva divergem em relação aos métodos
adotados para a compreensão do fenômeno criminal. Essas divergências se deram justamente no tocante
ao método utilizado para compreensão do fenômeno criminal.

É que os clássicos defendiam a ideia do método abstrato, formal e dedutivo, enquanto os positivistas
conceberam o método empírico e indutivo, significando duas formas de linguagens diferentes.

Assim, frise-se:

eSCOLA cLÁSSICA ESCOLA pOSITIVA


Método formal, abstrato e dedutivo. Método empírico e indutivo.

371
668
Por fim, importante destacar que a Criminologia pretende conhecer a si mesmo, como de fato se apresenta,
portanto, não prescinde do contato direto com o delito para dele obter uma informação segura e confiável89.

– Interdisciplinaridade

No tocante a interdisciplinaridade, a Criminologia dela se vale para, num viés de relacionamento com
diversos ramos de conhecimento, explicar o fenômeno criminal.

Em seu manual de Criminologia, o autor José César Nunes90, destaca um importante trecho de Sumariva, o
qual reproduzimos. É que, para ele, a Criminologia é uma ciência do ser empírica que se vale do método
indutivo, utilizando-se de métodos biológicos e sociológicos. A escola positiva introduziu a fase científica da
Criminologia e generalizou-se a utilização do método empírico na análise do fenômeno criminal. O Direito é
mais uma cultura – do dever ser – normativa, cujo método é lógico, abstrato, dedutivo. A abordagem
criminológica é empírica, isto é, seu objeto (crime, criminoso, vítima e controle social) se insere no mundo
real, do verificável, do mensural, e não no mundo axiológico (como saber normativo). Logo, a Criminologia
pretende primeiro conhecer a realidade para depois explicá-la, sendo necessário mais do que conhecimento
dos fatos, pois em se tratando de seres humanos qualquer generalização passa a ser falha, daí o caráter
interdisciplinar da ciência criminológica que faz uso da filosofia do Direito, da Biologia, da Sociologia, da
Psicologia, entre outros. A realidade alheia ao jurista, o qual tem como ponto de partida a norma válida.

Obviamente, esses são os ramos tradicionais e que conhecemos a partir do nosso dia a dia. Não é demais
destacar outros ramos menos conhecidos, porém, dentre aquele rol dos quais a Criminologia a partir do
método interdisciplinar se relaciona. São eles:

▪ FRENOLOGIA CRIMINAL: Procura identificar o caráter do homem pelo estudo de seus


traços fisionômicos, além do formato do crânio da cabeça.

89
LIMA JÚNIOR, José César Nunes. Manual de Criminologia. 5ª. Edição. Revista atualizada e ampliada.
Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 64.

90
LIMA JÚNIOR, José César Nunes. Manual de Criminologia. 5ª. Edição. Revista atualizada e ampliada.
Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 64.

372
668
▪ SOCIOLOGIA CRIMINAL: preocupa-se com a motivação e permanência do crime na
sociedade, tendo como seu principal expoente Enrico Ferri.
▪ PSICOLOGIA CRIMINAL: Dirige seus estudos para as condições psicológicas do indivíduo
na prática do crime, ou melhor, no dolo, culpa e periculosidade, etc.
▪ PSIQUIATRIA CRIMINAL: Especialidade da Psiquiatria que examina a capacidade de
entendimento e determinação do delinquente frente ao delito, com vistas a lhe submeter
ao tratamento adequado.
▪ ENDOCRINOLOGIA CRIMINAL: é a ciência que tem como objeto o estudo das glândulas
endócrinas – tireoide, suprarrenal – e possível relação com ou influência no
comportamento delitivo.
▪ BIOLOGIA CRIMINAL: Estuda o crime como um fenômeno individual, observando suas
condições naturais com aspectos físicos, fisiológicos e psicológicos incluindo, ainda, os
estudos da Antropologia, Psicologia e Endocrinologia Criminal.

▪ O tema em concursos

ACADEPOL/ESCRIVÃO SP – 2010
A associação entre hereditariedade/delito e anomalias cromossômicas/ comportamento
criminal inserem-se no modela da:
a. Biologia Criminal
b. Sociologia Criminal
c. Psicologia Criminal
d. Psiquiatria Criminal
e. Frenologia criminal
Gabarito: A

4 – MODELOS TEÓRICOS DA CRIMINOLOGIA


Guerreiro,

Veremos no decorrer do curso que a Criminologia moderna não vê o crime a partir de


uma patologia, mas sim como um problema. Isso significa que o crime não é visto
modernamente por uma perspectiva biopsicopatológica do criminoso, mas sim, um
aspecto biopsicossocial do delinquente.

373
668
CRIMINOLOGIA MODERNA ADOTA: CRIMINOLOGIA MODERNA não adota:
X Crime como uma patologia
✓ Crime como um problema
X Perspectiva biopsicopatológica
✓ Aspecto biopsicossocial

Evidentemente, para que a Criminologia chegasse à essa conclusão, a ciência passou por importantes
períodos evolutivos, sendo que, tais períodos foram e são, amplamente, debatidos.

A partir da divisão da Criminologia em duas fases principais, quais sejam:

• Período pré-científico: englobando as pseudociências e a Criminologia Clássica


• Período-científico: englobando a Criminologia Positiva e Moderna

Podemos apresentar, resumidamente, essa evolução a partir do seguinte quadro sinóptico:

Fases históricas de surgimento Modelos teóricos Teorias Criminológicas


Fase pré-científica Pseudociências Demonologia, Fisionomia e
Frenologia
Criminologia Clássica Escola Clássica
Fase científica Criminologia Positiva Escola Positiva
Criminologia Moderna Teorias do Consenso
Teorias do Conflito

4.1 – PSEUDOCIÊNCIAS
Como já fora retratado, neste período da Criminologia, prevaleciam as teorias sobre
determinados objetos. Tais teorias eram criadas e desenvolvidas sem qualquer cunho cientifico.
No entanto, elas também tinham como objetivo explicar o fenômeno criminológico.

374
668
Dentre elas, destacaram-se à época as seguintes teorias das pseudociências91:

Demonologia Fisionomia Frenologia

Analisa o criminoso, suas Cada faculdade mental se


Explica o crime por meio do qualidades e defeitos, por meio relaciona a uma parte do
estudo dos demônios, de suas características fisicas, cérebro, cujo tamanho é
atribuindo a cada criminoso de modo que a feiura está proporcional ao
uma espécie de diabo. proporcional para o nível de desenvolvimento dessa
maldade que a pessoa possui. habilidade.

4.2 – CRIMINOLOGIA CLÁSSICA E NEOCLÁSSICA


A Criminologia clássica se ocupa da dissuasão penal, consequentemente, essa concentração no efeito
inibitório da pena traz a essência da prevenção.

Portanto, cuidado! A Criminologia clássica não se preocupa com a ressocialização ou mesmo a reintegração
do delinquente.

Vale destacar que há diferença do modelo da Criminologia Clássica para a Criminologia Neoclássica, e esta
diferença se consiste basicamente nos seguintes pontos:

91
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. Pg. 62.

375
668
Modelo Clássico Modelo Neoclássico

Concentra sua prevenção em O poder dissuasório está


torno da pena e seu rigor. conectado mais ao
X funcionamento do sistema
normativo e sua percepção
pelo criminoso em potencial.

Cumpre esclarecer que ambas podem ser alocadas no período pré-científico, uma vez que, até então o
método científico não era utilizado. A propósito, a metodologia empírica e indutiva passou a ser empregada
a partir da Criminologia Positiva.

4.3 – CRIMINOLOGIA POSITIVA OU POSITIVISTA


Funda-se na Criminologia Positiva nos fatos decorrentes do empirismo.

Significa dizer que a Criminologia surge a partir da observação e a experimentação e não


meras especulações sem credibilidade ou valor científico, como era feito outrora.

Destaque-se que aqui, o objeto da Criminologia é o delinquente, já que o delito não importava para este
estudo, sendo conceituado como mera abstração advinda da lei. Noutras palavras, o sintoma do criminoso,
esse sim era examinado por este modelo da Criminologia.

376
668
4.4 – CRIMINOLOGIA MODERNA
Na Criminologia moderna o centro de investigação deixa de ser apenas o delinquente – modelo adotado pela
Criminologia Positiva -, e passa a abranger outros objetos de estudo. A saber, são eles:

Crime
Criminoso
Vítima
Controle Social

Note que a Criminologia Moderna representa uma ciência explicativa do crime como um fenômeno
individual e social, uma vez que analisa o criminoso pela perspectiva biopsicossocial, superando o enfoque
individualista anterior.

Isso significa que a Criminologia Tradicional, que centralizava a análise biopsicopatológica e o olhar exclusivo
para o criminoso é superada. Por tal razão, o nosso quadro:

CRIMINOLOGIA MODERNA ADOTA: CRIMINOLOGIA MODERNA não adota:


X Crime como uma patologia
✓ Crime como um problema
X Perspectiva biopsicopatológica
✓ Aspecto biopsicossocial

Destaque-se que algumas características da Criminologia Moderna, são amplamente divulgadas pela
doutrina. Razão pela qual, as destacaremos abaixo.

4.4.1 – Principais características da Criminologia Moderna

Para o professor Luiz Flávio Gomes (2008, p.40), são características da Criminologia Moderna:

377
668
1. A visão do crime como um problema;
2. A ampliação do objeto de estudo da Criminologia, já que ela volta seu olhar para o crime, criminoso,
vítima e o controle social;
3. A Criminologia passa a ter enfoque na prevenção e não exclusivamente na repreensão do crime;
4. A Criminologia Moderna substitui a preocupação do tratamento pela intervenção, de forma que,
para ela, a intervenção consiste em uma noção mais dinâmica e complexa do fenômeno criminal;
5. A Criminologia moderna não renuncia a análise etiológica do delito, ou seja, da investigação, da
criminogênese – causas do delito.

É dizer que a sociedade evoluiu e junto com ela, a ciência, de modo que, com o tempo, muitos de seus
conceitos podem se modificar, conforme realizadas novas pesquisas e experiências.

Dito isso, passaremos agora à análise dos objetos de estudo da Criminologia Moderna.

5 – OS OBJETOS DE ESTUDO DA CRIMINOLOGIA


Guerreiro,

Embora já tenha sido tema de enorme divergência doutrinária, atualmente prevalece na doutrina
criminológica que a Criminologia possui quatro objetos de estudos, a saber:

1. Delito
2. Delinquente
3. Vítima
4. Controle Social

378
668
No entanto, nem sempre foi assim.

Ao longo dos anos, esse objeto tem sofrido alterações, inclusive, em determinado período, restringiu-se tão
somente ao delito. É o que se pode extrair dos ensinamentos de BECCARIA.

Tempos depois o objeto passou a ser o delinquente. Tese adotada pela Escola Positiva.

Já na década de 50, passou a estudar as vítimas e mecanismos de reação social frente a criminalidade.

Perceba, portanto, que houve progressiva e significativa evolução no objeto da Criminologia. E isso se deve
ao fato de que as investigações criminológicas tradicionais, que tinham como alvo a pessoa do delinquente
e o delito passaram a incluir também a vítima e o controle social.

José Cesar Naves de lima nos explica que, na verdade, houve um deslocamento de interesses. Nesse sentido:

(...) houve um deslocamento do centro de interesses do estudo criminológico que adquire um


caráter mais dinâmico, pluridimensional e internacionalista. A partir desse ponto, a criminologia
passa a questionar os fundamentos epistemológicos e ideológicos da criminologia tradicional,
em resumo, seus dogmas, problematizando a definição de delito e pena.

Seja como for, na atualidade prevalece o objeto de estudo da Criminologia apoiado nos quatro objetos em
epígrafe e que passaremos a estudá-los agora de forma individualizada.

Antes, alertamos que este é o tema cuja exploração é de ao menos 70% em provas de concursos.

Falaremos agora, sobre cada um destes objetos de estudo da nossa disciplina.

5.1 – O DELITO
O Delito é um fenômeno humano, social e cultural.

Significa dizer que não há crime na natureza e os animais, seres irracionais são regidos por leis próprias.

Há quem não concorde!

379
668
Nesse sentido, por exemplo, José César Nunes92 nos conta que, dentre os divergentes está
Fuhrer que afirma que se pode admitir sua existência. Inclusive na natureza como infração
natural. A caça predatória de fêmeas, por exemplo, de uma determinada espécie poderá leva-
la à extinção, cuja pena seria a redução de alimentos disponível. É a opinião:

Se considerarmos o Direito Penal como aquela atividade que contém regras essenciais de
conduta, cuja transgressão implica resposta punitiva de gravidade considerável, é forçoso
concluir que já havia um Direito Penal natural, fundado nas relações de causa e efeito, anterior
até mesmo ao nascimento do costume. Havia e ainda há, exatamente como houve. A vida é uma
guerra eterna. Quem se atira ao rio sem saber nadar está sujeito à pena de afogamento. A
poluição ou esgotamento da fonte de água potável implica morte ou, pelo menos, grave dano à
saúde. A caça desmedida de fêmeas prenhes tem como consequência à extinção da espécie –e,
portanto, a diminuição do alimento disponível. Ingerir alguns frutos venenosos traduz-se em
morte certa. Muitos grupos humanos desatenderam a estas normas primordiais e acabaram
extinguindo espécies importantes para a própria sobrevivência humana, como ocorreu com o
auroque e o mamute.

Polêmicas à parte, prevalece que a sociedade determina, de acordo com seus valores e costumes, as
condutas que serão definidas como infrações penais. Na prática podemos ver exemplos diários. O aborto,
considerado crime no Brasil é autorizado em grande parte da Europa. Outro exemplo é o uso de substâncias
entorpecentes que, no Brasil, podem ser consideradas crime a depender da substância, as quais em outros
lugares, seu uso é legalizado.

É a partir dessas situações que a Criminologia desenvolveu vários outros conceitos de delito que tentam se
aproximar da realidade do fenômeno criminal. A título de exemplo, citamos o Delito Natural.

92 92
LIMA JÚNIOR, José César Nunes. Manual de Criminologia. 5ª. Edição. Revista atualizada e
ampliada. Salvador: Editora JusPodivm,2018. Pg. 64.

380
668
• DELITO NATURAL

Criado por Garofalo, tinha-se a lesão sob o viés da acepção moral, aos sentimentos altruístas fundamentais
como a piedade e probidade que estão vigentes na sociedade.

• OUTRAS DISCIPLINAS QUE CONCEITUAM O DELITO

O DIREITO PENAL é, sem dúvida, a principal disciplina que conceitua o delito. Sob o alicerce: material, formal
e analítico, o crime pode, por ele, ser conceituado.

Noutro giro, a SOCIOLOGIA CRIMINAL valia-se do conceito de conduta desviada ou desvio, corresponde a
violação do padrão de comportamento esperado pela sociedade em determinado momento, sendo o
conceito de desvio mais abrangente que o de crime, na medida em que este se restringe aos
comportamentos desviantes sancionados por lei. E finalmente, a FILOSOFIA utiliza-se da moral e da razão
para a definição de crime.

▪ O tema em provas

VUNESP/ Fotógrafo Técnico Pericial – 2014


O objeto da criminologia que analisa a conduta antissocial, as causas geradoras e vê a
criminologia como um problema social e comunitário é:
a. A psicologia
b. A ciência humana
c. O delito
d. A sociologia
e. O direito
Gabarito: C

381
668
5.2 – DELINQUENTE
Guerreiros (as),

A figura do delinquente é tema super relevante. Embora o foco da Criminologia tenha se deslocado para
outros objetos, o estudo do delinquente permanece sendo imprescindível para a criminalidade.

Para nós importa as definições de delinquente a partir das escolas criminológicas. Nesse sentido,
veja que:

Para a Escola Clássica, o delinquente é visto como um pecador. Para defensores da tese, o delinquente
utiliza-se de seu livre arbítrio para o mal quando poderia ter escolhido o bem.

Por outro lado, no Positivismo antropológico, o delinquente é visto como um ser atávico que, na maioria
das vezes, já nascia criminoso.

Em sentido diverso, para a Escola Correcionalista, defendia que a pena possuía função terapêutica, isenta
de cunho retribucionista, e o delinquente era uma pessoa que necessitava de ajuda. Falaremos mais sobre o
tema na aula específica.

5.2.1 – Índices de delinquência no Brasil

Em 12.07.2019, as informações estatísticas sobre a realidade prisional brasileira, nos anos de 2016 e 2017,
foram divulgadas93.

A atualização do boletim de Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen) faz parte do esforço


conjunto do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, dos
estados e Distrito Federal, para diminuir o lapso temporal da publicação dos dados prisionais e melhorar a
gestão de políticas públicas no sistema prisional. A meta do Depen é a divulgação periódica semestral. A

93
Fonte: INFOPEN - https://justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1562941435.15 Acesso em
23.07.2019

382
668
próxima consolidação, que trará informações referentes ao segundo semestre de 2017 e do ano de 2018,
deverá ser publicada até outubro deste ano.

Segundo o diretor-geral do Depen, Fabiano Bordignon, o órgão tem feito um esforço para atualizar as
informações do sistema prisional. "Em apenas seis meses, a equipe Depen, junto com os entes federados,
atualizou os dados prisionais de um ano. As informações estão disponíveis para consulta pela sociedade,
pesquisadores, instituições e demais interessados", destacou Bordignon.

O levantamento traz informações de todas as unidades prisionais brasileiras, incluindo dados de


infraestrutura, recursos humanos, vagas, gestão, assistências, população prisional, perfil dos presos, entre
outros. Do total de 726.354 presos apontados no boletim do primeiro semestre de 2017, cerca de 10,5%
participam de atividades educativas, ou seja, 76.813 apenados. Os números mostram que 17,54%, de toda a
população carcerária, desempenha algum tipo de trabalho. Ou seja, 127.514 presos exercem atividade
laboral.

Entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017, houve um aumento de 0,56% da população
encarcerada. Nesse período, o acréscimo de pessoas no sistema prisional foi de 4.234.

Constata-se uma diminuição da taxa de crescimento da população carcerária entre os anos de 2016 e 2017.

383
668
Boletins Atualizados

O Depen trabalha para atualizar todos os relatórios até dezembro de 2019. A meta é coletar os dados de
forma automatizada, por meio da ferramenta online SisDepen e por meio da interoperabilidade com os
sistemas existentes nos estados e Distrito Federal.

Conforme a lei n° 13.675/2018, que institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), as unidades da
federação devem manter os dados atualizados para receber recursos do Fundo Penitenciário Nacional
(Funpen).

Sobre o Infopen

Criado em 2004, o Infopen compila informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, por meio de
um formulário de coleta preenchido pelos gestores de todos os estabelecimentos prisionais do país com a
finalidade de diagnóstico da realidade prisional brasileira.

A ferramenta faz parte da política de transparência e acesso à informação do Depen que, a partir dos dados
coletados, pode aprimorar políticas públicas de saúde, educação, trabalho, cultura, esporte, assistência
social e acesso à justiça

Clique aqui para conferir as informações:

http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/infopen

Destaque-se que, sobre os índices de delinquência, o Brasil tem revelado um perfil cada vez mais jovem.
Assim, vale anotar que:

384
668
Atualmente a faixa etária de delinquência predominante no Brasil é de 18 a 24 anos, em sua
maioria pobre, negro, pardo, com baixa escolaridade.
Recentemente, mulheres também participam de forma atuante e ocupando altas porcentagens
no índice de delinquência, em crescente envolvimento com o tráfico.

5.3 – VÍTIMA
Inicialmente, cumpre destacar que em nosso módulo, haverá uma aula completa sobre a vítima.
É o que veremos no capítulo de Vitimologia.

Em síntese, convém destacar que o conceito de vítima no âmbito da Vitimologia é mais amplo
que o adotado pelo Direito Penal, no qual a vítima se confunde com o sujeito passivo do crime.

É que, na Vitimologia, a conceituação de vítima alcança sem modéstia toda pessoa, como por exemplo:
pessoa física, jurídica, ente coletivo e qualquer pessoa que tenha sido prejudicado por conduta humana
que constitua uma infração penal, adotando-se um como paradigma o conceito criminológico.

Outro fator que merece destaque é que a vítima nem sempre foi objeto de estudo da Criminologia. Ao
contrário do que parece, a vítima foi inserida ao longo do amadurecimento da Criminologia.

Dessa forma, de forma resumida, pode-se dizer que a vítima deve ser identificada em 03 (três) fases em
especial e de maneiras diferentes. Vejamos:

1ª fase: a época do protagonismo da vítima. Nesse período a vítima tinha o controle do próprio
ativismo.
2ª. Fase: a vítima é neutralização e cai no esquecimento, sendo deixada de lado em nossos
estudos.
3ª fase: a Revalorização da vítima. Nessa fase, a vítima é redescoberta e ganha importante papel,
como consequência, por exemplo, a criação da Vitimologia, destaques legislativos conferidos à
ela, como por exemplo, as condições da 9.099/95 destacando seu papel como vítima.

385
668
5.4 – CONTROLE SOCIAL

Prevalece na doutrina que o controle social está relacionado aos mecanismos adotados pela
sociedade para forçar o indivíduo a adotar os padrões de comportamentos referentes aos valores
predominantes na sociedade, garantindo uma conivência pacífica e harmoniosa94.

A doutrina criminológica classifica o controle social como gênero que, consequentemente, se subdivide nas
seguintes espécies:

CONTROLE SOCIAL

Controle social Controle social


(IN)formal formal

Primeira seleção

Segunda seleção

Terceira seleção

94
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 48.

386
668
5.4.1 – Controle social (IN)formal

É exercido pela sociedade civil (família, escola, vizinhos, opinião pública, mídia, etc.)
com a difusão das regras sociais, fazendo com que as mesmas sejam internalizadas pelo indivíduo ao longo
do processo de socialização, bem como pela aplicação das sanções sociais (estigma negativo, castigo aos
filhos pequenos etc.)95

5.4.2 – Controle social formal

Manifesta-se pela atuação oficial do sistema de justiça criminal, formado pela: polícia, ministério público,
magistratura e administração penitenciária, por meio das formas de reação previstas em lei, como a pena
e a medida de segurança96.

Por sua vez, o controle social formal se subdivide em: primeira seleção, segunda seleção e terceira seleção.

Natacha Alves (2018, p. 49) explica:

 Primeira seleção: Trata-se do início da atividade de persecução penal com o desempenho


da atividade investigativa pela polícia judiciária, visando à apuração da autoria,
materialidade e demais circunstâncias da infração penal.

95
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 48.

96
De OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. 1ª. Edição. Salvador: Editora JusPODIVM, 2018. Pg. 48.

387
668
 Segunda seleção: Corresponde ao início da ação penal, com o oferecimento da denúncia
pelo Parquet.
 Terceira seleção: Decorre da tramitação do processo criminal e da eventual condenação
do autor do fato e aplicação da respectiva sanção penal.

Veja como este tema já foi explorado em concursos públicos.

▪ O tema em provas

VUNESP/ATENDENTE DE NECROTÉRIO POLICIAL SP – 2014


Assinale a alternativa que contém o ente que exerce ou fomenta os controles sociais informais sobre
a vida dos indivíduos.
a. Poder Judiciário
b. Polícia
c. Sistema Penitenciário
d. Ministério Público
e. Escola

Comentários
O controle social informal é exercido pela sociedade civil, ou seja, pela família, escola, vizinhos, opinião
pública, mídia e etc.
De outro modo, o controle social formal é composto pelo sistema de justiça criminal, quais sejam:
Polícia, Ministério Público, Magistratura e Administração penitenciária.

Guerreiro,

Finalizamos a parte teórica da nossa aula de hoje. Agora, seguiremos para a resolução de questões que tem
por objetivo a fixação do conteúdo visto por vocês. Isso significa que a resolução de questões é condição sine
qua non... Vamos lá!

388
668
RESUMO
Guerreiro,

Para finalizar o estudo da nossa aula de hoje, trouxemos mais uma vez o resumo dos principais aspectos
estudados ao longo da aula. Sugerimos que esse resumo seja estudado sempre e antes de iniciar a aula
seguinte. Não é demais lembrar que, a cada ciclo de estudos é fundamental retomar esses resumos para
manter o conteúdo ativo gerando familiaridade.

Caso encontrem dificuldade em compreender alguma informação, não deixem de retornar à aula.

• Ciências penais

O crime, o criminoso e a sanção penal, como você já sabe, é objeto de várias ciências penais também
chamadas de enciclopédias penais.

Dogmática
Penal

Ciências Política
Criminais Criminal

Criminologia

Não é demais alertá-los que, embora coexistentes, todas são ciências autônomas, cada qual com sua
vertente. Não é forçoso reconhecer que esses 03 (três) institutos são inseparáveis e interdependentes.
Porém, devemos adverti-los para o fato de que não cabe a Criminologia apresentar-se com conceituações
criminológicas parciais, uma vez que todas as ciências possuem a mesma importância jurídica cientifica,
adotando, como diz Lélio Braga “um modelo não piramidal entre as ciências97”.

• Dogmática Penal

Derivada de “Dogma”, ou seja, crenças ou ponto fundamental, a palavra dogmática releva-nos que os
princípios e regras ordenadas sistematicamente pelo Direito Penal são absolutas e, por isso, devemos nos
vincular a ela.

97
CALHAU, Lélio Braga. Resumo de criminologia. Niterói: Impetus, 2009. p.13

389
668
Sua missão é, inicialmente, conhecer os princípios jurídico-penais positivos e, posteriormente, desenvolver
de modo sistemático o conteúdo para o Direito Penal. Note que, aqui, as normas são o ponto de partida
para solucionar problemas.

Dogmática Dogmatismo
Interpretação e sistematização e
Aceitação cega e sem críticas de
aplicação lógico racional do
uma verdade absoluta e imutável.
Direito Penal.

É IN(compatível) com a própria


É compatível com a ciência.
ideia da ciência.

• Política Criminal

A política criminal é ciência independente.

A Política Criminal constitui uma ponte entre a teoria jurídico-penal e a realidade. Logo, a Política Criminal
encontra-se intimamente relacionada com a dogmática, uma vez que na interpretação e aplicação da lei
penal interferem critérios de Política Criminal. Baseia-se em considerações filosóficas, sociológicas e
políticas, e também de oportunidade, em sintonia com a realidade social, para propor modificações no
sistema penal.

• Política Criminal X Criminologia

390
668
Não são raras as vezes em que a Criminologia e a Política Criminal são confundidas, enquanto aquela estuda
o delinquente e a etiologia da criminalidade e esta se ocupa com o estudo dos meios de prevenção e
repressão dos delitos. Na atualidade a Criminologia emprega seus esforços nas críticas, e sugestões de
estratégias para o controle da criminalidade, portanto, a Criminologia transferiu seu foco para o objetivo da
Política Criminal.

• Criminologia

A Criminologia é uma ciência autônoma, empírica e interdisciplinar que possui como objeto de estudo, o
crime, o criminoso, a vítima e o comportamento social.

Criminologia é uma Ciência: A, E, I

Autônoma: métodos e objetos de estudo próprios

Empírica: baseada na experiência

Interdisciplinar: implica relações com várias disciplinas e áreas de conhecimento.

Então atenção: INTERDISCIPLINAR ≠ MULTIDISCIPLINAR

Multidisciplinariedade: as inúmeras visões sobre


Interdisciplinar:interdisciplinaridade é mais profunda, determinado problema são tratadas de maneira
uma vez que os saberes se integram e cooperam entre compartimentada onde cada uma delas oferece sua
si. própria visão sem necessariamente levar consideração a
posição das demais.

• Criminologia X Criminalística

391
668
Criminologia Criminalística

É disciplina meramente auxiliar


Ciência autônoma, empírica e
das ciências criminais, objetiva
interdisciplinar que possui como
ajudar a percussão criminal
objeto de estudo, o crime, o
fornecendo provas técnicas
criminoso, a vítima e o
periciais. Estuda os vestígios de
comportamento social.
crime.

• Origem Etimológica

A palavra Criminologia foi criada por Paul Topinard (1883), embora tenha se espalhado internacionalmente
a partir de RAFFAELE GAROFALO em 1885 em seu livro Criminologia. 98 Nesse sentido, a palavra possui
derivação de duas línguas e, é por essa razão, que se fala em origem etimológica híbrida e significa estudo
do crime.

✓ Panorama fornecido pela Criminologia

A Criminologia nos oferece panoramas que nos proporcionam analisar os modelos sociais de justiças
criminais, a vítima, o delinquente, as formas de controle social, os reflexos das legislações penais em uma
sociedade. Mas não é só isso, todo esse cenário nos dá a possibilidade de compreender – ou ao menos buscar
compreender numa análise crítica -, o contexto da prática delituosa juntamente com os fatores que
culminaram no cenário atual99.

98
PENTEADO, Nestor Sampaio Filho. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 17.

99
FONTES, Eduardo & HOFFAMANN Henrique. Criminologia. 1ª. Edição. 2ª. tir.:ago/2018. Salvador:
Editora JusPodivm, 2018. Pg. 24.

392
668
• Finalidades da Criminologia

A finalidade da Criminologia consiste na busca de conhecimentos sobre o crime, criminoso, vítima e controle
social. Essa busca tem como finalidade compreender, de forma científica, o fenômeno criminal a fim de
possibilitar:

✓ Prevenção do crime
✓ Repressão eficiente do crime
✓ Inúmeros modelos de respostas ao fenômeno criminal

Por ora, entenda que a finalidade ou função da Criminologia resume-se em:

✓ Compreender cientificamente o fenômeno criminal.


✓ Intervir na pessoa do delinquente, de forma que previna e reprima crimes com eficiência.
✓ Valorar diferentes modelos de respostas ao fenômeno criminal.

• Métodos da Criminologia

A Criminologia se vale dois métodos fundamentais, quais sejam: empirismo – baseado na observação de
fatos para estudar o delito – e interdisciplinaridade, - baseada na relação com outras diversas áreas de
conhecimento, ex. Dir. Penal, Sociologia, Biologia, etc.

• Métodos da Criminologia e as implicações das fases criminológicas (ou surgimento da Criminologia)

O método empírico foi impresso pela escola positiva para estudar o objeto da criminologia, ou seja: o
crime, a vítima o criminoso e o controle social, partindo da análise dos fatos, da realidade, da prática, do
mundo do se, para a regra, com base no método biológico e sociológico.

• Empirismo

O método empírico é aquele que se baseia na observação do fato para estudar o delito.

A Criminologia utiliza-se do método empírico baseando-se na análise dos fatos, da prática para compreender
o fenômeno criminal. Trata-se, como visto, de ciência empírica pertencente ao mundo do ser.

eSCOLA cLÁSSICA ESCOLA pOSITIVA


Método formal, abstrato e dedutivo. Método empírico e indutivo.

• Interdisciplinaridade
➢ FRENOLOGIA CRIMINAL: Procura identificar o caráter do homem pelo estudo de seus traços
fisionômicos, além do formato do crânio da cabeça.

393
668
➢ SOCIOLOGIA CRIMINAL: preocupa-se com a motivação e permanência do crime na sociedade, tendo
como seu principal expoente Enrico Ferri.
➢ PSICOLOGIA CRIMINAL: Dirige seus estudos para as condições psicológicas do indivíduo na prática
do crime, ou melhor, no dolo, culpa e periculosidade, etc.
➢ PSIQUIATRIA CRIMINAL: Especialidade da Psiquiatria que examina a capacidade de entendimento e
determinação do delinquente frente ao delito, com vistas a lhe submeter ao tratamento adequado.
➢ ENDOCRINOLOGIA CRIMINAL: é a ciência que tem como objeto o estudo das glândulas endócrinas –
tireoide, suprarrenal – e possível relação com ou influência no comportamento delitivo.
➢ BIOLOGIA CRIMINAL: Estuda o crime como um fenômeno individual, observando suas condições
naturais com aspectos físicos, fisiológicos e psicológicos incluindo, ainda, os estudos da Antropologia,
Psicologia e Endocrinologia Criminal.

• Objetos da Criminologia

Atualmente, prevalece na doutrina que a Criminologia possui quatro objetos de estudos, a saber:

✓ Delito
✓ Delinquente
✓ Vítima
✓ Controle Social

TAREFA 04 – LEGISLAÇÃO PENAL E PROCESSUAL ESPECIAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Órgãos de Execução Penal” a “Fixação de regime e unificação de penas”, inclusive.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

DOS ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO PENAL

394
668
ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO PENAL

A LEP, em seu art. 61, elenca 8 órgãos de execução penal:

1) Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (arts.62/64 da LEP);


2) Juízo da Execução (arts. 65/66 da LEP);
3) Ministério Público (arts.67 e 68 da LEP);
4) Conselho Penitenciário (arts. 69 e 70 da LEP)
5) Departamentos Penitenciários ( arts. 71/77 da LEP)
6) Patronato (arts. 78/79 da LEP)
7) Conselho da Comunidade (arts. 80 e 81 da LEP)
8) Defensoria Pública (arts. 81-A e 81-B da LEP)

CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL e PENITENCIÁRIA

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com sede na capital da República,
é órgão subordinado ao Ministério da Justiça, composto por 13 (treze) membros titulares e 5 (cinco)
suplentes, designados pelo Ministro da Justiça para mandato de 2 (dois) anos. A cada ano é renovado 1/3 de
seus componentes.

Em razão da interdisciplinaridade dos assuntos que tramitam nesse Conselho, seus integrantes serão
escolhidos dentre professores e profissionais da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e
ciências correlatas, além de representantes da comunidade e dos Ministérios da área social.

De acordo com o art. 64 da LEP, incumbe ao CNPCP, em âmbito federal ou estadual: I – propor
diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução
das penas e das medidas de segurança; II – contribuir na elaboração de planos nacionais de
desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária; III – promover a
avaliação periódica do sistema criminal para a sua adequação às necessidades do País; IV – estimular e
promover a pesquisa criminológica; V – elaborar programa nacional penitenciário de formação e
aperfeiçoamento do servidor; VI – estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos
penais e casas de albergados; VII – estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal; VIII –
inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatórios do
Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal
nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias
ao seu aprimoramento; IX – representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para
instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em caso de violação das normas referentes à
execução penal; X – representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou em parte, de
estabelecimento penal.

395
668
Segundo consta do item 187 da Exposição de Motivos da LEP, a implantação do Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária tem proporcionado “valioso contingente de informações de análises, de
deliberações e de estímulo intelectual e material às atividades de prevenção da criminalidade.”

JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL

O ponto de partida desse assunto é saber qual o juízo competente no campo da execução penal. A
execução penal competirá ao juiz indicado na lei de organização judiciária. Na ausência dessa previsão na
citada lei, figurará como competente o juízo da sentença.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a execução cabe ao Juízo do local da condenação, sendo
deprecada ao Juízo do domicílio do apenado somente a supervisão e acompanhamento do cumprimento da
pena determinada, não existindo deslocamento de competência. (Conflito de Competência de nº
113.112/SC, Min. Rel. Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, DJe 17/11/2011)

O rol do art. 66 da LEP apresenta um rol exemplificativo de medidas tomadas pelo Juízo no curso da
execução penal. Vamos lá.

I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;

Nesse sentido, deve-se ser lembrado o teor da súmula 611 do Supremo Tribunal Federal: Transitada
em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.
Percebam que essa competência dada ao juízo da execução penal é a aplicação retroativa de lei penal
benéfica (art. 5º, XL, da CF100).

II – declarar extinta a punibilidade;

Vamos deixar claro que a extinção da punibilidade pode ocorrer antes ou depois do trânsito em
julgado. Se ocorrer a extinção da punibilidade antes do trânsito em julgado, essa declaração competirá ao
juiz do processo de conhecimento ou o Tribunal, se o feito estiver em grau de recursal. Todavia, após o
trânsito em julgado, a extinção da punibilidade será feita pelo Juízo da Execução (art. 66, II, da LEP).

III – Decidir sobre:

100
Art. 5º, XL, da CF: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

396
668
a) Soma ou unificação de penas. Essa atuação do juízo da execução ganha grande importância para
os fins do art. 75 do CP, com redação dada pela Lei nº 13.964/19, ou seja, para verificar a
observância do limite máximo de 40 anos de cumprimento de pena. É interessante ainda destacar
que no momento de analisar a concessão de benefícios executórios é levado em conta a penal
total e não a pena unificada. Esse é o teor da súmula 715 do STF: a pena unificada para atender
ao limite de 30 anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é
considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional.

b) Progressão ou regressão nos regimes. O nosso CP adotou o sistema progressivo para a execução
das penas privativas de liberdade, ou seja, o condenado migra do regime carcerário mais gravoso
para imediatamente menos severo (fechado→semiaberto→aberto). Defere-se tal benefício com
o preenchimento dos requisitos objetivo (tempo de cumprimento de pena) e subjetivo (bom
comportamento carcerário, comprovado por atestado emitido pelo diretor do estabelecimento
prisional). Para o condenado por crime contra a administração pública, a progressão de regime
prisional também está condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto
do ilícito praticado, com os acréscimos legais (CP, art. 33, § 4º). Chamo ainda a atenção para dizer
que não há progressão per saltum, ou seja, diretamente do regime fechado para o aberto. A
regressão de regimes também é incumbência do juízo da execução se não cumprir as
condicionantes legais. Nesse caso, é perfeitamente possível a regressão por salto, ou seja,
diretamente do regime aberto para o fechado.

c) Detração e remição da pena. A detração penal foi muito bem definida no art. 42 do CP:
Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer
dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. A remição, por sua vez, em linhas gerais,
autoriza o desconto de uma parte da pena em razão de trabalho ou estudo realizado durante o
cárcere. (art. 126, caput, da LEP). Segundo jurisprudência do STF, compete ao juízo das execuções
criminais apreciar o pedido de detração da pena formulado pelo sentenciado (HC 71119, min. Rel.
Celso de Mello, DJ de 63-03-1998).

d) Suspensão condicional da pena. É um benefício que suspende a execução da pena privativa de


liberdade, por um lapso (período de prova), mediante condições. Se durante o período de prova
verificar o cumprimento de todas as condições, será declarada extinta a punibilidade. O Juiz ou
Tribunal que conceder o sursis deverá pronunciar-se motivadamente sobre ele, quer o conceda,
quer o denegue. O Tribunal poderá conceder o sursis e deixar para o Juiz da execução a fixação
das condições (art. 159, §2º).

e) Livramento condicional. É um benefício incidente em sede de execução da pena privativa de


liberdade pelo qual o indivíduo, após cumprir determinados pressupostos e mediante

397
668
determinadas condições, obtém a antecipação provisória de sua liberdade. Ficará a cargo do Juízo
da execução decidir sobre a concessão, revogação, o agravamento das condições do livramento
na hipótese de sua revogação facultativa (art. 140, parágrafo único, da LEP) e a modificação das
condições especificadas na sentença (veja art. 144 da LEP)

f) Incidentes de execução. Por incidentes da execução devemos entender as conversões (arts. 180
a 184), o excesso ou o desvio (arts. 185 e 186) e da anistia e do indulto (arts. 187 a 193). Também
pode ser encarado como incidentes da execução em sentido lato as demais ocorrências tratadas
ao longo da Lei de Execução Penal e que interferem na execução da pena ou da medida de
segurança, acarretando a sua redução, substituição ou extinção. Exemplos: unificação de penas,
remição, progressão e regressão de regime prisional, livramento condicional, etc...

IV – Autorizar saídas temporárias. Foi prevista pela LEP as denominadas autorizações de saída que
são divididas em 2 espécies, quais sejam, permissões de saída e saída temporária.

A permissão de saída tem fundamento em questões humanitárias e consiste em uma autorização


dada ao preso para sair do estabelecimento, mediante escolta, em virtude de falecimento ou doença grave
do cônjuge, companheiro, ascendente ou irmão, ou para tratamento médico. A permanência do preso fora
do estabelecimento terá a duração necessária para atender à finalidade dessa saída, ou seja, o prazo é bem
reduzido e vinculado necessariamente ao motivo da saída. Essa permissão de saída decorre de ato
administrativo do Diretor do presídio.

Já a saída temporária é uma autorização dada aos presos em regime semiaberto quando preenchem
os requisitos legais. Essa saída temporária será sem vigilância e terá por finalidade visita à família, frequentar
curso supletivo profissionalizante, de instrução de 2º grau ou superior ou para participar de atividades
importantes para o seu retorno ao convívio social. Essa autorização será concedida por ato motivado do Juiz
da Execução Penal, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação
dos seguintes requisitos: a) comportamento adequado; b) cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, se o
condenado for primário, e ¼, se reincidente; c) compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

V – determinar:

a) A forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução; De plano, devo
informar que a LEP não cuidou de 2 penas restritivas de direitos: prestação pecuniária (art. 43, I,
da LEP) e perda de bens e valores (art. 43, II, do CP). Todavia, caberá ao Juiz da Execução Penal
indicar a entidade ou o programa e os respectivos dias e horários de cumprimento da pena de
prestação de serviço à comunidade ou à entidade pública, sem prejudicar a jornada normal de
trabalho (art. 149 da LEP). Na pena de interdição de direitos, o Juízo da Execução terá a missão de

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668
comunicar à autoridade competente a imposição dessa pena, determinado, se for o caso, a
apreensão dos documentos que legitimam o exercício do direito interditado (art. 154 da LEP). Na
limitação de fim de semana, é tarefa do Juízo da Execução Penal determinar a intimação do
condenado quanto ao local, dias e horários em que o condenado deverá cumprir a pena (art. 151
da LEP).

b) A conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade; Primeiramente,


devemos lembrar que não há mais possibilidade de conversão da pena de multa em pena privativa
de liberdade em razão da nova redação do art. 51 do CP dada pela Lei 9296/96, ou seja, nessa
parte houve uma revogação tácita pela nova redação do art. 51 do CP. Assim, a multa é
considerada dívida de valor e sua execução se fará pela lei nº 6830/80 (execução fiscal). Só
lembrando que o não pagamento da multa estipulada em transação penal autoriza a continuidade
da persecução penal, conforme súmula vinculante 35 do STF, nos seguintes termos: A
homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada
material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao
Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou
requisição de inquérito policial. A pena restritiva de direitos converte-se em pena privativa de
liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta ou se surgir
condenação a pena privativa de liberdade por outro crime (art. 44, §§ 4º e 5º, do CP).

c) A conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos: Essa matéria está


regulamentada no art. 180 da LEP. A pena privativa de liberdade não superior a 2 anos, poderá
ser convertida em restritivas de direitos, desde que: I – o condenado a esteja cumprindo em
regime aberto; II – tenha sido cumprido pelo menos ¼ da pena; III – os antecedentes e a
personalidade do condenado indiquem ser a conversão recomendável.

d) A aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de


segurança;

e) A revogação da medida de segurança.

f) A desinternação e o restabelecimento da situação anterior;

g) O cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca. Essa hipótese nada mais é
do que a transferência de preso ou paciente judiciário (aquele que cumpre medida de segurança).

h) A remoção do condenado na hipótese prevista no §1º, do artigo 86, desta Lei. Essa hipótese
versa sobre a Lei n. 11.671/2008, que regula a transferência e a inclusão de presos em

399
668
estabelecimentos penais federais de segurança máxima, que se dará no interesse da segurança
pública ou do próprio preso, condenado ou provisória.

VI – zelar pelo cumprimento da pena e da medida de segurança. Vale dizer, o Juízo da Execução
Penal deve zelar pelo cumprimento das disposições da sentença ou decisão judicial no tocante à execução
penal.

VII – inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providência para o


adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, apuração de responsabilidade. O juiz
vistoriar mensalmente os estabelecimentos penais para verificar o seu adequado funcionamento. A
Resolução 47/2007 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também prevê que os Juízes das Varas de
Execuções Penais realizem inspeções mensais aos estabelecimentos penais sob sua responsabilidade.

VIII – interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições
inadequadas ou com infringência aos dispositivos da LEP.

IX – compor e instalar o Conselho da Comunidade. A matéria está regulada nos artigos 80 e 81 da


LEP.

X – emitir anualmente atestado de pena a cumprir. A expedição desse atestado anual foi
regulamentada pelos arts. 12 e 13 da Resolução de nº 113 do CNJ101. Lembre-se que é direito do preso

Resolução de nº 113 do CNJ: Art. 112. A emissão de atestado de pena a cumprir e a respectiva entrega ao apenado,
101

mediante recibo, deverão ocorrer:

I – no prazo de sessenta dias, a contar da data do início da execução da pena privativa de liberdade; II – no prazo de
sessenta dias, a contar da data do reinício do cumprimento da pena privativa de liberdade; III – para o apenado que já
estiver cumprindo pena privativa de liberdade, até o último dia útil do mês de janeiro de cada ano;

Art. 113. Deverão constar do atestado anual de cumprimento de pena, dentre outras informações consideradas
relevantes, as seguintes:

I – o montante da pena privativa de liberdade;

II – o regime prisional de cumprimento de pena;

III – a data do início do cumprimento da pena e a data, em tese, do término do cumprimento integral da pena;

IV – a data a partir da qual o apenado, em tese, poderá postular a progressão do regime prisional e o livramento
condicional.

400
668
receber anualmente esse atestado, sob pena de responsabilidade do juiz competente (art.41, XVI, da LEP).
Afinal de contas, ao menos uma vez por ano, o preso deve receber esse documento para saber o saldo de
pena a cumprir.

MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,


incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127, caput, da CF).

Pois bem. Durante o processo de conhecimento, nas ações penais públicas, o Ministério Público se
revela de modo preponderante como parte na relação jurídica processual, ou seja, como sujeito parcial. Já
em sede de execução penal, o MP é enxergado como custos legis, ou seja, fiscalizará a execução da pena e
da medida de segurança a fim de verificar o cumprimento integral do título executivo judicial formado,
oficiará ainda no processo executivo e nos incidentes da execução (art. 67 da LEP).

O artigo 68 da LEP apresenta um rol exemplificativo das atribuições do MP. Vejamos:

I - fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e de internamento;

II - requerer:

a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo;

b) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução. Haverá excesso ou desvio de


execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou
regulamentares;

c) a aplicação de medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança;

d) a revogação da medida de segurança;

e) a conversão de penas, a progressão ou regressão nos regimes e a revogação da suspensão


condicional da pena e do livramento condicional;

f) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação anterior.

III - interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária, durante a execução.

O órgão do Ministério Público visitará mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua


presença em livro próprio.

401
668
CONSELHO PENITENCIÁRIO

O Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena. São funções


consultiva e fiscalizatória.

Professor, qual é a composição do Conselho Penitenciário?

O Conselho será integrado por membros nomeados pelo Governador do Estado, do Distrito Federal e
dos Territórios, dentre professores e profissionais da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário
e ciências correlatas, bem como por representantes da comunidade. A legislação federal e estadual regulará
o seu funcionamento. O mandato dos membros do Conselho Penitenciário terá a duração de 4 (quatro) anos.

Quais são as atribuições do Conselho Penitenciário?

I - emitir parecer sobre indulto e comutação de pena, excetuada a hipótese de pedido de indulto com
base no estado de saúde do preso. Atualmente não há mais necessidade de confecção de parecer do
Conselho Penitenciário para a concessão de livramento condicional em razão da vigência da lei 10792/03

II - inspecionar os estabelecimentos e serviços penais;

III - apresentar, no 1º (primeiro) trimestre de cada ano, ao Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, relatório dos trabalhos efetuados no exercício anterior;

IV - supervisionar os patronatos, bem como a assistência aos egressos.

OBS: O rol de atribuições do art. 70 da LEP não é taxativo, haja vista que há outras atividades a ser
desempenhadas por esse Conselho. Ex: art. 143 da LEP.

DEPARTAMENTOS PENITENCIÁRIOS

Primeiramente devemos destacar que existe o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), assim
como há os Departamentos Penitenciário criados por leis locais.

O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), vinculado ao Ministério da Justiça, é um órgão


executivo de Política Penitenciária Nacional e de apoio administrativo e financeiro do Conselho Nacional de
Política Pública Criminal e Penitenciária. O DEPEN é o gestor e fiscalizador das penitenciárias federais.

Quais são as atribuições do DEPEN?

I - acompanhar a fiel aplicação das normas de execução penal em todo o Território Nacional;

402
668
II - inspecionar e fiscalizar periodicamente os estabelecimentos e serviços penais;

III - assistir tecnicamente as Unidades Federativas na implementação dos princípios e regras


estabelecidos nesta Lei;

IV - colaborar com as Unidades Federativas mediante convênios, na implantação de estabelecimentos


e serviços penais;

V - colaborar com as Unidades Federativas para a realização de cursos de formação de pessoal


penitenciário e de ensino profissionalizante do condenado e do internado.

VI – estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas, o cadastro nacional das vagas
existentes em estabelecimentos locais destinadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade
aplicadas pela justiça de outra unidade federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar. Esse
cadastro nacional das vagas tem relevância para o governo ter uma ideia das vagas ocupadas no sistema
penitenciário.

VII - acompanhar a execução da pena das mulheres beneficiadas pela progressão especial de que trata
o § 3º do art. 112 da LEP, monitorando sua integração social e a ocorrência de reincidência, específica ou
não, mediante a realização de avaliações periódicas e de estatísticas criminais.

Incumbem também ao DEPEN a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de


internamento federais e os resultados obtidos por meio do monitoramento e das avaliações periódicas, em
função da efetividade da progressão especial para a ressocialização das mulheres de que trata o § 3º do art.
112 da LEP, avaliar eventual desnecessidade do regime fechado de cumprimento de pena para essas
mulheres nos casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.

Os Estados podem, por lei própria, criar Departamento Penitenciário ou órgão similar (ex: Secretaria
de Administração Penitenciária), com as atribuições que estabelecer. Esse órgão deverá supervisionar e
coordenar os estabelecimentos penais estaduais.

Professor, quais são os requisitos para alguém figurar como diretor do estabelecimento penal?

Segundo as Regras mínimas da ONU, o diretor do estabelecimento penal deverá ser qualificado pela
função, por seu caráter, capacidade administrativa, formação adequada e experiência na matéria (regra nº
50.1). Em conformidade com esses parâmetros, a LEP fixou as seguintes condições para o ocupante do cargo
de diretor de estabelecimento:

I - ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia,
ou Serviços Sociais;

403
668
II - possuir experiência administrativa na área;

III - ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função.

O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará tempo integral à sua
função.

O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em diferentes categorias funcionais, segundo as


necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e
assessoramento do estabelecimento e às demais funções.

A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a


vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato. O ingresso do pessoal penitenciário,
bem como a progressão ou a ascensão social funcional dependerão de cursos específicos de formação,
procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício.

No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho do pessoal do sexo feminino, salvo
quando se tratar de pessoal técnico especializado. Com isso, evita-se o risco de relacionamentos afetivos e
sexuais entre agentes penitenciários e presas.

PATRONATO

O patronato público ou particular destina-se a prestar assistência aos albergados (condenado em


regime aberto) e aos egressos (o liberado definitivo, pelo prazo de 1 ano a contar da saída do
estabelecimento e o liberado condicional, durante o período de prova).

Além dessa função de assistência aos albergados e aos egressos, o patronato também tem atribuições
sociais e fiscalizadoras: a) orientar os condenados à pena restritiva de direitos; b) fiscalizar o cumprimento
das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana; c) colaborar na
fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional.

O patronato é um importante instrumento de participação da sociedade na execução das penas!

OBS: O Conselho Penitenciário supervisiona os patronatos (art. 70, IV, da LEP).

CONSELHO DA COMUNIDADE

Haverá, em cada comarca, um Conselho da Comunidade composto, no mínimo, por 1 (um)


representante de associação comercial ou industrial, 1 (um) advogado indicado pela Seção da Ordem dos
Advogados do Brasil, 1 (um) Defensor Público indicado pelo Defensor Público Geral e 1 (um) assistente social
escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais. Na falta de representação

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668
prevista no art. 80 da LEP, ficará a critério do Juiz da execução a escolha dos integrantes do Conselho.
Lembre-se que compete ao Juiz da Execução Penal compor e instalar o Conselho da Comunidade (art. 66, IX,
da LEP).

São atribuições do Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos mensalmente, os


estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais
ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos
para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

DEFENSORIA PÚBLICA

A Defensoria Pública foi incluída como órgão de execução na LEP por meio da Lei nº 12.313/2010, de
forma a assegurar o amplo acesso à Justiça pelos presos, egressos e seus familiares, desde que não tenham
condições de custear os serviços de um advogado. Afinal de contas, a Defensoria Pública é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e
gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

O artigo 81-B da LEP apresenta um rol exemplificativo das atribuições da Defensoria Pública. I -
requerer: a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo; b) a aplicação
aos casos julgados de lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado; c) a declaração de
extinção da punibilidade; d) a unificação de penas; e) a detração e remição da pena; f) a instauração dos
incidentes de excesso ou desvio de execução; g) a aplicação de medida de segurança e sua revogação, bem
como a substituição da pena por medida de segurança; h) a conversão de penas, a progressão nos regimes,
a suspensão condicional da pena, o livramento condicional, a comutação de pena e o indulto; i) a
autorização de saídas temporárias; j) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação
anterior; k) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca; l) a remoção do condenado
na hipótese prevista no § 1o do art. 86 desta Lei; II - requerer a emissão anual do atestado de pena a
cumprir; III - interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária ou administrativa durante a
execução; IV - representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de
sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal; V
- visitar os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento, e requerer,
quando for o caso, a apuração de responsabilidade; VI - requerer à autoridade competente a interdição, no
todo ou em parte, de estabelecimento penal.

O órgão da Defensoria Pública visitará periodicamente os estabelecimentos penais, registrando a sua


presença em livro próprio.

405
668
ESTABELECIMENTOS PENAIS

DOS ESTABELECIMENTOS PENAIS

406
668
DISPOSIÇÕES GERAIS

Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado (fechado, semiaberto e aberto), ao paciente


judiciário (aquele submetido à medida de segurança), ao preso provisório e ao egresso.

Os estabelecimentos, em linhas gerais, são os seguintes:

Penitenciária: é o local previsto para o cumprimento da pena em regime fechado


Colônia Agrícola, Industrial ou Similar é o local previsto para cumprimento da pena em regime semiaberto
Casa de Albergado é o local previsto ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto e
para o cumprimento da pena de limitação de fim de semana (pena restritiva de direito)
Centro de Observação é o local onde se realiza os exames gerais e o criminológico.
Hospital de Custódia e Tratamento é o local previsto para os inimputáveis e os imputáveis descritos no
artigo 26, caput e parágrafo único do CP.
Cadeia Pública é o local previsto para os presos provisórios.

Não custa lembrar que o art. 5º, XLVIII, da CF estabelece que a pena será cumprida em estabelecimentos
distintos de acordo com a natureza do delito, a idade o sexo do apenado. Em razão disso, a mulher (visando
protegê-la de abusos sexuais) e o idoso (em virtude de sua notória fragilidade física) serão recolhidos,
separadamente, em estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal.

Reparem ainda que no mesmo espaço pode existir distintos estabelecimentos (art. 82, §2º, da LEP).
Todavia, é necessário que haja o indispensável isolamento desse local para que abrigue apenados com as
mesmas características. O que eu quero dizer é que, devidos aos inúmeros problemas financeiros, o Estado
pode num único lugar criar vários estabelecimentos, ou seja, prédios específicos para mulheres, idosos,
presos provisórios, condenados com alta periculosidade.

O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e
serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Haverá instalação
destinada a estágio de estudantes universitários. Serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos de
ensino básico e profissionalizante (instrumento importante para a ressocialização do preso, bem como para
a remição da pena) e, ainda, haverá uma instalação para a prestação de assistência jurídica pela Defensoria
Pública.

Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas


possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade (art.83, §2º,
da LEP). Cumpre ainda alertá-los que esse direito previsto na LEP decorre de um direito constitucional
consagrado no art. 5º, L, do Texto Maior, qual seja, às presidiárias serão asseguradas condições para que
possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

407
668
Nesses estabelecimentos penais destinados ao atendimento de presidiárias, os agentes incumbidos da
segurança de suas dependências internas serão, exclusivamente, do sexo feminino.

Poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou


complementares desenvolvidas em estabelecimentos penais, tais como: serviços de conservação, limpeza,
informática, copeiragem, portaria, recepção, reprografia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de
prédios, instalações e equipamentos internos e externos; serviços relacionados à execução de trabalho pelo
preso. Na execução desses serviços pode compreender o fornecimento de materiais, equipamentos,
máquinas e profissionais. A execução indireta será realizada sob supervisão e fiscalização do Poder
Público.

São indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como
todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia, tais como: classificação de condenados;
aplicação de sanções disciplinares; controle de rebeliões; transporte de presos para órgãos do Poder
Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais.

O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. Essa exigência,
além de estar prevista nas Regras mínimas da ONU para tratamento de reclusos (regra de nº 8, “b”102) e na
Convenção Americana de Direitos Humanos (art.5º, item 4103), estar prevista expressamente na LEP (art. 84,
caput). Também haverá separação entre preso primário e o reincidente, evitando, assim, a influência do
criminoso contumaz com aquele iniciante no mundo do crime.

Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: I - acusados pela prática
de crimes hediondos ou equiparados; II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa; III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos
incisos I e II.

102Regra de nº 8, “b”, das Regras Mínimas da ONU para tratamento de reclusos (1955): As pessoas presas
preventivamente deverão ser mantidas separadas dos presos condenados;

103Art. 5º, item 4, da Convenção Americana de Direitos Humanos: Os processados devem ficar separados dos condenados,
salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

408
668
O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em
dependência separada.

Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: I - condenados pela
prática de crimes hediondos ou equiparados; II - reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos
com violência ou grave ameaça à pessoa; III - primários condenados pela prática de crimes cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa; IV - demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções
em situação diversa das previstas nos incisos I, II e III.

O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os
demais presos ficará segregado em local próprio.

O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em
dependência separada. Motivo: Essa medida é indispensável para garantir a segurança desse preso, evitando
assim eventuais represálias de outros detentos.

O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e


finalidade (Art. 85, caput, da LEP - regra longe de ser obedecida no Brasil)

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo


de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades.

Em regra, a execução da pena se dá em lugar próximo à família e ao meio social do apenado, conforme
determina o art. 103 da LEP. Todavia, esse direito do apenado não é inflexível. Vale dizer, com a devida
fundamentação, as penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem
ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União.

Conforme a natureza do estabelecimento, nele poderão trabalhar os liberados ou egressos que se


dediquem a obras públicas ou ao aproveitamento de terras ociosas.

Caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa, definir o estabelecimento


prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos
estabelecidos.

A LEP estabeleceu em art. 85, §1º que a União Federal poderá construir estabelecimento penal em
local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da
segurança pública ou do próprio condenado. A inclusão de preso em estabelecimento penal de segurança
máxima, de responsabilidade da União, restou prevista pela lei nº 11.671/08. Essa inclusão de preso no

409
668
sistema penitenciário federal se desenvolve em duas etapas. A primeira parte ocorre com a admissibilidade
pelo juiz da origem da necessidade da transferência do preso para estabelecimento penal federal de
segurança máxima. (arts. 3º e 4º da Lei 11.671/08). A segunda parte se dá com a admissão do preso mediante
decisão fundamentada do juízo federal. Instruído os autos do processo de transferência, serão ouvidos, no
prazo de 5 (cinco) dias cada, quando não requerentes, a autoridade administrativa, o Ministério Público e a
defesa, bem com o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, a quem é facultado indicar o
estabelecimento penal federal mais adequado. A decisão que admitir o preso no estabelecimento penal
federal de segurança máxima indicará o período de permanência. Havendo extrema necessidade, o juiz
federal poderá autorizar a imediata transferência do preso e, após a instrução dos autos, decidir pela
manutenção ou revogação da medida adotada.

O período de permanência no presídio federal será de até 3 (três) anos, renovável por iguais
períodos, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da
transferência, e se persistirem os motivos que a determinaram (art. 10, §1º, da Lei 11.671/08, com redação
dada pela Lei nº 13.964/19). De acordo com o art. 11-A da Lei nº 11.671/08, as decisões relativas à
transferência ou à prorrogação da permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança
máxima, à concessão ou à denegação de benefícios prisionais ou à imposição de sanções ao preso federal
poderão ser tomadas por órgão colegiado de juízes, na forma das normas de organização interna dos
tribunais.”

A atividade jurisdicional da execução penal nos estabelecimentos penais federais será desenvolvida
pelo juízo federal da seção ou subseção judiciária em que estiver localizado o estabelecimento penal federal
de segurança máxima ao qual for recolhido o preso104. Caberá à Defensoria Pública da União a assistência
jurídica ao preso que estiver nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima.

Apenas a fiscalização da prisão provisória será deprecada, mediante carta precatória, pelo juízo de
origem ao juízo federal competente, mantendo aquele juízo a competência para o processo de
conhecimento e para os respectivos incidentes.

PENITENCIÁRIA

Esse estabelecimento penal, também denominado de presídio, destina-se ao condenado à pena de


reclusão, em regime fechado.

104
Art. 2º, parágrafo único, da Lei 11.671/08: O juízo federal de execução penal será competente para as ações de
natureza penal que tenham por objeto fatos ou incidentes relacionados à execução da pena ou infrações penais
ocorridas no estabelecimento penal federal. (redação dada pela Lei nº 13.964/19)

410
668
A LEP ainda menciona que União, Estados, DF e municípios poderão construir penitenciárias
destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime disciplinar
diferenciado.

As penitenciárias devem ser compostas de celas individuais com área mínima de 6 m², com dormitório,
aparelho sanitário e lavatório aeração, insolação e condicionamento térmico que garantam condições de
salubridade.

Percebam ainda que as penitenciárias femininas, além de terem os requisitos acima, também devem
contar com uma seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças entre 6 meses e 7 anos,
com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa, sendo dado atendimento
por pessoal qualificado e funcionamento em horários que proporcione melhor assistência à criança e à sua
mãe.

Já a penitenciária masculina, por razões de segurança, deve ser construída em locais afastado do
centro urbano, mas não que impossibilite a visitação, medida importante para a finalidade ressocializadora
da pena.

COLÔNIA AGRÍCOLA, INDUSTRIAL OU SIMILAR

O condenado a pena privativa de liberdade em regime semiaberto deve ser recolhido em colônia
agrícola, industrial ou similar.

Observada a seleção adequada e o limite de capacidade máxima para a satisfação da finalidade


individualizadora da pena, os presos habitarão alojamentos coletivos, observando-se às condições mínimas
de salubridade (insolação, aeração e temperatura).

CASA DE ALBERGADO

A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e


da pena de limitação de fim de semana (pena restritiva de direitos – art. 43, VI, do CP).

Reparem que modo diverso da penitenciária, o prédio deverá situar-se em centro urbano, separado
dos demais estabelecimentos, para facilitar o acesso ao trabalho e à escola e caracteriza-se pela ausência de
obstáculos físicos contra a fuga. Afinal de contas, o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de
responsabilidade do condenado.

411
668
No regime aberto, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar
curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias
de folga.

Em cada região (Comarca) haverá, pelo menos, uma Casa do Albergado, a qual deverá conter, além dos
aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras, devendo o estabelecimento
conter instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados.

CENTRO DE OBSERVAÇÃO

No Centro de Observação, que será instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento


penal, serão realizados os exames gerais e o criminológico, cujos resultados serão enviados à Comissão
Técnica de Classificação.

O legislador ordinário antevendo as dificuldades do gestor público em cumprir o estabelecido na LEP


deu a solução, qual seja, na falta do Centro de Observação, os exames poderão ser realizados pela Comissão
Técnica de Classificação.

HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO

O Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, que também deve obedecer os critérios de


salubridade (areação, insolação e temperatura) é destinado ao tratamento de pessoas que serão submetidas
ao cumprimento de medida de segurança, ou seja, os inimputáveis (art. 26, caput, do CP105) e os semi-
imputáveis (art. 26, parágrafo único, do CP106). Só lembrando que o legislador brasileiro, após a reforma
penal de 1984, adotou o sistema vicariante ou unitário. Com isso, resta dizer que ao semi-imputável é
aplicada pena ou medida de segurança, segundo a providência mais recomendada para o caso concreto, não
existindo, em hipótese alguma, a possibilidade de cumular tais sanções penais (sistema do duplo binário).

O Código Penal estabelece 2 medidas de segurança:

105Art. 26, caput, do CP: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se com esse entendimento.

106Art. 26, §único, do CP: “A pena pode ser reduzida de 1(um) a 2/3 (dois terços), se o agente, em virtude de
perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento incompleto ou retardado não era inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se com esse entendimento.

412
668
1) Detentiva - consiste em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta,
em outro estabelecimento adequado (art. 96, I, do CP). Essa medida é prevista para os apenados
com reclusão, independentemente de o agente ser imputável ou semi-imputável.
2) Restritiva – consiste em submissão a tratamento ambulatorial. Nesse caso, o agente é submetido a
tratamento em clínica psiquiátrica, mas permanece em liberdade. Se o fato for punível com
detenção, o juiz poderá optar entre a internação e o tratamento ambulatorial.

Não há exigência de cela individual. Vejamos o item 99 da Exposição de Motivos da LEP: “a estrutura e
a as divisões de tal unidade estão na dependência de planificação especializada, dirigida segundo os padrões
da medicina psiquiátrica. Estabelecem-se, entretanto, as garantias mínimas de salubridade do ambiente e
área física de cada aposento.

Como já dita acima, na falta de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico a internação ocorrerá
em outro estabelecimento adequado, mas isso não significa dizer em locais destinados ao cumprimento
de pena ou prisão provisória.

O exame psiquiátrico e os demais exames são obrigatórios para todos os internados. Não confundam
o exame psiquiátrico com o exame de cessação de periculosidade. O primeiro tem a missão de controlar a
enfermidade, objetivando a sua cura e é realizado a critério médico. Já o segundo é realizado anualmente,
conforme art. 97, §2º, do CP, e visa verificar se houve, ou não, a cessação da periculosidade, fato que implica
na liberação/desinternação ou na manutenção da medida de segurança.

O tratamento ambulatorial, previsto no artigo 97, segunda parte, do Código Penal, será realizado no
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada
(público ou privado).

Devo informar ainda que em qualquer fase do tratamento ambulatorial pode o juiz determinar sua
conversão para internação quando essa medida for necessária para fins curativos (art. 97, §4º, do CP).

O condenado a quem sobrevier doença mental será internado em Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico (art. 108 da LEP).

CADEIA PÚBLICA

Cadeia pública é o estabelecimento penal destinado ao recolhimento de presos provisórios (aquele


que ainda não apresenta em seu desfavor uma sentença penal condenatória transitada em julgado),
equiparando-se ao regime fechado. Lembre-se que o preso provisório, no que couber, está sujeito aos
deveres e direitos aplicáveis ao condenado definitivo, não sendo, no entanto, obrigado ao trabalho, que

413
668
pode ser realizado apenas no interior do estabelecimento penal. Está sujeito à disciplina carcerária,
podendo, inclusive, sofrer punição por falta grave.

Com o trânsito em julgado, esse preso deve ser transferido ao estabelecimento penal adequado ao
regime fixado na sentença condenatória (fechado, semiaberto e aberto). Todavia, na realidade, observamos
preso definitivo cumprindo pena em cadeia pública!

A Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 5º, item 4) e as Regras Mínimas da ONU (regra nº
8, “b”) determina que o preso provisório ficará recolhido em cadeia pública, em ambiente separado dos
presos definitivos.

A Cadeia Pública é o lugar eleito pela LEP para o cumprimento de prisão civil (inadimplente de pensão
alimentícia) e de prisão administrativa (exemplo: estrangeiro que aguarda expulsão), na falta de
estabelecimento adequado (art. 201 da LEP e art. 528, §4º, do Novo CPC).

Cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da
Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.
Chamo a atenção de vocês para dizer que o preso não tem direito absoluto para permanecer próximo ao seu
meio social e familiar, podendo o magistrado, com a devida fundamentação e calcada em razão de
conveniência, transferi-lo para localidade diversa.

A Cadeia será instalada próxima de centro urbano, observando-se na construção as exigências do


art. 88 da LEP (cela individual de 6 m² com dormitório, aparelho sanitário e lavatório), além dos critérios dos
critérios de salubridade (areação, insolação e temperatura).

OBS: Na aula seguinte ainda abordaremos alguns aspectos da LEP (remição, autorização de saídas,
incidentes de execução, procedimento judicial)

414
668
3 – GUIA DE RECOLHIMENTO

GUIA DE RECOLHIMENTO.

Como já conversamos em aula passada, não há que se falar em execução penal sem o indispensável
título executivo judicial.

Pois bem. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver
ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. Em outras
palavras, o édito condenatório ganha força executiva após a ocorrência da coisa julgada, ocasião em que
deverá ser confeccionado a guia de recolhimento, também conhecida como carta de guia. Em resumo, a
confecção da guia de recolhimento exige 2 requisitos, quais sejam, trânsito em julgado e estar preso o
condenado.

415
668
Reparem que a guia de recolhimento é o documento que materializa o título executivo judicial, sendo
imprescindível para a deflagração do processo de execução, pois conterá os dados principais da pena a ser
cumprida. Nesse sentido, devo destacar a importância desse documento para a execução penal, conforme
se vê no art. 107, caput, da LEP: Ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de liberdade,
sem a guia expedida pela autoridade judiciária.

Lembre-se, no entanto, segundo já vimos, que pode existir execução provisória da pena, podendo,
assim, ser expedida guia de recolhimento provisória (arts. 8°/11 da Resolução nº 113/10 do CNJ), a fim de
que o condenado goze de maneira antecipada dos benefícios da execução penal. Essa situação é cabível
quando o agente já foi condenado em primeiro grau de jurisdição, mas aguarda preso de modo cautelar o
julgamento do recurso exclusivo da defesa em 2º grau de jurisdição ou nos Tribunais Superiores. Com o
advento da Lei nº 13.964/19, lembre-se que não corre a prescrição na pendência de embargos de declaração
ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis (art. 116, III, do Código Penal).

OBS: Não confunda o início do processo de execução penal como o início da execução da pena.
Enquanto a primeira hipótese exige a coisa julgada da sentença, o segundo caso necessita do recolhimento
do condenado à prisão.

A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o
Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá:

I - o nome do condenado;
II - a sua qualificação civil e o número do registro geral no órgão oficial de identificação;
III - o inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado
IV - a informação sobre os antecedentes e o grau de instrução;
V - a data da terminação da pena;
VI - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário.

A Resolução de nº 113, de 20 de abril de 2010, do CNJ regulamenta a expedição de guia de recolhimento


e os documentos que instruem o processo de execução penal. Observem que o artigo 1º da citada resolução
do CNJ menciona ainda outros documentos: interrogatório do executado na polícia e em juízo, informação
sobre os endereços em que possa ser localizado, instrumentos de mandato, substabelecimentos, despachos
de nomeação de defensores dativos ou de intimação da Defensoria Pública, cópia do mandado de prisão
temporária e/ou preventiva, com a respectiva certidão da data do cumprimento, bem como com a cópia de
eventual alvará de soltura, também com a certidão da data do cumprimento da ordem de soltura, para
cômputo da detração penal, nome e endereço do curador, se houver, informações acerca do
estabelecimento prisional em que o condenado encontra-se recolhido, cópias da decisão de pronúncia e da
certidão de preclusão em se tratando de condenação em crime doloso contra a vida e certidão carcerária.

416
668
Ao Ministério Público se dará ciência da guia de recolhimento. Cabe ao órgão ministerial, custos legis,
verificar a regularidade formal das guias de recolhimento e de internação (art. 68, I, da LEP), observando,
principalmente, se há perfeita correspondência entre os dados contidos na guia em questão com os
elementos extraídos do processo criminal.

A guia de recolhimento será retificada sempre que sobrevier modificação quanto ao início da
execução ou ao tempo da duração da pena. Exemplo: Quando o juiz da execução penal reconhece a remição
da pena por trabalho.

As guias de recolhimento serão registradas em livro especial, segundo a ordem cronológica do


recebimento, e anexadas ao prontuário do condenado, aditando-se, no curso da execução, o cálculo das
remições e de outras retificações posteriores. Todavia, isso não significa que a execução da pena obedecerá
a ordem cronológica das guias de recolhimento, mas sim que o registro das guias obedecerá essa ordem.

Não custa lembrar que existindo várias penas a cumprir o condenado cumprirá primeiramente a pena
mais grave (art. 76 do CP107). Assim, conclui-se que primeiro executa a pena de reclusão, depois a de
detenção e, por último, a de prisão simples.

4 – FIXAÇÃO DE REGIME E UNIFICAÇÃO DE PENAS

Meus caros alunos, atenção total a esse tópico, pois é o assunto mais cobrado na seara da execução
penal.

O art. 33, §1º do Código Penal estabelece três regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade,
quais sejam, o aberto, o semiaberto e o fechado.

Regime fechado – a execução da pena ocorre em estabelecimento de segurança máxima ou média


Regime semiaberto – a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar
Regime aberto – a execução da pena se dá em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

107 Art. 76 do CP: No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave.

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668
As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do
condenado, observados os seguintes critérios a) natureza da pena - detenção ou reclusão -, b) quantidade
da pena privativa de liberdade aplicada, c) a reincidência ou não do condenado e d) as circunstâncias judiciais
do art. 59 do CP.

• Pena de reclusão:

Reincidente: o regime inicial será o fechado. Todavia, é admissível a adoção do regime prisional semiaberto
aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos, se favoráveis as circunstâncias judiciais
(súmula 269 do STJ).

Condenado não reincidente:

Pena SUPERIOR a 8 anos: regime fechado.

Pena SUPERIOR a 4 anos e NÃO SUPERIOR a 8 anos: regime semiaberto, exceto se as circunstâncias judiciais
do art. 59 do CP impuserem a fixação do regime inicial fechado.

Pena IGUAL ou INFERIOR a 4 anos: regime aberto, exceto se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP
impuserem a fixação do regime inicial fechado ou semiaberto.

• Pena de detenção:

Reincidente: o regime inicial será o semiaberto, não sendo possível fixar o regime inaugural fechado.

Condenado não reincidente:

Pena SUPERIOR a 4 anos: regime semiaberto.

Pena IGUAL ou INFERIOR a 4 anos: regime aberto.

• Pena de prisão simples: É aplicável às contravenções penais. Será cumprida, sem rigor
penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou
aberto (art. 6º da LCP).

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668
OBS: Reparem que mesmo a pena sendo inferior a 8 anos e o condenado não reincidente nada impede que
o magistrado, no momento da sentença, fixe o regime carcerário mais gravoso (fechado) se as circunstâncias
judiciais do art. 59 lhe forem desfavoráveis (art. 33, §3º, do CP108).

OBS 2: O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime de cumprimento
da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com
os acréscimos legais (art. 33, §4º, do CP).

OBS 3: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a
imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada (súmula 718 do STF).

OBS 4: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exigir motivação
idônea (súmula 719 do STF).

OBS 5: Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso
do que o cabível em razão de sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito (súmula 440
do STJ).

OBS 6: O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro,


será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade (art. 387, §2º, do
CPP).

Sobre a regressão de regimes, desde já, vamos fixar algumas premissas:

a) O condenado à pena de detenção em regime aberto ou semiaberto somente irá para o regime fechado
em virtude de regressão.

b) O condenado à pena de prisão simples (contravenção penal) em caso de regressão irá para o semiaberto
ou aberto, mas nunca para o regime fechado.

É o juiz da sentença que fixará o regime inicial de cumprimento de pena privativa de liberdade,
observando para tanto os critérios do art. 33 e parágrafos únicos do CP. Lembre-se ainda que na hipótese de
concurso de crimes, as penas deverão ser somadas (concurso material e concurso formal impróprio) ou

108 Art. 33, §3º, da CP: A determinação do regime inicial de cumprimento de pena far-se-á com observância dos critérios

previstos no art. 59 deste Código.

419
668
exasperadas (crime continuado e concurso formal próprio) para a fixação do regime inicial de cumprimento
da pena.

O juiz da ação penal (processo de conhecimento) não pode delegar ao juízo da execução a missão de
fixar o regime carcerário. Diante da omissão na sentença, a parte deve opor embargos de declaração para
sanar esse ponto omisso da decisão. E se não houver oposição de embargos declaratórios e a sentença
transitar em julgado? O professor Mirabete leciona: Na ausência da sentença transitada em julgado quando
ao regime inicial de cumprimento da pena, aplica-se o regime mais brando, desde que compatível com o
disposto no art. 33, §2º, do CP109.

Não custa lembrar a vocês que o art. 2º, §1º, da Lei dos Crimes Hediondos, que impõe o regime inicial
fechado para o cumprimento da pena privativa de liberdade foi declarado inconstitucional pelo STF nos autos
do HC 111.840, pois retirava do Estado-Juiz a possibilidade de aplicar ao caso concreto o regime carcerário
mais adequado e violava o princípio constitucional da individualização da pena.

Destaco ainda que o STF ao apreciar a mesma questão envolvendo um crime equiparado ao hediondo
(tortura), em momento posterior ao julgado acima, adotou um posicionamento distinto.

Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a
determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas,
observada, quando for o caso, a detração penal ou a remição (art.111 da LEP). Reparem que para a fixação
do regime inicial de cumprimento de pena não se levará em conta as penas isoladas para cada crime, mas
sim a pena unificada.

Sobrevindo condenação no curso da execução, será feita nova unificação da pena, somando-se o
restante da pena a cumprir da execução em andamento com a nova pena aplicada na sentença transitada
em julgado. É indiferente, no entanto, se o novo crime tenha sido perpetrado antes ou início do
cumprimento da pena. Exemplo: Pedro foi condenado a pena de 4 anos de reclusão em regime aberto. Já
havia cumprido 2 anos de reclusão. Aporta no Juízo da Execução nova condenação com pena de 3 anos de
reclusão. O Juiz da Execução somará a pena restante (2 anos) + nova condenação (3 anos) e fixará o regime
semiaberto (a pena ultrapassa 4 anos).

109 109 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 326.

420
668
Com a superveniência dessa condenação nova, o prazo para concessão de novos benefícios na seara
da execução penal passa a ser a soma dessas penas que ainda devem ser cumpridas.

Vimos que no momento da unificação de pena (art. 111 da LEP) deverá existir o desconto da remição
(instituto que falaremos adiante) e da detração penal (é o desconto na pena privativa de liberdade ou na
medida de segurança do tempo de prisão de prisão ou de internação já cumprido pelo agente – art. 42 do
CP).

TAREFA 05 – DIREITOS HUMANOS


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“Direitos albergados” até o subtópico “Contextualização – Libras e a Convenção”.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

11 - DIREITOS ALBERGADOS
A partir do art. 10 até o art. 30 temos uma série de direitos humanos descritos na Convenção.

DIREITOS RECONHECIDOS NA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE DIREITO DAS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA
• direito à vida;
• direito à igualdade material;
• acesso à justiça;
• direitos de liberdade e segurança;

421
668
• vedação ao tratamento desumano ou aplicação de penas cruéis, desumanos ou degradantes;
• vedação à exploração, à violência e ao abuso;
• garantia da integridade física e mental;
• direito de ir e vir;
• direito de nacionalidade;
• direitos de acessibilidade;
• liberdade de expressão e de opinião;
• liberdade de acesso à informação;
• respeito à privacidade;
• respeito e liberdade para constituição de lar e família;
• direito à educação;
• direito à saúde;
• direitos de habilitação e reabilitação;
• direito ao trabalho e ao emprego;
• mínimo existencial;
• direitos políticos
• direito à cultura, à recreação, ao lazer e ao esporte.

Vamos, nos tópicos seguintes analisar cada um dos direitos acima, com a leitura da Convenção e destaque
para os pontos mais importantes.

11.1 - Direito à vida

O art. 10 ressalta o direito à vida das pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.

Já o art. 11 afirma que os Estados-parte devem tomar medidas necessárias para assegurar a proteção e a
segurança da pessoa com deficiência que se encontram em situação de risco, inclusive em algumas situações
excepcionais. Veja:

Conflito
armado

OS ESTADOS DEVEM ASSEGURAR


Emergências
ESPECIAL ATENÇÃO ÀS PESSOAS COM
humanitárias
DEFICIÊNCIA EM CASO DE

Desastres
naturais

422
668
Sigamos!

11.2 - Direito à igualdade material

O art. 12 reporta-se à necessidade de que as pessoas com deficiência sejam consideradas como sujeitos de
direitos. Durante muito tempo as pessoas com deficiência foram vistas como objetos de direito, vale dizer,
eram objeto de proteção jurídica, mas colocadas em patamar inferior em relação às demais pessoas.
Afirmava-se que elas não tinham capacidade para o exercício dos atos civis. Tal realidade não está presente
em nossa CF, especialmente com a Ordem Jurídica de 1988.

Em razão disso, prevê o dispositivo que, aos deficientes, deve-se assegurar o reconhecimento da igualdade
perante a lei e a capacidade legal para o exercício dos atos da vida civil, especialmente os direitos de
possuir e herdar bens e de controlar as próprias finanças, assegurado eventual apoio na tomada de
decisões.

11.3 - Acesso à justiça

Não há maiores detalhes aqui: a Convenção assegura o acesso à justiça da pessoa com deficiência em
igualdade de condições com as demais pessoas.

11.4 - Direitos de liberdade e segurança

A pessoa com deficiência goza do direito à liberdade e à segurança e tem direito a não ser privada ilegal ou
arbitrariamente de sua liberdade. A deficiência não pode justificar a privação de liberdade.

11.5 - Vedação ao tratamento desumano ou aplicação de penas cruéis, desumanos ou


degradantes

Veda-se também a submissão das pessoas com deficiência à tortura, tratamentos ou penas cruéis,
desumanas ou degradantes. Em decorrência, não se permite a utilização de tais pessoas para fins de
experimentos médicos ou científicos sem livre consentimento.

11.6 - Vedação à exploração, à violência e ao abuso

A pessoa com deficiência deve ser protegida contra qualquer forma de exploração, violência ou abuso,
inclusive em relação a aspectos de gênero. Especialmente os programas e instalações destinados a atender
pessoas com deficiência devem ser efetivamente monitorados por autoridades independentes.

Caso uma pessoa com deficiência sofra agressão, ela tem direito a recuperação física, cognitiva e
psicológica, inclusive mediante a provisão de serviços de proteção, a reabilitação e a reinserção social. Os
casos de exploração, violência ou abuso contra pessoa com deficiência devem ser identificados, investigados
e julgados.

423
668
11.7 - Garantia da integridade física e mental

O art. 17 trata da proteção à integridade física e mental das pessoas com deficiência.

Por integridade física e mental podemos entender o direito de não sofrer violações do corpo ou da
personalidade, incluídos aspectos como saúde, dados genéticos, reprodução assistida, atos de disposição do
próprio corpo, entre outros.

11.8 - Direito de ir e vir e direito de nacionalidade

O art. 18 ressalta dois direitos fundamentais que devem ser assegurados em igualdade de condições aos
deficientes. O primeiro dele é a liberdade de ir e de vir para, inclusive, entrar ou sair do país. O segundo
deles é o direito a ter ou modificar a nacionalidade.

É importante destacar que esses direitos devem ser assegurados da mesma forma como ocorre com as
demais pessoas. A Convenção não traz condições mais favoráveis, apenas exige que os requisitos e as
condições estabelecidos na legislação sejam observados em pé de igualdade, sem distinções desfavoráveis
às pessoas com deficiência tão só pela condição que possuem.

11.9 - Direitos de acessibilidade

Quanto à mobilidade pessoal, a Convenção atribui a responsabilidade ao Estado para adotar medidas
efetivas a fim de permitir a mobilidade com a máxima independência possível por intermédio de diversos
instrumentos, garantidos, particularmente, o direito de escolher o local de residência, o acesso a uma
variedade de serviços de apoio em domicílio e o direito à disponibilização de serviços e instalações da
comunidade para a população em geral. Em relação à mobilidade pessoal com a máxima independência
possível são previstos os seguintes instrumentos:

MOBILIDADE PESSOAL - INSTRUMENTOS A SEREM ADOTADOS PELOS ESTADOS

• Acesso a tecnologias
• Ajudas técnicas
• Assistência humana ou animal e de mediadores
• Capacitação pessoal em técnicas de mobilidade

Notem, ainda, que esses instrumentos devem ser disponibilizados para a sociedade em custo acessível, o
que indica a necessidade, por exemplo, de isenções tributárias ou custeio parcial pelo Estado.

11.10 - Liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação

No exercício da liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação, compete aos Estados Partes
adotar medidas a fim de receber e compartilhar informações com a comunidade deficiente, por intermédio

424
668
de instrumentos adequados, em formatos acessíveis e com a utilização de linguagens como o braile e a Libra.
Além de fornecer e adotar esses instrumentos, compete ao Estado incentivar o uso de tais informações na
comunidade.

11.11 - Respeito à privacidade

Em relação à privacidade, a Convenção assegura à pessoa com deficiência a proteção contra interferências
arbitrárias ou ilegais em sua privacidade, família, lar, correspondência ou outros tipos de comunicação,
nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação. Nomeadamente em relação aos dados pessoas e relativos
à saúde e à reabilitação, estes devem ser protegidos e privados.

11.12 - Respeito e liberdade para constituição de lar e família

Qualquer forma de discriminação contra pessoa com deficiência no que diz respeito a casamento, família,
paternidade e relacionamentos deve ser eliminada. A pessoa com deficiência tem direito a contrair
casamento e estabelecer família, decidir sobre o número de filhos e conservar sua fertilidade.
Há regra no sentido de que a criança com deficiência não será separada de seus pais contra a vontade
destes, exceto quando autoridades competentes, sujeitas a controle jurisdicional, determinarem, em
conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis. No caso em que a família imediata de uma criança
com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, os Estados-parte farão todo esforço para que
cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente
familiar, na comunidade

11.13 - Direito à educação

Em relação à educação, prevê o art. 24 a obrigatoriedade de os Estados adotares um sistema nacional


inclusivo, sem discriminações, em igualdade de condições. Nota-se, nesse contexto, que o Estado deve incitar
as pessoas com deficiência a fim de que elas possam desenvolver suas capacidades, dignidade e autoestima.

A pessoa com deficiência não deve ser excluída do sistema educacional apenas por conta dessa condição. As
pessoas com deficiência devem ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino
secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem, asseguradas
as adaptações razoáveis e apoio necessários.

Para assegurar a realização dos direitos educacionais, os Estados devem tomar medidas apropriadas para
empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados para o ensino da língua de sinais
e/ou do braille, e para capacitar profissionais e equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Os Estados
Partes assegurarão que as pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino superior em geral,
treinamento profissional de acordo com sua vocação, educação para adultos e formação continuada, sem
discriminação e em igualdade de condições.

425
668
11.14 - Direito à saúde

Em relação aos direitos de saúde é importante destacar que as pessoas com deficiência têm direito a:

 O acesso aos serviços de saúde e de reabilitação, segundo necessidades dos deficientes.

 Programas de atenção à saúde gratuitos e acessíveis.

 Serviços de saúde específicos para aqueles que necessitam de atenção especial em razão da
deficiência que possuem.

Vedação à discriminação na contratação de seguros de saúde e de vida.

Sigamos!

11.15 - Direitos de habilitação e reabilitação

Ainda no que diz respeito à saúde, o art. 26 prevê a adoção de medidas com o objetivo de conferir plena
autonomia e capacidade física, mental, social e profissional aos deficientes, com a formação de profissionais
e desenvolvimento de tecnologias.

11.16 - Direito ao trabalho e ao emprego

Em relação ao direito do trabalho, a Convenção prevê uma série de direitos e prerrogativas a serem
implementadas pelo Estado a fim de garantir o acesso ao emprego, manutenção e livre de quaisquer
discriminações. São as seguintes as principais medidas protetivas do trabalho:

426
668
MEDIDAS PARA PROTEÇÃO DO DIREITO AO TRABALHO DA PCD
• Proibição de discriminação baseada na deficiência em todas as etapas contratuais
• Proteção trabalhista em igualdade de condição com as demais pessoas
• Exercício de direitos trabalhistas e sindicais em condição de igualdade
• Acesso a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no
trabalho e de treinamento profissional e continuado
• Oportunidades de emprego e ascensão profissional
• Promoção de oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo e
desenvolvimento de cooperativas e negócio próprio
• Emprego de pessoas com deficiência no setor público
• Promoção de emprego de pessoas com deficiência no setor privado
• Existência de adaptações razoáveis
• Promoção da aquisição de experiência de trabalho no mercado aberto
• Promoção de reabilitação profissional, manutenção no emprego e programas de retorno
ao trabalho.

11.17 - Mínimo existencial

O art. 28 é interessante na medida em que disciplina o que é entendido pela Convenção como o mínimo de
direitos sociais a serem assegurados à pessoa com deficiência. Denominamos, assim de “mínimo existencial”
da pessoa com deficiência. Esse mínimo envolve um padrão adequado de vida, incluindo alimentação,
vestuário e moradia adequados. Os seguintes direitos devem ser assegurados, nesse contexto: serviços de
saneamento básico; programas de proteção social e de redução da pobreza; programas habitacionais
públicos; e programas e benefícios de aposentadoria.

11.18 - Direitos políticos

Em relação aos exercícios dos direitos político e à participação dos deficientes na sociedade, destacam-se os
seguintes direitos:

DIREITOS POLÍTICOS

• participar efetiva e plenamente na vida política e pública


• procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados
• proteção do direito ao voto, sem pressões e intimidações
• permitir a livre expressão de vontade de participação na política
• formação de organizações para representar pessoas com deficiência

427
668
11.19 - Direito à cultura, à recreação, ao lazer e ao esporte

Ainda no que diz respeito à saúde, o art. 26 prevê a adoção de medidas com o objetivo de conferir plena
autonomia e capacidade física, mental, social e profissional aos deficientes, com a formação de profissionais
e desenvolvimento de tecnologias.

Para a garantia de acesso, os bens culturais devem estar disponíveis em formatos acessíveis. As pessoas
com deficiência devem também ter a oportunidade de desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico
e intelectual. A identidade cultura e linguística das pessoas com deficiência devem ser reconhecida e
apoiada.

Com isso finalizamos os dispositivos da Convenção que se reportam aos direitos assegurados às pessoas com
deficiência, nos dispositivos que se seguem veremos diversas regras. Dentre elas, possuem maior relevância
para a nossa prova as regras pertinentes ao controle para a implementação do extenso rol de direitos até
então estudados.

12 - ESTATÍSTICA E COLETA DE DADOS


O art. 31 trata da importância de os Estados manterem bancos estatísticos com informações em relação as
pessoas portadoras de necessidades especiais. O objetivo da obtenção de dados é servir de apoio às políticas
públicas.

13 - PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
No que diz respeito à cooperação internacional, vejamos o esquema seguinte que destaca as principais
práticas que devem ser adotadas pela comunidade internacional na proteção dos direitos das pessoas com
deficiência.

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

• programas internacionais
• intercâmbio e compartilhamento de informações, de experiências, de programas de
treinamento e de melhores práticas
• pesquisa e acesso a conhecimentos científicos e técnicos
• assistência técnica e financeira, especialmente para o acesso a tecnologias assistivas

14 - IMPLEMENTAÇÃO E MONITORAMENTO NACIONAIS


Internamente, a Convenção será implementada por intermédio dos Governos, que criarão um centro
específico para tratamento do assunto e implementação das regras previstas. Ademais, é necessário

428
668
viabilizar e estruturar o sistema administrativo e jurídico dos países signatários a fim de efetivar os direitos
e garantias das pessoas com deficiência. As organizações representativas dos direitos das pessoas com
deficiência participam plenamente no processo de monitoramento.

15 - COMITÊ
Por padrão, temos a criação de um Comitê, que será responsável por acompanhar o cumprimento das regras
assumidas no contexto da Convenção. Esse Comitê, de acordo com o art. 34, será constituído por 18
membros, os quais serão escolhidos por votação secreta pelos Estados-partes.

Embora sejam indicados e escolhidos pelos Estados-partes, os membros do Comitê atuam a título pessoal, e
não como representantes do Estado. Ademais são pré-requisitos para escolha como membro do Comitê:

• elevada postura moral;


• competência; e
• experiência em relação aos direitos humanos das pessoas com deficiência.

Feito isso, confiramos o teor da Convenção:

Ainda sobre a atuação do Comitê, este deve submeter à Assembleia Geral e ao Conselho Econômico e Social
um relatório de suas atividades a cada dois anos, podendo fazer sugestões e recomendações gerais.

16 - MECANISMOS DE FISCALIZAÇÃO: RELATÓRIOS


No que diz respeito aos mecanismos de implementação, a Declaração prevê a utilização dos relatórios que
devem ser enviados periodicamente ao Comitê informando sobre o cumprimento das obrigações assumidas
internacionalmente e sobre o progresso alcançado, tendo em vista o caráter progressivo de suas
determinações.

Os relatórios serão objeto de análise pelo Comitê que poderá fazer sugestões e recomendações aos Estados-
partes.

Por fim, é relevante saber que os relatórios ficarão disponíveis para todos os demais Estados membros da
Convenção, para fins de consulta.

Com base nos relatórios encaminhados ao Comitê, esse órgão elaborará periodicamente uma espécie de
resumo da aplicação da Convenção pela comunidade internacional, que será entregue à Assembleia Geral
da ONU e ao Conselho Econômico e Social.

429
668
17 - DISPOSITIVOS FINAIS DA CONVENÇÃO
As disposições finais fogem ao nosso interesse, eis que só tratam de assuntos administrativos.

18 - PROTOCOLO FACULTATIVO: MECANISMO DAS PETIÇÕES


INDIVIDUAIS

O Protocolo de Nova Iorque prevê o mecanismo das petições individuais, pelo qual os deficientes, vítimas de
violações aos seus direitos humanos, podem se socorrer ao Comitê informando violações.

Para a nossa prova é relevante que tenhamos conhecimento de que o Protocolo somente poderá ser aplicado
aos Estado que assinaram o documento facultativo, não se estendendo àqueles que assinaram apenas a
Convenção.

O art. 2º disciplina algumas hipóteses em que não será admitida a comunicação individual. Vejamos:

se anônima

se houver abuso de direito ou se incompatível com as


COMUNICAÇÃO INDIVIDUAL
NÃO SERÁ ADMITIDA A

disposições da Convenção

se já houver sido examinada pelo Comitê

se não houve esgotamento dos recursos internos


disponíveis

se a comunicação não estiver sido fundamentada


suficientemente

se os fatos ocorreram antes da entrada em vigor do


Protocolo

Recebida a petição, o Comitê a leva ao conhecimento do Estado-parte envolvido confidencialmente. Dentro


do período de seis meses, o Estado concernente submeterá ao Comitê explicações ou declarações por
escrito, esclarecendo a matéria e a eventual solução adotada pelo referido Estado. O Comitê pode submeter
à análise do Estado medidas de natureza cautelar após o recebimento e antes da decisão sobre o mérito.

As reuniões do Comitê para análise da comunicação serão realizadas em sessão fechada. Após análise, o
Comitê envia suas sugestões e recomendações ao Estado e ao requerente.

430
668
Se receber informação confiável indicando que um Estado Parte está cometendo violação grave ou
sistemática de direitos estabelecidos na Convenção, o Comitê convidará o referido Estado Parte a colaborar
com a verificação da informação. Após examinar os resultados da investigação, o Comitê os comunicará ao
Estado Parte concernente, acompanhados de eventuais comentários e recomendações. Dentro do período
de seis meses após o recebimento dos resultados, comentários e recomendações transmitidos pelo Comitê,
o Estado Parte concernente submeterá suas observações ao Comitê.

19 - CONTEXTUALIZAÇÃO – LIBRAS E A CONVENÇÃO


Entre os deveres atribuídos aos Estados-Partes, a Convenção das Pessoas com Deficiência prevê o uso de
instrumentos para viabilizar o direito humano do acesso à informação. Sobre esses instrumentos discorre o
art. 21, “e” que os Estados-parte devem adotar medidas para reconhecer e promover o uso de línguas de
sinais.

No exercício da liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação, compete aos Estados-Partes


adotarem medidas a fim de receber e de compartilhar informações com a comunidade deficiente, por
intermédio de instrumentos adequados, em formatos acessíveis e com a utilização de linguagens como o
braile e a Libras. Além de fornecer e adotar esses instrumentos, compete ao Estado incentivar o uso de tais
informações na comunidade, reconhecendo e incentivando o uso da língua de sinais.

Coadunando com tal regrativa, o Brasil, já no ano de 2002, promulgou a Lei nº 10.436/2002 que disciplina o
uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Segundo a lei, a Libras é reconhecida como instrumento legal de
comunicação e de expressão. Assim, ao lado da Língua Portuguesa, a Libras constitui uma das línguas oficiais
do nosso País.

LÍNGUAS OFICIAIS NO
BRASIL

Língua Portuguesa Libras

O art. 1º, §único, assim conceitua Libras:

Forma de comunicação e de expressão, em que o


sistema linguístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um
LIBRAS
sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos,
oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil.

431
668
Desse modo, compete ao Poder Público adotar, apoiar e difundir o uso de Libras, para garantir o acesso à
comunicação das pessoas surdas, estendendo tal comunicação ao sistema educacional, nas três esferas da
Federação, e incentivando o uso pela sociedade.

TAREFA 06 – DIREITO PENAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Punibilidade - do tópico “CONSIDERAÇÕES INICIAIS” ao tópico “DECADÊNCIA”, inclusive.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1. PUNIBILIDADE

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nas aulas passadas, estudamos os elementos do crime, segundo a teoria tripartida. Vimos, então, o fato
típico, a ilicitude e a culpabilidade. Adentraremos, nesta aula, no conceito de punibilidade, nas suas causas
de exclusão, nas suas condições objetivas e nas causas de sua extinção. A punibilidade é, para a teoria
tripartida, pressuposto de pena, não sendo parte do conceito analítico de crime. Portanto, a punibilidade é
importante apenas para a definição da possibilidade de efetiva aplicação da sanção penal, e não da
configuração ou não do crime.

A presente aula será composta pelos seguintes capítulos:

Conceito de Causas de exclusão da Condições objetivas de Causas de extinção da


punibilidade punibilidade punibilidade punibilidade

Com esses estudos, será possível ter uma visão ampla sobre a punibilidade, bem como sobre as hipóteses de
o Estado não ter direito de punir, seja por sua perda ou pela sua não incidência. Entretanto, dada sua
extensão, uma causa de extinção da punibilidade não será estudada nesta aula, a prescrição. A próxima aula
terá a prescrição como tema, com uma análise mais detalhada.

432
668
Deixo meu desejo de sempre de que a aula seja produtiva. Estudaremos a fundo o tema da culpabilidade.
Lembrem-se: para que a prova seja leve, nosso treino deve ser pesado! Pesado no sentido de estudo com
afinco, mas de forma que os temas sejam interessantes. Espero que gostem desta aula e absorvam bem o
tema da punibilidade.

1.2. CONCEITO DE PUNIBILIDADE

A punibilidade é a possibilidade de o Estado aplicar a sanção penal, seja pena ou a medida de segurança,
ao sujeito ativo da infração penal. Portanto, a punibilidade é a perspectiva de aplicação da sanção penal,
surgida a partir da prática de um crime ou uma contravenção. Dito de outra forma, a punibilidade é o próprio
ius puniendi, isto é, o direito de punir que pertence ao Estado. Este direito surge quando é praticado uma
infração penal, permitindo que se aplique a sanção penal prevista em lei. Sua natureza jurídica, segundo a
teoria tripartida, é de mero pressuposto para aplicação da sanção penal. Portanto, é uma consequência do
crime, não fazendo parte do seu conceito.

Em razão de se adotar a teoria tripartida, ser ou não punível a conduta não lhe tira a natureza de crime. Isto
porque a punibilidade, como dito acima, não faz parte dos elementos ou substratos da infração penal.
Portanto, é possível que haja crime e que não seja possível a aplicação da sanção penal. A punibilidade pode
não estar presente por diversas causas, que costumam ser classificadas pela doutrina da seguinte forma:

➢ Causas de exclusão da punibilidade: são hipóteses que impedem o surgimento do direito de punir
do Estado. Em razão de condições pessoais do agente, há hipóteses em que a prática de uma infração
penal não implica o direito do Estado de aplicar uma punição, por motivos de política criminal. Nem
todos os doutrinadores utilizam essa nomenclatura, sendo que muitos tratam como causas de
isenção de pena, imunidades dos crimes contra o patrimônio ou escusas absolutórias.
➢ Condições objetivas de punibilidade: é a condição, externa ao delito, de que depende a imposição
da sanção penal pela prática de um crime. As condições objetivas de punibilidade a condicionam, não
dependendo da vontade do agente. O direito de punir fica suspenso até o advento dessa condição.
➢ Causas de extinção da punibilidade: são as situações que, após o surgimento do direito de punir do
Estado, causam sua extinção. O direito de punir surge, mas deixa de existir por um motivo
superveniente. As causas de extinção da punibilidade podem ser comuns ou gerais, referentes a todos
os delitos, e especiais ou particulares, quando se limitam a determinadas infrações penais.

Segue um esquema com a diferenciação entre as hipóteses, tratando de alguns exemplos


desses casos:

433
668
Os exemplos e as hipóteses de cada uma das modalidades de não incidência da punibilidade serão estudados
separadamente. As causas de exclusão da punibilidade devem ser estudadas de forma mais detida no estudo
dos crimes patrimoniais, por exemplo. Por sua vez, a condições objetivas de punibilidade serão estudadas ao
longo de todo o curso, envolvendo também a disciplina de Direito Penal Especial, pois se referem a
determinados crimes, com peculiaridades próprias. As causas extintivas da punibilidade devem ser
estudadas aqui, especialmente aquelas listadas no artigo 107 do Código Penal. Entretanto, também existem
as causas não elencadas em referido dispositivo, que serão tratadas ao longo do curso.

De todo modo, o mais relevante é entender a diferença entre as causas de exclusão da punibilidade, as
condições objetivas de punibilidade e as causas extintivas de punibilidade, em uma abordagem que busca o
entendimento majoritário, considerando que há divergências doutrinárias.

1.3. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA PUNIBILIDADE

Em relação às situações em que há um delito, mas não há punibilidade, encontram-se as chamadas causas
de exclusão da punibilidade. A causa de exclusão da punibilidade impede o surgimento do direito de punir
do Estado. Portanto, apesar de haver a prática de um fato típico, ilícito e culpável, não haverá a punibilidade.
As causas de exclusão da punibilidade delimitam o direito de punir do Estado, determinando que a prática
de delitos por algumas pessoas, em certas circunstâncias, não implica a imposição de sanção penal. Os
motivos são de política criminal, conforme escolha feita pelo legislador e expressa no ordenamento jurídico.

As causas de exclusão da punibilidade são consideradas, por parte da doutrina, como imunidades absolutas
ou escusas absolutórias. São hipóteses em que, apesar de configurado o delito, não há imposição de pena
em razão de condição pessoal do agente. Também podem ser denominadas de causas de isenção de pena.
São, assim como as condições objetivas (que suspendem a prescrição) e como o próprio nome diz, de
natureza objetiva, não sendo necessário que o dolo ou culpa do agente as alcance.

434
668
No caso das imunidades relativas, que serão estudadas quando da análise dos crimes
patrimoniais, o que se tem é a imposição de uma condição objetiva de punibilidade,
consistente na exigência de representação do ofendido em razão de determinada condição
pessoal do agente. Portanto, as imunidades relativas não implicam na exclusão da
punibilidade e, por isso, não fazem parte do rol de causas de isenção de pena.

1.3.1 IMUNIDADES ABSOLUTAS OU ESCUSAS


ABSOLUTÓRIAS

As imunidades absolutas ou escusas absolutórias são hipóteses de exclusão da punibilidade em razão da


relação existente entre o sujeito ativo e o passivo do delito. O Estado fica impedido de exercer seu direito de
punir em determinadas hipóteses, mesmo que tenha havido crime, por opção legislativa de política criminal.
Quando determinados delitos são cometidos no seio familiar, não há interesse social na repressão penal.
Isto porque se entende que referida responsabilização seria mais gravosa, interferindo nas relações
familiares de forma gravosa.

Existe previsão de escusas absolutórias para delitos patrimoniais, cometidos sem violência, envolvendo
membros da mesma família. As hipóteses estão elencadas no artigo 181 do Código Penal:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

O artigo transcrito acima faz referência ao Título II, denominado “Dos Crimes Contra o Patrimônio”. Sua
incidência é limitada pelo artigo 183 do Código Penal, que exclui de sua incidência determinadas hipóteses:

Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou
violência à pessoa;

II - ao estranho que participa do crime.

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Essas hipóteses devem ser estudadas de forma mais detalhada na análise dos crimes contra o patrimônio.
Entretanto, cumpre aqui entender como essas escusas absolutórias impedem que surja o ius puniendi.

Na causa de exclusão de punibilidade, não nasce o direito de punir. Já a causa de extinção da punibilidade
põe fim ao direito de punir em razão de um fator superveniente.

435
668
Por fim, Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini defendem que também há escusa absolutória no caso
do artigo 348, § 2º, do Código Penal110, que trata do favorecimento pessoal. Se adotada a denominação de
causa de exclusão de punibilidade, teremos outro caso de referida hipótese:

Art. 348 - Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de
reclusão:

Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

(...)

§ 2º - Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento
de pena.

Portanto, a hipótese de isenção de pena no crime de favorecimento pessoal constituiria outro exemplo de
exclusão da punibilidade.

1.3.2 IMUNIDADES PARLAMENTARES, DIPLOMÁTICAS


E DOS ADVOGADOS

Entendemos que as imunidades materiais dos parlamentares, dos agentes diplomáticos e dos advogados
também podem ser denominadas causas de exclusão da punibilidade, já que prevalece na doutrina que elas
têm natureza de causa pessoal de isenção de pena. Entretanto, cuida-se de assunto já estudado neste curso
e de classificação não unânime na doutrina, razão pela qual não o abordaremos aqui.

1.4. CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE

Condições objetivas de punibilidade são requisitos para a imposição da pena que não integram o tipo penal.
Tipo penal, como estudaremos adiante, é a previsão da conduta que configura o crime, sendo que, no caso

110 Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Atlas, 2016, p. 376.

436
668
de homicídio, é “matar alguém”. A adequação da conduta praticada ao tipo penal (tipicidade) é necessária
para que o agente possa ser punido pela conduta (ação ou omissão) que praticou.

Atuam de forma objetiva, sem necessidade de que o agente atue com elemento subjetivo com relação a tais
condições111. Condicionam a aplicação da pena, apesar de o delito estar configurado, com os seus elementos
presentes. A punibilidade depende de uma condição futura simplesmente por razões de política criminal.

Para alguns, apesar de se referir à punibilidade, haveria impedimento à própria configuração do delito, já
que não haveria sequer sanção penal atrelada à conduta. É o que se nota da Súmula Vinculante 24 do STJ
(“não se tipifica”). A matéria, portanto, é controversa.

Referidas condições são denominadas objetivas por não dependerem do dolo ou culpa do agente. Na
verdade, são condições cuja ocorrência não está sujeita ao arbítrio do sujeito ativo, mas depende de fatores
externos. São baseadas em política criminal, ou seja, em juízo de oportunidade, conveniência e necessidade
ou não de imposição de sanção penal. Sem que se constate a condição objetiva de punibilidade, não se pode
intentar a ação penal, pois o fato não é punível. São exemplos de condições objetivas de punibilidade:

1.4.1 CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

Ainda que haja divergências, tem prevalecido na doutrina que a constituição definitiva do débito tributário
é condição objetiva de punibilidade dos respectivos crimes. Entretanto, prevê a Súmula Vinculante nº 24 que
o crime não se tipifica, o que não se compatibiliza perfeitamente com a noção de condição de punibilidade.

1.4.2 SENTENÇA DE FALÊNCIA, RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL E CRIMES


FALIMENTARES:

A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa a recuperação extrajudicial
é condição objetiva de punibilidade nos crimes falimentares. Nesse caso, a própria lei prevê a natureza
jurídica desta condição de punibilidade: para aplicação de sanção penal no caso dos crimes falimentares, é
necessário que haja decretação da falência, concessão de recuperação judicial ou homologação da
recuperação extrajudicial. É o que prevê o artigo 180 da Lei 11.101/2005.

111 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral e Parte Especial. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 351.

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1.4.3 CONDIÇÕES PARA A EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA

A extraterritorialidade representa a aplicação excepcional da lei penal brasileira em casos ocorridos fora do
território nacional. Pode ser condicionada ou incondicionada. A extraterritorialidade condicionada diz
respeito às hipóteses de aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos no exterior, quando submetida a
aplicação a determinadas condições. Está prevista no artigo 7º, inciso II e §§ 2º e 3º, do Código Penal.

Por fim, ressalto que as condições objetivas de punibilidade serão estudadas ao longo
do curso, quando for necessário para compreensão de algum tipo penal. Abordamos
aqui o conceito e alguns exemplos para demonstrar que a punibilidade pode restar
afastada nesses casos. O direito de punir fica sob a condição objetiva, dependendo do
seu implemento. A condição objetiva é um elemento de que depende a punição do
agente, sem estar diretamente previsto no tipo penal como elementar, como
componente da própria definição da infração penal.

1.5. CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

As causas de extinção da punibilidade são as que sobrevêm após o nascimento do direito de punir do
Estado. Após a prática de uma infração penal, surge para o Estado o ius puniendi, que lhe permite, após o
devido processo legal, a imposição da sanção penal prevista em lei. Entretanto, há fatos ou eventos cujo
advento determina a extinção deste direito de punir. São justamente as chamadas causas extintivas da
punibilidade.

As causas extintivas da punibilidade podem ser:

➢ Gerais ou comuns: são as causas extintivas da punibilidade que se aplicam a todas as infrações penais.
➢ Especiais ou particulares: são as causas extintivas da punibilidade que se relacionam a infrações
penais determinadas.

Sobre a extinção da punibilidade, é muito relevante estudarmos o artigo 108 do Código Penal:

Art. 108 - A extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou


circunstância agravante de outro não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção da
punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da
conexão.

Referido dispositivo deixa claro que a extinção de punibilidade de um crime não afeta outros eventualmente
praticados pelo agente. O Código Penal traz várias causas de extinção da punibilidade em seu artigo 107.
Este elenco constitui um rol exemplificativo, ou seja, numerus apertus. Isto significa que há outras causas de
extinção da punibilidade não referidas no mencionado dispositivo. Vejamos o que ele prevê:

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Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Estudaremos nesta aula, de forma individualizada, cada uma das causas acima elencadas, à exceção da
prescrição, que será tratada na aula seguinte, dada a extensão do tema. Vale anotar que a anistia e a abolitio
criminis eliminam a punibilidade e, por serem causas extintivas decorrentes de lei formal específica, ensejam
o desaparecimento da própria infração penal.

Como já dito, existem outras causas de extinção da punibilidade previstas em outros dispositivos do Código
Penal, assim como em leis diversas. Vejamos alguns exemplos:

➢ Reparação do dano, antes de sentença irrecorrível, no peculato culposo: esta causa de extinção já
foi utilizada como exemplo de causa especial, por se referir a um crime específico. Está prevista no artigo
312, § 2º, do Código Penal.

➢ Pagamento do débito em relação aos crimes tributários: o pagamento integral dos débitos
tributários e seus acessórios implica a extinção da punibilidade dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da
Lei 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. É o que prevê o artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003,
que dispõe sobre parcelamento de débitos tributários.

Em razão desta previsão legal, o STJ tem entendido que é possível a extinção da punibilidade, pelo
pagamento dos tributos e seus acessórios, mesmo após o trânsito em julgado da condenação, no que se
refere aos crimes dos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e artigos 168-A e 337-A do Código Penal (STJ, RHC
91237/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/02/2018).

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➢ Aquisição posterior de renda, em relação ao condenado pela contravenção penal de vadiagem: a
aquisição superveniente de renda extingue o direito de punir do Estado em relação à contravenção penal de
vadiagem, nos termos do artigo 59, parágrafo único, da Lei das Contravenções Penais.

➢ Conciliação nos casos dos crimes contra a honra: no caso de injúria, calúnia e difamação, o Código
de Processo Penal prevê rito especial em que, antes do recebimento da queixa, o juiz ouve as partes sobre a
possibilidade de reconciliação. Havendo reconciliação, a queixa deve ser arquivada, o que implica a extinção
da punibilidade. É o que prevê o artigo 522 do CPP.

➢ A regularização de imóvel ou posse rural, perante o órgão competente, em relação aos crimes
ambientais: O Código Florestal, no seu artigo 59, prevê a implantação de Programas de Regularização
Ambiental. Caso o agente assine termo de compromisso para regularização do imóvel ou posse rural, perante
o órgão ambiental competente, a punibilidade dos crimes previstos nos artigos 38, 39 e 48 da Lei 9.605/98
ficará suspensa. Cumprida efetivamente a regularização, a punibilidade será extinta, nos termos do art. 60,
§ 2º, do Código Florestal.

➢ Cumprimento do acordo de leniência, nos casos de crimes contra a ordem econômica e os


relacionados à prática de cartel: a Lei 12.529/2011 estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência, dispondo sobre a possibilidade de celebração de acordo de leniência entre o CADE e as pessoas
físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica. Exige-se efetiva colaboração dos
autores das infrações, com a identificação dos demais envolvidos e a obtenção de informações e documentos
que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. Cumprido o acordo de leniência, há extinção da
punibilidade dos crimes contra a ordem econômica e dos diretamente relacionados à prática do cartel, como
o de associação criminosa. É o que prevê o artigo 87, caput e parágrafo único, de referida lei.

✓ É possível a existência de causa supralegal de extinção da punibilidade?

Parte da doutrina aponta que sim, usando como exemplo o entendimento do Supremo Tribunal Federal a
respeito do crime de fraude no pagamento por meio de cheque. Com relação a esta figura equiparada ao
estelionato, o STF editou o seguinte enunciado da sua súmula, de nº 554:

O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta
ao prosseguimento da ação penal.

O STF pacificou o entendimento jurisprudencial de que, após recebida a denúncia, o pagamento do cheque
não é obstáculo ao trâmite da ação penal. Interpretando a contrario sensu, podemos extrair do enunciado
que o pagamento do cheque, antes do recebimento da denúncia pelo juiz, impede o prosseguimento do
processo penal. Portanto, a Súmula 554 consubstancia, por decorrência da sua interpretação, uma causa

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supralegal de extinção da punibilidade, já que sua consagração surge de entendimento jurisprudencial, e
não de previsão normativa.

Por fim, as causas de extinção da punibilidade podem estar previstas no Código Penal e em leis esparsas,
além de ser possível que sua origem seja supralegal, ou seja, sem disposição expressa de lei. Cabe, agora,
estudar as hipóteses principais de extinção da punibilidade, conforme o rol do artigo 107 do Código Penal:

1.5.1 MORTE DO AGENTE

A morte do sujeito ativo do crime implica a extinção da punibilidade. Conforme a expressão latina, mors
omnia solvit, ou seja, a morte solve tudo. Ou seja, a morte apaga tudo que havia, não havendo mais o que
se solver e não restando obrigações a serem adimplidas. Na aula sobre princípios, foi visto o princípio da
pessoalidade ou da intranscendência da pena. Segundo esta norma, a pena não pode passar da pessoa do
condenado. Deste modo, os efeitos penais da condenação se extinguem com a morte do agente,
permanecendo apenas os extrapenais.

Entretanto, o princípio da intranscendência da pena, previsto na Constituição da República, no seu artigo 5º,
inciso XLV, comporta duas exceções:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a
decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

As exceções que permitem a extensão dos efeitos penais aos sucessores são as seguintes:

• Obrigação de reparar o dano;


• Decretação de perdimento de bens.

Em ambos os casos, é necessário que se observe o limite do valor do patrimônio transferido ao sucessor.
Se as sanções tiverem valor superior ao quinhão recebido pelo sucessor, serão extintas naquilo que
ultrapassarem as forças da herança, sendo executadas dentro do limite.

Não é demais destacar que a pena de multa, que não está citada como uma das exceções constitucionais,
não pode ser executada contra os herdeiros ou legatários. Deste modo, a pena de multa sempre se extingue
com a morte do condenado.

Sobre o critério para a definição de quando ocorre a morte do agente, tem-se adotado o estabelecido pela
lei 9.434/97, que trata da remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para transplante e
tratamento. Em seu artigo 3º, caput, referido diploma legal traz o critério da morte encefálica para a
definição de morte.

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A morte do agente, abrangidos neste conceito o investigado, o réu e o condenado, é causa personalíssima
de extinção da punibilidade. A morte de um dos corréus, por óbvio, não acarretará o fim do ius puniendi em
relação aos demais, pois sua causa não se comunica a todos. A morte deve ser provada, judicialmente, por
meio de certidão de óbito. Apesar de adotado o sistema do livre convencimento motivado no Código de
Processo Penal, há resquícios do sistema das provas legais ou das provas tarifadas em questões específicas.
Uma dessas questões é a morte, que deve ser provada necessariamente com a certidão de óbito, não
admitindo outros meios de prova, conforme prevê o artigo 62 do referido Estatuto:

Art. 62. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido
o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.

Um problema que surge é o caso de falsificação da certidão de óbito, com a decretação da extinção da
punibilidade sem que o agente efetivamente tenha morrido.

✓ E se a extinção da punibilidade for decretada com base em certidão de óbito falsa?

Há duas posições a respeito da possibilidade ou não de se reverter ou não a extinção da punibilidade do


agente com base em certidão de óbito falsificada. A certidão de óbito pode ter sido objeto de falsificação
material ou ideológica. O que importa é que o agente continua vivo, tendo sido o juiz induzido a erro para
decretar a extinção da punibilidade:

➢ 1ª posição: a decisão extintiva da punibilidade não pode ser revista, pois não existe revisão criminal
pro societate. Logo, só resta ao Estado processar e punir os autores da falsificação da certidão de
óbito. É a posição do professor Damásio de Jesus.
➢ 2ª posição: a decisão é inexistente, pois baseada em uma premissa falsa. Como a verdadeira causa
da extinção da punibilidade é a morte do agente, sem a efetiva ocorrência do seu pressuposto fático
a decisão fica sem conteúdo. Foi adotado pelo STF.

Por fim, cumpre analisar a possibilidade de decretação da extinção da punibilidade em caso de declaração
de ausência. Há diferentes posicionamentos na doutrina:

➢ Não é possível decretar a extinção da punibilidade com base decretação de ausência: não é possível
a decisão de extinção da punibilidade com base em morte presumida, pois há a exigência da certidão
de óbito e a declaração de ausência só tem efeitos civis. É o que defendem Júlio Fabbrini Mirabete e
Renato N. Fabbrini112.
➢ É possível decretar a extinção da punibilidade com base na decretação de ausência: a morte
presumida produz os efeitos jurídicos da morte, podendo servir de fundamento para a extinção da
punibilidade. Posição defendida por Nelson Hungria.

112 Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 32 ed. rev. e atual. São Paulo:
Atlas, 2016, p. 379.

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➢ É possível decretar a extinção da punibilidade apenas nos casos de morte presumida sem
decretação de ausência: há casos de extrema probabilidade de morte do agente, previstas no artigo
7º do Código Civil, em que é possível a decretação da morte por sentença, com fixação da data
provável da morte. São as hipóteses de ser extremamente provável a morte de quem estava em
perigo de vida, bem como de uma pessoa, desaparecida em campanha ou feita prisioneira, não ser
encontrada até dois anos após o fim da guerra. Vejamos o teor da norma:
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos
após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida
depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do
falecimento.
Há, ainda, a previsão do artigo 88, caput e parágrafo único, da Lei de Registros Públicos, a respeito
de desaparecimento do indivíduo em determinas situações calamitosas:
Art. 88. Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas
desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe,
quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o
cadáver para exame.
Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento em campanha,
provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do artigo 85 e os fatos que
convençam da ocorrência do óbito.
Nestas hipóteses de catástrofes, como de naufrágio e inundação, o desaparecimento pode ensejar o
processo de justificação, se provada a presença do desaparecido no local dos referidos eventos e não
for encontrado o seu corpo. Como há o assento do óbito e a expedição da respectiva certidão, é
possível a extinção da punibilidade por decisão judicial. Essa é a posição defendida por Fernando
Capez113.

1.5.2 ANISTIA, GRAÇA E INDULTO

A anistia, a graça e o indulto são formas de renúncia do Estado ao direito de punir, configurando-se como
causas de extinção da punibilidade. Fundamentam-se em razões de política criminal, como na diminuição do
encarceramento, e de clemência.

Voltando à análise dos institutos, a anistia se diferencia da graça e do indulto, apesar de serem formas de
clemência do Estado, vejamos:

113 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 598-599.

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➢ Anistia: é concedida por meio de lei formal, elaborada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
Presidente da República (ou com veto derrubado pelos parlamentares).
➢ Graça e indulto: concedidos por decreto do Presidente da República, ato que pode ser delegado aos
Ministros de Estado, ao Advogado-Geral da União ou ao Procurador-Geral da República.

Vistas as diferenças entre os institutos, cabe estudá-los de forma separada.

Anistia

Anistia é a causa de extinção da punibilidade, formalizada por ato legislativo, de renúncia estatal ao direito
de punir. É a lei que prevê a anulação dos efeitos penais de uma conduta criminosa.

A anistia apaga todos os efeitos penais, tanto os principais quanto secundários. Isto é possível porque sua
concessão se dá por meio de lei formal, assim como a própria previsão do crime. Permanecem, entretanto,
os efeitos extrapenais, como o dever de reparar os danos decorrente da responsabilidade civil ex delicto.
Seus efeitos são ex tunc, ou seja, retroativos, voltados para o passado, para delitos que já foram cometidos.

A competência exclusiva pertence à União, sendo privativa do Congresso Nacional. Deste modo, cabe ao
Congresso a aprovação da lei que concede anistia, nos termos do artigo 48, VIII, da Constituição da República.
A lei de anistia não pode ser revogada por lei posterior, em razão do princípio da irretroatividade. Tendo sido
extinta a punibilidade, não pode ela ser reinstituída por lei posterior mais gravosa, ou seja, lex gravior.

Dependendo do momento da sua concessão, a anistia pode ser:

• Própria: concedida antes da condenação transitada em julgado.


• Imprópria: concedida após a condenação transitada em julgado.

ANISTIA PRÓPRIA Concedida antes do trânsito em julgado.

ANISTIA
Concedida após o trânsito em julgado
IMPRÓPRIA

Quanto aos crimes que abrange, a anistia pode ser:

• Comum: concedida para os delitos comuns.

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• Especial: concedida para os crimes políticos.

ANISTIA COMUM Concedida para os crimes comuns.

ANISTIA ESPECIAL Concedida para os crimes políticos.

Podemos, ainda, classificar a anistia conforme a previsão ou não de requisitos para usufruir do benefício:

• Irrestrita ou incondicionada: não impõe qualquer requisito para sua concessão.


• Restrita ou condicionada: exige a prática de algum ato como condição para sua concessão. Como
exemplos de requisitos, podemos citar a obrigatoriedade de ressarcimento do dano ou a deposição
das armas.

ANISTIA
Concedida sem qualquer requisito.
IRRESTRITA

Há requisitos que condicionam sua


ANISTIA RESTRITA
concessão.

Como exemplo de anistia, temos a Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979. Chama de Lei de Anistia, foi
aprovada após o fim da ditatura militar, como forma de conciliação dos dois lados dos conflitos armados que
ocorreram em tal período.

Graça e indulto

A graça e o indulto são causas de extinção da punibilidade, formalizadas por Decreto Presidencial, que
representam uma renúncia do Estado ao seu direito de punir, por razões de política criminal ou clemência.

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Referido ato, de competência do Presidente da República, pode ser delegado aos Ministros de Estado, ao
Procurador-Geral da República e ao Advogado-Geral da União.

Tal qual a anistia, a graça e o indulto apagam os efeitos penais principais. Entretanto, no caso da graça e do
indulto, permanecem os efeitos penais secundários e os efeitos extrapenais. Um exemplo de efeito penal
secundário é a reincidência. Mesmo que o crime anterior tenha sido indultado, a prática de um novo, dentro
do período do trânsito em julgado do fato anterior até cinco anos após a extinção da pena, fará com que o
sujeito seja considerado reincidente.

O STJ, inclusive, aprovou o enunciado 631 da sua Súmula sobre o assunto:

O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os
efeitos secundários, penais ou extrapenais.

Como vimos acima, exemplo de efeito extrapenal é a obrigação de reparar os danos. A responsabilidade civil
decorrente da prática da infração penal permanece incólume, não sendo afetada pela concessão da graça
ou do indulto.

A previsão desta causa de extinção da punibilidade está no artigo 84, inciso XII e parágrafo único, da
Constituição:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em
lei;
(...)
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos
VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao
Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.

Como se nota do teor das normas constitucionais acima transcritas, não há previsão expressa de graça como
ato de competência do Presidente da República. Entretanto, a Constituição menciona a graça ao vedar sua
concessão a determinados delitos, como estudaremos adiante, no seu artigo 5º, XLIII. Com isso, conclui-se
forçosamente que as normas constitucionais reconhecem a existência do instituto em nosso ordenamento
jurídico, permitindo sua concessão.

A doutrina costuma tratar dos dois institutos conjuntamente, dada sua proximidade e em razão de a graça –
em sentido amplo – ser o gênero, o qual abarca o indulto e a graça em sentido estrito. Visualizemos essa
relação de gênero e espécie no seguinte esquema:

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Enumeradas as semelhanças, cabe, agora, diferenciarmos os dois institutos:

• Graça em sentido estrito: é um benefício individual. Depende de provocação do interessado para sua
concessão e, com isso, enseja a extinção da punibilidade.
• Indulto: é um benefício coletivo. Sua concessão atinge todos aqueles aos quais o decreto se destina,
não dependendo de nenhuma provocação.

A graça e o indulto podem ser classificados conforme seus efeitos, sejam eles de extinguir totalmente a pena
ou de apenas causar sua diminuição:

• Plenos: são assim chamados a graça e o indulto que extinguem totalmente a pena, causando a
extinção da punibilidade.
• Parciais: concedem apenas uma diminuição da pena, tornando a situação do condenado ou
executado mais benéfica. Quando parciais, a graça e o indulto são denominados de comutação. Neste
caso, não há extinção da punibilidade, mas diminuição da pena.
Neste caso, admite-se a recusa, nos termos do artigo 739 do Código de Processo Penal:
Art. 739. O condenado poderá recusar a comutação da pena.

GRAÇA E INDULTO
Exinguem totalmente a pena.
PLENOS

GRAÇA E INDULTO Concedem uma diminuição na pena.


PARCIAIS Denominam-se COMUTAÇÃO.

✓ Quanto aos crimes de ação penal privada, é possível a concessão de graça, indulto ou anistia?

Sim, pois, nos casos em que somente se procede mediante queixa, o direito de punir (ius puniendi) continua
pertencendo ao Estado. Apenas a iniciativa da ação penal (ius persequendi) é delegada ao particular nos
crimes de ação penal privada exclusiva ou personalíssima. O Estado continua detendo o ius puniendi, razão

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pela qual pode dele dispor conforme lhe aprouver, por meio dos instrumentos de renúncia, consistentes na
concessão de graça, indulto ou anistia.

Casos de vedação

Nem todos os crimes podem ter sua punibilidade extinta por meio da anistia, da graça e do indulto. A
Constituição Federal impõe limites a referidos atos de renúncia ao ius puniendi, em seu artigo 5º, inciso XLIII:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Percebam que, apesar de termos dito que a vedação constitucional abrange a anistia, a graça e o indulto, o
dispositivo constitucional somente menciona a graça e a anistia.

A Lei 8072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, trata do tema no seu artigo 2º, inciso I, fazendo
menção aos três institutos:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o
terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança.

Ao contrário da Constituição, que não menciona a vedação do indulto, a lei é expressa ao proibir sua
concessão aos delitos hediondos e aos equiparados (tortura, tráfico de drogas e terrorismo – percebam que
os três delitos equiparados têm seu nome iniciado com a letra “T”). Surge, então, a controvérsia se a lei
inovou, impondo restrição não prevista na Constituição, ou se apenas especificou institutos previstos
explícita ou implicitamente na norma constitucional.

✓ A previsão do artigo 2º, caput e inciso II, da Lei 8.072/90 é constitucional, ao incluir o indulto na
proibição?

Há duas posições a respeito:

• 1ª posição: não pode lei ampliar o rol, criando limitação não prevista na Constituição e diminuindo
atribuições do Presidente da República. Se o texto constitucional menciona apenas graça e anistia, o
indulto não deve ser compreendido na vedação. Por isso, a Lei 8.072/90 é materialmente
inconstitucional, por limitar a abrangência de institutos previstos na Constituição sem previsão
expressa. É o que defende o jurista Alberto Silva Franco;
• 2ª posição: o indulto é modalidade de graça (em sentido amplo). Logo, está abrangido pela vedação
constitucional, pois, ao mencionar graça, o constituinte já se referiu a graça e indulto. Ademais,

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argumenta-se que o legislador infraconstitucional pode sim limitar a abrangência do indulto, já que
não há vedação expressa. Possui referido posicionamento o professor Fernando Capez114. O STF e o
STF têm adotado essa posição (STF, HC 115099/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, Segunda Turma,
Julgamento em 19/02/2013; STJ, AgRg no HC 486603/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma,
DJe 30/08/2019).

Outro tema divergente diz respeito aos crimes cometidos antes da sua previsão como hediondos ou
equiparados. É possível que delitos que, ao tempo da sua prática, eram considerados comuns, submetam-
se à vedação do artigo 2º, II, da Lei 8.072/90?

O Supremo Tribunal tem entendido que sim, que é possível estender a vedação à concessão de indulto, graça
e anistia aos crimes praticados antes da vigência da Lei 8.072/90. Entende-se que a hediondez ou não do
delito deve ser aferida no momento da concessão da anistia, da graça ou do indulto, e não ao tempo do
crime (quando ocorreu a conduta do agente)115. Deste modo, se o decreto presidencial já exclui o indulto
dos crimes hediondos, são aqueles assim considerados àquela época (STF, HC 117938/SP, Rel. Min. Rosa
Weber, Primeira Turma, Julgamento em 10/12/2013). Entendimento também seguido em julgados do STJ
(por exemplo, HC 50342/SP e HC 276024/SP, este último publicado no DJe de 04/09/2015). O argumento das
Cortes Superiores repousa no fato de que o próprio Presidente, nos casos analisados, exclui a concessão do
indulto aos hediondos no próprio texto do indulto, o que, a rigor, ocorre não por mera opção política, mas
em decorrência da vedação constitucional.

Cabe destacar que referidas vedações (ao indulto, à graça e à anistia) não se estendem ao chamado tráfico
de entorpecentes privilegiado, previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.313/2006. É o que decidiu o Pleno do
STF no HC 118533, em 23 de junho de 2016.

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo cabível o indulto humanitário, mesmo nos casos de
crimes hediondos e equiparáveis, se assim dispuser o decreto do Presidente da República. O indulto
humanitário é dado àqueles que possuem doenças graves, como ato de clemência. Vejamos um precedente
neste sentido:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO APROPRIADO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO DA PENA.


PLEITO PELO INDULTO HUMANITÁRIO DO DECRETO Nº 7.648/11. CEGUEIRA. COMPROVAÇÃO POR
LAUDO MÉDICO. PACIENTE CONDENADA POR TRÁFICO DE DROGAS. POSSIBILIDADE.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. Nos termos do art. 1.º, inciso X, alínea a, do Decreto
Presidencial n.º 7.648/11, foi concedido indulto aos apenados acometidos com paraplegia, tetraplegia
ou cegueira, desde que tais condições não sejam anteriores à prática do delito e se comprovem por

114
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume I, parte geral: (art. 1º ao 120). 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 604.

115 Cleber Masson em sentido contrário (Direito Penal, Parte Geral (arts. 1º a 120). 13 ed. São Paulo: Método, 2019, p. 757. O
autor cita, no STF, o julgado do RE 274.265/DF, julgado em 2001, e, no STJ, o HC 276.686/SP, de 18/06/2014.

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laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução. 2. A restrição
contida no art. 8º do mencionado Decreto, que afasta a possibilidade de se conceder indulto aos
condenados pela prática de tráfico de drogas, não atinge aqueles que, assim como a paciente, se
enquadram na hipótese do art. 1º, inciso X, conforme ressalva contida no próprio art. 8º, § 1º. 3.
Habeas corpus concedido de ofício para cassar o acórdão impugnado e deferir à paciente o benefício
do indulto humanitário, nos termos do Decreto Presidencial nº 7.648/11.” (STJ, HC 291275/SP, Rel. Min.
Moura Ribeiro, Quinta Turma, DJe 14/08/2014).

Entretanto, o STJ possui recente precedente que contraria a jurisprudência até então firmada:

“Trata-se, no caso, de condenação por crime hediondo – homicídio qualificado -, o qual, por expressa
vedação constitucional (art. 5.º, inciso XLIII, da Constituição Federal), não pode ser objeto de indulto
(até mesmo o humanitário).” (STJ, AgRg no HC 538.858/PE, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe
02/06/2020).

Tornando a matéria mais controversa, o STF já decidiu em sentido contrário:

“Habeas corpus. 2. Tráfico e associação para o tráfico ilícito de entorpecentes (arts. 33 e 35 da Lei
11.343/2006). Condenação. Execução penal. 3. Sentenciada com deficiência visual. Pedido de
concessão de indulto humanitário, com fundamento no art. 1º, inciso VII, alínea a, do Decreto
Presidencial n. 6.706/2008. 4. O Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da
concessão de indulto a condenado por tráfico de drogas, independentemente da quantidade da pena
imposta [ADI n. 2.795 (MC), Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 20.6.2003]. 5. Vedação constitucional
(art. 5º, inciso XLIII, da CF) e legal (art. 8º, inciso I, do Decreto n. 6.706/2008) à concessão do benefício.
6. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.” (STF, HC 118213/SP, Rel. Min. Gilmar
Mendes, Segunda Turma, Julgamento em 06/05/2014).

1.5.3 ABOLITIO CRIMINIS

A abolitio criminis é a causa de extinção da punibilidade que consiste na descriminalização da conduta, em


decorrência da superveniência de lei que deixa de prever aquela conduta como infração penal.

Está prevista no artigo 2º do Código Penal:

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em
virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

A lei que revoga a previsão da norma penal incriminadora, seja de forma expressa ou tática, provoca a
extinção da sanção penal imposta, bem como os efeitos penais da condenação. A coisa julgada não impede

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os efeitos desta causa extintiva da punibilidade, que deve abranger quem está sendo investigado ou
processado, bem como aquelas que estão cumprindo pena, com imediata cessação de todos os efeitos
penais, trancamento do inquérito policial e absolvição do réu.

Notem que, assim como o crime é previsto em lei formal, a abolitio criminis ocorre quando surge lei formal
que deixa de prever a conduta como crime. Por isso, a responsabilização criminal não pode subsistir,
desaparecendo os efeitos penais principais e secundários. Os efeitos extrapenais permanecem. No caso da
responsabilidade civil decorrente da prática delitiva, o direito de reparação a que faz jus a vítima ou seus
sucessores restará inalterado.

Referido instituto foi abordado, de forma aprofundada, na aula inaugural deste Curso, ao tratarmos da Lei
Penal no Tempo. Vimos que há controvérsia quanto à a natureza jurídica do instituto, sendo que Flávio
Monteiro de Barros defende se tratar de causa extintiva da tipicidade. Aqui fica nítida a opção do legislador,
pois o Código Penal elencou a abolitio criminis dentre as hipóteses de extinção da punibilidade no seu artigo
107. Portanto, a legislação vigente considera que sua natureza é de causa de extinção da punibilidade.

Cumpre relembrar, ainda, o princípio da continuidade normativo-típica, que esclarece não haver abolitio
criminis no caso de o legislador passar a prever o mesmo tipo penal em outro dispositivo. A mera modificação
da localização ou da forma de previsão da conduta como infração penal não gera a extinção da punibilidade.
Por fim, vale destacar que, se já houve o trânsito em julgado, compete ao juízo da execução decretar a
extinção da punibilidade, se sobrevier lei que não mais considera o fato criminosa. É o que se compreende a
partir do enunciado da Súmula nº 611 do STF, já que a abolitio criminis não deixa de ser lei mais benéfica
para o condenado:

Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei
mais benigna.

1.5.4 DECADÊNCIA

Decadência é a causa de extinção da punibilidade que consiste na perda do direito de oferecer queixa crime
(em penal de iniciativa privada) ou de oferecer representação (nas ações penais públicas condicionadas),
em razão da inércia do titular durante determinado intervalo de tempo. A decadência envolve, então, duas
hipóteses:

Primeiro, abrange a perda do direito de oferecer queixa-crime, que é a peça inicial acusatória nos casos de
crimes de ação penal privada (exclusiva e personalíssima). Referida peça também pode ser oferecida nos
casos de ação penal privada subsidiária da pública, que o ofendido ou seus familiares podem intentar em
razão da inércia do Ministério Público.

Em segundo lugar, a decadência também constitui a perda do direito de oferecer representação, que é
condição imprescindível para a atuação do Ministério Público nos casos de ação penal pública condicionada.

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Vejamos o esquema sobre a decadência e as situações possíveis, sendo que nem todas elas implicam na
extinção da punibilidade:

Há doutrinadores que defendem não se tratar de causa extintiva da punibilidade, mas de extinção do direito
de promover a ação ou de oferecer representação, o que impede o exercício do direito de punir. Entretanto,
o Código Penal foi expresso ao prever a decadência como uma das causas extintivas da punibilidade.

A decadência está prevista no artigo 103 do Código Penal:

Decadência do direito de queixa ou de representação

Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de
representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber
quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o
prazo para oferecimento da denúncia.

A princípio, devemos destacar que o artigo acima transcrito excepciona o caso de haver disposição expressa
em sentido contrário, determinando o início da contagem do prazo de forma diferente. Neste caso,
prevalecerá a norma especial sobre a geral, esta última a extraída do artigo 103 do CP.

A referência que o artigo 103 faz ao parágrafo terceiro do art. 100 do Código Penal diz respeito à ação penal
privada subsidiária da pública. Neste caso, o ofendido ou, no caso de sua morte, seu cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão, pode oferecer queixa, se o Ministério Público não agir no prazo legal. O prazo começa
a correr do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

Nos demais casos, o prazo começa a correr do dia em que a autoria do delito se torna conhecida. Assim, se,
desde o dia da prática do crime, a vítima já sabia quem era o sujeito ativo, começa de tal data o prazo de seis
meses para oferecimento de queixa ou da representação. No caso de pluralidade de agentes, o prazo começa

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a correr do conhecimento da identidade do primeiro autor. Segue um esquema com o início dos prazos para
o oferecimento da queixa e da representação:

Notem que, no caso de ação penal privada (exclusiva ou personalíssima), se não for oferecida a queixa no
prazo legal, haverá a extinção da punibilidade. De igual modo, o não oferecimento da representação, no caso
de ação penal pública condicionada, levará à extinção da punibilidade do agente.

Entretanto, no caso de ação penal privada subsidiária da pública, o não oferecimento da


queixa-crime no prazo não acarreta a extinção da punibilidade. Nesta hipótese, a decadência
não é causa de extinção da punibilidade, mas apenas acarreta a perda do direito do ofendido
de propor a ação penal. Isto porque o Ministério Público mantém sua legitimidade, podendo
(e devendo) oferecer denúncia, mesmo após a decadência do direito de queixa. Portanto, o
agente não terá sua punibilidade extinta, conservando o Estado seu ius puniendi. O prazo para o órgão
acusatório é impróprio e, portanto, ele pode oferecer a denúncia fora do prazo, sem que isso impeça o seu
recebimento pelo juiz e o prosseguimento da ação penal.

A decadência, por implicar na extinção da punibilidade, tem natureza penal e, portanto, deve ser contada
nos termos do artigo 10 do CP. Como vimos, ainda que tenha também natureza de norma processual, seu
caráter de norma material (de Direito Penal) atrai a contagem nos termos do Código Penal. Isto, é, inclui-se
no cômputo do prazo o dia do começo. Além disso, ele não se interrompe em domingos, férias ou feriados.
Cumpre anotar a posição do professor Fernando Capez, minoritária, de que o prazo decadencial deve ser
contado como prazo processual em uma única hipótese: no caso de ação penal privada subsidiária da pública.
Isto porque, como não há extinção da punibilidade no caso de fruição do prazo sem iniciativa do ofendido,
não haveria influência no Direito Penal.

Entretanto, não parece estar com a razão, já que o decurso do prazo limita a legitimidade para a ação penal
e, assim, implica a abrangência do ius puniendi. Por isso, o instituto, mesmo em tais casos, possui natureza
híbrida e deve ser contado como prazo penal. De todo modo, prevalece que todo prazo decadencial
(implique ou não na extinção da punibilidade) deve ser computado como um prazo penal, conforme
determina o artigo 10 do Código Penal:

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Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo
calendário comum.

O prazo não se interrompe por pedido de explicações em juízo nem por instauração de inquérito policial.
Mesmo que as investigações estejam tramitando na delegacia, o conhecimento da autoria já é suficiente
para iniciar a contagem do prazo, devendo a vítima oferecer a queixa ou a representação dentro de seis
meses da data da ciência. Há alguns crimes que possuem regramento específico acerca do início da contagem
do prazo, por suas peculiaridades:

• Crime permanente: é aquele cuja consumação se protrai no tempo. Deste modo, o prazo de
decadência só se inicia após cessada a permanência.
• Crime continuado: é a ficção jurídica que considera como um crime a prática de vários delitos da
mesma espécie, por serem os subsequentes tidos como continuação do primeiro pelas condições de
tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Para esses crimes, o prazo flui de cada
delito considerado de forma isolada, já que na verdade são vários crimes tratados como se fossem
um só por razões de política criminal.
• Crime habitual: é aquele cuja configuração exige uma habitualidade, um conjunto de condutas que
se amolda ao tipo penal. Para os crimes habituais, o prazo de decadência é contado do último ato
praticado pelo agente.

Quanto à titularidade do direito de queixa e de representação e a ocorrência da decadência, vejamos as


seguintes situações:

• Ofendido menor de 18 anos: neste caso, a titularidade do direito de queixa e de representação


pertence ao representante legal do menor. Se o representante legal não oferecer representação ou
queixa no prazo, o menor poderá oferecê-la ao atingir a maioridade.

É o que prescreve a Súmula 594 do STF:

Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou


por seu representante legal.

Assim já entendeu o Supremo Tribunal Federal, aplicando o seu enunciado:

EMENTA Habeas corpus. Penal. Atentado violento ao pudor (CP, art. 214 na redação anterior à
Lei nº 12.015/09). Ofendida menor de 18 anos. Representação. Prazo. Contagem. Dualidade.
Súmula nº 594 da Suprema Corte. Decadência. Não ocorrência. Ordem denegada. 1. Na
ocorrência do delito descrito no art. 214 do Código Penal – antes da revogação pela Lei nº
12.015/2009 –, o prazo decadencial para a apresentação de queixa ou de representação era de
6 meses após a vítima completar a maioridade, em decorrência da dupla titularidade. 2. Esta
Suprema Corte tem reconhecido a dualidade de titulares do direito de representar ou oferecer
queixa, cada um com o respectivo prazo: um para o ofendido e outro para seu representante
legal. Súmula nº 594 do STF. Precedentes. 3. Ordem denegada.

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(STF, HC 115341/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, Julgamento em 14/10/2014).

• Ofendido maior de 18 anos: somente o ofendido pode ofertar a queixa ou a representação. Se for
incapaz, como no caso de doença mental, a titularidade passa para o representante legal. Havendo
conflito de interesses, o juiz nomeia curador especial. No caso de morte da vítima, o direito passa
para o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
É o que dispõem os artigos 31, 33 e 36 do Código de Processo Penal:
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o
direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente
ou irmão.
(...)
Art. 33. Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado
mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o
direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento
do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal.
(...)
Art. 36. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o cônjuge, e,
em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo,
entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da instância ou a
abandone.

• Ofendido maior de 18 anos e menor de 21 anos de idade: somente o ofendido pode ofertar a queixa
ou a representação.
A dúvida pode surgir em razão do teor do artigo 34 do Código de Processo Penal:
Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de
queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.
Apesar de referida previsão, a doutrina entente que não há mais referida diferenciação. Isto porque,
à época em que entrou em vigor referida norma, a maioridade civil era atingida aos 21 anos. Com o
advento do Código Civil de 2002, houve a unificação da maioridade civil aos 18 anos, não havendo
mais que falar em representação no processo penal até que o indivíduo complete a idade de 21 anos.

Apesar de tratar de hipótese diferente, a unificação da maioridade civil e penal para o marco dos 18 anos de
idade pode ser percebido do seguinte trecho de acórdão do STJ:

“ (...) 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, "após a edição do Código
Civil de 2002, quando a maioridade foi estabelecida em 18 (dezoito) anos, não é mais
necessária a nomeação de curador especial, no processo penal, para os acusados com idade
entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos" (AgRg no AREsp n. 404.293/SP, Rel. Ministro Marco
Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 7/4/2014). (...)” (STJ, REsp 1493485/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz,
Sexta Turma, DJe 06/11/2017).

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TAREFA 07 – DIREITO ADMINISTRATIVO
Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Contratos e convênios administrativos (itens 1 a 7).

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

CONTRATOS NA LEI 14.133/2021

1 - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


Os contratos, sejam eles públicos ou privados, são acordos de vontade, isto é, são formados pela
manifestação de vontade de duas ou mais pessoas distintas, sendo, por este motivo, bilaterais. Diferem,
neste ponto, dos atos administrativos, tendo em vista que configuram manifestações de vontade unilaterais
da Administração Pública.

Os contratos administrativos se sujeitam, predominantemente, ao regime jurídico de direito público, tendo


em vista a participação da Administração Pública na qualidade de poder público.

São aplicáveis algumas normas da teoria geral dos contratos e do direito privado, ainda que
supletivamente, conforme art. 54 da lei 8.666/93.

1.1 – Conceito

Contrato administrativo é o ajuste bilateral celebrado pela Administração Pública, atuando


na qualidade de poder público, com particulares, regidos predominantemente pelo regime
jurídico de direito público e voltado para a execução de uma atividade de interesse público.

1.1.1 - Contrato administrativo e contrato da administração

Os contratos celebrados pelo poder público podem ainda ser classificados de acordo com o regime jurídico
predominante:

a) Contratos administrativos propriamente ditos: são os contratos regidos predominantemente pelo


regime jurídico de direito público, com a existência das cláusulas exorbitantes em favor da

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Administração Pública e voltados para a execução de atividades de interesse público. Trata-se de
contrato marcado pela verticalidade da relação, estando a Administração em posição de
superioridade diante do particular contratado em virtude das cláusulas exorbitantes.

Neste contrato, as normas de direito privado são aplicadas apenas de forma supletiva às normas de direito
público (art. 54, lei 8.666/93).

b) Contratos da Administração (contratos privados da Administração): utiliza-se essas expressões para


se referir aos contratos celebrados pela Administração Pública em condição de igualdade com o
particular, sendo o contrato regido predominantemente pelo regime jurídico de direito privado.

Trata-se de contrato marcado pela horizontalidade da relação, tendo em vista que a Administração não está
em posição de superioridade, se submetendo, em geral, às mesmas regras impostas ao contratado privado.

O art. 62, § 3º, incisos I e II, da lei 8.666/93 admite a aplicação, “no que couber”, das cláusulas exorbitantes
aos contratos privados da Administração, além de outras cláusulas previstas na lei.

Vale destacar que, em ambas as espécies do contrato, o fim buscado pela Administração Pública é o interesse
público. A diferença está no regime jurídico predominante e na condição de igualdade ou não entre o ente
público e o particular.

1.2 - Regime de transição dos contratos na lei 14.133/2021

O art. 190, da lei 14.133/2021 estabelece que o contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da
entrada em vigor da referida lei continuará a ser regido de acordo com a legislação “revogada”.

Além disso, mesmo depois da entrada em vigor da nova lei, a Administração Pública poderá
realizar licitações com fundamento no regime antigo durante 2 (dois) anos, de forma que os
contratos decorrentes destas licitações também devem seguir o regime antigo (art. 191,
parágrafo único).

2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS
Em virtude do regime jurídico de direito público a que está sujeito, com prerrogativas em favor da
Administração Pública, o contrato administrativo apresenta características peculiares. Apresentaremos de
forma objetiva as características encontradas na doutrina administrativa em geral:

a) Formalismo moderado;
b) Bilateralidade e consensualidade;
c) Comutatividade e onerosidade;
d) Pessoalidade (contrato personalíssimo);
e) Contrato de adesão;

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f) Desequilíbrio;
g) Instabilidade;
h) Mutabilidade.

2.1 - Formalismo moderado

Na grande maioria dos casos, os contratos administrativos deverão ser formais e escritos. Considerando que
a atuação da Administração tem como escopo o interesse público, sendo mera gestora de interesses alheios,
exige-se uma formalidade maior em comparação com as relações privadas.

Neste sentido, o art. 95, §2º da lei 14.133/2021 prevê que é nulo e de nenhum efeito o contrato verbal,
salvo o de pequenas compras ou prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de
valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Lei 8.666/93 Lei 14.133/2021


Art. 60 (...) Parágrafo único. É nulo e de nenhum Art. 95 (...) § 2º É nulo e de nenhum efeito o
efeito o contrato verbal com a Administração, salvo contrato verbal com a Administração, salvo o de
o de pequenas compras de pronto pagamento, pequenas compras ou prestação de serviços de
assim entendidas aquelas de valor não superior a pronto pagamento, assim entendidas aquelas de
5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime
de adiantamento.

Não obstante, a doutrina e a jurisprudência admitem o pagamento ao particular de boa-fé quando a


Administração celebra contrato verbal fora da hipótese permitida, sob pena de prejudicar o particular que
forneceu o bem ou prestou o serviço.

Outros exemplos de formalismo moderado podem ser citados:

a) Contratos e aditamentos, em regra, escritos, juntados ao processo de licitação e mantidos disponíveis


em sítio eletrônico oficial (art. 91).
b) Formalidades legais (art. 89, §1º);
c) Divulgação do contrato e aditamentos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) como
condição de eficácia;

Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição


indispensável para a eficácia do contrato e seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes
prazos, contados da data de sua assinatura:

I – 20 (vinte) dias úteis, no caso de licitação;

II – 10 (dez) dias úteis, no caso de contratação direta.

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§ 1º Os contratos celebrados em caso de urgência terão eficácia a partir da sua assinatura e
deverão ser publicados nos prazos previstos nos incisos I e II do caput deste artigo, sob pena de
nulidade.

d) O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses (art. 95):

I – dispensa de licitação em razão de valor;


II – compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem
obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor.

Nesses casos, a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil.

2.2 - Bilateralidade e consensualidade

A bilateralidade dos contratos administrativos pode ser verificada sob dois aspectos:

a) Quanto à formação: a formalização do contrato depende da manifestação de vontade das partes


contratantes, não cabendo à Administração Pública impor o contrato aos particulares. A este primeiro
aspecto, também se denomina consensualidade;
b) Quanto aos efeitos: o contrato administrativo impõe direitos e obrigações recíprocos para as partes.

2.3 - Comutatividade e onerosidade

As obrigações das partes contratantes são equivalentes e previamente definidas, ou seja, a uma obrigação
por parte da contratada, corresponde uma obrigação da parte contratante. Difere do contrato aleatório, em
que um ou ambas as partes ainda não sabem as obrigações a que estarão sujeitas, tendo em vista que
dependem da ocorrência ou não de um fato futuro e incerto.

Além disso, o contrato é oneroso, tendo em vista que, a uma prestação do particular, corresponde uma
contraprestação do poder público. Ambas as partes possuem um ônus na relação jurídica.

2.4 - Pessoalidade (intuitu personae – personalíssimo)

O contrato é celebrado com o particular vencedor do procedimento licitatório, devendo ser executado
apenas por ele, sob pena de violação dos princípios da impessoalidade, moralidade e da licitação.

Não obstante, essa característica não é absoluta, sendo admitida, nas hipóteses legais, subcontratação do
objeto do contrato:

Art. 122. Na execução do contrato e sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, o
contratado poderá subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite
autorizado, em cada caso, pela Administração.

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§ 1º O contratado apresentará à Administração documentação que comprove a capacidade
técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada aos autos do processo correspondente.
§ 2º Regulamento ou edital de licitação poderão vedar, restringir ou estabelecer condições para
a subcontratação.

Nos casos de inexigibilidade de licitação para contratação de serviços técnicos especializados, é


vedada a subcontratação de empresas ou a atuação de profissionais distintos daqueles que
tenham justificado a inexigibilidade (art. 74, §4º).

2.5 - Contrato de adesão?

O art. 92 da lei 8.666/933 enumera diversas cláusulas obrigatórias do contrato administrativo. Além disso, a
minuta do contrato sempre integrará o edital ou ato convocatório da licitação.

Entretanto, parcela da doutrina aduz que a Administração estabelece apenas as cláusulas


regulamentares (ou de serviço), que não poderão ser alteradas pelo contratado, enquanto
o particular possui liberdade de manifestação quanto às cláusulas econômicas (preço,
reajuste etc.), tendo em vista que apresentará proposta buscando se sagrar vencedor no
procedimento licitatório. Neste sentido, não poderia ser considerado como contrato de
adesão.

2.6 - Desequilíbrio

Ao contrário dos contratos privados, o contrato administrativo possui um desequilíbrio entre as partes, tendo
em vista que a Administração Pública se encontra em posição de superioridade em relação ao particular
contratado, possuindo diversas prerrogativas em virtude das cláusulas exorbitantes.

2.7 - Instabilidade

Trata-se da característica decorrente da prerrogativa conferida à Administração Pública para alterar


unilateralmente o contrato com o objetivo de atender o interesse público (art. 124, I). Entretanto, a
instabilidade é verificada apenas quanto às cláusulas regulamentares ou de serviço, tendo em vista que,
quanto às cláusulas financeiras, deve ser mantido o equilíbrio econômico-financeiro do início do contrato.

2.8 - Mutabilidade

O princípio da mutabilidade dos contratos administrativos decorre, especialmente, das cláusulas


exorbitantes, que autorizam a alteração unilateral das cláusulas regulamentares do ajuste pela
Administração Pública.

Não obstante, pode-se dizer que o princípio da mutabilidade também está presente na alteração das
cláusulas econômicas do contrato para realização do seu reequilíbrio econômico-financeiro, tais como a
revisão, o reajuste e a repactuação, que podem decorrer da alteração unilateral do contrato ou de eventos

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supervenientes, extraordinários, imprevisíveis ou previsíveis de efeitos incalculáveis, conforme teoria da
imprevisão.

3 - FORMALIZAÇÃO E DURAÇÃO DOS CONTRATOS

3.1 - Formalização do contrato administrativo

A lei 14.133/2021 estabelece diversas regras para a formação válida do contrato:

a) Forma escrita, salvo a possibilidade de contrato verbal para pequenas compras ou serviços de pronto
pagamento (arts. 91, caput, e 95, §2º), juntando-se o contrato ao processo de licitação;
b) Mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou sua
lavratura, o número do processo da licitação ou da contratação direta e a sujeição dos contratantes
às normas desta Lei e às cláusulas contratuais (art. 98, §1º);
c) Cláusulas obrigatórias (art. 92);
d) Obrigatoriedade, em regra, do instrumento do contrato (art. 95), salvo nos casos de dispensa em
razão do valor e nas compras com entrega imediata e integral, das quais não resultem obrigações
futuras;
e) Publicação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), como condição indispensável à sua
eficácia (art. 94).

3.1.1 - Procedimento de assinatura do instrumento do contrato (Lei 14.133/2021)

Art. 90. A Administração convocará regularmente o licitante vencedor para assinar o termo de
contrato ou para aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e nas condições
estabelecidas no edital de licitação, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das
sanções previstas nesta Lei

O prazo poderá ser prorrogado uma vez, por igual período, mediante solicitação justificada da parte, se o
motivo for aceito pela Administração.

Quanto o convocado não atender à convocação no prazo, a Administração poderá, em ato


discricionário, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para
celebrar o contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor. Até aqui, nada de
diferente da lei 8.666/93.

Se os licitantes convocados não aceitarem essas condições, a Administração poderá,


observados o valor estimado e sua atualização:

a) convocar os licitantes remanescentes para negociação, na ordem de classificação,


com vistas à obtenção de preço melhor, mesmo que acima do preço do
adjudicatário;

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668
b) adjudicar e celebrar o contrato nas condições ofertadas pelos licitantes
remanescentes, atendida a ordem classificatória, quando frustrada a negociação
de melhor condição.

§ 3º Decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem convocação para a


contratação, ficarão os licitantes liberados dos compromissos assumidos.
O art. 90, §7º prevê que “será facultada à Administração a convocação dos demais licitantes
classificados para a contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento
em consequência de rescisão contratual, observados os mesmos critérios estabelecidos nos
§§ 2º e 4º deste artigo.”

Essa hipótese era prevista como dispensa de licitação pela lei 8.666/93. No entanto, o
legislador conferiu tratamento diferenciado na nova lei, de forma que fiquem dispensadas
as formalidades da dispensa, bastando a convocação dos remanescentes como se o vencedor
tivesse recusado a assinatura do contrato.

3.1.2 - Das garantias

A nova lei previu um capítulo autônomo para tratar apenas das garantias nos contratos administrativos.

A exigência de garantia do particular permanece sendo uma decisão discricionária do


administrador, à exemplo da lei 8.666/93 (art. 96, lei 14.133/2021), sendo necessário que haja
previsão no edital.

Manteve-se ainda a previsão de que é o particular contratado que deve escolher a modalidade de garantia,
dentre aquelas admitidas na lei (art. 96, §1º):

I – caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, emitidos sob a forma escritural, mediante
registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do
Brasil, e avaliados por seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Economia;
II – seguro-garantia;
III – fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a
operar no País pelo Banco Central do Brasil.
Seguro-garantia do tipo “performance bond”
De novidade, temos a regulamentação do seguro-garantia no art. 97, determinando-se que
o custo do seguro será integrado ao preço ofertado.

Nos contratos de obras e serviços de engenharia, poderá haver cláusula prevendo a


obrigação de a seguradora assumir a execução e concluir o objeto do contrato em caso de
inadimplemento do contratado, no que se denomina “performance bond” (art. 102),

462
668
hipótese na qual a seguradora ficará isenta da obrigação de pagar o valor segurado. A
seguradora poderá subcontratar a conclusão do contrato, total ou parcialmente.

Neste caso, a seguradora deverá firmar o contrato, inclusive os aditivos, como interveniente
anuente e a emissão de empenho se dará em nome da seguradora, ou a quem ela indicar
para a conclusão do contrato, será autorizada desde que demonstrada sua regularidade
fiscal.

Além disso, nesses contratos garantidos pelo seguro-garantia com “performance bond”,
desde que de grande vulto, o percentual da garantia poderá ser de 30% (art. 99).

O valor da garantia será o seguinte:

Hipóteses Percentual da garantia


Regra geral para obras, serviços e fornecimento. 5%
Justificativa mediante análise da complexidade técnica dos 10%
riscos envolvidos.
Obras e serviços de engenharia de grande vulto com seguro- 30% (seguro-garantia, com cláusula de
garantia, com a cláusula de retomada do art. 102 da lei retomada)
(“performance bond”).

3.1.3 - Da alocação de riscos (matriz de riscos)

A matriz de risco é uma ferramenta de gerenciamento que permite prever possíveis riscos do contrato,
determinando quem deve suportar determinado prejuízo caso o evento prejudicial ocorra.

Para a alocação, deve ser considerado:

a) Natureza do risco;
b) Beneficiário das prestações a que ele se vincula;
c) Capacidade de cada setor para melhor gerenciá-lo.

Os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradora serão transferidos preferencialmente
para o contratado.

§ 4º A matriz de alocação de riscos definirá o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato


em relação a eventos supervenientes e deverá ser observada na solução de eventuais pleitos das
partes.

As partes não podem pedir reequilíbrio econômico-financeiro do contrato relacionado aos riscos assumidos,
exceto no que se refere: I – às alterações unilaterais determinadas pela Administração, nas hipóteses do
inciso I do caput do art. 124 desta Lei; II – ao aumento ou à redução, por legislação superveniente, dos
tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato.

463
668
3.1.4 - Das demais obrigações do contratado

A lei ainda estabelece a possibilidade de previsão de obrigações diversas como encargo do contratado,
inclusive obrigações sociais, as quais reproduzimos a seguir:

Art. 25 (...)
§ 2º Desde que não sejam produzidos prejuízos à competitividade do processo licitatório e à
eficiência do respectivo contrato, devidamente demonstrado em estudo técnico preliminar, o
edital poderá prever a utilização de mão de obra, materiais, tecnologias e matérias-primas
existentes no local da execução, conservação e operação do bem, serviço ou obra.
§ 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever
a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo
de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre
as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu
descumprimento.
§ 5º O edital poderá prever a responsabilidade do contratado pela obtenção do licenciamento
ambiental e realização da desapropriação autorizada pelo poder público
§ 9º O edital poderá, na forma disposta em regulamento, exigir que o contratado destine um
percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação a:
I – mulher vítima de violência doméstica;
II - oriundo ou egresso do sistema prisional, na forma estabelecida em regulamento.

3.2 - Duração dos contratos

➢ Contrato por prazo certo: é aquele cujo prazo contratual é fundamental para o cumprimento das
obrigações ajustadas entre as partes, ou seja, o contratado deve cumprir suas obrigações até o final
do prazo estabelecido em contrato. Neste caso, considera-se extinto o contrato com o advento do
seu termo final (ex.: serviços de limpeza, serviços de segurança, fornecimento mensal de bens de
escritórios etc.);
➢ Contrato por escopo (ou objeto): é o contrato em que as obrigações devem ser cumpridas
independentemente do prazo estabelecido. O contrato somente será extinto com o cumprimento
total do seu objeto (ex.: no contrato para construção de prédio público, o contrato somente se
encerra com a conclusão da obra).

Não obstante, no contrato por escopo, o prazo de contratação continua relevante para verificar
eventual mora do contratado no cumprimento de suas obrigações. Ultrapassado o prazo
definido, o contratado continua obrigado a cumprir o objeto do contrato, porém, deverá arcar
com o ônus do atraso.

No caso do contrato por escopo, a lei prevê que o prazo de vigência será automaticamente prorrogado
quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato (art. 111). Quando a não conclusão

464
668
decorrer de culpa do contratado: I – o contratado será constituído em mora, aplicáveis a ele as respectivas
sanções administrativas; II – a Administração poderá optar pela extinção do contrato e, nesse caso, adotará
as medidas admitidas em lei para a continuidade da execução contratual.

Lei 8.666/93 Lei 14.133/2021


Art. 57 (...) § 3º É vedado o contrato com prazo de Art. 109. A Administração poderá estabelecer a
vigência indeterminado. vigência por prazo indeterminado nos contratos em
que seja usuária de serviço público oferecido em
regime de monopólio, desde que comprovada, a
cada exercício financeiro, a existência de créditos
orçamentários vinculados à contratação.

Quanto à duração do contrato, restou estabelecido o seguinte:

Espécie de contrato Duração máxima


Serviços e fornecimentos contínuos 5 anos, prorrogável
sucessivamente até 10 anos
Aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática 5 anos
Art. 75, inciso IV, alíneas f e g, V, VI, XII e XVI 10 anos
Contratação que gere receita ou contrato de eficiência que gere 10 anos
economia sem investimentos
Contratação que gere receito ou contrato de eficiência que gere 35 anos
economia com investimentos
Fornecimento e prestação de serviço associado Prazo do fornecimento + 5
anos de serviço associado
Operação continuada de sistemas estruturantes de tecnologia da 15 anos
informação
Administração Pública como usuária de serviço público oferecido em Prazo indeterminado
regime de monopólio

• E na lei 8.666/93?

Espécie de contrato Prazo


Regra geral Vigência dos respectivos créditos orçamentários.
Projetos previstos no plano plurianual (inciso I); Sem prazo estabelecido em lei (a lei do PPA possui
duração de 4 anos);
Serviços contínuos (inciso II); 60 meses + 12 meses (excepcionalmente);
Aluguel de equipamentos e à utilização de 48 meses;
programas de informática (inciso IV);
Contratações previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e 120 meses.
XXXI do art. 24 (inciso V).

465
668
4 - DAS PRERROGATIVAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
(CLÁUSULAS EXORBITANTES)
A nova lei previu de forma sistemática as prerrogativas da Administração Pública no art. 104: I – modificá-
los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do
contratado; II – extingui-los, unilateralmente, nos casos especificados nesta Lei; III – fiscalizar sua execução;
IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V – ocupar provisoriamente bens
móveis e imóveis e utilizar pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, nas hipóteses de: a) risco à
prestação de serviços essenciais; b) necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais
pelo contratado, inclusive após extinção do contrato.

Além desses casos, a Administração Pública poderá ainda: Exigir garantia da proposta (tema já estudado);
Exigir medidas de compensação.

Por outro lado, a exceção do contrato não cumprido possui restrições quando oposta pelo particular
contratado.

As cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos decorrem diretamente da lei (ex lege),
sendo desnecessária a sua previsão no edital de licitação e no contrato para que possam ser
utilizadas pela Administração Pública.

4.1 - Alteração unilateral do contrato

As hipóteses genéricas de alteração unilateral do contrato são idênticas à lei 8.666/93, mantendo-se a
distinção entre alteração qualitativa e quantitativa (Art. 124).

Projeto ou especificações,
Qualitativa (art. 123, I, a) para melhor adequação
técnica

Alteração unilateral

Valor contratual por


Quantitativa (art. 123, I, b) acréscimo ou diminuição
no objeto

466
668
A lei permite apenas a alteração das cláusulas regulamentares do contrato (também
denominadas cláusulas de serviço ou cláusulas de execução). As cláusulas econômico-
financeiras não podem ser alteradas unilateralmente pelo poder público. Ademais,
promovida alteração unilateral do contrato, as cláusulas econômico-financeiras devem
passar por uma revisão para que se mantenha o equilíbrio contratual.

Art. 104 (...) § 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos não poderão
ser alteradas sem prévia concordância do contratado.

Os limites percentuais também são idênticos aos da lei 8.666/93:

a) Regra geral: 25% do valor inicial atualizado;


b) Exceção: 50% no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, apenas quanto aos
acréscimos (no caso de supressão permanece o limite de 25%).

Outra limitação que já existia, porém, agora se encontra prevista em lei (art. 126), é que a
alteração não poderá transfigurar o objeto do contrato, sob pena de violação do princípio
licitatório.

Por fim, havendo alteração unilateral do contrato, as cláusulas econômico-financeiras do


contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual (art. 104, §2º e
art. 130).

A novidade é que a nova lei determinou que o equilíbrio econômico-financeiro do contrato


deve ser reestabelecido no mesmo termo aditivo que realizar a sua alteração unilateral,
previsão não existente na lei 8.666/93.

4.2 - Extinção unilateral do contrato

A Administração Pública pode rescindir o contrato de forma unilateral, sem necessidade de concordância do
particular contratado nem de propositura de ação judicial (art. 104, II).

O art. 137 da lei 14.133/2021 prevê as hipóteses em que o poder público pode rescindir unilateralmente o
contrato.

A doutrina divide essas hipóteses em dois grupos:

a) Rescisão com culpa do particular: são as hipóteses dos incisos I a VI do art. 137 (em bora o inciso VI
possa ocorrer por culpa do contratado ou não);
b) Rescisão sem culpa do particular: hipóteses dos incisos VII a IX do art. 137.

Em qualquer caso, a rescisão deverá ser motivada e precedida de ampla defesa e de contraditório.

467
668
4.3 - Fiscalização da execução do contrato

A fiscalização é um poder-dever da Administração Pública, que deverá designar 1 (um) ou mais


fiscais do contrato, preferencialmente dentre os servidores efetivos ou empregados públicos dos
seus quadros permanentes (arts. 117 e 7º), sendo permitida a contratação de terceiros para
assisti-los e subsidiá-los com informações, o que não exime o fiscal de sua responsabilidade.
Além disso, o fiscal deve ser auxiliado pelo órgão de assessoramento jurídico e de controle
interno (§3º). Trata-se de novidade inserida na nova lei.

A única novidade quanto à lei anterior é que aquela previa apenas a designação de 1 (um) representante da
Administração, enquanto a nova lei permite a designação de mais de um fiscal.

Na designação dos fiscais, deverá ser observado o art. 7º da lei 14.133/93.

§ 1º O fiscal do contrato anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do


contrato, determinando o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos
observados.

Se não possuir competência para determinar a regularização, deverá informar os seus superiores
em tempo hábil (§2º). O descumprimento das determinações acima é causa de extinção
unilateral do contrato (art. 137, II).

Art. 118. O contratado deverá manter preposto aceito pela Administração no local da obra ou
do serviço para representá-lo na execução do contrato.

4.4 - Aplicação direta de sanções

A Administração Pública possui a prerrogativa de aplicar sanções ao contratado pela inexecução total ou
parcial das cláusulas contratuais, sempre precedida do contraditório e da ampla defesa (art. 104, IV) e
independentemente de manifestação do Poder Judiciário. As sanções estão previstas no art. 156 e serão
estudadas em tópico próprio.

4.5 - Ocupação provisória

A nova lei simplificou o instituto da ocupação provisória nos contratos administrativos, admitindo-a nos
seguintes casos: a) risco à prestação de serviços essenciais; b) necessidade de acautelar apuração
administrativa de faltas contratuais pelo contratado, inclusive após extinção do contrato.

O art. 139, II prevê ainda a ocupação provisória como consequência da extinção unilateral do
contrato para que seja dada continuidade à sua execução.

468
668
Neste caso, a Administração contratante ocupa os bens móveis e imóveis, bem como utiliza o pessoal e os
serviços vinculados ao objeto do contrato.

4.6 - Medidas de compensação

Art. 25 (...)
§ 6º Os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras poderão, mediante prévia
justificativa da autoridade competente, exigir que o contratado promova, em favor de órgão ou
entidade integrante da Administração Pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo
isonômico, medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica ou acesso a condições
vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder
Executivo federal.

4.7 - Restrição à oposição do contrato não cumprido e poder de suspender a execução do


contrato

No caso dos contratos administrativos, a oposição da exceção do contrato não cumprido pelo particular sofre
mitigações, à exemplo do que já ocorria na lei 8666/93, somente podendo requerer a rescisão contratual
após um determinado prazo de descumprimento das obrigações por parte da Administração:

Lei 8.666/93 (art. 78) Lei 14.133/2021 (art. 137, §2º)


XIV - a suspensão de sua execução, por ordem II – suspensão de execução do contrato, por ordem
escrita da Administração, por prazo superior a 120 escrita da Administração, por prazo superior a 3
(cento e vinte) dias (...); (três) meses;
XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos IV – atraso superior a 2 (dois) meses, contado da
pagamentos devidos pela Administração emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de
decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas de pagamentos devidos pela
parcelas destes, já recebidos ou executados (...); Administração por despesas de obras, serviços ou
fornecimentos;

Além desses casos, a nova lei previu ainda uma terceira hipótese (art. 176, §2º):

III – repetidas suspensões que totalizem 90 (noventa) dias úteis, independentemente do


pagamento obrigatório de indenização pelas sucessivas e contratualmente imprevistas
desmobilizações e mobilizações e outras previstas;

Em todo caso, o particular poderá optar por não rescindir o contrato, mas apenas suspender o
cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, desde que o faça noventa dias após
o inadimplemento estatal.

Ainda que superados os prazos acima definidos, o particular não poderá requerer a rescisão
contratual ou suspender a execução do contrato nos casos de calamidade pública, de grave
perturbação da ordem interna ou de guerra, bem como quando decorrerem de ato ou fato que

469
668
o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído (art.
137, §3º, I).

5 - EXECUÇÃO DO CONTRATO
➢ Vedação ao retardamento da execução: O art. 115, §1º previu que é proibido à Administração
retardar imotivadamente a execução do contrato ou de suas parcelas, inclusive na troca do Chefe
do Poder Executivo ou da direção do órgão ou entidade.
➢ Prorrogação do contrato: Em caso de impedimento, ordem de paralisação ou suspensão do contrato,
o cronograma de execução será prorrogado automaticamente pelo tempo correspondente, anotadas
tais circunstâncias mediante simples apostila (art. 115, §5º).

5.1 - Responsabilidades

A fiscalização do contrato não exclui nem reduz a responsabilidade do contratado.

O contratado é o responsável por todas as obrigações decorrentes do contrato, sejam elas trabalhistas,
previdenciárias, fiscais ou comerciais (art. 121). É interessante que o art. 121 possui uma redação distinta da
lei 8.666/93, estabelecendo que “somente o contratado será responsável pelos encargos” acima listados.

➢ Responsabilidade pelos encargos previdenciários

A principal alteração relativa às responsabilidades diz respeito à responsabilidade da


Administração Pública pelos encargos previdenciários inadimplidos pelo contratado. De acordo
com o art. 121, §2º, a Administração responde solidariamente pelos encargos previdenciários
exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de
mão de obra.

Lei 8.666/93 Lei 14.133/2021


§ 2º A Administração Pública responde § 2º Exclusivamente nas contratações de
solidariamente com o contratado pelos serviços contínuos com regime de
encargos previdenciários resultantes da dedicação exclusiva de mão de obra, a
execução do contrato, nos termos do art. 31 Administração responderá solidariamente
da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. pelos encargos previdenciários (...)

5.1.1 - Responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos encargos trabalhistas

Quanto às novidades, o art. 121 no §2º estabelece que a responsabilidade subsidiária pelos
encargos trabalhistas se verifica exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com
regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

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668
O STF116, ao julgar a ADC nº 16, declarou constitucional a norma do art. 71, §1º, definindo a impossibilidade
de transferência consequente e automática dos encargos trabalhistas não adimplidos pela empresa
contratada para a Administração Pública contratante.

O TST, adequando o seu entendimento ao julgado do STF, incluiu os incisos V e VI no enunciado nº 331 de
sua súmula de jurisprudência.

Assim, a Administração Pública não pode mais ser responsabilizada subsidiariamente de


forma automática pelos encargos trabalhistas não adimplidos pelo particular contratado.
É necessária a comprovação da sua omissão culposa no cumprimento de suas obrigações
previstas na lei 8.666/93, especialmente as obrigações atinentes à fiscalização do
contrato.

A Corte Suprema117, em novo julgado com repercussão geral reconhecida (RE 760931), confirmou a tese.

A nova lei de licitações previu diversos instrumentos para que a Administração Pública assegure o
cumprimento dos encargos trabalhistas pelos contratados em serviços contínuos com regime de dedicação
exclusiva de mão de obra, podendo, mediante disposição no edital ou em contrato (art. 121, §3º): I – exigir
caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias
inadimplidas; II – condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas
vencidas relativas ao contrato; III – efetuar o depósito de valores em conta vinculada; IV – em caso de
inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do
pagamento devido ao contratado; V – estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro
salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da
execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do
fato gerador.

§ 4º Os valores depositados na conta vinculada a que se refere o inciso III do § 3º deste artigo
são absolutamente impenhoráveis.

Por fim, vale destacar que a tese acima é válida para todos os contratos de terceirização, exceto quando se
tratar de contratação para execução de obra pública. Neste caso, aplica-se a Orientação Jurisprudencial nº
191 da SDI-I do TST.

116
ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010.

117
RE 760931 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2019,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 05-09-2019 PUBLIC 06-09-2019.

471
668
5.2 - Pagamentos

Outra novidade é a previsão de um capítulo inteiro acerca dos pagamentos a serem realizados pela
Administração Pública em favor dos contratados.

Em primeiro lugar, determina-se que os pagamentos sejam realizados na ordem cronológica para cada fonte
de recursos, subdividida de acordo com a categoria do contrato: a) fornecimento de bens; b) locações; c)
prestação de serviços; d) realização de obras.

A ordem somente poderá ser alterada, mediante prévia justificativa da autoridade competente e posterior
comunicação ao órgão de controle interno e ao Tribunal de Contas, nos seguintes casos (Lei 14.133/2021,
art. 141, §1º): I – grave perturbação da ordem, situação de emergência ou calamidade pública; II –
pagamento a microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física,
microempreendedor individual e sociedades cooperativas, desde que demonstrado o risco de
descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato; III – pagamento de serviços necessários ao
funcionamento dos sistemas estruturantes, desde que demonstrado o risco de descontinuidade do
cumprimento do objeto do contrato; IV – pagamento de direitos oriundos de contratos em caso de falência,
recuperação judicial ou dissolução da empresa contratada; V – pagamento de contrato cujo objeto seja
imprescindível para assegurar a integridade do patrimônio público ou para manter o funcionamento das
atividades finalísticas do órgão ou entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação
de um serviço público de relevância, ou o cumprimento da missão institucional.

O não atendimento da cronologia dos pagamentos ensejará a apuração de responsabilidade do agente


competente.

➢ Remuneração variável

Outra relevante inovação da lei 14.133/2021, consiste na autorização expressa para que se
estabeleça remuneração variável nos contratos, vinculada ao desempenho e com base em
metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega (art.
144).

A utilização da remuneração variável deve ser motivada e respeitar o limite orçamentário fixado para a
contratação.

➢ Pagamento antecipado (Lei 14.133/2021)

Em regra, o pagamento antecipado é vedado pela nova lei (art. 145). No entanto, será permitido
se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a
obtenção do bem ou para a prestação do serviço (§1º).

472
668
Neste caso, deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente previsto no edital,
podendo ser exigida garantia adicional para o pagamento antecipado.

5.3 - Dever de decisão

Lei 14.133/2021: Art. 123. A Administração terá o dever de explicitamente emitir decisão sobre
todas as solicitações e reclamações relacionadas à execução dos contratos regidos por esta Lei,
ressalvados os requerimentos manifestamente impertinentes, meramente protelatórios ou de
nenhum interesse para a boa execução do contrato.
Parágrafo único. Salvo disposição legal ou cláusula contratual que estabeleça prazo específico,
concluída a instrução do requerimento, a Administração terá o prazo de 1 (um) mês para decidir,
admitida a prorrogação motivada por igual período.

6 - EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO


Ressalte-se que a equação econômica do contrato é definida no momento da apresentação da proposta e
não da assinatura ou vigência do contrato, podendo ser invocada pela administração ou pelo contratado.

Os instrumentos para evitar ou reequacionar o desequilíbrio econômico nos contratos administrativos são:
a) Reajuste; b) Revisão; c) Atualização monetária; e) Repactuação.

Vale destacar ainda importante dispositivo da lei 14.133/2021:

Art. 131. A extinção do contrato não configurará óbice para o reconhecimento do desequilíbrio
econômico-financeiro, hipótese em que será concedida indenização por meio de termo
indenizatório.
Parágrafo único. O pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser
formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação nos termos do art.
107 desta Lei.

6.1 - Reajuste

O reajuste é a cláusula prevista nos contratos administrativos que objetiva preservar o valor do contrato
frente à inflação (arts. 6, LVIII, lei 14.133/2021). Trata-se de modificação no valor do contrato que ocorre
periodicamente e se relaciona à perda do poder aquisitivo da moeda (inflação).

O índice de reajuste (IPCA-E, IGPM etc.) deve ser previamente definido no contrato, conforme se extrai do
conceito legal.

A nova lei estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de previsão, no edital e no contrato, do índice de


reajuste do contrato, independentemente do prazo contratual:

473
668
Lei 14.133/2021, Art. 25 (...)
§ 7º Independentemente do prazo de duração do contrato, será obrigatória a previsão no edital
de índice de reajustamento de preço com data-base vinculada à data do orçamento estimado,
com a possibilidade de ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em
conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos.
Art. 92. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabelecem:
V – o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do
reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento
das obrigações e a do efetivo pagamento;
§ 3º Independentemente do prazo de duração, o contrato deverá conter cláusula que estabeleça
o índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado, e
poderá ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a
realidade de mercado dos respectivos insumos.

Por fim, no caso do reajuste, não há necessidade de formalizar alteração contratual por meio
de termo aditivo, bastando o mero apostilamento.

6.1.1 - Periodicidade do reajuste

A regra geral é que o contrato administrativo somente pode ser reajustado após 01 (um) ano da
apresentação da proposta ou do orçamento a que ela se referir (e não da assinatura ou vigência contratual).

Neste sentido, a lei 10.192/91, nos arts. 2º, 3º e seus parágrafos.

No entanto, a nova lei estabeleceu que a data-base do reajuste deve estar vinculada à data do
orçamento estimado, conforme art. 25, §7º e art. 92, § 3º.

Ressalte-se, portanto, que a periodicidade anual do reajuste deve ser contada a partir do
orçamento a que a proposta se referir. Assim, o prazo de um ano para que o reajuste seja
viável não é contado da assinatura do contrato, nem de sua vigência.

Por este motivo, é possível concluir que o reajuste será possível em contratos com prazo
inferior a 01 (um) ano. É possível, inclusive, que o reajuste ocorra antes da assinatura do
contrato, caso esta não ocorra em até 12 meses da apresentação das propostas.

Entretanto, a Lei do Plano Real (9.069/95), no art. 70, caput e §1º, preceitua que os reajustes das tarifas de
serviços públicos far-se-ão anualmente, podendo o Poder Executivo reduzir este prazo.

Vale destacar, por fim, que o contrato de direito privado da administração pública com um
particular sujeita-se à disciplina do direito privado.

474
668
6.2 - Revisão

A revisão é a modificação das cláusulas econômico-financeiras do contrato em decorrência de fatos


supervenientes e imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis que modifiquem
extraordinariamente os custos do contrato, devendo-se adequar as referidas cláusulas à nova realidade.

O fundamento jurídico da revisão se encontra na lei 14.133/2021, que possui redação idêntica à da lei
8.666/93:

Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em
relação a eles, as prerrogativas de:
I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público,
respeitados os direitos do contratado;
§ 2º Na hipótese prevista no inciso I do caput deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do
contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas,
nos seguintes casos:
II - por acordo entre as partes:
d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força
maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis
de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado,
respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
Art. 134. Os preços contratados serão alterados, para mais ou para menos, conforme o caso, se
houver, após a data da apresentação da proposta, criação, alteração ou extinção de quaisquer
tributos ou encargos legais ou a superveniência de disposições legais, com comprovada
repercussão sobre os preços contratados.

A revisão é um direito das partes, devendo ocorrer independentemente de previsão contratual.


Considera-se que é uma cláusula que decorre diretamente da lei. A revisão pode ocorrer em
favor do particular contratado ou da Administração Pública.

A lei dispõe ainda que a revisão deve ocorrer quando a execução de obra ou serviço de engenharia "for
obstada pelo atraso na conclusão de procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão
administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias ao contratado" (art. 124, §2º).

A revisão não depende de periodicidade mínima, ao contrário do reajuste. Além disso, a revisão implica
alteração bilateral do contrato administrativo e, portanto, deve ser formalizada por termo aditivo, ao
contrário do reajuste, em que basta um simples apostilamento.

475
668
Detalhe que não pode passar despercebido é que a revisão deverá respeitar a repartição
objetiva dos riscos estabelecidos no contrato. Assim, se verificado um fato superveniente e
imprevisível ou previsível de consequências incalculáveis, ainda que se trate de caso fortuito,
força maior ou fato do príncipe, não haverá revisão do contrato se o referido fato foi alocado
com risco de responsabilidade do contratado.

6.3 - Atualização financeira (ou monetária)

Llei 14.133/2021 (com redação idêntica na lei 8.666/93):

Art. 92. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabelecem:


V – o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do
reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento
das obrigações e a do efetivo pagamento;

6.4 - Repactuação

A repactuação é um instrumento disponível para as contratações de serviços contínuos com


regime de dedicação exclusiva de mão de obra, tais como os serviços de limpeza e vigilância.
Consiste na alteração das cláusulas econômicas e de preço para refletir a variação dos
componentes dos custos do contrato.

Dentre os principais componentes dos custos do contrato aptos a ensejar a repactuação estão os acordos,
convenções e os dissídios coletivos de trabalho. Inclusive, quando a contratação envolver mais de uma
categoria profissional, é possível a divisão da repactuação em tantos quantos forem as negociações ou
dissídios coletivos de trabalho (art. 135, §5º).

Trata-se de cláusula que deve ser ajustada no contrato administrativo, bem como somente
poderá ser admitida a sua aplicação após 01 (um) ano contado da data da apresentação da
proposta ou da última repactuação (art. 135, §3º).

A lei 14.133/2021 estabelece em quais casos será utilizado o reajuste e a repactuação.

Art. 92 (...)
§ 4º Nos contratos de serviços contínuos, observado o interregno mínimo de 1 (um) ano, o
critério de reajustamento de preços será por:
I – reajustamento em sentido estrito, quando não houver regime de dedicação exclusiva de mão
de obra ou predominância de mão de obra, mediante previsão de índices específicos ou setoriais;
II – repactuação, quando houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou
predominância de mão de obra, mediante demonstração analítica da variação dos custos.

476
668
Essa disposição é repetida no art. 25, §8º.

Difere do reajuste, uma vez que as partes não estipulam previamente um índice que reajustará
automaticamente o valor do contrato. A repactuação depende da demonstração analítica da
variação dos componentes dos custos do contrato.

A lei estabelece o prazo preferencial de 1 (um) mês para que a Administração responda ao requerimento
administrativo de repactuação (art. 92, §6º), contado da sua apresentação, acompanhada da demonstração
analítica da variação dos custos (art. 135, §6º).

7 - A TEORIA DA IMPREVISÃO – INEXECUÇÃO CONTRATUAL


INVOLUNTÁRIA

Diante da inexecução contratual involuntária, tem-se duas possibilidades:

a) Continuidade do contrato com a sua revisão para reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro;


b) Extinção do contrato sem aplicação de penalidades em face da parte inadimplente.

A inexecução contratual involuntária (ou sem culpa) é estudada pela teoria da imprevisão.

A teoria da imprevisão está relacionada a acontecimentos supervenientes à


celebração do contrato, que consistem em eventos imprevisíveis ou
previsíveis de efeitos incalculáveis, extraordinários e extracontratuais, que
impeçam, retardem ou tornem excessivamente oneroso o cumprimento
total ou parcial das cláusulas do contrato por qualquer das partes, liberando-
as de responsabilidade pelo inadimplemento.

As leis 8.666/93 e 14.133/2021 prevêem expressamente a teoria da imprevisão nos contratos


administrativos.

Trata-se de uma cláusula contratual que independe de previsão expressa no contrato. Decorre diretamente
da lei (ex lege) e se entende implícita em qualquer contrato de execução continuada. Decorre da cláusula
rebus sic stantibus, expressão em latim que significa “estando assim as coisas”.

Vale destacar que esta cláusula somente pode ser invocada quando os eventos ocorridos estiverem contidos
na chamada “álea extraordinária e extracontratual”.

Por outro lado, os eventos que admitem a revisão contratual ou a extinção do contrato sem aplicação de
penalidades decorrem da álea extraordinária e extracontratual, que, conforme visto, são os eventos:
Supervenientes; Extracontratuais; Imprevisíveis; Extraordinários; Impedem, retardam ou tornam
excessivamente onerosa a execução do objeto do contrato.

477
668
Além da cláusula genérica que admite a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos, há
ainda outras hipóteses específicas: Fato do príncipe; Fato da administração; Caso fortuito e força maior;
Interferências imprevistas.

7.1 - Fato do príncipe

É um fato extracontratual e genérico praticado pela Administração Pública que repercute no contrato
administrativo, tornando a sua execução pelo particular impossível ou extremamente onerosa em virtude
do aumento dos custos.

A lei prevê expressamente uma espécie de fato do príncipe, qual seja, a criação, extinção, majoração ou
redução de tributos ou encargos legais, bem como, a superveniência de disposição legal, que repercutam
sobre o contrato, acarretando a sua revisão para mais ou para menos.

7.2 - Fato da administração

Fato da administração é a ação ou omissão da Administração Pública contratante, especificamente


relacionada ao contrato administrativo, que impede, retarda ou torna excessivamente oneroso o seu
cumprimento pelo contratado.

Difere do fato do príncipe, pois, no fato da administração, somente a conduta do ente público que celebrou
o contrato será relevante para ensejar as consequências previstas na lei. Ainda assim, somente a conduta
especificamente relacionada ao contrato (e não as ações genéricas) pode ser invocada como fato da
administração.

O fato da administração pode ensejar: Rescisão amigável ou judicial; Paralisação da execução do contrato
(nunca de forma sumária); Revisão do contrato.

7.3 - Caso fortuito e força maior

As expressões são tratadas como sinônimas muitas vezes pela doutrina e pela jurisprudência, até porque as
consequências da sua verificação são as mesmas.

Consistem nos eventos imprevisíveis ou inevitáveis que impedem ou tornam excessivamente onerosa a
execução contratual pelas partes.

As consequências são:

a) Revisão contratual por acordo entre as partes;


b) Rescisão contratual sem culpa.

478
668
7.4 - Interferências imprevistas

Trata-se dos elementos materiais preexistentes, que oneram excessivamente ou impedem a execução
contratual, porém as partes somente tomam conhecimento após o início da execução do contrato.

São situações extraordinárias, que já existiam antes da celebração do ajuste, porém, em virtude de sua
condição excepcional, não foi prevista e, se houvesse sido, teria ensejado a celebração do contrato em
outros termos, com a inclusão dos custos extraordinários.

As interferências imprevistas autorizam a revisão contratual, por se tratar de fato imprevisível.

São exemplos a descoberta de que o terreno disponibilizado para a obra contratada consiste em terreno
rochoso, embora o contrato previsse que se tratava de um terreno arenoso, a passagem de cabos ou dutos
subterrâneos não previstos no contrato, dentre outros.

TAREFA 08 – DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“História do Novo Código de Processo Civil” a “Exposição De Motivos do Novo CPC” (inclusive); e
leitura dos art. 2º ao 12º do NCPC.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para iniciar os estudos no Processo Civil, é preciso, primeiro, visualizar a divisão do próprio código,
comparado com o Código de 1973.

479
668
CPC 1973 CPC 2015 (entrou em vigor 18/03/2016 – Enunciado
Administrativo n. 1, STJ)
Livro I: Do Processo de Conhecimento (arts. 1º ao Parte geral:
565); Livro I – Das Normas Processuais (arts. 1º ao 15);
Livro II – Do Processo de Execução (arts. 566 ao 795); Livro II – Da Função Jurisdicional (arts. 16 ao 69);
Livro III – Do Processo Cautelar (arts. 796 ao 889); Livro III – Dos Sujeitos do Processo (arts. 70 ao 187);
Livro IV – Procedimentos Especiais (arts. 890 ao Livro IV – Dos Atos Processuais (arts. 188 ao 293)
1.210); Livro V – Da Tutela Provisória (arts. 294 ao 311)
Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias (arts. Livro VI – Da Formação, Suspensão e Extinção do
1.211 ao 1.220). Processo (arts. 312 ao 317);
Parte Especial:
Livro I: Do Processo de Conhecimento e do
Cumprimento de Sentença (arts. 318 ao 770);
Livro II: Do Processo de Execução (arts. 771 ao 925);
Livro III: Do Processo nos Tribunais e dos Meios de
Impugnação das Decisões Judiciais (arts. 926 ao
1.044);
Livro Complementar: Disposições Finais e Transitórias
(arts. 1.045 a 1.072).

O CPC/2015 ficou muito mais didático, dividido em Parte Geral e Parte Especial, com os Livros, Títulos
e Capítulos mais bem organizados.
Contudo, antes de adentrar no estudo pormenorizado de todo o Código, é necessário fazer uma
Introdução.
Partiremos da premissa que, para compreender o Processo Civil, é necessário o estudo prévio de sua
correlação com a Teoria Geral do Direito e com o Direito Constitucional, em um estudo interdisciplinar118.
Assim, iremos tratar, primeiramente, do Conceito, da História do Direito Processual Civil e sua
correlação com os dois itens acima elencados, gerando o fenômeno do Neoprocessualismo. Depois,
abordaremos as Fontes da disciplina e entraremos no estudo do novo Código, passando pela História de sua
criação e, sobretudo, pela Exposição de Motivos, destacando os 5 objetivos dos legisladores quando da
elaboração de seu texto legal. Por fim, abordaremos os Princípios mais importantes da disciplina.
Vamos aprender tudo sobre esses assuntos?
Boa aula a todos!
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site Estratégia Concursos.

118
É o que fazem os Cursos de Fredie Didier Jr. e Marinoni, Arendhart e Mitidiero.

480
668
2 – CONCEITO E HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
2.1 CONCEITO
Advém de Ulpiano a clássica divisão do Direito entre os ramos público e privado.
Em uma separação mais simples e direta, é comum dizer que o direito privado, composto
predominantemente Direito Civil e Direito Empresarial, tem como principais características a livre
manifestação de vontade, igualdade entre as partes, liberdade contratual e a disponibilidade dos interesses.
Já o Direito Público se caracterizaria pela regência dos princípios da indisponibilidade do interesse público e
pela supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Fariam parte do Direito Público, pois, o
Direito Constitucional, Administrativo, Penal, Tributário, Processo Penal e Processo Civil.
Nesse sentido, o Direito Processual Civil é o ramo do direito público, porquanto regulamenta uma
das três funções do Estado, qual seja, a função jurisdicional. Mas qual é o seu conceito?
A doutrina, tanto nacional como estrangeira, diverge ao conceituar esse ramo do direito, mais
especificamente no ponto acerca do seu objeto de estudo.
✓ 1ª corrente (Dinamarco, Marcus Vinicius Gonçalves): Nas palavras de Dinamarco119, uma visão
moderna aponta como categorias centrais do sistema processual a jurisdição (poder estatal
endereçado à pacificação de pessoas e grupos em casos de conflito jurídico), a ação (poder de
provocar o exercício da jurisdição e influir em seu direcionamento), a defesa (contraposto negativo
da ação, como poder de influir em sentido oposto) e o processo (conjunto de técnicas para o exercício
da jurisdição pelo juiz, da ação pelo autor e da defesa pelo réu).

✓ 2ª corrente (majoritária): O objeto de estudo da disciplina constitui um tripé, formado pela


Jurisdição, pela Ação e pelo Processo. Alexandre Câmara, fazendo menção à famosa trilogia do
Direito Processual Civil diz: “Sem a explicação prévia da jurisdição, não se pode compreender a ação.
E sem a compreensão perfeita desses dois conceitos, é ilusória a tentativa de entender o que é o
processo”. Referida corrente salienta que defesa seria um desdobramento da ação, não constituindo
objeto próprio.

✓ 3ª corrente: Erick Navarro aduz que a disciplina, por muito tempo, focou no estudo detido da ação,
depois migrando para o estudo minucioso da jurisdição e, por fim, do processo. Atualmente, porém,
com espeque na concepção austríaca e alemã, diz-se que o ponto fulcral da matéria é a efetividade
do processo. Assim, o novo polo metodológico em volta do qual o processo passou a orbitar é a tutela
jurisdicional. Tão importante quanto declarar ou constituir um direito é satisfazê-lo. Assim, esta
corrente entende que os objetos principais de estudo da disciplina são jurisdição, ação, processo e
tutela.

119
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. 10ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2020, p. 60.

481
668
Jurisdição

DIREITO
Tutela Ação
PROCESSUAL
CIVIL

Processo

Em Jurisdição, estudamos seu conceito, características, princípios, espécies e competência; em Ação,


estudamos, prioritariamente, as teorias sobre ação, as condições da ação (que, para corrente majoritária,
continua a existir no NCPC); em Processo, estudamos as teorias sobre processo, os pressupostos processuais
e todo o procedimento. No quarto eixo, estudamos as mais diversas classificações de tutela, tais como
quanto à pretensão (cognitiva ou executiva), quanto à satisfatividade (específica ou equivalente), quanto ao
meio de prestação (comum ou diferenciada), quanto ao momento (preventiva ou repressiva), quanto à
definitividade (definitiva ou provisória) etc.
Consoante Cássio Scarpinella, esse enfoque não só na juris-dição, mas também na juris-satisfação, é
a tônica do novo Código, consagrada no art. 4º do CPC.
Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfativa.

Como conclusão deste tópico, podemos conceituar o Direito Processual Civil como o
ramo do direito público consistente no conjunto de normas (regras e princípios) que regulam a função
jurisdicional, o exercício da ação e o processo, com o fim de prestar a tutela devida em face de uma
pretensão civil.
Professor, entendi as discussões a respeito do objeto do processo. Mas qual corrente adoto em
provas?
Em provas objetivas, a 2ª corrente. Em provas discursivas, suscitar as diversas concepções.
MPE-BA/MPE-BA – Promotor de Justiça Substituto – Anulada/2018

482
668
a) A moderna processualística tem como base o trinômio ação-jurisdição-processo, cujos aspectos são
gerais e incidentes sobre todas as formas de prestação jurisdicional, desde o processo de
conhecimento ao de execução.
Comentários: Alternativa correta. ATENÇÃO! Vejam que as questões ainda cobram aquele trinômio
clássico (jurisdição, processo e ação).

2.2 HISTÓRIA (FASES) DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL


A doutrina divide a história do Direito Processual Civil em 4 fases, quais sejam:
✓ 1ª Fase: Sincretismo/Civilismo/Imanentismo/Praxismo
Vigorou desde o Direito Romano até o século XIX, mais precisamente até 1868, quando Oskar Von
Bülow publicou sua obra Teoria das Exceções Processuais e Pressupostos Processuais120, dando início à 2ª
Fase.
Durante todos esses séculos, não havia autonomia didático-científica do Direito Processual Civil. Ele
era concebido de uma forma entrelaçada, imanente, inerente ao Direito Material. O estudo do processo
era o estudo da prática forense, daí surgir a designação praxismo.
✓ 2ª fase: Processualismo/Autonomismo/Fase Científica
Iniciada em 1868, quando Oskar Von Bülow publicou sua obra, percebeu-se o processo como uma
relação jurídica autônoma, mais precisamente uma relação jurídica triangular, formada pelas partes e pelo
Estado-Juiz. Direito material e processual desuniram-se, passando este a ser estudado como ciência
autônoma.
Nesta fase foram criados o CPC/1939 e CPC/1973. As reformas implantadas neste último Código, nas
décadas seguintes, já se enquadram na 3ª fase, chamada fase do instrumentalismo processual.
MPE-MS/MPE-MS – Promotor de Justiça Substituto/2018 - Analise as proposições a seguir sobre a
natureza jurídica do processo. I. A obra de Oskar Von Bülow foi um marco definitivo para o processo,
pois estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a consequente
independência das relações jurídicas que se estabelecem nessas duas dimensões, passando o processo
a ser visto como uma relação jurídica de natureza pública que estabelece entre as partes e o juiz, dando
origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais.
Comentários: Alternativa correta.

✓ 3ª fase: Instrumentalismo/Fase do Acesso à Justiça


Consagrada no pós 2ª Guerra Mundial, a partir da década de 1950, não buscou negar a fase anterior,
mas sim promover reaproximação do Direito material com o Direito Processual, de modo que este,
mantendo sua autonomia didático-científica (ainda visto como relação jurídica triangular), foi concebido

120
No Alemão: Die Lehre von den Processereden und die Processvoraussetzungen.

483
668
como um instrumento para a realização do Direito Material. A relação entre esses dois polos é circular e
complementar121.
Como livro representativo dessa fase, temos a obra “Acesso à Justiça”122, do italiano Mauro
Cappelletti e norte-americano Bryant Garth, em que os autores analisam as deficiências de alguns sistemas
jurídicos do ocidente e propõe uma reformulação do Processo pela adoção de 3 ondas renovatórias, quais
sejam: i) luta pela assistência judiciária (justiça aos pobres);ii) representação dos interesses difusos
(coletivização do processo); iii) novo enfoque de acesso à justiça (efetividade do processo). Vejamos uma
a uma.
i) Justiça aos pobres (1ª onda): Na maioria dos países, os custos do processo são elevados. Aqui, por
exemplo, as partes precisam pagar as custas iniciais, as provas (perícias, diligências, etc.), e ainda o preparo
de recursos, o que afasta as classes mais pobres. Além da limitação econômica, também a falta de educação
e cultura dificulta o acesso à justiça, uma vez que muitas pessoas desconhecem seus direitos e, portanto,
nem sabem que tiveram algum direito violado.
Para solucionar tal problema, propôs-se a criação de hipóteses de gratuidade de justiça, bem como
incentivos à assistência jurídica aos pobres123.
➢ Exemplos no Brasil de concretização da 1ª onda: Podemos citar a Lei n. 1.060/1950124, que estabelecia
normas para gratuidade de justiça aos necessitados, bem como o reforço paulatino da Defensoria
Pública, mormente pelas Emendas Constitucionais n. 45, 69, 74 e 80, instituição destinada a prestar
assistência jurídica aos necessitados (art. 5º, LXXIV, c/c art. 134, CRFB).

ii) Coletivização do Processo (2ª onda): Na sociedade de risco125, o avanço técnico-econômico promoveu
o acesso de grande parte da população aos bens de consumo, mas também fez com que riscos sociais,

121
Pergunta de concurso: “Explique a relação circular entre Direito Material e Processo”. Resposta: Após explicar as fases do Direito
Processual Civil, seria interessante dizer que não há processo oco. O processo serve ao direito material ao mesmo tempo em que
é servido por ele. Não há, portanto, relação de subordinação, mas sim de simbiose, complementaridade. Essa relação de
complementaridade (cíclica) foi chamada por Carnelutti de teoria circular dos planos do direito material e do direito processual.
122
Título original, traduzido, seria o seguinte: Acesso à Justiça: O movimento mundial para tornar os direitos efetivos. Foi
publicado originalmente em 1978 e traduzido para o Português pela Ministra Ellen Gracie em 1988.
123
Caiu em prova oral da DPE/MG (2015): Tecnicamente, deve-se diferenciar os conceitos de: a) gratuidade de justiça (arts. 82,
95, 98, 99, 169, 565, 968, 1.015, 1.021 e 1.026): refere-se à dispensa provisória do recolhimento de custas e despesas processuais
e extraprocessuais; b) assistência jurídica (arts. 27, V e 186, § 3º): toda e qualquer atividade assistencial referente ao amparo
prestado no campo jurídico – dentro ou fora de uma relação jurídico-processual, prestada, no âmbito particular, por advogados e,
no âmbito público, exclusivamente pela Defensoria (art. Art. 134 c/c art. 4º, LC 80/94); c) assistência judiciária (art. 26, II): se refere
apenas aos meios necessários à defesa dos direitos do assistido em juízo, dentro de uma relação jurídica processual.
124
Veremos que a Lei n. 1.060/50 foi quase que integralmente revogada pelo NCPC, havendo um aperfeiçoamento de alguns de
seus institutos e correção de terminologias.
125
Conceito desenvolvido pelo sociólogo alemão Ulrick Beck.

484
668
políticos, econômicos e industriais tomassem proporções cada vez maiores. Os problemas se tornam cada
vez mais massificados, abrangentes.
Essa coletivização se justifica por três motivos: i) existência de bens de titularidade indeterminada; ii)
bens ou direitos individuais cuja tutela individual não seja economicamente aconselhável; iii) economia
processual.
Exemplos no Brasil de concretização da 2ª onda: Como exemplo de implantação dessa fase no Direito
Brasileiro, poderíamos citar todo o microssistema da tutela coletiva, formada, em seu núcleo duro,
pela Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.072/90),
Lei 4717/65 – ação popular; Lei 6938/81 – política nacional do meio ambiente; Lei 7.513/86 –
investidores dos mercados de valores mobiliários; Lei 7853/89 – pessoas portadoras de deficiência;
Lei 8069/90 – ECA; Lei 8492/92 – improbidade administrativa; Lei 10471/03 – estatuto do idoso; Lei
10671/03 – estatuto do torcedor (equiparado a consumidor); Lei 12016 – MS, Lei 12846/13 –
anticorrupção; Lei 13.300/16 - mandado de injunção. Ainda, a sistemática de precedentes
obrigatórios (art. 927, CPC/15) também é uma tentativa de tratar um processo e resolver várias
outras situações similares.
iii) Efetividade do processo (3ª onda): Na terceira onda, intitulada de “enfoque de acesso à justiça”,
os autores dizem que os novos direitos exigem mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis.
➢ Exemplos no Brasil de concretização da 3ª onda: adaptação do procedimento ao tipo de litígio (Ex:
Juizados Especiais). Ex2: tentativa de evitar litígio ou facilitar sua solução utilizando-se de mecanismos
privados ou informais (mediação, conciliação, arbitragem).
No nosso curso extensivo, vemos com mais profundidade que, atualmente, a doutrina já inclui mais
duas outras ondas nesse processo (dimensão ética e política do direito E internacionalização dos direitos
humanos). Mas, para fins de prova objetiva, o conhecimento dessas 3 ondas é suficiente.
✓ 4ª Fase: Neoprocessualismo
Tem por objetivo manter a noção alcançada pela fase anterior, isto é, concepção de que o processo
é um instrumento para se alcançar, efetivar o direito material, mas acrescentar em seu estudo todos os
avanços operados pelo Neoconstitucionalismo. É a fase do instrumentalismo revisitada pelos influxos do
neoconstitucionalismo e do pós-positivismo.
Vistos o Conceito e as Fases do Direito Processual Civil, é preciso saber um pouco mais sobre qual a
influência do Neoconstitucionalismo no Processo Civil. Vamos aprofundar?!

485
668
3 - NEOCONSTITUCIONALISMO E PROCESSO CIVIL
3.1 - O QUE É O NEOCONSTITUCIONALISMO?
De antemão, é importante frisar que não há um movimento neoconstitucional uníssono, pois essa
vertente intelectual é composta de uma diversidade de posições filosóficas e políticas. Então, como forma
de tornar didática a noção, focaremos no Min. Luís Roberto Barroso, autor muito cobrado em concursos,
que divide o fenômeno do Neoconstitucionalismo em três marcos fundamentais126:
1) Marco histórico - Tem início com a redemocratização da Europa, logo depois da 2ª Guerra Mundial,
na Alemanha, depois na Itália e, durante a década de 70, em Portugal e Espanha. No Brasil, o marco histórico
deste novo Direito Constitucional é a Constituição de 1988.
2) Marco filosófico – o pós-positivismo, com a consagração da importância dos direitos fundamentais
é caracterizado, sobretudo, pela reaproximação entre direito e moral127, ultrapassando a concepção
positivista128.
3) Marco teórico - No plano teórico, três grandes transformações modificaram o conhecimento
convencional relativamente à aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à
Constituição129; b) a expansão da jurisdição constitucional130; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática
da interpretação constitucional.
Deste terceiro marco (teórico), é possível afirmar que, ao reconhecer a força normativa da
Constituição, surge o fenômeno da Constitucionalização do Direito, podendo ser bipartido em dois
vetores131:
i) Constitucionalização inclusão: vários institutos que dantes não eram previstos na Constituição
passaram, com a CRFB de 1988, serem nela arrolados. Como exemplo, temos o instituto da união estável
(art. 226, § 4º), tutela do meio ambiente (arts. 225 ss), tutela do consumidor (art. 5º, XXXII), dentre outros.

126
Além de expostos os conceitos em seus livros, mais acessível é o texto na Revista Conjur:
https://www.conjur.com.br/2009-mar-07/luis-roberto-barroso-traca-historico-direito-constitucional-
tv?pagina=2
127
GONÇALVES, Bernardo. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. Juspodiuvm: Salvador, 2017, p. 177-181.
128
Sarmento diz: Há diferentes positivismos jurídicos, mas o que todos eles têm em comum é a afirmação de que Direito e Moral
não apresentam uma conexão necessária. Alguns até admitem que o Direito possa incorporar um conteúdo moral (positivistas
inclusivos), mas o mais famoso deles (Hans Kelsen), adotava a tese da separabilidade (ex: Kelsen).
129
Interessante citar a obra “A Força Normativa da Constituição”, do alemão Konrad Hesse, traduzida pelo Min. Gilmar Mendes.
130
Interessante citar a criação e expansão dos Tribunais Constitucionais nos países ocidentais, criação esta derivada da formulação
teórica de Hans Kelsen na elaboração da Constituição Austríaca de 1920.
131
O jurista francês Louis Favoreau elenca três vertentes do fenômeno: constitucionalização elevação (= inclusão);
constitucionalização transformação (=releitura); constitucionalização juridicização (força normativa da Constituição).

486
668
Houve, pois, uma inflação de assuntos abordados por nossa Constituição analítica, o que favorece a
chamada ubiquidade constitucional, isto é, a onipresença da Constituição em todos os ramos.
Na Constituição, o núcleo do Processo Civil está nos seguintes artigos:

Devido processo legal Art. 5º, LIV

Contraditório e ampla defesa Art. 5º, LV

Duração razoável do processo Art. 5º, LXXVIII

Inafastabilidade da jurisdição Art. 5º, XXXV

Motivação das decisões Art. 93, IX

Publicidade Art. 5º, LX

Isonomia Art. 5º, caput

Proibição de produção de provas ilícitas Art. 5º, LVI

ii) Constitucionalização releitura: os institutos de todos os ramos do direito devem, para uma
interpretação adequada, passar pela filtragem constitucional. Na feliz expressão de Paulo
Bonavides, “Ontem, os Códigos; hoje, a Constituição”.
Ex1: Releitura dos institutos da posse, da propriedade, do contrato, da família, em especial diante da
despatrimonialização e da personalização do direito privado.
Ex2: releitura do devido processo legal (art. 5º, LIV, CRFB) que, além de dever respeitar o
procedimento imposto pela lei processual (devido processo legal formal), deve ser justo, visar a solução mais
efetiva e correta possível, utilizando-se da proporcionalidade e razoabilidade (devido processo legal
substancial)

Cabe efetuarmos um alerta! Muitos autores utilizam os termos pós-positivismo e


neoconstitucionalismo como expressões sinônimas. Contudo, no curso extensivo detalhamos esse aspecto,
evidenciando uma demarcação mais nítida entre esses fenômenos. Em síntese, tenham em mente que,
enquanto os neoconstitucionalistas defendem uma interpretação que reforce o papel do Judiciário no Estado
Contemporâneo, escudando um papel de garantidor e concretizador dos princípios e garantias fundamentais
constitucionais, os pós-positivstas, a seu turno, seriam apenas aqueles que acreditam que há uma conexão
necessária entre o Direito e a Moral.

487
668
(ESAF-PFN-2015) Sobre “neoconstitucionalismo”, é correto afirmar que se trata:
a) de expressão doutrinária, de origem inglesa, desenvolvida com a série de julgados da Câmara dos Lordes, que
retém competência legislativa e judicante.
b) de expressão doutrinária, que tem como marco histórico o direito constitucional europeu, com destaque para
o alemão e o italiano, após o fim da Segunda Guerra mundial.
c) do novo constitucionalismo de expressão doutrinária, que tem origem e marco histórico no direito brasileiro
com a redemocratização e as inovações constantes da Constituição de 1946.
d) de expressão doutrinária, de origem anglo-saxã, desenvolvida na Suprema Corte dos Estados Unidos à época
em que John Marshall era seu presidente, caracterizada pelo amplo ativismo judicial.
e) de expressão doutrinária atribuída ao constitucionalista argentino Bidart Campos e tem como marco histórico
a reforma constitucional de 1957.
Comentários: Vimos na parte geral que o neoconstitucionalismo tem como marco histórico o direito europeu
do segundo pós-guerra.
(AGU-2015) No neoconstitucionalismo, passou-se da supremacia da lei à supremacia da Constituição, com
ênfase na força normativa do texto constitucional e na concretização das normas constitucionais.
Comentários: Assertiva correta. Expressão que encontra fundamento na doutrina de Konrad Hesse (Força
normativa da Constituição), autor alemão que enfatiza a busca de uma maior concreção do texto constitucional
por meio de uma maior efetividade de suas normas.
CESPE/MPRR/2017 (adaptada). Assinale a alternativa incorreta:
a) A constitucionalização do direito infraconstitucional tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior
de normas anteriormente codificadas.
b) A visão substancialista da jurisdição constitucional compreende que a Constituição deve conter direitos
fundamentais, princípios e fins públicos que realizem os grandes valores de uma sociedade democrática, como
justiça, igualdade e liberdade, admitindo o controle do resultado das deliberações políticas que supostamente
os contravenham.
c) A corrente procedimentalista não concebe o papel do intérprete constitucional como o de um aplicador de
princípios de justiça, mas como um fiscal do funcionamento adequado do processo político deliberativo.
(...)
Comentários:
A alternativa A está incorreta. A resposta foi retirada do livro de Luís Roberto Barroso, que afirma "Como antes
já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão
na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob
uma ótica constitucional”. Nesse trecho, fica claro que a principal marca é a constitucionalização releitura e não
a constitucionalização inclusão.

488
668
A alternativa B está correta. Consoante Daniel Sarmento132, o substancialismo sustenta a legitimidade da adoção
de decisões substantivas pelas constituições, sobretudo no que concerne aos direitos fundamentais. Assim, o
papel da Constituição é bastante ambicioso, indo muito além da garantia dos pressupostos do funcionamento
da democracia, tomando decisões substantivas sobre temas controvertidos no campo moral, econômico,
político. Em decorrência dessa visão, os substancialistas advogam papel mais ativo para a jurisdição
constitucional.
A alternativa C está correta. Consoante o mesmo doutrinador carioca, os procedimentalistas sustentam que o
papel da Constituição é definir as regras do jogo político, assegurando a sua natureza democrática. As decisões
substantivas sobre temas no campo moral, econômico, político etc. não deveriam estar nas Constituições. Por
conta dessa visão, defendem um papel mais modesto para a jurisdição constitucional, sustentando que ela deve
adotar uma postura de autocontenção, a não ser quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos de
funcionamento da própria democracia.
PGR/MPF - Procurador da República/2012 – 26º Concurso
ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:
a) Para o neoconstitucionalismo, todas as disposições constitucionais são normas juridicas,e a Constituição, além
de estar em posição formalmente superior sobre o restante da ordem juridica, determina a compreensão e
interpretação de todos os ramos do Direito.
b) A visão substancialista da Constituição conduz, no controle de constitucionalidade, a uma postura mais
deferente acerca das decisões dos Poderes Públicos.
c) Para os procedimentalistas,a jurisdição constitucional tem o papel exclusivo de assegurar os pressupostos
necessários ao bom funcionamento da democracia.
d) A Constituição brasileira de 1988 enquadra-se na categoria das constituições dirigentes, porque, além de
estabelecer a estrutura básica do Estado e de garantir direitos fundamentais, impõe ao Estado diretrizes e
objetivos principalmente tendentes a promover a justiça social, a igualdade substantiva e a liberdade real.
Comentários: A alternativa incorreta é a letra B. Vejam a explicação na questão comentada acima.

3.2- NOVE REPERCUSSÕES DO NEOCONSTITUCIONALISMO NO


PROCESSO CIVIL
Fredie Didier133 elenca 9 mudanças essenciais para a compreensão da matéria.

Repercussões do Neoconstitucionalismo no Processo Civil

132
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho, 2ª Ed. Fórum: Belo Horizonte, p. 220.
133
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. 1, Ed. Juspodivm: Salvador, 2016, p. 36-57.

489
668
Teoria das Fontes Teoria da Hermenêutica Relação do Direito
Processual com o Direito
Constitucional

Teoria dos princípios como Distinção entre texto e norma Força Normativa da
espécie de norma Constituição

Jurisprudência como fonte do Atividade criativa Teoria dos Direitos


Direito Fundamentais

Mudança na técnica legislativa Proporcionalidade e Expansão da Jurisdição


(reforço de cláusulas gerais e razoabilidade Constitucional
conceitos jurídicos
indeterminados)

3.2.1 - Transformações na teoria das fontes do direito


i. Surgimento da teoria dos princípios:
O surgimento da teoria dos princípios revolucionou a teoria das fontes134. Hoje é indiscutível que
normas jurídicas é um gênero, do qual são espécies regras e princípios.
E qual a diferença entre ambos?
A doutrina aponta diversos critérios para diferenciar essas espécies normativas, porém, a concepção
que tem maior influência na doutrina nacional é de Robert Alexy, que defende a visão da diferença
qualitativa entre os conceitos, já que ambos, como exposto anteriormente, são espécies de normas jurídicas.
Como afirma o autor, os princípios são mandamentos de otimização, que devem ser cumpridos na
maior medida possível, de acordo com as condições fáticas e jurídicas subjacentes. Dessa forma, os princípios
nunca asseguram ou impõem deveres definitivos, sendo, por isso, denominados de normas prima facie.
As regras, por seu turno, são mandamentos de determinação, normas que são sempre satisfeitas ou
não satisfeitas com definitividade; contemplam determinações daquilo que é fática e juridicamente possível,
sendo aplicadas na maneira do tudo ou nada (Dworkin).
No que tange às antinomias, o conflito entre regras é solucionado pela operação de subsunção,
baseada nas técnicas tradicionais de solução de antinomias (especialidade, hierarquia e cronológico).

134
Um dos livros mais completos sobre o assunto e muito citado é “Teoria dos Princípios” de Humberto Ávila, Editora Malheiros.
Outro extremamente interessante de se citar na prova é “Teoria dos Direitos Fundamentais”, de Robert Alexy.

490
668
Por sua vez, o conflito entre princípios é solucionado através da técnica da ponderação, que
estabelece uma relação de precedência condicionada de um dos princípios em conflito, desde que
obedecidos os parâmetros estabelecidos para a solução do caso concreto. Assim, a atribuição de pesos aos
princípios em conflito (sopesamento) é que vai definir a precedência da norma aplicável ao caso concreto.
Lembre-se, também, que a regra da proporcionalidade135 formulada por Alexy é o mais famoso
método para solucionar conflito aparente de princípios, inclusive adotado, segundo alguns, pelo art. 489, §
2º, CPC, sendo tal regra subdividida em:
i- Adequação: verificação se o ato questionado é adequado, idôneo para o atingimento do fim,
do objetivo. Ex: inconstitucional exigência de inscrição no conselho para ser músico. O ato
(exigência de inscrição) não promove o fim (controle do exercício da profissão).
ii- Necessidade: verificação se não há outra medida menos gravosa a se tomar. Ex: invalidade da
demissão ao servidor que pratica infração leve.
iii- Proporcionalidade em sentido estrito: verificação do custo-benefício da medida. Quanto
maior a restrição ao direito fundamental, muito maior tem de ser a consagração do princípio
que lhe é contraposto. Ex: STF considerou inconstitucional a necessidade de pesagem do
botijão de gás no momento da venda para o consumidor. A proteção ao consumidor não
autoriza a aniquilação do princípio da livre iniciativa.

1 - Princípio é uma espécie de norma que se encontra em qualquer nível do ordenamento, p. ex. encontra-se
princípio tanto constitucional quanto infraconstitucional.
2 – Nem toda norma constitucional é um princípio. A Constituição é um conjunto de normas: princípios e regras.
3 – Nem sempre quando a norma é muito importante é um princípio. Ex: Didier diz que a motivação das decisões
é uma regra – impõe conduta certa, clara.

135 135
Tecnicamente, certo é dizer que, na concepção de Alexy, a proporcionalidade é regra e não princípio. Vejamos trecho
extraído de artigo de Lênio Streck: Já de início, podemos referir que a própria utilização da nomenclatura “princípio da
proporcionalidade” é empregada de forma equivocada. Na famosa Teoria dos Direitos Fundamentais, a proporcionalidade é
uma máxima utilizada como método para aplicar a colisão entre princípios. Trata-se da máxima da
proporcionalidade (Verhältnismäßigkeitsgrundsatz). E isso não é apenas uma discussão semântica. Na medida em que a máxima
da proporcionalidade é o critério para determinar o peso da colisão entre princípios, como poderia ser, ela mesma, um princípio?
Aliás, Virgílio Afonso da Silva alerta para o fato de que, ainda que tivéssemos apenas as opções “regra” ou “princípio”, seria mais
adequado enquadrar a “máxima da proporcionalidade” como regra (ou melhor, uma metarregra). Ademais, o próprio Alexy
considera que “As três máximas parciais são consideradas como regras”. Evidente, pois princípios para Alexy são mandamentos
de otimização e, dessa forma, podem ser aplicados em maior ou menor grau. Como o critério que julga a otimização dos princípios
colidentes poderia ser, ela mesma, otimizada?

491
668
4 - não podemos, hoje, pensar que uma regra sucumbe perante o princípio necessariamente, havendo conflito
entre eles. Se regra e princípio estiverem em mesmo patamar normativo (ex: os dois na Constituição), prevalece
a regra, já que ela explicita opção de solução clara para aquele determinado problema, isto é, já houve uma
ponderação prévia pelo legislador.
5 - Derrotabilidade das regras (defeasibility): Surgida com Hart em The Ascription of Responsability and
Rights (1948), seu fundamento é a constatação de que é impossível ao legislador antever todas as hipóteses em
que uma regra poderia ser excepcionada. Diante desse fato, é possível ao juiz afastar a aplicação da regra para
fazer valer a verdadeira justiça no caso concreto OU se perceber que o fim perseguido pela norma exige aquela
superação da regra. É uma conceituação com pouca aplicabilidade, ainda, pelos Tribunais Superiores, mas já
utilizada por alguns juízes. A título de exemplo, citam-se os casos em que juízes federais, há décadas (antes da
jurisprudência do STF), flexibilizaram o critério de ¼ do salário mínimo para a parte receber benefício de
prestação continuada (BPC-LOAS), pois tal valor era muito pequeno para aferição da miserabilidade. O patamar
era incongruente, inclusive, com diversos outros programas sociais do governo federal.

CESPE/Procurador do Município - BH /2017 (adaptada). Acerca das Constituições, assinale a opção correta. a)
De acordo com a doutrina, derrotabilidade das regras refere-se ao ato de se retirar determinada norma do
ordenamento jurídico, declarando-a inconstitucional, em razão das peculiaridades do caso concreto.
Comentários: A alternativa A está incorreta. A derrotabilidade não retira a norma do ordenamento jurídico, pois
o que é derrotado é o enunciado normativo. A derrotabilidade incide sobre os textos normativos e não sobre as
normas jurídicas, exatamente porque o texto normativo não contém imediatamente e integralmente a norma,
não se confundindo com ela. A norma é o resultado da interpretação do texto, diante do caso concreto.

ii. Percepção de que jurisprudência é fonte do direito


Era comum dizer que os tribunais não produziam direito, apenas o declaravam. Contudo, isso
atualmente é um equívoco. Os julgados exerciam uma influência nos demais julgados, mas não um poder.
Com o CPC/15, houve enorme reforço da Jurisprudência e dos Precedentes.
iii. Alteração na técnica legislativa
Antigamente, o legislador buscava fazer leis minuciosas, descritivas, exaurientes. Atualmente, muitos
dispositivos normativos são feitos de maneira aberta, indeterminada, flexibilizando o sistema.
Nesse tópico, também aprofundamos no curso extensivo que esses “enunciados abertos” abrangem
as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados136.
Cláusula geral é um de enunciado normativo aberto que se caracteriza pelo fato de ser indeterminado
na hipótese normativa (descrição da situação regulada pelo enunciado) e indeterminado no consequente
normativo (consequência jurídica caso a hipótese ocorra). Ou seja, há uma dupla indeterminação. O grande
exemplo é o devido processo legal.

136
“O Código Civil Como Sistema em Construção” de Judith Martins Costa e “Cláusulas Gerais Processuais” de Fredie Didier Jr.
abordam essa diferenciação.

492
668
Conceito jurídico indeterminado, por sua vez, é um enunciado aberto em que a hipótese normativa
também é indeterminada, mas o consequente é determinado. Como exemplo, tem-se a repercussão geral
no recurso extraordinário. A hipótese é indeterminada, mas a consequência é clara: se não tiver repercussão
geral, o recurso não será conhecido (art. 102, § 3º, CRFB).

3.2.2 - Transformações na hermenêutica jurídica


i. Distinção entre texto e norma: A norma jurídica não é o texto normativo, mas, sim, o resultado da
interpretação de um texto normativo, isto é, norma é o sentido que se dá a um texto normativo.
ii. A ideia de que toda atividade interpretativa é criativa
iii. Surgimento das máximas da proporcionalidade e da razoabilidade: redefiniram como se deve fazer a
interpretação. Interpretações puramente lógicas, formais, não são aceitas mais.
Segundo aponta a doutrina137, razoabilidade teria nascido no sistema da common law, mais
especificamente no direito norte-americano por meio da evolução jurisprudencial da cláusula do devido
processo legal (Emendas 5ª e 14ª da Constituição dos Estados Unidos), que seria caracterizado não só pelo
caráter procedimental (procedural due process of law): contraditório, ampla defesa etc., mas também pela
vertente substantiva de tal cláusula (substantive due process of law): proteção dos direitos e liberdades dos
indivíduos contra abusos do Estado.
Doutro lado, a proporcionalidade teria origem alemã. Aplicado inicialmente no âmbito do Direito
Administrativo, notadamente no “direito de polícia”, o referido princípio recebeu, na Alemanha, dignidade
constitucional, entendida como princípio implícito do próprio Estado de Direito.
Embora haja essa diferenciação (que é interessante para demonstrar conhecimento nas provas), tem
prevalecido a tese da fungibilidade dos conceitos, ambos relacionados aos ideais de igualdade, justiça
material, instrumentos de contenção dos excessos cometidos pelo Poder Público.

3.2.3 - Relação entre processo e direito constitucional


i- Reconhecimento da força normativa da Constituição: reconhecimento de que a Constituição não é
apenas uma folha de papel138, descritiva das relações de poder, mas sim deontológica, configurando um
dever ser, com poder de conformar a realidade.
ii- Aperfeiçoamento da teoria dos direitos fundamentais: O processo tem que ser construído de
acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva – formação de um direito processual fundamental)

137
OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Administrativo. 5ª Ed. Método: São Paulo, 2017, p. 44.
138
Concepção de Ferdinand Lassale, em que a Constituição era vista como mera folha de papel, nada mais expressando senão as
relações de poder fáticas existentes.

493
668
e, além disso, tem que servir como instrumento para bem tutelar os direitos fundamentais (dimensão
subjetiva – direito do cidadão ao contraditório, juiz natural, etc.).
iii- Expansão da jurisdição constitucional: Barroso139 sintetiza tal movimento aduzindo que o mundo
pós segunda guerra consagrou um movimento de centralidade da Constituição, do controle de
constitucionalidade e da supremacia judicial, deixando pra trás a ideia de centralidade da lei e de supremacia
do parlamento até então vigente.
Professor, agora consegui entender quais foram os marcos do Neoconstitucionalismo e a influência
para o Processo Civil. Mas quais foram as consequências desse fenômeno como um todo?
Muito bem! Uma vez internalizados os marcos do Neoconstitucionalismo, vamos apontar,
brevemente, as suas consequências. Saliento, por oportuno, que esse tópico costuma ter mais incidência em
provas discursivas. Nesse sentido, no curso extensivo essa abordagem é mais detalhada e profunda. Aqui,
iremos pontuar apenas os principais aspectos, inclusive para que vocês, aprovados para as etapas discursivas
do certame, saibam onde aprofundar no estudo.
Dessa forma, em apertada síntese, podemos apontar como consequências principais desse
fenômeno:
a) aumento da Judicialização dos conflitos;
b) maior intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas, garantia de direitos sociais etc.;
c) utilização recorrente da técnica da ponderação.
Ocorre que essas consequências foram tão intensas que já se levantam vozes fortes contrárias a esse
exagero do Poder Judiciário. Qual crítica é feita hoje ao Neoconstitucionalismo?
Essa fase levou ao cometimento de uma série de abusos, do uso exagerado dos princípios, da
criatividade judicial, da flexibilização exacerbada da lei. Os juízes, sob o escudo de princípios, muitas vezes
de duvidosa aplicação, passaram a decidir de forma discricionária140141.

https://www.conjur.com.br/2009-mar-07/luis-roberto-barroso-traca-historico-direito-constitucional-
139

tv?pagina=3
140
Por todos, cita-se os textos “Teoria da Katchanga” de George Malmstein, “Neo-constitucionalismo: entre o direito da ciência e
a ciência do direito” de Humberto Ávila, “Neo-constitucionalismo: riscos e possibilidades” de Daniel Sarmento e texto “Eis porque
abandonei o “neoconstitucionalismo” do Lênio Streck na Revista Conjur (13/03/2014).

141
À título de curiosidade, vejam como essas críticas já vem sendo cobradas em provas discursivas: TJSP – 186º Concurso – Juiz
de Direito: Dissertação “O profissional do Direito, ao construir soluções para os casos, tem um dever analítico. Não bastam boas
intenções, não basta intuição, não basta invocar ou elogiar princípios; é preciso respeitar o espaço de cada instituição, comparar
normas e opções, estudar causas e consequências, ponderar as vantagens e desvantagens. Do contrário viveremos no mundo da
arbitrariedade, não do Direito.” A partir do trecho citado, disserte sobre a proposição nele contida, abordando os seguintes pontos:
a) o enquadramento da propositura nas escolas jusnaturalistas ou do positivismo jurídico; b) a relação que o texto estabelece entre

494
668
Cientes desse influxo do Neoconstitucionalismo no Processo Civil, poderemos adentrar no estudo
mais objetivo do CPC e das regras e princípios que compõem a nossa disciplina. Vamos lá!?

4 - FONTES
4.1 - CONCEITO
É o lugar de onde são oriundos os preceitos jurídicos, bem como os meios e as formas de revelação
do Direito.
A classificação das fontes no Direito Processual Civil é divergente na doutrina. Alguns 142 apenas
dividem as fontes em formais e materiais (ou não formais). Outros, ainda separam as fontes formais em
diretas e indiretas. Tendo por objetivo ser o mais completo possível, mesclaremos ambas as classificações.

4.2 - CLASSIFICAÇÃO
As fontes podem ser divididas em:
a) Formais: são aquelas que emanam do Estado, criadas por meio de processos formais estabelecidos
pela ordem jurídica (ex: Constituição, Leis), podendo ainda ser subdividida em:
i- Imediata ou Direta: aquelas normas jurídicas aplicáveis diretamente ao caso;
ii- Mediata ou Indireta: aquelas fontes que o intérprete busca nos casos de ausência de norma
jurídica para reger o caso.
b) Materiais (ou não formais): o conjunto de fatores políticos, históricos, sociais, culturais e econômicos
que influenciaram a criação da norma jurídica. No caso do CPC, por exemplo, podemos asseverar que
o enorme número de processos que chegaram ao Judiciário, especialmente após a CRFB/1988, foi
um fator de estímulo à criação do novo CPC.
Feita a diferenciação entre fonte material e formal, é preciso ir além.
A fonte formal, por sua vez, é subdividida em fonte formal imediata e mediata, conforme quadro
abaixo.

Doutrina clássica Doutrina moderna

princípios e normas; c) a relação que a solução baseada exclusivamente em princípios com os tipos de racionalidade jurídica
expostos por Max Weber; d) o modo pelo qual o respeito “ao espaço de cada instituição” referido no texto acarreta novos desafios
para a legitimidade da jurisdição estatal. Como esse curso é direcionado para provas objetivas, o aprofundamento desse tema,
bem como a resposta da questão, consta em nosso material do curso extensivo, em que todos os aspectos de cada tópico da aula
são tratados em profundidade.

142
O próprio Alexandre Câmara; Marcus Vinícius Gonçalves, Elpídio Donizetti.

495
668
• Fonte formal imediata: lei lato sensu,
• Fonte formal imediata: Lei lato sensu.
princípios, Jurisprudência (mais
• Fonte formal mediata: analogia,
especificamente os precedentes
costumes, princípios gerais do direito
vinculantes).
(art. 4º, LINDB) e equidade.
• Fonte formal mediata: analogia,
costumes e equidade.

• Fonte não formal: doutrina e • Fonte não formal: doutrina


jurisprudência
Segundo a doutrina moderna, poderíamos fazer a seguinte subdivisão:
a) Formais: podendo ainda ser subdividida em:
i- Imediata ou Direta: lei lato sensu (Constituição, lei federal ordinária, lei estadual, tratados
internacionais, regimentos internos dos Tribunais), princípios, Jurisprudência (mais
especificamente os precedentes vinculantes).
ii- Mediata ou Indireta: analogia, costumes, equidade.
b) Materiais (ou não formais): doutrina.
Da divisão proposta acima, pode-se perceber duas mudanças:
1ª mudança: princípios gerais do Direito: osprincípios, dada a sua condição deontológica (dever-ser),
devem ser tidos como fontes formais diretas e não aplicados apenas em casos de omissão legislativa.
2ª mudança: mudança da jurisprudência como fonte não formal para fonte formal imediata
Como salienta Elpídio Donizetti143, “com o advento do CPC/15, superada está a controvérsia sobre a
admissão da jurisprudência como fonte do Direito”.
Passou-se a adotar um sistema de precedentes judiciais vinculantes, consoante se observa do art.
927, CPC.
E quais os exemplos desse reforço da Jurisprudência e dos Precedentes?

Art. 332 Improcedência liminar quando o pedido


contrariar precedentes obrigatórios

Art. 496, § 4º Dispensa de remessa necessária

Art. 521, IV Dispensa de caução

Art. 932, IV, V Possibilidade de o relator negar ou dar


provimento ao recurso monocraticamente

143
Curso Didático de Direito Processual Civil, 20ª Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 6.

496
668
Art. 966, § 5º Ação rescisória contra decisão baseada em
enunciado de súmula ou acórdão proferido em
julgamento de casos repetitivos que não tenha
considerado a existência de distinção entre a
questão discutida no processo e o padrão
decisório que lhe deu fundamento.

Art. 988, III e IV Reclamação – alargamento das hipóteses

Art. 1.040, IV Comunicação às agências reguladoras para que


elas cumpram o precedente obrigatório

Art. 927, §§ 3º e 4º a possibilidade de modulação dos efeitos e a


exigência de fundamentação adequada e
específica quando da alteração de
entendimentos jurisprudencial fixado em casos
repetitivos

O que importa saber, por ora, é que a Jurisprudência é fonte inegável do Direito. Ficou claro o
enfoque do novo CPC à segurança jurídica e ao respeito às decisões dos tribunais superiores.
Como fontes formais mediatas ou indiretas (analogia, costume e equidade) e fonte não formal
(doutrina), remete-se o aluno para os conceitos já destrinchados acima.

4.3 - COMPETÊNCIA PARA CRIAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL


CIVIL
Em regra, apenas a União está autorizada a produzir/criar normas de Direito Processual Civil (art. 22,
I, CR).
ATENÇAO: A Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre matéria específica de
interesse local (art. 22, parágrafo único, CRFB/88).
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. Parágrafo único. Lei
complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias
relacionadas neste artigo.
Ademais, lembrem-se que o art. 24, incisos IV, X e XI, CRFB dispõem que:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
IV - custas dos serviços forenses;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;

497
668
XI - procedimentos em matéria processual144;
No tocante ao inciso XI, a dificuldade é saber quais seriam normas de processo e de procedimento.
Contudo, como a doutrina majoritária entende que processo é entidade complexa, não há essa abertura
aos Estados legislarem sobre processo.
Além dessa competência concorrente, a CRFB atribui aos Estados a incumbência de organizar sua
própria justiça, editando leis de organização judiciária (art. 125, § 1º), bem como dispor sobre competência
dos tribunais e sobre a declaração de inconstitucionalidade de leis estaduais e municipais (art. 125, § 2º).
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de
organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da
legitimação para agir a um único órgão.
Saliente-se, ainda, que os regimentos internos dos tribunais estaduais influenciam diretamente no
direito processual ao estabelecer ritos para determinados recursos, como o agravo regimental, por exemplo.

4.4 – MEDIDA PROVISÓRIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Há vedação no Texto Constitucional para a edição de tal espécie normativa para disciplinar o Direito
Processual Civil, nos termos do art. 62. §1º, I, da CF:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. §1º É
vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: b) direito penal, processual
penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Até a EC/32, de 2001, porém, era permitido.

4.5 - INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Interpretar significa explicar, explanar ou aclarar o sentido de palavra, expressão ou texto. Sua
finalidade é extrair do texto uma norma e o seu real significado, bem como verificar em quais casos aquela
norma se aplica ou não.
Adianta-se que a interpretação da lei processual segue os mesmos critérios e alcança os mesmos
resultados que a interpretação das leis em geral.

144
Importante salientar que, em 2018, o Estado de Pernambuco foi o 1º a criar esse código de procedimentos em matéria
processual (Lei n. 16.397/18).

https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2018/07/codigo-de-procedimento-pe.pdf

498
668
A doutrina divide a as formas de interpretação quanto aos sujeitos (fonte); aos meios e aos
resultados.
a) Quanto aos sujeitos
i – Autêntica: É a que emana do próprio órgão competente para a edição do ato interpretado.
ii- Doutrinária: Conjunto de lições dos jurisconsultos acerca do Direito.
ATENÇÃO: exposição de motivos é um exemplo de interpretação doutrinária (ex: CPC).
iii- Jurisprudencial: É a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da
jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.
b) Quanto ao modo
i- Gramatical: Verificação do sentido literal das palavras e frases. Como exemplo de tal conduta, cita-
se a tentativa de enquadrar o art. 52, X, CRFB, no âmbito da mutação constitucional pelo Min. Gilmar
Mendes. Tal posição, por ir além dos limites do texto, foi rechaçada pelo STF, inicialmente. Em 2017, porém,
o STF voltou atrás e passou a acolher a teoria inicialmente proposta por Gilmar Mendes (STF. Plenário. ADI
3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 29/11/2017 - Info 886).
Assim, o art. 52, X, da CF/88 sofreu uma mutação constitucional e, portanto, deve ser
reinterpretado. Dessa forma, o papel do Senado, atualmente, é apenas o de dar publicidade à decisão do
STF, decisão esta que, mesmo se tomada em controle difuso, já é dotada de efeitos erga omnes e vinculante.
ii- Teleológica: Consoante art. 5º, da LINDB, ao se interpretar a norma jurídica, o intérprete deve ter
sempre em vista os fins sociais a que a lei se destina, assim como o bem comum.
No Direito Processual Civil, os principais fins sociais estão positivados expressamente. Dentre eles,
podemos reiterar as normas fundamentais do Processo Civil (arts. 1º ao 12, CPC), preceituando a necessidade
de interpretação deste ramo conforme a Constituição (art. 1º - constitucionalização releitura); promoção da
solução consensual dos conflitos (art. 3º), primazia da solução integral do mérito (art. 4º), dever de boa-fé
(art. 5º) cooperação entre os atores processuais (art. 6º).
Nesse passo, o art. 8º repete a previsão do art. 5º da LINDB e ainda acrescenta:
Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Além desses fins propostos nos artigos iniciais, temos também como uma das finalidades precípuas
do NCPC de garantir a segurança jurídica e isonomia, por meio da sistemática dos precedentes vinculantes
(art. 927, IRDR, IAC etc.).
iii- Histórica: Exige-se que se analisem as normas que regulavam o mesmo instituto antes da vigência
da atual, bem como os textos do anteprojeto e do projeto de lei que foram elaborados e que deram origem
à lei alvo da atividade interpretativa.
iv- Sistemática (ou Lógico-Sistemático): Interpreta-se o texto inserindo-o em um sistema lógico que
concatena o ordenamento jurídico, o qual não admite contradições ou paradoxos.
v- Progressiva ou Adaptativa: A lei tem que acompanhar a evolução da sociedade, sem parar no
tempo, devendo ocorrer as devidas adequações.

499
668
Ex: O STF, na ADI 1232, havia considerado constitucional o critério objetivo de aferição da
miserabilidade previsto no art. 20, § 3º, da Lei Orgânica da Assistência Social. Contudo, no RE 567985/MT
(2013), em face notórias mudanças fáticas e jurídicas ocorridas ao longo dos anos, o STF entendeu
diferentemente.
Quanto ao resultado:
i- Declarativa: A letra da lei corresponde exatamente aquilo que o legislador quis dizer. Ex: art. 1.009,
que afirma “Da sentença caberá apelação”.
ii- Extensiva: Amplia-se o alcance das palavras para que corresponda a vontade do texto. Ex: na
vigência do CPC/73, exigia-se o consentimento do cônjuge do autor para propositura de determinadas
demandas (antigo art. 10/atual art. 73). Contudo, silenciava o legislador quanto à união estável. A
jurisprudência aplicava a interpretação extensiva nesses casos. O CPC/15, acolhendo referido norte, dispôs
no art. 73, § 3º que se aplica o regramento também às uniões estáveis comprovadas nos autos.
PGR/MPF – Procurador da República/2012 - 26º Concurso - Questão 02: (...) II – A interpretação
constitucional caracteriza-se como um ato descritivo de um significado previamente dado.
Comentários: A alternativa está incorreta. Primeiro, há uma distinção entre texto e norma, sendo esta
o resultado da interpretação de um texto normativo. Não é aceito mais o brocardo in claris cessat
interpretatio. Em segundo lugar, há a ideia de que toda atividade interpretativa é criativa.
iii- Restritiva:
Reduz-se o alcance das palavras para que corresponda a vontade do texto.

Quanto ao sujeito Quanto ao modo Quanto ao resultado

Autêntica Literal Declarativa

Doutrinária Teleológica Extensiva

Jurisprudencial Sistemática Restritiva

Histórica

Progressiva

4.6 - INTEGRAÇÃO DA LEI PROCESSUAL


Enquanto, interpretação significa explicar, explanar ou aclarar o sentido de palavra, expressão ou
texto, integração é a atividade de suprir lacunas.

500
668
Consoante art. 140, CPC/2015, ao juiz não é dado eximir-se de julgar alegando a existência de lacunas
(é proibido o non liquet). Se o juiz não encontrar solução no ordenamento jurídico posto, deverá recorrer
aos métodos de integração.
No tópico anterior, já tratamos da analogia, costumes, equidade e princípios gerais do direito, bem
como das críticas e peculiaridades de cada um.

4.7 - LEI PROCESSUAL CIVIL NO ESPAÇO


Em quais limites territoriais se aplica a lei processual brasileira?
Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional,
conforme as disposições deste Código.
O art. 13, por sua vez, reforça que a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras,
ressalvada a possibilidade de aplicação de disposições de tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte.
Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as
disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil
seja parte.
Tal dispositivo é uma decorrência do art. 5º, § 2º, CRFB, que aduz:
Art. 5º, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais145 em que a República
Federativa do Brasil seja parte.

4.8 - LEI PROCESSUAL CIVIL NO TEMPO


Sabe-se que se a lei não previr seu prazo de vacatio legis, aplica-se o art. 1º da LINDB, cuja redação é
a seguinte:
Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias
depois de oficialmente publicada.
§ 1o § 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia
três meses depois de oficialmente publicada.
§ 2o (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção,
o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

145
Em no nosso curso extensivo, são abordados aspectos relacionados às etapas de incorporação de um tratado em nosso
ordenamento jurídico e a existência das três esferas hierárquicas quanto a eles, bem como as divergências doutrinárias
relacionadas à interpretação do art. 13 mencionado alhures.

501
668
No CPC, não se aplica o dispositivo supramencionado, já que o art. 1.045 já previu que a norma
entraria em vigor decorrido 1 ano de sua publicação.
No que toca ao dia da entrada em vigor, já vimos no item que entrou no dia 18/03/2016.
Dito isso, vale dizer que as normas processuais novas se aplicam aos processos pendentes. É a
previsão dos art. 14 e 1.046, CPC.
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso,
respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da
norma revogada.
Em tema de direito processual intertemporal, vale lembrar que a doutrina146 aponta três sistemas:
a) unidade processual, que estabelece que o processo em trâmite continue a ser regido pelo
ordenamento em vigência na data de sua instauração (adotado pelo CPC/39, art. 1.047, § 1º);
b) fases processuais (postulatória, instrutória e decisória), que determina que deve ser aplicada a lei
anterior até o final da fase, passando a valer, em seguida, as novas disposições;
c) isolamento dos atos processuais, que se assenta na aplicação imediata da lei processual, incidindo
as regras tão logo se dê a entrada em vigor da nova legislação, inclusive em relação aos processos pendentes
(art. 1.046, CPC).
No CPC, prevalece a teoria do isolamento dos atos processuais, pelo que a lei nova, respeitando os
atos já praticados, disciplina aqueles que virão a ser praticados dali em diante (tempus regit actum).
Isso se dá pela compreensão de que cada ato que compõe o processo é um ato jurídico que merece
proteção, não podendo a lei nova atingir um ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CRFB) 147.
O entendimento unânime é que, desde o momento da publicação148 da decisão, surge o direito das
partes de interpor o recurso, sendo o recurso regido pela lei pretérita.
Ex1: mesmo que o CPC tenha extinto os embargos infringentes, se até 17/03/2016 fosse publicado
acórdão não unânime, a parte teria direito aos embargos infringentes.
Ex2: No julgamento desse recurso, não poderá o Tribunal arbitrar honorários. Considerando que os
honorários sucumbenciais recursais são um novo instituto, um elemento econômico desmotivador para a
interposição de recurso, não se pode conferir eficácia retroativa ao seu conteúdo em razão da
impossibilidade de prejudicar a parte em razão de ato praticado antes do início da vigência da nova lei. Assim
conforme enunciado n. 7, STJ, a majoração da verba honorária na fase recursal somente pode ser aplicada

146
FREIRE, Rodrigo; CUNHA, Maurício. Novo Código de Processo Civil para Concursos: Doutrina, Jurisprudência e Questões de
Concursos, 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 69.
147
Por isso se questiona a súmula 205, STJ que diz: A lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência. Muitos
sustentam que tal entendimento viola a CRFB, mas o STJ é pacífico pela sua plena aplicação.
148
Se decisão for proferida em audiência ou sessão, considera-se publicada naquele ato. Se proferida em gabinete, considera-se
publicada quando da juntada aos autos pelo escrivão ou chefe de secretaria. Não se pode confundir com a intimação. Publicar é
tornar a decisão pública.

502
668
aos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, início da vigência do
Novo CPC.
Enunciado administrativo número 2
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de
março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as
interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Enunciado administrativo número 3
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de
18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo
CPC.
Enunciado administrativo número 4
Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser
praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares da
Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos
pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial.
Enunciado administrativo número 5
Nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões
publicadas até 17 de março de 2016), não caberá a abertura de prazo prevista no art. 932, parágrafo
único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC.
Enunciado administrativo número 6
Nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/2015(relativos a decisões
publicadas a partir de 18 de março de 2016), somente será concedido o prazo previsto no
art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC para que a parte sane vício
estritamente formal.
Enunciado administrativo número 7
Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será
possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo
CPC.
VUNESP/Procurador de Francisco Morato-SP/2019 - O Direito Processual Intertemporal visa regular as
situações ocorridas durante a transição entre as regras do antigo Código de Processo Civil (CPC/73) e
do novo Código de Processo Civil (CPC/15). Considerando a complexidade do tema, o Superior Tribunal
de Justiça editou regras, bem como o CPC/15 editou as disposições finais e transitórias. A esse respeito,
assinale a alternativa correta.
a) Para os recursos interpostos para impugnar decisões publicadas a partir da vigência do CPC/15, será
possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais.
b) Aos recursos interpostos sob a égide do CPC/73, caberá a abertura de prazo para correção de vícios
prevista no CPC/15.
c) Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 e ainda não julgados, devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade recursal do CPC/15.

503
668
d) O modelo adotado pelo CPC/15 foi da metanorma de incidência parcial por isolamento de fase
processual: a lei processual nova será aplicada imediatamente, preservando-se os atos praticados de
acordo com a lei anterior.
e) Se a prova tiver sido requerida na vigência do CPC/73, mas for julgada na vigência do CPC/15, segue-
se a sistemática do CPC/15 em relação às disposições de direito probatório.
Comentários: A alternativa A está correta. Enunciado administrativo 7, STJ: Somente nos recursos
interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de
honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC.
A alternativa B está incorreta. Enunciado administrativo número 5: Nos recursos tempestivos
interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016),
não caberá a abertura de prazo prevista no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do
novo CPC.
A alternativa C está incorreta. Enunciado administrativo número 2: Aos recursos interpostos com
fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser
exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até
então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
A alternativa D está incorreta. A teoria adotada é do isolamento dos atos processuais e não isolamento
das fases processuais.
A alternativa E está incorreta. O regramento das provas é uma exceção à teoria do isolamento dos atos
processuais.
As provas requeridas ou determinadas na vigência do CPC/73 serão produzidas de acordo com as
regras do CPC/73. Por outro lado, as provas requeridas ou determinadas na vigência do CPC/15 serão
produzidas de acordo com as regras do CPC/15.
Art. 1.047. As disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se apenas às provas
requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início de sua vigência.
Exceções à teoria do isolamento dos atos processuais:
i- Coisa julgada das questões prejudiciais (art. 503, §1º, CPC) só se aplica para processos ajuizados
após 18 de março de 2016.
ii- Os processos pendentes (não sentenciados) do rito sumário e especial revogados continuam
tramitando normalmente. Trata-se de ultratividade da lei processual civil revogada (art. 1.046, § 1º, CPC).
Por outro lado, para processos ajuizados a partir de 18/03/2016, reger-se-ão pelo procedimento
comum, procedimento este que fundiu o procedimento ordinário e sumário.
iii- As provas requeridas ou determinadas na vigência do CPC/73 serão produzidas de acordo com as
regras do CPC/73. Por outro lado, as provas requeridas ou determinadas na vigência do CPC/15 serão
produzidas de acordo com as regras do CPC/15.

Art. 1.047. As disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se apenas às provas
requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início de sua vigência.

504
668
iv- O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7o e 8o, aplica-se às decisões transitadas em
julgado após a entrada em do NCPC.
v- Como os juizados também julgavam demandas cujo rito era o sumário, em algumas hipóteses (art.
275, II, CPC/73 c/c art. 3º, II, Lei 9.099/95), a competência prorrogará até a edição de lei específica (art. 1.063,
CPC).
Com o CPC/15:
i- se até 17/03/2016 não tiver sido sentenciada a demanda que tramitava sob o rito sumário, as regras do CPC/73 se
aplicarão a esse processo (art. 1.046, §1º, CPC);
ii- se até 17/03/2016 já tiver sido sentenciada, a causa passa a ser regida conforme o CPC/15.
Neste caso, se a demanda tramitava no juízo comum, passará a ser regulada pelo procedimento comum do CPC/15;
Se a demanda tramitava nos juizados, não haverá deslocamento de competência. A causa continua tramitando nos juizados
(art. 1.063, NCPC), até que sobrevenha lei nova tratando do assunto.
Art. 1.063. Até a edição de lei específica, os juizados especiais cíveis previstos na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995,
continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, da Lei no 5.869,
de 11 de janeiro de 1973.
iii- Por fim, se a demanda foi intentada a partir de 18/03/2016, a parte pode optar por: a) ajuizar no juízo comum, caso em
que não seguirá mais o rito sumário (que foi revogado pelo NCPC). Deverá obedecer ao rito comum; b) ajuizar nos juizados
especiais, caso em que seguirá o rito sumaríssimo.

Obs: O fato de vigorar ainda o CPC 73 no que tange à insolvência civil (art. 1.052, CPC) não é uma
exceção à teoria do isolamento dos atos, porquanto não houve previsão do CPC quanto ao tema. A partir do
momento em que lei futura disciplinar o assunto, haverá a aplicação da teoria do isolamento dos atos
processuais (art. 1.052, CPC).
Na oportunidade, vale citar também os enunciados do FPPC:
Enunciado 267: (arts. 218, e 1.046). Os prazos processuais iniciados antes da vigência do CPC serão
integralmente regulados pelo regime revogado. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais
e transitórias)
Enunciado 268: (arts. 219 e 1.046). A regra de contagem de prazos em dias úteis só se aplica aos
prazos iniciados após a vigência do Novo Código. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais
e transitórias)
Enunciado 275: (arts. 229, §2º90, 1.046). Nos processos que tramitam eletronicamente, a regra do
art. 229, §2º, não se aplica aos prazos já iniciados no regime anterior. (Grupo: Direito intertemporal
e disposições finais e transitórias; redação alterada no V FPPC-Vitória)
MPE-BA/MPE-BA – Promotor de Justiça Substiuto – Anulada/2018 - Sobre o Direito Processual Civil,
não seria correto afirmar:
a) O Direito Processual Civil possui natureza de Direito público e possui inter-relacionamento com o
Direito constitucional muito bem expresso no capítulo III, da Constituição Federal que trata do Poder
Judiciário.
b) São constitucionais os pressupostos básicos atinentes ao recurso extraordinário e ao recurso
especial, embora possa a União, em matéria processual, sobre eles legislar.

505
668
c) São fontes do Direito Processual Civil, além da própria Constituição Federal, as codificações, as leis
de organização judiciária dos estados, leis processuais esparsas, além dos regimentos internos dos
tribunais de justiça.
d) A lei estrangeira não pode determinar a forma processual a ser aplicada no Brasil, embora o juiz
possa utilizar-se de prova alienígena para decidir a causa, sem valorá-la, porquanto rege-se a sua
produção pela lei que nele vigorar
e) Sobre a aplicação da lei processual no tempo, diverso das condições da ação que é regulada pela lei
vigente quando da propositura da ação, à resposta do réu é aplicada aquela em vigor quando do
surgimento do ônus da defesa produzido pela citação.
Comentários
A alternativa A está correta. O capitulo III entre os artigos 92 e 126 da CF dispõe sobre a organização
judiciária. Ademais, como vimos nesta aula, o NCPC é baseado no
neoconstitucionalismo/neoprocessualismo, de forma que transpassam os valores essenciais da CF à
interpretação de todo o ordenamento jurídico. O próprio art. 1º é exemplo disso: O processo civil será
ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
A alternativa B está correta. Os pressupostos ao Rext e REsp estão nos artigos 102, III e 105, III CR.
Ademais, o art. 22,I,CR determina que compete privativamente à União legislar sobre direito
processual (não podendo ser feito por medida provisória).
A alternativa C está correta. São exemplos de fontes formais.
A alternativa D está incorreta. Art. 13, LINDB. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se
pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais
brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.
Quanto ao ônus e meios, respeita-se a legislação estrangeira. Entretanto, o juiz daqui obviamente
poderá valorá-la.
A alternativa E está correta. Conforme o art. 1046, CPC. Aplica-se a lei processual vigente no momento
da pratica do ato (corolário do princípio tempus regit actum). Como diz Fux: A resposta do réu, bem
como seus efeitos, rege-se pela lei vigente na data do surgimento do ônus da defesa pela citação.
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos,
as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Processo do Trabalho
Até o advento do CPC/2015, não havia maiores controvérsias quanto às regras de heterointegração
do processo do trabalho, dispostas nos arts. 769 e 889 da CLT:
Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual
do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. [...]
Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não
contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a
cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.
Assim, tínhamos que:

506
668
Ordem Fase de conhecimento Fase de execução

1ª (fonte principal) CLT e legislação esparsa CLT e legislação esparsa

2ª (fonte subsidiária) CPC (processo comum) Lei de execuções fiscais

3ª (fonte subsidiária) CPC (processo comum)

Atualmente, predomina o entendimento de que o art. 15 do CPC/2015 não revogou os dispositivos


da CLT, pelo que veicula duas funções principais: utilizar o CPC como forma subsidiária aos demais segmentos
processuais e complementar e aprimorar o subsistema processual heterointegrado.
Processo Administrativo
Por decorrência do art. 5º, LV, CRFB, que assegura aos litigantes no processo administrativo o
contraditório e ampla defesa, por óbvio que várias das normas fundamentais do Processo Civil a ele se aplica
(a exemplo, as normas processuais fundamentais – arts. 1º a 12, CPC).
Ademais, vários dos princípios do CPC também já estão previstos na seara administrativa. Ex: princípio
da razoabilidade e proporcionalidade (art. 2º, Lei n. 9.784/99); legalidade, moralidade, eficiência (art. 37,
CRFB), observância dos julgados em controle concentrado de constitucionalidade e súmulas vinculantes
(arts. 102, § 2º, 103-A, CRFB).
Agora, deverá ampliar seu respeito aos precedentes vinculantes (art. 927, CPC), até porque o próprio
art. 985, § 2º, CPC, o resultado do julgamento será comunicado à agência reguladora para competente
fiscalização da observância.
Processo eleitoral
É plenamente aplicável o CPC ao processo eleitoral. Tal entendimento é amplamente utilizado no TSE.
A exemplo, vide recente Resolução n. 23.478/2016 que “estabelece diretrizes gerais para a aplicação da Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Novo Código de Processo Civil –, no âmbito da Justiça Eleitoral”.
Enunciados do CJF relativos ao assunto:
ENUNCIADO 3 – As disposições do CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente ao Código de
Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.
ENUNCIADO 2 – As disposições do CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente às Leis n.
9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, desde que não sejam incompatíveis com as regras e
princípios dessas Leis.
ENUNCIADO 16 – As disposições previstas nos arts. 190 e 191 do CPC poderão aplicar-se aos
procedimentos previstos nas leis que tratam dos juizados especiais, desde que não ofendam os
princípios e regras previstos nas Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009.
Tudo certo quanto à matéria de Fontes? Qualquer dúvida ou sugestão, será um prazer receber a
manifestação de vocês por e-mail.

507
668
5 –NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: HISTÓRIA E
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
5.1 - HISTÓRIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
5.1.2 - Novo Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) foi aprovado com uma vacatio legis de um ano.
Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 ano da data de sua publicação oficial.
• Aqui surge a primeira controvérsia: Ele entrou em vigor em qual dia? Existem 4 correntes sobre esse
assunto, sendo que a encampada pelo STJ (enunciado administrativo n.1) foi a de que o CPC entrou
em vigor no dia 18/03/2016.
➢ A segunda dúvida que surgiu com o CPC foi: Ele poderia ser aplicado antes de entrar em vigor? De
acordo com Fredie Didier diz que é preciso diferenciar três espécies de normas:
i- Norma jurídica nova: Do texto do novo CPC, podem-se extrair inúmeras normas jurídicas novas,
normas essas que só podem surtir efeitos após 18/03/2016, data em que o CPC entrou em vigor. Como
exemplo, cita-se os novos requisitos da petição inicial (art. 319, II e VII, CPC); irrecorribilidade imediata de
decisões interlocutórias (art. 1009, §§ 1º e 2º); incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976ss);
incidente de assunção de competência (art. 947ss).
ii – Pseudonovidade: o texto do novo CPC trouxe disposição similar às normas que já vinham sendo
extraídas do CPC/73 e encampadas pela doutrina e jurisprudência. Como exemplo, art. 373, § 1º, CPC, que
o juiz, ao redistribuir o ônus da prova, garanta à parte, a quem foi atribuído o ônus da prova, a oportunidade
de se desincumbir dele. Além desse, temos o art. 10, que consagra a proibição de decisão-surpresa, que já
vinha sendo propalada pela doutrina e jurisprudência como decorrência do contraditório substantivo
(ciência + reação + possibilidade de influenciar o juiz).
iii- Normas simbólicas: Como ressalta Marcelo Neves, na legislação simbólica, o sentido político
prepondera sobre o sentido normativo-jurídico. Como exemplo, citam-se os artigos iniciais (arts. 1º ao 10,
NCPC), que ressaltam princípios constitucionais que, pelo fenômeno da constitucionalização releitura e pela
filtragem constitucional, já deviam ser aplicados ao Processo Civil. Outro exemplo é a ênfase à solução
consensual dos conflitos (mediação, conciliação), que já era uma política estimulada pela doutrina,
jurisprudência, sobretudo pelo CNJ – vide Resolução n. 125.

5.2 - EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO NOVO CPC


Para estudar de forma completa o Novo CPC, devemos pontuar os 5 objetivos dos legisladores com
o novo Código. Compreendendo a finalidade dos legisladores, é muito mais fácil de se interpretar o texto
legal.
Sendo úteis e bastante incidentes em prova, passaremos a expor os 5 objetivos dos legisladores com
a elaboração do NCPC, fins esses elencados na própria exposição de motivos.
Vejamos os 5 objetivos dos legisladores com o novo CPC:

508
668
1) Estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal
2) Criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática
subjacente à causa
3) Simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por
exemplo, o recursal
4) Dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado
5) Finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles
mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais
coesão
Mas professor, esses objetivos são muito genéricos. Qual é a repercussão disso na prática?
Pois não. Vejamos um a um.
5.2.1 - Estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição
Federal
Do primeiro artigo já se percebe a consagração do Modelo Constitucional do Direito Processual Civil,
bem como a influência notável do Neoconstitucionalismo em nossa disciplina.
Em decorrência da força normativa da Constituição, todos os ramos do direito devem passar pelo
fenômeno da constitucionalização releitura, isto é, seus institutos devem sempre ser relidos, interpretados
conforme os valores e normas fundamentais da CRFB. É o que diz o art. 1º, CPC.
Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas
fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as
disposições deste Código.
Dos artigos iniciais já se pode ver essa necessidade de sintonia fina com a Constituição.

Art. 2º Dispositivo, Impulso Oficial

Art. 3º Inafastabilidade da Jurisdição e Estímulo à


Resolução Consensual dos Conflitos

Art. 4º Razoável Duração do Processo, Primazia das


Decisões de mérito e Efetividade

Art. 5º Boa-Fé- Objetiva Processual

Art. 6º Cooperação

Art. 7º Isonomia Material ou Paridade de Armas

Art. 8º Dignidade da Pessoa Humana,


Proporcionalidade, Razoabilidade, Legalidade,
Publicidade, Eficiência

509
668
Art. 9º Contraditório Substancial

Art. 10 Vedação às decisões surpresas

Art. 11 Publicidade e fundamentação

Art. 12 Ordem cronológica

Adianta-se que o rol acima é exemplificativo.


Cespe – DPU/2017: Para garantir os pressupostos mencionados em sua exposição de motivos, o CPC
estabelece, de forma exaustiva, as normas fundamentais do processo civil.
Há outras normas fundamentais em outros artigos espraiados pelo NCPC (ex: arts. 926, 927, 946, 976)
e na Constituição (ex: juiz natural, direito à prova etc.) que, embora não incluídos no rol dos primeiros artigos,
não deixam de ter o status de normas fundamentais do processo civil.
A Exposição de Motivos expressamente adverte que um dos maiores exemplos de sintonia fina com
a Constituição foi a tentativa de sobrelevar a segurança jurídica. E, como meio para tal, cria todo um sistema
de precedentes vinculantes, sistema esse que veremos mais adiante.
5.2.2 - Criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à
realidade fática subjacente à causa
Como exemplo de concretização desse objetivo, podemos citar a ênfase ao sistema multiportas149 ou
ADR – alternative dispute resolution (mediação, conciliação, arbitragem – art. 3º); amicus curiae150;
cooperação internacional (auxílio direto – art. 28ss).
5.2.3 - Simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas,
como, por exemplo, o recursal
Exemplos de consagração desse objetivo são: Extinção das cautelares nominadas e de incidentes
(reconvenção, exceção incompetência relativa, impugnação à justiça gratuita, valor da causa – tudo na
contestação – art. 337); intervenção de terceiro (arts. 119 a 138), com a retirada de nomeação à autoria e

149
A origem dessa expressão “Justiça Multiportas” remonta os estudos do Professor Frank Sander, da Faculdade de Direito de
Harvard, que mencionava, já em 1976, a necessidade de existir um Tribunal Multiportas, ou “centro abrangente de justiça”. Essa
origem caiu no concurso para Promotor do MP-GO/2019.
150
Trecho da exposição de motivos: “Predomina na doutrina a opinião de que a origem do amicus curiae está na Inglaterra, no
processo penal, embora haja autores que afirmem haver figura assemelhada já no direito romano (CÁSSIO SCARPINELLA BUENO,
Amicus curiae no processo civil brasileiro, Ed. Saraiva, 2006, p. 88). Historicamente, sempre atuou ao lado do juiz, e sempre foi a
discricionariedade deste que determinou a intervenção desta figura, fixando os limites de sua atuação. Do direito inglês, migrou
para o direito americano, em que é, atualmente, figura de relevo digno de nota (CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, ob.cit., p. 94 e
seguintes)”.

510
668
oposição e inserção de amicus curiae e desconsideração da personalidade jurídica; tutela provisória (art. 294
ss); sistema recursal (admissibilidade, prazo etc.).
5.2.4 - Dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado
Exemplos: estendeu-se a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais (art. 503); possibilidade
jurídica do pedido não é condição da ação; estabilização da tutela (art. 304); produção probatória em
segunda instância (art. 938, § 3º).
CESPE/TCU/2016: d) Os efeitos da coisa julgada material serão inaplicáveis em caso de decisão que resolva questão
prejudicial.
Conforme art. 503, § 1º, CPC, os efeitos da coisa julgada material serão aplicáveis para questões prejudiciais.
TJSP/2017: d) pode abranger a resolução de questão prejudicial, desde que dessa resolução dependa o julgamento do
pedido; que tenha sido facultado o contraditório; e que o órgão seja competente em razão da matéria e da pessoa para
resolver a questão como se principal fosse.
Alternativa incorreta. O art. 503, § 1º, II exige contraditório prévio e efetivo.

5.2.5 - Finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela
realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema,
dando-lhe, assim, mais coesão
Ex: Divisão do CPC em Parte Geral e Especial; extinção do livro do processo cautelar; prevenção;
propositura; litisconsórcio; sucessão/substituição processual.

TAREFA 09 – DIREITO PROCESSUAL PENAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“Prova documental” até o final da aula.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

8. PROVA DOCUMENTAL
8.1 Conceito

511
668
Os documentos são tratados pelo Código de Processo Penal no seu Capítulo IX, do art. 231 ao art. 238.

É possível conceituar documento de forma ampla e de forma estrita. Criam-se, pois, as figuras
do documento lato e stricto sensu, e, a depender da forma conceitual empregada, alarga-se ou
estreita-se o rol de objetos contemplados pela definição do termo.

Para BADARÓ: “Em sentido amplo, documento é qualquer suporte material que represente um
fato juridicamente relevante. É todo e qualquer objeto que serve para demonstrar a verdade
de um fato, como escritos, fotografias, pinturas, filmes... Em sentido estrito, documento são os
escritos que servem como prova em juízo” (Badaró, 2017).

Dentro do processo penal, é possível afirmar que o CPP, no seu art. 232, apenas faz menção aos documentos
em sentido estrito:

Art. 232. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou


particulares.

Parágrafo único. À fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor


do original.

Todavia, como adverte CAPEZ, tem-se empregado, nos dias atuais, o conceito mais amplo de documento para
que se considere as demais formas de expressão e manifestação do pensamento humano:

Atualmente, lança-se mão de um conceito mais amplo, segundo o qual os documentos


compreendem não só os escritos, mas também qualquer forma corporificada de
expressão do sentimento ou pensamento humano, tais como a fotografia, a filmagem,
a gravação, a pintura, o desenho, o e-mail etc. (Capez, 2018).

Nessa mesma esteira, NORBERTO AVENA tece importantes considerações:

O art. 232 do CPP define documento como escritos, instrumentos ou papéis, públicos
ou particulares. Não obstante esta definição, na atualidade vem-se considerando como
documento lato sensu tudo aquilo capaz de retratar determinada situação fática, sejam
papéis, sejam arquivos digitalizados na forma da Lei 12.682/2012 (que disciplina a
digitalização, o armazenamento em meio eletrônico, óptico ou equivalente e a
reprodução de documentos públicos e privados), seja por meio de áudio ou vídeo, v.g.,
um DVD com imagens relativas ao fato imputado. Qualquer coisa, enfim, capaz de
representar um ato ou um fato. Tal amplitude é importante, já que, em se considerando
tais elementos como documentos, sua juntada aos autos deve seguir as mesmas regras
atinentes à da prova documental (Avena, 2017).

512
668
Convém lembrar que o Código de Processo Penal remonta à década de 1940. A restrição do art. 232, ao
considerar como “documento” apenas os escritos em papel, não mais se coaduna com o atual estado da
sociedade e com todas as evoluções ocorridas até os dias atuais.

Por derradeiro, dentro da definição de documento, importante se faz separar os conceitos de instrumentos
e de papéis ou documentos acidentais. BRASILEIRO registra:

O conceito de documento não se confunde com o de instrumento. Instrumentos são


documentos confeccionados com o objetivo de fazer prova, funcionando como
documentos pré-constituídos (v.g., contratos). Diferenciam-se, portanto, dos
documentos eventuais ou acidentais (meros papéis), os quais não são produzidos com
o intuito de fazer prova de determinados fatos (probatórios ou escritos ad probationem),
podendo, todavia, ser utilizados para tanto (v.g., uma correspondência particular) (Lima,
2017).

8.2 ESPÉCIES
Várias são as espécies de documentos:

a) original: são os documentos apresentados na sua forma genuína, fiel à sua fonte produtora;

b) cópia: reproduções dos documentos originais. São as fotocópias, as impressões, arquivos escaneados.
Conforme parágrafo único do art. 232 do CPP (acima transcrito), se devidamente autenticadas, essas cópias
possuem o mesmo valor do documento original.

AURY LOPES JR., todavia, registra que, como regra geral, tem-se dispensado a autenticação das cópias:

Atualmente, predomina o (acertado) entendimento de que as fotocópias não necessitam


de autenticação, exceto quando colocada em dúvida sua veracidade, circunstância em
que a parte interessada na produção dessa prova deverá providenciar os originais ou
fotocópias autenticadas (Júnior, 2018).

Ademais, TÁVORA traz algumas considerações interessantes sobre pontos bem específicos desse tema:

A pública-forma, que é uma cópia de escrito avulso, extraída por oficial público, só terá
valor quando conferida com o original, na presença da autoridade (art. 237, CPP).
Havendo a conferência, a pública-forma fica nos autos, dispensando-se a retenção do
original. De outro lado, os microfilmes de documentos particulares e públicos, assim
como as certidões, os traslados e as cópias fotográficas obtidas diretamente dos filmes

513
668
produzirão os mesmos efeitos legais dos documentos originais em juízo ou fora dele,
conforme dispõe a Lei nº 5.433/1968 (Távora, 2017).

c) Público: é o documento emitido por funcionário público no exercício de suas funções. Para que sejam
considerados como tal, os documentos públicos necessitam cumprir alguns requisitos, como assenta
BRASILEIRO:

Tem como requisitos: a qualidade de funcionário público de quem o redige; a sua


competência na matéria e no território; a formação do ato durante as suas funções
públicas; e a observância das formalidades legais exigidas na espécie. Caso falte ao
documento público qualquer requisito legal para sua autenticidade, será considerado
documento particular, desde que devidamente assinado (Lima, 2017).

Interessante, a título de complementação, notar as disposições do Código Penal sobre a figura dos
“documentos públicos por equiparação”. Trata-se do artigo 297, § 2º, que dispõe:

§ 2º. Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade


paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial,
os livros mercantis e o testamento particular.

Os documentos públicos gozam de presunção relativa (juris tantum) de autenticidade; ou seja, admitem
prova em contrário e podem ser submetidos a perícias, havendo fundada suspeita de falsificação (Távora,
2017).

d) Particular: são os documentos elaborados e emitidos por particulares; ou seja, por exclusão, são os
documentos que não são públicos e nem equiparados a esses. Em relação aos documentos particulares,
sempre que contestada a sua autenticidade, serão eles submetidos a exame pericial, nos termos do art. 235
do CPP.

Outrossim, pertinentes as colocações de BRASILEIRO, citando MIRABETE, concernentes à valoração dos


documentos em geral:

A valoração de todo e qualquer documento passa pela análise de sua autenticidade e


pela verificação da veracidade dos fatos nele representados. Como leciona Mirabete,
“são requisitos indispensáveis do documento a verdade e a autenticidade. A verdade é
a existência real do que no instrumento se contém, se relata ou se expõe. A
autenticidade é a certeza legal de ser o escrito emanado da pessoa a quem o documento
é atribuído. Os documentos públicos têm a seu favor a presunção juris tantum de
autenticidade. Não se pode, assim, negar-se valor a tal prova para concluir-se coisa
diversa do que contém o documento público. O documento particular é autêntico

514
668
quando reconhecido por oficial público, quando aceito ou reconhecido por quem possa
prejudicar e quando provado por exame pericial (CPP, art. 235) (...)” (Lima, 2017).

8.3 PRODUÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL


O art. 231 do CPP deixa claro que, regra geral, as partes podem apresentar documentos a qualquer tempo
durante o processo:

Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em
qualquer fase do processo.

Perceba a ressalva referente aos “casos expressos em lei”, nos quais há limitação a essa regra de liberdade
do momento de apresentação de documentos. Como típico caso dessa limitação – que já foi trabalhado
(princípio da liberdade probatória) – está o art. 479 do CPP. Relembre:

Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de
objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis,
dando-se ciência à outra parte.

Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro
escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou
qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à
apreciação e julgamento dos jurados.

Além disso, há outra limitação à produção de prova documental no art. 233 do CPP:

Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão
admitidas em juízo.

Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a
defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.

A bem da verdade, trata-se da própria inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos constante do
art. 5º, LVI da Constituição Federal. Essa inadmissibilidade, que também já foi abordada, não só constitui
robusta limitação à produção de prova documental, mas a qualquer outro meio de prova que se afigure
ilícito.

A doutrina concebe a produção da prova documental em duas formas: espontânea e provocada. RENATO
BRASILEIRO bem sintetiza essa divisão:

A produção da prova documental pode ser espontânea, com a exibição, juntada ou


leitura pela parte, ou provocada (coacta), tal qual preceitua o art. 234 do CPP: “Se o juiz

515
668
tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da
defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes,
para sua juntada aos autos, se possível”. É possível, ademais, que o magistrado
determine, de ofício ou mediante requerimento das partes, a busca e apreensão de
documento, nos termos do art. 240, § 1º, alínea “h”, do CPP. Havendo requerimento das
partes, cabe ao magistrado analisar a possibilidade legal, relevância da prova e
pertinência do documento (Lima, 2017).

A produção espontânea, pois, refere-se à própria liberdade probatória conferida às partes no processo penal,
enquanto a produção provocada decorre da iniciativa probatória conferida ao juiz.

8.4 TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA


Situação interessante diz respeito aos documentos expedidos em língua estrangeira. Como seriam esses
documentos incorporados ao processo penal pátrio?

A resposta está no art. 236 do CPP:

Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se
necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela
autoridade.

Embora o dispositivo preveja a possibilidade de não tradução do documento por desnecessidade, RENATO
BRASILEIRO aduz em sentido contrário, considerando a tradução uma medida imprescindível:

A nosso juízo, em que pese a ressalva constante do art. 236 do CPP (“se necessário”),
mesmo que as partes tenham conhecimento da língua estrangeira, impõe-se a tradução
do documento para o Português, haja vista o princípio da publicidade dos atos
processuais, do qual deriva a necessária acessibilidade de todos ao conteúdo do
documento. A dispensa de tradução só deverá ocorrer quando o conteúdo do
documento não interessar ao acertamento do fato delituoso. Eventual indeferimento de
tradução é causa de nulidade relativa, devendo ser alegada oportunamente, sob pena
de preclusão, além da necessária comprovação do prejuízo (Lima, 2017).

No mesmo sentido, TÁVORA, apontando interessante questão referente à língua espanhola (notadamente
similar à portuguesa em razão da mesma origem latina):

Caso o documento seja realmente utilizado, entendemos que a necessidade de tradução


é presumida, pois mesmo que as partes e a autoridade dominem a língua estrangeira, a
publicidade dos autos e a necessidade de acessibilidade do conteúdo assim o exigem.

516
668
Mesmo o documento em espanhol deve ser traduzido. O STJ já teve oportunidade de
assentar que mesmo o castelhano, idioma mais próximo do português depois do galego,
deve ser objeto de tradução, sendo assim acompanhado por versão em vernáculo por
tradutor juramentado. A tradução pode ser indeferida fundamentadamente pelo juiz
quando verificar que o documento não guarda relevância jurídica ou não interessar ao
processo (Távora, 2017).

8.5 RESTITUIÇÃO DE DOCUMENTOS


A respeito da restituição de documentos, dispõe o autoexplicativo art. 238 do CPP:

Art. 238. Os documentos originais, juntos a processo findo, quando não exista motivo relevante
que justifique a sua conservação nos autos, poderão, mediante requerimento, e ouvido o
Ministério Público, ser entregues à parte que os produziu, ficando traslado nos autos.

No que concerne a documentos apreendidos no processo, BRASILEIRO faz interessante observação:

Em relação aos documentos apreendidos, caso a restituição seja pretendida antes do


trânsito em julgado da sentença final, e desde que não haja necessidade de sua
manutenção nos autos do processo, nem tampouco dúvida quanto à sua propriedade,
o procedimento a ser observado é o de restituição de coisas apreendidas, previsto entre
os arts. 118 e 124 do CPP (Lima, 2017).

9. INDÍCIOS

9.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


O conceito de indício é conferido pelo próprio CPP em seu art. 239:

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o
fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

517
668
Partindo dessa definição legal, elucida CAPEZ:
indício

É toda circunstância conhecida e provada, a partir da presunção


qual, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo,
indução
obtém-se a conclusão sobre um outro fato. A indução
parte do particular e chega ao geral. Assim, nos indícios, conclusão por
circunstâncias
a partir de um fato conhecido, deflui-se a existência do
que se pretende provar. Indício é o sinal demonstrativo
do crime: signum demonstrativum delicti (Capez, 2018).
fato

Todavia, indício não se confunde com presunção, como bem


assinala MOUGENOT BONFIM:

O indício não se confunde com a presunção, embora alguns autores os tomem como
sinônimos. Além de não constituir meio de prova, a presunção é, em sentido técnico, o
nome da operação lógico dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando,
ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente desse liame entre ambos. O indício
vincula-se a um fato real, apontando para a demonstração de algo. Ao raciocínio que se
fará, concluindo-se — certa ou equivocadamente — acerca do fato probando, chamar-se-á,
então, presunção (Bonfim, 2013).

Concernente à natureza jurídica dos indícios, entende a maioria doutrinária que se trata de meio de prova.
Nesse sentido, MARCÃO: “Os indícios têm natureza jurídica de meio de prova. Integram o sistema de provas
regrado no CPP. Nesse particular, está superada a sustentação de FLORIAN, que não incluía os indícios entre
os meios de prova” (Marcão, 2017).

9.2 VALOR PROBATÓRIO


Vistos como meio de prova, os indícios, assim como os demais meios, possuem valor probatório relativo e,
a depender do grau de verossimilhança com os demais elementos probatórios, podem lastrear decretos
condenatórios e absolutórios.

Nesse ponto, as lições de TÁVORA:

O indício tem valor bastante relativo. É tanto prova indireta, permitindo aliar as
presunções para se chegar a um resultado maior, quanto é uma prova semiplena, na
medida em que pode constituir prova (parcial) da materialidade de um fato (a exemplo
de não se achar o corpo, mas tão-somente sangue da vítima) (Távora, 2017).

518
668
Também, BADARÓ, com uma importante ressalva:

O primeiro requisito para que a prova indiciária tenha valor é que o fato indiciário esteja
plenamente provado, sendo conhecido e induvidoso. [...] Prevalece o entendimento de
que uma pluralidade de indícios, desde que coerentes e concatenados, pode dar a
certeza exigida para a condenação. Por outro lado, embora a certeza absoluta seja
inatingível, não é razoável admitir a condenação com base em um único indício, por mais
veemente que seja. Tal situação não permite que se considere atingida a “elevadíssima
probabilidade” necessária para a condenação penal. O indício, que permite um
raciocínio inferencial com base em uma regra de normalidade, ou do que comumente
acontece, jamais autorizará um juízo de certeza, mas sim de mera probabilidade, o que
é insuficiente para a condenação (Badaró, 2017).

9.3 CLASSIFICAÇÃO DOS INDÍCIOS


Com efeito, e em suma, pode-se verificar a existência de dois tipos de indícios:

a) Indício positivo: é o indício que aponta a existência de algo que se quer provar. Nas lições de TÁVORA: “Visa
elucidar as circunstâncias do fato, pelo que deve ser corroborado por outras provas. O indício positivo ratifica
a tese sustentada” (Távora, 2017).

b) Indício negativo ou contraindício: busca inviabilizar ou tornar insustentável uma tese alegada ou um
indício em determinada direção. Conforme o magistério de AVENA: “São circunstâncias que invalidam, em
determinadas condições e circunstâncias, os indícios colhidos contra alguém. Exemplo de contraindício
reside no álibi, que pode desfazer o indício de que, no dia e horário do crime, o réu se encontrava no local
onde este ocorreu” (Avena, 2017).

10. BUSCA E APREENSÃO

10.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA


A busca e apreensão costumam ser tratadas em bloco, como constituíssem uma só coisa. Na verdade, são
fenômenos distintos e até mesmo independentes.

Como leciona BONFIM, “poderá haver busca sem apreensão (quando não se encontrar o objeto procurado),
ou apreensão sem busca (na hipótese em que a coisa seja apresentada à autoridade, lavrando-se auto de
exibição e apreensão). Não obstante, na maior parte dos casos, a diligência será integrada por esses dois
atos” (Bonfim, 2013).

519
668
Por busca entende-se o ato de procurar algo ou alguém; por apreensão, o ato de apossamento, custódia ou
guarda de coisa ou pessoa.

Embora estejam contidas junto aos demais meios de prova dentro do Título VII do CPP, a doutrina entende
que a natureza jurídica da busca e apreensão não é de puro meio de prova, mas de meio de obtenção de
prova (para uns) ou mesmo de providência acautelatória (para outros).

Considerando-a como meio de obtenção de prova, BRASILEIRO:

Isso porque consiste em um procedimento (em regra, extraprocessual) regulado por lei,
com o objetivo de conseguir provas materiais, e que pode ser realizado por outros
funcionários que não o juiz (v.g., policiais). Sua finalidade precípua não é a obtenção de
elementos de prova, mas sim de fontes materiais de prova. Exemplificando, se, de uma
busca e apreensão domiciliar determinada pelo juiz, resultar a apreensão de
determinado documento, este sim funcionará como meio de prova, uma vez juntado
aos autos do processo (Lima, 2017).

MARCÃO, para quem a busca e apreensão são providências acautelatórias, aglutina entendimento de diversos
doutrinadores a respeito dessa natureza jurídica, demonstrando a divergência de entendimentos sobre o
tema:

TOURINHO FILHO entende que se trata de meio de prova; MIRABETE escreveu tratar-se
de medida acautelatória, e no mesmo sentido doutrinam CAPEZ e PACELLI; NUCCI
sustenta que são medidas de natureza mista, e justifica: “Conforme o caso, a busca pode
significar um ato preliminar à apreensão de produto do crime, razão pela qual se destina
à devolução à vítima. Pode significar, ainda, um meio de prova, quando a autorização é
dada pelo juiz para se proceder a uma perícia em determinado domicílio. A apreensão
tem os mesmos ângulos. Pode representar a tomada de um bem para acautelar os
direitos de indenização da parte ofendida, como pode representar a apreensão da arma
do delito para fazer prova. Assim, tanto a busca, quanto a apreensão, podem ser vistos,
individualmente, como meios assecuratórios ou como meios de prova, ou ambos”. Para
o legislador, a busca e a apreensão têm natureza jurídica de meio de prova, por isso
foram tratadas no capítulo em que se encontram. Em geral, a nosso ver, a busca e a
apreensão são medidas acautelatórias – que têm por escopo evitar o perecimento ou
assegurar a produção da prova, com a qual não se confundem –, e não meio de prova em
sentido estrito (Marcão, 2017).

10.2 INICIATIVA E DECRETAÇÃO


Em relação à iniciativa, dispõe o art. 242 do CPP:

520
668
Art. 242. A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.

Importante destacar a diferença entre as buscas pessoal e domiciliar nesse quesito.

Em se tratando de busca pessoal, a determinação a que se refere o dispositivo citado pode advir tanto da
autoridade policial quanto judiciária. Lembre-se que uma das diligências investigatórias previstas no art. 6º
do CPP é justamente a apreensão de objetos relacionados com o fato (inc. II), que não raras vezes se
encontram em poder do indivíduo preso.

A busca pessoal é tratada pelo § 2º do art. 240 do CPP:

§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Não é demais repisar (já falamos sobre isso) que a busca pessoal independerá de mandado judicial quando
realizada sobre o indivíduo que está sendo preso e quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja
de posse de armas proibidas ou objetos que constituam corpo de delito. Ou, ainda, se já há mandado
expedido para busca domiciliar (art. 244 do CPP).

Por outro lado, em relação à busca domiciliar, por força do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio
previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, XI, somente será admitida com a expedição do competente
mandado pela autoridade judiciária.

Partindo-se dessa visão, não se demonstra compatível com a Constituição Federal o disposto no art. 241 do
CPP, que daria margem à realização de busca domiciliar pela autoridade policial, sem autorização judicial:

Art. 241. Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca
domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

Nesse sentido, aduz AVENA:

Quanto à faculdade conferida em precitado dispositivo [art. 241] no sentido da dispensa


do mandado quando o delegado de polícia cumprir pessoalmente a busca, não foi,
obviamente, recepcionada pelo art. 5. º, XI, da Constituição Federal. Destarte, o
dispositivo vige apenas em relação ao magistrado (Avena, 2017).

10.3 OBJETO
O objeto da busca e apreensão consta do art. 240 do CPP:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

521
668
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

prender criminosos;

Conforme § 1º do art. 243 do CPP, se também houver ordem de prisão, constará do próprio texto do
mandado de busca. Na prática, contudo, observa-se a separação desse tipo de ordem em documento
diverso, o que é recomendado pela melhor doutrina.

apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

Por coisas achadas entendem-se os objetos eventualmente encontrados e que podem auxiliar na resolução
do caso. As coisas obtidas por meio criminosos, como assenta TÁVORA, “devem ser arrecadadas para evitar o
locupletamento ilícito, viabilizando também a indenização das possíveis vítimas” (Távora, 2017).

apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

Tanto os instrumentos para falsificação ou contrafação quanto os próprios objetos deles advindos podem
ser objeto de busca e apreensão. A propósito, contrafação é a reprodução fraudulenta de algo em prejuízo
do criador ou inventor.

apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim


delituoso;

Sobre essa alínea, as irretocáveis considerações de TÁVORA:

(...) admite-se a captação dos objetos especialmente utilizados para o ataque ou para a
defesa, que são as armas próprias, ou seja, confeccionadas com esta finalidade. Podem
ainda ser utilizadas armas impróprias ou acidentais, que são objetos que não têm
especialmente esta finalidade, como uma picareta ou um facão, mas que também
servem como instrumento do crime. Já a munição é o objeto de alimentação, de
suprimento da arma, como a pólvora ou os cartuchos. Os instrumentos utilizados para
a prática da infração serão periciados para verificação da natureza e eficiência (art. 175,
CPP), servindo, em si, como meio de prova” (Távora, 2017).

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

São os objetos que guardam relação íntima com a própria existência do crime, como os vestígios da infração
ou registros de qualquer natureza que atestem sua ocorrência, como peças de roupa manchadas de sangue
nos crimes violentos, fotografias, filmagens etc.

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja
suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

522
668
Essa alínea é alvo de críticas doutrinárias, haja vista a aparente lesão ao sigilo constitucionalmente
assegurado das correspondências. BRASILEIRO bem retrata o caso:

No tocante às cartas lacradas, há quem entenda que, por força do art. 5º, inciso XII, da
Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência, não
se afigura possível sua apreensão e violação, sob pena de ilicitude da prova. Não
obstante, convém ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a
possibilidade de a administração penitenciária, com fundamento em razoes de
segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, poder,
sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo
único, da Lei nº 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos
sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode
constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas (Lima, 2017).

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

Trata-se de legitimação da retirada de pessoas vítimas de crimes como sequestro ou cárcere privado de seus
paradeiros. Há de se ter em mente que nem sempre a existência de crimes dessa natureza é manifesta e
indubitável, havendo linhas tênues entre uma guarda (em sentido amplo) legítima e uma criminosa. Ao
demais, como bem lembra BRASILEIRO, “se a autoridade policial tem plena convicção de que determinada
pessoa é mantida em cárcere em determinado local, poderá ingressar no domicílio por estar caracterizada
situação de flagrância” (Lima, 2017).

h) colher qualquer elemento de convicção.

Hipótese residual; abarca os demais elementos que possam ser úteis para a persecução penal.

§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Dispositivo já tratado anteriormente.

10.4 ESPÉCIES DE BUSCA

10.4.1 Busca domiciliar

Dispõe o art. 5º, XI da Lei Maior:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial;

523
668
Ou seja, durante a noite é possível a entrada no domicílio de um indivíduo:

i. em situação de flagrante delito;


ii. em situação de desastre;
iii. para prestar de socorro;
iv. com o consentimento do morador.

Durante o dia, além dessas mesmas hipóteses, adiciona-se o cumprimento de mandado judicial (da busca
domiciliar, nesse caso).

Pois bem. Algumas questões podem surgir dentro desse contexto delineado pelo dispositivo constitucional.
Poder-se-ia indagar, por exemplo, qual a definição de ‘dia’, ou mesmo qual a abrangência do termo ‘casa’;
afinal, são conceitos indeterminados. A doutrina trouxe esclarecimentos; todavia, há divergências.

Em relação ao conceito de dia (e, via de consequência, de ‘noite’), há significativa divergência de


entendimentos. AVENA muito bem explicita as diversas posições sobre o tema, inclusive reunindo a visão de
doutrinadores a esse respeito, sem prejuízo de manifestar a sua visão e a que tem prevalecido:

Mas o que se compreende por dia? Há três posições a respeito:


• Primeira: Compreende-se o período entre as 6 horas e as 20 horas, por interpretação
analógica do art. 172 do CPC/1973 (art. 212 do CPC/2015). Neste sentido: AURY LOPES JR.
É, também, a posição a que aderimos.
• Segunda: Deve ser considerado o período entre às 6 horas e às 18 horas, visando-se,
com isso, a preservar ao máximo a vida privada e a intimidade no âmbito doméstico. Em
apertada maioria, tem sido esta a orientação dominante. Neste sentido: JOSÉ AFONSO DA
SILVA e FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO.
• Terceira: O critério deve ser o físico-astronômico, considerando-se como dia o período
em que houver iluminação solar. Neste sentido: GUILHERME DE SOUZA NUCCI e FERNANDO
CAPEZ (Avena, 2017).

A Lei nº 13.869/19 (nova Lei do Abuso de Autoridade) trouxe dispositivo que poderá, dependendo do
posicionamento adotado pela jurisprudência, pôr fim a essas divergências.

O inciso III do § 1º do artigo 22 da referida Lei prevê que cometerá crime de abuso de autoridade
o agente que cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h ou antes das 5h.

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do


ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem
determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

524
668
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes
das 5h (cinco horas).

As possibilidades de interpretação são várias; desde aquelas que entendem que esse dispositivo teria
estabelecido o conceito de dia (5h em diante) e de noite (depois das 21h), àquelas que apontam que esses
horários apenas têm relação com a ‘tipificação do crime’ trazido na nova norma.

Em resumo, atualmente temos 4 correntes sobre o tema:

i. 6 às 20h – com base nas regras do processo civil;


ii. 6 às 18h – com base na tradição de um horário comercial;
iii. Claridade – com base no momento que o sol nasce e se põe.
iv. 5 às 21h – com base na Lei de Abuso de Autoridade.

Pessoalmente, somos adeptos da última corrente, por um raciocínio bastante


objetivo e pragmático: finalmente temos, em lei criminal, uma definição do que seja ‘dia’ ou ‘noite’ para
efeito de proteção domiciliar. Não obstante eventuais críticas sobre a amplitude do período, essa foi a opção
política do legislador e, convenhamos, nenhum absurdo nessa compreensão. O Brasil tem dimensões
continentais. Existem lugares em que os primeiros raios do sol surgem antes das 5h (Paraíba); em outros
pontos (sul do país), é possível que o sol perdure até por volta de 20h30, considerando-se o ‘horário de
verão’. As leis têm abrangência em todo o território nacional (art. 1º do CPP). Diante desses fatos/realidades
e da presunção de constitucionalidade, não vemos nenhuma afronta direta da lei ao texto constitucional,
que deve sim ganhar essa interpretação conforme.

A segurança jurídica neste ponto é fundamental. Melhor um período mais longo e determinado, a um
período um pouco mais curto, variável e duvidoso que gera incertezas e questionamentos; não só para os
agentes que cumprem a ordem judicial como também para o cidadão que não sabe a extensão da sua
garantia de inviolabilidade domiciliar. O parâmetro objeto facilitaria inclusive a prova para a constatação de
eventuais ilicitudes. Todos ganhariam com isso: o cidadão, para identificar e demonstrar ilicitudes; o agente
policial para saber precisamente o horário limite para a diligência; o juiz para avaliar eventual prova nesse
sentido. A questão ainda não está definida; esperamos que a jurisprudência caminhe nesse sentido.

Em relação ao outro ponto de discussão: qual seria a abrangência do termo “casa”?

Extrai-se o conceito de casa do art. 150, § 4º do Código Penal:

§ 4º - A expressão "casa" compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

525
668
O § 5º do mesmo artigo complementa:

§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a


restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

Atenção especial deve ser conferida aos escritórios de advocacia. Dispõe o art. 7º da Lei 8.906/1994 –
Estatuto da Advocacia, em seu inciso II:

Art. 7º São direitos do advogado:

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de


trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas
ao exercício da advocacia;

Por outro lado, atente-se ao que dispõe os §§ 6º e 7º do mesmo artigo:

§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a


autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o
inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão,
específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em
qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes
a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que
contenham informações sobre clientes.

§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado


que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela prática do
mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

Nesse sentido, as ponderações de BONFIM:

A inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, entretanto, não é


absoluta. Pode ser quebrada por ordem judicial, devidamente fundamentada, desde
que presentes indícios de autoria e materialidade de infração penal perpetrada por
advogado. O magistrado determinará a expedição de mandado de busca e apreensão
específico e detalhado, a ser cumprido na presença de representante da Ordem dos
Advogados do Brasil. Ademais, como garantia da inviolabilidade do escritório do
advogado, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o mandado
de busca e apreensão não pode ser expedido de modo genérico, exigindo uma maior
especificidade no seu objeto em relação àquele mandado expedido para busca em

526
668
residência (STF, HC 91.610/BA, Rel. Gilmar Mendes, j. 8.6.2010, Informativo n. 590/STF)
(Bonfim, 2013).

10.4.2 Mandado de busca e apreensão

Os requisitos necessários ao mandado de busca e apreensão estão elencados no art. 243 do Código de
Processo Penal:

Art. 243. O mandado de busca deverá:

I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do
respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de
sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;

II - mencionar o motivo e os fins da diligência;

III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.

§ 1º Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca.

§ 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo


quando constituir elemento do corpo de delito.

10.4.3 Execução da busca domiciliar

O procedimento da busca domiciliar está contido no art. 245 do CPP:

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se
realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado
ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

§ 1º Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da


diligência.

§ 2º Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.

§ 3º Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no


interior da casa, para o descobrimento do que se procura.

§ 4º Observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º, quando ausentes os moradores, devendo, neste


caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.

§ 5º Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-
la.

527
668
§ 6º Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob
custódia da autoridade ou de seus agentes.

§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas


testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º.

O dispositivo, per se, bem esclarece a forma como será procedida a execução da busca. Entretanto, algumas
considerações adicionais são pertinentes:

a) Em relação ao consentimento do morador à realização da busca em período noturno, NUCCI pontua:


“Configura o abuso de autoridade caso a concordância seja extraída mediante ameaça ou qualquer tipo de
logro, como, por exemplo, ocorreria se houvesse a promessa de retornar no dia seguinte com um mandado
de busca e outro de prisão por desobediência” (Nucci, 2015).

b) Para a doutrina, o não atendimento à intimação para a abertura da porta pelo morador pode configurar
crime. TÁVORA, para quem tal atitude poderia ser enquadrada como desobediência, assevera:

Antes de adentrarem na residência, os executores mostrarão e lerão o mandado ao


morador, ou a quem o represente, intimando-o, na sequência, a abrir a porta. Não sendo
atendido o reclamo, será arrombada a porta e forçada a entrada. Neste caso, é possível
o enquadramento por desobediência (art. 330, CP) (Távora, 2017).

Para BONFIM, isso poderia configurar crime de resistência: “Em caso de desobediência, será arrombada a
porta e forçada a entrada (art. 245, § 2º). A conduta do morador desobediente poderá configurar o crime de
resistência, tipificado no art. 329 do Código Penal” (Bonfim, 2013).

c) NUCCI, ainda, faz interessante distinção em relação aos possíveis tipos de resistência quando da análise da
recalcitrância a que se refere o § 3º do artigo e as suas consequências:

Na análise da recalcitrância do morador em permitir a diligência, é preciso estabelecer


a diferença existente entre a resistência ativa e a passiva. A primeira dá margem à
utilização de força por parte dos executores, que cumprem o mandado, mesmo porque,
não o fazendo, será impossível cumprir, com sucesso, o determinado pelo juiz.
Entretanto, passiva é a rebelião natural da pessoa que se sente invadida em seu
domicílio, tendo sua intimidade devassada, o que termina sendo um mal necessário,
podendo gritar, esbravejar, mostrar sua contrariedade e ter reações nervosas de toda
ordem. Esta atitude não autoriza o emprego de força, nem tampouco a prisão do
morador por desobediência, resistência ou desacato. Observa, com argúcia, BENTO DE
FARIA que “os executores da busca devem ser pacientes, para relevar qualquer
exaltação, de momento, por parte do morador, levando em conta as excitações nervosas
que quase sempre produzem tais situações, e se manifestam sem intenção ofensiva,

528
668
mas como manifestação natural de independência e de liberdade” (Código de Processo
Penal, v. 1, p. 360) (Nucci, 2015).

d) Procede-se de igual maneira à estampada no § 4º do artigo quando apenas houver, na casa, pessoas que
não detenham capacidade de consentir à medida, como menores de idade ou incapazes por outros motivos.

e) Sobre o encerramento da execução do mandado, TÁVORA pontua:

A diligência será encerrada com a lavratura de auto circunstanciado, assinado pelos


executores, por duas testemunhas presenciais e eventualmente por um vizinho, nas
hipóteses que preveem a sua convocação (item IV). A ausência de testemunhas
presenciais é mera irregularidade, relevando observar que os executores, naturalmente,
não figuram como testemunha. Prevê o art. 247 do CPP que não “sendo encontrada a
pessoa ou coisa procurada, os motivos da diligência serão comunicados a quem tiver
sofrido a busca, se o requerer”. O fundamento da medida deve constar do mandado,
que ao ser lido ao morador no início do ato, objetiva esclarecê-lo de tudo que será
realizado. Se eventualmente restar alguma dúvida, ou se o morador não estava em casa,
poderá requerer mais explicações à autoridade responsável pela ordem (Távora, 2017).

f) Deve-se sempre buscar a minimização dos prejuízos e moléstias aos moradores de casas habitadas durante
esse tipo de procedimento, como bem dispõe o art. 248 do CPP. Nada mais é, pois, do que o bom-senso dos
executores da medida:

Art. 248. Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do
que o indispensável para o êxito da diligência.

Por fim, interessantes as colocações de BRASILEIRO a respeito do ingresso da autoridade ou de seus agentes
para a realização da apreensão em território de jurisdição alheia:

A autoridade ou seus agentes poderão penetrar no território de jurisdição alheia, ainda


que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no seguimento de pessoa
ou coisa, devendo apresentar-se à competente autoridade local, antes da diligência ou
após, conforme a urgência desta. Entende-se que a autoridade ou seus agentes vão em
seguimento da pessoa ou coisa, quando: a) tendo conhecimento direto de sua remoção
ou transporte, a seguirem sem interrupção, embora depois a percam de vista; b) ainda
que não a tenham avistado, mas sabendo, por informações fidedignas ou circunstâncias
indiciárias, que está sendo removida ou transportada em determinada direção, forem
ao seu encalço (Lima, 2017).

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668
10.4.4 Descoberta de elementos probatórios diversos e encontro fortuito de provas

Outra questão curiosa diz respeito à legitimidade da diligência e à validade de elementos probatórios
referentes a delito ignorado localizados durante busca e apreensão por outro crime.

Confessando ser ponto de difícil análise, NUCCI propõe:

Segundo nos parece, deve-se buscar o meio-termo. Caso a polícia esteja procurando,
por exemplo, por documentos falsificados e localizar uma arma que faz crer, por suas
peculiares características (um punhal manchado de sangue e devidamente escondido),
ser o instrumento usado para o cometimento de outro delito ou, então, localiza várias
fotos do morador na companhia de menores de idade, em atividade sexual, não deve
simplesmente ignorar o que está vendo, mas deve preservar o local e as coisas
encontradas, solicitando, de imediato, ao juiz de plantão uma autorização legal para
proceder à apreensão. Assim fazendo, não se despreza a nova prova, mas também não
se apreende algo que não é objeto do mandado de busca e apreensão. Em se tratando
de pertences lícitos de terceiros, não indiciados ou acusados, não deve a polícia efetuar
qualquer tipo de apreensão. Encontrando algo ilícito, conforme a sua natureza, pode
haver a apreensão (ex.: droga ou arma, que são objetos de crimes permanentes) ou não
(ex.: documentos indicativos de cometimento de ilícito tributário, normalmente objetos
de delitos instantâneos). Para esta última situação, cabe ao agente do Estado solicitar ao
magistrado competente, mesmo que em regime de plantão, a apreensão cautelar. Na
sequência, instaurado o procedimento próprio (inquérito policial, por exemplo), torna-
se a apreensão definitiva, ao menos enquanto houver necessidade à instrução (Nucci,
2015).

BRASILEIRO, remetendo à teoria do encontro fortuito de provas, sustenta:

Fala-se em encontro fortuito de provas, portanto, quando a prova de determinada


infração penal é obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a
investigação de outro crime. Nesses casos, a validade da prova inesperadamente obtida
está condicionada à forma como foi realizada a diligência. Nesses casos de cumprimento
de mandados de busca e apreensão, deve-se atentar para o fato de que a Constituição
Federal autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito (CF, art. 5º, XI). Logo,
se a autoridade policial, munida de mandado de busca e apreensão, depara-se com
certa quantidade de droga no interior na residência, temos que a apreensão será
considerada válida, pois, como se trata do delito de tráfico de drogas na modalidade de
“guardar”, espécie de crime permanente, haverá situação de flagrante delito,
autorizando o ingresso no domicílio mesmo sem autorização judicial. Portanto, nas
hipóteses de flagrante delito (v.g., crimes permanentes), mesmo que o objeto do
mandado de busca e apreensão seja distinto, será legítima a intervenção policial, a

530
668
despeito da autorização para entrar na casa lhe ter sido deferida com outra finalidade
(Lima, 2017).

Fazemos remissão, aqui, às teorias que estudamos na teoria geral da prova.

10.4.5 Busca pessoal

A busca pessoal, como a denominação explicita, recai sobre o próprio indivíduo e os seus pertences
imediatos.

Nas lições de MARCÃO:

Verdadeiro constrangimento legal, a busca pessoal é modalidade de diligência que recai


diretamente sobre a pessoa, e também sobre pertences seus, tais como vestimenta,
carteira, bolsa, mala, automóvel, motocicleta etc., daí ser possível falar em busca pessoal
direta e indireta nas situações respectivamente indicadas (Marcão, 2017).

A busca pessoal é admitida nos casos descritos no art. 240, § 2º do CPP:

§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Ou seja, poderá ocorrer quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo:

a) arma proibida;

b) coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) instrumentos de falsificação ou contrafação e objetos falsificados e contrafeitos;

d) armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o
conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) qualquer outro elemento de convicção.

Além do mais, conforme já assentado anteriormente, a busca pessoal não dependerá de mandado judicial
nas hipóteses do art. 244 do CPP:

531
668
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver
fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

RENATO BRASILEIRO, a respeito da expressão “fundada suspeita” constante do art. 244, registra a visão do STF
sobre o assunto:

Na dicção do Supremo Tribunal Federal, “a fundada suspeita prevista no art. 244 do CPP
não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos
concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que
causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por
configurados na alegação de que trajava, o paciente, um ‘blusão’ suscetível de esconder
uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias
individuais e caracterizadoras de abuso de poder” (Lima, 2017).

Ainda, segundo o STF, a busca realizada em automóvel constitui ‘busca pessoal’, e, portanto, prescinde de
qualquer autorização judicial, bastando que estejam presentes os elementos que permitam a busca:

[...] BUSCA PESSOAL. APREENSÃO DE DOCUMENTOS EM AUTOMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE


ILEGALIDADE. [...] Apreensões de documentos realizadas em automóvel, por constituir típica
busca pessoal, prescinde de autorização judicial, quando presente fundada suspeita de que nele
estão ocultados elementos de prova ou qualquer elemento de convicção à elucidação dos fatos
investigados, a teor do § 2º do art. 240 do Código de Processo Penal. [...] (RHC 117767,
Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 11/10/2016, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017).

Em igual sentido, o STJ:

[...] Havendo fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito, como no caso, a busca em veículo, a qual é equiparada à busca
pessoal, independerá da existência de mandado judicial para a sua realização. [...] (HC
216.437/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2012, DJe
08/03/2013).

Por fim, em se tratando de busca pessoal realizada em mulher, prevê o art. 249 do CPP:

Art. 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou
prejuízo da diligência.

532
668
11. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
Assim estabelece a Constituição Federal:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das


comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Tal norma constitucional foi regulamenta pela Lei 9.296/1996, que trata da interceptação telefônica:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em


investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em


sistemas de informática e telemática.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer
das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da
investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade
manifesta, devidamente justificada.

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício
ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual


penal.

Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a


sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem
empregados.

533
668
§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde
que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão
será condicionada à sua redução a termo.

§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de
execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual
tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação,


dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será


determinada a sua transcrição.

§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao


juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações
realizadas.

§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8°, ciente o Ministério
Público.

Art. 7° Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá
requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.

Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos


apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o
sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório
da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou
na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou
538 do Código de Processo Penal.

Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o
inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público
ou da parte interessada.

Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo
facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou


telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não
autorizados em lei.

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668
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário.

Trouxemos aqui a Lei, para completude do material e contextualização da matéria, mas não faremos
explicações e apontamentos em relação a ela porque isso será feito pelo professor de Legislação Especial –
evitando-se a redundância.

12. QUEBRA DO SIGILO DE DADOS


“O sigilo bancário e financeiro é um dever jurídico imposto às instituições financeiras para que estas não
divulguem informações acerca das movimentações financeiras de seus clientes, tais como aplicações,
depósitos, saques etc. Pode ser compreendido, portanto, como o dever jurídico de sigilo das entidades
atuantes no sistema financeiro nacional” (Lima, 2018). Tal imposição deriva da Lei Complementar 105/2001:

Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e


serviços prestados.

Também, por ser matéria de Legislação Especial, o tema não será aqui explorado, fazendo-se mera
referência.

13. COLABORAÇÃO PREMIADA


Esse tema é totalmente regulamentado por legislação esparsa, em especial as Leis 12.850/2013 e 9.807/99,
ficará também por conta do professor de Legislação Especial.

14. INFILTRAÇÃO DE AGENTES


“Integrante da estrutura dos órgãos policiais, o agente infiltrado (undercover agent) é introduzido
dissimuladamente em uma organização criminosa, passando a agir como um de seus integrantes, ocultando
sua verdadeira identidade, com o objetivo precípuo de identificar fontes de prova e obter elementos de
informação capazes de permitir a desarticulação da referida associação” (Lima, 2018).

Por ser tema regulamentado em Legislação Especial, será abordado na respectiva matéria.

TAREFA 10 – DIREITO CONSTITUCIONAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

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668
“Teoria dos Direitos Sociais” até “Outros Direitos Coletivos trabalhistas”, inclusive.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

DIREITOS SOCIAIS
No século XX, na Constituição do México (1917) e na Constituição da Alemanha (1919), as primeiras
declarações de direitos sociais foram encontradas. No Brasil, a primeira Constituição a dispor sobre direitos
sociais foi a de 1934.

Com inspiração no Estado Social, com vistas a implementar a igualdade material e a amparar os indivíduos
menos favorecidos economicamente, os direitos sociais, no Brasil, foram elevados à categoria de direitos
fundamentais ainda no governo de Getúlio Vargas. A Constituição Federal de 1988, por outro lado, ampliou
o rol desses direitos e reservou o capítulo II, do Título II, para tratar da temática.

Os direitos sociais criam para o Estado a obrigação de fazer, o dever de desenvolver políticas públicas que
sejam capazes de reduzir as desigualdades socioeconômicas. Nessa toada, os direitos sociais são direitos
prestacionais, têm status positivo e são classificados na segunda geração de direitos fundamentais.

Os direitos sociais, como espécies de direitos fundamentais, criam direitos subjetivos adjudicáveis, embora
alguns deles, como é típico de sociedades democráticas, tenham conteúdo principiológico, a fim de
possibilitar diferentes níveis de implementação, já que demandam vultoso volume orçamentário.

Com efeito, o entendimento mais recente do Supremo Tribunal Federal é o de que os direitos sociais não
têm conteúdo meramente programático, de forma que o jurisdicionado, conforme a situação, poderá exigir
judicialmente que o Estado cumpra o seu dever, respeitados, evidentemente, alguns limites, mormente a
separação de Poderes e a reserva do possível (RE 393.175).

Os destinatários desses direitos são os brasileiros e os estrangeiros, independentemente de serem ou não


contribuintes formais da seguridade social, de exercerem direitos políticos ou de residirem em determinada
localidade. É dever da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios buscar a plena efetivação dos
direitos sociais.

TEORIA DOS DIREITOS SOCIAIS


Resulta da força normativa da Constituição a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, que assegura
ao indivíduo o direito de exigir que o Estado implemente, por meio de políticas públicas, os direitos sociais
enumerados na Constituição. Em caso de omissão injustificável por parte do poder Público, cabe ao
Judiciário, mediante provocação, assegurar o direito que foi constitucionalmente consagrado.

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668
Lado outro, o excesso de ativismo judicial é vedado, uma vez que a decisão que obriga a materialização do
direito social sem considerar a realidade socioeconômica do ente federativo contraria o interesse público e
afronta o orçamento da pessoa política, causando ou contribuindo para causar o caos econômico.

Com o propósito de assegurar os direitos sociais a todos os que deles necessitam e não somente àqueles que
levam o caso ao Judiciário, doutrina e jurisprudência têm caminhado no sentido de formularem alguns
parâmetros, manifestos em alguns princípios. Vejamos:

Princípio da Reserva do Possível

O Princípio da Reserva do Possível é argumento utilizado pelo Estado, quando demandado em juízo, para
demonstrar que ainda não é possível materializar, tal como previsto na Constituição, um direito social.

Os direitos fundamentais de cunho prestacional, por vezes, para serem implantados, sofrem alguma
limitação fática, em decorrência do pequeno orçamento do Estado, da falta de recursos para cumprir com
todas as suas obrigações. Por força do princípio da legalidade da despesa, o Estado, às vezes, sofre também
limitação de ordem jurídica, dada a inexistência de autorização orçamentária para cobrir despesas exigidas
judicialmente.

Com efeito, decorre da reserva do possível a equalização da efetivação dos direitos sociais com a realidade
socioeconômica do ente público, de forma que a avaliação acerca de quais interesses da coletividade
deverão ser prioritariamente atendidos deve ser feita a partir da análise de dois aspectos: a razoabilidade
da pretensão deduzida em face do Poder Público e a existência de disponibilidade financeira.

Agora, é preciso deixar claro que cabe ao Estado, quando demandado, provar que não possui recursos
suficientes para efetivamente assegurar a todos, por meio de política pública, o gozo de algum direito social.
Não basta alegar a escassez de recursos, é preciso comprovar.

Princípio do Mínimo Existencial

O Princípio do Mínimo Existencial limita a utilização da cláusula de reserva do possível, porque não pode o
Estado alegar escassez de recursos para deixar de assegurar o mínimo necessário para resguardar a própria
condição de ser humano.

A reserva do possível não poderá ser invocada para eximir o Poder Público de desenvolver obras e programas
de ação capazes de comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial.

Princípio da Vedação de Retrocesso Social (efeito cliquet)

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O Princípio da Vedação de Retrocesso Social tem a finalidade de impedir a extinção ou redução injustificada
de políticas públicas ou mesmo de medidas legislativas destinadas à viabilização de direitos sociais já
consolidados na consciência social, ao longo do tempo.

A supressão ou redução do grau de concretização de um direito fundamental não pode ser injustificada, sem
que esteja sedimentada em outros princípios constitucionais ou sem que haja a realização por outra medida
concretizadora.

(2017/FMP Concursos/MPE-RO/Promotor de Justiça Substituto) No que tange ao tema dos direitos sociais,
é CORRETO afirmar:

A) A Constituição estabeleceu a primazia dos direitos, liberdades e garantias em relação aos direitos sociais,
conferindo a estes o caráter de normas programáticas.

B) O controle jurisdicional das políticas públicas de direitos sociais encontra, dentre outros, os seguintes
parâmetros de sindicabilidade: reserva do possível, mínimo existencial, proibição do retrocesso social e
proibição da proteção insuficiente dos direitos fundamentais.

C) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é cabível a concessão de medicamentos novos
e experimentais.

D) Em tempos de crise, os direitos sociais reivindicam obrigações de respeito do Estado, não incidindo, pois,
as obrigações de proteção e de promoção.

E) O ativismo judicial é um princípio que decorre da máxima efetividade dos direitos sociais.

Gabarito: B

Comentários:

A) Errada. Não há primazia de direitos de liberdade em relação aos direitos sociais. Os direitos sociais não
têm caráter de normas programáticas, embora alguns deles dependam de regulamentação ou da existência
de política pública que lhes desenvolva a aplicabilidade. Os direitos sociais criam direitos subjetivos e não
podem ser considerados meramente programáticos.

B) Certa. Os direitos sociais criam direitos subjetivos e podem ser exigidos judicialmente. Porém, o Judiciário,
quando da análise do caso concreto, deverá balizar a necessidade, a razoabilidade e a existência de recursos
orçamentários para a sua implementação. Daí falar-se reserva do possível. Não poderá o Estado, todavia,

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668
alegar falta de recurso, para deixar de assegurar o mínimo existencial e nem para trazer nova interpretação
que subverta o campo de proteção do direito (vedação ao retrocesso).

C) Errada. Embora seja papel Poder Público primar pela oferta de meio de tratamento eficaz, devidamente
testado, para não expor o indivíduo ao agravamento de sua doença, em casos excepcionais admitidos por
lei, será admitida a utilização de medicamento ou de tratamento ainda não testado pela Anvisa, quando
houver recomendação médica para tal (Ver Recomendação 31 do CNJ).

D) Errada. Os direitos sociais são prestações positivas e exigem um fazer por parte do Estado.

E) Errada. Ativismo judicial não é princípio e resulta da necessidade de implementação de direitos


fundamentais negligenciados pelo Executivo ou pelo Legislativo.

DIREITOS SOCIAIS ENUMERADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


O artigo 6º da Constituição Federal enumerou expressamente onze direitos sociais, a saber:

✓ a educação;
✓ a saúde;
✓ a alimentação;
✓ o trabalho;
✓ a moradia;
✓ o transporte;
✓ o lazer;
✓ a segurança;
✓ a previdência social;
✓ a proteção à maternidade e à infância;
✓ a assistência aos desamparados.

Moradia (EC 26/2000), alimentação (EC 64/2010) e transporte (EC 90/2015) não são normas originárias da
Constituição, foram acrescentadas por emendas constitucionais.

A enumeração desses onze direitos sociais não é exaustiva, mas tão somente exemplificativa. Outros
direitos sociais poderão também ser incluídos no rol do artigo 6º da CRFB/88. Há, ainda, outros direitos
sociais espalhados na Constituição Federal, como direito ao meio ambiente (artigo 225 da CRFB/88), o direito
dos idosos (artigo 203 da CRFB/88), a cultura (artigo 215 da CRFB/88), o desporto (artigo 217 da CRFB/88),
dentre outros, embora constem do título “Da Ordem social”.

José Afonso da Silva (2007) ensina que não obstante o fato de a Constituição Federal ter separado a Ordem
Social da Ordem Econômica, não utilizou a melhor metodologia ao dispor sobre um capítulo próprio para

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668
Direitos Sociais (Título II do Capítulo II) e um título próprio, bem distanciado, para Ordem Social (Título VIII),
porque não há entre eles uma separação radical, já que os direitos sociais estão gravados na ordem social.

Com efeito, no capítulo dos direitos sociais foram enumerados onze, mas tão somente a ideia de um deles
foi desenvolvida, somente há detalhamento a respeito do direito ao trabalho. Nada foi dito acerca dos outros
dez direitos, que só têm os seus mecanismos e aspectos organizacionais delineados no título “Da Ordem
social”, a partir do artigo 194 da Constituição Federal.

Nesta aula, teceremos alguns comentários sobre os direitos sociais, mas sem a pretensão de exaurir o
assunto, uma vez que o tema será detalhado na aula sobre Ordem social. O objetivo, no momento, é
apenas o de traçar um panorama de organização social, para facilitar o seu estudo.

Da educação

O direito social à educação é fruto da dignidade da pessoa humana e da cidadania, uma vez que exerce dupla
função: de um lado, qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada, desenvolvida
(cidadania); de outro, dignifica o indivíduo, verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (dignidade
da pessoa humana).

A Constituição Federal dispõe no artigo 205 que a educação é direito de todos (brasileiros e estrangeiros) e
dever do Estado e da família. Há, no ponto, a consagração do dever de solidariedade entre a família e o
Estado, com a finalidade de defesa integral dos direitos das crianças e dos adolescentes.

O dever da família é o de garantir a presença do educando na escola, impedindo a evasão escolar e


garantindo o aproveitamento do ensino, com vistas a promover o desenvolvimento pleno do indivíduo, quer
seja para o exercício da cidadania, quer seja para compor o mercado de trabalho.

O dever do Estado com a educação consiste em garantir a educação básica obrigatória e gratuita dos quatro
aos dezessete anos de idade, inclusive para aqueles que já estão fora da idade própria. Essa garantia inclui
a alimentação, o transporte, o material didático e a assistência à saúde. Constitui direito público subjetivo.

Interessante apontar a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 888.815. O Tribunal, ao interpretar a Lei
Maior, entendeu que não há vedação absoluta ao ensino domiciliar, embora este não constitua direito
subjetivo.

A educação domiciliar poderá ser instituída por meio de “lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na
modalidade ‘utilitarista’ ou ‘por conveniência circunstancial’, desde que se cumpra a obrigatoriedade, de 4
a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas, a
supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público.”

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668
A educação básica compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. O ensino
fundamental será atendido com prioridade. O ensino médio gratuito será universalizado progressivamente.
A educação infantil em creche e pré-escola será ofertada até os cinco anos de idade.

A jurisprudência do STF firmou-se no sentido da existência de direito subjetivo público de crianças até cinco
anos de idade ao atendimento em creches e pré-escolas. O desrespeito de tal regramento por parte do
Poder Público poderá ensejar, mediante provocação, a intervenção do Poder Judiciário. (RE 554.075)

Os sistemas de ensino serão organizados pela União, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, em regime
de colaboração, de maneira a universalizar o ensino obrigatório. Os Municípios atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e na educação infantil. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e médio. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios.

1. A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da CF. (Súmula
Vinculante 12).

2. Repercussão geral reconhecida com mérito julgado: “A garantia constitucional da gratuidade de ensino
não obsta a cobrança, por universidades públicas, de mensalidade em curso de especialização.” (RE 597.854).

3. Para o Plenário do STF, “a quota mensal escolar nos colégios militares não representa ofensa à regra
constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há violação concreta ou potencial ao núcleo
de intangibilidade do direito fundamental à educação.” “A contribuição dos alunos para o custeio das
atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária, considerada a facultatividade
do ingresso ao Sistema de Ensino do Exército, segundo critérios meritocráticos, assim como a natureza
contratual do vínculo jurídico formado.” (ADI 5.082).

Da saúde

O artigo 196 da Constituição Federal assegura que saúde é direito de todos e dever do Estado. Cabe ao
poder Público desenvolver políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O sistema único de saúde é financiado, nos termos do art. 195 da CRFB/88, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

A execução das ações e serviços de saúde deve ser feita primordialmente pelo Poder Público diretamente,
mas pode ser feita também por meio de terceiros (pessoa física ou jurídica), obedecidos os princípios do
atendimento integral, da participação da comunidade e da descentralização.

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O Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.931, dispôs que a nenhuma pessoa será negado tratamento em
hospital público, considerada a universalidade do sistema. Porém, se o Poder Público atender a particular,
em virtude de situação incluída na cobertura contratual de plano de saúde privado, deve o SUS ser
ressarcido, tal como faria o plano de saúde em se tratando de hospital privado. Para o Tribunal, embora o
SUS atue gratuitamente em relação aos cidadãos, não o faz no tocante às entidades cuja atividade-fim é
justamente assegurar a cobertura de lesões e doenças, cabendo, nessa senda, distinguir os vínculos jurídicos
em jogo: constitucional, entre Estado e cidadão; obrigacional, entre pessoa e plano de saúde; e legal, entre
Estado e plano de saúde.

É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no


Brasil.

1. Repercussão geral reconhecida com mérito julgado: “É constitucional a regra que veda, no âmbito do SUS,
a internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio
SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes.” (RE
581.488).

2. Repercussão geral reconhecida. “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos
deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser
composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.” (RE 855.178)

Alimentação

O direito humano à alimentação adequada, tanto do ponto de vista de quantidade como de qualidade,
contempla a Segurança Alimentar e Nutricional e o direito à vida. Está previsto no artigo 25 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o
Comentário Geral nº 12 da ONU. No Brasil, foi incluído no rol de direitos sociais expressos na Constituição
Federal, em 2010, pela Emenda Constitucional nº 64.

Trabalho

O direito ao trabalho objetiva assegurar meios dignos de sobrevivência e o exercício da cidadania e da


dignidade da pessoa humana. Compreende não apenas a atividade remunerada decorrente do exercício de
liberdade de profissão, mas também a ocupação do tempo, por meio da prestação de um serviço ou da
criação de um determinado produto, objeto ou arte, ainda que sem fim lucrativo.

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668
É dever do Estado proporcionar o pleno emprego (artigo 170, VIII, da CRFB/88), com vistas a impulsionar o
desenvolvimento econômico. Cabe à União o dever de inspecionar o trabalho, a fim de que a legislação de
amparo ao trabalhador seja respeitada e o trabalho escravo seja extirpado.

Moradia

O direito à moradia transcende o direito de ter casa própria, pois não se confunde com o direito à
propriedade. Moradia requer ocupar uma habitação com dimensões adequadas, em condições de higiene e
conforto capaz de preservar a intimidade e a vida privada. Pressupõe respeito à dignidade da pessoa
humana, de modo que no local da habitação é preciso haver saneamento básico, transporte, áreas de lazer,
água potável e energia.

Transporte

Transporte passou a ser direito social após a promulgação da Emenda constitucional 90, de 15 de setembro
de 2015. O principal objetivo de sua positivação foi o de garantir a mobilidade urbana, com vistas a atender
e suprir as necessidades que o indivíduo tem de deslocamento para a realização de atividades cotidianas
(trabalho, educação, saúde, lazer, dentre outros).

O direito ao transporte contempla o emprego de esforço direto (deslocamento a pé), de meios de transporte
(viário, aquático, aéreo) não motorizados (bicicletas, carroças, cavalos) ou motorizados (coletivos e
individuais).

Alguns autores classificam transporte como direito meio e não como direito fim, uma vez que transporte
está relacionado à mobilidade para o exercício de outras atividades do dia-a-dia, tais como trabalho e lazer.

É dever do Estado oferecer transporte coletivo público e construir ciclovias e rodovias que permitam o
desenvolvimento de empenho próprio que assegure a locomoção dentro do território nacional.

Lazer

O direito ao lazer está associado à qualidade de vida, a um ambiente sadio e equilibrado que permita tanto
a ociosidade, quanto a recreação. O lazer é destinado à reposição das forças após o exercício de atividade
laboral. Requer lugar apropriado, razão por que é dever do Estado impulsionar meios e espaços próprios de
divertimento e de repouso (parques, quadras de esporte, bosques, etc.).

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668
Segurança

A segurança é classificada como direito social e como direito individual. No último caso, como já estudado
na lição sobre o artigo 5º da Constituição Federal, segurança é um dos direitos fundamentais básicos e está
associado à ideia de segurança jurídica. No artigo 6º, segurança, na qualidade de direito social, está
relacionada à segurança pública, dever do Estado de preservar a integridade física e moral; a vida; a
dignidade da pessoa humana; o patrimônio das pessoas; o patrimônio público; e o patrimônio histórico e
cultural da humanidade.

A ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio é dever de todos os entes federativos, nos
termos do artigo 144 da Constituição Federal, que elenca os órgãos de segurança pública da responsabilidade
de cada pessoa política.

Da Previdência Social

O artigo 201 da Constituição Federal assegura que a previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória e deverá contemplar cinco diferentes grupos de
benefícios: a) cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade
avançada; b) proteção à maternidade, especialmente à gestante; c) proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário; d) salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa
renda; e) pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Todos os beneficiários da previdência se submetem aos mesmos requisitos e critérios para obtenção da
aposentadoria, sendo vedada a diferenciação, exceto os casos de atividades exercidas sob condições
especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de
deficiência, nos termos definidos em lei complementar.

Os benefícios pagos ao segurado deverão ter valor mensal pelo menos igual ao valor do salário mínimo e
devem ser periodicamente reajustados, na forma da lei, a fim de que preservem o valor real.

1. Fixada a seguinte tese de repercussão geral no RE 661.256/SC: “No âmbito do Regime Geral de Previdência
Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão
legal do direito à “desaposentação”, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991.”(RE
661.256)

2. “É legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o 13º salário.” (STF. Súmula 688)

544
668
Proteção à maternidade e à infância

Com vistas a amparar a maternidade e a infância, a Constituição Federal, a legislação infraconstitucional e a


jurisprudência do Supremo Tribunal instituíram uma série de determinações, dentre as quais se destacam as
seguintes:

1. CRFB/88, artigo 7º, inciso XVIII: “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração
de cento e vinte dias.”

2. CRFB/88, ADCT, artigo 10, parágrafo 1º: licença paternidade de 5 dias, até que lei discipline o assunto.

3. Lei 11.770/2008: possibilidade de licença à gestante de 180 dias, mediante acordo entre patrões e
empregadas, nas sociedades empresárias tributadas com base no lucro real.

4. Lei 13.257/2016: a licença paternidade de cinco dias poderá ser ampliada por mais 15 dias, de modo a
totalizar 20 dias, mediante adesão da pessoa jurídica ao programa e de requerimento do interessado.

5. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADI 5938, para declarar inconstitucionais trechos de
dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inseridos pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017)
que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres
em algumas hipóteses.

6. O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito de candidatas gestantes à remarcação de


testes de aptidão física em concursos públicos, independentemente de haver previsão no edital. (RE
1058333).

7. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a legislação não pode prever prazos diferenciados para concessão
de licença-maternidade para servidoras públicas gestantes e adotantes. (RE 778889).

Da Assistência aos desamparados (Assistência Social)

A assistência social tem por objetivos, nos termos do artigo 203 da Constituição Federal, os seguintes: 1)
proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice, especialmente o amparar as crianças
e os adolescentes carentes; 2) promover a integração ao mercado de trabalho; 3) habilitar e reabilitar os
deficientes, de modo a promover a sua integração à vida comunitária; e 4) garantir um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, independentemente se brasileiro ou se
estrangeiro, de ter ou não contribuído diretamente para a manutenção da seguridade social.

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As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas descentralizadamente, cabendo a
coordenação e as normas gerais à União e a coordenação e a execução dos respectivos programas aos
estados, Distrito Federal e municípios.

(2017/FCC/TST/Juiz do Trabalho Substituto) Os direitos sociais estabelecidos no art. 6° da Constituição


Federal consistem em prestações positivas do Estado interligadas à concretização da igualdade. À luz do
citado artigo, considere:

I. O direito à moradia não é necessariamente direito à casa própria, na medida em que não se confunde com
o direito de propriedade.

II. O direito ao trabalho é um direito subjetivo a um trabalho remunerado na iniciativa privada ou


disponibilizado pelo Poder Público.

III. O direito ao lazer relaciona-se com a qualidade de vida, meio ambiente sadio e equilibrado, descanso e
ociosidade repousante.

IV. O direito à segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de


políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo
acesso a tal serviço.

Está correto o que se afirma APENAS em

A) I, III e IV.

B) I e II.

C) II, III e IV.

D) II e IV.

E) I e III.

Gabarito: A

Comentários:

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668
I. Certo. O direito à moradia pressupõe uma habitação digna, que respeite a condição humana do indivíduo,
podendo ser casa própria ou alugada.

II. Errado. Embora seja dever do Estado instituir o pleno emprego, não há direito subjetivo de ter um
emprego na iniciativa pública ou privada. Ademais, trabalho também compreende a atividade não
remunerada, como por exemplo, o trabalho voluntário.

III. Certo. O direito ao lazer assegura o repouso e a recreação.

IV. Certo. O direito à segurança requer, por parte do Estado, o desenvolvimento de políticas públicas de
proteção da vida e da integridade física dos indivíduos, bem como de seu patrimônio.

DIREITOS DOS TRABALHADORES


O Direito do Trabalho está alicerçado no princípio da proteção ao trabalhador, porque este é a parte mais
frágil na relação contratual. Para assegurar a dignidade ao obreiro, cabe ao Estado intervir na relação privada
e limitar a autonomia de vontade, porque a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade
econômica desiguais conduz a uma realidade fática desigual e prejudicial ao trabalhador.

A constitucionalização do Direito do Trabalho tem o condão de assegurar o princípio da proteção do


trabalhador e, consequentemente, amparar a parte mais frágil na relação de trabalho.

Trabalho, visto como direito social, promove a incidência dos direitos fundamentais às relações jurídicas
estabelecidas entre trabalhadores e empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais), tendo em
vista que os direitos fundamentais podem ser concebidos como atributos naturais do homem, ligados
essencialmente aos valores da dignidade, decorrentes da sua própria existência.

A Constituição não é um sistema de garantias, mas um sistema de valores fundamentais, que orientam não
apenas a relação do Estado com o indivíduo, mas também as relações privadas. Nessa toada, as relações de
trabalho são firmadas nos valores de liberdade e de igualdade material e são direcionadas à proteção da
integridade física, psíquica e moral do trabalhador.

A Constituição Federal de 1988 classificou os direitos trabalhistas em duas distintas categorias: 1) direitos
individuais (artigo 7º); 2) direitos coletivos (do artigo 8º ao artigo 11). Os direitos dos trabalhadores em suas
relações individuais de trabalho estão enumerados no artigo 7º, em rol exemplificativo, pois a lei
infraconstitucional pode amplamente dispor sobre o assunto, desde que objetive a melhoria da condição
social do obreiro, bem como emenda à constituição poderá promover a sua ampliação.

A dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º,
IV), a valorização do trabalho e da justiça social (artigo 170), a busca do pleno emprego (artigo 170, VIII) e o

547
668
primado do trabalho como base da ordem social (artigo 193) são princípios utilizados na interpretação e na
aplicação dos direitos fundamentais trabalhistas.

(2017/MPT/MPT/Procurador do Trabalho) Assinale a alternativa INCORRETA:

A) A Constituição de 1988 é estruturada mediante princípios e regras jurídicas, ambos com natureza
normativa. Há, em seu interior, princípios constitucionais amplos, mas que ostentam também importante
repercussão no campo das relações trabalhistas. A seu lado, existem princípios jurídicos eminentemente
trabalhistas, e que foram incorporados pela Constituição.

B) Os princípios constitucionais do trabalho são aqueles que, oriundos do Direito do Trabalho, foram
incorporados pela Constituição da República. Os princípios constitucionais que colocam a pessoa humana no
vértice e no centro da ordem jurídica não podem, tecnicamente, ser englobados no rol dos princípios
constitucionais do trabalho, pois não há essa referência explícita, nem lógica ou teleológica, na Constituição
Federal.

C) A ideia de igualdade comparece em diversos tópicos do conteúdo constitucional de 1988, estruturando-


se como um princípio jurídico de, pelo menos, dupla dimensão: a igualdade em sentido formal, oriunda do
antigo constitucionalismo; e a igualdade em sentido material, de impacto profundo e abrangente na
Constituição da República.

D) Os direitos trabalhistas apresentam natureza de direitos individuais e sociais daqueles que vivem de seu
trabalho empregatício e de outras relações sociojurídicas equiparadas, como o trabalho avulso. Nessa
medida, ostentam também o caráter de direitos fundamentais da pessoa humana.

E) Não respondida.

Gabarito: B

Comentários:

A) Certa. Os direitos fundamentais têm natureza de princípios e não apenas de regras jurídicas. Daí a sua
maior efetividade, inclusive no campo do Direito do Trabalho, mormente após a constitucionalização de
direitos trabalhistas. O princípio da proteção ao trabalhador é eminentemente trabalhista e foi incorporado
pela Constituição.

B) Errada. Os princípios constitucionais do trabalho são aqueles que, oriundos do Direito do Trabalho, foram
incorporados pela Constituição da República. Os princípios constitucionais que colocam a pessoa humana no
vértice e no centro da ordem jurídica não podem, tecnicamente, ser englobados no rol dos princípios

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668
constitucionais do trabalho, pois não há essa referência explícita, nem lógica ou teleológica, na Constituição
Federal. Os princípios constitucionais do trabalho são consequência natural da condição humana, são
decorrentes da própria existência humana.

C) Certa. A ideia de igualdade comparece em diversos tópicos do conteúdo constitucional de 1988, a começar
do caput do artigo 5º. A igualdade constitucionalmente estabelecida contempla a igualdade na lei e perante
a lei. Dito de outra forma, a igualdade que vincula o legislador ao criar direitos e obrigações e a igualdade
que vincula o aplicador da lei.

D) Certa. Os direitos trabalhistas são espécies de direitos fundamentais, classificados como direitos sociais.
Apresentam natureza de direitos individuais (artigo 7º da CF) e sociais (sindicalização, greve, representação).

O artigo 7º da Constituição Federal, ao enumerar direitos trabalhistas, primou pela igualdade entre
trabalhadores, de forma a estabelecer os mesmos direitos aos trabalhadores urbanos e aos rurais (caput) e
ao igualar em direitos o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso (XXXIV).

Houve preocupação com a isonomia ainda no inciso XXXII, que proibiu a distinção entre trabalho manual,
técnico e intelectual (ou entre os profissionais respectivos), bem como no inciso XXXI, que veda a
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

Por outro lado, nem todos os direitos sociais trabalhistas foram destinados ao trabalhador doméstico,
mesmo após o advento da Emenda Constitucional 72/2013, apelidada “a emenda das domésticas”, que
ampliou significativamente os direitos dessa categoria profissional. Assim, para fins de prova, é preciso ter
muito cuidado, pois nos termos do parágrafo único do artigo 7º da CRFB/88, dos 34 direitos trabalhistas
elencados no artigo, NOVE NÃO FORAM DESTINADOS AO DOMÉSTICO. São eles:

1. piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho (artigo 7º, inciso V);

2. participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação


na gestão da empresa, conforme definido em lei (artigo 7º, inciso XI);

3. jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação
coletiva (artigo 7º, inciso XIV);

4. proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (artigo
7º, inciso XX);

5. adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei(artigo 7º,
inciso XXIII);

6. proteção em face da automação, na forma da lei (artigo 7º, inciso XXVII);

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668
7. ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para
os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (artigo
7º, inciso XXIX);

8. proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos
(artigo 7º, inciso XXXII);

9. igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso
(artigo 7º, inciso XXXIV).

(2017/FCC/TST/Juiz do Trabalho Substituto) Na redação vigente do parágrafo único do art. 7° da


Constituição Federal, tal como conferida pela Emenda Constitucional n° 72 de 2013, são assegurados aos
trabalhadores domésticos os direitos a

A) licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; e proteção
em face da automação, na forma da lei.

B) piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; e irredutibilidade do salário, salvo o


disposto em convenção ou acordo coletivo.

C) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; e proibição de qualquer discriminação


no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

D) proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; e participação nos lucros, ou
resultados, desvinculada da remuneração.

E) duração do trabalho normal não superior a dez horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários; e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Gabarito: C

Comentários:

A) licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; e proteção
em face da automação, na forma da lei.

B) piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; e irredutibilidade do salário, salvo o


disposto em convenção ou acordo coletivo.

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668
C) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI do artigo 7º); e proibição de
qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência
(inciso XXXI do artigo 7º).

D) proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; e participação nos lucros, ou
resultados, desvinculada da remuneração.

E) duração do trabalho normal não superior a dez horas diárias (oito horas) e quarenta e quatro semanais,
facultada a compensação de horários; e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho.

Agora, vamos aproveitar o momento para elencar também quais direitos dos trabalhadores foram
destinados aos servidores públicos:

Nos termos do parágrafo terceiro do artigo 39 da constituição Federal, aplicam-se aos servidores ocupantes
de cargo público, os seguintes direitos:

1. salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas
e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim (artigo 7º, inciso IV) ;

2. garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável (artigo 7º,
inciso VII);

3. décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria (artigo 7º, inciso
VIII);

4. remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (artigo 7º, inciso IX);

5. salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei (artigo 7º,
inciso XII);

6. duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho
(artigo 7º, inciso XIII);

7. repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (artigo 7º, inciso XV);

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8. remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal (artigo
7º, inciso XVI);

9. gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (artigo 7º,
inciso XVII);

10. licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias (artigo 7º,
inciso XVIII);

11. licença-paternidade, nos termos fixados em lei (artigo 7º, inciso XIX);

12. proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (artigo
7º, inciso XX);

13. redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º,
inciso XXII);

14. proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo,
idade, cor ou estado civil (artigo 7º, inciso XXX).

Para o estudo sistematizado dos direitos constitucionais trabalhistas elencados no artigo 7º, adotaremos a
classificação de José Afonso da Silva (2007): 1) direito ao trabalho à garantia de emprego; 2) direitos sobre
condições de trabalho; 3) direitos relativos ao salário; 4) direitos relativos ao repouso e à inatividade; 5)
direitos de proteção dos trabalhadores; 6) direitos relativos aos dependentes do trabalhador e 7) direitos de
participação. Não esgotaremos o assunto, para não adentrarmos na seara do Direito do Trabalho.

Direito ao trabalho e à garantia de emprego

Os trabalhadores não têm direito de estabilidade no emprego, como têm os servidores públicos. Porém, a
Constituição Federal criou a garantia de emprego e a proteção ao trabalho ao proteger a relação de
emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, mediante pagamento de indenização
compensatória.

Até que seja criada uma lei complementar para regulamentar esse assunto, o trabalhador em situação de
desemprego involuntário fará jus a uma indenização de 40% sobre o depósito do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), conforme disposto nos artigos 7º, I, da CF, c/c 10, I, do ADCT).

A dispensa arbitrária ou sem justa causa ainda assegura o recebimento de seguro desemprego e do FGTS
(incisos II e III do artigo 7º da CF).

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668
O trabalhador terá direito ou terá que cumprir, conforme a situação do desemprego (vontade do trabalhador
ou dispensa do empregador), o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta
dias, nos termos da lei (inciso XXI do artigo 7º).

Direitos sobre condições de trabalho

A respeito dos direitos relacionados à condição de trabalho, a Constituição tanto limitou a duração da
jornada de trabalho quanto assegurou a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança (CF, 7º, XXII).

A jornada máxima diária de trabalho é de oito horas; a semanal, de quarenta e quatro horas. Nos dois casos,
é facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho (CF, 7º, XIII).

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso não
afronta o art. 7º, XIII, da Constituição da República, pois se encontra respaldada na faculdade, conferida pela
norma constitucional, de compensação de horários (ADI 4.842).

No caso de jornada de trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, a Constituição determina


que sua duração não exceda seis horas, salvo negociação coletiva (CF, 7º, XIV). “Os intervalos fixados para
descanso e alimentação durante a jornada de seis horas não descaracterizam o sistema de turnos
ininterruptos de revezamento para o efeito do art. 7º, XIV, da Constituição” (STF. Súmula 675).

Direitos relativos ao salário

É direito do trabalhador o recebimento de salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (CF, 7º, IV).

1. “Os arts. 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/1998), da Constituição referem-se ao total da remuneração
percebida pelo servidor público.” (Súmula Vinculante 16).

2. “O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público não incide sobre o abono utilizado para
se atingir o salário mínimo.” (Súmula Vinculante 15).

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668
A exigência constitucional de lei formal para fixação do valor do salário mínimo pode ser flexibilizada, de
acordo com o STF. Desde que a lei defina o valor do salário mínimo e sua política de afirmação de novos
valores nominais para o período nela indicado, poderá o Presidente da República, por decreto, anunciar o
valor nominal do salário mínimo, nos índices definidos legalmente (ADI 4.568).

O salário mínimo não é mais regional, como disposto na Constituição anterior. A lei definirá um valor de
salário mínimo a ser aplicado em todo o território nacional, não cabendo aos estados membros legislar sobre
o assunto, vez que a competência é privativa da União (CF, 22, I).

O salário mínimo não pode ser utilizado como base de cálculo ou como índice de indexação de contratos.
Tem-se aqui proteção ao trabalhador, que não poderá ver sua dívida aumentar sempre que tiver aumento
salarial. Assim, contratos de prestação de serviço, aluguéis e outros, que têm por base o salário mínimo, são
inconstitucionais. Essa é a regra. Porém, como os direitos fundamentais não são absolutos, tal vedação já foi
flexibilizada pelo Supremo Tribunal Federal no caso do cálculo do valor da pensão alimentícia, tendo em vista
que a prestação tem por objetivo a preservação da subsistência humana e garantia do padrão de vida
daquele que a recebe (ARE 842.157).

Nem mesmo o piso salarial poderá ser fixado com base no salário mínimo, não obstante o fato de
pretensamente trazer ao trabalhador melhores condições econômicas. Foi o que entendeu o STF, na ADPF
151, ao declarar a inconstitucionalidade da indexação de piso salarial ao valor do salário mínimo.

A respeito do tema, foi publicada a Súmula Vinculante 4. Observe e tome nota:

“Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como
indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem
ser substituído por decisão judicial.”

Para os que recebem remuneração variável, a Constituição assegura que seu valor nunca seja inferior ao do
salário mínimo (CF, 7º, VII).

De acordo com a Corte Constitucional, entretanto, a Constituição não estendeu aos militares em serviço
obrigatório a garantia de remuneração não inferior ao salário mínimo, como o fez para outras categorias de
trabalhadores, uma vez que aqueles que exercem um múnus público relacionado com a defesa da soberania
da pátria. A obrigação do Estado quanto aos conscritos limita-se a fornecer-lhes as condições materiais para
a adequada prestação do serviço militar obrigatório nas Forças Armadas. Nesse sentido, foi criada a Súmula
Vinculante 6:

“Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário


mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.”

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Ainda a respeito do salário, a Constituição proíbe que seja feita diferença de valores por motivo de sexo,
idade, cor ou estado civil. Os mesmos critérios não podem ser utilizados para se fazer diferenciação de função
ou de requisitos de admissão (CF, 7º, XXX).

A diferenciação por idade só será admitida se a natureza do cargo assim o exigir. Nesse sentido, tem-se a
Súmula 683 do STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art.
7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser
preenchido.”

O salário do trabalhador é irredutível, salvo o disposto em acordo coletivo ou convenção (CF, 7º, VI). A lei
deve proteger o salário do trabalhador e sua retenção dolosa é crime (CF, 7º, X).

A União, para reduzir as desigualdades sociais e assegurar melhores condições salariais aos trabalhadores,
por meio da LC 103/2000, delegou aos estados a competência para fixar o piso salarial. Note: o salário
mínimo é nacional, mas o piso salarial, regional.

O piso salarial deve ser proporcional à extensão e à complexidade do trabalho (CF, 7º, V). A fim de manter-
se o incentivo à negociação coletiva, os pisos salariais regionais somente podem ser estabelecidos por lei
naqueles casos em que não haja convenção ou acordo coletivo de trabalho.

O trabalhador faz jus ao décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da
aposentadoria (CF, 7º, VIII). Conforme Súmula 207 do STF, a natureza da gratificação natalina é
remuneratória e integra, para todos os efeitos, a remuneração do empregado.

A remuneração do trabalho noturno deve ser superior à remuneração do trabalho diurno (CF, 7º, IX), bem
como a remuneração do serviço extraordinário deve ser superior, no mínimo, em cinquenta por cento à
remuneração do serviço normal (CF, 7º, XVI). É ainda assegurado o pagamento de adicional quando o
trabalhador exerce atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei (CF, 7º, XXIII).

Por fim, o trabalhador que desejar ingressar com ação judicial para cobrar créditos resultantes das relações
de trabalho deve ter duas atenções: 1) limite de dois anos, após a extinção do contrato de trabalho, para
ingressar com a ação; 2) o prazo prescricional de cinco anos, inclusive para cobrança de valores referentes
ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (Cuidado! A prescrição não é mais trintenal! ARE 709.212). Essa
é a interpretação do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição.

(2019/UPENET/IAUPE/UPE/Advogado) São direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, EXCETO

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668
A) salário mínimo regionalizado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhes preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

B) piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho.

C) irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

D) garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável.

E) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.

Gabarito: A

Comentário: O salário mínimo é nacionalmente unificado, conforme inciso IV do artigo 7º da CRFB/88.

(2018/VUNESP/TJ-SP/Juiz Substituto) O artigo 7°, IV, da Constituição Federal assegura ao trabalhador a


percepção de salário-mínimo e proíbe sua vinculação “para qualquer fim”. Diante de tal vedação e de
outros preceitos da Carta, como o artigo 39, § 3°, a Súmula Vinculante n° 4 estabeleceu, em relação a
vantagem percebida por servidor público, que

A) a hipótese é excepcional, dada a garantia de irredutibilidade de vencimentos, e a ela não se aplica a


vedação de utilização do salário-mínimo como indexador ou base de cálculo, até que seja substituído por ato
do Executivo.

B) a hipótese é excepcional, dada a garantia de irredutibilidade dos vencimentos, e a ela não se aplica a
vedação de utilização do salário-mínimo como indexador ou base de cálculo.

C) também nessa hipótese é vedada a utilização do salário-mínimo como indexador ou base de cálculo,
proibida, ademais, sua substituição por decisão judicial.

D) também nessa hipótese é vedada a utilização do salário-mínimo como indexador ou base de cálculo,
permitida sua substituição por decisão judicial.

Gabarito: C

Comentário: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como
indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por
decisão judicial.”

Direitos relativos ao repouso e à inatividade

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668
O trabalhador, em razão da dignidade da pessoa humana, tem o direito constitucionalizado ao ócio, para que
possa recuperar as suas energias e preservar a sua saúde física e psíquica. Nesses termos, o artigo 7º, inciso
XV, da CRFB/88, assegura ao obreiro um repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.
Na mesma linha, o inciso XVII garante gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais
do que o salário normal.

O direito individual às férias é adquirido após o período de doze meses trabalhados, sendo devido o
pagamento do terço constitucional independente do exercício desse direito. Dessa sorte, mesmo que não
haja previsão legal, os servidores exonerados de cargos comissionados que não usufruíram férias, mas que
contam com doze meses trabalhados (ou o proporcional), têm o direito ao terço (RE 570.908).

Não incide contribuição social sobre o adicional de um terço. Esse entendimento já está consolidado na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 587.941).

Nos incisos XVIII e XIX do artigo 7º da Constituição Federal são asseguradas a licença à gestante, sem prejuízo
do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias e a licença-paternidade, nos termos fixados
em lei. A licença-paternidade enquanto não regulamentada por lei, terá duração de cinco dias (ADCT, artigo
10, parágrafo 1º).

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 778.889, em tese de repercussão geral, entendeu que a licença-
maternidade abrange tanto a licença-gestante quanto a licença-adotante, ambas asseguradas pelo prazo
mínimo de 120 dias. Veja a tese de repercussão geral:

"Os prazos da licença-adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença-gestante, o
mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença-adotante, não é
possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada".

Vale ainda dizer que o STF fixou entendimento no sentido de que as servidoras públicas e empregadas
grávidas, mesmo as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm
direito à licença-maternidade de 120 dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até 5
meses após o parto, nos termos do art. 7º, XVIII, da Constituição do Brasil e do art. 10, II, b, do ADCT.(RE
600.057 AgR).

Ainda sobre direitos relativos ao repouso é à inatividade, a Constituição assegura ao trabalhador seguro
contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, além da indenização a que este está obrigado, quando
incorrer em dolo ou culpa (CF, 7º, XXVIII) e o direito à aposentadoria, para aqueles que cumprirem os
requisitos estabelecidos pela própria Constituição e regulamentados por lei (CF, 7º, XXIV).

Direitos de proteção dos trabalhadores

A Constituição Federal, no artigo 7º, trouxe uma atenção especial aos direitos da mulher e do adolescente,
ao prescrever no inciso XX a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,

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668
nos termos da lei” e no inciso XXXIII a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
quatorze anos.”

O texto constitucional define ainda dispositivo de eficácia limitada, não regulamentado, de proteção em face
da automação, na forma da lei (CF, 7º, XXVII) e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho (CF, 7º, XXVI).

Direitos relativos aos dependentes do trabalhador

O trabalhador de baixa renda, nos termos da lei, tem o direito de receber o salário-família (CF, 7º, XII).

Os filhos e dependentes dos trabalhadores fazem jus à assistência gratuita desde o nascimento até os cinco
anos de idade em creches e pré-escolas (CF, 7º, XXV).

Direitos de participação

O inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal assegura a gestão democrática como instrumento de


participação do cidadão/empregado nos espaços públicos de que faz parte, por meio da participação na
gestão da empresa, conforme definido em lei. O mesmo dispositivo prevê ainda a participação nos lucros,
ou resultados, desvinculada da remuneração.

DIREITO DE SINDICALIZAÇÃO
O direito de sindicalização é um dos direitos sociais coletivos dos trabalhadores urbanos, rurais e de colônia
de pescadores. O aposentado também é titular do direito de sindicalização, podendo, inclusive, aquele que
for filiado, votar e ser votado nas organizações sindicais.

O artigo 8º da Constituição Federal assegura a liberdade de associação profissional ou sindical. Essa liberdade
desvincula a criação de associação profissional ou de sindicato de qualquer espécie de autorização do Estado.
Cabe à categoria profissional, observada a exigência constitucional, decidir pela criação do sindicato, bem
como pela definição de sua base territorial, sendo a menor base a área de um município.

É preciso ter cuidado: a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, mas poderá
exigir o registro no órgão competente (atualmente é o Ministério do Trabalho). Tal registro objetiva apenas
a garantia da unicidade, isto é, que só tenha um sindicato, por categoria profissional ou econômica, por base
territorial.

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Com efeito, o registro da entidade sindical no Registro Civil das Pessoas Jurídicas é necessário para efeito
de aquisição da personalidade civil. O registro no Ministério do Trabalho, para obtenção da personalidade
sindical.

Dito de outra forma, a liberdade de sindicalização permite a criação de sindicato, por decisão dos
trabalhadores ou dos empregadores interessados, não havendo que falar em prévia autorização do Poder
Público. Todavia, só será permita uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, não podendo ser inferior à área de um Município.
Cabe ao sindicato demonstrar que possui personalidade sindical antes de representar qualquer filiado.

A liberdade sindical proíbe o Poder Público de interferir na organização sindical. De igual maneira, a liberdade
assegura que ninguém poderá ser compelido a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.

Outro aspecto merecedor de destaque, que objetiva assegurar a liberdade sindical, é a estabilidade
provisória no emprego dada ao empregado sindicalizado, que não poderá ser dispensado, salvo se cometer
falta grave, nos termos da lei, a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical
e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato

Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas. É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas
de trabalho.

Para que o sindicato atue em defesa da categoria (interesse individual ou coletivo; em âmbito judicial ou
extrajudicial), não é necessária prévia autorização da pessoa filiada, porque o sindicato atua sempre em
substituição processual.

Por fim, a Constituição Federal, no inciso IV do artigo 8º, autoriza a criação de duas distintas contribuições
sindicais, uma criada pela assembleia geral, para custeio do sistema confederativo, e outra instituída por lei.

A contribuição destinada a custear o sistema confederativo será descontada em folha e só poderá ser exigida
de quem for sindicalizado. Nesse sentido, tem-se a Súmula Vinculante 40:

“A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da CF só é exigível dos filiados ao sindicato
respectivo.”

Por outro lado, a contribuição fixada em lei poderá ter natureza de tributo e ser exigida de filiados e de não
filiados. Todavia, a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) extinguiu a obrigatoriedade da contribuição
sindical e condicionou o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos filiados. O STF julgou a ADI 5.794
procedente e declarou a constitucionalidade da citada lei.

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(2018/CESPE/PGM - João Pessoa – PB/Procurador do Município) A reforma trabalhista aprovada em 2017
extinguiu a obrigatoriedade de contribuição sindical e condicionou seu pagamento à prévia e expressa
autorização dos filiados ao sindicato. De acordo com o entendimento do STF, a referida reforma é

A) incompatível com a CF, uma vez que fere a autonomia sindical.

B) incompatível com a CF, uma vez que é necessária lei específica para a concessão de benefício fiscal.

C) incompatível com a CF, pois, por tratar de normas gerais de direito tributário, o assunto deveria ser
regulamentado por lei complementar.

D) compatível com a CF, porque assegura a livre associação profissional ou sindical.

E) compatível com a CF, porquanto o poder público é livre para interferir no sistema de organização sindical.

Gabarito: D

Comentário: A Lei 13.467/2017 extinguiu a obrigatoriedade de contribuição sindical e condicionou seu


pagamento à prévia e expressa autorização dos filiados ao sindicato. O STF, ao julgar a ADI 5.794, declarou a
constitucionalidade da lei.

(2017/IBFC/EBSERH/Advogado) Considere as normas da Constituição Federal sobre a liberdade de


associação profissional ou sindical e assinale a alternativa correta.

A) A lei poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, bem como o registro no órgão
competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical

B) É vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou
empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.

C) Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive apenas
em questões judiciais.

D) A assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada
em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, limitada até o máximo
independentemente da contribuição prevista em lei.

560
668
E) É facultativa a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho

Gabarito: B

Comentários:

A) Errado. A lei não pode não pode exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato (artigo 8º, I, da
CRFB/88).

B) Certo. A alternativa atende ao disposto no artigo 8º, inciso II, da Constituição, que dispõe sobre a
unicidade.

C) Errado. O sindicato representa a categoria em juízo ou fora dele.

D) Errado. Não há previsão de limite no texto constitucional.

E) Errado. É obrigatória a participação do sindicato em todas as negociações coletivas de trabalho.

Cuidado para não confundir associação com sindicato!

Direito de associação (art. 5º, XVII e outros) Direito de sindicalização (artigo 8º)
Direito individual de expressão coletiva Direito social coletivo
Direito de 1ª geração Direito de 2ª geração
Não há restrição numérica na mesma base Um sindicato, por categoria, por base territorial, sendo
territorial a menor base a área de um município.
Depende de autorização do associado para fazer a Nunca depende da autorização dos associados, pois
representação. Quando atua em substituição sempre atua em substituição processual.
processual, não depende de autorização do
associado.

DIREITO DE GREVE
A greve é direito de autodefesa do trabalhador em face de uma atuação repressiva e desproporcional do
empregador, por meio da paralisação coletiva e organizada das atividades laborais. Daí ser classificada a

561
668
greve como direito fundamental, tendo em vista que o trabalhador tem a segurança de imunidade acerca
das consequências normais de não trabalhar.

A greve já foi considerada crime no Brasil, conforme disposto nos artigos de 204 a 206 do Código Penal de
1890. As Constituições de 1824, 1891 e 1934 foram silentes a respeito do tema. A Constituição de 1937
declarou a greve como nociva, antissocial e incompatível com os interesses superiores da produção nacional.

A primeira Constituição a prescrever a greve dos trabalhadores como direito foi a de 1946. Tal ideia foi
repetida na Constituição de 1967 e na Constituição de 1988. Ressalte-se, porém, que pela primeira vez o
direito de greve foi estendido aos servidores públicos em 1988.

O artigo 9º da Lei Maior assegura ao trabalhador o direito de greve, competindo-lhe decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. O direito de greve do
servidor público está prescrito no artigo 37, VII, da CRFB/88, que condiciona o exercício do direito de greve
a regulamentação estabelecida por lei infraconstitucional, como se verá.

É preciso observar que é dado o direito de greve ao trabalhador. Empregador não tem direito greve. A
paralisação das atividades por iniciativa do empregador, com vistas a impedir que os empregados adentrem
nos recintos do estabelecimento empresarial para laborar é chamada lockout, prática vedada no Brasil, nos
termos do artigo 722 da CLT e do artigo 17 da Lei de Greve (Lei 7.783/1989).

O direito de greve do trabalhador esta previsto em norma constitucional de aplicabilidade imediata e direta,
de alcance restringível por lei. Assim, é classificada a norma constitucional, segundo clássica definição de
José Afonso da Silva, como de eficácia contida.

Cabe aos trabalhadores a decisão de quando e por qual motivo paralisar as atividades (direito de liberdade,
de aplicação imediata), não constituindo, segundo a Súmula 316 do STF, falta grave a simples adesão à greve.

O § 1º do artigo 9º da CRFB/88 restringiu a liberdade de greve ao estabelecer que a “lei definirá os serviços
ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”

A Lei 7.783/1989, com redação dada pela Lei 13.846/2019, regulamentou em seu artigo 10 quais serviços e
atividades são considerados essenciais e não poderão ser interrompidos em sua totalidade. São eles:

“Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e


combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

562
668
IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais


nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI compensação bancária.

XII - atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e a


assistência social;

XIII - atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico,


mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de
equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos
previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa
com Deficiência); e

XIV - outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis


ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”

É de se notar que embora seja garantido o direito de greve, assim como os demais direitos fundamentais,
seu exercício não é absoluto, de maneira que é preciso respeitar o bem comum, as necessidades inadiáveis
da comunidade, razão por que caso a atividade laboral seja relacionada à sobrevivência, à saúde ou à
segurança da população, não poderá ser interrompida por completo. Ademais, antes ser deflagrada a greve,
nessas hipóteses de serviços ou atividades essenciais, cabe aos sindicatos ou aos trabalhadores fazer a
comunicação à população com antecedência mínima de 72 horas da paralisação (artigo 13 da Lei
7.783/1989).

A limitação ao direito de greve também é encontrada no parágrafo 2º do artigo 9º da CRFB/88, segundo o


qual os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. A inobservância das normas contidas na
Lei de Greve, sobretudo quanto aos serviços essenciais e ao respeito aos direitos fundamentais, bem como
a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho
constituem abuso do direito de greve e provocam a aplicação de penalidades.

Compete à justiça do Trabalho julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve, nos termos do
artigo 114, II, da Constituição Federal. Na mesma linha, foi editada a Súmula Vinculante 23: “A Justiça do

563
668
Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do
direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.”

(2018/INAZ do Pará/CREFITO-16ª Região (MA)/Advogado) De acordo com a Constituição Federal, no art.


9º, o direito de greve é constitucionalmente garantido, contudo:

A) A Lei definirá quais os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade.

B) Pode ser exercido pelos trabalhadores, com anuência por parte do empregador.

C) Compete aos trabalhadores a decisão de exercer tal direito, mediante assembleia instalada e votação
realizada em dois turnos.

D) Não há previsão de responsabilização por abusos.

E) Somente poderá ser exercido com aquiescência da Justiça Trabalhista, mediante autorização prévia.

Gabarito: A

Comentários:

A) Certo. O § 1º do artigo 9º da CRFB/88 assim estabelece: “lei definirá os serviços ou atividades essenciais
e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”

B) Errado. O exercício do direito de greve não está condicionado à anuência do empregador.

C) Errado. A Constituição não traz nenhuma exigência de assembleia ou turnos de votação.

D) Errado. A previsão de responsabilização em decorrência de abusos está expressa no parágrafo 2º do artigo


9º da CRFB/88.

E) Errado. A norma que autoriza o exercício do direito de greve tem aplicabilidade imediata e não está
condicionada à autorização da Justiça do Trabalho.

Servidores Públicos

564
668
O servidor público também tem direito de greve assegurado na Constituição Federal no artigo 37, inciso VII,
como se vê: “O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.”

Diferente do que foi dito em relação à greve do trabalhador, a norma constitucional que concede o direito
de greve ao servidor público é de aplicabilidade mediata e depende de regulamentação de lei
infraconstitucional para ser aplicada. Trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, conforme
decidido pelo Supremo Tribunal Federal no MI 708.

Por força de decisão judicial, a Lei 7.783/89, embora destinada a trabalhadores da iniciativa privada, está
sendo aplicada aos servidores públicos, para que o exercício do direito de greve se concretize, até que lei
específica regulamente o assunto. A citada lei é aplicável, inclusive, quanto ao desconto da remuneração dos
dias de paralisação.

O Supremo Tribunal Federal, em tese de repercussão geral, no RE 693.456, assim entendeu:

“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes


do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do
vínculo funcional que dela decorre. É permitida a compensação em caso de acordo. O
desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por
conduta ilícita do Poder Público.”

Compete à Justiça Comum o julgamento das ações pertinentes ao exercício do direito de greve dos
servidores públicos, ainda que celetistas. Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, no RE 846.854,
firmou tese de repercussão geral:

“A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de


servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações
públicas.”

É preciso ter cuidado! Servidores públicos podem ser estatutários ou celetistas. De 1998, data de
promulgação da Emenda Constitucional 19, até 2007, o artigo 39 da Constituição deixou de exigir que a
Administração Pública adotasse regime jurídico único para os servidores públicos, razão pela qual foi
permitido ter na Administração servidor público celetista. Ressalte-se que em 2007, foi deferida medida
cautela na ADI 2.135, para suspender a eficácia do dispositivo. Em 2018, o mérito da ação foi julgado
procedente, com efeito ex nunc, e o regime jurídico voltou a ser único.

565
668
Com efeito, se a controvérsia a respeito do exercício do direito de greve envolver trabalhadores, a
competência para julgar a causa será da Justiça do Trabalho, mas se envolver servidores públicos, ainda que
celetistas, será da Justiça Comum, estadual ou federal, conforme envolva servidores municipais e estaduais
ou federais, respectivamente.

Por outro lado, se a greve envolver empregados públicos de empresa pública ou sociedade de economia
mista, a competência será da Justiça do Trabalho.

Resumindo: a quem compete julgar as ações que envolvam o direito de greve? Se a greve for feita por
servidores públicos (estatutários ou celetistas), a competência será da Justiça Comum. Se envolver
trabalhadores e empregados públicos, a competência será da Justiça do Trabalho.

(2019/CESPE/PGE-PE) Considerando a jurisprudência dos tribunais superiores e a legislação de regência,


julgue o item seguinte, referente ao Conselho de República, ao princípio da separação dos poderes e ao
Poder Judiciário.

A justiça comum estadual é competente para julgar abusividade de greve de servidores públicos celetistas
da Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco.

Gabarito: Certo.

Comentário: Compete ao Poder Judiciário de Pernambuco o julgamento da ação de abusividade de greve de


servidores públicos celetistas da PGE-PE.

Militares e Segurança Pública

O artigo 142, parágrafo terceiro, inciso IV, da Constituição Federal, proíbe a sindicalização e a greve ao
militar, por se tratar de carreira do Estado imprescindível a manutenção da normalidade democrática, que
não pode ser complementada ou substituída pela atividade privada. Os militares (estaduais ou da União) são
o braço armado do Estado, ao qual se atribui a responsabilidade pela garantia da segurança interna, ordem
pública e paz social, razão por que não pode parar, vez que o Estado não faz greve e não é anárquico.

A mesma lógica que impede a greve ao militar, segundo o Supremo Tribunal Federal, a partir de uma
interpretação teleológica da Constituição, impede que todos os servidores públicos que atuam com
segurança pública paralisem as suas atividades. Embora sejam classificados como servidores públicos civis

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668
(e não militares), os policiais civis, federais e rodoviários, bem como a guarda municipal, não possuem direito
de greve, pois deve prevalecer o interesse público e social na manutenção da segurança interna, da ordem
pública e da paz social sobre o interesse individual de determinada categoria de servidores públicos.

Sobre o assunto, no ARE 654.432, foi reconhecida tese com repercussão geral, nos termos abaixo:

“(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos
policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança
pública. (2) É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos
órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165 do Código
de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria."

(2018/MPE-BA/MPE-BA/Promotor de Justiça Substituto) O exercício do direito de greve, sob qualquer


forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente
na área de segurança pública.

Gabarito: Certo.

Comentário: A afirmativa está de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não
reconhece direito de greve para os servidores públicos da segurança pública.

OUTROS DIREITOS COLETIVOS TRABALHISTAS

Direito de Participação

A Constituição Federal, no artigo 10, assegura o direito de participação de trabalhadores e de empregadores


nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de
discussão e deliberação.

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668
Direito de representação de classe

O artigo 11 da Constituição Federal dispõe que nas empresas de mais de duzentos empregados, é
assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o
entendimento direto com os empregadores.

A representação classista exigida pela Lei Maior em nada se confunde com as atribuições dos sindicatos. Tal
representação objetiva, em síntese, a representação empregados perante a administração da empresa e a
promoção o diálogo e o entendimento no ambiente de trabalho com o fim de prevenir conflitos.

O assunto foi regulamentado pelos artigos 510-A a 510-D da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com
redação dada pela Lei 13.467/2017. A Reforma Trabalhista prevê, na verdade, a eleição de uma comissão de
trabalhadores, que pode ter de três a sete membros, conforme a quantidade de empregados da empresa,
para promover a representação de classe.

TAREFA 11 – DIREITO CIVIL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

Das Pessoas Jurídicas: Fundações, Desconsideração da Personalidade Jurídica e Domicílio.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

2.4. FUNDAÇÕES
As fundações são um complexo de bens, ou seja, são pessoas jurídicas sem quaisquer pessoas físicas/naturais
quando de sua instituição. Cria-se a fundação por escritura pública ou por testamento, dotando-a o
instituidor de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de
administrá-la.

(MPE-SC / MPE-SC – 2016) De acordo com o Código Civil, uma fundação pode ser criada por escritura
pública ou testamento, por meio dos quais o instituidor fará dotação especial de bens livres,
especificando o fim a que se destina, devendo declarar, também, a maneira de administrá-la. Dentre
os fins expressos na legislação, destaca-se: a saúde; a segurança alimentar e nutricional; e a pesquisa

568
668
científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos.
Comentários
O item está incorreto, de acordo com o art. 62: “Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por
escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina,
e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.

O objetivo das fundações é sempre público, apesar do caráter privado que possuem. O Enunciado 9 do CJF
estabelece que o parágrafo único do art. 62 deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações
com fins lucrativos.

(CESPE / PGE-AM – 2016) As fundações privadas são de livre criação, organização e estruturação,
cabendo aos seus instituidores definir os seus fins, que podem consistir na exploração de entidades
com fins lucrativos nas áreas de saúde, educação ou pesquisa tecnológica, e outras de cunho social.
Comentários
O item está incorreto, pois as fundações não podem ter caráter lucrativo, em hipótese alguma.
Indiciariamente, já indica isso o art. 11 da LINDB: “As organizações destinadas a fins de interesse
coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem”.
Igualmente, prevê o art. 66 do CC/2002 que “Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado
onde situadas”.

O Enunciado 9 continua relevante, já que o referido dispositivo continua, aparentemente, a trazer um rol
taxativo de objetivos às fundações, nos seguintes termos:

I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas
de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;

569
668
IX – atividades religiosas.

Na instituição da fundação, seu instituidor deve designar o patrimônio que a compõe.


Quando, porém, insuficientes os fundos para constituir a fundação, os bens a ela destinados
serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados a outra fundação que se
proponha a fim igual ou semelhante, segundo dispõe o art. 63.

Caso a fundação seja criada por ato entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a
propriedade sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial
(art. 64).

Instituída a fundação, o instituidor nomeará pessoa para gerir o patrimônio. Essas pessoas devem, segundo
o art. 65, formular logo, de acordo com a base prevista para a fundação, o estatuto da fundação projetada,
submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente (atualmente, o MP), com recurso ao
juiz.

Veja-se que, caso o estatuto não seja elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo,
em 180 dias, a incumbência caberá ao Ministério Público, consoante regra expressa do parágrafo único do
mencionado art. 65.

O papel do MP é importantíssimo, já que cabe a ele velar pelas fundações, segundo estabelece o art. 66,
de acordo com a competência territorial do Parquet. Quando a fundação se localiza em algum dos Estados
da Federação, não há grande dúvida. Porém, se sua atividade se estender por mais de um Estado, caberá o
encargo, em cada um deles, ao respectivo MPE, na forma do § 2º do art. 66.

PRESTE ATENÇÃO, pois a Lei 13.151/2015 corrigiu uma distorção que havia no § 1º do art. 66. No caso de
funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberia o encargo legal ao MPF. A referida lei alterou o
dispositivo e passou a prever que caberá o encargo ao MPDFT.

Contrariamente às associações, a alteração do Estatuto das fundações tem algumas exigências legais,
conforme estabelece o art. 67. Primeiro, tenha em mente que a finalidade da fundação é inalterável; pode-
se apenas alterar seu estatuto. Para tanto, são três os requisitos exigidos:

I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;
II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 dias, findo o
qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento
do interessado.

O Ministério Público, portanto, tem prazo decadencial de apenas 45 dias para denegar
confirmação à alteração. O silêncio, nesse caso, é interpretado como negação de aceitação da alteração,
consequentemente, a permitir suprimento judicial.

570
668
Caso a alteração não seja aprovada por votação unânime, os administradores da fundação, ao
submeterem o estatuto ao MP, devem requerer que se dê ciência à minoria vencida. A minoria, então,
pode impugnar a mudança de maneira fundamentada, querendo, no prazo decadencial de 10 dias,
segundo o art. 68. Aí, o Parquet analisa a controvérsia e decide se aprova ou não a alteração, na forma do
art. 67, inc. III, supracitado. Novamente, se a aprovação for negada, cabe ao juiz decidir a respeito.

(MPE-PR / MPE-PR – 2016) Assinale a alternativa correta:


a) Uma fundação pode constituir-se para fins de saúde, mas não para fins de segurança alimentar e
nutricional;
b) Se uma fundação funcionar no Distrito Federal ou em Território, o encargo de sua fiscalização ao
Ministério Público Federal;
c) A fundação não pode ser criada para fins de atividades religiosas;
d) A alteração ou reforma do estatuto de uma fundação deve ser aprovada pelo órgão do Ministério
Público em até 30 dias;
e) Se o Ministério Público denegar a reforma do estatuto, o juiz pode a suprir, a requerimento do
interessado.
Comentários
A alternativa A está incorreta, conforme o art. 62, parágrafo único, inc. IV: “A fundação somente
poderá constituir-se para fins de segurança alimentar e nutricional”.
A alternativa B está incorreta, de acordo com o art. 66, § 1º: “Se funcionarem no Distrito Federal ou
em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios”.
A alternativa C está incorreta, consoante o art. 62, parágrafo único, inc. IX: “A fundação somente
poderá constituir-se para fins de atividades religiosas“.
A alternativa D está incorreta, pela dicção do art. 67, inc. III: “Seja aprovada pelo órgão do Ministério
Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público
a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado”.
A alternativa E está correta, segundo a literalidade da parte final do art. 67, inc. III, supracitado.

Por fim, estabelece o art. 69 acerca da extinção da fundação. Se se tornar ilícita, impossível ou inútil a
finalidade da fundação, ou vencido o prazo de sua existência, em caso de termo previsto pelo instituidor, o
MP ou qualquer interessado requererá sua extinção.

Nessa hipótese, incorpora-se seu patrimônio a outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim
igual ou semelhante. Evidentemente que se houver disposição em contrário no ato constitutivo ou no
estatuto, deve-se seguir tal determinação.

571
668
2.5. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Excepcionalmente, a cisão criada pela Teoria da Realidade Técnica, em termos patrimoniais, deixa de existir,
e é possível se ignorar o véu que separa o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio pessoal dos sócios.
Trata-se de homenagem à teoria da aparência e à vedação ao abuso de direito, claramente.

(CESPE / DPU – 2017) Uma senhora procurou a DP para ajuizar ação de alimentos contra o pai de seu
filho menor de idade. Ela informou que o genitor não possuía bens em seu nome, mas exercia
atividade empresarial em sociedade com um amigo: a venda de quentinhas. Apresentou cópia do
contrato social, que, contudo, não era inscrito no órgão de registro próprio.
Considerando essa situação hipotética e a necessidade de se obter o pagamento da pensão, julgue os
itens a seguir.
Se o pai não pagar os alimentos espontaneamente e não forem encontrados bens de sua titularidade,
caberá à DP invocar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica contra a sociedade
empresária.
Comentários
O item está incorreto, porque se trata de sociedade não personificada, já que, conforme o art. 45,
“Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Assim, não
constituída a sociedade em questão, incabível se falar em desconsideração de um ente que não detém
personalidade jurídica ainda, não sendo tal sociedade uma pessoa jurídica em termos técnicos.

A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas deve ser considerado um instrumento lícito de alocação e
segregação de riscos. O objetivo é estimular a empresa, com geração de emprego, tributo, renda e
inovação em benefício de todos.

Trata-se de uma perspectiva marcadamente empresarial da pessoa jurídica. Não obstante, em que pese a
necessidade de cisão, notáveis são os casos em que há abuso. Por isso, se presentes os requisitos legais,
haverá a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

E quando cabe a desconsideração? Depende da situação. Se for uma relação trabalhista, há regra própria na
CLT; se for uma relação tributária, há aplicação do CTN; se for uma relação consumerista, o CDC dispõe a
respeito. Antes de se compreender a aplicação da Disregard Doctrine ou Disregard of the Legal Entity em
cada seara específica, é preciso compreender duas diferentes teorias.

572
668
A primeira teoria é a chamada Teoria Maior, adotada pelo art. 50 do CC/2002:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela


confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios
da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Em outras palavras, necessário é se verificar o abuso na utilização da personalidade jurídica. Esse abuso
deve se caracterizar pelo desvio de finalidade OU pela confusão patrimonial. Se não se caracterizar nem
uma dessas situações, não se pode desconsiderar a personalidade jurídica. Daí o nome de Teoria Maior, pois
ela exige a verificação de mais requisitos.

(ESAF / PGFN – 2015) Considerando o que dispõe o Código Civil acerca das pessoas jurídicas, analise
os itens a seguir e assinale a opção correta.
a) A existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, sendo exigível, nesse caso, autorização estatal para a sua criação e
personificação.
b) Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos
presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso, prescrevendo em cinco anos o direito
de anular essas decisões, quando violarem a lei ou o estatuto.
c) As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos atos dos seus
agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os
causadores do dano se demonstrado que agiram com dolo.
d) As organizações religiosas e as empresas individuais de responsabilidade limitada compõem, ao lado
das associações, fundações, sociedades e partidos políticos, as pessoas jurídicas de direito privado.
e) Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, de ofício, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Comentários
A alternativa A está incorreta, de acordo com o art. 45: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas
de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo”.
A alternativa B está incorreta, conforme o art. 48, parágrafo único: “Decai em três anos o direito de
anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de
erro, dolo, simulação ou fraude”.

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A alternativa C está incorreta, na forma do art. 43: “As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros,
ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou
dolo”.
A alternativa D está correta, pela conjunção dos incisos do art. 44: “São pessoas jurídicas de direito
privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos;
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada”.
A alternativa E está incorreta, consoante regra específica do art. 50: “Em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

(CESPE / DPU – 2015) Para fins de desconsideração da pessoa jurídica, adota-se, no Código Civil, a
denominada teoria maior subjetiva.
Comentários
O item está incorreto, dado que a teoria adotada pelo CC/2002 é a Teoria Maior, não havendo
elemento “subjetivo”. Teoria Maior e ponto.

Já a Teoria Menor é adotada pelo art. 28, §5º, do CDC, que assim dispõe:

Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O caput do art. 28 estabelece que pode haver a desconsideração em havendo abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social,
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração. Porém, consolidou-se o entendimento de que o §5º pode ser aplicado
independentemente do caput do dispositivo, de modo que é desnecessário visualizar algum
dos elementos taxativos do caput, bastando a verificação de dano ao consumidor.

574
668
Ou seja, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica ainda que não tenha havido confusão patrimonial
ou desvio de finalidade, basta que se configure alguma das hipóteses previstas no art. 28, ou ainda a
verificação genérica de dano ao consumidor prevista no §5º. Daí o nome de Teoria Menor, pois ela exige
menos requisitos para ser aplicada.

No Direito Civil, portanto, aplica-se a Teoria Maior! Por isso, deve-se comprovar o abuso de personalidade
caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Evidentemente que a aplicação da
Teoria Maior nas relações interprivadas em geral não afasta a aplicação da Teoria Menor nas relações regidas
pelo microssistema consumerista, e nem as peculiaridades das demais searas (trabalhista, tributária etc.),
como afiança o Enunciado 51 do CJF.

TEORIA MAIOR

previsão: art. 50 do CC

Requisitos:
abuso de personalidade +
desvio de finalidade ou
confusão patrimonial

Fica a dica: a Teoria Maior é aplicável à maioria das relações jurídicas, aplicando-se a
maior lei, o CC/2002, ao passo que a Teoria Menor é aplicada a um conjunto menor
de relações jurídicas, aplicando-se a menor lei, o CDC, apenas! DECORE!

De modo a tentar afastar os excessos, preencher as lacunas e evitar o casuísmo, a Lei


13.874/2019 deu nova redação ao art. 50 do CC/2002.

575
668
O §1º do art. 50 agora prevê textualmente o que seja o desvio de finalidade. Segundo ele, desvio
de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Além disso, o §5º evidencia que não constitui
desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade
econômica específica da pessoa jurídica. Assim, se uma pessoa jurídica comercializava produtos
de informática, não se considera desvio a venda de materiais de papelaria; ao contrário, uma
sociedade que presta serviços contábeis desvirtua sua finalidade quando inicia venda de produtos de
papelaria.

Já o §2º estabeleceu no texto legal o conceito de confusão patrimonial. De acordo com a norma, entende-
se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por (i)
cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (ii)
transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor
proporcionalmente insignificante; e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Ao contrário, cabe também a chamada “desconsideração inversa da personalidade jurídica”,


quando a pessoa física se utiliza da pessoa jurídica, indevidamente, para se “blindar” de
ataques contra seu patrimônio.

O fundamento é o mesmo: evitar o abuso no uso da personalidade jurídica. Faz-se, nesse caso,
uma interpretação teleológica do art. 50, de modo a permitir que se busque o patrimônio da
pessoa física “escondido” atrás da pessoa jurídica.

O CPC/2015, inclusive, trouxe regras acerca de um novo incidente processual, o incidente de


desconsideração da personalidade jurídica. Esse novo procedimento tem profundo e importante impacto
no exercício do direito material.

Finalmente, com a Lei 13.874/2019, a desconsideração inversa da personalidade jurídica integra também o
texto do CC/2002. Prevê o art. 50, §3º, que os requisitos e consequências da aplicação da Teoria Maior
também se aplicam à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

Há discussão acerca da responsabilização da pessoa jurídica por atos praticados pelos administradores com
abuso de poder ou com violação ao objeto da pessoa jurídica. Esse é um tema, a rigor, de Direito Empresarial,
mas cujas linhas gerais se extraem daqui.

Como se extrai da interpretação inversa do art. 47 não obrigam a pessoa jurídica os atos dos
administradores, exercidos fora dos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. É uma forma de
proteção da pessoa jurídica contra os atos das pessoas naturais que lhe administram (lembre-se, são pessoas
distintas), derivada da Ultra Vires Doctrine do direito anglo-saxônico.

No entanto, quanto aos terceiros de boa-fé que contrataram com a pessoa jurídica por meio de ato
exorbitante do administrador, ela continua responsável, por aplicação da Teoria da Aparência e do
princípio da boa-fé objetiva. É esse o sentido que se sedimentou, inclusive, no Enunciado 145 da III Jornada
de Direito Civil.

576
668
2.6. DOMICÍLIO
Necessário localizar espacialmente a pessoa jurídica. Com relação à pessoa jurídica, o CC/2002 fixa algumas
regras a respeito do domicílio no art. 75. O domicílio é:

I - da União, o Distrito Federal;


II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e
administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

Além disso, caso a pessoa jurídica tenha diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles
será considerado domicílio para os atos nele praticados. Se a sede (administração ou diretoria) ficar no
exterior, o §2º estabelece que o domicílio da pessoa jurídica será, no tocante às obrigações contraídas por
cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, situado no Brasil, a que ela corresponder.

Por fim, vale ressaltar que a regra do art. 78, que prevê a possibilidade de os contratantes especificarem
domicílio por meio de contratos escritos é de especial relevo para as pessoas jurídicas.

(TRT / TRT-2ª Região – 2016) Segundo o regramento do Código Civil, é INCORRETO afirmar que:
a. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio da União é o Distrito Federal, dos Estados e Territórios, as
respectivas capitais, do Município, o lugar onde funcione a administração municipal, das demais
pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde
elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
b. Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será
considerado domicílio para os atos nele praticados.
c. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa
jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do
estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.
d. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que
exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da
Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, o
porto onde o navio estiver atracado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
e. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram
os direitos e obrigações deles resultantes.

577
668
Comentários
A alternativa A está correta, segundo o art. 75, incisos: “Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações,
ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos”.
A alternativa B está correta, conforme o art. 75, §1º: “Tendo a pessoa jurídica diversos
estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele
praticados”.
A alternativa C está correta, na dicção do art. 75, §2º: “Se a administração, ou diretoria, tiver a sede
no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por
cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder”.
A alternativa D está incorreta, de acordo com o art. 76, parágrafo único: “O domicílio do incapaz é o
do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente
suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a
que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o
do preso, o lugar em que cumprir a sentença”.
A alternativa E está correta, por conta do art. 78: “Nos contratos escritos, poderão os contratantes
especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.

TAREFA 12 – LEGISLAÇÃO PENAL E PROCESSUAL ESPECIAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“Progressão e regressão de regime” até o final da aula.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA


2.4. FUNDAÇÕES
As fundações são um complexo de bens, ou seja, são pessoas jurídicas sem quaisquer pessoas físicas/naturais
quando de sua instituição. Cria-se a fundação por escritura pública ou por testamento, dotando-a o
instituidor de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de
administrá-la.

578
668
(MPE-SC / MPE-SC – 2016) De acordo com o Código Civil, uma fundação pode ser criada por escritura
pública ou testamento, por meio dos quais o instituidor fará dotação especial de bens livres,
especificando o fim a que se destina, devendo declarar, também, a maneira de administrá-la. Dentre
os fins expressos na legislação, destaca-se: a saúde; a segurança alimentar e nutricional; e a pesquisa
científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos.
Comentários
O item está incorreto, de acordo com o art. 62: “Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por
escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina,
e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.

O objetivo das fundações é sempre público, apesar do caráter privado que possuem. O Enunciado 9 do CJF
estabelece que o parágrafo único do art. 62 deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações
com fins lucrativos.

(CESPE / PGE-AM – 2016) As fundações privadas são de livre criação, organização e estruturação,
cabendo aos seus instituidores definir os seus fins, que podem consistir na exploração de entidades
com fins lucrativos nas áreas de saúde, educação ou pesquisa tecnológica, e outras de cunho social.
Comentários
O item está incorreto, pois as fundações não podem ter caráter lucrativo, em hipótese alguma.
Indiciariamente, já indica isso o art. 11 da LINDB: “As organizações destinadas a fins de interesse
coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem”.
Igualmente, prevê o art. 66 do CC/2002 que “Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado
onde situadas”.

O Enunciado 9 continua relevante, já que o referido dispositivo continua, aparentemente, a trazer um rol
taxativo de objetivos às fundações, nos seguintes termos:

I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

579
668
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas
de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;
IX – atividades religiosas.

Na instituição da fundação, seu instituidor deve designar o patrimônio que a compõe.


Quando, porém, insuficientes os fundos para constituir a fundação, os bens a ela destinados
serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados a outra fundação que se
proponha a fim igual ou semelhante, segundo dispõe o art. 63.

Caso a fundação seja criada por ato entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a
propriedade sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial
(art. 64).

Instituída a fundação, o instituidor nomeará pessoa para gerir o patrimônio. Essas pessoas devem, segundo
o art. 65, formular logo, de acordo com a base prevista para a fundação, o estatuto da fundação projetada,
submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente (atualmente, o MP), com recurso ao
juiz.

Veja-se que, caso o estatuto não seja elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo,
em 180 dias, a incumbência caberá ao Ministério Público, consoante regra expressa do parágrafo único do
mencionado art. 65.

O papel do MP é importantíssimo, já que cabe a ele velar pelas fundações, segundo estabelece o art. 66,
de acordo com a competência territorial do Parquet. Quando a fundação se localiza em algum dos Estados
da Federação, não há grande dúvida. Porém, se sua atividade se estender por mais de um Estado, caberá o
encargo, em cada um deles, ao respectivo MPE, na forma do § 2º do art. 66.

PRESTE ATENÇÃO, pois a Lei 13.151/2015 corrigiu uma distorção que havia no § 1º do art. 66. No caso de
funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberia o encargo legal ao MPF. A referida lei alterou o
dispositivo e passou a prever que caberá o encargo ao MPDFT.

580
668
Contrariamente às associações, a alteração do Estatuto das fundações tem algumas exigências legais,
conforme estabelece o art. 67. Primeiro, tenha em mente que a finalidade da fundação é inalterável; pode-
se apenas alterar seu estatuto. Para tanto, são três os requisitos exigidos:

I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;
II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 dias, findo o
qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento
do interessado.

O Ministério Público, portanto, tem prazo decadencial de apenas 45 dias para denegar
confirmação à alteração. O silêncio, nesse caso, é interpretado como negação de aceitação da alteração,
consequentemente, a permitir suprimento judicial.

Caso a alteração não seja aprovada por votação unânime, os administradores da fundação, ao
submeterem o estatuto ao MP, devem requerer que se dê ciência à minoria vencida. A minoria, então,
pode impugnar a mudança de maneira fundamentada, querendo, no prazo decadencial de 10 dias,
segundo o art. 68. Aí, o Parquet analisa a controvérsia e decide se aprova ou não a alteração, na forma do
art. 67, inc. III, supracitado. Novamente, se a aprovação for negada, cabe ao juiz decidir a respeito.

(MPE-PR / MPE-PR – 2016) Assinale a alternativa correta:


a) Uma fundação pode constituir-se para fins de saúde, mas não para fins de segurança alimentar e
nutricional;
b) Se uma fundação funcionar no Distrito Federal ou em Território, o encargo de sua fiscalização ao
Ministério Público Federal;
c) A fundação não pode ser criada para fins de atividades religiosas;
d) A alteração ou reforma do estatuto de uma fundação deve ser aprovada pelo órgão do Ministério
Público em até 30 dias;
e) Se o Ministério Público denegar a reforma do estatuto, o juiz pode a suprir, a requerimento do
interessado.
Comentários
A alternativa A está incorreta, conforme o art. 62, parágrafo único, inc. IV: “A fundação somente
poderá constituir-se para fins de segurança alimentar e nutricional”.
A alternativa B está incorreta, de acordo com o art. 66, § 1º: “Se funcionarem no Distrito Federal ou
em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios”.
A alternativa C está incorreta, consoante o art. 62, parágrafo único, inc. IX: “A fundação somente
poderá constituir-se para fins de atividades religiosas“.

581
668
A alternativa D está incorreta, pela dicção do art. 67, inc. III: “Seja aprovada pelo órgão do Ministério
Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público
a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado”.
A alternativa E está correta, segundo a literalidade da parte final do art. 67, inc. III, supracitado.

Por fim, estabelece o art. 69 acerca da extinção da fundação. Se se tornar ilícita, impossível ou inútil a
finalidade da fundação, ou vencido o prazo de sua existência, em caso de termo previsto pelo instituidor, o
MP ou qualquer interessado requererá sua extinção.

Nessa hipótese, incorpora-se seu patrimônio a outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim
igual ou semelhante. Evidentemente que se houver disposição em contrário no ato constitutivo ou no
estatuto, deve-se seguir tal determinação.

2.5. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


Excepcionalmente, a cisão criada pela Teoria da Realidade Técnica, em termos patrimoniais, deixa de existir,
e é possível se ignorar o véu que separa o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio pessoal dos sócios.
Trata-se de homenagem à teoria da aparência e à vedação ao abuso de direito, claramente.

(CESPE / DPU – 2017) Uma senhora procurou a DP para ajuizar ação de alimentos contra o pai de seu
filho menor de idade. Ela informou que o genitor não possuía bens em seu nome, mas exercia
atividade empresarial em sociedade com um amigo: a venda de quentinhas. Apresentou cópia do
contrato social, que, contudo, não era inscrito no órgão de registro próprio.
Considerando essa situação hipotética e a necessidade de se obter o pagamento da pensão, julgue os
itens a seguir.
Se o pai não pagar os alimentos espontaneamente e não forem encontrados bens de sua titularidade,
caberá à DP invocar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica contra a sociedade
empresária.
Comentários
O item está incorreto, porque se trata de sociedade não personificada, já que, conforme o art. 45,
“Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Assim, não
constituída a sociedade em questão, incabível se falar em desconsideração de um ente que não detém
personalidade jurídica ainda, não sendo tal sociedade uma pessoa jurídica em termos técnicos.

582
668
A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas deve ser considerado um instrumento lícito de alocação e
segregação de riscos. O objetivo é estimular a empresa, com geração de emprego, tributo, renda e
inovação em benefício de todos.

Trata-se de uma perspectiva marcadamente empresarial da pessoa jurídica. Não obstante, em que pese a
necessidade de cisão, notáveis são os casos em que há abuso. Por isso, se presentes os requisitos legais,
haverá a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

E quando cabe a desconsideração? Depende da situação. Se for uma relação trabalhista, há regra própria na
CLT; se for uma relação tributária, há aplicação do CTN; se for uma relação consumerista, o CDC dispõe a
respeito. Antes de se compreender a aplicação da Disregard Doctrine ou Disregard of the Legal Entity em
cada seara específica, é preciso compreender duas diferentes teorias.

A primeira teoria é a chamada Teoria Maior, adotada pelo art. 50 do CC/2002:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela


confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios
da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Em outras palavras, necessário é se verificar o abuso na utilização da personalidade jurídica. Esse abuso
deve se caracterizar pelo desvio de finalidade OU pela confusão patrimonial. Se não se caracterizar nem
uma dessas situações, não se pode desconsiderar a personalidade jurídica. Daí o nome de Teoria Maior, pois
ela exige a verificação de mais requisitos.

(ESAF / PGFN – 2015) Considerando o que dispõe o Código Civil acerca das pessoas jurídicas, analise
os itens a seguir e assinale a opção correta.
a) A existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, sendo exigível, nesse caso, autorização estatal para a sua criação e
personificação.
b) Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos
presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso, prescrevendo em cinco anos o direito
de anular essas decisões, quando violarem a lei ou o estatuto.
c) As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos atos dos seus
agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os
causadores do dano se demonstrado que agiram com dolo.

583
668
d) As organizações religiosas e as empresas individuais de responsabilidade limitada compõem, ao lado
das associações, fundações, sociedades e partidos políticos, as pessoas jurídicas de direito privado.
e) Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, de ofício, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Comentários
A alternativa A está incorreta, de acordo com o art. 45: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas
de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo”.
A alternativa B está incorreta, conforme o art. 48, parágrafo único: “Decai em três anos o direito de
anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de
erro, dolo, simulação ou fraude”.
A alternativa C está incorreta, na forma do art. 43: “As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros,
ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou
dolo”.
A alternativa D está correta, pela conjunção dos incisos do art. 44: “São pessoas jurídicas de direito
privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos;
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada”.
A alternativa E está incorreta, consoante regra específica do art. 50: “Em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

(CESPE / DPU – 2015) Para fins de desconsideração da pessoa jurídica, adota-se, no Código Civil, a
denominada teoria maior subjetiva.
Comentários
O item está incorreto, dado que a teoria adotada pelo CC/2002 é a Teoria Maior, não havendo
elemento “subjetivo”. Teoria Maior e ponto.

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Já a Teoria Menor é adotada pelo art. 28, §5º, do CDC, que assim dispõe:

Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O caput do art. 28 estabelece que pode haver a desconsideração em havendo abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social,
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração. Porém, consolidou-se o entendimento de que o §5º pode ser aplicado
independentemente do caput do dispositivo, de modo que é desnecessário visualizar algum
dos elementos taxativos do caput, bastando a verificação de dano ao consumidor.

Ou seja, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica ainda que não tenha havido confusão patrimonial
ou desvio de finalidade, basta que se configure alguma das hipóteses previstas no art. 28, ou ainda a
verificação genérica de dano ao consumidor prevista no §5º. Daí o nome de Teoria Menor, pois ela exige
menos requisitos para ser aplicada.

No Direito Civil, portanto, aplica-se a Teoria Maior! Por isso, deve-se comprovar o abuso de personalidade
caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Evidentemente que a aplicação da
Teoria Maior nas relações interprivadas em geral não afasta a aplicação da Teoria Menor nas relações regidas
pelo microssistema consumerista, e nem as peculiaridades das demais searas (trabalhista, tributária etc.),
como afiança o Enunciado 51 do CJF.

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TEORIA MAIOR

previsão: art. 50 do CC

Requisitos:
abuso de personalidade +
desvio de finalidade ou
confusão patrimonial

Fica a dica: a Teoria Maior é aplicável à maioria das relações jurídicas, aplicando-se a
maior lei, o CC/2002, ao passo que a Teoria Menor é aplicada a um conjunto menor
de relações jurídicas, aplicando-se a menor lei, o CDC, apenas! DECORE!

De modo a tentar afastar os excessos, preencher as lacunas e evitar o casuísmo, a Lei


13.874/2019 deu nova redação ao art. 50 do CC/2002.

O §1º do art. 50 agora prevê textualmente o que seja o desvio de finalidade. Segundo ele, desvio
de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Além disso, o §5º evidencia que não constitui
desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade
econômica específica da pessoa jurídica. Assim, se uma pessoa jurídica comercializava produtos
de informática, não se considera desvio a venda de materiais de papelaria; ao contrário, uma
sociedade que presta serviços contábeis desvirtua sua finalidade quando inicia venda de produtos de
papelaria.

Já o §2º estabeleceu no texto legal o conceito de confusão patrimonial. De acordo com a norma, entende-
se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por (i)
cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (ii)
transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor
proporcionalmente insignificante; e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

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Ao contrário, cabe também a chamada “desconsideração inversa da personalidade jurídica”,
quando a pessoa física se utiliza da pessoa jurídica, indevidamente, para se “blindar” de
ataques contra seu patrimônio.

O fundamento é o mesmo: evitar o abuso no uso da personalidade jurídica. Faz-se, nesse caso,
uma interpretação teleológica do art. 50, de modo a permitir que se busque o patrimônio da
pessoa física “escondido” atrás da pessoa jurídica.

O CPC/2015, inclusive, trouxe regras acerca de um novo incidente processual, o incidente de


desconsideração da personalidade jurídica. Esse novo procedimento tem profundo e importante impacto
no exercício do direito material.

Finalmente, com a Lei 13.874/2019, a desconsideração inversa da personalidade jurídica integra também o
texto do CC/2002. Prevê o art. 50, §3º, que os requisitos e consequências da aplicação da Teoria Maior
também se aplicam à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

Há discussão acerca da responsabilização da pessoa jurídica por atos praticados pelos administradores com
abuso de poder ou com violação ao objeto da pessoa jurídica. Esse é um tema, a rigor, de Direito Empresarial,
mas cujas linhas gerais se extraem daqui.

Como se extrai da interpretação inversa do art. 47 não obrigam a pessoa jurídica os atos dos
administradores, exercidos fora dos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. É uma forma de
proteção da pessoa jurídica contra os atos das pessoas naturais que lhe administram (lembre-se, são pessoas
distintas), derivada da Ultra Vires Doctrine do direito anglo-saxônico.

No entanto, quanto aos terceiros de boa-fé que contrataram com a pessoa jurídica por meio de ato
exorbitante do administrador, ela continua responsável, por aplicação da Teoria da Aparência e do
princípio da boa-fé objetiva. É esse o sentido que se sedimentou, inclusive, no Enunciado 145 da III Jornada
de Direito Civil.

2.6. DOMICÍLIO
Necessário localizar espacialmente a pessoa jurídica. Com relação à pessoa jurídica, o CC/2002 fixa algumas
regras a respeito do domicílio no art. 75. O domicílio é:

I - da União, o Distrito Federal;


II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e
administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

587
668
Além disso, caso a pessoa jurídica tenha diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles
será considerado domicílio para os atos nele praticados. Se a sede (administração ou diretoria) ficar no
exterior, o §2º estabelece que o domicílio da pessoa jurídica será, no tocante às obrigações contraídas por
cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, situado no Brasil, a que ela corresponder.

Por fim, vale ressaltar que a regra do art. 78, que prevê a possibilidade de os contratantes especificarem
domicílio por meio de contratos escritos é de especial relevo para as pessoas jurídicas.

(TRT / TRT-2ª Região – 2016) Segundo o regramento do Código Civil, é INCORRETO afirmar que:
a. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio da União é o Distrito Federal, dos Estados e Territórios, as
respectivas capitais, do Município, o lugar onde funcione a administração municipal, das demais
pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde
elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
b. Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será
considerado domicílio para os atos nele praticados.
c. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa
jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do
estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.
d. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que
exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da
Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, o
porto onde o navio estiver atracado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
e. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram
os direitos e obrigações deles resultantes.
Comentários
A alternativa A está correta, segundo o art. 75, incisos: “Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações,
ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos”.
A alternativa B está correta, conforme o art. 75, §1º: “Tendo a pessoa jurídica diversos
estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele
praticados”.
A alternativa C está correta, na dicção do art. 75, §2º: “Se a administração, ou diretoria, tiver a sede
no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por
cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder”.

588
668
A alternativa D está incorreta, de acordo com o art. 76, parágrafo único: “O domicílio do incapaz é o
do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente
suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a
que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o
do preso, o lugar em que cumprir a sentença”.
A alternativa E está correta, por conta do art. 78: “Nos contratos escritos, poderão os contratantes
especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.

TAREFA 13 – MEDICINA LEGAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

De “Causa jurídica da morte” até “fenômenos transformativos”.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA TANATOLOGIA FORENSE


Hoje estudaremos um tema que aparece com bastante frequência nas provas de concursos das
áreas policiais: a Tanatologia Forense! Provavelmente essa nomenclatura lhe seja um tanto
estranha; mas não se preocupe. Abordaremos o tema com a calma, a atenção e o cuidado que
ele merece.

Para resumir o que estudaremos nas próximas páginas, uma palavra basta: a morte.

E como a aprovação no concurso é um objetivo de quem está vivo, não temos tempo a perder.

Nossa explanação é baseada no excelente livro denominado Medicina Legal (10ª ed.), do grande médico e
professor, Genival França Veloso.

A palavra Tanatologia já dá algumas pistas sobre o que abordaremos nas próximas páginas. Tânato significa,
em grego, morte; e o sufixo logia, bastante conhecido e derivado do grego legein (falar), significa estudo.
Logo, estamos diante do Estudo da Morte.

589
668
Figura 3 - Tânato, a personificação da morte

Podemos afirmar que a Tanatologia é o ramo da Medicina Legal que analisa os aspectos da morte e do morto
sob variados aspectos, dentre os quais – e por isso o termo Medicina Legal – suas repercussões no âmbito
jurídico-social. Segundo o professor Genival França Veloso151, “a Medicina Legal [em sentido amplo] não se
preocupa apenas com o indivíduo enquanto vivo. Alcança-o ainda enquanto morto e pode vasculhá-lo muitos
anos depois na escuridão da sepultura”.

Mas, no âmbito da aula de hoje tenderemos mais ao fim do ciclo vital do que ao seu início. E falando em fim,
e o sabendo como uma das únicas certezas de quem vive, como definir com alguma precisão o que é a morte?
Existe alguma importância prática nisso? Certamente que sim! Entretanto, tanto a doutrina médica quanto
a doutrina jurídica divergem acerca do exato momento do início da vida e de sua cessação.

Em um primeiro momento a morte tratava da interrupção total e permanente das funções vitais. Todavia, a
evolução dos meios investigativos e dos métodos científicos apontou que tal definição não apresentava a
precisão pela qual ansiavam médicos e juristas. Eis que surge então, para fins práticos e legais, a ideia de
morte como sendo aquela em que se observa a morte encefálica.

Questão resolvida? Ainda não. A própria morte encefálica não acontece em apenas uma fração de segundos,
mas ao contrário, respeita uma sequência de fenômenos que atingem diferentes órgãos e sistemas
consecutiva ou simultaneamente. Claro! É justamente por isso que se tornou possível realizar o transplante

151
Genival França Veloso: Professor Titular de Medicina Legal nos cursos de Direito e de Medicina na
Universidade Federal da Paraíba e membro da Academia Nacional de Medicina Legal.

590
668
de órgãos nos casos em que seja declarada, por exemplo, a morte encefálica! Como o corpo humano é
dotado de uma intrincada rede de sistemas, muitos deles ainda preservam suas funções por algum tempo
mesmo após uma parada cardiorrespiratória ou a própria morte encefálica.

Vejamos que o próprio doutor França aponta as dificuldades encontradas quando da conceituação da morte:

“A morte é uma realidade complexa, ligada a um dos mistérios do homem e que determina o fim
da sua unidade biológica. Conceitua-se, dentro dos padrões tradicionais, como a cessação dos
fenômenos vitais, pela parada das funções cerebral, respiratória e circulatória. No entanto, estas
funções não cessam todas de uma vez, resultando daí certa dificuldade para se determinar com
precisão o exato momento da morte”.

Tentando elucidar a questão, Delton Croce152 subdivide a morte da seguinte maneira:

Morte Anatômica: a interrupção total e permanente das grandes funções do organismo;

Morte Histológica: decorre do momento anterior (morte anatômica), e se dá com a morte


paulatina de células e tecidos de diferentes órgãos;

Morte Aparente: o indivíduo, aos olhos de seus semelhantes, parece realmente morto, mas
como mencionado alhures, a morte não se processa instantaneamente e, nesse caso, há a
persistência de uma débil circulação sanguínea. Este estágio pode durar horas e pode, com o
emprego das técnicas adequadas, ser revertido;
Morte Relativa: aqui se dá a parada cardíaca diagnosticada principalmente pela ausência de
pulso em artéria calibrosa, associada à perda de consciência, cianose ou palidez;

Morte Intermediária: admitida por parte da doutrina, referindo-se àquela que precede a
absoluta e sucede a relativa – eis o verdadeiro estágio inicial da morte definitiva;

152
CROCE, Delton e JR. CROCE, Delton. Manual de Medicina Legal. 8ª. Edição. São Paulo: Editora
Saraiva., 2011, p. 1263.

591
668
Morte Real: enfim, é o ato de cessação da personalidade e da conexão orgânica por inibição da
força de coesão intermolecular.

Morte Morte Morte Morte


Morte Relativa Morte Real
Anatômica Histológica Aparente Intermediária

Aquecemos os motores, não é mesmo?

Vamos então responder uma questão típica de concurso para você ir se familiarizando com os termos.
Pronto?

(VUNESP / PC-SP – 2014) Dentro das diversas áreas da Medicina Legal, pode-se dizer que a
pesquisa da reação de natureza vital nas vítimas é abordada de modo mais específico na

a) Tanatologia

b) Vitimologia

c) Infortunística

d) Traumatologia

e) Criminalística

COMENTÁRIO:

Segundo Genival França Veloso, “para se constatar a certeza da morte, é necessária a


observação cuidadosa dos fenômenos que surgem no corpo humano a partir do momento da
morte, representados por mudanças físicas, química ou estrutural, de origem natural ou
artificial”.

A Faculdade de Medicina da Universidade do Porto define a Tanatologia Forense como “o ramo


das ciências forenses que, partindo do exame do local, da informação acerca das circunstâncias

592
668
da morte, e atendendo aos dados do exame necroscópico, procura estabelecer a identificação
do cadáver, o mecanismo da morte, a causa da morte e o diagnóstico diferencial médico-legal
(acidente, suicídio, homicídio ou morte natural)”.

Logo, a pesquisa da reação de natureza vital (ou sua ausência) é objeto da prestigiada
Tanatologia Forense.

GABARITO Letra A.

Já estamos começando a entender o que é a morte e como ela se processa. Mas, uma vez que seja constatada
a morte, qual seria a principal função da Tanatologia Forense ou Médico-Legal? Vamos ver o que pensa a
respeito o professor França:

Um dos objetivos primordiais do estudo da Tanatologia Médico-Legal é estabelecer o diagnóstico


da causa jurídica da morte na busca de determinar as hipóteses de homicídio, suicídio e
acidente153.

Ora, ora! Tendo em vista que estamos engajados em um projeto que certamente desaguará na sua
aprovação para uma das carreiras mencionadas, tão importante quando afirmar se houve ou não a morte –
e em que momento esta se deu (Cronotanatognose) – é determinar a causa dessa morte, compreendida, em
linhas gerais, dentre hipóteses de homicídio, suicídio e acidente.

1.1 – CAUSAS JURÍDICAS DA MORTE

Do ponto de vista jurídico, há, sempre que se observa uma morte, três hipóteses
plausíveis quando estamos tratando de morte violenta: o homicídio, o suicídio e o acidente.

Como vimos há pouco, a Tanatologia Forense se ocupa não apenas da morte, mas do reflexo dessa morte no
mundo jurídico. Destarte, a determinação da causa da morte é de suma importância para a vítima e para o

153
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Geen, 2015.

593
668
Estado, cuja tipificação trará consequências sociais, políticas e econômicas em diversas esferas. Eis, pois, o
peso da responsabilidade que repousa sobre os ombros dos profissionais envolvidos.

No bojo de nossa aula analisaremos apenas as espécies de mortes violentas, relegando à Medicina lato senso
as mortes naturais.

Morte Morte
Violenta Natural

Homicídio Velhice

Suicídio Doença

Acidente

1.1.1 – Homicídio

Para que possamos compreender a magnitude do problema enfrentado pelo Brasil e


suas consequências jurídicas, econômicas e financeiras, vejamos alguns números: de
acordo com o Atlas da Violência de 2018154, produzido pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em
2016 foram cometidos 62.517 assassinatos, número que coloca o Brasil em um
patamar 30 vezes maior do que o da Europa. Temos, para a última década, um total

https://oglobo.globo.com/brasil/atlas-da-violencia-2018-brasil-tem-taxa-de-homicidio-30-vezes-
154

maior-do-que-europa-22747176

594
668
de 153 mortes por dia. A título de comparação, entre 2001 e 2015, morreram mais pessoas assassinadas no
Brasil do que o somatório das mortes ocorridas nas guerras do Iraque e da Síria.

Figura 4 – Feminicídio

Com um universo gigantesco de homicídios, nada mais importante do que você, candidato a um cargo
público, estar preparado para enfrentar essa triste realidade.

Temos uma noção muito clara do que é um homicídio, não é mesmo? De acordo com o artigo 121 do Código
Penal, o Homicídio Simples, cuja pena imposta é de reclusão de seis a vinte anos, é assim definido: matar
alguém.

Vejam que o homicídio, sob o ponto de vista do Direito Penal, ocorre ainda que o autor não tenha tido a
menor intenção de perpetrá-lo. Em outras palavras, se você matou alguém, ainda que culposamente, você é
um homicida.

A doutrina caminha no mesmo sentido, e esmiúça um pouco mais: trata-se da “morte involuntária ou
involuntária de alguém realizada por outrem”. O direito tutelado aqui é a vida. Desta forma, não é possível
matar alguém que já esteja morto – eis o denominado crime impossível. Além disso, pouco importa qual são
as condições de vida da vítima sob o ponto de vista biopsicossocial; a única preocupação é determinar se a
vítima estava ou não estava viva. Percebem como a determinação ou não da morte – e também o seu
momento exato – trazem inúmeras importantíssimas consequências?

Vamos a um exemplo prático?

595
668
Caio, furioso e inconformado com a atitude de Tício, amigo de longa data que confessou ter um
caso com a mulher daquele, resolve adquirir arma de fogo para dar cabo da vida de Tício. Todavia,
Samara, esposa de Caio, arrependida do que fizera, e antes mesmo de contar a seu marido,
resolve envenenar (energia de ordem química) Tício na tentativa de ocultar o affair. Na fatídica
noite, Caio liga para a suposta vítima e afirma, sob lágrimas, que a amizade entre os dois é mais
importante que qualquer outra coisa, e marca um happy hour para que possam fazer as pazes.
Samara, que conhecia Tício muito bem, sabia que quarta-feira seu amante se reunia com amigos
em um bar nos arredores da cidade. Assim, contrata Júlia que se dispõe a envenenar a bebida de
Tício. Este chega mais cedo no bar e pede o de costume; Júlia, astuta, deposita o veneno em seu
whisky e o entrega com duas pedras de gelo. Tício sorve o líquido com vivacidade. Caio fica preso
no engarrafamento e só consegue chegar ao bar – armado com sua Taurus 9mm adquirida no
mercado negro – quarenta e cinco minutos depois. Entra no estabelecimento e encontra Tício,
sua vasta cabeleira loira e sua icônica jaqueta de couro sentado de costas para a porta – sem
titubear, atira quatro vezes, ferindo seu amigo na parte posterior do torso e cabeça. Foge do local
imediatamente. No dia seguinte o Delegado, em vias de concluir seu inquérito no sentido de
atribuir o homicídio aos ferimentos perfuro-contusos provenientes dos PAFs disparados por Caio,
é interrompido pelo médico legista que afirma categórica e empiricamente que o que causou a
morte de Tício foi a ingestão um veneno de ação rápida, que causou parada cardíaca instantânea,
e não os ferimentos causados pelos PAFs disparados.

Vejam que nessa narrativa quem responderia pelo homicídio seriam Samara e Júlia, e não Caio, tendo em
vista que matar um cadáver consiste em crime impossível. Bendito trânsito!

Enfim, é ou não é importante determinar causa e momento da morte? Com certeza é!

E já que estamos tratando de perícias, o que caberia, no caso concreto, ao perito


esclarecer à justiça?

➢ O nexo causal entre a agressão e o evento morte;

➢ Qual o meio empregado;

➢ O estado mental do homicida;

➢ A periculosidade do homicida;

➢ Se houve embriaguez fortuita ou preordenada;

➢ Se o homicídio foi cometido mediante emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel;

596
668
➢ Se foi cometido sob violenta emoção;

➢ A idade do agente (menor de 21 anos, na data do fato, ou maior de 70 anos na data da sentença);

➢ A atitude da vítima (postura, lesões de defesa, sede, ordem e sentido das lesões);

➢ A mudança de posição dolosa ou acidenta da vítima;

Isso tudo, meu caro, para mostrar a você que a morte é apenas o início das constatações científicas, e que
as consequências podem desaguar em diversas searas diferentes.

1.1.2 – Suicídio

Para a doutrina, o suicídio é a “deserção voluntária da própria vida; é a morte, por vontade e
sem constrangimento, de si próprio”.

Do ponto de vista jurídico, para que seja determinada essa causa de morte são necessários dois
elementos: o subjetivo, caracterizado pelo simples desejo de morrer; e o objetivo, que é a
morte propriamente dita. Destarte, seria fantasioso afirmar que, por mais suicida que fosse
determinada missão militar, os soldados que à ela foram designados – e mortos em exercício – seriam
suicidas. Da mesma maneira, apontar que os heróis da Usina de Fukushima, sabedores de que a incidência
prolongada àqueles níveis de radiação os levariam a morte, seriam suicidas, seria fantasioso. Isso porque nos
dois exemplos mencionados há a ausência do elemento volitivo, qual seja, a vontade de morrer. Outro
exemplo a citar é aquele do capitão do navio que permanece a bordo até que toda a tripulação tenha deixado
a embarcação em segurança – não há suicídio.

Pois bem. Compreendidos os elementos necessários à determinação do suicídio – e bem por isso são
pesquisadas cartas, mensagens, filmagens ou qualquer outro elemento que externe a vontade do suicida de
dar cabo da própria vida – passemos a analisar brevemente as doutrinas que tentam explicar a gênese do
suicídio; em outras palavras, por que motivo as pessoas se suicidam?

A primeira delas, de cunho biológico ou psiquiátrico, à qual se filiam, geralmente, os médicos, entende que
o indivíduo atenta contra a própria vida, pois não goza de perfeita saúde mental, sendo acometido de
alienações ou anormalidades psíquicas. Nesse caso o suicídio seria antecipado, por exemplo, por um estado
de depressão, o qual assume forma de fantasias sádicas com a internalização de impulsos agressivos que não
se conseguem exprimir – trata-se de uma intensa tensão interior aliada à pequena estimulação social.

A corrente sociológica, em seu turno, entende o suicídio como fenômeno puramente social; é geralmente a
teoria adotada por cientistas sociais e juristas. Segundo esta, é plenamente possível que o indivíduo
determine a própria morte ainda que esteja em pleno gozo de suas faculdades mentais.

597
668
Independentemente da teoria que se adote, do ponto de vista prático, observa-se uma profunda ligação com
fatores da vida de relação do suicida com os meios empregados para a morte. Assim, variam de acordo com
o lugar, a época, o poder aquisitivo, a profissão, a raça e o estado mental.

Figura 5 - Suicídio por Precipitação de Local Elevado

As classes mais abastadas, por exemplo, preferem as armas de fogo; os mais pobres, armas brancas,
enforcamento, precipitação de pontos elevados, inalação de gases tóxicos (monóxido de carbono em
garagens) e, claro, pela ingestão, no meio rural, de formicida líquido ou sólido (cianureto de potássio), este
muito mais letal, de ação rapidíssima e extremamente violenta – o mesmo utilizado por Samara para
envenenar Tício.

Também a profissão pode induzir o meio: um carpinteiro tem à disposição diversos tipos de serras; o
açougueiro, uma pletora de facas; o farmacêutico, venenos; o caçador, com a espingarda; o operário, com a
ação da gravidade e o impacto com o asfalto.

Quanto aos locais, também são condicionados pela vida do suicida, e são bastante variados sendo que,
muitas vezes, ocorrem nos locais de predileção das vítimas.

1.1.3 – Acidente

No que toca aos acidentes, havemos de convir que, por mais que o corpo humano seja dotado de
uma infinidade de sistemas autônomos de proteção, acidentes fatais são inevitáveis e ocorrem a todo
momento. Antes de analisarmos as espécies mais comuns de acidentes, e a fim de que você tenha um

598
668
panorama estatístico parcial, vejamos alguns números de morte de crianças e adolescentes no Brasil (2016),
de acordo com o DataSUS:

Figura 6 - DataSUS (2016)

Podemos depreender que, ao menos no Brasil, o grande infanticida continua a ser o trânsito. Os veículos
automotores (e seus condutores, obviamente) são as armas mais letais encontradas em solo brasileiro.

Não muito distante, temos as asfixias por afogamento, que vitimaram, em 2016, 913 crianças e adolescentes.

As sufocações, outra modalidade de asfixia, que podem ser diretas ou indiretas, respondem por outras 826
mortes; seguem-se queimaduras, quedas, intoxicações e outros, dentre as quais, aquelas causadas por
acidentes com armas de fogo.

Ademais, não podemos esquecer outras espécies de acidentes típicos, quais sejam, os aeroviários,
ferroviários e marítimos, sendo estes um tanto quanto menos comuns no Brasil. Quanto aos automotivos,
ceifaram mais vidas no último século do que todas as guerras registradas até o momento.

1.1.4 – Outras Classificações

Morte Suspeita

599
668
A morte suspeita é aquela que ocorre em pessoas de aparente boa saúde, de forma inesperada,
sem causa evidente, ou com sinais de violência indefinidos ou definidos — como, por exemplo, a simulação
de suicídio objetivando ocultar homicídio —, passível de gerar desconfiança sobre sua etiologia.

Morte Súbita

Segundo o Manual de Medicina Legal de Delton Croce e Delton Croce Junior 155, a morte súbita
é aquela que ocorre de forma imprevista, em segundos ou, no máximo, alguns minutos, precedida ou não
de fugacíssima agonia, e motivada por afecções cardiovasculares, lesões encefálicas e meníngeas, tumores
cerebrais, acidente vascular encefálico, infarto do miocárdio, fibrilação ventricular, edema agudo dos
pulmões, insuficiência cardíaca congestiva, ruptura de vísceras ocas e/ou maciças, ruptura de aneurisma,
asfixias mecânicas, edema de glote, choque hemorrágico, anafilático, obstétrico, doenças
tromboembólicas, acidentes anestésicos e/ou cirúrgicos, crise epiléptica apneica, febre tifoide,
meningites, tétano, difteria, ação da eletricidade cósmica ou industrial.

Influenciam, ainda, a idade, o sexo, a profissão, a fadiga, o esforço, a embriaguez, o coito, a emoção.
Entretanto, criminalmente falando, certas mortes súbitas são consideradas suspeitas, até prova contrária.

Morte Agônica

155
Ed. Saraiva, 8ª edição, 2011.

600
668
A morte agônica é aquela em que a extinção desarmônica das funções vitais processa-se
paulatinamente, com estertores, num tempo relativamente longo; nela os livores hipostáticos formam-se
mais lentamente.

O diagnóstico diferencial entre a morte súbita e a morte agônica é firmado pelos peritos, habitualmente,
durante a necropsia; há casos raros, todavia, em que se torna necessária a complementação diagnóstica
pelas docimasias hepática e suprarrenal.

1.1.5 Diferencial Da Causa Jurídica De Morte

Há um cadáver e o perito não sabe (ainda!) exatamente o que aconteceu. A Medicina


Legal, a Criminalística, a Balística e tantas outras ciências auxiliam na realização do árduo
mister de determinar a causa jurídica de morte. Foi homicídio? Foi suicídio? Ou foi um
acidente? Lembre-se sempre que a determinação é imprescindível para que sejam
distribuídos os reflexos e as responsabilidades no âmbito jurídico e social.

No âmbito do vastíssimo mundo pericial há uma frase bastante conhecida: o cadáver fala.

A partir de um apurado diagnóstico diferencial os profissionais do ramo podem determinar diversos aspectos
que passariam despercebidos por outras pessoas. Quer alguns exemplos? O mecanismo de morte, per si, já
pode orientar uma determinada causa jurídica de morte. Como assim, professor? A esganadura é
tipicamente homicida, enquanto o enforcamento é tipicamente suicida. Veja-se que devemos tomar o
cuidado de usar o termo tipicamente, e não exclusivamente. Ademais, a presença de lesões de defesa aponta
para o homicídio, e são geralmente encontradas nas mãos, bordas dos antebraços, pés, ombros e
principalmente nas palmas das mãos. Já quando nos deparamos com crimes sexuais, além dos encontrados
típicos em regiões genitais, deparamo-nos com ferimentos em torno do nariz e da boca, além de escoriações
e equimoses nos braços e no pescoço, todos oriundos da tentativa empregada pelo agressor de subjugar e
calar a vítima.

Outro aspecto de grande relevância além da localização das feridas é também a sua direção. Esta em
conjunto com aquela pode auxiliar sobremaneira na Reprodução Simulada dos fatos a fim de elucidar a causa
da morte. Veja, por exemplo, que um destro, ao empunhar uma arma de corte produzirá, em si e em outro,
lesões com determinado padrão, geralmente muito diferente daquelas perpetradas por um canhoto.

E ao tratarmos de ferimentos causados por projétil de arma de fogo (PAF) – ferimento perfuro-contuso
causado por instrumento perfuro-contundente – a localização, direção e aspecto da ferida podem

601
668
determinar toda a dinâmica do evento, bem como a quantidade de autores e vítimas, o calibre do
armamento empregado, a prevalência ou não de meios de defesa, etc. Sim, meus amigos, os corpos falam.

Vamos analisar em uma grande tabela as lesões mais comuns e a que estão relacionadas?

602
668
Lesões por instrumentos comuns no suicídio e no homicídio e só excepcionalmente no acidente
cortantes
Lesões por instrumentos comuns no homicídio, suicídio e acidentes
contundentes
Lesões por instrumentos comuns nos casos de homicídio e, excepcionalmente, em acidentes
cortocontundentes
Lesões por instrumentos comuns em homicídio e raras em casos de suicídio e acidentes
perfurantes
Lesões por instrumentos comuns em homicídio e raras em casos de suicídio e acidentes
perfurocortantes
Lesões por instrumentos comuns em homicídio e suicídio e raras em casos de morte acidental
perfurocontundentes
Esmagamentos comuns nos acidentes

Precipitações comuns no suicídio e no homicídio; raramente são acidentais

Enforcamento comum em casos de suicídio e raro nos de homicídio; rarissimamente é acidental

Estrangulamento comum em casos de homicídio e excepcional nos suicídios e acidentes

Sufocação comum em casos de acidente e homicídio

Afogamento comum nos acidentes e suicídios e raro em homicídios

Envenenamento comum em casos de suicídio e menos frequente em homicídios e acidentes

Queimaduras comuns no suicídio e acidentes e raras em homicídios

Esganaduras comuns em homicídios; a doutrina majoritária aponta que os casos de acidente são raríssimos e
inexistentes em caso de suicídio

Entretanto, caro aluno, cabe ressaltar que muitas vezes as feridas e as lesões não são mais detectáveis pelo
decurso do tempo existente entre a morte e a análise do cadáver.

Neste caso os profissionais devem então lançar mão dos meios científicos e tecnológicos disponíveis para
tentar determinar a dinâmica do evento. Isso ocorre porque o cadáver sofre uma série de interferências
internas e externas que acabam por desaguar na esqueletização, fase final da putrefação cadavérica.

Mas nem sempre há degradação; há também aqueles que preservam os cadáveres. Como exemplos clássicos
citamos a saponificação e a mumificação, os quais, dentre outros, serão estudados mais a frente.

603
668
1.2 – TANATOGNOSE
A Tanatognose é o ramo da Tanatologia Forense que estuda, em linhas gerais, o diagnóstico da realidade
da morte. Destarte, caberá ao profissional observar dois tipos de fenômenos cadavéricos,
quais sejam: os abióticos, avitais ou vitais negativos, tanto imediatos quanto consecutivos; e
os transformativos, sejam eles destrutivos ou conservadores. Em outras palavras, se houve
morte, tais fenômenos se farão presentes.

1.2.1 - Fenômenos Abióticos, (A)vitais Ou Vitais Negativos

Segundo França, os fenômenos abióticos, também chamados de avitais ou vitais negativos, se dividem em:

1. Imediatos, que são aqueles que se apresentam devido à cessação das funções vitais; e os
2. Consecutivos (mediatos), que surgem em decorrência da instalação dos fenômenos cadavéricos, e
são de origem química, física e estrutural.

1.2.1.1 - Fenômenos Abióticos Imediatos

Os sinais a seguir são indicadores relativos de morte. Veja que alguns destes se
apresentam em pessoas em estado de coma alcoólico, por exemplo. Logo, estes sinais
imediatos devem ser interpretados em conjunto visto que, isoladamente, possuem
valor relativo.

a) Perda da Consciência

Ora, alguém que esteja consciente não estará, para todos os efeitos, morto. Não existe a menor possibilidade
de um cadáver se encontrar consciente. Em suma, e para que não restem dúvidas, a presença de consciência
afasta a hipótese de morte – e estar consciente é ter condições de atender às solicitações do meio ambiente.
Por isso – dentre outros motivos – é que os paramédicos fazem de tudo para que os pacientes não percam

604
668
a consciência; pois perdê-la significa apresentar um dos primeiros fenômenos abióticos imediatos e, pois dar
o primeiro passo em direção à morte.

b)Perda da Sensibilidade

As sensações experimentadas pelo corpo humano dependem sobremaneira do sistema circulatório. Com o
advento da morte, cessam as sensibilidades geral e especial. Não há qualquer sensação tátil, térmica ou
relativa à dor. Para a pesquisa da insensibilidade, França menciona a manobra conhecida como Sinal de
Jostat, que consiste em realizar o pinçamento do mamelão a fim de constatar a ausência da sensibilidade à
dor – os mamilos (ou mamelões) são extremamente sensíveis; e a ausência de sensibilidade ao pinçamento
é um sinal característico da perda da sensibilidade.

c) Abolição da Motilidade e do Tônus Muscular

Para análise deste fenômeno França (2015) recomenda a comprovação através do sinal de Rebouillat, que
consiste em injetar 1ml de éter na face externa da coxa. Neste caso, diante da morte real o éter será expelido
pelo orifício produzido pela agulha; caso contrário, será absorvido pelo corpo. Ademais, a injeção de éter
causa dor, e de acordo com o sinal acima estudado (Perda da Sensibilidade), caso o indivíduo reaja a este
estímulo doloroso estar-se-á diante de um vivo, e não de um cadáver.

Ainda analisando os efeitos da morte sobre o tônus muscular, os moribundos, acometidos por doenças
graves – vivos, pois – apresentam uma expressão de sofrimento, agonia e dor, a face hipocrática, também
denominada máscara da morte. Os mortos, em seu turno, apresentam um semblante de profunda
serenidade, decorrente do relaxamento dos músculos – falta-lhes, em verdade, uma expressão.

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668
Figura 7 - Face Hipocrática

A despeito da imobilidade características dos cadáveres, pequenos movimentos podem ser observados, que
surgem em decorrência da ação da gravidade ou da rigidez cadavérica que se instala em diferentes regiões
do corpo a depender do lapso observado entre a morte e a observação do cadáver (cronotanatognose).

E para além dessa rigidez cadavérica inicial, instala-se, posteriormente, sobre o morto, o relaxamento
muscular que desagua na dilatação das pupilas, abertura das pálpebras, dilatação do ânus (com eventual
liberação de matéria fecal), abertura da boca e presença de esperma no canal uretral.

d) Cessação da Respiração, Circulação e Atividade Cerebral

Como vimos, a morte se dá com a cessação paulatina dos sistemas respiratório, circulatório e da atividade
cerebral. E, conforme mencionado alhures, a ausência de respiração não é, per si e imediatamente um sinal
absoluto de morte.

Atualmente a ciência dispõe de diversas técnicas de investigação para determinar e cessação desses
sistemas, sendo que atualmente o conceito de morte mais aceito é o de morte encefálica, a qual, via de
regra, não deixa dúvidas quanto ao falecimento.

606
668
1.2.1.2 - Fenômenos Abióticos Consecutivos ou Mediatos

Ultrapassados os fenômenos imediatos, adentramos na seara daqueles que se


prolongam no tempo e atestam com mais propriedade a morte real. Analisemos cada
um deles, iniciando pela desidratação cadavérica.

a) Desidratação Cadavérica

A desidratação não se dá de maneira idêntica em vivos – e tampouco acontece de tal maneira em cadáveres.
Ao contrário, ela observa diversos fatores no que toca à evaporação tegumentar, como a temperatura
ambiente, a circulação do ar, a umidade do local onde se encontra o cadáver e, claro, a causa da morte.

Em linhas gerais, há um acentuado decréscimo de peso, sendo muito mais


acentuada em fetos e recém-nascidos. Nesses casos, a perda de peso é em
média de 8g/kg de peso por dia nas primeiras 24h post mortem.

Para além disso, vê-se o pergaminhamento da pele, que desseca, endurece e torna-se sonora à percussão;
torna-se parda ou amarelada, com nítidas e profundas estrias. Veja-se que a desidratação ocorre também
em pessoas mais idosas, o que explica em grande parte o mesmo pergaminhamento epitelial mencionado.

Os lábios também sofrem desidratação e dessecamento, sobremaneira em crianças e recém-nascidos.


França relembra que é imprescindível reconhecer este sinal abiótico consecutivo para não confundir a
desidratação labial com lesões traumáticas ou aquelas decorrentes da ação de substancias cáusticas (as quais
também causam desidratação).

Quanto aos olhos, preenchidos pelo humor aquoso, líquido incolor constituído por 98% de água e 2% de
sais, sofrem alguns fenômenos típicos, como a formação da tela viscosa, a perda da tensão do globo ocular,
o enrugamento e a turvação da córnea e, enfim, sinal tipicamente cobrado em provas, o surgimento da
mancha negra da esclerótica, também denominado Sinal de Sommer-Larcher.

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668
Figura 8 - Sinal de Sommer-Larcher

(FUNIVERSA / SPTC/GO – 2015) Na Tanatologia, a cronotanatognose é o estudo, por meio de


sinais físicos e químicos, da estimativa da hora da morte. Quanto aos fenômenos cadavéricos
ligados e esse estudo, assinale a alternativa correta.

a) A desidratação é um fenômeno cadavérico de ordem física que causa perda de peso,


apergaminhamento da pele, dessecamento das mucosas e fenômenos oculares nos cadáveres.

b) Resfriamento do corpo (algidez cadavérica), livores hipostáticos, rigidez muscular e


desidratação são fenômenos cadavéricos de ordem física.

c) A regra de Nysten é aplicável ao fenômeno cadavérico de ordem química denominado


putrefação.

d) A rigidez cadavérica nada mais é do que uma variante da contração muscular provocada
pela escassez de oxigênio nos tecidos. Assim, nos casos de morte rápida, natural ou violenta,
tende a aparecer mais cedo e a durar menos.

e) A mancha negra da esclerótica, também conhecida como sinal de Sommer, tem sua gênese
no processo de autólise, um fenômeno cadavérico de ordem química.

608
668
COMENTÁRIO:

Poxa, professor, questão difícil! Ainda não estudamos os outros temas a fundo. Tem razão.
Mas se você prestou bastante atenção ao tratarmos da desidratação conseguiria responder
numa boa! Vamos comentar as alternativas.

A alternativa A é nosso gabarito mais uma vez. De fato a desidratação é um fenômeno


cadavérico de ordem física (lembre-se dos fenômenos que envolvem os diferentes estados em
que a água pode ser encontrada na natureza – todas as mudanças são de ordem física!) que
causa perda de peso (principalmente em recém-nascidos), pergaminhamento da pele (sim, com
modificação da cor, inclusive, para um tom pardacento) e dessecamento das mucosas (o qual
não pode ser confundido com lesões hipoteticamente causadas em vida). Exatamente tudo que
estudamos.

Quanto à alternativa B, é importante saber que a rigidez muscular é um fenômeno de ordem


química, e não física.

A alternativa C, a mencionada regra de Nysten não se aplica ao fenômeno cadavérico


denominado putrefação, mas sim à rigidez cadavérica. Em linhas gerais ela determina que a
rigidez se instala pela cabeça e pescoço, avança para os membros superiores, depois inferiores
se desfazendo no mesmo sentido da instalação.

A alternativa D traz um conceito que estudaremos adiante quando abordarmos o Rigor Mortis.
No caso de morte violenta há um maior gasto de oxigênio, o que propicia a acidificação mais
rápida do organismo, o que contribui, enfim, para que a rigidez cadavérica se dê também de
forma mais rápida.

E a alternativa E esta errada porque a mancha negra da esclerótica (Sinal de Sommer) é um


fenômeno abiótico consecutivo, cuja gênese, pois, não se dá no processo de autólise, a qual
ocorre, saibam, após a instalação dos fenômenos abióticos imediatos e consecutivos, e inicia
com a fase cromática, passa pela fase gasosa, coliquativa e desagua na esqueletização
completa.

GABARITO: Letra A.

A seguir, prezado aluno, estudaremos o Livor Mortis, o Rigor Mortis e o Algor Mortis, também conhecidos
como LAR. Eu quero que você preste muita atenção, pois a maioria das questões aborda estes fenômenos
abióticos consecutivos realizando o cotejo com a Cronotanatognose que estudaremos a seguir. Então, preste
atenção!

609
668
b) Livor Mortis – Manchas de Hipóstase Cutâneas

Também conhecidas na literatura como Livores Cadavéricos, são fenômenos constantes e


facilmente observáveis pelos profissionais em locais de morte. São manchas irregulares, de tom
azul-arroxeado com intensidade variável e percebidas na superfície da pele.

Outra denominação bastante comum remete a Manchas de Hipóstase, que variam de acordo
com a posição do corpo. São geralmente placas de sangue que se depositam ao sabor da
gravidade. Os desenhos formados nos corpos trazem nítido contraste com as regiões mais claras, em tom de
cera, que são justamente aquelas em que ficaram em contato com a superfície onde se encontrava o cadáver.

Este sinal é extremamente importante para identificar, por exemplo, se o corpo fora removido após a morte,
em que posição a vítima permaneceu após a morte, perpassando, se possível, pela determinação da dinâmica
do evento e, claro, do tempo de morte.

Tais manchas permanecem adornando a cútis do cadáver até o surgimento dos fenômenos putrefativos, que
as transformam em manchas verde-enegrecidas.

E por que as manchas de


hipóstase surgem? E como surgem?
Vejamos.

Quando estamos sentados estudando, como agora, por exemplo, a única razão pela qual o sangue não se
deposita em suas extremidades inferiores é porque há um sistema circulatório em ação, dotado de uma
bomba extremamente eficiente e potente também conhecida como coração. Quando este sistema
circulatório falha e deixa de operar, não existe força mecânica para fazer com que o sangue circule, e esse
passa a sucumbir à gravidade se depositando nas partes mais baixas do cadáver. Daí, caro aluno, a
possibilidade de se determinar se o corpo fora removido ou em que posição a vítima permaneceu após a
morte.

Veja que nem sempre o sangue irá se depositar no mesmo lugar.

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668
Se o cadáver permaneceu em decúbito ventral, as hipóstases estarão no ventre, e estarão ausentes onde
houve pressão (tórax contra um anteparo no chão, por exemplo). Nos casos em que o cadáver morre de
joelhos (enforcamento), junto à parede, as placas irão se depositar na região dos membros inferiores. E, caso
o cadáver permanece em decúbito dorsal, comumente a região posterior de todo o corpo estará arroxeada
com exceção das nádegas e de uma porção específica da parte posterior do dorso. Vamos ver isso na prática?

Figura 9 - Livores na região posterior

Veremos adiante que esses livores obedecem à uma determinada cronologia no que toca à instalação (2-3h)
e à fixação (12h). Melhor dizendo, a partir de determinado momento eles se tornam fixos e não modificam
mais o seu padrão, pois a gravidade não mais consegue atuar. Destarte, em determinado local de crime de
homicídio, ao se deparar com o cadáver em questão – e ainda que ele esteja em decúbito lateral ou ventral
– você poderá afirmar sem medo de errar que a vítima permaneceu em decúbito dorsal por pelo menos 12
horas, momento em que os livores se fixaram.

Um exame muito claro que atesta a fixação dos livores é a pressão com o indicador de determinada área
sujeita à fixação das hipóstases. Caso a área não se torne lívida, eis uma situação típica de fixação e, pois, de
tempo de morte superior a 12 horas.

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Figura 10 - A mão do próprio cadáver imprime diferenciação na fixação das hipóstases

Importante salientar que o aspecto violáceo nem sempre está presente, podendo
a tonalidade variar. Caso a morte tenha decorrido de asfixia por monóxido de
carbono, por exemplo, as hipóstases mostrar-se-ão carminadas.

Mas professor, isso é cobrado em provas? Com certeza! Veja só:

(CESPE / Polícia Científica/PE – 2016) De acordo com a tanatologia forense, é correto afirmar
que
a) as hipóstases apresentam coloração vermelho-carmim ou vermelho-cereja, nos casos de
envenenamento por monóxido de carbono.

b) as hipóstases apresentam coloração acinzentada, nos casos de envenenamento por


cianeto.

c) as hipóstases ocorrem em qualquer região do corpo, ao passo que as equimoses aparecem


somente nas áreas de maior declive.

d) as hipóstases têm contornos delimitados e as equimoses, difusos.

e) as equimoses, quando incisadas, resultam no extravasamento do sangue fluido contido nos


capilares.

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668
COMENTÁRIO:

Ainda bem que acabamos de estudar essa hipótese, pois a questão reclama profundo
conhecimento dos conceitos de Medicina Legal. Vamos comentar uma a uma para enriquecer
nosso aprendizado, ok?

O gabarito é a letra A. De fato as hipóstases apresentam coloração vermelho-carmim ou


vermelho-cereja nos casos que envolvem envenenamento por monóxido de carbono.

Quanto à letra B, nos casos de envenenamento por cianeto as hipóstases são vermelho intenso,
e não acinzentadas.

A letra C está errada porque as equimoses podem ocorrer em qualquer lugar do corpo,
enquanto as hipóstases apenas se apresentam nas áreas de maior declive (ação da gravidade,
lembra-se?).

A letra D peca ao trocar as informações: hipóstases tem contorno difuso, enquanto as


equimoses são delimitadas.

E, enfim, a letra E está errada porque, utilizando-se a técnica de Bonnet, ao se fazer um corte
em determinado tecido, caso haja gotejamento estar-se-á diante de livor; e se não houver, é
uma equimose. Saiba que nas equimoses o sangue encontra-se coagulado e infiltrado na malha
tecidual, não havendo, pois, que se falar em extravasamento do sangue.

GABARITO Letra A.

Não podemos confundir as equimoses com as manchas hipostáticas! Nas primeiras o sangue
encontra-se coagulado e infiltrado nas malhas do tecido, havendo fibrina e capilares rotas; nas
segundas, vasos e capilares estão intactos e não há presença de fibrina. É imprescindível que o
profissional esteja atento para não determinar o surgimento de uma equimose quando se trata
de simples livor hipostático e vice-versa.

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668
Ademais, em pessoas de cor negra, não se notam livores hipostáticos, ocasião em que o perito tem de lançar
mão dos diversos outros métodos de constatação de diferencial, hora de morte etc. disponíveis.

No que toca à parte interna do cadáver, sabe-se que a gravidade atua da mesma maneira sobre todos os
corpos à ela submetidos. Destarte, encontram-se nos órgãos internos as denominadas hipóstases viscerais,
que tem a mesma importância e origem daquelas observadas na pele do cadáver.

(CESPE / SEGESP/AL – 2013) Com relação à Tanatologia Forense, julgue o item a seguir certo ou
errado:

Desidratação, resfriamento do corpo, rigidez cadavérica, livores cadavéricos e hipóstases são


fenômenos cadavéricos abióticos consecutivos.

COMENTÁRIO:

Certíssimo! É isso mesmo! Todos os exemplos mencionados englobam os fenômenos


cadavéricos abióticos consecutivos ou mediatos.

GABARITO Certo.

(IBFC / Polícia Científica/PR – 2017) Em relação à tanatologia, os sinais abióticos são sinais que
surgem a partir do momento da morte e que permitem a sua conclusão. Assinale a alternativa
em que não apresenta um fenômeno abiótico imediato.

a) Desidratação

b) Perda da sensibilidade

c) Abolição do tono muscular

d) Cessação da respiração

e) Cessação da circulação

COMENTÁRIO:

Excelente questão, caro aluno! Muita atenção aos enunciados e o sucesso será inevitável. Veja
que a pergunta se refere a um fenômeno abiótico que não seja imediato, ou seja, a questão se
refere ao único fenômeno dentre as alternativas que seja consecutivo, ou mediato. Agora ficou
fácil, não? A perda da sensibilidade, a abolição do tono muscular, a cessação da respiração, da
circulação e da atividade cerebral são, todos eles, fenômenos abióticos imediatos. Logo, nos
resta apenas a alternativa A – desidratação – como representante dos fenômenos abióticos
mediatos ou consecutivos.

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668
GABARITO Letra A.

E para esfriar a sua cabeça (sem trocadilhos) antes de iniciarmos o próximo tópico, que tal um rápido
intervalo? Estique as pernas, beba um copo d’água e volte com todo o gás!

c) Algor Mortis – Esfriamento Cadavérico

O corpo humano, conforme mencionamos há pouco, é dotado de uma rede de intrincados sistemas que
poderiam ser comparados, grosso modo, àqueles encontrados nas grandes cidades. O sistema circulatório
seria representado pelas vias de trânsito; o sistema excretor pela coleta de esgoto; o sistema linfático pela
coleta de lixo; e assim por diante. Um dos sistemas que nos mantém vivo é o sistema termorregulador. Este
sistema é responsável por manter nossa temperatura estável em aproximadamente 36,5ºC, fazendo com
que sejamos capazes de transpirar para baixá-la (suor) e de contrair os vasos para que percamos menos calor
para o ambiente em dias de frio.

Com a falência do sistema após o falecimento, o corpo perde a capacidade de se manter na temperatura
ideal e a tendência é que paulatinamente a temperatura vá se equilibrando com a do ambiente em que o
cadáver se encontra. Veja-se que os órgãos internos, justamente por serem internos e por não estarem em
contato direto com o ambiente externo mantêm-se aquecidos por 24h em média.

O resfriamento geral inicia-se pelos pés, mãos e face (extremidades), e não observa uniformidade precisa.

Fatores ambientais como a circulação de ar, a umidade e a própria temperatura influenciam diretamente na
velocidade com que se dá esse resfriamento. É uma questão bastante lógica, não é mesmo?

Qual cadáver, em termos de temperatura corporal, atingiria o equilíbrio com o meio ambiente
mais depressa? Um recém-nascido, um adulto de 1,80m e 70 kg ou uma senhora de 130 kg?

Desde que os três estivessem sob as mesmas condições ambientais, o recém-nascido sofreria o
algor mortis com mais intensidade; e a senhora de 130kg demoraria muito mais tempo para
equilibrar a temperatura corporal com o meio ambiente.

Mas preste atenção! Qual cadáver, em termos de temperatura corporal, atingiria o equilíbrio
com o meio ambiente mais depressa? Um esquiador com diversos casacos que morreu em uma
avalanche, um beduíno no deserto do Saara ou um pescador na linha do Equador?

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É possível que o cadáver aumente sua temperatura para além dos 36,5ºC após a morte. Da
mesma maneira que um objeto deixado sob o sol esquenta de maneira considerável, o mesmo
se dá com um cadáver sob os 40ºC da Avenida Brasil no Rio de Janeiro. Não haverá esfriamento,
ao contrário – é muito provável que a temperatura corporal suba. Obviamente que se a morte
se deu em um local cuja temperatura resta abaixo dos 36,5ºC haverá sim um resfriamento – e
nesse caso deveremos observar tanto as questões ambientais e climáticas quanto às subjetivas,
como roupas, idade e massa corporal.

Parece-nos uma questão um tanto quanto desnecessária, mas não é. Quando analisarmos a
importância da Cronotanatognose no próximo capítulo entenderemos o porquê da necessidade
de se apontar com a maior precisão possível o exato momento da morte.

Neste sentido afirma o doutor França:

“O corpo, quando envolvido em roupas ou mantido em ambiente fechado, sofre um processo de


esfriamento bem mais lento do que em outras circunstâncias. Por outro lado, os que morrem de
doenças crônicas, de traumas cranianos com lesões hipotalâmicas, hipotermia, desidratação e
grandes hemorragias tem um resfriamento do corpo mais rápido. E os que padeceram de
insolação, intermação, intoxicação por venenos [Samara, Samara...] e doenças infecciosas agudas
apresentam um esfriamento mais lento.”

A título de curiosidade e para fins de revisão, lembrem-se que a insolação e a


intermação são doenças causadas pelo agente físico denominado calor. Como
exemplos de outras lesões causadas por agentes físicos podemos citar as
queimaduras, as geladuras, aquelas causadas pela radiação, pela pressão
(baropatias) e, claro, pela eletricidade.

De uma maneira ou de outra, quanto maior for a diferença entre a temperatura do ambiente e a do corpo
na hora da morte, mais rápido será o seu resfriamento. É uma questão de física, não é mesmo? Um cubo de
gelo sobre a calçada de um parque em Nova York em uma manhã de inverno de 3ºC levará muito mais tempo
para derreter do que se fosse colocado sobre uma calçada no centro de Maceió ao meio dia.

E já que estamos falando tanto de temperatura corporal – e sendo esta uma grandeza física – como
exatamente medi-la? A verificação deve ser feita preferencialmente no reto, a uma profundidade de 10 cm,
com termômetros designados para este fim. Hodiernamente o limite considerado absoluto para indicação
de morte é 20ºC. Em outras palavras, caso a temperatura de uma pessoa seja de 20ºC ou abaixo disso, estar-
se-á diante de um cadáver posto que são incompatíveis com a vida.

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E, para finalizar, como estamos falando de física pura, Rentoul e Smith156 propõem, no seio da
Cronotanatognose (tempo de morte), e considerando um esfriamento médio de 1,5ºC, a seguinte fórmula
para calcular o tempo decorrido entre a morte e o momento de exame (aferição da temperatura corporal):

H = N x C/1,5
Onde H é o tempo calculado; N é a temperatura retal normal (37,2ºC); e C a temperatura retal
do cadáver no momento do exame; tudo dividido por 1,5.

Repare que a fórmula mencionada só tem sentido se aplicada nas primeiras 12 a 15h após a morte.

Em nosso meio, entretanto, (20 a 30ºC, clima temperado), as observações apontam que, em cada uma das
três primeiras horas, a queda da temperatura do corpo é em torno de 0,5ºC, subindo para 1ºC nas
subsequentes, até haver o equilíbrio com o meio ambiente. Mas, há diversos fatores a serem levados em
consideração, como as vestimentas do cadáver, a imersão (ou não) em água e a exposição a ambiente
refrigerado ou diretamente ao sol.

O próximo fenômeno abiótico consecutivo a ser estudado, fechando a importantíssima tríade do LAR, é o
Rigor Mortis. Vamos em frente!

d) Rigor Mortis – Rigidez Cadavérica

Um dos temas mais recorrentes em provas de concurso (assim como as questões envolvendo a mancha verde
abdominal). Recomendo mais uma vez atenção redobrada, ok?

A primeira coisa que temos de ter em mente é que a rigidez cadavérica é um fenômeno abiótico consecutivo
de natureza físico-química. É imprescindível que você tenha isso em mente quando for prestar a sua prova.

156
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Geen, 2015.

617
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A rigidez cadavérica é um fenômeno abiótico consecutivo de natureza físico-química.

O professor Genival França Veloso assim define o rigor mortis:

“A rigidez é, portanto, um fenômeno físico-químico em um estado de contratura muscular, devido à


ação dos produtos catabólicos do metabolismo, correspondente a uma situação de vida residual do
tecido muscular.”

Todavia, é importante apontar que parte dos doutrinadores compreende tal fenômeno como puramente
enzimático, o que a ele conferiria características químicas, e não físicas. De toda sorte, para sua prova, saiba
que ele pode ser considerado físico-químico ou químico, mas não meramente físico.

O livro Medicina Legal do mestre Genival França Veloso traz as reviravoltas acerca da natureza do fenômeno.
Para Nysten157, a rigidez cadavérica era o último esforço da vida contra a ação dos fenômenos químicos.
Sommer entendia tal fenômeno como puramente de origem física. Destrinchando a química, Brucke e Kuhne
atribuíram o fenômeno à coagulação da miosina das fibrilas do músculo. Lacassagne e Martin apontam como
nó central, a desidratação.

O cadáver, segundo França, toma uma posição “atlética”, com discreta flexão do antebraço sobre o braço,
da perna sobre a coxa, com os polegares fletidos para baixo dos outros dedos e com os pés ligeiramente para
fora.

Abaixo, alguns exemplos em imagens:

157
Pierre-Hubert Nysten, médico francês (1771-1818).

618
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Figura 11 - Polegar fletido para baixo dos outros dedos

Figura 12 – Rigidez Cadavérica

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Figura 13 – Rigidez cadavérica e ferimentos de defesa no antebraço esquerdo

Figura 14 - Rigidez Cadavérica: perna sobre a coxa

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Figura 15 – Intensa rigidez cadavérica

Para além das características extrínsecas do rigor mortis, nos interessa apontar por onde se inicia a rigidez –
e para tanto devemos lançar mão da famosa Lei de Nysten, segundo a qual a rigidez se manifesta primeiro
na face, mandíbula e pescoço, seguindo-se dos membros superiores, tronco e, enfim, membros inferiores.
Lembre-se que ela – a rigidez – desaparece na mesma ordem, ou seja, quem ficou rígido primeiro também
ficará flácido primeiro . Assim, a flacidez se inicia pela face, mandíbula, pescoço e assim sucessivamente.

Lei de Nysten: ordem de instalação (e dissolução) da rigidez cadavérica.

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Face,
mandíbula e
pescoço

Membros
superiores

Tronco

Membros
inferiores

E quanto tempo leva para surgirem os primeiros sinais da rigidez cadavérica? Segundo França, ela se inicia
entre 1 e 2h após a morte, chegando ao ápice após 8h, e desaparecendo (flacidez muscular) em torno de 36
a 48h depois da morte, seguindo a mesma ordem de propagação. Logo, o autor ressalta que a rigidez
obedece três estágios: período de instalação, período de estabilização e período de dissolução.

Sendo mais específico, em geral a rigidez surge na mandíbula e nuca da 1ª à 2ª hora depois do óbito; da 2ª a
4ª hora nos membros superiores; da 4ª a 6ª hora nos músculos torácicos e abdominais e, finalmente, entre
a 6ª e a 8ª hora post mortem nos membros inferiores.

Mas, lembre-se que os prazos aqui estipulados não são absolutos, pois a morte é
dinâmica, bem como diferentes são os cadáveres e o ambiente em que se encontram.
Ademais, a causa da morte também impacta a velocidade com que se instala e se
dissolve a rigidez (a exemplo das asfixias por monóxido de carbono, casos em que a
rigidez é tardia), bem como a idade.

622
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Período de Instalação
• 1 a 2h após a morte

Período de Estabilização
• Com ápice em 8h

Período de Dissolução
• Inicia-se com a putrefação 24h
(a flacidez se dá de 36 a 48h)

Agora que tal uma questão para testar nosso conhecimento recém-adquirido?

(UEG / PC/GO – 2013) Vários conceitos de morte são descritos na literatura em geral, sejam
eles científicos, religiosos ou filosóficos, todos devem ser respeitados. O Direito adota o
conceito científico de morte. Sobre tanatologia forense, verifica- se que

a) a diminuição da pressão intraocular, a dessecação dos lábios e a tela viscosa ocular são
fenômenos consecutivos de morte.

b) a rigidez cadavérica é um fenômeno abiótico imediato e progride da cabeça para os pés.

623
668
c) o conceito de morte cerebral é utilizado como critério para realização de transplante de
órgãos.

d) a putrefação é um fenômeno transformativo destrutivo que independe da ação das


bactérias.

COMENTÁRIO:

Este é um exemplo clássico de como as bancas podem surpreender durante a prova ao tentar
inovar na seara da Medicina Legal. Vamos comentar as alternativas.

A alternativa A é o nosso gabarito (mais uma vez!). De fato a diminuição da pressão intraocular,
a dessecação dos lábios e a tela viscosa ocular (Sinal de Stenon-Louis) são fenômenos
consecutivos de morte.

A opção B está errada porque a rigidez cadavérica é um fenômeno abiótico mediato (ou
consecutivo), e não imediato; todavia, de fato ela progride da cabeça para os pés, e regride no
mesmo sentido da progressão (primeiro a cabeça e pescoço, depois membros superiores e,
enfim, membros inferiores).

A alternativa C está errada por dois motivos (e esta alternativa deu o que falar!): primeiro,
porque o termo técnico utilizado é morte encefálica, e não cerebral; ademais, o critério de
morte encefálica é utilizado para realização de doação de órgãos, e não de transplante. Não
concordamos com a redação dessa assertiva, mas eis a razão pela qual é necessário que você
esteja muitíssimo bem preparado – caso tenha estudado marcará a letra A em detrimento da
letra C.

Quanto à opção D, estudaremos que a putrefação é um fenômeno transformativo destrutivo


(há os destrutivos e os conservativos, lembra-se?); entretanto, ela depende da ação das
bactérias.

GABARITO Letra A.

Excelente! Vamos analisar agora um fenômeno muito específico que não pode, de maneira alguma, ser
confundido com a Rigidez Cadavérica, ok?

e) Espasmo Cadavérico

O que a vítima estava fazendo quando foi morta? Em que posição estava? Essas são algumas das perguntas
a serem respondidas pelos profissionais. Em alguns casos, o espasmo cadavérico faz o papel de perito.
Segundo França (2015), o fenômeno pode ser assim definido:

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668
“Caracteriza-se pela rigidez abrupta, generalizada e violenta, sem o relaxamento muscular que
precede a rigidez comum. É também chamada de rigidez cadavérica cataléptica, estatuária ou
plástica. Difere da rigidez cadavérica comum, pois está se instala progressivamente.”

A definição do professor nos ajuda a diferenciar ambos os fenômenos: enquanto os espasmos cadavéricos
acontecem de maneira abrupta, generalizada e violenta, a rigidez cadavérica se instala aos poucos, e assim
se dissolve.

Caso seja acometido pelo espasmo cadavérico o cadáver irá guardar a posição em que fora surpreendido
pela morte. Esta atitude especial fixada da vida para a morte é também conhecida como Sinal de Kossu.

1.2.2 – Fenômenos Transformativos

Guerreiro, entraremos agora em outro tópico que certamente irá ajudar na sua aprovação, desde que você
estude, é claro. Sempre há uma questão que engloba os fenômenos transformativos, sejam eles destrutivos
ou conservativos.

Como assim, professor? Há fenômenos que conservam os cadáveres? Sim!


Estudaremos um a um, pode ter certeza.

Como todos nós sabemos – ou ao menos deveríamos saber – o cadáver, caso seja acometido pela
transformação destrutiva invariavelmente encerra seu ciclo de putrefação com o processo de
esqueletização completa.

Esse é o motivo pelo qual as exumações tratam, a depender do tempo de óbito e inumação, da ossada – e
apenas isso.

Mas antes de prosseguir...

Você sabe o que é inumação? Vamos usar a lógica! Se a exumação é, em linhas gerais, o processo
compreendido por desenterrar o cadáver, inumação significa justamente o contrário. Logo, após
os velórios os entes queridos são inumados; e, caso surja alguma dúvida acerca do diagnóstico
diferencial da morte ao longo do tempo, o Poder Judiciário (e somente ele!) poderá determinar
a exumação do cadáver.

625
668
Ainda acerca da inumação, uma vez que tenha sido confirmada a realidade da morte e após
registro do atestado de óbito nos cartórios, o cadáver é habitualmente sepultado em inumatórios
de 1,75m de profundidade por 0,80m de largura, afastados uns dos outros por pelo menos 0,60m
em todos os sentidos, ou, então, em túmulos ou jazigos construídos conforme as exigências
sanitárias. Exceção são os óbitos por moléstia infecciosa grave, epidemias, conflitos armados,
cataclismos, etc., ocasiões em que a inumação poderá ser imediata. Via de regra os
sepultamentos não se processarão antes das 24 horas, nem após 36 horas da morte.

Em relação à disposição legal aplicável à exumação, as formalidades implicam a presença, em dia


e hora previamente marcados, da autoridade policial (art. 6.º, I, do CPP), dos peritos, do escrivão,
do administrador do cemitério público ou particular para indicar, sob pena de desobediência, o
local da sepultura e, se possível, de familiares do morto e testemunhas que estiveram presentes
à inumação. Localizada a sepultura, deve-se fotografá-la juntamente com outra, tomada como
ponto de referência, após o que se procede à sua abertura. O caixão e, depois de sua abertura, o
cadáver, ou o que dele restar, serão fotografados na posição em que forem encontrados (art.
164 do CPP).

Vejamos, na íntegra, o que diz a lei a respeito. E saiba que os artigos 162 e 164, por exemplo, já foram
cobrados em sua literalidade em provas anteriores.

DECRETO-LEI Nº 3.689/1941 – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL


Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os
peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes
daquele prazo, o que declararão no auto.
Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver,
quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar
a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma
circunstância relevante.
Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que,
em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto
circunstanciado.
Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da
sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a
sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade
procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.
Art. 164. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem
como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime.
(Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

626
668
Art. 165. Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível,
juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente
rubricados.
Art. 166. Havendo dúvida sobre a identidade do cadáver exumado, proceder-se-á ao
reconhecimento pelo Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere ou pela
inquirição de testemunhas, lavrando-se auto de reconhecimento e de identidade, no qual se
descreverá o cadáver, com todos os sinais e indicações.
Parágrafo único. Em qualquer caso, serão arrecadados e autenticados todos os objetos
encontrados, que possam ser úteis para a identificação do cadáver.

Tendo ou não havido a inumação, fato é que o cadáver irá, em maior ou menor grau, sofrer os efeitos dos
processos transformativos destrutivos ou conservativos; então, vamos em frente!

O estudo dos fenômenos transformativos ganha, no meio acadêmico, o nome de Tafonomia, que, segundo
França, nada mais é do que o estudo da transição dos restos biológicos a partir da morte até a fossilização.
Muito cuidado com esse termo, pois já pegou muitos candidatos desprevenidos. Entre nós adotaremos uma
espécie de tafonomia, qual seja, a forense! O termo Tafonomia Forense engloba tanto os fenômenos
destrutivos quanto os conservativos. Muita atenção!

Tafonomia
Estudo da transição dos restos
biológicos a partir da morte até
a fossilização

627
668
E, independentemente de onde se encontra o cadáver, é fato que forças
externas e internas com ele irão interagir para preservá-lo ou destruí-
lo.

Dentre as forças que atuam no processo de destruição ou preservação podemos citar, principalmente, a
temperatura, a aeração, a higroscopia do ar, o peso do corpo, as condições físicas, a idade do morto e a causa
da morte.

Veja-se que um cidadão que morra dentro de uma mina de cobre no Chile apresentará um processo
tafonômico totalmente diferente de um índio que morra na beira de um rio na Amazônia. O mesmo se dá
quando comparamos os processos sofridos pelo cadáver da vítima de uma avalanche como aquela soterrada
por lama em Mariana/MG.

No mesmo sentido, e ainda tratando de ações externas, a ação bacteriana e de insetos necrófagos tem papel
central na velocidade em que o cadáver conclui a transição dos restos biológicos a partir da morte até a
fossilização.

Vamos iniciar o estudo da Tafonomia pelos fenômenos transformativos destrutivos, quais sejam, a autólise,
a putrefação e a maceração.

Mas antes...

(PC/MG / PC/MG – 2008) O estudo de todas as fases percorridas pelo corpo humano após a
morte até a fossilização, no interesse forense, é denominado

a) esqueletização.

b) tafonomia.

c) tanatocronodiagnose.

d) saponificação.

COMENTÁRIO:

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668
Questão simples para aqueles que sabem o que significa Tafonomia. E agora você faz parte
desse time. Em relação à letra C, precisamos saber que a Tanatocronodiagnose é também
conhecida como Cronotanatognose, ou, entre nós, a ciência ou o ramo da ciência que estuda a
hora de morte.

GABARITO Letra B.

1.2.2.1 – Fenômenos Transformativos Destrutivos

a) Autólise

Estudaremos agora a Autólise, do grego autos (próprio ou por si mesmo), e lise (quebra, destruição).

A autólise explica em grande parte como é possível inumar um cadáver dentro de um caixão hermeticamente
fechado e, após determinado lapso temporal detectar, em exumação, a esqueletização, ainda que parcial,
daquele.

Como é possível? Veremos.

A autólise, segundo o professor França, se caracteriza por uma série de fenômenos


fermentativos anaeróbicos (sem a presença de oxigênio), pois que se verificam na
intimidade da célula. São causados pelas próprias enzimas encontradas
habitualmente em nossos corpos. Em verdade estamos a realizar a autólise a todo
momento. Somos programados para conservar energia e para reciclar o próprio
material biológico, afinal, a energia não se cria, apenas se transforma. Ocorre que,
após a morte, não há reposição, apenas a autólise rápida e intensa. Eis o mais precoce
dos fenômenos cadavéricos.

Podemos, ainda segundo França, delimitar duas fases neste processo: a primeira, latente, trata das
alterações apenas no citoplasma da célula; e a segunda, mais aguda (fase necrótica), onde há o
comprometimento do núcleo e o seu desaparecimento. Ora, as aulas de Biologia Elementar nos informam
que uma célula sem núcleo não pode sobreviver (à exceção daquelas que não o tem naturalmente).

E como se dá esse processo? Com a cessação da circulação as células deixam de receber tudo aquilo de que
precisam para sobreviver: oxigênio e glicose. Ademais, também não conseguem mais excretar aquilo de que
não necessitam mais – a morte faz cessar as trocas gasosas e o fornecimento de energia. Além do que, as
células se acidificam e modificam seu pH, o que faz com que a autodestruição seja irrefreável, uma vez que
a vida só é possível em meio neutro.

629
668
A análise do pH é tão importante que sua variação indica, evidentemente, a morte. Vejamos, a título de
exemplo, alguns testes práticos conduzidos ao longo da história por médicos legistas:

• Sinal de Brissemoret e Ambard: utiliza papel de tornassol – no vivo, a reação


é alcalina; no morto (conforme vimos), é ácida;
• Sinal de Lecha-Marzo: utiliza papel azul de tornassol, mas nos globos
oculares; nos casos de morte real, haverá a mudança para a tonalidade
vermelha, que indica acidez;
• Sinal de De-Dominices: traz o mesmo princípio, mas aplica-se sobre a pele
escarificada do abdômen – e por que no abdômen? Porque nessa região a
acidez se eleva mais precocemente;

Ok. Percebemos que somos capazes de nos destruir em caso de morte. Mas existe a possibilidade de sermos
ajudados por uma legião de seres vivos ávidos pelos nutrientes que encerramos em nossos corpos enquanto
vivos. Eis, enfim, o processo de putrefação.

b) Putrefação

A autólise, caro aluno, se traduz em uma verdadeira revolução dentro do corpo humano.
Saibamos que a todo instante (neste momento, inclusive – principalmente em suas mãos)
estamos sendo atacados por germes, vírus e bactérias de todos os tipos, tamanhos, formas
e, claro, periculosidades. O que impede que nos causem danos e nos façam de hospedeiros
ou de fonte de alimento são as nossas defesas biológicas. Todavia, com a morte as defesas
param de receber o combustível e o armamento necessário para nos defender; a
convocação de novos soldados para substituir os abatidos nessa guerra eterna também cessa. E, uma vez
que os bastiões de defesa estejam desguarnecidos, basta qualquer orifício ou poro para que todos esses
entes se instalem e de nós se alimentem.

O aparecimento dos primeiros sinais de putrefação se dá no abdome, e correspondem à Mancha Verde


Abdominal. Grave bem, pois estará na sua prova! Vimos há pouco que a acidez também se detecta mais
precocemente no abdômen; e a razão é clara: é o local do corpo onde se encontra material biológico
específico – matéria fecal. É justamente pelo intestino que se inicia a putrefação.

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668
Figura 16 - Mancha Verde Abdominal (fonte: Prof. Malthus Galvão)

Nos recém-nascidos, todavia, a putrefação invade o cadáver por todas as cavidades do corpo. Além disso,
vítimas de graves infecções e grandes mutilações (acidentes de trânsito) putrefam-se mais rápido. E, de
maneira lógica, determinados venenos e antibióticos tem o poder de retardar a putrefação; é óbvio: se a
putrefação reclama bactérias e insetos, um cadáver que esteja tomado de antibióticos ou aquele que tenha
sido envenenado não são, a priori, locais em que a sobrevida dessa fauna biológica seria garantida.

A putrefação, independentemente da velocidade em que ocorra, via de regra obedece quatro períodos
distintos, quais sejam: o período cromático ou de coloração; o período gasoso ou enfisematoso; o período
coliquativo; e o período de esqueletização.

c) Período Cromático

Inicia-se, classicamente, pela mancha verde abdominal, localizada geralmente na fossa ilíaca
direita. Daí para o tórax, cabeça e membros. A tonalidade vai se acentuando e confere, após
determinado tempo, uma cor de verde-enegrecido ao cadáver.

Em média ela surge entre 24 e 36h após a morte, sendo muito mais precoce em regiões de clima
quente. Essa mancha se estende a todo o corpo depois do 3º ao 5º dia e sua tonalidade se assenta
cada vez mais.

631
668
Em afogados a marcha da coloração, por conta da posição típica em que se encontram submersos, inicia-se
pela cabeça e pela parte superior do tórax.

Figura 17 - Putrefação em afogado

(PC/MG / PC/MG – 2008) A presença de mancha verde abdominal na parte inferior do pescoço
e, não, na fossa ilíaca direita como classicamente observamos em outras situações, é compatível
com

a) afogamento.

b) esgorjamento.

c) soterramento.

d) sufocação.

COMENTÁRIO:

Veja que as bancas cobram os assuntos das mais variadas formas! No caso de afogamento o
cadáver se encontra em uma posição típica dentro da água; nesse caso, é justamente na região
do pescoço que irá surgir a mancha verde (que outrora seria abdominal).

GABARITO Letra A.

632
668
d) Período Gasoso ou Enfisematoso

Do interior do próprio corpo em estado putrefativo, gases vão surgindo os quais também produzem bolhas
fétidas na epiderme, de conteúdo hemoglobínico. O cadáver, então, adquire um aspecto extremamente
inchado, de gigantismo, sobremaneira na face, abdome e genital masculino, conferindo a este a posição de
lutador.

Nota-se sem qualquer dificuldade a distensão do abdome (veja a figura acima), a projeção dos olhos e da
língua.

Figura 18 - Período enfisematoso ou gasoso

633
668
Figura 19 - Gigantismo

Os gases exercem, então, pressão sobre o sangue que foge para a periferia destacando a epiderme e
esboçando na derme um desenho vascular bastante típico denominado Circulação Póstuma de Brouardel.

Figura 20 - Circulação Póstuma de Brouardel

634
668
É neste período também em que são observados casos de prolapsos intestinais e genital, bem como a
expulsão do feto após o denominado parto post mortem.

De acordo com o experimento de Brouardel (França, 2015), perfurando o abdome dos cadáveres com
trocarte e aproximando a chama de uma vela158, notou-se:

➔ No 1º dia: gases não inflamáveis;


➔ Do 2º ao 4º dia: gases inflamáveis;
➔ Do 5º dia em diante: gases não inflamáveis.

Qual a justificativa para isso? No primeiro dia estão em atividade bactérias aeróbias, que produzem gás
carbônico; do segundo ao quarto dia, surgem, além das bactérias aeróbias, as facultativas, que produzem
hidrogênio e hidrocarbonetos, inflamáveis; do quinto dia em diante se produz azoto, o hidrogênio e amônias
não inflamáveis.

Vejamos como as bancas podem abordar o assunto:

158
Há uma cena em um dos episódios da série The Alienist (Netflix) em que este experimento é reproduzido.

635
668
(FUNCAB / PC/AC – 2015) Acerca das fases de putrefação, no estudo da Tanatologia, quando há
a presença da mancha verde de Brouardel a partir das primeiras 24h após a morte, pode-se
afirmar que se está diante da fase:

a) Cromática ou de coloração

b) Enfisematosa ou de gaseificação

c) De coliquação

d) De esqueletização

e) De maceração

COMENTÁRIO:

Questão tranquila! A mancha verde de Brouardel é um sinal típica da fase gasosa ou


enfisematosa.

GABARITO Letra B.

(FAPEMS / PC/MS – 2017) A Cronotanatognose é a parte da Tanatologia que estuda a data


aproximada da morte. Para tanto, analisa-se a sequência dos fenômenos cadavéricos que podem
sofrer alteração de acordo com a causa mortis e demais fatores externos presentes no meio
ambiente em que o cadáver foi encontrado. Assim, no que diz respeito aos fenômenos relevantes
à Cronotanatognose, é correto afirmar que

a) para a determinação da morte a partir da análise da perda de peso, faz-se necessário saber,
com a maior precisão possível, o peso do corpo no momento do óbito, o que inviabiliza a
utilização de tal parâmetro na maioria dos casos para estimativa do tempo de morte.

b) a mancha verde abdominal não se altera de acordo com a temperatura do meio ambiente.

c) o resfriamento do corpo é elemento sempre preciso para estipular a data da morte.

d) a circulação póstuma de Brouardel costuma anteceder a mancha verde abdominal.

e) a rigidez cadavérica desaparece progressivamente e em sentido contrário de seu


aparecimento.

COMENTÁRIO:

636
668
Veja só que questão bacana! Já somos capazes de compreendê-la e responder com base no
melhor da Tanatologia Forense. Vamos comentar as alternativas?

A alternativa A é nosso gabarito. De fato a análise da perda de peso é um dos parâmetros para
determinar não apenas a morte mas também o tempo de morte. Todavia, para que seja preciso,
é necessário saber o peso do corpo antes do óbito; e como a obtenção de tal dado é bastante
difícil, a análise de tempo de morte não pode, geralmente, lançar mão deste método.

A alternativa B erra porque a mancha verde abdominal se altera com a temperatura do meio
ambiente sim, vez que decorre de ação bacteriana, sendo acelerada em ambientes quentes e
retardada em meios mais frios.

A alternativa C peca porque afirma que o resfriamento do corpo é elemento sempre preciso para
estipular a data da morte; nós já estudamos que diversos fatores podem influenciar o
esfriamento corporal (algor mortis), dentre os quais, por exemplo, a quantidade de panículo
adiposo e as vestes usadas pelo cadáver no momento do óbito.

A alternativa D está errada porque a circulação póstuma de Brouardel sucede o primeiro período
da putrefação, qual seja, o cromático (que é o da mancha verde abdominal). Assim, a circulação
póstuma remete ao período gasoso ou enfisematoso – até porque decorre da pressão exercida
pelos gases sobre o sangue.

A alternativa E também está errada; conforme já estudamos, a rigidez cadavérica desaparece


progressivamente na mesma ordem em que se deu a instalação.

GABARITO Letra A.

(FUMARC / PC/MG – 2011) Constituem fatores, que interferem na evolução da putrefação


cadavérica, EXCETO:

a) Temperatura ambiente.

b) Espasmo cadavérico.

c) Idade do morto.

d) Umidade do ar.

COMENTÁRIO:

Ora, dentre os fatores apresentados, o único que não interfere na evolução da putrefação
cadavérica é a existência de espasmo cadavérico. Isso porque a temperatura ambiente influencia
(e muito) a velocidade com que se dá a putrefação, ocorrendo esta de forma mais rápida em

637
668
ambientes mais quentes. Da mesma forma a idade do morto interfere na putrefação, sendo que
os recém-nascidos passam pelos processos tafonomicos mais rapidamente. E, assim como a
temperatura ambiente, a umidade também desempenha papel fundamental na evolução da
putrefação; lembre-se que a putrefação é realizada por bactérias e insetos necrófagos; não há
melhor lugar para esses seres vivos do que aqueles quentes e úmidos.

GABARITO Letra B.

(FUMARC / PC/MG – 2011) Estudando a evolução temporal da putrefação cadavérica,


denominamos o seu primeiro sinal externo visível de

a) circulação cutânea póstuma.

b) mancha verde abdominal.

c) combustão espontânea.

d) enfisema putrefativo.

COMENTÁRIO:

Guerreiro, o primeiro sinal externo visível da putrefação cadavérica, que inaugura, aliás, a fase
ou período cromático é a mancha verde abdominal. Questão mole, mole.

GABARITO Letra B.

(CEFET / PC/BA – 2008) O sinal mais precoce de putrefação do cadáver é uma mancha verde que
aparece, primeiramente,

a) na cabeça.

b) no abdômen.

c) no tórax.

d) nas costas.

e) nos pés.

COMENTÁRIO:

638
668
Está percebendo como as bancas gostam da putrefação? Esta questão foi cobrada no ano de
2008 para o cargo de Delegado de Polícia do Estado da Bahia. É ou não é um presente daqueles
para quem estudou com afinco? O sinal mais precoce a que ele se refere é a mancha verde
abdominal. Sem medo de errar, basta marcar a letra B e correr para o cargo!

GABARITO Letra B.

(PC/MG / PC/MG – 2008) A “circulação póstuma de Brouardel” caracteriza o período

a) cromático da putrefação.

b) enfisematoso da putrefação.

c) coliquativo da putrefação.

d) liquefativo da putrefação.

COMENTÁRIO:

O intuito da banca foi confundir o candidato. Veja que as alternativas C e D remetem ao mesmo
período, o terceiro, denominado coliquativo ou liquefativo. O período cromático, como já
sabemos, é marcado pela presença da mancha verde abdominal. Apenas uma observação
importante: o candidato poderia se enrolar se não soubesse que o período gasoso é sinônimo do
período enfisematoso.

GABARITO Letra B.

(MPE/PB / MPE/PB – 2010) Para se constatar a certeza da morte, urge a observação de


fenômenos que surgem no corpo humano, representados por mudanças física, química ou
estrutural, de origem natural ou artificial. Assim, considere as proposições abaixo e, em seguida,
indique a alternativa que contenha o julgamento devido sobre elas:

I - Perda da consciência e cessação da respiração são considerados fenômenos abióticos (avitais)


consecutivos.

II - Rigidez cadavérica e espasmo cadavérico são considerados fenômenos abióticos (avitais)


imediatos.

III - Autólise e putrefação são fenômenos transformativos destrutivos.

a) Apenas a proposição I está correta.

639
668
b) Apenas a proposição II está correta.

c) Todas as proposições estão corretas.

d) Apenas a proposição III está correta.

e) Todas as proposições estão incorretas.

COMENTÁRIO:

A questão não é difícil. Analisemos as proposições uma a uma.

A primeira proposição afirma que a perda da consciência e a cessação da respiração são


considerados fenômenos abióticos (ou avitais) consecutivos. Isso está errado. As primeiras
observações realizadas após a morte tratam da perda da consciência e cessação da respiração,
da circulação e, enfim, a morte encefálica.

A proposição II aduz que a rigidez cadavérica e o espasmo cadavérico são considerados


fenômenos abióticos (avitais) imediatos. É o contrário; esses fenômenos são consecutivos. A
rigidez, como já estudamos, se inicia de 1 a 2h após o óbito, tem o ápice em cerca de 8h e a
flacidez se observa após cerca de 36h da morte.

A proposição III é a única correta, vez que de fato a autólise e a putrefação são fenômenos
transformativos destrutivos. Logo, nosso gabarito é a letra D.

GABARITO Letra D.

e) Período Coliquativo ou de Liquefação

Estamos estudando a Tafonomia Forense, não é mesmo?

E, sendo o último período o da esqueletização, estudaremos agora a peça do quebra-cabeça que nos leva
até putrefação total de todas as partes moles do corpo humano. Estamos falando do período coliquativo.
Assim como se dá com a digestão daquilo que ingerimos no dia a dia, para que as bactérias, insetos e outros
animais possam se alimentar dos nutrientes contidos no corpo de um cadáver se mostra imprescindível
que os mesmos sejam quebrados em partes cada vez menores. Estudaremos mais a fundo esse processo
quando abordarmos a Fauna Cadavérica.

No período de liquefação o corpo perde a forma, a epiderme se desprende da derme e o esqueleto fica
recoberto por uma massa disforme e extremamente malcheirosa denominada putrilagem. O período
coliquativo varia em extensão de acordo com as condições do cadáver e do próprio terreno em que se
encontra; e ainda de acordo com o professor França, pode durar de um a quatro meses.

640
668
Figura 21 - Período coliquativo

Figura 22 – Putrilagem

f) Período de Esqueletização

A fase coliquativa desagua, enfim, na esqueletização. Quando não há mais células, tecidos e partes moles
para serem segmentadas e digeridas pela fauna cadavérica, nada sobra além de ossos quase livres, presos
por alguns ligamentos. Segundo o professor Genival França Veloso, a cabeça se destaca do tronco, a
mandíbula se desprende dos ossos da face, as costelas se desarticulam do esterno e das vértebras e os
ossos longos se soltam. Todavia, é na transição entre a esqueletização e a fase coliquativa que ainda é

641
668
possível encontrar uma massa disforme, pardacenta, constituída de restos de vísceras – a já mencionada
putrilagem.

O período de esqueletização varia, via de regra, de 3 a 5 anos. Os ossos, em seu turno, são muito
resistentes, e pouco a pouco vão perdendo sua estrutura habitual, tornando-se mais porosos, frágeis e
leves.

Figura 23 - Esqueletização e putrilagem

Maceração

O primeiro ponto a se notar e que você deve ter em mente é que a maceração se dá em meio líquido. É
também, assim como os já mencionados, um processo transformativo destrutivo. A maceração pode se dar
em meio asséptico e em meio séptico, sendo o primeiro reservado aos fetos retirados do útero post mortem
e o segundo aos afogados em geral.

642
668
Figura 24 - Vítima de afogamento (luvas)

De acordo com França, a maceração fetal ocorre do sexto ao nono mês de gravidez.

Observa-se nos casos de maceração em geral o destacamento de amplos retalhos de pele que se assemelham
a luvas. Tal fenômeno é melhor observado na maceração fetal (asséptica), ocasião em que a pele se destaca
facilmente. Ademais, o corpo perde sua consistência, o ventre se achata (devido à pressão intrauterina) e os
ossos se livram dos tecidos. Há o cavalgamento dos ossos da abóbada craniana (o crânio atropela o próprio
crânio), a coluna também devido à pressão intrauterina, perde sua configuração e há a queda do maxilar
inferior – sinal de boca aberta – dentre outros.

Ainda em relação à maceração fetal, França propõe a seguinte classificação:

1. Primeiro grau: presença de flictenas (bolhas) na epiderme contendo líquido


serossanguinolento (primeira semana de morte fetal);
2. Segundo grau: ruptura das mencionadas flictenas, líquido amniótico sanguinolento e
epiderme arroxeada (segunda semana de morte fetal);

643
668
3. Terceiro grau: deformação craniana, infiltração hemoglobínica nas vísceras e córion159
friável e de tonalidade marrom-escura (terceira semana).

Figura 25 - Fonte: Professor Malthus

(CESPE / PC/PB – 2009) Em relação aos fenômenos cadavéricos, assinale a opção correta.

a) A velocidade de putrefação cadavérica varia em função da temperatura.

b) A fase de esqueletização do período de putrefação cadavérica caracteriza-se pela posição de


atitude de boxeador e face vultosa, com protrusão de língua e dilatação do saco escrotal.

159
Córion ou Cório é uma membrana extraembrionária que existe durante a gravidez e que forma a parede externa dos blastocisto
em répteis, aves e mamíferos.

644
668
c) A rigidez muscular ocorre somente quando o cadáver foi submetido a algum tipo de esforço
físico nos momentos prévios à morte.

d) Os fenômenos cadavéricos que ocorrem com o decorrer do tempo não obedecem a padrões
sequenciais, pois o seu aparecimento depende de certas circunstâncias.

e) Os livores hipostáticos são manchas esverdeadas que se formam nas posições de declive do
corpo, pela deposição de sangue devido à ação da gravidade e não estão relacionados a possíveis
agressões.

COMENTÁRIO:

Questão um tanto quanto complexa e muito interessante para revisarmos partes importantes do
conteúdo.

Vamos analisar uma a uma, ok?

É verdade que a velocidade da putrefação cadavérica varia em função da temperatura? Ora, a


putrefação depende de ação bacteriana a qual, já sabemos, é intimamente ligada à temperatura,
sendo maior sob temperaturas mais elevadas e menor em temperaturas mais baixas. Aliás, meu
caro, é por isso que os alimentos conservados em geladeira demoram mais a sofrer a putrefação;
qual sofreria o processo transformativo destrutivo mais rapidamente? Um peixe sobre a bancada
da cozinha à temperatura ambiente de 30ºC ou um peixe refrigerado a 8ºC em uma geladeira?
Assim, a letra A já é nosso gabarito!

A letra B afirma que a fase de esqueletização do período putrefativo caracteriza-se pela posição
de atitude de boxeador e face vultosa, com protrusão de língua e dilatação do saco escrotal. Não,
não. A alternativa se refere à fase gasosa ou enfisematosa! Ah, sim! Mais um detalhe: a protrusão
da língua também ocorre com frequência em afogados; cuidado para não confudir a protrusão
natural dos afogamentos (e asfixias em geral) com aquelas oriunda do período enfisematoso, ok?

A alternativa C atesta que a rigidez muscular ocorre somente quando o cadáver foi submetido a
algum tipo de esforço físico. Não, também não é verdade. O esforço físico prévio pode alterar a
dinâmica de instalação, manutenção e dissolução da rigidez, mas não ocorre exclusivamente em
quem se esforçou antes da morte. Aquele senhor de 70 anos que faleceu dormindo também
experimentará os efeitos do Rigor Mortis.

A letra D traz que os fenômenos cadavéricos não obedecem a padrões sequencias. Nós vimos
que obedecem sim. Não há, claro, um rigor extremo em relação aos momentos de inicio ou fim
de cada período, por exemplo, mas existe um padrão – do contrário não haveria qualquer razão
para se estudar a Tanatologia, não é mesmo?

E, enfim, a letra E afirma, erroneamente, que os livores hipostáticos são manchas esverdeadas
que se formam nas posições de declive do corpo, pela deposição de sangue devido à ação da

645
668
gravidade e não estão relacionados a possíveis agressões. A alternativa estaria perfeita se não
tivesse errado a cor dos livores, que são violáceos, e não esverdeados.

GABARITO Letra A.

Prezado aluno; uma vez que tenhamos analisado os fenômenos transformativos destrutivos, é chegada a
hora de atacar os fenômenos conservativos, assunto também bastante recorrente em provas. Está pronto?
Vamos nessa!

1.2.2.2 – Fenômenos Transformativos Conservadores

a) Mumificação

Há, de fato, uma série de questões de diferentes bancas que cobram do candidato conhecimento aguçado
acerca dos fenômenos transformativo conservativos. Vamos explorá-las ao longo deste módulo, pode ter
certeza!

Iniciemos pelo mais clássico deles: a mumificação.

O processo de mumificação pode se dar, segundo Genival França, de três maneiras


diferentes: natural, artificial e misto. O meio artificial foi eternizado pelos egípcios;
mas saibam que diversas culturas ao redor do globo já empregaram diferentes meios
para mumificar seus pares.

Mas, nos interessa sob o ponto de vista da Tafonomia Forense o processo natural de
mumificação. Vamos nos ater a ele. Aqui são necessárias condições climáticas bastante peculiares, pois
precisam garantir a desidratação rápida, de modo a impedir que as bactérias se reproduzam. Imagine,
ilustrativamente, qual poderia ser o motivo da produção do charque e da carne seca, por exemplo. Ou, ainda,
por que razão o bacalhau é salgado na origem. Ora, para extrair a umidade e evitar a proliferação de
bactérias! A ideia é basicamente a mesma.

Os fatores que influenciam a mumificação natural são de ordem ambiental e subjetiva. Quanto à primeira,
citamos a exposição ao ar (aeração), elevada temperatura e baixa umidade; em relação à segunda, a idade
do cadáver (mais comum em recém-nascidos), o sexo (mais comum entre as mulheres) e a causa da morte
(grandes hemorragias, desidratação, tratamentos com antibióticos, etc.).

Segundo França, o cadáver mumificado “apresenta-se reduzido em peso, pele dura, seca, enrugada e de
tonalidade enegrecida, cabeça diminuída de volume, a face conservando vagamente os traços fisionômicos;
os músculos, tendões e vísceras destroem-se pela pressão leve, transformando-se em pó, e os dentes e as
unhas permanecem bem conservados.”

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Figura 26 - Ötzi o Iceman160

b) Saponificação ou Adipocera

Mais uma vez, caro aluno, fique atento à nomenclatura!

Cada banca tem predileção por alguns termos (como veremos nas questões a seguir), e você precisa saber
todos eles. Logo, caso a prova apresente a você a adipocera, saiba que estaremos tratando do fenômeno
denominado saponificação.

Este é mais um processo conservador que transforma o cadáver em “uma substância de consistência
untuosa, mole e quebradiça, de tonalidade amarelo-escura, dando uma aparência de cera ou sabão” (França,
2015).

Eis o porquê do nome sapo(sabão)nificação ou adipo(gordura)cera. Para sua prova basta lembrar de cera ou
sabão e fazer a conexão com o que aprendeu aqui.

160
Ötzi o Iceman (também conhecido como Similaun Man ou Man from Hauslabjoch) é uma múmia natural bem preservado de
um homem de cerca de 3300 aC (53 séculos atrás). A múmia foi encontrada em setembro de 1991 na geleira Schnalstal nos Alpes
Ötztal, perto Hauslabjoch, na fronteira entre Áustria e Itália. O apelido vem de Ötztal, a região em que ele foi descoberto. Ele é a
mais antiga múmia humana natural da Europa, e ofereceu uma visão sem precedentes do Calcolítico (Idade do Cobre) europeus. A
causa da morte foi, provavelmente, um golpe na cabeça. O corpo e seus pertences são exibidos no Museu South Tyrol de
Arqueologia, em Bolzano, norte da Itália.

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Este processo, diferentemente da mumificação, instala-se após certo grau de putrefação, e não é, portanto,
inicial. Certas enzimas hidrolisam (quebram) as gorduras neutras, originando ácidos graxos, os quais, esses
sim, em contato com elementos minerais da argila se transformam em ésteres. O comum, segundo França,
é encontrar cadáveres com segmentos do corpo preservados pela saponificação; raramente se encontra um
cadáver totalmente conservado pelo processo.

Veja que este fenômeno transformativo conservador é mais comum em pessoas com mais panículo adiposo
(gordura). Em geral surge espontaneamente, após a sexta semana depois da morte, sendo os grandes
responsáveis pela transformação a água e o tipo de solo em que se encontra o cadáver. Esta deve ser
estagnada, pouco corrente, e o solo, argiloso, úmido e de difícil acesso ao ar atmosférico. Pensamos, pois,
imediatamente em pântanos argilosos!

O processo ocorre mais frequentemente em crianças, e é um tanto mais comum nas mulheres; ademais,
conforme mencionado, acomete mais os obesos e também os abalados por doenças que originam a
degeneração gordurosa161.

A saponificação é comum em casos especiais de enterramento de vários corpos em uma mesma vala de
grandes dimensões. Thouret e Fourcroy observaram os primeiros casos em Paris. Segundo os autores
(citados por França), os corpos, encontrados no Cemitério dos Inocentes, estavam achatados de encontro
com a tábua do fundo do caixão, mas com a forma geral conservada (...); uma massa de superfície irregular
e constituída por substancia mole, dúctil, de cor branco-acinzentada, disposta em torno dos ossos e
quebrando-se por efeito de pressão um pouco brusca (...).

E qual é o interesse médico-legal acerca da saponificação?

Ora, diferentemente de outros fenômenos, a adipocera permite a realização de vários exames algum tempo
depois da morte (é fenômeno conservativo, lembra-se?). Difere da mumificação, por exemplo, porque
conserva alguma umidade. Segundo França, é possível estudar melhor certas lesões pela conservação maior
do tecido celular subcutâneo, como nas feridas produzidas por ação de projeteis de arma de fogo ou de arma
branca. O mesmo é possível em relação às lesões do pescoço quando produzidas por laços nos
estrangulamentos e enforcamentos (2015). As vísceras conservadas contribuem para os exames
toxicológicos e histopatológicos.

161
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Geen, 2015.

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Figura 27 - Cadáver conservado (adipocera)

c) Calcificação

Fenômeno menos comum, que se caracteriza pela petrificação ou calcificação do corpo. Ocorre
mais comumente, segundo França, em fetos mortos e retidos na cavidade uterina, denominados
litopédios (ou crianças de pedra).

Em crianças e adultos é bem mais raro, e se dá quando as partes moles do cadáver se desintegram
pela putrefação rápida, e o esqueleto começa a assimilar grandes quantidades de sais calcários.

d) Corificação

Ainda mais raro é o fenômeno denominado corificação. Foi descrito por Della Volta em 1985, quando foram
encontrados cadáveres que originalmente foram acolhidos em urnas metálicas fechadas hermeticamente,
principalmente de zinco. Por esse motivo o corpo é preservado, pois os fatores transformativos não têm a
possibilidade de ocorrer.

França (por Della Volta) descreve o cadáver submetido a tal fenômeno da seguinte maneira:

“Pele de cor e aspecto de couro curtido recentemente. Abdome achatado e deprimido, a


musculatura e a tela subcutânea preservadas e os órgãos em geral amolecidos e conservados.
No interior da urna pode-se encontrar relativa quantidade de um liquido viscoso, turvo e de
tonalidade castanho-amarelada.”

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Acredita-se que haja sim um processo inicial de putrefação, mas, como mencionado, por motivos ainda não
muito bem explicados o processo é interrompido, dando origem a outro de mumificação natural.

Figura 28 - Membro inferior corificado

e) Congelação

Este fenômeno nos é mais próximo, pois geralmente temos algum alimento congelado em nossos freezers
residenciais. Alguns autores consideram que temperaturas de -40ºC (ou mais baixas) podem conservar em
condições vitais alguns materiais orgânicos como ossos, tecidos e espermatozoides (França, 2015).

Na situação descrita os cadáveres podem se conservar integralmente por tempo praticamente indefinido.

(MPE/PB / MPE/PB – 2010) Não é considerado como fenômeno transformativo conservador do


cadáver a:

a) Mumificação.

b) Saponificação.

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c) Calcificação.

d) Corificação.

e) Maceração.

COMENTÁRIO:

Quem não estudou vai ficar extremamente tentado a marcar qualquer uma que não a letra E,
pois os termos são relativamente próximos. Mas você estudou. O único fenômeno
transformativo acima descrito que não detém o caráter conservador é a maceração, que se dá
em ambiente aquoso (afogados e fetos). Logo, escolhemos a letra E.

GABARITO Letra E.

TAREFA 14 – DIREITO AMBIENTAL


Nosso foco no estudo de hoje serão os seguintes pontos do edital:

“Conceito de Meio Ambiente” ao tópico “O Direito Ambiental como um direito difuso, indivisível
e transindividual”.

PÍLULAS ESTRATÉGICAS DE DOUTRINA

CONCEITO E OBJETO DO DIREITO AMBIENTAL


Nosso estudo não poderia começar em outro ponto que não a conceituação do Direito Ambiental. Portanto,
cabe a pergunta: o que é o Direito Ambiental? Veja como é simples!

Ramo do Direito Público consistente no conjunto de


DIREITO AMBIENTAL regras, instrumentos e princípios normativos
voltados à proteção do meio ambiente.

Vemos claramente que o Direito Ambiental possui um objetivo bem definido, qual seja: a proteção do meio
ambiente. Qualquer estudo, qualquer interpretação e qualquer aplicação de normas ambientais deve partir
desta premissa básica.

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E a razão para tanto parece óbvia: o ser humano necessita de um meio ambiente equilibrado para sua
sobrevivência e desenvolvimento. Sem a preservação do meio ambiente a raça humana estaria em sérios
apuros!

Curiosamente, até mesmo um pensamento egoísta de autopreservação leva a um esforço na proteção dos
recursos naturais disponíveis. Dependemos do meio ambiente para sobrevivermos!!!

O campo de atuação do direito ambiental envolve a defesa de interesses difusos, pois os destinatários são
indeterminados e seu objeto é indivisível. Corrobora tal afirmação o art. 225 da Carta Magna.

Como vimos no conceito mais acima, o objeto do direito ambiental é o meio ambiente equilibrado (ou bem
ambiental ecologicamente equilibrado), estando todos os holofotes voltados para sua garantia.

Importante anotar que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de terceira
geração, que se relaciona ao valor fraternidade ou solidariedade (os direitos de primeira geração estão
ligados ao valor liberdade – direitos civis e políticos, e os direitos de segunda geração estão ligados ao valor
igualdade – direitos sociais e econômicos).

DIREITOS DE 1ª DIREITOS DE 2ª DIREITOS DE 3ª


GERAÇÃO GERAÇÃO GERAÇÃO

• Valor Liberdade • Valor Igualdade • Valor Fraternidade


(direitos civis e (direitos sociais, (direito ao meio
políticos) econômicos e sociais) ambiente, ao
progresso,
autodeterminação
dos povos)

OBS: Os direitos de 4ª geração compreendem os direitos à democracia, informação e pluralismo (mas sua
classificação não é unânime).

O bem ambiental (juridicamente tutelado) corresponde ao equilíbrio ecológico, que é essencial para
a manutenção de toda forma de vida.

O bem ambiental (meio ambiente equilibrado) é um bem público de uso comum do povo (art. 225 da CF/88);
portanto, é inalienável e não está sujeito a usucapião, conforme preceitua os artigos 100 e 102 do Código
Civil.

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Parte da doutrina (minoritária) considera que o bem ambiental não é nem público, nem privado, sendo
considerado um “tertium genius”, ou seja, bem de natureza difusa, pois não pertence a nenhum particular
nem a qualquer pessoa jurídica de direito público, sendo de titularidade da coletividade. Isso porque o meio
ambiente não pertence a uma pessoa jurídica de direito público em específico (União ou Estados, por
exemplo).

O titular do bem ambiental é o povo, seus destinatários são indetermináveis, e não pode ser dividido sem
que sua natureza seja alterada (indivisível), o que resulta na sua classificação como bem difuso.

O bem ambiental também é ubíquo, ou seja, não encontra fronteiras espaciais ou geográficas. E isso decorre
da própria natureza das relações químicas, físicas e biológicas que compõe o conceito de meio ambiente.
Tais relações não podem ser contidas por muros ou barreiras. A poluição jogada no ar por uma indústria na
China, por exemplo, afeta a camada de ozônio no Polo Norte. Uma queimada na Amazônia afeta a Oceania.

Outra característica do bem ambiental é a sua essencialidade, ou seja, o equilíbrio ecológico é essencial para
a manutenção da vida em todas as suas formas. Sem um meio ambiente equilibrado a vida simplesmente se
extingue.

A reflexibilidade do bem ambiental decorre do fato de que a lesão do meio ambiente afeta diretamente
outros bens jurídicos tutelados, haja vista que o meio ambiente é matéria-prima/pressuposto de outros
direitos.

A poluição do ar, por exemplo, pode afetar o direito a saúde de um indivíduo. O assoreamento de um rio
pode causar danos patrimoniais naquelas famílias que vivem próximas ao leito do rio. O aquecimento global
pode causar perda de lavoura, o que pode ocasionar o não adimplemento do empréstimo rural, e a
consequente adjudicação do imóvel rural pelo banco credor em processo de execução. Percebe como o dano
ambiental pode refletir em inúmeros outros bens jurídicos tutelados pelo Direito?

Também é importante pontuar que o bem ambiental é perene, ou seja, a preservação do meio ambiente é
uma necessidade constante, que nunca cessa. Não basta preservar os mananciais hoje, deve-se protegê-los
sempre.

O bem ambiental é extremamente sensível, ou seja, pequenas modificações no meio podem causar danos
enormes, o que só reforça a necessidade de sua preservação.

Por último, o bem ambiental ainda não é totalmente conhecido pelo homem, haja vista que todos os dias
novas relações ligadas ao meio ambiente são descobertas, o que faz com que seja incognoscível.

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Elencando as principais características do bem ambiental, temos:

CONCEITO DE MEIO AMBIENTE


Já vimos o conceito e o objeto do direito ambiental. Agora passemos para uma fase seguinte, e tão
importante quanto: o conceito de meio ambiente.

Esse ponto é muito cobrado em concursos públicos, haja vista que o conceito de meio ambiente passa pela
LEGISLAÇÃO. Não é a doutrina, o STJ ou o STF que dizem o que é o meio ambiente (apesar da inestimável
contribuição para o seu aprimoramento). Coube ao legislador conceituar o meio ambiente.

É a Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA), em seu artigo 3º, que traz o conceito
tradicional de meio ambiente, in verbis:

Lei nº 6.938/81

Artigo 3º
Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química
e biológica, que permite, abriga e reage a vida em todas as suas formas.

De uma forma mais simples, meio ambiente é o conjunto de relações físicas, químicas ou biológicas entre os
fatores vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) que acontecem no meio e que são responsáveis pela existência
e manutenção da toda forma de vida. Enfim, meio ambiente é a interação entre tudo o que é essencial para
a existência e manutenção de qualquer forma de vida, conforme ensina Marcelo Abelha Rodrigues 162.

162
Rodrigues, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015 p. 68

654
668
Mas cuidado!! O conceito de meio ambiente que acabamos de ver é o de meio ambiente
NATURAL. O meio ambiente deve ser analisado de forma mais abrangente, de modo a
agasalhar não só o meio ambiente natural (formado apenas pelos elementos naturais, tais
como ar, água, solo, fauna, etc.), como também o meio ambiente artificial (urbano), o meio
ambiente cultural, o meio ambiente do trabalho.

Parte da doutrina ainda acrescenta mais uma espécie de direito ambiental, a saber: o patrimônio genético.

Vejamos o conceito de cada uma dessas espécies:

Meio ambiente natural: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e reage a vida em todas as suas formas (artigo 225 da
CF);
Meio ambiente artificial: o conjunto do espaço urbano construído, compreendendo tanto as
edificações (espaço urbano fechado) quanto os equipamentos públicos (espaço urbano aberto).
Decorre diretamente da intervenção humana (artigos 182 e 183 da CF e Estatuto da Cidade);
Meio ambiente cultural: constitui o patrimônio cultural brasileiro, nele compreendido o
patrimônio artístico, paisagístico, arqueológico, histórico e turístico (formas de expressão, modos
de criar, fazer e viver, criações científicas, obras culturais, sítios arqueológicos, etc.). É produzido
pelo homem, mas diferencia-se do meio ambiente artificial pela especial relação que possui para
uma determinada sociedade (artigo 216 da CF), servindo como fator de coesão e identidade de
um povo;
Meio ambiente do trabalho: o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais,
sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência
de agentes que comprometam a incolumidade física e mental do trabalhador. Um meio ambiente
do trabalho equilibrado é essencial, portanto, para a concretização da dignidade da pessoa
humana nas relações de trabalho (artigos 7º, e 170 da CF, além da CLT).
Patrimônio genético: Conjunto de informações de origem genética de espécies vegetais, animais,
microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo
destes seres vivos.

655
668
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO AMBIENTAL163
No Brasil, as primeiras medidas de tutela ao meio ambiente encontram-se no início do período colonial,
momento em que as atividades econômicas consistiam basicamente na extração de produtos agrícolas e
minerais, o que ocasionava um intenso processo de desmatamento.

Logo após o descobrimento do Brasil, vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas, nas quais já era
possível verificar algumas referências à preocupação com o meio ambiente, a exemplo do dispositivo que
tipificava como crime de injúria ao rei o corte de árvores frutíferas.

As Ordenações Manuelinas, editadas em 1521, também contemplavam algumas disposições de caráter


ambiental direcionadas à proteção da caça e riquezas minerais, mantendo-se como crime o corte de árvores
frutíferas. Durante o período de vigência das Ordenações Manuelinas foram elaboradas inúmeras regras
esparsas, que foram atualizadas e compiladas pelas Ordenações Filipinas, que entraram em vigor em 1.603,
quando o Brasil já estava sob domínio Espanhol.

As sanções penais na seara ambiental objetivavam defender o valor econômico de produtos provenientes
da natureza, cujo préstimo poderia ser prejudicado com a ocorrência de práticas degradantes como queimas,
ou quaisquer outras que ocasionassem a poluição de rios e lagos.

A Coroa Portuguesa, após receber relatórios acerca da exploração do Pau-brasil, indicando que a extração
indiscriminada do produto poderia levar à sua extinção, criou, em 1605, a primeira lei protecionista florestal
do Brasil, proibindo o corte do pau-brasil sem expressa licença real, penalizando seus infratores164.

À medida que a rentabilidade do comércio decorrente da exploração de madeira aumentava, o processo de


devastação se intensificava, o que acabou por tornar ineficientes as medidas adotadas pela realeza, ou
aquelas previstas nas Ordenações do Reino. Vale recordar aqui que nesse período de busca desenfreada por
madeira, ouro e metais preciosos, várias foram as invasões sofridas pelo país, sobretudo por franceses,
holandeses e portugueses, o que contribuíam significativamente para o processo de desmatamento.

Em julho de 1799 foi estabelecido o primeiro regimento sobre cortes de madeira no Brasil, contendo regras
sobre o abate, serragem, identificação e romaneio de árvores165.

163
Tirado do artigo da Professora Tamires Farias.

164
COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey.2003, pg. 114.

165
Ibidem, pg. 155.

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668
Em 1824, sob a influência de ideais iluministas, foi promulgada a Constituição do império, cujo texto continha
a previsão de direitos políticos, individuais e de propriedade, excluindo de seu bojo qualquer palavra atinente
à proteção ambiental.

Pouco depois, em 1830, ainda no contexto de um Estado individualista, foi sancionado por Dom Pedro I o
Código Criminal do Império, que instituiu o crime de dano. Apesar de o referido tipo penal ter como objetivo
exclusivo a proteção à propriedade, acabou por proteger o meio ambiente de forma mediata. Inclusive o
primeiro Código Criminal de 1830 tipificou como crime o corte ilegal de madeira e a lei nº 601/1850
discriminou a ocupação do solo no que diz respeito a ilícitos como desmatamentos e incêndios criminosos.
Em 1886, o crime de dano passou a conter em seu texto o incêndio, de forma taxativa e limitada, objetivando
a defesa do patrimônio e da pessoa, ainda sem qualquer interesse em tutelar o meio ambiente.

Com a abolição da escravatura, havia a necessidade de alteração da legislação penal, de modo que em 1890
foi promulgado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Neste Código foram inseridos tipos penais
estritamente vinculados com a incolumidade pública, mas com conteúdo ambientalista, como o crime de
incêndio, que teve suas hipóteses de previsão ampliadas para as “plantações, colheitas, lenha cortada, pastos
ou campos de fazenda de cultura, ou estabelecimento de criação, matas, ou florestas pertencentes à
terceiros ou à Nação”166 .

Com a proclamação da república e alteração do regime político foi instituída uma nova Constituição, também
de índole liberal, que assim como a anterior não previu qualquer espécie normativa de proteção ao meio
ambiente, ainda que de forma indireta.

Após a revolução de 1930, no contexto de um período de “intensa atividade legisferante de conteúdo


inovador”, foi instituído o primeiro Código Florestal Brasileiro, cuja vigência se deu em 1934. Logo em
seguida, o Decreto nº 24.645, de 10-07-34, estabelece medidas de proteção aos animais, dentre elas a
tipificação da contravenção de maus tratos aos animais, descrevendo minuciosamente o que considerava
por maus tratos167.

No mesmo ano foi revogada a Carta Republicana com a promulgação de uma nova Constituição que, embora
apontada pela doutrina como a primeira constituição a preocupar-se em enumerar direitos fundamentais
sociais, em nada inovou no que se refere à tutela ambiental.

Em 1937 é editada e outorgada uma nova Constituição, de inspiração fascista e caráter marcadamente
autoritário, dando início ao período ditatorial conhecido como “Estado Novo”. Chamada de “Constituição

166
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenha. Proteção Penal do Meio Ambiente, São Paulo: Atlas, 2000. pg. 40.

167
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenha. Proteção Penal do Meio Ambiente, São Paulo: Atlas, 2000. pg. 41.

657
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Polaca”, representou um grande retrocesso no que diz respeito às conquistas dos direitos fundamentais
sociais.

Em que pese sua incompatibilidade com um verdadeiro Estado Democrático de Direito, a Constituição de
1937 trouxe algumas novidades no campo ambiental, estabelecendo medidas de polícia para a proteção de
plantas e dos rebanhos contra a moléstia ou agentes nocivos, entre outras.

Em 1940 entrou em vigor o Novo Código Penal, que passa a tutelar elementos do meio ambiente de forma
indireta, a exemplo da tipificação do envenenamento ou poluição de água potável.

Com o término na Segunda Guerra Mundial e o fim do Estado Novo, promulga-se a Constituição de 1946,
que também não inovou em matéria ambiental, assim como as Constituições de 1967 e 1969.

Em 1972 foi firmada, em Estocolmo, a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que nos dizeres
de Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado “propiciou um grande impulso para que as legislações de alguns
Estados, inclusive do Brasil, despertassem para a proteção do meio ambiente”168.

Na Conferência de Estocolmo, em 1972, chegou-se ao consenso sobre a necessidade urgente de reação


global ao problema da deterioração ambiental. Um dos seus resultados foi a criação do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

A Conferência de Estocolmo é tida por muitos como o ponto de partida do direito ambiental internacional,
eis que introduziu alguns dos conceitos e princípios que, ao longo dos anos, se tornariam a base sobre a qual
evoluiria a diplomacia na área do meio ambiente.

Com o advento da lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985 foi criada a Ação Civil Pública, importante instrumento
de defesa de interesses difusos e coletivos, que fortaleceu a defesa do meio ambiente.

No campo constitucional, o meio ambiente nunca havia sido juridicamente tutelado de forma autônoma,
tendo espaço nesses diplomas legais apenas circunstancialmente, ficando até então a cargo do legislador
ordinário a tarefa de estabelecer mecanismos e ações de proteção do patrimônio florestal.

Foi com a promulgação da Constituição de 1988 que o meio ambiente ganha identidade própria, sendo
disciplinado de forma autônoma e sistematizada. O tema foi inserido no rol de direitos fundamentais e
ganhou um capítulo próprio, no qual contém a previsão de que cabe ao Poder Público e à coletividade a
defesa e preservação do meio ambiente, sujeitando, ainda, aqueles que cometerem atividades a ele lesivas
à sanções administrativas e penais.

168
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenha. Proteção Penal do Meio Ambiente, São Paulo: Atlas, 2000. pg. 45.

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Ainda, passou a prever em seu texto mecanismos de defesa do meio ambiente, dentre eles a delimitação de
territórios a serem especialmente protegidos, estudo prévio de impacto ambiental quando da instalação de
obra ou atividade lesiva ao meio ambiente, promoção da educação ambiental, e diversos princípios,
abrangendo todos aqueles previstos na Declaração de Estocolmo, tudo com o escopo de dar efetividade à
defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvilmento, em 1992, evento também
conhecido como ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra, foram elaborados cinco documentos. São eles:

a) Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB);

b) Agenda 21;

c) Declaração de Princípios Sobre Florestas;

d) Convenção Quadro sobre mudança do Clima; e

e) Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional entre os países integrantes da Organização das Nações
Unidas (ONU), firmado com o objetivo de se reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa e o
consequente aquecimento global. Redigido e assinado em Kyoto (Japão), em 1997, o Protocolo criou
diretrizes para amenizar o impacto dos problemas ambientais causados pelos modelos de desenvolvimento
industrial e de consumo vigentes no planeta.

PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL


Passada a fase de conceituação do direito ambiental, da delimitação de seu objeto e de sua evolução
histórica, passemos a estudar os princípios que regem a matéria.

Conflito entre princípios se resolve NO CASO CONCRETO, através da PONDERAÇÃO DE VALORES.

Passemos para a análise dos princípios específicos do direito ambiental, assunto que é muito cobrando em
provas!

Princípio do Estado Socioambiental de Direito: O presente princípio traz consigo uma nova
dimensão ao já consagrado princípio do Estado de Direito, no qual o Poder Público e os cidadãos
devem se submeter ao império da lei, lei esta que garanta o desenvolvimento sustentável, com
o fomento do crescimento, aliado à proteção do meio ambiente e à distribuição de renda. Com
base neste entendimento o Estado não está restrito a uma postura negativa, de apenas impedir
restrições indevidas ao pleno exercício dos direitos fundamentais do cidadão, mas está sim

659
668
obrigado a se posicionar ativamente, tomando medidas que visem concretizar tais direitos
fundamentais, levando em conta a proteção do meio ambiente como pressuposto de uma boa
qualidade de vida, essencial para a garantia da dignidade da pessoa humana. Portanto, segundo
este princípio o Poder Público tem o dever de garantir, através de uma postura proativa, o
exercício dos direitos fundamentais do cidadão, inclusive através de políticas públicas voltadas
para a promoção de um meio ambiente equilibrado, já que este é pressuposto dos demais
direitos fundamentais. O Estado Socioambiental de Direito aponta para a necessidade de se
compatibilizar crescimento econômico, desenvolvimento social e preservação do meio
ambiente. Tal princípio leva a proteção do meio ambiente para o foco de tutela do Estado, na
medida em que referido equilíbrio serve como fator de reforço do princípio democrático.
Princípio da ubiquidade: Ubiquidade significa a possibilidade de estar em diversos lugares ao
mesmo tempo. O meio ambiente não conhece limites, barreiras, fronteiras. Uma intervenção no
meio ambiente em um determinado país, por exemplo, pode causar impactos ambientais do
outro lado do planeta. Essa é a ideia do princípio da ubiquidade. O bem ambiental é onipresente,
ou seja, está em todo lugar, não encontrando limites geográfico ou temporal. Portanto, eventual
reparação ambiental deve levar em conta não apenas os danos diretos, mas também os reflexos,
que são decorrentes daqueles. Além do mais, deve, também, englobar os interesses das futuras
gerações, já que elas dependem do equilíbrio ecológico almejado hoje. Segundo Marcelo Abelha
Rodrigues, "(...) os bens ambientais naturais colocam-se numa posição soberana a qualquer
limitação espacial ou geográfica(...) dado o caráter onipresente dos bens ambientais, o princípio
da ubiqüidade exige que em matéria de meio ambiente exista uma estreita relação de
cooperação entre os povos, fazendo com que se estabeleça uma política mundial ou global para
sua proteção e preservação"169.
Princípio da cooperação dos povos: Do princípio da ubiquidade decorre outro importante
princípio, que é o da cooperação dos povos. Como o bem ambiental não encontra fronteiras,
nasce o dever de união, cooperação entre os povos com a finalidade de garantir o equilíbrio
ecológico. Políticas regionais ou nacionais de proteção ao meio ambiente as vezes não são
suficientes para a preservação ambiental, sendo necessária uma atuação coordenada da
comunidade internacional no sentido de implementar mecanismos que garantam a preservação
dos recursos naturais.
ATENÇÃO!!! O princípio da cooperação dos povos NÃO afeta a soberania nacional, haja vista que
cada País possui o direito soberano de explorar seus recursos naturais, tendo, em contrapartida,
a responsabilidade de assegurar que tal exploração não cause danos a outros Estados
Princípio do desenvolvimento sustentável: O conceito de desenvolvimento sustentável engloba
três elementos essenciais e indissociáveis, quais sejam: crescimento econômico, igualdade social
e proteção do meio ambiente. A Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
conceitua o desenvolvimento sustentável como “O desenvolvimento que procura satisfazer as
necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras e

169
RODRIGUES, M. A. Instituições de direito ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002.

660
668
satisfazerem as suas próprias necessidades”. As sociedades que buscam o desenvolvimento
sustentável têm que conciliar o aumento de riquezas com a sua justa distribuição, sem perder de
vista a preservação do meio ambiente. Em uma comparação simplória podemos fazer a seguinte
ilustração: “o bolo tem que crescer, esse bolo tem, ainda, que ser repartido entre todos e, no
final, não pode restar sujeira na mesa, de modo que as pessoas que irão chegar possam fazer um
novo bolo sem problemas”. Essa é a essência do desenvolvimento sustentável.
Princípio da função ambiental da posse e da propriedade: Por meio deste princípio a posse e a
propriedade devem se amoldar, de forma que o seu exercício não cause danos ao meio ambiente.
Sua aplicação traz ao possuidor/proprietário um conjunto de deveres (obrigação real ou propter
rem) ligados à defesa do meio ambiente. Em consequência, nasce para a coletividade e para o
Poder Público o direito de exigir que o possuidor/proprietário exerça seu direito de
posse/propriedade dentro de limites que garantam a preservação do meio ambiente. Podemos
dizer, enfim, que o princípio em tela serve como um limitador/balizador do direito de
posse/propriedade, gerando para seu titular o dever de exercer seu direito sem que tal exercício
gere danos ao meio ambiente. Portanto, o direito de posse/propriedade não é absoluto, mas
deve ser compatibilizado com a preservação do ecossistema.
Nessa toada, caso o exercício da posse/propriedade cause danos ao meio ambiente, tal exercício
mostra-se abusivo, e, portanto, ilegal, devendo ser responsabilizado não só o causador do dano,
mas também o possuidor/proprietário, já que a obrigação acompanha a coisa (natureza real ou
propter rem). A função ambiental da posse/propriedade requer do titular do direito não apenas
atos negativos (como de não poluir, não desmatar, não pescar determinados tipos de peixes,
etc.), mas principalmente atos positivos, no sentido de prevenir a ocorrência do dano ambiental
(adoção de coleta seletiva do lixo, colocação de filtros para evitar a poluição do ar, criação de
programas de educação ambiental, etc.).

As limitações sofridas Não geram direito a indenização, haja vista que não
pelo titular do direito REGRA
ferem o núcleo essencial do direito em questão
em decorrência dos
deveres oriundos da Caso as limitações cheguem a aniquilar o núcleo
preservação do meio EXCEÇÃO essencial do direito, aí sim haverá direito a
ambiente indenização

Princípio da proibição de retrocesso ambiental (Entrincheiramento ou Efeito Cliquet): A


proibição do retrocesso ambiental (princípio constitucional implícito) é uma garantia
constitucional relacionada a progressão na tutela jurídica do bem ambiental, ou seja, deve haver
um contínuo incremento na política de proteção do meio ambiente. Os direitos fundamentais,
dentre eles o direito a um meio ambiente equilibrado, são marcados pela estabilidade, não
podendo o Estado atuar de modo a fragilizar o seu exercício. Portanto, é proibido ao legislador
infraconstitucional, bem como ao constituinte derivado, abandonar os progressos já
consolidados. Um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a garantia do
desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF/88), e tal garantia não pode ser alcançada sem que
se garanta os direitos fundamentais já conquistados. A fragilização de tais conquistas vai de

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encontro (choca-se) com o desenvolvimento nacional almejado. Portanto, há a necessidade de
um gradual melhoramento na garantia dos direitos sociais e ambientais existentes, em um
processo de consolidação constante.
O princípio possui conteúdos positivo e negativo. Pelo conteúdo positivo tanto o legislador
quanto o aplicador da norma estão obrigados a manter uma postura que visa aumentar
progressivamente o grau de concretização das normas socioambientais (criação de novas leis,
aplicação dos instrumentos existentes, interpretação ampliativa das normas de proteção, etc.).
Já pelo conteúdo negativo, tais agentes estariam impossibilitados de implementar mudanças que
enfraqueçam o processo de concretização dos direitos fundamentais em questão (estariam
proibidos de suprimir normas que garantem tais direitos, além de ser vedada a interpretação
restritiva dos direitos socioambientais).

Em casos excepcionais (tais como calamidade pública ou casos de urgência) admite-se,


temporariamente, a flexibilização dos direitos socioambientais, devendo-se, após a volta da
normalidade, se retornar ao status quo ante de proteção. (Exceção da regra)

Princípio do mínimo existencial ambiental: Visa garantir um patamar mínimo de qualidade e


segurança do meio ambiente, sem o qual o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana
restaria sensivelmente prejudicado. Portanto, para se garantir o exercício da dignidade da pessoa
humana é necessário um meio ambiente minimamente equilibrado, haja vista que este é
pressuposto daquele. A garantia do ecossistema equilibrado é o primeiro passo para a
pavimentação do desenvolvimento da sociedade, e, no âmbito individual, da dignidade da pessoa
humana. O conceito de mínimo existencial não se restringe a questões de sobrevivência, mas se
amplia para a garantia de uma vida digna, onde haja as condições necessárias para o
desenvolvimento pessoal e coletivo, englobando todas as searas possíveis (cultural, biológica,
relacional, psicológica, política etc.). E o conteúdo normativo do mínimo existencial deve levar
em conta aspectos históricos e culturais, sem renunciar os avanços já conquistados (aplicação do
princípio da proibição do retrocesso).
Princípio da participação: Decorre do princípio democrático, e consiste no direito-dever de todos
de fazer parte da condução do Estado, seja direta ou indiretamente. Segundo Paulo Affonso
Lemes Machado, “participar significa que a opinião de uma pessoa pode ser levada em conta”170.
E a razão é simples: o titular de todo o poder é o povo (art. 1º, parágrafo único da CF/88).
Portanto, nada mais justo que o titular do direito participar dos processos decisórios da nação.
O Art. 225 da Carta Magna é claro ao prescrever que é dever do Poder Público e da coletividade
defender e garantir o meio ambiente equilibrado. E tal garantia só será eficaz através da
participação constante de cada pessoa, num esforço conjunto de preservação do meio ambiente.

170
Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 23ª edição. Malheiros Editores, 2015.

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668
Referida participação se dará através de atos positivos (conscientização ambiental, destinação
adequada do lixo, implementação de medidas de proteção ambiental, etc.) ou negativos
(proibição de poluir os rios, proibição de caçar determinados animais, etc.).
Levando em conta que o bem ambiental se relaciona a um direito difuso, todos têm a
legitimidade para participar de atos que visem garantir sua preservação. Só conseguiremos atuar
eficazmente na preservação do meio ambiente se toda a sociedade se unir e, junta com o Poder
Público, atuar de forma integrada. A participação do cidadão na preservação do meio ambiente
pode se dar através de vários instrumentos, tais como o ajuizamento de ação popular, ação civil
pública, a participação em ONG’s, a presença em audiências públicas sobre o tema, na
participação em conselhos municipais e estaduais etc.
Enfim, a informação aliada a uma educação ambiental abrangente são requisitos necessários
para a formação de uma consciência ambiental que mune o cidadão de um juízo de valor crítico
que o leva a refletir e debater o meio ambiente como condição essencial para a vida, tornando-
o apto a participar efetivamente dos processos decisórios. É a chamada “democracia
participativa ecológica”.
Princípio da obrigatoriedade de intervenção do Poder Público: A gestão do meio ambiente não
é matéria que deva ser tratada apenas pela sociedade civil. O próprio art. 225 da Constituição
Federal é incisivo em impor a obrigação de preservação do meio ambiente também ao Poder
Público. Corrobora com essa afirmação a própria natureza do bem ambiental como bem público.
Portanto, o Poder Público tem o dever de gerir e prestar contas no trato com os elementos
ambientais envolvidos no ecossistema (solo, ar, água, etc.). O correto manejo do meio ambiente
passa pela observância das noções de eficiência, democracia e prestação de contas. O Poder
Público deve agir, em relação ao meio ambiente, com eficiência, produzindo mais com menos,
fomentando o uso racional dos recursos naturais. Além do mais, deve fornecer à sociedade todas
as informações necessárias acerca de sua atuação na proteção do meio ambiente, nascendo a
noção de governança ambiental.
Princípio da prevenção: Visa impedir a ocorrência do dano ambiental, através da adoção de
medidas de cautela antes da execução de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras
de recursos naturais. Aplica-se o princípio da prevenção naqueles casos em que os riscos já são
conhecidos e previstos, de modo a se exigir do responsável pela atividade potencialmente
poluidora a adoção de medidas que impeçam ou diminuam os danos ambientais. O princípio da
prevenção se impõe devido ao caráter frequentemente irreversível do dano ambiental causado.
É muito difícil conseguir que o meio ambiente retorne ao seu estado de equilíbrio após um dano
ambiental. Portanto, certo está o ditado popular em dizer que “melhor é prevenir do que
remediar”. A noção de prevenção leva em conta o conhecimento antecipado dos danos que
podem ser causados ao meio ambiente em determinada situação, a fim de que se sejam tomadas
medidas tendentes a evitar a ocorrência de tais danos. Há, portanto, um nexo de causalidade
cientificamente conhecido entre a atividade a ser exercida e o potencial de dano decorrente
dessa atividade.
Princípio da precaução: Visa impedir a ocorrência de danos potenciais que, de acordo com o
atual estágio do conhecimento, não podem ser identificados. Portanto, ainda não há certeza
científica acerca dos potenciais danos causados por uma atividade, por isso tal atividade deve
ser evitada. Não confundir com o princípio da prevenção. Lá, os riscos já são conhecidos, e,
portanto, podem ser evitados com a adoção de certas medidas. Aqui, como os riscos não são

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conhecidos, a atividade não pode ser exercida, sob pena de se colocar em perigo o meio
ambiente.
O princípio da precaução não deve ser visto como obstáculo ao progresso da ciência, mas sim
como importante instrumento de proteção de um bem tão caro para a humanidade (meio
ambiente). Aplica-se o princípio em tela às questões de engenharia genética e clonagem de seres
vivos. Nada impede que, tempos depois, a ciência evolua e consiga descobrir as consequências
ambientais de uma determinada atividade, momento no qual passará a ser aplicado o princípio
da prevenção, e não mais o princípio da precaução. Enfim, em caso de desconhecimento
científico acerca da possibilidade de uma atividade ser danosa ao meio ambiente aplica-se o
princípio da precaução, e a atividade deve ser evitada.

STJ: Na aplicação do princípio da precaução há a inversão do ônus da prova, ou seja, cabe ao


interessado na execução da atividade potencialmente poluidora provar que não haverá o dano ou
provar que as medidas adotadas são suficientes para eliminar ou minimizar os danos.

Princípio do poluidor-pagador e do usuário/pagador: Surgiu oficialmente por intermédio da


OCDE, em 1972, significando que o poluidor ou usuário de recursos naturais deverá arcar com os
custos das medidas de prevenção e controle da poluição (internalização dos custos ambientais).
O fornecedor, portanto, está obrigado a levar em consideração no preço final de seu produto os
custos necessários para a preservação do meio ambiente; do mesmo modo, o usuário de recursos
naturais deverá “adequar as práticas de consumo ao uso racional e sustentável dos mesmos
[recursos naturais], bem como à ampliação do uso de tecnologias limpas no âmbito dos produtos
e serviços de consumo, a exigência de certificação ambiental dos produtos e serviços etc.” 171 .
A linha de raciocínio dos referidos princípios (poluidor-pagador e usuário-pagador) passa pela
responsabilização jurídica e econômica do poluidor e do usuário de recursos naturais pelos danos
causados ao meio ambiente, a fim de que a sociedade seja desonerada desse ônus. É a chamada
internalização das externalidades negativas ambientais. Expliquemos melhor. As externalidades,
segundo Marcelo Abelha Rodrigues, são os reflexos sociais (positivos ou negativos) que um
produto/serviço causa a ser lançado no mercado. Por ser quase impossível medi-las
quantitativamente, essas consequências não são incluídas no preço final do produto/serviço,
gerando um desvio de mercado, ou seja, o preço de uma mercadoria/serviço não reflete seu
valor social172.

171
Sarlet, Ingo Wolfgang e Fensterseifer, Tiago. Princípios do direito ambiental. São Palo: Saraiva, 2014.

172
Rodrigues, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015 p. 325.

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A cobrança pelo uso dos recursos naturais pode ser por meio de receitas originárias do Estado (preço
público), haja vista que o bem ambiental é público e administrado pelo Estado. Ou pode ser realizada por
meio de receitas derivadas (tributação), derivando do poder de império do Estado.

Princípio do protetor-recebedor: permite aos agentes envolvidos na produção, comercialização


ou consumo uma compensação financeira em decorrência de práticas voltadas para a
preservação do meio ambiente. O princípio em tela se materializa principalmente através de
incentivos financeiros para aqueles agentes que se preocupam e tomam medidas concretas em
defesa do ecossistema. Assim como o poluidor deve arcar com os custos ambientais
correspondentes a sua atividade, o protetor, aquele que age na defesa do meio ambiente, deve
ser compensado financeiramente pela sua postura protetiva. Essa ajuda financeira pode ser
através de recebimento de verbas advindas de fundos internacionais de fomento ao meio
ambiente, incentivos fiscais etc.
Princípio da responsabilização: Quando a prevenção do meio ambiente falha, e não raro isso
acontece, entra em cena o princípio da responsabilização, que imputa ao responsável pela
degradação ambiental a obrigação de reparar o dano causado, a fim de que, na medida do
possível, tente-se levar o ecossistema ao status quo ante (condição anterior de equilíbrio). E a
rapidez na resposta à degradação ambiental é fator essencial para a eficácia da reparação
pretendida. A responsabilização serve, ainda, como importante fator de prevenção de futuros
danos, ante seu caráter pedagógico. Ante a independência das esferas penal, civil e
administrativa, é possível que um mesmo fato jurídico receba as respectivas sanções (penal, civil
e administrativa), sem que se fale em bis in idem, pois as normas jurídicas infringidas são diversas.
O próprio artigo 225, §3º, da Constituição Federal, prescreve de forma incisiva: “As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados”.
Na Lei 6.938/81 a proteção do meio ambiente se mostra de extrema valia para a sociedade
moderna, pois serve de base para o exercício pleno de vários direitos fundamentais (saúde, vida,
dignidade da pessoa humana, etc.), motivo pelo qual se justifica a tutela penal do bem. A função
da sanção penal seria não apenas de reprimir a conduta, mas principalmente de reparar, educar
e, porque não dizer, de prevenir novas condutas danosas ao ecossistema. A grande vantagem da
sanção penal é a garantia de que o agente que causou o dano irá pagar por ele, pois vige em
nosso ordenamento jurídico o princípio da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV, CF/88). A Lei nº
9.605/98 trata dos crimes ambientais, mas não só, haja vista que traz em seu bojo instrumentos
administrativos repressivos (infrações administrativas pelo descumprimento de normas
ambientais). A responsabilidade ambiental administrativa pode ser requerida por qualquer dos
entes da Federação (Municípios, Estados, União), haja vista que a competência é comum (esse
tema será tratado em outra aula). Mas entes diversos não poderão aplicar sanções
administrativas em relação ao mesmo fato, sob pena de incorrer em bin in idem. Neste caso
(conflito de atribuições entre órgãos ambientais) prevalece a competência daquele órgão que
esteja mais próximo da realidade do dano causado (art. 76 da Lei 9.605/98).

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O tema não é unanimidade, mas a grande maioria da doutrina e da jurisprudência (RE 548.181) já
admitem a responsabilização penal da pessoa jurídica. Para estes a base constitucional se encontra no
art. 225, §3º, da Carta Magna, que aduz:
“§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados”. A Lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98) não deixa dúvidas, prevendo, em seu
artigo 3º, que: “Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-
autoras ou partícipes do mesmo fato"

O ABANDONO DA TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO PELA TEORIA DA RESPONSABILIDADE


INDIVIDUALIZADA OU APARTADA
O STJ possuía entendimento que condicionava a responsabilização penal da pessoa jurídica à
responsabilização da pessoa física (dupla imputação), ou seja, a PJ só poderia ser responsabilizada caso
a PF que executou o ato típico também o fosse. Ocorre que, após o STF afirmar que a Constituição
Federal não condiciona a responsabilização da PJ à responsabilização da PF, o STJ modificou seu
posicionamento. Portanto, o entendimento predominante tanto no STF quanto no STJ é de que não há
necessidade da dupla imputação, ou seja, a PJ pode ser responsabilizada criminalmente
independentemente da PF ter sido ou não responsabilizada. Conferir Informativo STJ nº 566.

Importante ressaltar a edição de recente súmula do STJ (enunciado nº 613), que consolida o
entendimento de que em direito ambiental NÃO SE APLICA A TEORIA DO FATO CONSUMADO.
Mas o que vem a ser essa teoria? Vamos explicar. De forma objetiva podemos dizer que, segundo
a teoria do fato consumado, as situações jurídicas já consolidadas pelo decurso do tempo não
devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das
relações sociais.
O STJ afastou qualquer dúvida eventualmente existente no sentido de que em direito ambiental
não se aplica a teoria do fato consumado, pois a sua permissão faria nascer um verdadeiro
“direito de poluir”. Além do mais, o direito a um meio ambiente equilibrado é um bem jurídico
indisponível, que não pode ceder a interesses particulares pelo mero decurso do tempo.
Nesse choque de princípios (segurança jurídica x meio ambiente) o STJ entendeu que deve
prevalecer o meio ambiente como direito indisponível.
Um exemplo para você entender melhor: imagine a presença de casas de veraneio em área de
preservação permanente – APP por longos e longos anos. Essa situação irregular do ponto de
vista ambiental não pode ser mantida apenas com base no transcurso do tempo (teoria do fato
consumado). As casas deverão ser demolidas em face da restrição ambiental incidente no caso
concreto. Os donos dos imóveis não possuem o direito de continuar degradando aquela área
apenas pelo fato de estarem lá há muitos anos.

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Princípio do acesso equitativo aos recursos naturais: É o postulado que visa garantir a todos os
habitantes do planeta o acesso igualitário aos recursos naturais, haja vista que o meio ambiente
e, consequentemente, seus recursos, são de titularidade da coletividade. A falta de acesso, em
igualdade de condições, aos recursos naturais agrava ainda mais a situação dos grupos sociais
mais vulneráveis, inviabilizando o pleno exercício da dignidade da pessoa humana. Geralmente
o ônus social da degradação ambiental recai com maior impacto sobre a parte da população mais
carente, na contramão do objetivo de justiça social almejado pela Carta Magna. Cabe, portanto,
ao Estado e à sociedade civil se empenharem para garantir que a parcela mais pobre da
população tenha acesso aos recursos naturais em condições semelhantes àquelas vivenciadas
pela classe mais abastada.
Em âmbito internacional, deve-se dar maior atenção aos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento, conforme princípio nº 6 da Declaração do Rio. O princípio visa implementar
uma redistribuição dos recursos ambientais, de modo que todos tenham, na medida do possível,
acesso igualitário ao seu uso. Importante frisar que referido princípio não impede que as
comunidades que se encontram mais próximas dos recursos naturais tenham prioridade de
acesso, haja vista que deve haver a aplicação em conjunto com outros princípios também
tutelados, como o da eficiência, do desenvolvimento sustentável etc.
Princípio do controle, limite capacidade de suporte ou tolerabilidade: por meio deste princípio
o Poder Público deve editar e fazer cumprir normas ambientais voltadas à contenção da
degradação ambiental ou do impacto causado das ações humanas no meio ambiente. O
professor Marcos Paulo Miranda foi preciso: “No campo do meio ambiente natural ele impõe ao
Poder Público o dever de controlar a poluição mediante a instituição de padrões máximos de
tolerância, a fim de assegurar níveis aceitáveis, visando preservar o equilíbrio ambiental e a saúde
humana. Normalmente ele se efetiva mediante a fixação, pela administração ambiental, de
padrões de qualidade ambiental, como, por exemplo, os que estabelecem limites máximos de
emissão de gases pelos automóveis ou de lançamento de dejetos em cursos hídricos, a fim de
assegurar o bem estar de toda a coletividade... Referido princípio funciona como ferramenta
auxiliar do princípio da prevenção, que orienta a adoção de medidas que venham a evitar a
ocorrência de situação de ameaças ou danos aos bens culturais. Também tem função ancilar em
relação ao princípio do desenvolvimento sustentável ou do equilíbrio” 173.
Princípio do equilíbrio: de acordo com este princípio, os responsáveis por aplicar a política
ambiental devem antever as consequências da implementação de uma determinada intervenção
no meio ambiente e realizar um juízo de ponderação sobre a utilidade para toda a coletividade e
também se haverá gravames excessivos aos ecossistemas e à vida humana.
Portanto, qualquer intervenção relevante no meio ambiente deve ser analisada de forma global,
a fim de se apurar saldo final positivo. Para Paulo de Bessa Antunes “através do mencionado
princípio deve ser realizado um balanço entre as diferentes repercussões do projeto a ser

173
https://www.conjur.com.br/2019-jun-01/aplicacao-principio-limite-tutela-patrimonio-cultural.

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implementado, isto é, devem ser analisadas as implicações ambientais, as consequências
econômicas, as sociais, etc.”174

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste PDF, estudamos o resumo teórico das Trilhas 08 e 09 do Curso Regular 2022 do cargo de Delegado de
Polícia.

Quaisquer dúvidas, encontro-me à disposição!

174
ANTUNES, Paulo Bessa de. Direito Ambiental. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 37.

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