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LIÇÃO 08 ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

CURSO DE MISSÕES POR CORRESPONDÊNCIA


LIÇÃO 08: ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

CMC Curso de Missões Por Correspondência

LIÇÃO 08: ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

Texto base elaborado por Gessé Adriano da Silva


Desenvolvimento autodidático por Francisco Carlos Filho,
Cyro Mello e Geremias do Couto

3ª Edição
Atualização de texto: Isael de Araújo
Revisão final: Joel Dutra do Nascimento

4ª Edição - Janeiro de 2008


Projeto gráfico e editoração: Rodrigo Brito
Capa: Gabriel Nunes

Caixa Postal 222 - Cep 13230-970


Campo Limpo Paulista-SP
Fone: 11 4039.1034
E-mail: emad@emad.org.br
Visite o site: www.emad.org.br

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INFORMAÇÕES IMPORTANTES

1. Antes de estudar as Lições e de responder os Testes, ore a


Deus pedindo que lhe ajude na compreensão dos assuntos abor-
dados.
2. Na hora do estudo, tenha sempre em mãos a Bíblia Sagra-
da, lápis e borracha.
3. Ao final de cada Lição há um Questionário de Revisão,
elaborado com o objetivo de ajudá-lo na preparação para o Teste.
Responda, sem consultar a Lição, todas as questões que você pu-
der e, ao final, confira as suas respostas com o que foi ensinado
no interior da Lição.
4. Cada Lição será acompanhada de um Teste, que você de-
verá responder como forma de sua avaliação no Curso. O Teste
será sobre os assuntos abordados na Lição e será constituído so-
mente por questões alternativas, para escolher uma das respos-
tas e assinalar com X. Responda todas as questões com caneta.
5. Somente faça o Teste quando se sentir apto a realizá-lo.
Não o rasure e nem busque ajuda no interior da Lição. Seja sin-
cero consigo mesmo e com Deus. Envie o Teste da maneira como
conseguir realizar, mesmo que esteja incompleto. O valor de cada
questão estará descrito nele e você deverá alcançar nota igual ou
superior a 5 para ser aprovado.
6. A EMAD conferirá o Certificado de Conclusão do Curso de
Missões por Correspondência a todos os alunos que alcançarem
grau de aprovação nos 10 Testes. As despesas de emissão do Cer-
tificado serão pagas por cada aluno.

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INTRODUÇÃO

Houve um tempo em que os missionários partiam para o


campo sem levar em sua bagagem qualquer conhecimento acer-
ca da cultura que iriam evangelizar, e o resultado de tal empre-
endimento, posto que movido pela fé e a disposição de cumprir
o IDE de Jesus, na maioria das vezes, era o fracasso causado pelo
desconhecimento dos costumes, dos valores, das crenças e da
cosmovisão do povo alvo da sua missão. Hoje, isso não é mais
aceito por aqueles que têm um mínimo de bom senso.
Nenhuma cultura é idêntica à outra, todas diferem entre si, até
mesmo aquelas cujos membros falam a mesma língua, como, por
exemplo, as dos povos de língua espanhola e, particularmente, no
caso do Brasil e Portugal, onde o modo de viver do povo, pensar,
crer e escolher seus valores são bem diferentes um do outro.
Com base nessa realidade, a EMAD lança esta 8ª Lição, com
o objetivo de suprir uma lacuna no seu Curso de Missão por Cor-
respondência, voltada para a área da Antropologia, no que tange
ao interesse da obra missionária. Ao terminá-la você deverá co-
nhecer as camadas que compõem uma cultura, alguns costumes,
valores e, sobretudo, algumas crenças e cosmovisões dos povos
e etnias que habitam nosso Planeta. Estará também informado
sobre como contextualizar a mensagem do Evangelho dentro
de cada cultura, sem, contudo, ignorar os valores universais da
Palavra de Deus, e, muito menos, sem incorrer no erro do sin-
cretismo religioso. Nosso desejo é que este alvo seja alcançado
plenamente, apesar de ser limitado o espaço para tratarmos de
tão vasta, interessante e indispensável disciplina de Missiologia.

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1. DEFINIÇÃO DO TERMO

O vocábulo é composto de duas palavras gregas, a saber: an-


tropo (homem); e logia (tratado ou estudo). Então, antropologia é
o estudo ou tratado acerca do ser humano ou, ainda, a ciência da
cultura humana. O antropólogo Kroeder a define como “a ciência
dos grupos humanos, seu comportamento e suas produções”.

1. Áreas de estudo da antropologia. A antropologia é dividida


em duas áreas, a física e a cultural, e abrange uma gama enorme de
estudos afins. A primeira, antropologia física, estuda os primatas,
a genética, a evolução, as medidas do corpo humano, suas estru-
turas, e as descrições das características físicas dos povos, as quais
decorrem de fatores diversos. Já a segunda, antropologia cultural,
estuda as culturas pré-históricas, a etnologia (palavra formada de
dois vocábulos gregos: etnos, de onde vem etnia – agrupamento
humano classificado quanto à origem comum de raça, cultura e lín-
gua; e logia, tratado ou estudo), a descrição dos povos, sua língua,
raça, religião., o folclore, a organização social, a cultura e a persona-
lidade, a aculturação (assimilação de costumes e culturas de outros
povos) e a aplicação da antropologia aos problemas humanos.
Assim, o antropólogo, estudando minuciosamente os mode-
los padrões de vida e do comportamento humano nas diversas
culturas, procura resposta para três principais questões, a saber:
1) Quais as funções dos vários aspectos duma cultura, ou
seja, da organização da família, a célula mater da sociedade, sis-
tema de abrigos (moradia), meios de locomoção (transportes),
leis, valores, língua, crenças religiosas, etc.
2) Que motivos levam um membro de uma sociedade a agir

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conforme age? Por qual razão não agem todos da mesma manei-
ra? Que normas, leis ou estatutos regem a conduta dos membros
de uma sociedade?
3) Que fatores determinam a conservação de alguns aspectos
culturais e a modificação ou a substituição de outros ao longo
dos tempos, ou dos séculos?
Então, você percebe que não é suficiente uma análise superfi-
cial dos tipos de vestuário dos membros de uma cultura ou do tipo
de alimento que consomem. Temos de analisar minuciosamente
a pessoa que usa esta ou aquela indumentária e a razão deste
uso. Em alguns países, as pessoas são distinguidas pelos trajes
que usam. No Brasil, qual a importância do terno e da gravata
na indumentária de um indivíduo? Torná-lo-á mais importante
diante da sociedade? Até o final da década de 50, um homem
não podia entrar nas repartições públicas sem terno e gravata.
Em nossas igrejas, o uso do chapéu era obrigatório para os ho-
mens, e para as mulheres exigia-se o uso de vestidos compridos,
abaixo dos joelhos, com mangas compridas e gola na altura do
pescoço, além das meias compridas e etc. Em lugares públicos,
como cinemas teatros e restaurantes, e em ocasiões solene, como
casamentos, festas cívico-religiosas e funerais o terno era traje
obrigatório. Hoje, todo mundo anda como quer e entra em quase
todos os lugares sem dar a menor importância ao modo como
se deve trajar. Outro aspecto diz respeito ao uso de adornos ou
jóias. Usar jóias distingue a classe social ou intelectual de uma
pessoa? Em nossa cultura, é claro que não. Que tipo de pessoa
usa chinelos na rua, bermudas e camisetas, ou macacão de brim,
cabelos compridos ou curtos, coloridos ou naturais? Em muitos
países, como na Índia, as pessoas são distinguidas pelos trajes
que usam. Eles revelam a que casta pertence o indivíduo que usa
certo tipo de vestimenta ou adorno.

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2. APRENDENDO O QUE É CULTURA

Para a maioria das pessoas, cultura significa o cabedal de


conhecimentos que alguém possui, ou seja, muito, pouco ou ne-
nhum estudo. Quando se diz que alguém possui muita cultura,
pensa-se logo que aquela pessoa tem alto grau de estudo ou co-
nhecimento. Mas, se for pessoa de pouca ou nenhuma instrução,
de origem humilde, linguajar rudimentar, ela é considerada sem
cultura. Os nossos indígenas, por serem silvícolas e terem um
padrão de vida simples, são considerados sem cultura. Puro en-
gano. Para um antropólogo, a definição de cultura é outra, tem
um significado bastante diferente da do indouto. Não há grupo
humano ou etnia sem cultura, pois ela é essencial à vida em so-
ciedade. Todos nascem dentro de uma sociedade e são encultu-
rados dentro da sua cultura.
A antropologia define cultura como o conjunto de comporta-
mentos e idéias característicos de um povo, transmitidos de uma
geração a outra, resultantes da socialização e aculturações acon-
tecidas em todo período da história desse povo. Assim, a cultura
é constituída dos hábitos, mitos, religiões, folclores, costumes,
língua, estruturas sociais e realizações. É mutável, sofre a influ-
ência de outras culturas, em decorrência de inúmeros e variados
fatores, não é hereditária, isto é, não é transmitida geneticamen-
te de pai para filho, mas, sim, adquirida. Cada geração recebe a
cultura da geração anterior, modifica-a e transmite-a à geração
posterior, por isso é dinâmica. É o meio ambiente no qual o ho-
mem vive. A cultura pode ser comparada a um grande tapete,
tecido com inúmeros fios de variadas cores e matizes, os quais
formam um todo compacto, apesar dos mosaicos nele existentes,

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etc. A influência de uma cultua sobre a outra pode ser positiva ou


negativa, dependendo de fatores diversos, como por exemplo,
religiosos ou políticos.
No Antigo Testamento temos um exemplo de influência
negativa envolvendo Israel, que se deixou influenciar pelas
culturas pagãs dos cananeus, moabitas, edomitas e outros.
Por isso, Israel fracassou na missão para a qual o Senhor o
havia escolhido: tornar o nome de Jeová conhecido por todos
os povos e nações como único Deus verdadeiro. Ao invés de
levar os pagos a adorar a Deus, Israel se desviou e se prostrou
diante dos baalins e os serviu (Jz 2.13; 3.7; 2Rs 17.16). Assim,
adquiriu os maus costumes e a práticas imorais e idolátricas
dos pagãos e sofreu as conseqüências do seu erro. O preço
foi muito alto: derrota diante dos assírios e caldeus, extinção,
morte e exílio (Jr 39).

PARA MEMORIZAR:
1) A antropologia define cultura como o conjunto de
comportamentos e idéias característicos de um povo,
transmitidos de uma geração a outra, resultantes da
socialização e aculturações acontecidas em todo o
período da história desse povo.
2) A cultura é mutável, sofre a influência de outras
culturas. Não é hereditária, pois não é transmitida
geneticamente de pai para filho, mas, sim, adquirida
das gerações anteriores, modificada e transmitida às
posteriores.

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3. CULTURA E SOCIEDADE

Os animais (quase todos) vivem em sociedade, mas não


possuem cultura. Eles são guiados pelos instintos e não preci-
sam aprender para sobreviver. Os peixes já nascem nadando, as
tartarugas, ao nascerem, dirigem-se para o mar, impulsionadas
pelo instinto. As abelhas constroem suas colméias e produzem
o mel, mas o seu modo de trabalhar não sofre alteração, não
evolui tecnicamente de uma geração para a outra. Os pássa-
ros não precisam aprender a construir seus ninhos, nem o leão
aprende a rugir ou a caçar para sua sobrevivência. Em tudo são
regidos pelos instintos. Não possuem noção de religiosidade,
não têm conceito de valores materiais ou morais, não vivem
por estatutos ou leis jurídicas, nem têm noção do que seja uma
cosmovisão. Com o ser humano é diferente. A religiosidade é
uma característica inerente ao ser humano. Ele busca sempre a
resposta para o que é real. Preocupa-se com o passado, presente
e o futuro. Está constantemente em busca do saber e do aperfei-
çoamento do seu conhecimento. O homem tem de aprender a
falar, a andar, a trabalhar, a construir suas habitações, etc. Estas
coisas não acontecem instintivamente, têm de ser aprendidas
com muita paciência e persistência. A este processo de aprendi-
zado, através da observação, imitação deliberada e assimilação
inconsciente do modo de vida dos membros de uma sociedade,
chamamos de enculturação.
O vocábulo cultura designa os modos de agir de um povo,
enquanto sociedade diz respeito ao grupo de indivíduos que
participam de um mesmo modo de vida e agir. Abrange as di-
ferenças lingüísticas, políticas, econômicas, sociais, psicológicas,

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religiosas, nacionais, raciais e outras entre os povos e, às vezes,


até, entre os naturais de um mesmo país, no qual podem existir
várias etnias, e grupos humanos, cada qual com uma cultura dis-
tinta, mas, às vezes, semelhantes. Os países da África e o Brasil
são bons exemplos disso. Então, você percebe que não há socie-
dade sem cultura. Nesta lição, consideraremos as definições que
dizem respeito às necessidades do futuro missionário.

PARA MEMORIZAR:
O vocábulo cultura designa os modos de agir de um
povo, enquanto sociedade diz respeito ao grupo de
indivíduos que participam de um mesmo modo de
vida e de agir.

Marque F para falso e V para verdadeiro:

( ) Chamamos de enculturação o processo de aprendizado, atra-


vés da observação, imitação deliberada e assimilação inconscien-
te do modo de vida dos membros de uma sociedade;
( ) Uma sociedade pode perfeitamente existir sem cultura;
( ) Tal como o homem, os animais também possuem cultura;
( ) Em um mesmo país podem existir várias etnias, cada qual
com uma cultura distinta, embora às vezes semelhantes.

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4. ALGUMAS DEFINIÇÕES DE CULTURA

Cultura é o sistema integrado de padrões de comportamento


aprendidos, idéias e produtos que caracterizam uma sociedade.
Começamos a aprender uma cultura quando observamos o com-
portamento das pessoas e procuramos identificar padrões de
comportamento: como se vestem, o que comem, o que pensam,
em que acreditam, quais as suas crenças e preferências, quais os
costumes, que idéias têm a respeito do seu mundo.
“Cultura é a maneira de pensar, sentir e crer de um povo.
É um plano, segundo o qual a sociedade de um grupo humano
armazenado para uso futuro” (Clyde Kluckhohn).
“Cultura é um modelo de vida”. É um plano segundo o qual
a sociedade se adapta ao seu meio ambiente físico, social e ideati-
vo. Um plano para lidar com meio ambiente físico inclui questões
como produção de alimentos e todo conhecimento e habilidades
tecnológicos. Sistemas políticos, vínculos por parentesco, organi-
zação familiar e leis são exemplos de adaptação social, um plano
segundo o qual o indivíduo deve interagir com o seu semelhante.
O homem lida com seu meio ambiente ideativo, mediante
conhecimento, arte, magia, ciência, filosofia e religião. “As cultu-
ras não passam de respostas diferentes para problemas humanos
essencialmente iguais”. (Louis Luzbetak – A Comunicação Trans-
cultural do Evangelho, volume 1, pg. 85, Edições Vida Nova, Da-
vid J. Hesselgrave).

Complete:

1) Cultura é o comportamento das pessoas de uma sociedade

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que lhes confere __________________________; isto é, um con-


junto de __________________de fazer as coisas, de fazer escolhas,
de instituições e crenças.

2) Cultura é o sistema integrado de ________________________


prendidos, idéias e produtos que caracterizam uma sociedade.

1. Algumas características da cultura. A cultura é adquirida.


Não é determinada por fatores biológicos ou genéticos, nem é
restrita segundo a raça, porém é transmitida de uma geração a
outra. Ou seja, cada geração recebe a cultura da geração ascen-
dente, modifica-a e transmite-a à geração seguinte.
A cultura é um sistema compartilhado e é preservada con-
cordemente por uma sociedade.
A cultura é um todo integrado, cujas partes agem de maneira
tal que influenciam umas às outras, contribuindo para o perfeito
funcionamento do todo.
A cultura sofre constantes mutações resultantes da evolução
do mundo, de novos conhecimentos da humanidade, das novas
informações, da massificação, da globalização e das influências
transculturais, da absorção de costumes, ideologias, valores e
crenças de outras culturas. Exemplo disso podemos observar
na aculturação do índio brasileiro. O Aurélio define o termo
aculturação como “o conjunto de fenômenos provenientes do
contato direto e contínuo de grupos de indivíduos de culturas
diferentes, e as mudanças decorrentes desse contato”. A adoção
dos costumes, valores e crenças do homem branco o tem tornado
um indivíduo biculturado, participante das culturas indígena e
civilizada. Quando alguém assimila várias culturas, torna-se um
indivíduo multiculturado.
Os missionários evangélicos têm sido acusados pelos antro-

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pólogos de destruírem a cultura do índio, com a introdução de


hábitos e costumes do homem branco. Assim, o missionário deve
cuidar para não descaracterizar a cultura do índio ou de qual-
quer povo que vai evangelizar. Ele deve contextualizar a men-
sagem do Evangelho dentro de cada cultura, sem corrompê-lo
com o sincretismo religioso dessa cultura. A cosmovisão de uma
cultura pode e deve ser modificada pelos valores universais do
Evangelho, sem destruir os seus valores culturais.
Não há pessoa não culturada. Todo ser humano nasce em
uma cultura e nela vive dentro dos seus costumes e princípios.
Jesus Cristo nasceu dentro da cultura judaica, foi criado segundo
seus postulados e nunca agiu de modo contrário a ela, quando
estes não interferiram em sua missão de salvar o homem. Ele
pensava, sentia, agia e se vestia como qualquer judeu contem-
porâneo seu, por isso a mulher samaritana o reconheceu como
judeu (Jo 4.9). Leia também Marcos 6.1-4.
À medida que o individuo cresce, vai sendo enculturado nos
costumes da sua cultura. Os vários aspectos da cultura, depen-
dendo das perspectivas que se tenha em mente, podem ser clas-
sificados em diversas categorias ou tipos. Louis Luzbetak define
três categorias da cultura:

1) Cultura Tecnológica: diz respeito à confecção de artefatos e a


atividades destinadas a manipular o mundo material;

2) Cultura Sociológica: Envolve os padrões de relacionamentos


e comportamento que regem a interação entre as pessoas e seus
respectivos grupos;

3) Cultura Ideológica: Envolve o conhecimento, os valores, as crenças


e a cosmovisão das pessoas. As duas últimas nos interessam mais.

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PARA MEMORIZAR:
O missionário deve cuidar para não descaracterizar
a cultura do povo em que vai evangelizar. Ele deve
contextualizar a mensagem do Evangelho dentro de
cada cultura, sem corrompê-lo com os sincretismos
religiosos dessa cultura.

Marque F para falso e V para verdadeiro:

( ) A cosmovisão de uma cultura não deve e nem pode ser


modificada pelo Evangelho.
( ) Todos nascem dentro de uma cultura. Jesus Cristo nasceu e
foi enculturado dentro da cultura judaica.
( ) O tarefa do missionário é modificar a cultura da etnia
que vai evangelizar, introduzindo os costumes, valores e
comportamentos da sua própria cultura..

2. Cultura civilizada e cultura primitiva. Ambas as expres-


sões não têm qualquer significado discriminatório, no sentido de
se considerar uma superior a outra. Elas designam os dois sen-
tidos principais de culturas e dizem respeito ao grau de desen-
volvimento de cada uma em relação à industrialização, ao seu
modo de vida: opulento ou simples. A diferença básica está no
fato de que o membro da cultura civilizada tem várias opções a
seu dispor: ele pode escolher aonde, como, e com quem vai viver,
o que vai vestir ou comer; se vai morar numa casa de madeira,
de alvenaria ou num apartamento, qual a profissão vai exercer,

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etc. Já o indivíduo de uma cultura primitiva não tem muito o


que escolher: ele nasce, cresce e morre sem mudar o seu estilo de
vida, igual ao de todos os demais membros da mesma socieda-
de: o mesmo tipo de habitação, de vestuários, de alimentos, de
diversões, de atividades primitivas, como a agricultura, a caça e
a pesca, etc. As diferenças religiosas quase não existem e os mais
jovens aprendem e aceitam pacificamente o comportamento dos
mais idosos. Tais culturas possuem modelos de vida pouco mu-
táveis: uma geração sucede a outra e tudo continua o mesmo,
ou quase. Constatamos isso entre os indígenas e habitantes de
regiões primitivas no interior do Brasil. Em alguns países da Ásia
e da África ocorre o mesmo em algumas etnias. As culturas pri-
mitivas (porque não possuem escrita) não são inferiores às civi-
lizadas. Apenas elas não têm as mesmas alternativas destas. Não
têm como desenvolver a industrialização, nem contam com as
invenções, nem com os meios de atualizar sua tecnologia para
melhorar seu padrão de vida. Trabalham com artesanatos rudi-
mentares, na área têxtil, na cerâmica, etc.

3. As camadas da cultura. Em virtude das várias culturas


existentes, muitas vezes em um mesmo país, torna-se necessá-
rio que o missionário, comunicador da mensagem do Evan-
gelho, atente para a necessidade de situar sua comunicação
de acordo com a antropologia cultural, com a psicologia social
e com a lingüística geral da cultura em que vai evangelizar.
Ele deve estar bem informado sobre o que as pessoas pensam,
como pensam e formulam suas idéias, como se comportam e
como fazem suas escolhas, em quê crêem e que visão têm da
realidade, a sua cosmovisão.
A cultura envolve pelo menos quatro camadas que o missio-
nário deve conhecer bem:

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1) COMPORTAMENTO: diz respeito àquilo que o povo faz;


2) VALORES: diz respeito às preferências do povo, suas es-
colhas, suas leis e instituições;
3) CRENÇAS: diz respeito às questões das crenças culturais do
povo, as quais respondem a pergunta: O QUE É VERDADEIRO?
4) COSMOVISÃO: é a camada central da cultura que res-
ponde a mais básica das perguntas do homem: O QUE É REAL?
Nela encontram-se as pressuposições básicas que o povo tem so-
bre a natureza da realidade e sobre o certo e o errado. O Evange-
lho, o supracultural divino, objetiva transformar primeiramente
a cosmovisão de uma cultura, a fim de que ela se reflita no com-
portamento do povo.
Obs.: Cosmovisão é a maneira como as pessoas percebem o
mundo, isto é, como elas pensam conhecer ou entender o mun-
do. É a ótica como elas vêem ou percebem a realidade. A cos-
movisão de uma cultura responde a mais básica das perguntas:
o que é real? Alguns missionários, ao se encontrarem em situa-
ções transculturais, ignoram a cosmovisão da cultura receptora
e, diante do fracasso, são levados ao desânimo, pois não obtêm a
mudança genuína do comportamento, dos valores e das crenças
que se esperavam ser produzidas através da evangelização.

4. A importância do supracultural nas culturas. Quando o


Criador ordenou a nossos pais no Éden que crescessem, se mul-
tiplicassem, povoassem a Terra e a governassem (Gn 1.28-30), e
mais tarde determinou a Noé e seus descendentes que estabe-
lecessem a lei, a ordem e a justiça na Terra (Gn 9.5-6), Ele esta-
va lançando as bases da cultura; porém, esta, em si, é produção
humana. Todavia, a cultura é o campo onde intervêm as forças
divinas e satânicas continuamente. Ela é o objeto da ação do su-
pracultural divino e do supracultural demoníaco. Trata-se de

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uma guerra contínua entre as potestades das trevas e os anjos


de Deus, na qual o missionário, como ministro enviado de Deus
às culturas que estão dominadas por Satanás, tem de tomar par-
te, revestido com a armadura de Deus (Ef 6.10-17), portando as
armas da luz e da justiça, as quais não são carnais, pois somos a
milícia de Deus (Rm 13.12, 2Co 6.7, 10.4).
A importância da intervenção do supracultural nas culturas
e no governo do mundo não pode ser ignorada pelo missionário.
O Senhor Jesus disse que o Diabo é “o príncipe deste mundo”
e João declarou que “o mundo todo jaz do maligno” (Jo 12.31;
14.31; 16.11; 1Jo 5.19). O apóstolo Paulo também reconhecia que
Satanás é uma realidade espiritual, e não um mito, que influen-
ciava (como influencia) as culturas pagãs, cegando os homens e
os levando a adorá-lo (1Co 10.20; 2Co 4.4; 6.16). Inúmeras vezes
se referiu aos poderes cósmicos demoníacos (1Co 15.24; Ef 1.21;
2.2; 3.10; Cl 1.16; 2.10,15).
Muitos povos vivem no atraso tecnológico e não prospe-
ram por causa da sua cosmovisão deformada pelo supracultu-
ral demoníaco. A cosmovisão monista do hinduísmo, com seus
33 milhões de deuses, e do budismo, tem levado seus seguido-
res ao fatalismo e impedido o progresso da Índia, assim como
acontece em outros países da Ásia. O mesmo acontece com a
maioria dos países africanos (e com alguns de outras regiões,
seguidores da cosmovisão tribal, com sua hierarquia de deuses,
espíritos e demônios), os quais estão presos à escravidão do
animismo, do sincretismo e da feitiçaria, etc. Por sua vez, a cos-
movisão materialista tem levado o homem a negar a existência
de Deus. Satanás, através de seus agentes humanos e demoní-
acos, tem governado inúmeros países e regiões do planeta. O
comunismo e o nazismo são exemplos hodiernos da ação do
supracultural demoníaco intervindo no governo humano. Cabe

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a nós, com a virtude do Espírito Santo, a responsabilidade de


combater as hostes infernais do grande usurpador e levar aos
povos a cosmovisão cristã.

PARA MEMORIZAR:
Cosmovisão é o cerne, o centro da cultura de um
povo. É o aspecto mais importante de uma cultura,
o qual o Evangelho se propõe a transformar, a fim de
que a camada mais exterior dessa cultura, que é o
comportamento, possa ser modificada.

Complete a lacuna:

1. A cultura é o ____________________________________onde
intervêm as forças divinas e satânicas continuamente. Ela é o
objeto da ação do ______________________ e do _____________
________.

2. O comportamento é a _________________ de uma cultura, pois


nela observamos _______________. Começamos a aprender uma
cultura, quando observamos _________________________ das
pessoas e procuramos ______________________ os padrões de
comportamento delas.

5. Tipos de comportamento. Como foi dito, o comportamento


é a camada exterior de uma cultura, pois nela observamos os

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padrões de comportamento aprendidos e os costumes do seu


povo. Começamos a aprender uma cultura quando observamos
os costumes das pessoas e procuramos identificar os padrões de
comportamento delas. Exemplo: No Brasil, é de boa educação
o cumprimento com o aperto de mãos. Na Índia, não. Ao se
encontrarem, as pessoas juntam as mãos e as elevam até a testa e
inclinam levemente a cabeça. E. A. Nida, em seu livro Costumes
e Culturas, narra o estranho costume entre os sirianos, indígenas
da América do Sul: os homens cospem no peito um do outro,
quando se cumprimentam.
O significado dos gestos em cada cultura é outro aspecto a
ser levado em conta pelo comunicador transcultural do Evange-
lho. Por exemplo, alguns gestos considerados inocentes no Bra-
sil, em outros países são considerados obscenos; em contraparti-
da, gestos inocentes em outros países, como nos Estados Unidos,
são tidos como atentatórios à moral no Brasil. O mesmo acontece
com as palavras, cujos significados mudam de país para país, às
vezes de uma mesma língua, como no caso do Brasil e de Por-
tugal. Lá, trem é chamado de comboio, e as meias de homem
são chamadas de peúgas; o bonde é chamado de elétrico, sem
mencionar algumas palavras que para nós são consideradas de
baixo calão e para eles são de uso comum no dia-a-dia, e não
constituem ofensa aos bons costumes.

6. Idéias. A cultura é constituída também de idéias que as


pessoas têm do seu mundo. Num certo sentido, a cultura é um
“mapa mental” que o povo faz do seu mundo, o qual serve de
guia para as decisões e seus comportamentos.

7. Produtos. Os pensamentos e as ações humanas


freqüentemente dão lugar à produção de artefatos e ferramenta,

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de acordo com as necessidades básicas e econômicas do povo.


Em tempos de guerra, a indústria de um povo tende a produzir,
em maior escala, produtos bélicos.
O homem civilizado constrói prédios de alvenaria, estradas,
meios de transporte terrestre, marítimos e aéreos, tudo dentro
dos padrões da moderna tecnologia; o indígena não se preocupa
com estes artefatos. Vive em contato com a natureza, sem
maiores pretensões, senão a de produzir o suficiente para sua
sobrevivência e a de seus familiares. Seus meios de transporte
são rudimentares e de pequena autonomia, suas habitações e os
seus artefatos são primitivos.

5. CONHECENDO ALGUMAS COSMOVISÕES

O professor Redfield, considerando estudos feitos na


Universidade de Yale, observou que se pode encontrar mais de
80 elementos comuns às cosmovisões de todas as culturas, tais
como a natureza humana, a idéia do “eu”, a família, o conceito de
diferença entre homem e “não homem”, a natureza, o nascimento
e morte, a noção de espaço e de tempo, etc. A partir daí, ele concluiu
que é possível que todas as cosmovisões estejam relacionadas
com os elementos de um triângulo, a saber: o homem, a natureza
e o sobrenatural. Assim, é importante considerar a visão que
uma cultura tem do tempo (passado, presente e futuro), dentro
da perspectiva de um triângulo no sentido temporal.

1. A cosmovisão materialista. Nega a existência do

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supracultural. Tudo se restringe à matéria. Para os adeptos dessa


cosmovisão, matéria e espaço simplesmente aconteceram como
obra do acaso. A cosmovisão materialista pode se apresentar com
várias aparências, tais como: ateísmo, humanismo, secularismo,
comunismo, cientificismo, etc.
No cume do triângulo não há supracultural, tudo é matéria.
Na base, à esquerda, temos o homem; à direita, a natureza. Esta
é considerada como fonte que supre o homem de uma habitação,
e pode ser hospitaleira ou hostil, como um inimigo, no dizer
de Freud: “A natureza se ergue contra nós majestosa, cruel e
inexorável...”. O homem, segundo a perspectiva materialista,
parece ser uma porção de átomos dispostos ao acaso, situado
dentro de um Universo imenso. Abaixo do triângulo, na sua base,
traçamos a linha do fator tempo: passado, presente e futuro. A
história olha para o passado de bilhões de anos, retornando a
um princípio que sequer chega a ser um início. O presente, com
suas aspirações não realizadas no passado, olha para o futuro
que se desdobra à sua frente numa extensão de tempo sem fim.
Desse modo, os anseios do presente não realizados são sempre
renovados numa expectativa constante de um futuro incerto e sem
fim. De modo geral, esta cosmovisão tem transmitido ao homem
um sentimento de fracasso, de pessimismo, de desesperança e de
uma existência sem sentido e sem Deus.
Como evangelizar um materialista? É preciso que o missionário
esteja bem preparado no campo da filosofia e da apologética, além
de conhecer profundamente a Bíblia e a Teologia. Porém, é preciso
que não vá além da sua capacidade e do seu conhecimento,
valendo-se de argumentos infundados, inseguros e ilógicos, para
não levar ao descrédito a sua própria pessoa e o Evangelho.

2. A cosmovisão tribal. Bastante abrangente, pois envolve o

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politeísmo, animismo, primitivismo, totemismo, fetichismo, culto


aos ancestrais e à natureza, esta comovisão é adotada por povos
de quase todo o mundo, tanto nas culturas primitivas como nas
civilizadas, entre os quais o Japão e a China com a prática do culto
aos ancestrais e à natureza. O apóstolo Paulo confrontou-se com
esta cosmovisão nos lugares por onde andou em suas viagens
missionárias (At 14.6-19; 17). Os egípcios antigos, babilônicos
e assírios já a esposavam, adorando o Sol, a Luz, as estrelas, os
animais, rios e árvores (Rm 1.18-28), razão pela qual o Senhor, pelos
seus profetas, advertia Israel para que não se contaminasse com
as idolatrias, as feitiçarias e as imoralidades observadas nos cultos
aos deuses pagãos desses povos, além de proibir a consulta aos
astros (astrologia) e aos mortos (necromancia). Leia Êxodo 20.3-5;
Deuteronômio 18.9-14; Isaías 44.6-19; Jeremias 10.1-5; Oséias 13.1-4.
A cosmovisão tribal é adotada por cerca de 40% da população
mundial, em todos os continentes da Terra; é característica da
religião popular e pode ser resumida assim: (a) O sobrenatural
abrange as divindades cósmicas e os seres espirituais de toda
espécie, sejam bons ou maus, os quais podem ser controlados
através dos rituais, oferendas e encantamentos; (b) A natureza,
habitação dos seres espirituais, é viva e possui poder intrínseco.
É o habitat físico do homem, e também o seu meio ambiente
espiritual e moral. O homem precisa estar em harmonia com ela,
pois faz parte de sua existência e ela, da sua, constituindo um
sistema unitário; (c) O homem encontra-se irremediavelmente
atado a esse sistema. Assim, todos somos parte integrante da
natureza, não estamos acima dela. Estamos ou estaremos sempre
ligados irremediavelmente ao sobrenatural e não separado dele.
Daí, a necessidade de haver um sacerdócio por parte dos que
ficarem vivos, a fim de suprir continuamente nossas necessidades
no além, no mundo dos espíritos. Isto lembra as missas, as

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esmolas, os batismo e as orações pelos mortos; (d) o tempo é


cíclico em relação às estações do ano, mas linear no sentido de
ir do presente ao passado, voltando na direção dos primórdios
da tribo, das suas lendas, histórias e mitos, tendo em vista um
futuro distinto; desse modo, a cosmovisão tribal concentra-se
mais no passado do que no futuro, ou seja, o tribal avança para o
futuro, que pode ser breve ou longo, andando de “marcha à ré”,
olhando para o passado, lembrando seus ancestrais aos quais irá
reunir-se no futuro, ao morrer. O presente é visto mais em seu
aspecto quantitativo do que quantitativo.

3. A cosmovisão monista. Adotada em parte pelos antigos


egípcios e atualmente no hinduísmo e budismo, esta cosmovisão
pode ser resumida assim; o Brâman, o Absoluto indescritível, é a
única realidade cognoscível; tudo o mais é ilusão (maia).
a) O sobrenatural permeia todas as coisas e constitui o
realmente REAL. Ele está acima de considerações como pessoal
ou impessoal: é o Absoluto indescritível. As multidões de deuses,
deuses inferiores e espíritos que habitam o Universo são reais,
são expressões do Absoluto indescritível, do qual emanam todas
as coisas e para ele retornam, fechando um círculo repetitivo de
nascimento, morte e reencarnações.
b) A natureza não é uma criação independente do Absoluto,
mas, sim, uma emanação dele. Em certo sentido, a natureza é
ilusória (maia) e não merece maior atenção; em outro, ela é o
ambiente que proporciona a iluminação dos místicos.
c) A pessoa humana não tem existência individual em
nenhum sentido definitivo, pois ela também emana do Absoluto
(Brâman), retornando para ele ao morrer. Se a pessoa é
considerada como não possuindo alma, isso se explica pelo fato
de não existir nenhum “EU” que possua alma. O alvo supremo

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da pessoa é a união com o Brâman, o Absoluto indescritível, seja


ele considerado como Brâman ou Nirvana.
d) O tempo é cíclico e é composto de eões de anos, ou seja, uma
série aparentemente interminável de reencarnações (existências)
ou transmigrações, durante as quais as pessoas que buscam a
iluminação são libertas do carma negativo, da sansara (ciclo de
reencarnações) que as oprimem e, gradualmente, evoluem para o
alto de retorno ao Absoluto, ou Brâman, a única realidade existente,
do qual tudo e todos emanaram e para o qual voltarão.
Como se pode perceber, esta cosmovisão é fatalista. Por isso,
o hindu aceita pacificamente a situação na qual nasceu e vive, e
nada faz para mudar esse quadro que ele crê ser o seu carma, o
seu destino fatal.

4. A cosmovisão chinesa. De acordo com esta cosmovisão,


o homem e a natureza são inseparáveis e um depende do outro.
Dentro e fora do contexto funcional do Universo, relacionado
ao destino do homem, há uma ordem eterna: Tao (literalmente
“caminho”, “estrada”, “trilha”). Num sentido mais amplo,
significa lei, doutrina, ordem, verdade. Homem e natureza
são uma unidade só. Ambos têm origem comum, segue cursos
semelhantes e subordinam-se à mesma lei. O Tao é o caminho
percorrido pelo Universo: tudo e todos evoluem dele. Os
princípios duais do Yn e Yang, é o meio pelo qual se manifesta o
Tao. Os cinco elementos primários (fogo, água, terra, madeira e
metal) desenvolvem-se das ações alternadas de Yn e Yang. Apesar
de antagônicos, esses dois princípios são igualmente essenciais à
existência do Universo.
Alguns acreditam que o sistema Yn e Yang tem origem
no Livro das Mutações, inteiramente desenvolvido em torno
do símbolo chinês conhecido como Pa-kua, cuja origem é

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LIÇÃO 08: ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

desconhecida, mas que, provavelmente, tenha sido inspirada


nos quatro pontos cardeais (direções da bússola) ou nas
quatro estações do ano. Os chineses dão grande importância à
organização do calendário e às quatro estações do ano. Para eles,
os fenômenos da natureza acontecem de acordo com uma Ordem
Eterna, à qual tudo e todos estão sujeitos: o Tao. Assim, tudo na
natureza é Yn e Yang, as duas forças opostas que coordenam a
ordem dualística do Universo. Os elementos positivos, como
o céu, a luz, o calor, a masculinidade (virilidade), a força e a
vida estão associadas ao Yang, enquanto os elementos opostos
(negativos), como a terra, as trevas, o frio, a feminilidade, a
fraqueza e a morte associam-se ao Yn. No aspecto moral, Yang
identifica-se com a virtude, e Yn com a imoralidade. Essa teoria é
estendida ao mundo espiritual invisível. A atmosfera é habitada
por espíritos bons (shen) e maus (kwei). Desta teoria originou-
se o desenvolvimento de uma “ciência” emergida da idéia de
Yn – Yang, conhecida como feng-shui (vento e água). Visto que
shen e kwei controlavam toda a natureza, nada se devia fazer
que pudesse perturbar essas forças invisíveis. Assim surgiu um
sistema complexo de geomancia (adivinhação por meio das
figuras formadas pelo pó da terra lançado sobre uma mesa) e
de necromancia (adivinhação pela invocação dos mortos), no
sentido de se evitar tudo o que pudesse perturbar o feng-shui,
como cavar um poço ou uma sepultura, construir uma estrada,
fazer um casamento ou realizar um funeral sem antes consultá-
lo para saber se tudo seria aprovado. Terrível, não?
Os chineses interessam-se mais pela estrutura do mundo
do que na sua criação. A cosmologia chinesa tem sua essência
no mito primitivo do P’na-ku, que trata da criação do mundo.
Segundo esse mito, antes que o céu e a terra existissem, o caos
parecia um ovo. Ao cabo de 18 mil anos, o ovo se abriu e nasceu

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o corpo de P’na-ku, tão grande quanto a distância entre a terra


(originada dos elementos Yn) e o céu (formado dos elementos
Yang). Outras versões dizem que após a morte de P’an-ku,
seu corpo se transformou em elementos do mundo. As quatro
montanhas cardeais se formaram da sua cabeça; o Sol e Lua,
dos seus olhos; as plantas, dos seus cabelos; os rios e os mares,
da sua carne. Confuso, não? Mas é preciso o missionário estar
informado sobre esses mitos para poder encontrar um meio de
contextualizar a mensagem do Evangelho em tal cosmovisão.

5. A cosmovisão monoteísta. Esta cosmovisão basicamente é


adotada por muçulmanos, judeus e cristãos, reconhece um Deus
supremo, criador do homem e da natureza, porém independente
dela. De acordo com esta cosmovisão, a comunhão do homem com
Deus é possível, sendo o homem servo e adorador do Criador.
Para os judeus, Jeová é único Deus, o único Senhor (Dt
6.4). Para os muçulmanos, Alá é único, um só, o Eterno; o
Senhor da Criação, o Compassivo, o Misericordioso, o Rei
do Juízo Final. Alá é o soberano absoluto, criador de todas as
coisas, que decretou a existência do bem e do mal, e Maomé
é o seu único profeta, o Alcorão, o seu livro sagrado. Maomé
condenou a idolatria do cristianismo paganizado e fundou o
islamismo, religião que rivaliza com o cristianismo em termos
de crescimento quantitativo.
Para os cristãos, Deus é Trino: Pai, Filho e Espírito Santo.
Embora as três pessoas da Trindade Santa sejam distintas entre
si, são realmente um só Deus: o Pai é Deus, o Filho é Deus, o
Espírito Santo é Deus. São três Pessoas em um só Deus. Os judeus
têm dificuldade em aceitar esta doutrina, pois não compreendem
e não aceitam as Escrituras relacionadas ao Filho (Jesus Cristo e
ao Espírito Santo).

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6. O MISSIONÁRIO
E AS DIFERENÇAS CULTURAIS

O conhecimento das diferenças transculturais entre os povos


da Terra, é de grande importância para quem se dispõe a trabalhar
no campo missionário. No seu estudo sobre as diversas culturas,
os antropólogos observam as profundas diferenças existentes
entre elas, as quais se evidenciam na maneira como os povos
agem, falam, comem e vestem, bem como nos seus conceitos de
valores e crenças e nas pressuposições fundamentais que fazem
sobre o seu mundo. Podemos citar algumas diferenças entre os
costumes observados em diversas culturas.
Em alguns países os homens se beijam na face e, às vezes,
na boca, ao se cumprimentarem, pois este comportamento
faz parte da etiqueta social destes povos. No Brasil, como
não é cultural, tal manifestação pode até ser encarada como
homossexualismo, exceto quando se trata de pais e filhos ou de
parentes muito próximos. Entre os judeus do tempo de Cristo
e os crentes da igreja primitiva, este costume não tinha nada
de imoral (Lc 22.47, 48; 1Co 16.20). O missionário deve estar
psicologicamente preparado para qualquer diferença cultural
e não se escandalizar, inclusive se vier a ser beijado por um
homem, caso esteja em um país que mantém este costume,
como na Rússia, na França ou em países árabes. O missionário
deve conhecer e respeitar os costumes do povo da cultura
alvo, pois, caso contrário, sua missão poderá falhar. Os gestos
podem ter significados diferentes em cada cultura. Podem ser
considerados obscenos ou ofensivos em um país e em outro não.
No livro “Costumes e Culturas”, E. A. Nida conta que certa vez

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cometeu um grave erro, em certo lugar da África, ao apontar


com o dedo as coisas cujos nomes ele desejava saber. Para os
nativos, o gesto era considerado grosseiro e contrário aos seus
costumes; ofensivo, portanto. O certo teria sido ele apontar as
coisas usando o lábio inferior. Em alguns países asiáticos, sentar-
se de pernas cruzadas, mostrando a sola do sapato, torna-se
um gesto ofensivo. Entre os muçulmanos do Oriente Próximo,
as mulheres se vestem com trajes longos que cobrem todo o
corpo, além do véu que são obrigadas a usar em público. Em
algumas culturas africanas, as mulheres decentes não cobrem
os seios, pois cobri-los, usando alguma vestimenta, é próprio
de prostitutas. Sabe-se que alguns missionários americanos
e latinos já incorreram em graves ofensas às mulheres dessas
culturas, por desconhecerem os costumes da cultura alvo.

PARA MEMORIZAR:
O missionário deve conhecer e respeitar os
costumes do povo da cultura alvo, se quiser evitar
o risco de sua missão falhar. Os gestos do povo
podem ter significados diferentes em cada cultura.
Podem ser considerados obscenos ou ofensivos em
um país e não em outro.

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7. O MISSIONÁRIO E O CHOQUE CULTURAL

Pelo desconhecimento da língua, das instituições, dos


costumes, dos valores, das crenças e da cosmovisão do povo da
cultura alvo, o choque cultural tem sido a causa principal do
desânimo de muitos missionários no campo. Ao perceberem as
diferenças comportamentais do povo de uma cultura diferente,
são tomados de um sentimento de desorientação, desilusão e até
de depressão, o que acaba por levá-los a desejarem abandonar
a missão e retornar para casa. Esta reação é normal, visto que
todos os seus conceitos e comportamentos, além da diferença
natural da língua, entram em choque com a cultura do povo
local. Todavia, à medida que o missionário vai aprendendo a
língua, o comportamento, os costumes do povo e aceitando
o tipo de alimentação no novo país, vai se adaptando à nova
cultura. Desaparecem os sintomas de depressão e ele não se
sente mais como um “peixe fora d’água”. Então ele por ir de
uma parte a outra sem acanhamento e tudo se torna mais fácil.
A comunicação e as transações comerciais com o povo alvo
tornam-se possíveis, bem como a conquista de novos amigos.
Nesse estágio, o missionário torna-se biculturado, pois começa
a se sentir bem, como se estivesse em seu próprio país, em sua
casa. Então, percebe-se que o choque cultural é uma barreira que
só desaparece quando o missionário absorve a cultura do povo
alvo, isto é, quando começa a pensar, a falar e a se comportar
como se fosse daquela cultura.

1. Alguns sintomas do choque cultural. De acordo com Larry


D. Pate (Missiologia, a missão transcultural da igreja. Editora Vida,

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Edição de 1994, p. 115), eis alguns sintomas de choque cultural:


(1) Sensação de desorientação e incômodo, ansiedade nervosa,
especialmente por não conhecer a língua do povo; (2) Desejo de
ficar só, isolado de qualquer grupo ou reunião do povo local; (3)
Despreza pela cultura local, por não conhecer os seus valores e
motivos nos quais se fundamenta o padrão comportamental do
povo local; (4) Perda da visão espiritual, diminuição da fé e perda da
esperança em cumprir seus objetivos missionários; (5) Incerteza da
chamada missionária e (6) Sensação de fracasso e auto-desprezo.

NÃO SE ESQUEÇA:
O choque cultura desaparece quando o missionário
absorve a cultura do povo ao qual evangeliza, isto é,
quando começa a se sentir como se estivesse em sua
própria casa.

Marque com um X a alternativa correta:

( ) O missionário deve conhecer e respeitar os costumes do povo


da cultura alvo, para que sua missão não corra o risco de falhar;
( ) O choque cultural só desaparece quando o missionário impõe
seus costumes e cultura a povo alvo;
( ) O conhecimento das diferenças transculturais não tem a menor
importância para os que almejam trabalhar em missões, visto que
o seu objetivo é a evangelização do mundo.

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8. A IMPORTÂNCIA DA ETNOGRAFIA

Etnografia é a ciência que estuda e descreve, em geral por


escrito, a cultura de um grupo humano específico.
A etnografia objetiva aprender o ponto de vista do nativo, na
sua relação com a vida, suas crenças, a fim de compreender sua
cosmovisão. É de vital importância no planejamento e preparo de
estratégias, a fim de se conquistar a amizade e a confiança do povo
da cultura alvo e contextualizar a mensagem evangelística.
Os antropólogos, buscando obter uma compreensão mais
detalhada acerca dos membros de um determinado grupo
humano, valem-se de um método chamado de Abordagem
Etnográfica, por meio do qual procuram fazer amizade com
um membro do grupo humano a ser estudado, a fim de obter
informações precisas acerca dos seus costumes, valores,
instituições e crenças. O missionário, ao entrar em contato com
uma cultura, deve fazer amizade com um nativo dessa cultura
e conquistar sua confiança, tornando-se um aprendiz de tudo
acerca da sua cultura: a língua, o modo de vida, a cosmovisão,
os conceitos de valores, as instituições, o significado dos gestos,
palavras e costumes dos membros.
À medida que se aprofundar nas suas observações e no
conhecimento da vida do povo, sua visão sobre tal cultura se
tornará gradualmente clara, possibilitando-lhe a construção de “um
mapa cultural”, baseado em suas observações cuidadosamente
anotadas em cadernos ou blocos separados para essa finalidade.
Este “mapa cultural” revelará os critérios conforme os quais
aquele povo organiza sua vida, e possibilitará ao missionário

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atingir efetivamente o coração desse povo com a mensagem do


Evangelho e modificar a cosmovisão dessa cultura.
É importante a observação sistemática do grupo humano ao
qual se vai evangelizar, para se saber como os membros desse
grupo falam, sentam, pensam e agem. Como você evangelizará
um indiano, um árabe ou um pigmeu africano se primeiro não
aprender a sua língua ou dialeto, seus costumes, suas leis, sua
cosmovisão, etc?

9. GRUPOS HUMANOS

O que é um grupo humano? O que o caracteriza? Segundo


os antropólogos, é um grupo considerável de indivíduos com
afinidades comuns, que compartilham a mesma língua, religião,
etnia, habitação, profissão, classe, casta e condições de vida, ou
uma combinação de todos esses fatores. Os exemplos estão diante
de nós a todo momento, em todos os lugares. Só na Índia, há
cerca de 3 mil grupos étnicos e castas principais, os quais podem
ser separados em diversos milhares de outros grupos humanos
distintos. Os grupos humanos se formam com base naquilo que
possuem em comum e também se identificam por características
étnicas ou tribais comuns. São comunidades, no sentido mais
intrínseco da palavra, as quais compartilham de uma vida
em comum. Ex.: Os indígenas de modo geral, os esquimós,
os aborígenes da Austrália, os indígenas africanos, como os
pigmeus, etc. Os grupos humanos também se identificam por

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características étnicas ou tribais comuns, embora, em geral, sejam


subdivisões de tais categorias mais amplas. Além disso, podem
estar unidos por fatores como profissão, moradia ou/e classe
social. Exemplos de grupos humanos: homossexuais, prostitutas,
crianças de rua, mendigos, toxicômanos, profissionais liberais,
tais como médicos, professores, advogados, empresários, pobres,
ricos, moradores de conjuntos residenciais de classe alta, média,
pobre, ou de comunidades carentes, guetos e favelas.

10. O ETNOCENTRISMO

É a nossa tendência natural de julgar o comportamento das


pessoas de outras culturas pelos padrões de comportamento e
conceitos de valores da nossa cultura. O que fazemos está sempre
certo; o que os outros fazem é que está sempre errado. Julgamo-
nos sempre superiores às pessoas de outras culturas e acreditamos
que a nossa cultura é o padrão da verdade. Aprendemos que
devemos fazer e pensar desta e daquela maneira, qualquer
pessoa que pense ou aja diferente de nós está erra. Entretanto,
as pessoas de outras culturas pensam o mesmo a nosso respeito.
Isto é etnocentrismo.
O etnocentrismo se baseia em nossos sentimentos e conceitos
de valores acerca da cultura dos outros, já os mal-entendidos
transculturais decorrem do nosso desconhecimento da cultura
do povo ao qual evangelizamos. Alguns missionários americanos
na Índia, ao entrarem em um restaurante, viram que as pessoas

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levavam alimento à boca com as mãos. Então perguntaram a um


indiano porque elas não usavam talheres, e se não consideram esta
prática anti-higiênica. O indiano respondeu: “Não consideramos
falta de higiene comer com as mãos, pois as lavamos muito
bem antes de comermos. Para nós, os talheres é que são anti-
higiênicos, pois inúmeras pessoas os levam à boca. Cremos que
possam transmitir doenças infecto-contagiosas”. Entretanto, os
indianos adoram o rato, um dos maiores agentes transmissores
de enfermidades infecto-contagiosas. Assim, o etnocentrismo
não passa de uma questão de pontos de vista diferentes.

PARA MEMORIZAR:
O etnocentrismo é a nossa tendência natural de
julgar o comportamento das pessoas de outras
culturas pelos padrões de comportamento e
conceitos de valores da nossa cultura. O que
fazemos está sempre certo; o que os outros
fazem é que está sempre errado. Julgamo-nos
sempre superiores às pessoas de outras culturas
e acreditamos que a nossa cultura é o padrão da
verdade.

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11. CONTEXTUALIZAÇÃO

Contextualização é a adaptação da mensagem do Evangelho


comunicada pelo missionário à cultura receptora, dentro do
contexto da cosmovisão dessa cultura. Veja a pregação de Paulo
aos areopagitas (At 17.22-31).
A contextualização das verdades universais do Evangelho
em uma cultura inclui a definição, seleção, adaptação, aplicação
dessas verdades universais, pois tem estreita ligação com as
necessidades das pessoas na sociedade (veja Atos 2.41-47), bem
como na sua relação com Deus. A contextualização abrange todas
as áreas das estruturas sociais (particularmente o socorro aos
necessitados e a justiça social), jurídicas, econômicas, políticas
e ideológicas da sociedade. No aspecto espiritual, ela se ocupa
da realizada do supracultural demoníaco, ou seja, os poderes
das trevas, os principados e as potestades nos lugares celestiais,
contra os quais só se pode obter a vitória com o revestimento
da armadura de Deus (Ef 6.10-17). Ela deve começar na vida
do próprio missionário, por meio da adoração e da profunda
comunhão com Deus, do bom testemunho pessoal, da prática do
serviço e da justiça social, do sacrifício próprio, da renúncia aos
interesses pessoas e a submissão plena ao senhorio de Cristo. Como
discípulo, ele terá de se identificar com a cultura correspondente,
tal como o mestre se identificou com a humanidade, a ponto de
se submeter à morte de cruz (Fp 2.7-8).

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12. O MISSIONÁRIO E A
CONTEXTUALIZAÇÃO DO EVANGELHO
DENTRO DAS COSMOVISÕES

Você aprendeu que a contextualização da mensagem evangelísti-


ca dentro da cultura alvo deve começar pela vida do missionário. As-
sim como o próprio Senhor Jesus se identificou com a humanidade
perdida, a fim de comunicar o Evangelho (Mc 1.14-17), o missionário
deve fazer; porém isto demanda tempo, paciência, perseverança, hu-
mildade, santidade e sabedoria, pois “o que ganha almas sábio é”
(Pv 11.30). O testemunho pessoal da vida ilibada e santa tem de ser
uma constante no seu dia-a-dia. Caso contrário, jamais conquistará a
confiança e atenção do nativo. A credibilidade é característica indis-
pensável a quem se propõe a trabalhar na obra missionária. Nossos
atos falam mais alto do que as nossas palavras.
Como dissemos, dentro do tópico relativo às cosmovisões, den-
tro de uma cultura materialista, filosófica e ateísta, o missionário
deve conhecer bastante a filosofia, a maneira de pensar e crer do
povo e, mais ainda, as Escrituras Sagradas (2Tm 2.15), para não
ficar envergonhado e desacreditado diante do ouvinte a ser evan-
gelizado. O mesmo deve acontecer quando a cosmovisão da cultu-
ra receptora é tribal, panteísta. É indispensável que o missionário
conheça acerca dos mitos, lendas e divindades criadas e adoradas
pelos nativos, a fim de que possa encontrar um ponto comum en-
tre as verdades universais do Evangelho e as crenças do povo, que
sirvam de ponte para a contextualização da mensagem evangelís-
tica, como fez o apóstolo Paulo, pregando aos habitantes de Listra
e Derbe. Ali, tal como em Icônio apóstolo evidenciou o ministé-

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LIÇÃO 08: ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

rio de conjunções de poderes, operando sinais e maravilhas de


tal modo, que os nativos confundiram Paulo e Barnabé com seus
deuses pagãos, Júpiter e Mercúrio (At 14.3-18). Em Atenas, no are-
ópago, Paulo contextualizava a mensagem evangelística dentro da
cosmovisão dos filósofos, citando versos dos poetas gregos Arato e
Creantes e fazendo alusão ao pensamento de conhecidos filósofos
da Grécia antiga (At 17.22-31). Este é um dos melhores exemplos
de contextualização do Evangelho, encontrado nas Escrituras.
Dentro da cosmovisão chinesa, a contextualização deve ser
feita levando-se em conta:
a) O sobrenatural. Constituído por uma gama enorme de divinda-
des, de espíritos e de demônios, dos quais, tocante aos personagens,
a mais importante é Shang-Ti, porém distante e dificilmente cultuada
pelo chinês comum. Os de maior importância são o Ti’en (vontade do
céu) e o Tao, o princípio que envolve todas as coisas;
b) A natureza. Resulta da ação do Tao, mediante os princípios
de Yn e Yang, é a esfera onde o Tao age continuamente por meio
da harmonização desses princípios antagônicos, fornecendo tanto o
ambiente quanto a característica de uma existência de harmonia;
c) As pessoas. São consideradas boas por natureza e podem
permanecer assim por meio do contato com o Tao (considerado
como o Espírito Supremo e como a lei interior que rege o Uni-
verso) e também pela instrução. Elas devem pautar sua conduta
e seu relacionamento mútuo dentro da sociedade, conforme sua
posição dentro mesma, em perfeita harmonia coma natureza. De
acordo com esta cosmovisão, o espírito humano sobrevive ao
corpo. Por isso, a devoção dos filhos aos pais transcende à morte,
e este amor filial revela-se no culto aos espíritos dos ancestrais;
d) O tempo. Os chineses contemplam o passado (uma visão
retrospectiva) da era de ouro da China. Ao morrer, eles crêem,
seus espíritos reunir-se-ão aos antepassados. Esta é razão pela

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qual a história do passado é de suma importância para os chine-


ses. Contundo, as oportunidades do presente devem ser aprovei-
tadas, visando o progresso e os feitos futuros.
Na China, a sabedoria é a virtude mais elevada e desejada. Um
provérbio chinês diz que o homem ideal é “sábio por dentro e rei
por fora”. Na área de religião e da ética, os ocidentais muito têm
a aprender da sabedoria milenar da China. Deste modo, ao evan-
gelizar um chinês, de acordo com David J. Hesselgrave, o missio-
nário deve deixar claro os seguintes pontos: (1) ele representa o
seu Cristo, não a usa cultura; (2) ele realmente conhece Cristo e a
Bíblia; (3) ele domina bem os assuntos de religião. Alguns concei-
tos cristãos, como Deus, céu, lei, dever, justiça, sacrifícios, alma es-
píritos podem servir de ponte para se contextualizar a mensagem
evangelística dentro da cosmovisão chinesa.
Para o chinês, o Tao (o caminho) é o ideal a ser alcançado. En-
tão, a declaração de Cristo, em João 14.6, “Eu sou o caminho...”,
pode ser usada como ponto inicial da mensagem missionária, pois
poderia ser traduzida como: “Eu sou o Tao...”. Que chinês se re-
cusaria a ouvir acerca do Tao? Mas é preciso prudência, pois a
contextualização envolve definição dos conceitos cristãos, seleção
da mensagem bíblica a ser comunicada dentro do contexto históri-
co chinês, adaptação da mensagem evangelística e a conseqüente
aplicação das verdades universais do Evangelho, a fim de que o
comunicado não entre por meandros dos quais não saiba escapar.
Logicamente, as considerações expostas não têm importância para
os que não têm uma chamada missionária para a China, porém,
no tocante à contextualização do Evangelho, em qualquer cultura,
os passos a serem seguidos são os mesmos. Cabe ao missionário
estudar profundamente a cosmovisão da sua cultura alvo, a fim
de apresentar a pessoa do Senhor Jesus Cristo e as verdades uni-
versais do Evangelho dentro das necessidades e das realidades de

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LIÇÃO 08: ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

cada povo. Em outras palavras, a maneira como o Evangelho deve


ser pregado aos hindus, com certeza não é igual ao modo como
deve ser pregado aos chineses, aos muçulmanos, aos judeus ou
às etnias africanas. Dizia o sadu Sundar Sing, missionário cristão
indiano: “Se você oferecer a Água da Vida (Jesus Cristo) a um in-
diano, ofereça-lhe em um copo indiano”. O mesmo se pode dizer
em relação a qualquer povo, seja árabe, judeu, africano ou ame-
ricano. Seja qual for o povo alvo, Cristo deve ser apresentado de
acordo com as necessidades desse povo, como o único capaz de
solucionar o problema da salvação do homem. Aliás, a palavra
“salvação” não tem para os indianos, de modo geral, o mesmo
significado soteriológico conforme tem para nós. Para eles, salva-
ção significa a libertação da sansara, ou seja, o fim das sucessivas
reencarnações, e o fruir da MOKSHA (a união com Brahman), um
estado semelhante ao nirvana do budismo.
A cosmovisão cristã deve se sobrepor à cosmovisão da cul-
tura alvo, a fim de que as demais camadas dessa cultura sejam
modificadas à luz das Escrituras, mormente a do comportamen-
to, de modo que se cumpra o que diz o salmista: “Feliz é a nação
cujo Deus é o Senhor (Sl 33.12).

PARA MEMORIZAR:
O missionário deve encontrar um ponto comum
entre as verdades universais do Evangelho e as
crenças do povo, que sirvam de ponte para a
contextualização da mensagem evangelística a ser
preparada.

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GLOSSÁRIO

Animismo: Crença que atribui alma a todo ser vivente (animais


e plantas) e a toda a natureza morta (rios, montanhas, pedras,
etc), por exemplo: espírito das águas, das árvores, das pedras,
dos montes ou colinas. Animismo vem da palavra latina anima,
que significa “alma”.

Cosmogonia: Teoria da fundação do mundo. Ex.: a cosmogonia


dos antigos egípcios, assírios, chineses, hindus e outros, inclusive
de diversos povos ameríndios, como os astecas, incas e maias.
Obs.: a cosmogonia bíblica se baseia no criacionismo, o qual ensina
que Deus é o criador do Universo e de tudo o que nele há, porém,
distinto do mesmo, não sendo um princípio ou ser do qual emanam
todas as coisas, e para o qual retornarão, inclusive o homem, como
acreditam os povos de cosmovisão monísticas, como os hindus.

Cosmosofia: Estudo místico do Universo. Ex.: a astrologia, prática


condenada por Deus que estuda a suposta influência dos astros
no destino dos homens, faz parte da cosmosofia. A cosmosofia já
era praticada pelos caldeus, assírios, egípcios, persas e outros. Os
signos do zodíaco, muito difundido pelos modernos astrólogos
nos meios de comunicação, já eram conhecidos por esses e outros
povos da antiguidade.

Misticismo: Estado espiritual de união com o sobrenatural, que


pode ser com o divino (Deus) ou com supostas divindades (quase
sempre demônios). O misticismo é a doutrina que afirma ser
possível tal união, por meio de profunda meditação e adoração à

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divindade, ao sobrenatural e aos poderes cósmicos divinizados.

Místico: Referente ou próprio do misticismo. Aquele que pratica


o misticismo.

Mito: Narrativa de significação simbólica e que encerra uma ver-


dade cuja memória se perdeu no tempo. Coisa ou pessoa fictícia,
imaginária, irreal; fábula. A mitologia é o estudo da ciência dos
mitos. Dizemos também que a mitologia é o conjunto de mitos.

Monismo: [de mon(o) + ismo]. Doutrina filosófica segundo a


qual o conjunto das coisas pode ser reduzido à unidade, quer do
ponto de vista da sua substância (e o monismo poderá ser um
materialismo ou um espiritualismo), quer do ponto de vista das
leis (lógicas ou físicas) pelas quais o Universo se ordena (e o mo-
nismo será lógico ou físico). O monismo tem como fundador o
filósofo grego Parmênides, e como seu maior apologeta seu dis-
cípulo Zenão. O monismo é a base de hinduísmo, que ensina que
todas as coisas e todos os seres emanam de Brâman (a única rea-
lidade, o ser indescritível) e para ele retornam. Tudo é Brâman, e
Brâman é tudo. É a doutrina da unicidade.

Teodicéia: Parte filosófica que trata de Deus, de sua existência e


de seus atributos. Em Teologia Sistemática, estudamos este as-
sunto no capítulo da Doutrina de Deus.

Teogonia: Conjunto de divindades cujo culto constitui o siste-


ma religioso dos povos politeístas; genealogia dos deuses. Ex.: a
teogonia dos povos de cosmovisões tribal e monística é compos-
ta de inúmeros deuses, deusas, avatares, divindades cósmicas,
animais divinizados e também dos espíritos da natureza viva e

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morta, como os espíritos de árvores, rios e pedras sagrados.


Sansara: Para os hindus e budistas, a roda vida das sucessivas
reencarnações, da qual procuram escapar através da ioga trans-
cendental, ou de longas meditações místicas, acompanhadas de
mantras ou não, em busca de iluminação, único caminho para se
atingir o nirvana, ou o Absoluto indescritível (Brâman).

BIBLIOGRAFIA

BURNS, Barbara, Costumes e Culturas - Uma Introdução a Antro-


pologia Missionária. 3ª Edição, São Paulo, Editora Vida, 1995,

HESSELGRAVE, David J., A Comunicação Transcultural do


Evangelho (3 volumes), São Paulo, Vida Nova, 1996;

PATE, Larry D., Missiologia, São Paulo, Editora Vida, 1997.

ROBB, John D., Focalizando Povos Não Alcançados - Uma Nova


Visão Para Complementar A Tarefa Inacabada, São Paulo, SEPAL.

WINTER, Ralph D. e HAWTHORNE, Steven C., Missões


Transculturais, 3ª Edição, São Paulo, Mundo Cristão, 1996.

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QUESTIONÁRIO DE REVISÃO

Responda somente as perguntas em que estiver certo da resposta.


Não se preocupe com aquelas que você deixou de responder. Estude
novamente os assuntos referentes às questões não respondidas e tente
novamente, até que consiga acertar todo o Questionário de Revisão.

Complete as lacunas:

1.Cultura é o comportamento das pessoas de uma sociedade


que lhes confere ____________________________; isto é, um
conjunto de ________________________ de fazer as coisas, de
fazer escolhas, de instituições e crenças;

2. Cultura é o sistema integrado de __________________________


aprendidos, idéias e produtos que caracterizam uma sociedade.

3. A cultura é o ________________________________ onde


intervêm as forças divinas e satânicas continuamente. Ela é o
objeto da ação do __________________ e do __________________
_____________.

4. O comportamento é a __________________________ de uma


cultura, pois nela observamos ____________________________.
Começamos a aprender uma cultura quando observamos ______
_______________________ das pessoas e procuramos _________
___________________ os padrões de comportamento delas.

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Marque V para verdadeiro e F para falso

( ) A cosmovisão de uma cultura não deve e nem pode ser


modificada pelo Evangelho;
( ) Todos nascem dentro de uma cultura. Jesus Cristo nasceu e
cresceu dentro da cultura judaica;
( ) A tarefa do missionário é modificar a cultura da etnia
a ser evangelizada, introduzindo os costumes, valores e
comportamentos da sua própria cultura;
( ) A cultura é transmitida geneticamente de uma geração para
outra;
( ) Chamamos de enculturação o processo de aprendizado pela
observação, imitação deliberada e assimilação inconsciente do
modo de vida dos membros de uma sociedade;
( ) Uma sociedade pode perfeitamente existir sem cultura;
( ) Em um mesmo país podem existir várias etnias, cada qual
com uma cultura distinta, embora às vezes semelhantes;
( ) Toda cultura tem pelo menos quatro camadas, que são:
comportamento, valores, crenças e cosmovisão;
( ) O Evangelho se propõe a mudar apenas o comportamento
do povo alvo, o resto não importa;
( ) Contextualização é a adaptação da mensagem do Evangelho
comunicada pelo missionário à cultura receptora, dentro do
contexto da cosmovisão dessa cultura.

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ANOTAÇÕES

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ANOTAÇÕES

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