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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.757.938 - DF (2018/0057485-6)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA


RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE
ADVOGADOS : ROBINSON NEVES FILHO - DF008067
MANOELA SALES FLORES ALVES MAGALHÃES - DF020733
LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - DF049646
RECORRIDO : ROSIMARY DA CONCEICAO GARCIA
ADVOGADO : ISAAC NAFTALLI OLIVEIRA E SILVA - DF027750
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PÓS-CIRURGIA
BARIÁTRICA. DOBRAS DE PELE. CIRURGIAS PLÁSTICAS. NECESSIDADE.
CARÁTER FUNCIONAL E REPARADOR. EVENTOS COBERTOS. FINALIDADE
EXCLUSIVAMENTE ESTÉTICA. AFASTAMENTO. RESTABELECIMENTO
INTEGRAL DA SAÚDE. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. VALOR
INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. As questões controvertidas na presente via recursal são: a) se a operadora de
plano de saúde está obrigada a custear cirurgias plásticas pós-bariátrica
(gastroplastia), consistentes na retirada de excesso de pele em algumas regiões
do corpo humano (mamas, braços, coxas e abdômen), b) se ocorreu dano moral
indenizável e c) se o valor arbitrado a título de compensação por danos morais foi
exagerado.
3. A obesidade mórbida é doença crônica de cobertura obrigatória nos planos de
saúde (art. 10, caput, da Lei nº 9.656/1998). Em regra, as operadoras autorizam
tratamentos multidisciplinares ambulatoriais ou indicações cirúrgicas, a exemplo
da cirurgia bariátrica (Resolução CFM nº 1.766/2005 e Resolução CFM nº
1.942/2010). Por outro lado, a gastroplastia implica consequências anatômicas e
morfológicas, como o acúmulo de grande quantidade de pele flácida residual,
formando avental no abdômen e em outras regiões do corpo humano.
4. Estão excluídos da cobertura dos planos de saúde os tratamentos com
finalidade puramente estética (art. 10, II, da Lei nº 9.656/1998), quer dizer, de
preocupação exclusiva do paciente com o seu embelezamento físico, a exemplo
daqueles que não visam à restauração parcial ou total da função de órgão ou
parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou
anomalia congênita (art. 20, § 1º, II, da RN/ANS nº 428/2017).
5. Há situações em que a cirurgia plástica não se limita a rejuvenescer ou a
aperfeiçoar a beleza corporal, mas se destina primordialmente a reparar ou a
reconstruir parte do organismo humano ou, ainda, prevenir males de saúde.
6. Não basta a operadora do plano de assistência médica se limitar ao custeio da
cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida, mas as resultantes dobras
de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também devem receber atenção
terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde, a exemplo
da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações pelo
atrito, odores e hérnias, não qualificando, na hipótese, a retirada do excesso de
tecido epitelial procedimento unicamente estético, ressaindo sobremaneira o seu
caráter funcional e reparador. Precedentes.
7. Apesar de a ANS ter apenas incluído a dermolipectomia no Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde para o tratamento dos males pós-cirurgia
bariátrica, devem ser custeados todos os procedimentos cirúrgicos de natureza
reparadora, para assim ocorrer a integralidade de ações na recuperação do
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paciente, em obediência ao art. 35-F da Lei nº 9.656/1998.
8. Havendo indicação médica para cirurgia plástica de caráter reparador ou
funcional em paciente pós-cirurgia bariátrica, não cabe à operadora negar a
cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado, ou que não
teria previsão contratual, visto que tal terapêutica é fundamental à recuperação
integral da saúde do usuário outrora acometido de obesidade mórbida, inclusive
com a diminuição de outras complicações e comorbidades, não se configurando
simples procedimento estético ou rejuvenescedor.
9. Em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura
médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do
usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo,
portanto, mero dissabor, ínsito às situações correntes de inadimplemento
contratual.
10. Existem casos em que existe dúvida jurídica razoável na interpretação de
cláusula contratual, não podendo ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de
direitos imateriais, a conduta de operadora que optar pela restrição de cobertura
sem ofender, em contrapartida, os deveres anexos do contrato, tal qual a boa-fé,
o que afasta a pretensão de compensação por danos morais.
11. Na hipótese, além de inexistir dúvida jurídica razoável na interpretação do
contrato, a autora experimentou prejuízos com o adiamento das cirurgias plásticas
reparadoras diante da negativa da operadora do plano de assistência médica,
sobretudo porque agravou o estado de sua saúde mental, já debilitada pela baixa
autoestima gerada pelas alterações anatômicas e morfológicas do corpo humano
consequentes da cirurgia bariátrica, sendo de rigor o reconhecimento dos danos
morais. Razoabilidade do valor fixado pelas instâncias ordinárias (R$ 10.000,00 -
dez mil reais), que não se encontra exagerado nem ínfimo. Atendimento da
razoabilidade e dos parâmetros jurisprudenciais. Incidência da Súmula nº 7/STJ.
12. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma , por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente),
Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 05 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA


Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.757.938 - DF (2018/0057485-6)
RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE
ADVOGADOS : ROBINSON NEVES FILHO - DF008067
MANOELA SALES FLORES ALVES MAGALHÃES - DF020733
LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - DF049646
RECORRIDO : ROSIMARY DA CONCEICAO GARCIA
ADVOGADO : ISAAC NAFTALLI OLIVEIRA E SILVA - DF027750

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):


Trata-se de recurso especial interposto por SUL AMÉRICA COMPANHIA DE
SEGURO SAÚDE, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal,
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Noticiam os autos que ROSIMARY DA CONCEIÇÃO GARCIA ajuizou ação
ordinária em desfavor da recorrente objetivando o custeio de procedimentos cirúrgicos
pós-cirurgia bariátrica (gastroplastia), tidos como reparadores, consistentes na retirada de
excesso de pele nas mamas, braços, coxas e abdômen, visto que as dobras estariam gerando
outras comorbidades, além da compensação pelos danos morais sofridos.
Assinalou que a operadora de plano de saúde
"(...) autorizou apenas alguns procedimentos - dermolipectomia
para correção de abdômen e diástase do reto-abdominal -, não apresentando
justificativa para a negativa dos demais procedimentos solicitados - correção de
lipodistrofia braquial, crural ou tracanderiana de membros superiores e inferiores,
código 30101670 (x4); extensos ferimentos, cicatrizes ou tumores, exérese e
rotação de retalhos miocutâneos, código 30101565 (x4), QD E88.1" (fl. 142).

O magistrado de primeiro grau, entendendo que as cirurgias plásticas prescritas


pelo médico assistente não possuíam finalidade puramente estética, mas, ao contrário, eram de
caráter funcional, de modo que estariam cobertas pelo plano de saúde, julgou parcialmente
procedentes os pedidos formulados na inicial para

"(...) determinar que a ré autorize e custeie a realização dos


procedimentos denominados 'Plástica em Z ou W' e 'Extensos ferimentos,
cicatrizes ou tumores - exerese e rotação de retalhos miocutâneos', na forma
pedida pelos médicos assistentes; e CONDENAR a ré a pagar à autora a quantia
de R$ 10.000,00 a título de indenização por danos morais, com acréscimo de
correção monetária pelos índices oficiais e juros legais de 1% ao mês desde esta
data" (fl. 147).

Irresignada, a demandada interpôs apelação na Corte de Justiça local, a qual não


foi provida.
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
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"PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA INJUSTIFICADA PARA
REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO POSTERIOR À CIRUGIA BARIÁTRICA.
INDICAÇÃO MÉDICA. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTOS REPARATÓRIOS.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL INDICADO PELA ANS. ROL
EXEMPLIFICATIVO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. É ilegítima a recusa da operadora do plano de saúde em cobrir as despesas
para o tratamento de obesidade mórbida, o que inclui os procedimentos pós
operatórios. Comprovado que a cirurgia para retirada de excesso de pele,
acumulada após a realização da cirurgia bariátrica, possui caráter reparador e
não finalidade meramente estética, impõe-se à seguradora de saúde a cobertura
do procedimento, a fim de garantir a continuidade e conclusão do tratamento.
2. Considera-se que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência
Nacional de Saúde Suplementar - ANS é meramente exemplificativo e não
taxativo, portanto, não esgota os procedimentos que devem ser cobertos pelas
operadoras dos planos de saúde. Desta feita, o fato de o tratamento prescrito
não estar no rol de coberturas obrigatórias da ANS não exime o plano de saúde
da responsabilidade de custeá-lo.
3. A recusa injustificada de cobertura para o tratamento expressamente indicado
à apelada, causou-lhe abalos que superam o mero aborrecimento, atingindo
âmbito de sua esfera de direitos da personalidade, o que rende ensejo a
configuração de danos morais passível de indenização pecuniária configurando o
dano moral, por expressiva violação ao princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana.
4. Não há que se falar em alteração do quantum fixado à título de indenização por
danos morais se foram observados os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, bem como o seu caráter compensatório e igualmente
dissuasório. Considerou-se, também, para tanto, a natureza da ofensa, a
gravidade do ilícito e as peculiaridades do caso, conferindo à vítima, valor
suficiente para lhe restaurar o bem estar, desestimular o ofensor, sem constituir,
de outro norte, enriquecimento sem causa.
4. Recurso conhecido e desprovido. Honorários majorados para 12% do valor da
condenação, nos termos do § 11, do art. 85, do CPC" (fls. 183/184).

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl. 214).


No especial, a recorrente aponta violação dos arts. 186, 757, 760 e 927 do
Código Civil (CC) e 10, II, da Lei nº 9.656/1998.
Aduz, em síntese, que a negativa de cobertura para a realização das cirurgias
plásticas ocorreu "(...) por não estarem os procedimentos previstos no Rol da ANS, bem como
não haver caráter funcional nas cirurgias pretendidas, ou seja, os procedimentos têm conotação
exclusivamente estéticos" (fl. 228).
Acrescenta que não pode ser obrigada a custear procedimentos que são objeto
de exclusão contratual expressa, como as "(...) cirurgias plásticas e tratamentos clínicos ou
cirúrgicos com finalidade estética ou social, mesmo que justificados por uma causa médica" (fl.
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229).
Por fim, busca o afastamento dos danos morais, porquanto não cometeu nenhum
ilícito contratual, ou, pelo menos, a redução do valor arbitrado, visto que exorbitante.
Após o decurso do prazo para a apresentação de contrarrazões (fl. 241), o
recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 242/246), o que ensejou a interposição de agravo
a esta Corte Superior, o qual foi provido para determinar a reautuação do feito (fls. 273/274).
É o relatório.

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EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PÓS-CIRURGIA


BARIÁTRICA. DOBRAS DE PELE. CIRURGIAS PLÁSTICAS. NECESSIDADE.
CARÁTER FUNCIONAL E REPARADOR. EVENTOS COBERTOS. FINALIDADE
EXCLUSIVAMENTE ESTÉTICA. AFASTAMENTO. RESTABELECIMENTO
INTEGRAL DA SAÚDE. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. VALOR
INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. As questões controvertidas na presente via recursal são: a) se a operadora de
plano de saúde está obrigada a custear cirurgias plásticas pós-bariátrica
(gastroplastia), consistentes na retirada de excesso de pele em algumas regiões
do corpo humano (mamas, braços, coxas e abdômen), b) se ocorreu dano moral
indenizável e c) se o valor arbitrado a título de compensação por danos morais foi
exagerado.
3. A obesidade mórbida é doença crônica de cobertura obrigatória nos planos de
saúde (art. 10, caput, da Lei nº 9.656/1998). Em regra, as operadoras autorizam
tratamentos multidisciplinares ambulatoriais ou indicações cirúrgicas, a exemplo
da cirurgia bariátrica (Resolução CFM nº 1.766/2005 e Resolução CFM nº
1.942/2010). Por outro lado, a gastroplastia implica consequências anatômicas e
morfológicas, como o acúmulo de grande quantidade de pele flácida residual,
formando avental no abdômen e em outras regiões do corpo humano.
4. Estão excluídos da cobertura dos planos de saúde os tratamentos com
finalidade puramente estética (art. 10, II, da Lei nº 9.656/1998), quer dizer, de
preocupação exclusiva do paciente com o seu embelezamento físico, a exemplo
daqueles que não visam à restauração parcial ou total da função de órgão ou
parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou
anomalia congênita (art. 20, § 1º, II, da RN/ANS nº 428/2017).
5. Há situações em que a cirurgia plástica não se limita a rejuvenescer ou a
aperfeiçoar a beleza corporal, mas se destina primordialmente a reparar ou a
reconstruir parte do organismo humano ou, ainda, prevenir males de saúde.
6. Não basta a operadora do plano de assistência médica se limitar ao custeio da
cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida, mas as resultantes dobras
de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também devem receber atenção
terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde, a exemplo
da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações pelo
atrito, odores e hérnias, não qualificando, na hipótese, a retirada do excesso de
tecido epitelial procedimento unicamente estético, ressaindo sobremaneira o seu
caráter funcional e reparador. Precedentes.
7. Apesar de a ANS ter apenas incluído a dermolipectomia no Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde para o tratamento dos males pós-cirurgia
bariátrica, devem ser custeados todos os procedimentos cirúrgicos de natureza
reparadora, para assim ocorrer a integralidade de ações na recuperação do
paciente, em obediência ao art. 35-F da Lei nº 9.656/1998.
8. Havendo indicação médica para cirurgia plástica de caráter reparador ou
funcional em paciente pós-cirurgia bariátrica, não cabe à operadora negar a
cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado, ou que não
teria previsão contratual, visto que tal terapêutica é fundamental à recuperação
integral da saúde do usuário outrora acometido de obesidade mórbida, inclusive
com a diminuição de outras complicações e comorbidades, não se configurando
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simples procedimento estético ou rejuvenescedor.
9. Em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura
médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do
usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo,
portanto, mero dissabor, ínsito às situações correntes de inadimplemento
contratual.
10. Existem casos em que existe dúvida jurídica razoável na interpretação de
cláusula contratual, não podendo ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de
direitos imateriais, a conduta de operadora que optar pela restrição de cobertura
sem ofender, em contrapartida, os deveres anexos do contrato, tal qual a boa-fé,
o que afasta a pretensão de compensação por danos morais.
11. Na hipótese, além de inexistir dúvida jurídica razoável na interpretação do
contrato, a autora experimentou prejuízos com o adiamento das cirurgias plásticas
reparadoras diante da negativa da operadora do plano de assistência médica,
sobretudo porque agravou o estado de sua saúde mental, já debilitada pela baixa
autoestima gerada pelas alterações anatômicas e morfológicas do corpo humano
consequentes da cirurgia bariátrica, sendo de rigor o reconhecimento dos danos
morais. Razoabilidade do valor fixado pelas instâncias ordinárias (R$ 10.000,00 -
dez mil reais), que não se encontra exagerado nem ínfimo. Atendimento da
razoabilidade e dos parâmetros jurisprudenciais. Incidência da Súmula nº 7/STJ.
12. Recurso especial não provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):


O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
As questões controvertidas nestes autos são: a) se a operadora de plano de
saúde está obrigada a custear cirurgias plásticas pós-bariátrica (gastroplastia), consistentes na
retirada de excesso de pele em algumas regiões do corpo humano (mamas, braços, coxas e
abdômen), b) se ocorreu dano moral indenizável e c) se o valor arbitrado a título de
compensação por danos morais foi exagerado.

1. Dos planos de saúde e da cobertura de cirurgias plásticas


pós-bariátrica

De início, impende asseverar que o tratamento da obesidade mórbida é de


cobertura obrigatória nos planos de saúde (art. 10 da Lei nº 9.656/1998). Efetivamente, tal
condição é considerada doença crônica não transmissível, relacionada na Classificação
Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS), de etiologia e
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patogênese multifatoriais, sendo fator de risco para o desenvolvimento de comorbidades
(Diabetes Mellitus tipo 2, apneia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, osteoartrites, males
cardiovasculares, depressão, entre outros), induzindo a mortalidade.
Em regra, os planos de assistência à saúde cobrem tratamentos multidisciplinares
ambulatoriais de obesidade bem como os casos cirúrgicos, a exemplo da cirurgia bariátrica.
Ademais, como todo procedimento cirúrgico,
"(...) a gastroplastia implica em consequências
anatomo-morfológicas (a modificação do corpo em sua aparência e também em
aspectos funcionais, como movimentação, locomoção, etc.) possíveis e/ou
prováveis, em decorrência da importante redução de peso do paciente.
A consequência mais recorrente é, sem dúvidas, o acúmulo de
grande quantidade de pele flácida residual, com a formação de avental no
abdômen (pele por cima da região anatômica do umbigo) e em outras regiões
como pernas, braços, mamas e pescoço."
(DITTRICH, Vinícius. Aspectos relevantes sobre a cobertura assistencial de
dermolipectomia, abdominoplastia e outras cirurgias reparadoras pelas
operadoras de planos de saúde, cuja necessidade decorre de perda de peso por
gastroplastia. In: Revista Jus Navigandi. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/59365/aspectos-relevantes-sobre-a-cobertura-assisten
cial-de-dermolipectomia-abdominoplastia-e-outras-cirurgias-reparadoras-pelas-op
eradoras-de-planos-de-saude-cuja-necessidade-decorre-de-perda-de-peso-por-g
astroplastia>. Acesso em: dez. 2018)

Desse modo, resta saber se as operadoras também devem custear as cirurgias


plásticas pós-bariátrica, a exemplo da retirada de excesso de pele em algumas partes do
organismo, tendo em vista a norma do art. 10, II, da Lei nº 9.656/1998, que exclui da cobertura
dos planos de saúde os procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos.
Eis a redação do mencionado dispositivo legal:

"Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura


assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e
tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria,
centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar,
das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde,
respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
(...)
II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses
e próteses para o mesmo fim;
(...)
§ 1º As exceções constantes dos incisos deste artigo serão objeto de
regulamentação pela ANS." (grifou-se)

Depreende-se do aludido dispositivo legal que somente estão excluídos de

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cobertura os tratamentos com finalidade puramente estética, ou seja, de preocupação exclusiva
do paciente com o seu embelezamento físico.
Com efeito, consoante o art. 20, § 1º, II, da Resolução Normativa nº 428/2017 da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), são permitidas as exclusões assistenciais de
procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, considerados "aqueles que não visam
restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por
enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita".
Isso porque, como cediço, há situações em que a cirurgia plástica não se limita a
rejuvenescer ou aperfeiçoar a beleza corporal, mas se destina primordialmente a reparar ou a
reconstruir parte do corpo humano ou, ainda, a prevenir males de saúde.
Nesse contexto, este Tribunal Superior possui jurisprudência no sentido de que a
operadora de plano de saúde deve arcar com os tratamentos destinados à cura da doença,
incluídas as suas consequências.
Assim, não basta a operadora do plano de assistência médica se limitar ao
custeio da cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida, mas as resultantes
dobras de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também devem receber
atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde, a
exemplo da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações
pelo atrito, odor fétido e hérnias, não qualificando, na hipótese, a retirada do excesso
de tecido epitelial procedimento unicamente estético, ressaindo sobremaneira o seu
caráter funcional e reparador.
Nesse sentido:

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ORDINÁRIA - PLANO DE SAÚDE - PRELIMINAR


- INFRINGÊNCIA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - NÃO
VERIFICAÇÃO, NA ESPÉCIE - MÉRITO - CIRURGIA DE REMOÇÃO DE TECIDO
EPITELIAL APÓS A SUBMISSÃO DA PACIENTE-SEGURADA À CIRURGIA
BARIÁTRICA - PROCEDIMENTO NECESSÁRIO E COMPLEMENTAR AO
TRATAMENTO DA OBESIDADE, ESTE INCONTROVERSAMENTE ABRANGIDO
PELO PLANO DE SAÚDE CONTRATADO, INCLUSIVE, POR DETERMINAÇÃO
LEGAL - ALEGAÇÃO DE FINALIDADE ESTÉTICA DE TAL PROCEDIMENTO -
AFASTAMENTO - NECESSIDADE - COBERTURA AO TRATAMENTO INTEGRAL
DA OBESIDADE - PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE CONTRATUAL -
NECESSIDADE - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
(...)
II - Encontrando-se o tratamento da obesidade mórbida coberto pelo plano de
saúde entabulado entre as partes, a seguradora deve arcar com todos os
tratamentos destinados à cura de tal patologia, o principal - cirurgia
bariátrica (ou outra que se fizer pertinente) - e os subseqüentes ou
conseqüentes - cirurgias destinas à retirada de excesso de tecido epitelial,

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que, nos termos assentados, na hipótese dos autos, não possuem natureza
estética;
III - As cirurgias de remoção de excesso de pele (retirada do avental
abdominal, mamoplastia redutora e a dermolipoctomia braçal) consiste no
tratamento indicado contra infecções e manifestações propensas a ocorrer
nas regiões onde a pele dobra sobre si mesma, o que afasta,
inequivocamente, a tese sufragada pela parte ora recorrente no sentido de
que tais cirurgias possuem finalidade estética;
IV - Considera-se, assim, ilegítima a recusa de cobertura das cirurgias
destinadas à remoção de tecido epitelial, quando estas se revelarem
necessárias ao pleno restabelecimento do paciente-segurado, acometido de
obesidade mórbida, doença expressamente acobertado pelo plano de saúde
contratado, sob pena de frustrar a finalidade precípua de tais contrato.
V - Recurso Especial improvido." (REsp nº 1.136.475/RS, Rel. Ministro MASSAMI
UYEDA, Terceira Turma, DJe 16/3/2010 - grifou-se)

"RECURSOS ESPECIAIS - AÇÃO INDENIZATÓRIA - PRETENSÃO DE


CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS EM
VIRTUDE DA NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PLÁSTICA
REPARADORA DE MAMOPLASTIA, COM A COLOCAÇÃO DE PRÓTESES DE
SILICONE, NÃO AUTORIZADA PELO PLANO DE SAÚDE, SOB A ALEGAÇÃO DE
TRATAR-SE DE PROCEDIMENTO MERAMENTE ESTÉTICO - BENEFICIÁRIA
PORTADORA DE OBESIDADE MÓRBIDA - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE
JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO VEICULADO NA
DEMANDA, A FIM DE DETERMINAR O REEMBOLSO DAS DESPESAS
EFETUADAS NOS LIMITES DO CONTRATO ENTABULADO ENTRE A USUÁRIA
E A OPERADORA DO PLANO.
INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
Hipótese: Possibilidade de determinação jurisdicional de ressarcimento, nos
limites do contrato, da quantia despendida com a realização de cirurgia plástica
reparadora de mamoplastia, com a colocação de próteses de silicone, diante da
recusa do plano de saúde em autorizar o referido procedimento, sob a alegação
de ser meramente estético, mesmo tendo este sido expressamente indicado por
médicos especialistas, após cirurgia bariátrica (redução de estômago), por ser a
paciente portadora de obesidade mórbida.
(...)
1.1 A existência de cobertura contratual para a doença apresentada pelo usuário
conduz, necessariamente, ao custeio do tratamento proposto pelos médicos
especialistas, revelando-se abusiva qualquer cláusula limitativa do meio adequado
ao restabelecimento da saúde e do bem-estar do consumidor. Precedentes.
1.2 Havendo expressa indicação médica, alusiva à necessidade da cirurgia
reparadora, decorrente do quadro de obesidade mórbida da consumidora,
não pode prevalecer a negativa de custeio da intervenção cirúrgica indicada
- mamoplastia, inclusive com a colocação de próteses de silicone -, sob a
alegação de estar abarcada por previsão contratual excludente ('de
cobertura de tratamentos clínicos ou cirúrgicos, e próteses, meramente para
fins estéticos'); pois, na hipótese, o referido procedimento deixa de ser
meramente estético para constituir-se como terapêutico e indispensável.
Precedentes.
1.3 Nesse contexto, o instrumento pactuado em questão não exclui a cobertura
da doença, muito menos o tratamento, motivo pelo qual a recusa em autorizar a
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realização da cirurgia, com o consequente reembolso das despesas,
consubstancia-se em nítido descumprimento contratual.
(...)
3. Recursos especiais DESPROVIDOS, mantendo-se na íntegra o acórdão
recorrido." (REsp nº 1.442.236/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma,
DJe 28/11/2016 - grifou-se)

A propósito, a ANS, no Parecer Técnico nº 11/GEAS/GGRAS/DIPRO/2018,


intitulado "Cobertura: Dermolipectomia", após reconhecer que a cirurgia plástica complementar
de tratamento de obesidade mórbida não pode ser considerada simplesmente como estética,
esclarece que a dermolipectomia foi incluída no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, o
qual constitui a referência básica para a cobertura assistencial mínima nos planos privados de
assistência à saúde.
Confira-se:
"(...)
Considerando tal competência, a ANS, desde sua criação, editou
normativos, instituindo e atualizando o Rol em questão, cujas regras
encontram-se atualmente estabelecidas pela Resolução Normativa – RN nº 428,
de 2017, em vigor desde 2/1/2018, estando os procedimentos e eventos de
cobertura obrigatória listados no Anexo I do normativo.
O procedimento DERMOLIPECTOMIA consta listado no Anexo I
da RN nº 428, de 2017, e deve ser obrigatoriamente coberto por planos de
segmentação hospitalar (com ou sem obstetrícia) e por planos-referência.
Para tanto, devem ser observadas as condições estipuladas na respectiva
Diretriz de Utilização – DUT, que assim se encontra descrita no item 18, do
Anexo II, da mesma norma:
1. Cobertura obrigatória em casos de pacientes que
apresentem abdome em avental decorrente de grande perda ponderal (em
consequência de tratamento clínico para obesidade mórbida ou após
cirurgia de redução de estômago) e apresentem uma ou mais das seguintes
complicações: candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às
escoriações pelo atrito, odor fétido, hérnias, etc.
As DUTs adotadas pela ANS, em regra, indicam as características
e as condições de saúde nas quais os ganhos e os resultados clínicos são mais
relevantes para os pacientes, segundo a melhor literatura científica e os conceitos
de Avaliação de Tecnologias em Saúde – ATS.
Assim, quando solicitado pelo médico assistente, respeitadas as
segmentações contratadas e atendidas as condições previstas na DUT em
apreço, o procedimento DERMOLIPECTOMIA deve ser coberto pelos 'planos
novos' e pelos 'planos antigos' adaptados."
(http://www.ans.gov.br/images/stories/parecer_tecnico/uploads/parecer_tecnico/_
PARECER_11-2018_DERMOLIPECTOMIA%20DUT_VERSO%20FINAL_21122017
.pdf, acessado em nov./2018 - grifou-se)

Na espécie, a demandada autorizou apenas alguns procedimentos -


dermolipectomia para correção de abdômen e diástase do reto-abdominal -, negando a

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realização dos demais procedimentos solicitados: correção de lipodistrofia braquial, crural ou
tracanderiana de membros superiores e inferiores, código 30101670 (x4); extensos ferimentos,
cicatrizes ou tumores, exérese e rotação de retalhos miocutâneos, código 30101565 (x4), QD
E88.1.
Todavia, conforme se extrai do acórdão local, não somente a dermolipectomia é
necessária para a completa recuperação da saúde da usuária, mas também as cirurgias de
correção de lipodistrofia, pois igualmente apresentam, no caso, finalidade reparadora.
Por pertinente, cabe reproduzir o seguinte trecho do acórdão local:

"(...)
É inconteste que a apelada, após a realização de cirurgia de
gastroplastia e a perda de peso, acumulou excesso de pele, sendo-lhe
recomendados por seu médico, procedimentos reparadores para correção de
lipodistrofia crural, necessitando da cirurgia reparadora, nos termos dos
documentos de fls. 34 e 45, os quais esclarecem que o excesso de pele tem
causado ferimentos que exigem o uso frequente de antibióticos que podem levar
a ulcerações e distúrbios no estômago operado, além de dificultarem a higiene
pessoal e dermatofitose de repetição.
No caso específico da apelada, o médico cirurgião que solicitou os
procedimentos, Dr. Cláudio P. dos Santos (CRM 15597), esclareceu, por meio do
relatório de fls. 32 e 33, a necessidade de realização do procedimento, afastando
por completo a possibilidade de o tratamento ser de caráter puramente estético.
Dessa feita, mostra-se abusiva a restrição, pela apelante, do
tratamento indicado, quando restou devidamente comprovado que a patologia
narrada pela apelada e confirmada pelo médico, não é de ordem estética.
Observa-se que do relatório médico não sobressaem dúvidas de
que o procedimento requerido - cirurgia reparadora para correção de lipodistrofia
crural - possui finalidade reparadora, restando claramente ressaltado que do
excesso de pele são provocadas escoriações cutâneas crônicas que demandam a
necessidade de uso reiterado de antibióticos, o que pode causar ulcerações e
distúrbios no estômago operado.
Desse modo, afasta-se o argumento de que o procedimento
prescrito à autora seria de caráter estético.
A apelante também alega que negou o pedido de ROSIMARY, em
razão de o procedimento não estar previsto no rol de tratamentos obrigatórios da
ANS, além de não estar contratualmente estabelecida.
(...)
Desse modo, o Rol de Procedimentos é meramente exemplificativo
e não taxativo, portanto, não esgota os procedimentos que devem ser cobertos
pelas operadoras dos planos de saúde, o fato de o tratamento prescrito não estar
no rol de coberturas obrigatórias da ANS não exime o plano de saúde da
responsabilidade de custeá-lo.
(...)
Deste modo, por todo o exposto, revela-se abusiva a atitude da
operadora do plano de saúde em negar a cobertura do tratamento prescrito à
apelada, haja vista ter restado comprovado que cirurgia reparadora para correção
de lipodistrofia crural não possui finalidade meramente estética, impondo-se à
seguradora de saúde a obrigação de custeá-la, a fim de se assegurar a
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continuidade e conclusão do tratamento iniciado com a cirurgia de gastroplastia"
(fls. 188/194).

Logo, apesar de a ANS ter apenas incluído a dermolipectomia no Rol de


Procedimentos e Eventos em Saúde para o tratamento dos males pós-cirurgia bariátrica, devem
ser custeados todos os procedimentos cirúrgicos de natureza reparadora, para assim haver a
integralidade de ações na recuperação do paciente, em obediência ao art. 35-F da Lei nº
9.656/1998:
"Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta Lei
compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à
recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos
desta Lei e do contrato firmado entre as partes." (grifou-se)

Sobre o tema do custeio das cirurgias plásticas reparadoras pelos planos de


saúde em pacientes pós-bariátrica, vale transcrever também a seguinte lição doutrinária, que
comenta a Súmula nº 258/TJRJ:

"(...)
SÚMULA nº 258
'A cirurgia plástica, para retirada do excesso de tecido epitelial,
posterior ao procedimento bariátrico, constitui etapa do
tratamento da obesidade mórbida e tem caráter reparador.'
(...)
Não pode o beneficiário do plano de saúde ser impedido de
receber o tratamento indicado ou recebê-lo de modo deficiente ou insuficiente,
em decorrência de cláusula limitativa.
Nesse contexto, a cirurgia plástica realizada após o
procedimento bariátrico para a retirada de tecido deve ser considerada
consectário da cirúrgica, pois visa solucionar os danos físicos e psicológicos
à saúde do paciente, ou seja, possui caráter reparador.
Cumpre esclarecer que as cirurgias reparadoras
diferenciam-se das meramente estéticas na medida em que estas visam
somente melhorar a aparência externa, tendo por objetivo o embelezamento,
enquanto aquelas possuem finalidade terapêutica, pretendendo a correção
de lesões deformantes ou defeitos congênitos ou adquiridos.
Trata-se de ato cirúrgico que decorre da intervenção inicial -
redução do estômago - que visa a recomposição da estrutura funcional e
física pelo excesso de tecidos pós-emagrecimento.
Vale ressaltar que a Lei nº 9.656/98 dispõe no art. 35-F que a
assistência a que alude o art. 1º desta Lei compreende todas as ações
necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e
reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado
entre as partes.
Acrescente-se que a restrição dos riscos cobertos nos contratos de
seguro privado de saúde é regulada nos artigos 10 e 12 da Lei nº 9.656/98.
Da análise dos referidos dispositivos verifica-se que os incisos II
e IV permitem apenas a exclusão da cobertura de tratamentos com finalidade
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estética, o que não é o caso.
(...)
Resumindo, o objetivo do tratamento cirúrgico é melhorar não
somente a qualidade, como também o tempo de vida do obeso, resolvendo os
problemas de ordem física e psicossocial que o excesso de peso acarreta.
(...)
A obesidade mórbida em jovens, uma vez corrigida (por meios
cirúrgicos ou não), poderá não deixar seqüelas que afetarão a autoestima, como
as dobras de pele acentuadas, ou redundâncias, cabendo ao próprio paciente
decidir pela correção, ou não, dessas alterações. Uma vez conhecedor das
possibilidades da correção cirúrgica das seqüelas (resultado da quase totalidade
das correções da obesidade mórbida, mesmo em jovens), o paciente deverá ter
direito, a seu talante e por justiça, a esses procedimentos corretores
(reparadores), independentemente de haver 'infecção ou irritação da pele', pois
decididamente, mesmo as pequenas deformações, dobras e redundâncias da
pele e dos tecidos subcutâneos, resultantes do grande emagrecimento,
praticamente não desaparecerão, mesmo a longo prazo, com tratamento
clínico e não trarão alívio para a autoestima e a reintegração social e assim,
o tratamento da obesidade mórbida inclui obrigatoriamente as etapas das
cirurgias plásticas reparadoras.
As cirurgias secundárias para correção das seqüelas da
obesidade mórbida anteriormente tratada, constituem-se, portanto e sempre,
em cirurgias reparadoras, independente de deformação grave, média ou
pequena. Praticamente, todos os pacientes tratados de obesidade mórbida,
apresentam excesso de pele nos braços, mamas, abdome e coxas,
claramente desconfortáveis, sujeitos a irritação e infecção nas dobras da
pele e deformação física inaceitável do ponto de vista individual (familiar,
amoroso etc), social e profissional. As correções dessas deformações não
podem ser executadas em etapa única, tendo em vista a extensão das cirurgias e
os riscos decorrentes das mesmas, se temerariamente realizadas, porque a
retirada simultânea de grandes volumes de tecidos (pele e tecido celular
subcutâneo), incluindo o tempo cirúrgico e anestésico, pode levar ao choque
hipovolêmico, acidentes vasculares (tromboses) e outras graves complicações e
morte. Assim, os procedimentos reparadores são feitos em geral por etapas, não
tendo cabimento autorizar etapa única. As cirurgias mais comuns, com essa
finalidade, são as seguintes: abdominoplastia, braquioplastias bilaterais,
mamaplastias bilaterais (inclusive no homem) e lifting da pele das coxas e,
dependendo de cada caso, no máximo dois desses procedimentos poderiam ser
realizados simultaneamente."
(NASCIMENTO, Valéria Dacheux. Súmula nº 258: comentários aos verbetes
sumulares do TJRJ - nº 201 ao 299. In: Revista de Direito do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nº 96, jul./set. 2013, ed. especial, págs.
228/231 - grifou-se)

Enfim, havendo indicação médica para cirurgia plástica de caráter reparador ou


funcional em paciente pós-cirurgia bariátrica, não cabe à operadora negar a cobertura sob o
argumento de que o tratamento não seria adequado, ou que não teria previsão contratual, visto
que tal terapêutica é fundamental à recuperação integral da saúde do usuário outrora
acometido de obesidade mórbida, inclusive com a diminuição de outras complicações e

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comorbidades, não se configurando simples procedimento estético ou rejuvenescedor.

2. Do dano moral e da razoabilidade de seu valor

No concernente aos prejuízos extrapatrimoniais, a jurisprudência desta Corte


Superior é no sentido de que, em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde
de cobertura médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do
usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo, portanto, mero
dissabor, ínsito às hipóteses correntes de inadimplemento contratual.
Cumpre ressaltar, todavia, que há situações em que existe dúvida jurídica
razoável na interpretação de cláusula contratual, de forma que a conduta da operadora, ao
optar pela restrição da cobertura sem ofender os deveres anexos do contrato - como a boa-fé -,
não pode ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, o que afasta
qualquer pretensão de compensação por danos morais (AgInt no AREsp nº 983.652/SP, Rel.
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 2/2/2017; REsp nº 1.651.289/SP, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 5/5/2017; e AgRg no REsp nº 1.569.212/SP, Rel.
Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 22/8/2017).
No caso dos autos, além de inexistir dúvida jurídica razoável na interpretação do
contrato, como se extrai tanto da sentença quanto do acórdão recorrido, a autora experimentou
prejuízos com o adiamento das cirurgias plásticas reparadoras diante da negativa da operadora
do plano de assistência médica, sobretudo porque agravou o estado de sua saúde mental, já
debilitada pela baixa autoestima gerada pelas alterações anatômicas e morfológicas do corpo
humano consequentes da cirurgia bariátrica, sendo de rigor o reconhecimento dos danos
morais.
Confira-se:

"RECURSO ESPECIAL. SAÚDE SUPLEMENTAR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CIRURGIA
BARIÁTRICA. OBESIDADE GRAVE E COMORBIDADES. SITUAÇÃO DE RISCO
CONCRETO ATESTADO PELO MÉDICO QUE ACOMPANHA A PACIENTE.
AFERIÇÃO DO DANO MORAL PELA NEGATIVA DE COBERTURA.
NECESSIDADE.
1. Ação ajuizada em 08/03/16. Recurso especial interposto em 20/03/16 e
concluso ao gabinete em 15/06/18. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em definir se os contornos da negativa de
cobertura para realização de cirurgia bariátrica da beneficiária de plano de saúde
produziram dano moral compensável ou se consistiram em meros aborrecimentos.
3. Em relação aos litígios no campo da saúde suplementar, a conduta ilícita
da operadora de plano de saúde, consubstanciada na negativa de cobertura
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de procedimentos previstos contratualmente, pode produzir danos morais ao
beneficiário quando houver agravamento de sua condição de dor, de abalo
psicológico e com prejuízos à saúde já debilitada.
4. A agutização de teses extremas – seja pelo afastamento genérico, seja pelo
reconhecimento automático do dano moral – não encontra espaço dentro da
noção de um processo judicial de resultados justos, cujo objetivo sempre
renovado é encontrar a sensível e adequada pacificação do conflito de direito
material trazido ao Poder Judiciário.
5. A adoção irrefletida de qualquer dos pontos, sem a devida articulação com
as particularidades que individualizam as demandas judiciais, produz
resultados inaceitavelmente injustos, quer por confiscar o direito legítimo à
compensação das vítimas de verdadeira situação de abalo moral, quer por
acolher dissimulações que em verdade quando muito se exaurem na esfera
patrimonial sem ao menos triscar na sensibilidade do beneficiário de plano
de saúde.
6. Na hipótese concreta, deve ser reconhecido o direito à compensação por
danos morais, pois a negativa de cobertura de cirurgia bariátrica agravou o
quadro clínico da beneficiária do plano de saúde, conforme reconhecido
concretamente pela origem.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp nº 1.746.789/RS,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJe 17/8/2018 - grifou-se)

Diante disso, a conduta da operadora merece censura a ponto de fazer incidir


dano moral indenizável.
Ademais, no tocante ao valor arbitrado (R$ 10.000,00 - dez mil reais), esta Corte
Superior somente tem afastado a incidência da Súmula nº 7/STJ e reexaminado o montante
fixado a título de danos morais pelas instâncias ordinárias caso se revele irrisório ou
exorbitante, o que não é a hipótese, visto que se adequa aos parâmetros jurisprudenciais e à
razoabilidade (AgInt no REsp nº 1.650.734/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
16/11/2018, e AgInt nos EDcl no REsp nº 1.679.277/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe
15/10/2018).

3. Do dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.


Os honorários sucumbenciais, no Tribunal de origem, foram fixados em 12%
(doze por cento) sobre o valor da condenação, os quais devem ser majorados para o patamar
de 15% (quinze por cento) em favor do advogado da parte recorrida, nos termos do art. 85, §
11, do Código de Processo Civil de 2015.
É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2018/0057485-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.757.938 / DF

Números Origem: 00948112120168070001 20160110948114 20160110948114AGS

PAUTA: 05/02/2019 JULGADO: 05/02/2019

Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA SOARES CAMELO CORDIOLI
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE
ADVOGADOS : ROBINSON NEVES FILHO - DF008067
MANOELA SALES FLORES ALVES MAGALHÃES - DF020733
LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - DF049646
RECORRIDO : ROSIMARY DA CONCEICAO GARCIA
ADVOGADO : ISAAC NAFTALLI OLIVEIRA E SILVA - DF027750

ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e
Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

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