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OS POSICIONAMENTOS SOCIAIS DO ABORTO EM DWORKIN

Amanda Emmy Hirata – Universidade Estadual de Londrina


Victor Hugo de Oliveira Silva – Centro Universitário Filadélfia

Resumo: O presente trabalho visa apresentar os posicionamentos sociais do aborto à luz


da obra “Domínio da Vida”, de Ronald Dworkin. Serão abordados os espectros
conservadores e liberais, individuais e coletivos – estes aqui representados pela religião e
pelo movimento feminista, bem como a imprescindibilidade de deslocar o eixo das
discussões do aborto para algo além da existência – ou não – de direitos do feto desde a
sua concepção.
Palavras-chave: Dworkin, aborto, direito.

Abstract: The following article seeks to present the social ideas about abortion based on the
book “Life’s Dominion”, of Ronald Dworkin. Conservative and liberal, both individual and
collective will be addressed – these represented by Religion and by Women’s Lib, also the
indispensable change of scope in the discussions about abortion, trying to go beyond the
fetus having or not full human rights before it’s conception.
Key words: Dworkin, abortion, law.

Os debates sobre o aborto divergem entre si quanto à controvérsia se o feto é


ou não uma pessoa com direito à vida desde sua concepção; e, admitindo-se que o
feto já seja uma pessoa, se tal garantia deve prevalecer ante aos da gestante. Para
Dworkin, esse modo de apresentar o aborto é falacioso, pois coíbe a plena
interpretação das convicções morais e políticas.
De praxe, relaciona-se a opinião conservadora do aborto com o pressuposto
de subsistirem direitos do feto desde a sua concepção, e a liberal com a inexistência
de tais garantias. Uma análise mais detalhada, entretanto, mostra que esse sestro é,
majoritariamente, incompatível. Ora, as opiniões individuais não possuem apenas
duas variantes; existem graus de arbítrio em ambas as partes, de extremas a
moderadas. Há, ainda, aquelas cuja matéria não se encaixa em nenhum espectro,
como, por exemplo, a preferência do aborto prematuro ao tardio. Não obstante, a fim
de expor claramente seus ideais, Dworkin presume a estadia dos indivíduos num
âmbito conservador-liberal.
O autor pontua dois tipos de conservadores. O primeiro corresponde àqueles
que, embora sejam moralmente contra a prática do aborto em seu meio social,
acreditam na imprescindibilidade da lei proporcionar autonomia à mulher, não
cabendo ao Estado impor seus ideais em assuntos de esfera privada. O segundo
grupo de conservadores é desfavorável à legalização do aborto, porém abre
exceções em casos de estupro e quando se fizer necessário para salvar a vida da
mãe – nesse caso, seria uma autodefesa. Dworkin salienta que quanto mais se
admitem exceções, mais fica evidente como a oposição conservadora do aborto não
pressupõe a existência de um feto com vida.
Do mesmo modo, as concepções liberais não decorrem simplesmente da
negação de que o feto seja uma pessoa com direito à vida. Dworkin exclui da análise
as pessoas para as quais o aborto não é problemático, como Peggy Noonan,
escritor de discursos para a Casa Branca durante o governo de Reagan, que o via
como uma simples intervenção cirúrgica; e aquelas que, ao verem uma mulher
sentindo escrúpulo, arrependimento ou remorso após o aborto, taxam-na de tola,
haja vista que a maioria dos indivíduos intitulados “liberais” serve-se de um ponto de
vista mais moderado.
A concepção liberal subdivide-se em quatro partes. Primeiro, rejeita-se o
aborto como algo problemático, pois se trata de uma séria decisão moral. O aborto
nunca é permissível por razões frívolas, tampouco é justificado, salvo em situações
a fim de coibir dano grave. O segundo ponto arremete às exceções do primeiro, de
sorte que é justificável o aborto nos casos de grave anomalia fetal, à moda de
talidomida e da doença de Tay-Sachs; de estupro ou incesto; e para salvar a vida da
mãe. A preocupação da mulher por seus próprios interesses é tida como justificativa
de um terceiro ponto, se o nascimento implicar conseqüências graves para a vida da
mãe. E, por último, há uma posição política já mencionada, para qual o estado não
deve intervir em assuntos privados.
Até aqui, Dworkin enfatiza a opinião moral individual. As pessoas, entretanto,
também se expressam no plano coletivo – como católicos, batistas, judeus,
defensores dos valores familiares, feministas, ateus. Nesse contexto, Dworkin
pontua dois dos maiores grupos que participam da controvérsia do aborto: as
religiões tradicionais e o movimento feminista.
Na esfera religiosa, a questão primordial não é saber se o feto é ou não uma
pessoa, mas sim a melhor maneira de se respeitar o valor intrínseco da vida
humana1. Para os judeus, conforme o rabino Feldman, o aborto é objetável por
qualquer razão, a não ser para proteger a vida, a saúde mental ou o bem-estar
pessoal da mãe.

1
DWORKIN, Ronald. O domínio da vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais. 1ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 52.
Quanto aos Cristãos, a posição oficial da Igreja é a de que todo ser humano
tem direito à vida e à integridade física desde o momento da concepção até a morte,
porquanto a Instrução sobre o Respeito pela Vida Humana em sua Origem e sobre a
Dignidade da Procriação (1987). Porém, em 1992, uma pesquisa de opinião Gallup
informou que 52% dos católicos norte-americanos acreditavam que o aborto deveria
ser legal em muitas ou todas as circunstâncias. Desse modo, católicos praticantes
não poderiam aceitar as exceções se realmente acreditassem nos dogmas da igreja.
As feministas, por sua vez, não defendem a existência de direitos morais para
o feto, mas insistem que este é uma criatura dotada de importância moral 2. Dworkin
cita o estudo realizado pela Socióloga Carol Gilligan, professora da Universidade de
Harvard, com 29 mulheres prestes a abortar. Apesar de todas reterem hesitações e
angústias quanto à decisão correta, tais sentimentos não eram outorgados ao dilema
do embrião ser ou não uma pessoa com direitos. O conflito de responsabilidade
perante sua família e suas próprias crenças vinha em detrimento ao status
metafísico do feto.
Ao expor os múltiplos aspectos morais do aborto, Dworkin visa afirmar a
inexequibilidade de entender o argumento moral vigente, seja em indivíduos ou em
grupos, se o cerne for apenas a questão do feto ser ou não uma pessoa. Quase
todos compartilham, de modo expresso ou tácito, a ideia de que a vida humana tem
um valor objetivo e intrínseco, sendo a divergência da interpretação o ponto
elementar da discussão. Esta, devido ao seu maior alcance, é deveras mais
importante do que o dilema supracitado, pois aborda o valor e a finalidade da vida,
aprofundando a reflexão sobre as diferentes concepções.

REFERÊNCIA

DWORKIN, Ronald. O domínio da vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais.


1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

2
DWORKIN, Ronald. O domínio da vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais. 1ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, p. 79.

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