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Filosófica e
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Antropologia filosófica
e sociológica
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ISBN 978-85-8482-171-6
CDD 306
2015
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Sumário
O SURGIMENTO DA
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
José Adir Lins Machado
Objetivos de aprendizagem:
Introdução à unidade
Porém, a definição clássica nos foi legada por Aristóteles (364-322 a. C.): “o
homem é um animal racional”. Além dessa definição, o Estagirita (apelido de
Aristóteles) também afirmou que o homem é um animal político, zoon politikon
(Πολιτική ζώων). Diante de tudo isso não seria exagero afirmar que o homem é à
medida que pensa; ou seja, o homem é aquilo que tem em sua mente.
Seção 1
É bastante curioso saber que a terra ficou 90% de sua existência sem nenhuma
forma de vida sobre ela, nem mesmo a vida unicelular; e que o nosso planeta tem
4,5 bilhões de anos; e a vida unicelular (no fundo do mar) surgiu há 450 milhões de
anos. Do surgimento da terra ao desaparecimento dos primeiros répteis, a terra passou
por 94,61% do seu tempo. Dos primeiros primatas (Era Mesozoica) aos primeiros
prossímios (Paleoceno) 98,57%. Primeiros macacos 99,03%; primeiros símios 99,30%;
primeiros hominídeos 99,70%; Homo Sapiens 99,80%.
Muito embora o senso comum afirme que descendemos dos macacos, a afirmação
mais correta é que temos com o macaco um ancestral comum. Temos diferenças
morfológicas e comportamentais muito acentuadas, podendo-se destacar entre elas:
(1) O fato de andarmos sobre as duas pernas, devido a modificações em nossa coluna
vertebral, pelve, pernas e pés; (2) O cérebro consideravelmente aumentado, com
face e mandíbulas mais curtas; (3) Modificações nos dentes e na forma parabólica da
arcada dentária; (4) Diferenças estruturais nos braços e nas mãos; e (5) Capacidade de
linguagem e de outros comportamentos mais bem elaborados (SOUZA, s/d, p. 14).
Gráfico 1.2 | Do surgimento da vida (450 milhões de anos) ao surgimento do homem (5,2
milhões de anos)
Como tantas outras espécies de animais, também nós, logo que surgimos
nos ligamos profundamente à coletividade, ou seja, preferimos (Preferência talvez
não seja o termo mais apropriado, pois muitos estudiosos sustentam a vivência
em coletividade é uma necessidade; é parte intrínseca da nossa natureza) viver
em grupos, pois assim nos tornamos mais fortes, nos sentimos mais seguros, nos
alimentamos mais e melhor e conseguimos dar continuidade à nossa espécie através
do acasalamento e da procriação.
Figura 1.1 | Jericó, considerada a cidade mais antiga do mundo ainda habitada, fundada
há 11 mil anos
Porém, como todo bando normalmente tem um líder, conosco não foi diferente.
Talvez o primeiro critério de liderança tenha sido a força física e assim os homens
passaram a ser vistos como os chefes, possivelmente de uma família e depois, com
a junção de várias famílias, veio também a liderança de um grupo ou bando. O passo
seguinte pode ter sido de modo espontâneo, a divisão das tarefas. Sabe-se que há
aproximadamente dez mil anos o homem, ao fixar-se em um determinado território,
passou a explorar a agricultura, tarefa delegada às mulheres, pois ficavam em casa,
enquanto os homens se dedicavam à caça, um serviço mais perigoso e pesado.
Fonte: FREIRE-MAIA, Newton. Criação e evolução. Deus, o acaso e a necessidade. Petrópolis: Vozes, 1986.
Esse quadro se encontra no livro Criação e Evolução (Veja mais informações nas
referências). Esclarecemos que o autor toma por base que o Big Bang, a origem do
universo, tenha ocorrido há 20 bilhões de anos, mas uma das datas mais comumente
aceita é de 13,7 bilhões de anos.
Considere:
I – Por ter de afugentar as feras que rondavam as casas, as
mulheres se tornaram mais violentas.
II – Por ter de primar pela acuidade visual ao sair para caçar
o homem desenvolveu maior visão de profundidade.
III – Por não poder afugentar a caça o homem tornou-se
mais recolhido e calado.
IV – Por ter de cuidar dos arredores da casa a mulher adquiriu
mulher visão lateral.
Seção 2
Antropologia antiga e medieval
Comumente se entende que o conhecimento do modo como se encontra
estruturado atualmente, deve ter tido o seu início na Grécia antiga com os filósofos
pré-socráticos, os Jônicos, ou Milésios: Tales de Mileto (625-558 a. C.), Anaximandro
de Mileto (610-547 a. C.) e Anaxímenes de Mileto (585-528 a.C.). Eles também ficaram
conhecidos como físicos, fisicistas ou naturalistas, em virtude de sua busca por um
possível elemento natural (arquê, ou arché) que teria dado origem a tudo o que
existe. Apenas após cento e vinte anos, aproximadamente, do início da reflexão sobre
o mundo, foi que um grupo chamado de sofistas, começou a se preocupar com a
temática relacionada ao ser humano.
Justiça seja feita! Muito embora, os sofistas não sejam bem vistos pela grande
maioria dos filósofos, ainda assim devemos reconhecer que a antropologia tem
seu início com eles. Na visão dos sofistas fazia mais sentido refletir sobre o homem,
sua existência, seus desafios e, sobretudo, a possibilidade de se alcançar ou não a
felicidade, do que refletir sobre a origem do mundo.
Podemos até admitir que seja mais fácil ser feliz tendo
prazer, poder e riqueza; contudo, é possível ter tudo isso
e não ser feliz. Por vezes, parece que a felicidade está mais
vinculada às questões internas do que às questões externas.
Tente refletir profunda e criticamente sobre o que lhe faz
feliz e analise o motivo. Antes, porém, saiba que felicidade
não é o mesmo que alegria. Felicidade pode ser entendida
como viver bem e gostar de viver, mesmo que não estejamos
alegres em alguns momentos. Uma pessoa triste pode ser
feliz e uma pessoa alegre pode ser infeliz, pois alegria e
tristeza são momentâneas.
A partir de então Sócrates rompe com os sofistas e passa a estudar com outro
filósofo chamado Anaxágoras de Clazômena (500-428 a.C.). A ruptura não significou
distanciamento e frequentemente Sócrates e os sofistas acabaram conversando e
discordando sobre alguns pontos. A discordância foi tanta que os sofistas entraram
pejorativamente para a história, chegando até mesmo a serem conhecidos como
pseudofilósofos, ou, falsos filósofos. Vale lembrar que a palavra sofista se origina da
palavra sophos (σοφός), que em grego significa sábio e que os próprios sofistas se
autodenominavam sábios, numa atitude, possivelmente de arrogância. Daí talvez
o fato de terem angariados muitos adversários, com destaque para Sócrates e,
principalmente, Platão.
Uma das frases mais conhecidas dos sofistas, pronunciada por Protágoras de Abdera,
conforme já assinalamos, é “o homem é a medida de todas as coisas”. Porém, Sócrates
entendia que as coisas tinham a sua essência, a sua razão de ser, e que nem tudo era
definido conforme determinações humanas; pois se o homem fosse a medida de
todas as coisas, então nada seria medida para o homem e aqui surgiriam problemas
relacionados à ética, às leis e à verdade. Essa é a postura conhecida como relativismo,
ou seja, tudo é relativo ao homem. Via de regra, os filósofos são contra o relativismo.
A essência (razão de ser) do homem é... ... a psique (alma: logos, razão, consciência).
A essência (razão de ser) da alma é... ... a busca do bem, do belo e do verdadeiro.
O motivo pelo qual estamos nesse mundo, a razão de vivermos, para Sócrates,
era para vivermos bem (sermos felizes), desfrutando das coisas boas, belas e
verdadeiras. Sócrates acreditava e afirmava que quem conhece o bem, pratica-o
e que só age mal, quem ignora o bem. Essa tese é conhecida como racionalismo
ético, ou intelectualismo moral. O homem que conhece o bem pratica o bem,
busca a virtude.
Segundo Sócrates, “não é das riquezas que nascem as virtudes, mas das virtudes
nasce a riqueza”. (PESSANHA, 1999, p. 57). As virtudes da alma se manifestam na
força, no autocontrole, ou autodomínio, “no domínio de si mesmo nos estados de
prazer, dor e cansaço, no urgir das paixões e dos impulsos” (REALE, 1990, p. 91). A
saúde da psique, da alma, é a sua ordem. O ignorante é injusto, o injusto é malvado e
o malvado é infeliz. Trata-se de fazer a racionalidade prevalecer sobre a animalidade,
tornar a alma senhora do corpo. Somente quando age desta maneira o homem
estaria, segundo Sócrates, sendo verdadeiramente livre e feliz.
Figura 1.2 | A morte de Sócrates, quadro de 1787
Sócrates foi acusado por Meleto, Ânito e Lícon, de corromper a juventude e não
cultuar os deuses da cidade, ou seja, o crime político-social da impiedade. Depois de
condenado, Sócrates ficou um mês na prisão esperando a morte e numa madrugada
foi acordado por Críton, um discípulo rico que, após subornar os guardas, o incitava
a fugir. Mesmo tendo sido injustamente condenado ele se recusou a fugir, alegando
que não conseguiria conviver com a consciência de ter agido mal.
A execução da pena foi tomar, pelas próprias mãos, um veneno chamado cicuta,
extraído da raiz de uma planta nativa da bacia mediterrânica, que vai paralisando
o corpo das extremidades ao coração. Tomou o copo de cicuta (a condenação
ao autoenvenenamento era para ampliar o sofrimento psicológico da pena) na
presença de grande parte de seus discípulos e, com a mesma lucidez com que tinha
vivido, morreu.
Platão afirma que o verdadeiro filósofo trabalha durante toda a sua vida, na
preparação da sua morte, pois fundamentalmente somos a nossa alma, porém
ela está presa ao corpo, assim que o corpo morre a alma se liberta. “O corpo é
raiz de todo mal, fonte de amores insensatos, de paixões, inimizades, discórdias,
ignorância e loucura. E tudo isso representa precisamente fatores de morte para a
alma”. (REALE, 1990, p. 154).
Por entender a alma como a causa do movimento (aquilo que nos leva a fazer
algo), Platão acaba por defender que o homem possui três almas. E ele vai além,
diz onde cada uma dessas almas se encontra em nossos corpos. Na cabeça se
encontra a alma racional, cuja tarefa (usamos o termo tarefa para que a linguagem
fique mais próxima da usual, mas Platão usa o termo virtude) é levar-nos a agir pela
razão, ou como dizemos hoje em dia, não nos deixar fazer loucuras, fazer apenas
aquilo que é correto e permitido. Em nosso tórax se encontra a alma irascível, ou
colérica (aquela que sente cólera ou ira), cuja tarefa é nos dar coragem (coragem
mais no sentido de determinação, firmeza de propósito, dominar o impulso). E
no abdômen fica a alma concupiscível ou, desejante cuja tarefa é nos permitir a
temperança (não cometer excessos, dominar os desejos).
Um homem justo é aquele que tem as três almas em harmonia sob o comando
da racional. A alma racional não pode se deixar dominar pelas outras duas, mas
ao contrário, deve dominá-las. Além de cada alma ter a sua tarefa, cada uma delas
também tem um metal próprio. O metal da alma racional é o ouro, da alma irascível
é a prata e da alma concupiscível é o bronze. Nos homens sábios prevalece a alma
de ouro; os guerreiros possuem a alma de prata de modo mais destacado, e nos
trabalhadores prevalece a alma de bronze.
Para Aristóteles o homem não era união acidental de corpo e alma, mas união
essencial, sendo o corpo a matéria e a alma a forma. Ao tratar da questão da alma,
Aristóteles estabelece um vínculo entre a alma e o intelecto, ou seja, para ele a alma é a
enteléquia, forma primordial de um corpo que possui vida em potência (pode possuir
vida). A alma é a essência do corpo, enquanto o intelecto é algo divino que existe
antes e depois do corpo, (ARISTÓTELES, 2001, p. 17). A alma é a sede do movimento.
Em De anima ele diz: “na eventualidade de ser, por conseguinte, necessária uma
definição geral a ser aplicada a toda a espécie de alma, podemos nós afirmar que é ela
a enteléquia primeira de um corpo natural orgânico” (Ibidem, p. 52).
e científica.
Ao nos apresentar esse texto a Bíblia de Jerusalém (1985, p. 2170) traz uma nota de
rodapé onde busca esclarecer que:
Figura 1.6 | Santo Agostinho em óleo na É claro que aqui estamos num
madeira, no Museu do Louvre
universo linguístico que pressupõe
uma análise mais apurada dos
termos, supõe uma hermenêutica
teológica. A linguagem bíblica possui
uma chave de interpretação própria
e, por que não dizer, complexa.
Um dos primeiros intérpretes dessa
linguagem foi Agostinho de Hipona,
filósofo antigo que foi maniqueísta e,
posteriormente, neoplatônico, tendo
se tornado adepto do cristianismo
e grande estudioso de suas ideias
adaptando-as à filosofia grega.
2.5 A contribuição de
Agostinho de Hipona
mais diversas correntes filosóficas que conheceu. Agostinho percebe que o homem
é um mistério, pois não se conhece a si próprio. Uma frase bem representativa dessa
mentalidade pode ser encontrada no livro A verdadeira Religião (§ 39), onde ele afirma:
“Não saia fora, entra dentro de ti; a verdade mora no interior do homem”.
Platão havia estabelecido na obra Alcebíades: “O homem é uma alma que se serve
de um corpo”. Mas é preciso lembrar que o homem cristão não podia compartilhar
da visão dualista de Platão e assim a visão de homem também deveria ser purificada
de qualquer dualismo, pois para o cristianismo o homem é uma unidade. E essa foi a
tarefa que Agostinho assumiu pra si.
O argumento usado por Agostinho vai partir da ideia de Verdade Eterna. Diz ele
(Solilóquios, II, C13):
Agostinho morreu sem ter contato com as obras de Aristóteles e talvez por isso seja
um platônico. O que não significa dizer que o simples contato com as obras de Aristóteles
fosse suficiente para ele se tornasse aristotélico, pois ele poderia não concordar com o
Estagirita. As obras de Aristóteles, exceto uma delas chamada Organon (ou Analíticos,
em latim), não eram conhecidas na Europa até aproximadamente o ano de 1200, pois
tais obras eram posse dos árabes. Ao ocuparem a Europa, os árabes também trouxeram
os livros de Aristóteles e um dos maiores nomes da Universidade de Paris, Tomás de
Aquino (1225-1274), ao conhecê-las fez com elas o mesmo que Agostinho havia feito
com Platão, cristianizou-as.
Seção 3
seu valor por ser um filho de Deus e pertencer a uma comunidade específica, a Igreja.
ele que o homem é um caniço, mas um caniço pensante. Por mais insignificante e
frágil que o homem seja, se comparado à imensidão do universo, o homem é maior
do que qualquer astro cósmico, pois é o único que tem consciência da sua existência.
Só o homem conhece e sabe o que está acontecendo com ele, enquanto o universo
todo não tem consciência de si.
Esses dois grandes pensadores darão início a uma nova visão de homem que será
levada adiante por tantos outros pensadores. Dentre tais pensadores, iremos fazer um
recorte do pensamento de Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855), um dos precursores da
corrente existencialista, o qual passará a dar ênfase à vida concreta do homem, suas alegrias
e tristezas, dores e prazeres, angústias e sonhos, etc. Cremos ser interessante conhecer
um pouco do pensamento de Kierkegaard para melhor entendermos os pensadores que
virão na sequência e a ênfase que passa a ser dada à questão antropológica.
desespero pode ser ignorado ou reprimido. (Esse era o modo como Kierkegaard
vivera na juventude, portanto, escreve a partir da própria experiência). Kierkegaard
havia percebido que não somos responsáveis por nossas vidas e sim meros joguetes
nas mãos do destino, vivemos de possibilidades as quais podem realizar-se ou não,
tanto elas podem trazer sucesso e felicidade quanto fracasso, insucesso e até a morte.
Dizia ele “No possível tudo é possível”, (ABBAGNANO, 2003, p. 60), ou seja, tanto a
possibilidade favorável como a mais desastrosa e horrível, podem realizar-se. Ao ter
consciência desta realidade o homem tem pela frente duas opções: a fé ou o suicídio.
Na vida ética o indivíduo opta por criar a si mesmo e esta autocriação passa a ser
o objetivo da sua existência. A pessoa ética busca conhecer e mudar a si mesmo por
escolha própria, guiado pelo autoconhecimento e pela vontade, quando descobre
algo que pode ser melhorado empenha-se neste sentido. Preocupa-se mais com o
mundo interior e busca, a partir do melhor conhecimento de si mesmo, tornar-se algo
melhor. Quem age desta maneira expressa o universal na sua vida.
Pode-se entender que o acento dado por Kierkegaard ao ser humano e seus
problemas, ou seja, à subjetividade, faz parte de um movimento chamado de
enantiodromia (etimologicamente enantio, oposto; e dromia ou dromos, pista de
corrida) o qual poderia ser comparado ao movimento pendular. O pêndulo vai do alto
do seu local até ao máximo possível na direção oposta, porém a cada movimento
se enfraquece e tende ao ponto de repouso. Transferindo isso para o campo das
ideias, e mais propriamente para a filosofia de Kierkegaard, ele estaria se contrapondo
ao filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), que havia acentuado
demais a objetividade em detrimento da subjetividade. Como reação a isso Kierkegaard
faz um resgate e dá uma ênfase ao ser humano e seu cotidiano.
Mas como fazer isso numa sociedade repressora? Agora se entende o filosofar
com o martelo. Há de se demolir tudo o que está assentado na razão e reconstruir
com base no impulso, na vontade. Pode parecer loucura enfatizar o impulso, mas
segundo Nietzsche, o impulso é a essência do homem e só por intermédio da sua
realização o homem conseguirá alcançar a felicidade.
Entre os seres existentes, o homem tem primazia, pois é o único com possibilidades
de compreender o ser e também o único capaz de determinação, haja vista que não
está totalmente preso em sua situação, mas é capaz de se tornar algo novo, algo
diferente através dos seus ideais, planos e possibilidades. O homem tem a possibilidade
de ser ou não ser ele mesmo e assim a essência do homem consiste na sua existência.
Além disso, o homem é único ser que pode projetar o futuro, tendo consciência
do seu passado e vivendo o presente, portanto, o elemento temporalidade associa
essência com a existência humana.
Figura 1.12 | Foto de Sartre em 1950 homem se deixa levar pela situação e é
conduzido pela massa; não é senhor de
si. Quem leva vida autêntica e se projeta
no futuro, sabe que a última possibilidade
será a morte, a qual também deve ser
levada em consideração, pois representa
o término desta existência. A morte é
presença constante para o ser humano
e se faz presente desde que se inicia a
existência, mas ao adquirir consciência
da morte o homem cai na angústia.
antes de o homem em particular existir. Porém, Sartre não concorda com essa ideia
e diz que o homem é totalmente livre e deve assumir a responsabilidade pelo que faz
e pelo que se torna e, desse modo, segundo Sartre, no caso do homem, a existência
precede a essência. Temos de criar um propósito (essência) para nós mesmos. Diz
ele que o homem primeiro surge no mundo, existe, se descobre ou se percebe e só
depois define o que vai ser, não importando tanto o que os homens são, mas mais o
que eles podem se tornar.
Ao abordar a questão do ser – denominado por Sartre ser em si, para distingui-lo da
consciência, ser para si – ele afirma que
Figura 1.13 | Foto de Max Scheler Não há nada, portanto, que defina a existência
humana, estando o homem condenado a ser livre
e com base nesta liberdade construir a si mesmo.
ser levado em conta. Ele constrói urna antropologia com ênfase no conceito
personalista, de onde nasce um sujeito como ser espiritual e como pessoa. Ser
espiritual, porque capaz de se desvincular do poder e da ligação com a vida, ou seja,
capaz de projetar-se e de sonhar. E pessoa, porque é centro de atos intencionais.
Scheler foi o pensador sobre quem se debruçou Karol Wojtila, o Papa João Paulo
II, quando apresentou a sua dissertação de mestrado. Wojtila encantou-se com o
conceito de homem e a conciliação que Scheler fez entre homem e espiritualidade.
Note como era o homem quando surgiu há 120 mil anos; depois,
40 mil anos, quando conseguiu falar; 10 mil anos, quando se fixou
em cidades; depois veio a organização política, a escrita etc. e quanta
evolução nós conseguimos, sobretudo nos últimos anos. E como
estaremos daqui a mil anos? Cinco mil anos? Dez mil anos?
Esperamos que o assunto aqui apresentado tenha servido para uma reflexão
profunda sobre a nossa real situação e para uma melhor compreensão da
nossa natureza e no mundo no qual estamos inseridos. Retomando as
palavras de Sócrates – e não se esqueça que Steve Jobs certa vez afirmou
que trocaria toda a sua tecnologia por uma tarde com Sócrates – fica o
desafio: homem conhece-te a ti mesmo!
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. 1014 p.
ARD, William R. Alimentos e evolução humana. In: Scientific American Brasil, ed. 8,
jan. 2003, p. 1-8.
ARISTÓTELES. Da alma. Trad. Carlos Humberto Gomes. Lisboa: Edições 70, 2001.
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1985. 2366 p.
COTTINGHAM, John. Dicionário Descartes. Trad. Helena Martins. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1995.
DURANT, Will. A história da filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os
Pensadores).
FREIRE-MAIA, Newton. Criação e evolução. Deus, o acaso e a necessidade. Petrópolis:
Vozes, 1986.
HELFERICH, Christoph. História da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
HIPONA, Agostinho de. Solilóquios. Trad. Antônio A. Mingheti. São Paulo: Escala, s/d.
(Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 36).
LAW, Stephen. Filosofia: Guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
MACHADO, José Adir Lins. Filosofia – Ensino Médio – 1º ano. Londrina: Maxiprint, 2013.
MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. Trad. Jussara Simões. Bauru: Edusc, 2001.
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MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 10 ed.
São Paulo: Paulus, 1981.
______. Curso de filosofia: Os filósofos do Ocidente. 8. ed. Trad. Benoni Lemos. São
Paulo: Paulus, 1982.
______. Curso de filosofia: Os filósofos do Ocidente. 6. ed. Trad. Benoni Lemos. São
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PESSANHA, José Américo Motta (Org.). Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
(Coleção Os Pensadores).
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e idade Média. 5ª
ed. São Paulo: Paulus, 1990.
O SURGIMENTO DA
ANTROPLOGIA SOCIOLÓGICA
Wilson Sanches
Objetivos de aprendizagem:
Introdução à unidade
O campo das Ciências Sociais envolve uma série de disciplinas como Sociologia,
Antropologia, Ciência Política, Economia entre outras. Cada uma destas disciplinas
possui um corpo teórico específico e correntes teóricas que fundamentam as
diversas pesquisas, mas sempre com a preocupação de pensar, sob diversas
perspectivas, o homem como ser social. A antropologia é um campo, ao mesmo
tempo, antigo e novo. Antigo porque o homem sempre se preocupou em pensar
sobre si mesmo, sobre suas origens, suas distinções em relação à natureza e ao
seu fim último, e novo, porque a antropologia como ciência só pode ser pensada
a partir do momento em que a ciência passa a ser tratada como principal fonte de
conhecimento do mundo, isto é, a partir do século XVII.
Caro leitor! Aproveite ao máximo esta leitura e que ela seja o início de várias
outras leituras para que cada um dos temas propostos possam ser aprofundados,
lembrando a sugestiva frase de Immanuel Kant: “SAPERE AUDI” – ouse conhecer.
Seção 1
O homem sempre foi um ser curioso, sua curiosidade o levou a elaborar modelos
para explicar o mundo em que vive. Esta curiosidade também o levou a elaborar
questionamento sobre quem ele era, qual o seu lugar na natureza e qual o seu fim
último. Portanto, o conhecimento sobre o homem é um tipo de conhecimento muito
antigo, mas também muito atual, pois apesar de todos os estudos, explicações e
elaborações que o homem fez sobre quem ele é, sua natureza continua mudando
incessantemente e as pesquisas a respeito deste homem continua sendo importante
e fascinante.
Aquilo que hoje chamamos de ciência é fruto de um processo histórico que levou
o homem a tentar compreender a natureza a sua volta de uma maneira objetiva e que
culmina no século XVII com a era do grande racionalismo, período em que se buscava
um afastamento das explicações de cunho religioso que haviam dominado a Europa
durante toda a idade média.
Conhecimento mitológico Tenta explicar a realidade por meio de mitos. Expressa os valores
morais de uma sociedade. Consegue criar um sistema de explicação
da realidade em que articula vários mitos.
Conhecimento Filosófico É um sistema de pensamento racional que tenta se afastar do mito
para produzir um tipo de conhecimento universalmente válido, no
entanto é também valorativo, pois expressa as ideias de determina-
das correntes de pensamento.
Senso Comum Não há sistematização do conhecimento, explica as coisas utilizando
analogias que não possuem relações diretas, mas serve de orien-
tação para o dia a dia das pessoas produzindo valores morais que
orientam a conduta humana.
Conhecimento Científico É factual, a análise dos fatos concretos é o ponto de partida do pen-
samento científico, tenta ser exato. O pensamento científico produz
conhecimento capaz de ser verificado na realidade.
Fonte: O autor, baseado em Marconi e Lakatos (2003).
Na virada do século XVIII para o século XIX a ideia de ciência também se baseava na
distinção entre o sujeito pesquisador e o objeto a ser pesquisado. Se o homem estuda
a si mesmo o objeto iria se confundir com pesquisador, isto seria um empecilho para
que o projeto antropológico pudesse se realizar. Assim, no século XIX, a antropologia
resolve este problema propondo que seu objeto de estudo seriam os povos distantes,
portanto, o que separaria o pesquisador de seu objeto era a distância geográfica. O
objeto específico de estudo antropológico seria aquilo que os europeus do século XIX
chamaram de “povos primitivos”, ou ainda “povos selvagens”. O que o termo “povos
primitivos”, ou “povos selvagens”, significa para os pensadores desta época? Eram aqueles
povos que não tinham contato e relação com as culturas europeia e norte-americana.
A saída encontrada pelos antropólogos é ampliar o seu objeto de estudo, não estudar
somente os povos primitivos e criar uma nova abordagem epistemológica. Segundo
Laplantine (2003, p. 9)
Esta divisão é apenas uma das divisões da antropologia. Mello (1983) ainda destaca
que pode haver uma divisão em relação à disciplina acadêmica e não ao campo de
estudo, nesta divisão podemos perceber a existência de uma antropologia filosófica,
antropologia psicológica entre outras.
O que estuda cada uma das divisões da antropologia é o que iremos começar a estudar.
Seção 2
Antropologia física
O homem é um ser que faz parte da natureza! Esta é a grande ousadia das ciências
naturais no século XVIII e XIX. O homem é deposto de seu pedestal de coroa da criação
divina e é colocado no mesmo ramo que os orangotangos. Antes desta afirmação, o
homem era pensado como um cidadão celeste, obra da bondade divina, assim sua
existência não poderia ser compreendida pela ciência, pois a ciência trabalha apenas
com elementos que pode observar. A afirmação de que o homem é um ser natural
possibilita a abertura de um campo de investigação que pode tentar compreender o
homem em seus aspectos físicos.
A antropologia física estuda o homem em seus aspectos biológicos, por isto que
a antropologia física pode, por vezes, ser chamada de antropologia biológica. Mello
(1983) afirma que a antropologia física é um misto de história natural e ciência natural
do homem.
Para saber mais sobre Charles Darwin e seus estudos acesse: <http://www.
sobiologia.com.br/conteudos/Seresvivos/Ciencias/CharlesDarwin.php>.
Em 1849, Charles Darwin publica o livro "A Origem das Espécies". Neste momento,
as ideias biológicas atingem seu clímax e o evolucionismo começa a ser o preceito
fundamental para uma ciência que queira estudar a origem do homem.
Assim, segundo esta teoria, que aponta um determinismo biológico que rege a
evolução humana, alguns povos, algumas raças são consideradas superiores porque
passaram por todas as etapas da evolução humana, outros povos estão no meio do
caminho e outros povos ainda se encontram nas primeiras etapas da evolução, estes
são considerados os povos mais atrasados dentro do processo evolutivo.
Estas ideias são especialmente convenientes para uma Europa que quer ampliar sua
dominação por meio de uma política colonialista durante o século XIX, se justifica a
colonização sob o pretexto de se levar a civilização para povos que ainda não tinham
evoluído o suficiente para atingirem por si este estágio de humanidade.
Laraia (2005) chama a atenção para o fato de que os estudos produzidos nesta época
servirem de munição para as ideias racistas.
Seção 3
Como se pode perceber os temas que são possíveis de serem tratados pela
antropologia são muitos, assim como são as correntes teóricas dentro desta divisão
da antropologia. Neste sentido iremos trabalhar com algumas correntes de estudo
dentro da antropologia.
Segundo Evans-Pritchards
Tylor irá distinguir o termo cultura do termo raça em seu livro Primitive Culture, de
1871, além de fornecer uma definição do termo cultura bastante amplo. Tylor afirmou
que “cultura é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, moral,
leis, costume ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como
membro de uma sociedade”. (LARAIA 2009, p. 25).
James Frazer é outro antropólogo que teve seu nome vinculado ao evolucionismo
cultural. Ele é o primeiro a ocupar a cadeira de antropologia social na Inglaterra. Para
este autor as sociedades passariam por três etapas: Magia, Religião e Ciência. Frazer
tentava encontrar as leis gerais que guiavam a evolução humana.
Franz Boas nasceu na Alemanha em 1858, mas mudou-se para os Estados Unidos
em 1887, com a mudança de país veio a mudança de carreira, que iniciou como
geógrafo e no novo país foi incorporado ao Departamento de Antropologia da
Universidade de Columbia. Por esta razão podemos afirmar que ele é o representante
americano do difusionismo. Seus estudos sobre as particularidades culturais o levou a
inaugurar a ideia de relativismo cultural, ou seja, a cultura deve ser avaliada no contexto
em que ela se encontra e não em relação a uma determinada cultura universal. Em
seus cadernos de viagem afirma:
3.4 Funcionalismo
O funcionalismo começa a se erguer como uma corrente teórica importante
dentro do pensamento antropológico a partir de 1914, com os estudos de Bronislaw
Malinowski, nas ilhas Trobriand. Na Inglaterra, os discípulos de Malinowski o
consideraram o criador da antropologia social.
Malinowski aponta que tudo o que a sociedade produzia era uma resposta à
necessidade humana mais básica, saciar a fome. Para este autor o homem é uma
espécie animal que está sujeito, portanto, às condições mais básicas de vida. Por isto
Malinowski afirma que:
A observação de como a cultura atua na manutenção material da vida tem que ser
feita de maneira objetiva e com objetos de estudos que possam se relacionar entre
si, por isto Malinowski apontará que seus estudos devem ser feitos a partir de uma
unidade básica que possa ser capaz de mostrar as relações de interdependência, esta
unidade são as instituições.
distintas quando entram em relação na estrutura é que mantêm o corpo social coeso.
Segundo Mello (1983), o funcionalismo, principalmente ligado a Radcliffe-Brown,
relegou o conceito de cultura em benefício do conceito de sociedade.
3.5 Estruturalismo
Percebemos que na teoria anterior o termo estrutura já foi utilizado, mas de uma
maneira bem simples podemos definir estrutura como a maneira pela qual as partes
de um todo estão dispostas entre si. Apesar de esta definição simplista ser muito útil
para a compreensão do estruturalismo precisamos também perceber como principal
autor desta corrente teórica elaborou suas ideias.
Para Saussure a linguagem é um sistema que apenas conhece a sua própria ordem,
ela é um sistema convencional de sinais que para serem entendidas as partes devem
ser consideradas umas em relação às outras. Neste sentido, o mais importante para
se conhecer a língua não é conhecer o desenvolvimento histórico de determinado
termo, mas para se conhecer a língua é preciso conhecer o sistema em que esta
língua está inserida. Esta é a concepção estrutural de Saussure apesar de ele usar
sempre o termo sistema. Esta ideia das relações está dentro de um sistema que é a
base do pensamento estruturalista de Levi-Strauss.
com esta. Assim, aparece a diferença entre duas noções, tão vizinhas que
foram confundidas muitas vezes: a de estrutura social e relação social. As
relações sociais são a matéria-prima empregada para a construção dos
modelos que tornam manifesta a própria estrutura social.
Pensamos, com efeito, que para merecer o nome de estrutura os
modelos devem, exclusivamente satisfazer quatro condições:
Em primeiro lugar, uma estrutura oferece um caráter de sistema. Ela
consiste em elementos tais que uma modificação qualquer de um deles
acarreta na modificação de todos os outros.
Em segundo lugar, todo modelo pertence a um grupo de transformações,
cada uma das quais corresponde a um modelo da mesma família, de
modo que o conjunto destas transformações constitui um grupo de
modelos.
Em terceiro lugar, as propriedades indicadas acima permitem prever de
que modo reagirá o modelo em caso de modificação de um dos seus
elementos.
Enfim, o modelo deve ser construído de tal modo que seu funcionamento
possa explicar todos os fatos observados. (LEVI-STRAUSS, 1967, p. 316).
A seguir será apresentado o modelo elaborado por Sahlins para dar conta das
mudanças sistêmicas tentando articular os conceitos/discussões de “Estrutura”,
“Conjuntura” (evento) e “Ação Social” (práxis) em Sahlins.
De fato, para o estruturalismo francês a ciência, em seu proceder, tem apenas dois
modos: ou é reducionista, ou estruturalista (LEVI-STRAUSS, 1978). O reducionismo é
a redução de fenômenos complexos em um nível, de fenômenos mais simples em
outro nível, no entanto, há fenômenos que não podem ser reduzidos. Segundo Levi-
Strauss (1978, p. 17-18),
O próprio Levi-Strauss (1978) afirma que foi isso que ele fez em seus estudos,
tentou compreender os sistemas originais em seu conjunto estudando as relações
internas de um fenômeno para assim chegar à compreensão de seu significado. O
significado , segundo Sahlins (2003), é a propriedade essencial do objeto cultural para
o estruturalismo, assim como o “simbólico é a faculdade específica do homem” (p. 30)
– Para Levi-Strauss (1978, p. 20) é “impossível conceber o significado sem a ordem”,
pois significar é a possibilidade de qualquer tipo de informação ser traduzida em uma
linguagem diferente e para que isso possa se tornar inteligível é preciso haver regras.
“Falar de regras e falar de significado é falar da mesma coisa; e, se olharmos para todas
as realizações da Humanidade, seguindo os registros disponíveis em todo o mundo,
verificará que o denominador comum é sempre a introdução de alguma espécie de
ordem”. (ibid, p. 21).
A crítica que Sahlins dirige ao estruturalismo é que este “parece incapaz de fornecer
uma explanação teórica da mudança”. (SAHLINS, 2008, p. 26), pois a antropologia
A questão para a prática é: “Como havemos de conciliar estruturas que são lógicas
e duradouras com eventos que são emocionais e efêmeros?” (SAHLINS, 2004, p. 320).
O problema, argumenta Sahlins (2004), é que a estrutura não pode ser reduzida ao
evento, nem o evento ser reduzido à estrutura, “mas, de algum modo, cada uma está
determinando a outra”. (SAHLINS, 2004, p. 327).
responsabilidade pelo que sua própria cultura possa ter feito com elas.
Porque, se sempre há um passado no presente, um sistema a priori de
interpretação, há também “uma vida que se deseja a si mesma” (como
diria Nietzsche). Isto é o que Roy Wagner (1975) deveria estar querendo
dizer com a “invenção da cultura”: a inflexão empírica específica de
significado dada a conceitos culturais quando estes são realizados
como projetos pessoais. (SAHLINS, 2003a, p. 189).
Para compreensão da síntese entre estrutura e evento, é preciso interpor entre estes
dois termos um terceiro que Sahlins denomina “estrutura da conjuntura”. (SAHLINS,
2003a, p. 15). “A “estrutura da conjuntura” é a realização prática das categorias culturais
em um contexto histórico específico, assim como se expressa nas ações motivadas dos
agentes históricos”. (SAHLINS, 2003a, p. 15). A “estrutura da conjuntura” é necessária para
demonstrar que a “síntese exata do passado e do presente é relativa à ordem cultural,
do modo como se manifesta em uma estrutura da conjuntura específica” (ibid, p. 190).
Sendo assim, toda mudança aparece em parte como reprodução de ideias culturais
existentes, mas também aparece como uma diferença. Para Sahlins, toda estrutura é
eventual, pois os significados da ordem cultura estabelecida só se realiza como evento
do discurso ou da ação, portanto “o evento é a forma empírica do sistema” (ibid), e todos
os eventos são culturalmente sistemáticos.
Eventos triviais para uns podem ser fantásticos para outros, a significância do evento
depende de seu significado e o significado depende de conjunturas específicas, um
almoço é um almoço, no entanto um almoço em que se pede a mão de alguém em
casamento aparece como um evento fatal, decisivo. Por isso não é possível separar evento
de sistema, atividade prática da teoria – toda prática se inicia com conceitos e valores já
adquiridos –, passado e presente, estrutura e história.
Seção 4
Antropologia brasileira
Diferentemente da antropologia produzida na Europa e nos Estados Unidos, a
antropologia brasileira não precisou buscar seu objeto de estudo fora das fronteiras
do país. Compreender os caminhos percorridos pela antropologia brasileira é uma
questão fundamental para compreender os temas com que esta ciência se ocupou
em nosso território. A seguir apresentamos um quadro de uma possível divisão dentro
desta linha de pesquisa.
Quadro 2.3 | Principais períodos da antropologia brasileira
Período Característica
Produzido por intelectuais não formados na área e discutiam a formação do
povo brasileiro. Os estudos partiam, em muitos casos, das ideias evolucion-
Século XIX – 1930
istas. Principais nomes: Silvio Romero; Euclides da Cunha; Nina Rodrigues;
Oliveira Viana; Gonçalves Dias.
Profissionalização nas ciências sociais com o surgimento da escola de soci-
ologia e política da USP. Neste período há uma forte influência da Antropo-
logia norte-americana e os ideais derivados do conceito de cultura de Franz
1930 – 1960 Boas. Os principais nomes são:
- MISSÃO ESTRANGEIRA DA USP: Roger Bastide; Emílio Willems; Herbert
Baldus; Donald Pierson.
Os brasileiros Gilberto Freyre e Arthur Ramos.
Este período marca um aumento do número de antropólogos e iniciam-se
as pesquisas com o campesinato, os trabalhadores assalariados urbanos, os
1960 – atual
processos de migração do campo para a cidade. São destaques:
Roberto Da Matta; Darcy Ribeiro; Eunice Durham; Gilberto Velho.
Fonte: Adaptado de: Machado; Amorin; Barros (2014).
Gilberto Freyre foi o primeiro a falar dos aspectos democratizantes do povo brasileiro.
Freyre, em 1937, fez uma palestra na Conferência “Aspectos da influência da mestiçagem
sobre relações sociais e de cultura entre portugueses e lusodescendentes” e afirmou
que a grande contribuição luso-brasileira à humanidade é a democracia social que se dá,
sobretudo, pela mistura das raças. Esta democracia é muito superior, segundo Freyre, à
democracia inglesa, pois a democracia inglesa é simplesmente política, direitos iguais a
todos, a democracia brasileira é social. Nas palavras do próprio Freyre:
Percebam que por meio de uma declaração a discriminação deixa de existir no país.
Isto é importante, porque esvazia o conteúdo legítimo das lutas do movimento negro
e estabelece que o governo não precisa se ocupar de algo que não existe. No período
pós-ditadura a questão racial se dilui na questão da divisão de renda.
Darcy Ribeiro oferece uma descrição do povo brasileiro em que se destaca a beleza
deste povo. O livro “O povo brasileiro” tenta dar uma descrição da formação do povo
brasileiro. Neste livro, Darcy faz uma descrição das três raças fundadoras do Brasil e de
como estas raças entraram e relação. Na nota de capa de seu livro se apresenta uma
bela síntese do que se tratará a obra, segundo a anotação, “O povo brasileiro”:
mesmos paa serem o que hoje somos. Uma nova Roma lavada em sangre
negro e sangue índio, destinada a criar uma esplêndida civilização,
mestiça e tropical, mais alegre, porque mais sofrida, e melhor, porque
assentada na mais bela província da terra.
Segundo as palavras do próprio Darcy Ribeiro, o livro era uma tentativa de responder
à seguinte questão: “por que o Brasil ainda não deu certo?” Uma questão formulada
ainda na década de 1950 e que obteve como resposta uma obra densa em dados e
teorias que foi publicada trinta anos mais tarde.
funcionalismo e o funcionalismo:
a. Estudam a organização social interna de cada sociedade,
e explicam a realidade social das sociedades como esse
todo orgânico onde as partes do sistema social se interligam
para sustentar e garantir a sobrevivência ou continuidade do
sistema.
b. São correntes teóricas que apresentam oposição entre si, o
funcionalismo estuda toda produção humana como cultural
e o estrutural-funcionalismo estuda a organização social.
c. Estudam as formas como as sociedades evoluíram e
a origem das desigualdades entre os povos com base
no pressuposto darwiniano de evolução e determinismo
biológico.
d. Estudam as sociedades por meio de elaboração de modelos
em que a estrutura aparece como sendo um elemento
variável construídos pelas relações sociais que são variáveis.
e. Estudam as maneiras pelas quais os eventos interferem na
construção da estrutura, mostrando que as estruturas não
monolíticas, mas passíveis de mudança pela intervenção do
indivíduo.
Referências
Vozes, 1983.
MELLO, Luiz Gonzaga; SALES JR, Aluísio. Introdução à antropologia cultural. Recife:
Rota G Comunicação, 1973.
MORGAN, Lewis Henry. A sociedade antiga ou investigações sobre as linhas do
progresso humano desde a selvageria, através da barbárie, até a civilização. In: CASTRO,
Celso. Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
ORTNER, Sherry B. Teoria na antropologia desde os anos 60. Mana, Rio de Janeiro,
v. 17, n. 2, ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0104-93132011000200007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 31 jan.
2013.
QUINTANEIRO, Maria Ligia de Oliveira Barbosa et al. Um toque de clássico: Marx,
Durkheim e Weber. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
SAHLINS, Marshall David. Cultura e razão prática. Tradução Sérgio Tadeu de Niemayer.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
______. Ilhas de história. Tradução Bárbara Sette. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2003a.
______. Cultura na prática. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
______. Metáforas históricas e realidades míticas: estrutura nos primórdios da história
no reino das Ilhas Sndwich. Tradução Fraya Frehse. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2008.
OS PRINCIPAIS PROBLEMAS
ANTROPOLÓGICOS
Edson Elias de Morais
Objetivos de aprendizagem:
Nesta Unidade, você vai conhecer alguns dos principais debates que fazem
da antropologia uma ciência singular. Você terá contato com alguns dos
problemas antropológicos que os pensadores da cultura se debruçaram a partir
do desenvolvimento do método etnográfico e da observação participante. E
terá a oportunidade de identificar conceitos e teorias fundamentais no campo
desta ciência que tem por objetivo o estudo das relações de alteridade e o
desenvolvimento de reflexão sobre as potencialidades da diversidade humana.
Introdução à unidade
Vamos lá?
Seção 1
Em tais relatos apresentavam pinturas dos povos, sua organização e suas práticas,
bem como seus rituais e sua agressividade ou passividade. Esses povos, primeiramente,
eram tidos como “selvagens”, isto é, seres que estavam no meio termo entre a
animalidade e a humanidade. Depois dos avanços e da aceitação das pesquisas e
teorias de Darwin, a compreensão fora modificada e, a partir de então, não seriam
mais considerados selvagens, mas primitivos, porque se acreditava que havia estágios
Você pode ler os relatos sobre os índios brasileiros (Tupinambás) pelo olhar
do europeu no séc. XVI em:
1. LERY, Jean de. História de uma viagem feita à Terra do Brasil. Belo
Horizonte: Itatiaia São Paulo: Edusp, 1980.
2. BELMONTE, Alexandre. Saudades do novo mundo. Disponível em: <http://
www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/saudades-do-novo-mundo>.
Sobre isto, o antropólogo François Laplantine (2007, p. 25) diz que os antropólogos
na atualidade estão convencidos de que uma das características de sua prática reside
no confronto pessoal com a alteridade, e completa ao afirmar que
Contudo, William Rivers (1864-1922) afirmava que “no presente há um grau tão
grande de divergência entre os métodos de trabalho das principais escolas dos
diferentes países, que qualquer esquema comum é impossível”.(RIVERS, 1991, p. 168).
Na verdade, essa impossibilidade de uniformização dos métodos antropológicos é
impossível até os dias atuais, e como naquela época, os métodos estavam pautados
por “escolas” de pensamentos, que por sua vez, se fundamentam em pressupostos
filosóficos.
Rivers (1991, p. 167) inicia uma crítica ao evolucionismo que, segundo ele, possui uma
“fraqueza fundamental” o seu método. A partir deste momento segue então a tentativa
de construção de um método antropológico que supere as falhas do evolucionismo,
o que no decorrer da história será sempre uma tentativa de aperfeiçoamento, e
refinamento deste método, contudo, não se constitui em um aspecto progressivo
e/ou evolutivo, mas setransformará em novas formulações, ou seja, novas escolas
antropológicas.
Baseados em que fatos históricos os evolucionistas estão pautados para atribuir tal
tribo a tal tempo histórico da evolução? Os evolucionistas fundamentavam suas teorias
a partir de objetos e aleatoriamente faziam suas classificações, como idade da pedra,
idade do bronze, idade do ferro etc. Sobre isso Ernest Gellner (1925-1995) afirma que
a base fundamental era “o método de acumulação de dados fora do contexto, sem
importar-se com o lugar que ocupava nas respectivas culturas, e a suposição de um
esquema explicativo evolucionista”. (GELLNER, 1997, p. 238). Mas fato histórico difere
de especulação histórica,
construções abstratas e
Figura 3.1 | Ilhas do Estreito de Torres
formulações produzidas
a partir de fragmentos
de objetos não garantem
a historicidade, mas
promove o historicismo.
das instituições e demais relações sociais e culturais a partir do olhar do próprio nativo
e não mais com o olhar do europeu. Com essa postura a antropologia não se restringe
mais a gabinetes na “segura” Europa civilizada, mas inicia-se um novo modo de pesquisa
antropológica, a pesquisa em campo. Observação não somente do objeto, mas
observação e análise do que significa tal objeto para os indivíduos em seu cotidiano. É
com W. Rivers que se delineia a matriz da nova disciplina. E a tarefa dessa nova disciplina
é analisar a cultura a partir de estudos psicológicos dos costumes e instituições e, como
estes costumes interagem no indivíduo. A conclusão de Rivers é a de que:
Rivers não dá seguimento as suas propostas devido sua morte prematura, mas seus
esboços influenciaram outras gerações de antropólogos a começar por Bronislaw
Malinowski (1884-1942).
1
Estreito de Torres é uma passagem náutica que fica entre o norte da Austrália e sul da Papua Nova-
Guiné, no Oceano Pacífico. É uma localidade repleta de recifes e ilhas.
Malinowski (1984) tinha por objetivo tornar os estudos antropológicos uma disciplina
científica, e para isso sistematiza suas expedições nas Ilhas Trobriand, e sua primeira
monografia “Argonautas do Pacífico Ocidental” é a marca da antropologia moderna.
Malinowski (1984) se propõe ao recorte numa perspectiva sincrônica, pois segundo
ele não há possibilidade de fazer afirmações a respeito das instituições do passado,
pois não é possível fazer observação, senão apenas uma tentativa de reconstrução
interpretativa do passado.
Diante das críticas a respeito da suposta inferioridade dos nativos, Malinowski (1984,
p. 23) afirma que “a ciência moderna, porém, nos mostra que as sociedades nativas
têm uma organização bem definida, são governadas por leis, autoridade e ordem
em suas relações públicas e particulares, e que estão, além de tudo, sob controle de
laços extremamente complexos de raça e parentesco” (MALINOWSKI, 1984, p. 23).
Malinowski (1984) instrui que é somente por meio do contato direto do pesquisador
com os nativos em sociedade que se apreende essas estruturas sociais, seus valores e
E para isso, o antropólogo deve aprender a língua nativa, e não ter contato com
pessoas de sua própria cultura, no máximo um contato mínimo. Afirma ainda que
existe certa distância entre o material bruto coletado no dia a dia e seu relatório final. O
material bruto é a fonte do antropólogo, mas não deve ser apresentado por completo
na exposição, contudo, o pesquisador tem de buscar o máximo de honestidade em
suas análises.
Como vemos Malinowski (1984) avança muito no método antropológico, vai muito
além de seu professor, W. Rivers, e derruba muitos argumentos dos evolucionistas.
Malinowski é criticado por muitos outros antropólogos posteriores a ele, contudo, é
inegável sua fundamentação metodológica caracterizando a antropologia funcionalista
britânica, do qual o conceito central é “a noção de que a realidade social só pode ser
apreendida enquanto integração e de inter-relação funcional na análise da cultura”.
(DURHAM, 1978, p. 11).
Figura 3.3 | Ilha Tikopia
Marcos Lanna (1998, p. 27) afirma que Firth “inaugura um terceiro período, aquele
em que a antropologia social atinge sua maturidade”. Sendo sua preocupação com
a história e com a descrição da sociedade como processo, ou como estruturaem
processo, associando a este o que ele denominava de organização social. Lanna (1998)
afirma ainda que tanto Firth quanto Evans-Pritchard criticam Malinowski por ele fazer
investigação somente nas ilhas Trobriand e não compará-la com outras sociedades.
Com outros dois antropólogos esta ciência toma novas configurações. São eles:
Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) e Evans-Pritchard (1902-1973) os quais
compõem a chamada escola “estrutural-funcionalista”, termo com que ele faz críticas
severas e, além disso, afirma que “isto se deve à irresponsabilidade de Malinowski”.
(RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 232).
Para este antropólogo a investigação deve ser feita da estrutura social, e compreende-
se estrutura social como “complexa rede de relações”. (RADCLIFFE-BROWN, 1973,
p. 234), ou seja, é a investigação das formas de associação que se encontram entre
os seres humanos (IBID). Evans-Pritchard, por sua vez, compreende estrutura social
como “grupos sociais duráveis”, para Radcliffe-Brown somam-se a esse conceito as
“relações de pessoa a pessoa” e as “diferenças de indivíduos e classes”. (RADCLIFFE-
BROWN, 1973, p. 236). Isso porque a sociedade é uma relação de pessoas e indivíduos.
2
Assista a uma dança feminina tradicional do povo Tikopia Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=1HfDQZKwnmU>.
Relações sociais não de unidades individuais, mas uma conduta de reciprocidades das
pessoas em seus papéis na estrutura social.
Quanto a seu método antropológico, ele defende que se deve fazer comparação.
Afirma ele: “A comparação é indispensável. O estudo de uma sociedade única
pode fornecer materiais para estudo comparado, ou ensejar hipóteses que então
precisam ser verificadas por referência a outras sociedades; não pode dar resultados
demonstráveis”. (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 240). Com isso vemos uma crítica à
postura de Malinowski por pesquisar somente as ilhas Trobriand.
Então ele se dedica a “rascunhar” algumas páginas sobre esse tema. Segundo ele, é
necessário saber o que se quer encontrar, se dedicar em uma pesquisa prévia em teoria
antropológica para saber o que e como investigar. Por isso é natural que o antropólogo
inicie sua pesquisa com preconceito. Para ele, o antropólogo como ser humano em
busca de conhecer outros seres humanos precisa de todos os saberes adquiridos, pois
todos são relevantes. O antropólogo precisa interagir na sociedade como ela permite,
ele exemplifica isso em suas experiências na sociedade Azande e entre os Nuers. Na
primeira apresentava informações com facilidade, mas não o permitia participar da
comunidade, mas tinham-no como ser superior, ao contrário dos Nuers, que não
lhe fornecia informações, porém o tratava de igual modo na sociedade. Assim como
Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard se preocupa em compreender a estrutura social. E se
propõe a afirmar sobre a racionalidade do nativo, como é o caso da bruxaria, em que
ele analisa não o aspecto mítico, mas racional e funcional da bruxaria entre os Azande.
Seção 2
várias formas que as sociedades escolheram para viver e organizar sua coletividade.
Desde o começo do século XX, a antropologia tornou-se fonte de conhecimento
sobre a diversidade cultural, desempenhando papel importante na garantia e na defesa
dos direitos de diversas populações viverem à sua maneira.
Para o antropólogo Franz Boas (2004), cultura era um todo integrado, e não apenas
um conjunto de práticas, hábitos, técnicas, relações e pensamentos que poderiam ser
analisados separadamente. Essa integração de múltiplos elementos, ordenados a partir
de um princípio compartilhado por todos os indivíduos de uma sociedade específica,
criava a cultura.
grande &senzala.
Obra considerada um clássico da antropologia:
BOAS, Franz.Antropologia Cultural. (Org.). Celso Castro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004.
Fonte: Wikimedia Commons, Fev. 2015. Disponível em: <http://commons.
wikimedia.org/wiki/Category:Franz_Boas#/media/File:FranzBoas.jpg>.
Acesso em: 1 mar. 2015.
que seja dos padrões culturais ocidentais, entretanto, o problema está quando certas
práticas oprimem certas populações, que se tornam vítimas de processos que, para
além de cultural, envolve outras questões como o poder político, dominação etc.
Um dos critérios para orientar o debate sobre determinadas práticas culturais pode se
pensar em termos de poder e autoridade. Se determinado costume oprime grande
parcela de uma sociedade, como as mulheres islâmicas, ou crianças, na Índia, e, ponto
mais importante, se essas parcelas se sentem oprimidas, violentadas, é justo que um
costume seja questionado e criticado.
Mas, ainda assim, essa discussão e questionamento devem ser feito a partir dos
próprios termos e das lógicas de pensamento da sociedade em questão. Não se pode
simplesmente impor termos ocidentais para determinar o porquê uma prática cultural
é considerada inaceitável. Deve-se conhecer a fundo determinada cultura, o sistema
simbólico que orienta seus costumes e práticas. Se as próprias mulheres islâmicas
não se sentem violentadas com a prática da mutilação, e fazem questão do ato, não
temos o direito de criticar ou intervir só porque não compartilhamos da mesma lógica
de pensamento e crença.
O ponto que interessa aqui é ter em mente que o relativismo cultural não implica
aceitar tudo ou qualquer coisa que uma cultura faz ou produz, mas sim entender
como e por que cada sociedade faz o que faz, como faz, as relações envolvidas nesse
fazer, quem é ou não favorecido por determinada prática. É este princípio, conhecer
diferentes culturas, levando a sério seus próprios termos e princípios que embasam a
ideia de diversidade cultural.
O Brasil se constitui como uma “aquarela” de grupos étnicos, formada por brancos,
negros e índios. Temos uma pluralidade de identidades, mas caracterizada pelas
diferenças. Por conta da confluência e relação travada entre uma grande variedade de
identidades, povos e tradições, os diferentes grupos étnicos desenvolveram o que em
antropologia recebeu o nome de etnicidade.
Como bem analisa Lévi-Strauss (2013a, p. 358-359) sobre a relação entre os termos
cultura, raça e etnia,
Você, com certeza, já ouviu dizer que “índio de verdade” não usa
roupas, ou possui aparelhos tecnológicos, ou assume hábitos e
comportamentos dos “brancos”. Esse discurso é comum uma
vez que legitima a retirada de direitos das populações indígenas.
Quando um fazendeiro quer desqualificar reivindicações
dos indígenas sobre as terras que ocupa, afirma que eles não
são mais indígenas porque usam roupas, ferramentas etc. As
sociedades ocidentais capitalistas criam imagens dos indígenas
como primitivos, se apressam em tentar “ocidentalizá-los”,
ocupam suas terras, os expulsam para as periferias dos centros
urbanos, leva-os a adotar seus hábitos de consumo, seus modos
de vida, e, com isso, podem acusá-los de não mais serem índios
e, portanto, não têm direito à terra, ao respeito à suas tradições
e costumes, por exemplo.
Pense sobre vários discursos que você ouve repetidas vezes de
alguns grupos que, disfarçados pelo argumento do progresso
e do desenvolvimento, acabam denegrindo e retirando a
autonomia e os direitos de grupos e coletivos dentro da
sociedade nacional.
universidade do plano biológico, mas sim pela cultura na qual estão inseridos. A utilização
e significação do corpo, por exemplo, ao invés de ser determinada geneticamente
(todas as formigas de uma mesma espécie, usam seus membros uniformemente),
depende de um aprendizado de padrões que regem as relações sociais, as condutas
e os sentimentos do grupo social.
Esta confluência se constitui mediante a linguagem. É através dela e por ela que
natureza e cultura se articulam. Assim, segundo Lévi-Strauss (2003), se há algum
ponto no qual se possa pensar a separação entre natureza e cultura na experiência
humana, este ponto seria a partir da proibição do incesto, ou, do modo como cada
coletivo humano prescreve com quem se pode ou não casar-se. Mais do que isso, a
proibição do incesto, sancionada por penalidades variadas, podendo ir da imediata
execução dos culpados até a reprovação difusa, e às vezes somente até a zombaria,
está presente em qualquer grupo humano. Ao instaurar essa regra, os seres humanos
foram levados a estabelecer trocas com outros humanos, condição fundamental para
a vida social e a constituição da cultura: a mulher interdita em determinado grupo,
casa-se com um homem de outro grupo, estabelecendo com isso laços sociais,
afinidades, parentescos.
De acordo com diversas populações indígenas, diz-se que no início dos tempos,
animais, plantas e outros seres que tendemos a denominar não humanos eram
humanos, pois se comunicavam plenamente com os humanos, partilhando com eles
tudo o que havia no mundo.
Bruno Latour
Bruno Latour nasceu em 1947, em Borgonha,
na França. Fez graduação em filosofia e
antropologia. De 1982 a 2006, ele foi professor
do Centre de Sociologie de l' Innovation na
Ecole Nationale Superieure des Mines de
Se antes um antropólogo achava que cada cultura resolvia, à sua maneira, como
pensar a natureza, ele necessariamente partia do pressuposto de que havia uma
separação universal entre natureza e cultura. Ao se deparar com formas de pensamento
e grupos humanos que não pressupõem a divisão natureza/cultura, os antropólogos
começaram a criticar as próprias noções antropológicas que fixavam a explicação da
experiência a partir desse dualismo.
A Teoria da Prática surge em fins dos anos 1970 como uma proposta que supera
as dicotomias conceituais e as oposições entre estrutura e ação dos atores sociais,
pois, como afirma Ortner: “A história faz as pessoas, mas as pessoas fazem a história”.
(ORTNER, 1993, p. 277) – não só não é uma contradição como talvez seja a verdade
mais profunda da vida social”. (ORTNER, 2007, p. 21).
3
Edições traduzidas: BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 3.ed. Campinas: Papirus, 2001.
SAHLINS, Marshal David. Metáforas históricas e realidades míticas: estrutura nos primórdios da história do reino
das ilhas Sandwich. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. O livro de A. Giddens não está traduzido para o português.
4
Usaremos a versão em espanhol “La teoria antropológica desde los años sesenta”, Traduzido por:
Rubén Páez. Cuadernos de Antropologia. 1° Edición em Espanhol, 1993. Todas as referências desta obra
foram traduzidas por nós.
fundamentos teóricos marxistas e weberianos, faltando uma visão que pudesse inserir
as vontades e as ações dos agentes na discussão sobre a sociedade. Na década de
1970, a antropologia não parecia ser acerca das pessoas reais, e sim sobre a ação
humana estruturada ou sistematicamente determinada, perspectiva diferente da
década posterior. Assim, Ortner (1993) afirma que a Teoria da Prática dialogava com as
teorias dominantes daquele período, a saber: Interpretativismo simbólico de C. Geertz;
Economia Política Marxista, defendido por Eric Wolf; e o Estruturalismo formulado por
Claude Lévi-Strauss; que embora fossem avanços em relação ao Funcionalismo, ainda
assim, compreendiam que o ator social era ordenado e definido por forças estruturais
(ORTNER, 1993, 2007).
Assim, a Teoria da Prática procura estabelecer as relações entre a ação e a estrutura, pois
No entanto, Ortner chama atenção para o fato de que a Teoria da Prática fundamenta-
se tanto no marxismo quanto na teoria weberiana, afirmando que na década de 1960
era enfatizada a oposição entre Marx e Weber. Porém, entre os teóricos da prática há
“uma interpretação, quase uma fusão” entre esses autores (ORTNER, 1993, p. 43).
Desta forma, a Teoria da Prática se interessa pela ação dos atores e, não somente
isso, mas principalmente como essa ação reproduz a estrutura social e, dialeticamente,
esta pode mudar o sistema. Ou seja, não nega as contradições do sistema social,
mas se propõe a identificar de onde surgem tais contradições e as possibilidades de
mudança. Portanto, a Teoria da Prática não tem por suposto um sistema autônomo
onde as relações sociais acontecem por contingências a-históricas. Fraya Frehse,
ao apresentar o livro “Metáforas Históricas e Realidades Míticas” de M. Sahlins (2008)
afirma que
Esta [obra] abre espaço para uma apreensão muito vívida, muito
“próxima-da-experiência” (para usar um jargão eternizado por
Geertz), justamente como que em câmera lenta, da mudança
cultural historicamente possível – e da mudança histórica
culturalmente possível – em meio à prática cotidiana das pessoas
“no mundo”. E eis que a história cede lugar a histórias; as histórias,
a historicidades (FREHSE, 2008, p. 13).
Para Sahlins cada grupo cultural age segundo suas perspectivas culturais. Cada
grupo define ações, gestos, valores e interpreta eventos conforme sua estrutura
cultural lhes ensinou, isso significa a “cultura na prática” (SAHLINS, 2008). Contudo,
o contato com outra cultura – o evento – promove modificações inimagináveis do
ponto de vista estrutural. Como exemplo, o caso do contato do capitão Cook com os
havaianos nas ilhas Sandwich e sua identificação como o deus Lono, a médio e longo
prazo eliminou os tabus, modificou a religião e as relações entre chefes e pessoas do
Embora Ortner teça grandes elogios ao trabalho de Sahlins, ela afirma que essa
mudança estrutural não acontece de forma tão simples como este autor faz pensar
em seu livro. Antes, ela afirma que mudanças estruturais tendem a ser longas e deve-se
pensar em duas a três gerações (ORTNER, 1993). E afirma ainda que
Contudo, uma Teoria da Prática não ignora o poder coercitivo que a cultura
desenvolve sobre os indivíduos, sendo necessário compreender que esta coerção
não é totalitária. A cultura também favorece a manifestação de ações e, por sua
vez, transformação, pois pensar em mudança estrutural é pensar em transformação
cultural. Desta forma, cultura, afirma Ortner, não é simples classificação de grupos
em formas estereotipadas, mas como “fazendo parte de fluxos culturais globais e da
ecumene cultura global”. (ORTNER, 2007, p. 33). Desta maneira, considera-se que as
pessoas atuam no mundo com suas subjetividades e sentimentos por meio da cultura
e modificando-a.
Para Sahlins a cultura é uma “estrutura de signos” que dá sentido e significado para
as pessoas agirem, conceito relativamente próximo à compreensão de C. Geertz, que
afirma que: “sem cultura – sistema externo de símbolos e de significados –, as pessoas
não seriam capazes de pensar”. (Apud ORTNER, 2007, p. 36). Entretanto, Sahlins preza
a posição do sujeito que pratica a ação e faz história, enquanto Geertz, a cultura em si.
Fraya Frehse (2008, p. 11) exemplifica a posição de Sahlins da seguinte maneira:
Sahlins compreende que essa estrutura de signos fornece elementos para interpretar
e agir social e individualmente. A prática dessa estrutura permite ressignificação, e
assim, mudança estrutural, portanto, uma reprodução que transforma. Nas palavras
do próprio Sahlins (2008, p. 125):
A categoria “evento” para Sahlins é muito cara, pois é por meio desta que a estrutura
possui a brecha para a transformação. Enquanto que para Victor Turner, a brecha se
dava pelos processos rituais, no momento em que ele denominou de “Liminaridade”
(TURNER, 1974). “Todavia, a proposta de Turner ainda estava muito referida ao
funcionalismo, já que as mudanças eram absorvidas pela estrutura e somente em
outro momento de Liminaridade era possível tal mudança, as primeiras eram fixadas e
institucionalizadas”. (TURNER, 1974, p. 131). Para Sahlins, a mudança estrutural acontece
mediante o evento, portanto, uma relação íntima entre a história e a antropologia, pois
Sahlins define o “evento” como sendo “a relação entre o acontecimento e a estrutura”.
(SAHLINS, 1990, p. 15).
Marshall Sahlins critica o estruturalismo lévi-straussiano por este não dar valor à
história, antes sua teoria está fundamentada em questões invariantes das sociedades.
Preza, portanto, o sistema ao invés do evento, a sincronia ao invés da diacronia,
excluindo assim a ação individual (SAHLINS, 2008). Para o estruturalismo, a estrutura
social é caracterizada pelo “invariante cultural”, uma relação de signos binários
fundamentada na teoria de F. Saussure. Enquanto que para Sahlins a estrutura social é
a “cultura-tal-como-constituída”. (op. cit. p. 132).
Para o autor não existe um determinismo histórico, mas sim, uma forte expressão
cultural, contudo, relativa à conjuntura e aos interesses dos atores. Isso porque a
cultura define as pessoas e objetos. Assim a ação e interpretação primária dos atores
estão referidas conforme lhes foram impressas pela ordem cultural, são valores
contextuais. Porém Sahlins salvaguarda a questão da mudança e afirma que “esses
valores contextuais, quando diferentes das definições culturalmente pressupostas, têm
então a capacidade de atuar sobre os valores convencionais”. (SAHLINS, 2008, p. 72),
promovendo modificações categoriais sem precedentes.
a) Relativismo.
b) Etnocentrismo.
c) Assimetrismo.
d) Perspectivismo.
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Objetivos de aprendizagem:
Introdução à unidade
Essa jornada, nos levará a pistas sobre a compreensão dos estudos antropológicos
a partir da década de 70, de maneira reflexiva e criativa, possibilitando o encontro do
eu com o outro em nossouniverso sociocultural, que é a contemporaneidade.
Seção 1
Para melhor entendermos esse processo, vamos retomar algumas ideias de um dos
É certo, que a forma que entendemos a nossa história e a história da nossa sociedade,
dependem da ideia e dos conceitos que fazemos sobre o que é história, sobre o
tempo e os processos que entrelaçam os acontecimentos. Laraia (2001), aprofunda
um pouco mais a complexa tarefa do antropólogo no processo de relativização das
suas observações sobre o “outro”. Reforçando essa ideia, Laraia (2001) apresenta as
experiências do antropólogo Roberto da Matta.
Veja esse exemplo, para entender a diferença de história, fornecido por Laraia
(2001), no qual conta a experiência do antropólogo Roberto da Matta, quando
esse viveu com os índios Apinayés, com o intuito de estudá-los. Para esses índios, a
continuidade do seu mundo não é motivada pelo tempo, como causa e efeito. Para
eles há algo que funcionaria como um espelho, existindo dois “espelhos”: um no céu e
outro na terra. Assim, primeiro tudo aconteceu no céu, para apenas depois acontecer
na terra. É como se houvesse dois momentos fixos. O tempo não é, tal como para
nós, cronológico, mas para um Apinayé, o tempo é sentido, pensado e vivido.
Figura 4.1 | Índios
Enfatiza Lévi-Strauss (apud LARAIA, 2001, p. 92) “[...] o sábio nunca dialoga com a
natureza pura, senão com um determinado estado de relação entre a natureza e a
cultura, definida por um período da história em que vive a civilização que é a sua e os
meios materiais de que dispõe”.
Nas antigas sociedades tribais, o totemismo era observado nos ritos de passagem. Ou
seja, nas tribos do Xingu, “o menino passa à categoria de guerreiro ou caçador depois de
determinados rituais, um deles consistindo em uma prova de coragem ao inserir a mão
em uma caixa de abelhas”. (SANTOS, 2005, p. 56). Portanto, transpondo a ideia de ritual
de passagem para nossa cultura é a aprovação no vestibular, nesse momento iniciamos
vários outros rituais e teremos uma nova posição na família e na sociedade.
Vamos recordar: a etnografia ou a ciência das etnias é entendida como uma forma
densa de descrever uma cultura, podendo ser a cultura de um grupo vindo de uma terra
“exótica’ ou do grupo próximo, por exemplo, um grupo de estudantes de sociologia
que estuda no seu bairro. Espera-se que a tarefa do investigador etnográfico traga a
descrição da maneira de viver do ponto de vista dos nativos da cultura estudada.
se tornou uma teoria que sofre muitas críticas, por conta dos impasses estabelecidos
pelas próprias diferenças culturais.
Observem que a partir do século XX, as teorias que embasaram todo o pensar
antropológico do século XIX, passam a ser consideradas etnocêntricas com bases em
critérios válidos somente para as sociedades que a criaram. Por exemplo, quando julgamos
que as sociedades desenvolvidas apresentam forte desenvolvimento tecnológico,
é porque partimos do desenvolvimento da nossa sociedade e estabelecemos como
padrão o nosso modelo. Desta maneira, os critérios escolhidos para julgar um modelo
societário são aqueles critérios que nos valorizamos e que são valorizados por nossa
cultura. Essa forma de compreensão nos torna etnocêntricos.
É certo, que o comportamento do grupo social a qual a menina pertence deverá ser
compreendida a partir do conhecimento de suas crenças, hábitos e os costumes, a que
eles pertencem.
de cada sociedade, de cada cultura nacional, fez com que os antropólogos críticos
retomassem os estudos das diversidades culturais estabelecidas pelas categorias: classe
social, etnia, nacionalidade, sexualidade, regionalidade, idioma, raça, deficiências, religião
e gênero.
Para Brandão (1986, p. 16), citando Marcel Mauss sobre o estudo da origem da ideia
de pessoa:
Leia o artigo: Revista Tempo Social. Vol. 24 n. 1 São Paulo, 2012, sobre:
O social entre o céu e o inferno: a antropologia filosófica de Pierre Bourdieu.
O artigo retrata a condição humana em que o reconhecimento ("capital
simbólico") aparece como meta existencial fundamental pela qual os indivíduos
buscam dar sentido às suas vidas e como fonte da infindável competição
simbólica que mantém em movimento a vida social.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0103-20702012000100012>.
Por exemplo, vamos voltar a nossa história, procurando entender como se deu
a construção da identidade nas relações entre índios e brancos. É, fato que desde o
momento em que essas realidades socioculturais se encontraram (índios e brancos)
as relações foram alicerçadas em estranhamentos que colocaram em segundo
plano as identidades dos povos pré- colombianos (índios), iniciando-se o processo de
sobreposição dos modelos europeus aos dos índios, estabelecendo a desconstrução de
seus modos de vida. Inúmeros são os relatos antropológicos sobre o período colonial
brasileiro. Atualmente, de acordo com estudos antropológicos sobre a etnia indígena,
um dos principais problemas apresentados é a aproximação dessas populações com a
estrutura do sistema capitalista.
Marshal Shalins (1990) afirma que a população indígena vem se utilizando de “coisas”
(tecnologias, formas de produção etc.) da sociedade ocidental, entretanto, utilizam-se
destas “coisas” conforme suas próprias regras e relações na comunidade.
Enfim, na procura de nossa identidade nesse mundo cada vez mais heterogêneo e
dinâmico, em que as relações são cada vez mais complexas e as diferenças se tornam
cada vez mais presentes, é preciso que reaprendamos a conviver, fortalecendo cada vez
mais nossas identidades próprias e, portanto, fortalecendo nossa cidadania a partir do
Seção 2
Pois bem, para iniciarmos essa viagem e na procura de caminhos que nos levem
à capacidade de conhecer o “outro”, pretendemos, nesta sessão, abordar algumas
posições e formas de produção do trabalho antropológico, suas críticas e temas.
Portanto, o autor demonstra que somos animais amarrados a teias de significados que
nós mesmos tecemos. Esse é o princípio do método do autor, estabelecer uma descrição
densa dos fenômenos estudados, o trabalho de campo do antropólogo, analisa as
dimensões simbólicas da ação social sob múltiplas óticas, construindo suas interpretações.
para uma antropologia do próximo, de acordo com Marc Augé (1994, p. 33). “da
supermodernidade, poder-se-ia dizer que é o lado ‘cara’ de uma moeda da qual a pós-
modernidade só nos apresenta o lado ‘coroa’ – o positivo e o negativo”.
Outra reflexão muito importante que podemos fazer, a partir das lentes da
antropologia contemporânea, envolvendo os espaços públicos e privados, são as
imagens construídas sobre beleza, isto é, as formas singulares de se conceber a
corporeidade que a partir da metade do século XX, ganhou uma grande dimensão,
o culto ao corpo, tamanha mercantilização e difusão das informações que
supervalorizaram a imagem.
Você já reparou que nas redes sociais, os sujeitos criam uma imagem de uma
felicidade plena?De acordo com Medeiros (2015, p. 100):
Ainda que o conceito de beleza não seja universal e nem tão pouco rígido, como já
dissemos, a beleza é abstrata e mutável porque varia de acordo com o discernimento
coletivo, isto é, das convenções e os significados históricos culturais emitidos pela
percepção e interpretação do contexto social. Freyre (1986) e Schump (1999) (apud
MEDEIROS, 2015) em suas pesquisas, apresentam o Brasil com uma forte tendência de
valorização da figura feminina da loira. “Explicam queisso se deve à chegada das bonecas
deporcelana, de olhos azuis e vestidos de seda, importadas dos países europeus para as
crianças ricas, filhas de personagens com o alto poder aquisitivo, eque passaram a ser
Para Marcel Mauss (2003) o corpo institui a dicotomia entre a unidade biológica
e a construção cultural e é por meio dele que as identidades culturais são expressas
e seus inúmeros significados simbólicos passam a ser reconhecidos. Reforçando
essa ideia Helman (1994) (apud MEDEIROS, 2015, p. 102) reafirma que “a fisiologia do
indivíduo é influenciada e controlada pelos princípios que regem a sociedade em que
vive”, portanto, implica dizer que o nosso corpo é dividido em partes internas (invisíveis
e privadas) e externas (visíveis e públicas) influenciando a interpretação da estrutura
cultural da sociedade em que vivemos.
Seção 3
3.1 Etnicidade
O sentido do termo etnicidade surgiu em aproximadamente 1950 com a publicação
do sociólogo norte-americanoDavid Riesman, no entanto, o adjetivo étnico, do grego
ethnos, nos remete à ideia de ‘pagão’, ‘bárbaros’, sendo esse o significado no século
XIX. Somente após a Segunda Guerra Mundial é que o termo começa a ganhar o
sentido pejorativo, ou seja, começa a ser aplicado a todos os povos ou grupos que se
formam em comunidades fora dos seus países de origem, exemplo: judeus, italianos,
portugueses etc.
Até a metade do século XX, nos anos de 1960, a expressão étnica aparece para
diferenciar os povos, mas especificamente as nações africanas que iniciavam seu
processo de descolonização, marcada pelas pressões anticolonialistas, guerras e
bandeiras de liberação nacional. Esse período histórico foi de grande turbulência e
transformações, o avanço do capitalismo traz como consequência conflitos internos
nas sociedades europeias e norte-americanas, discriminações, racismos e grandes
fluxos migratórios.
Em síntese, o norueguês Fredrik Barth, que nasceu em 1928 e influenciou muitos dos
pesquisadores da escola de Manchester, nos dá como critério para a determinação de
um grupo étnico, a identificação por parte de seus membros e por outros como uma
forma ou categoria que os diferencia na relação com outras do mesmo tipo, ou melhor,
a identidade étnica se fundana autoatribuição de signos visíveis, de ordem fenotípica,
social, cultural ou outra qualquer, sendo que o reconhecimento pelos outros dessas
diferenciações é que estabelecem a diferença, porque não possuem os mesmos signos.
Pois bem, as lutas e demandas dessas minorias, discriminadas nas sociedades centrais do
sistema capitalista, foram chamadas de lutas étnicas, buscando a concretização da justiça
social. Assim é comum encontrar o termo étnico associado a conflitos das minorias, no
entanto, é importante entender como se dão os processos de construção das diferenças,
porque o termo ou conceito de etnicidade se contrapõe ao conceito de aculturação ou
assimilação, porque não há possibilidade de uma homogeneização de identidades, ao
contrário, o que se vê desde os primeiros estudos antropológicos, até os nossos dias, é o
fortalecimento das diferenças e, essas diferenças, são cada vez mais reivindicadas pelos
grupos nos seus reconhecimentos de direitos nas esferas públicas e privadas.
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os
pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
Referências