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Direito das Obrigações

6.2. Conteúdo. Tipologia da prestação (continuação)


6.2.1. Requisitos da prestação
6.2.2. Obrigação simples e relação obrigacional complexa
Tipologia da prestação

2) Critério do âmbito subjetivo de cumprimento:


Prestação fungível, não fungível e relativamente fungível (ou
relativamente infungível)
— Distinção particularmente relevante nas prestações de facto
(subjetivamente fungíveis ou infungíveis)
— saber se o devedor é ou não substituível no comportamento a
que está obrigado
— qualidades pessoais do devedor
— Nas prestações de coisa é em princípio indiferente que a
entrega ou a restituição da coisa seja realizada pelo devedor
ou por outra pessoa; prestações em princípio fungíveis
(objetivamente fungíveis)

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2) Critério do âmbito subjetivo de
cumprimento
— Prestação não fungível: a prestação (o
comportamento do devedor) não pode, em razão da
sua natureza ou da vontade das partes, ser realizada
por outra pessoa que não o próprio devedor; o
devedor não pode fazer-se substituir por terceiro no
cumprimento; 767º, nº 2
— Domínio típico: prestação de serviços
— Em regra, é lícito ao devedor recorrer a auxiliares para o
cumprimento, v.g., 264º, nº 4 (procurador), 1165º
(mandatário), 1213º, nº 2 (subempreiteiro)
— Impossibilidade de prestar relativa à pessoa do devedor
extingue a obrigação (impossibilidade subjetiva equiparada à
impossibilidade objetiva); 791º

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2) Critério do âmbito subjetivo de
cumprimento
— Prestação fungível: todas as restantes; a prestação
pode ser realizada por pessoa diferente do devedor;
767º, nº 1
— A realização da prestação por terceiro = cumprimento à
extingue a obrigação; 762º, nº 1 + 767º, nº 1
— 768º, nº 2, credor que recusa fica constituído em mora
— Impossibilidade de prestar relativa à pessoa do devedor não
extingue a obrigação, precisamente porque o devedor pode
fazer-se substituir por terceiro; 791º, a contrario

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2) Critério do âmbito subjetivo de
cumprimento
— Prestação relativamente fungível (ou relativamente
infungível): prestação com um limite de substituição do
devedor; a prestação pode ser realizada pelo devedor
ou por um círculo determinado de pessoas

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Tipologia da prestação

3) Critério temporal:

Prestação instantânea e prestação duradoura em sentido


amplo (subtipos)
— Relação da prestação com o tempo
— Relevância do tempo na conformação global da prestação

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3) Critério temporal

— Prestação instantânea: prestação que se realiza num


só momento temporal; o comportamento devido esgota-
se num só momento; obrigação cujo cumprimento se
esgota em prestações singulares
— v.g., entrega do quadro devido, pagamento integral do
preço

— Prestação duradoura em sentido amplo: prestação


que se prolonga no tempo
— Prestação duradoura propriamente dita (em sentido
restrito)
— Prestação fracionada ou repartida

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3) Critério temporal

— Prestação duradoura propriamente dita ou prestação


duradoura em sentido restrito
— O tempo modela o conteúdo e a dimensão da prestação
— A duração e a persistência temporal são determinantes da
conformação global da prestação

— Subdivisão:
— Prestação de execução (duradoura) continuada
— Prestação de execução (duradoura) reiterada ou
periódica

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3) Critério temporal
— Prestação de execução (duradoura) continuada: o dever de
prestar traduz-se num comportamento contínuo e ininterrupto
— Ex: prestação do locador/senhorio no contrato de arrendamento
(obrigação de proporcionar ao locatário/arrendatário o gozo
temporário do imóvel); 1022º, 1031º, b)

— Prestação de execução (duradoura) reiterada ou periódica: o


dever de prestar traduz-se num comportamento (tb contínuo),
mas consubstanciado em prestações singulares (instantâneas)
que se sucedem no tempo, em princípio com uma certa
periodicidade
— Ex: obrigação de pagamento da renda pelo
locatário/arrendatário; 1038º
— Conteúdo/ dimensão global (quantidade de rendas)
conexionados ou dependentes do fator tempo

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3) Critério temporal

— Prestação fracionada ou repartida (não duradoura


em sentido restrito)
— o tempo apenas releva na forma de execução da
prestação à não conforma o conteúdo e a dimensão da
mesma
— Ex: venda a prestações; compra e venda, com preço
determinado (100.000), cujo pagamento é repartido por um
determinado número de prestações (10 prestações de
10.000);
— Ex: fornecimento de 2 toneladas de determinada mercadoria,
repartido por 4 entregas de 500.000 kg

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3) Critério temporal
Prestação duradoura propriamente dita (em sentido restrito) vs.
Prestação fracionada ou repartida

Diversidade de regimes:
— Falta de cumprimento de uma prestação fracionada pode
habilitar o credor a exigir de imediato todas as restantes;
vencimento antecipado, 781º (e regime especial do 934º); nas
prestações duradouras em sentido restrito nada disso acontece
(o devedor poderá ficar obrigado a indemnizar, ex: 1041º, e no
limite o credor poderá ainda resolver o contrato)
— Efeitos da resolução contratual, 434º, nº 1 e nº 2: se a
prestação for fracionada, o efeito é retroativo (restitutivo); se a
prestação for duradoura em sentido próprio, quer de execução
continuada quer periódica, a resolução não abrange, em
princípio, as prestações já efetuadas

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3) Critério temporal

— Prestações duradouras propriamente ditas são idóneas a


cercear a autodeterminação dos sujeitos
à prolongam-se no tempo, mas têm de ser temporalmente
(de)limitadas (não perpetuidade dos vínculos
obrigacionais)
— Denúncia ad nutum
— Cessação (resolução) por justa causa ou por incumprimento
— Caducidade (fonte voluntária ou legal)
— Revogação por acordo das partes

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Conteúdo. Requisitos da prestação

Requisitos da prestação

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— Requisitos que condicionam a validade do objeto


— 1) Possibilidade física e legal (originária), 280, nº1 + 401º,
nº1 e nº 3

— 2) Licitude, 280º, nº 1 + 294º + 398º, nº1


— 3) Determinabilidade, 280º, nº 1 + 400º (539º, ss e 543º, ss)
— 4) Não contrariedade à ordem pública e não contrariedade
aos bons costumes, 280º, nº2

— 5) Interesse jurídico do credor (económico ou não), 398º, nº2

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Conteúdo. Requisitos da prestação
Prática (Sumários p. 17)
1.a) Abel obriga-se a construir um muro de betão com 20 metros de frente
em 15 minutos;
b) José vendeu a Berto um quadro que desapareceu minutos antes de ser
entregue;
c) Júlio, apesar de estar muito debilitado, obriga-se a transportar um objeto
que pesa 90 quilos;
d) Joana promete vender um colar que pertence a Rosa;
e) Pedro, escultor, estando gravemente doente, obriga-se perante Daniel a
esculpir uma estátua para ser colocada na casa de Daniel;
f) João vende a Luís 500 quilos de laranja da sua próxima colheita;
g) Luísa, de 70 anos de idade, obriga-se a casar em regime de comunhão
de bens;
h) Rui promete a Bernardo furtar o carro de Júlio;
i) Camilo promete 500€ a César para este não difamar Catarina.

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Conteúdo. Requisitos da prestação

Pergunta: obrigações validamente constituídas?

— 1.a) Abel obriga-se a construir um muro de betão com


20 metros de frente em 15 minutos

— Impossibilidade física originária


— 280º, nº 1 e 401, nº 1
— Nulidade da prestação (da relação obrigacional)

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— b) José vendeu a Berto um quadro que desapareceu


minutos antes de ser entregue

— Venda de coisa presente


— Válida, 280º e 401º
— Impossibilidade superveniente de cumprimento, 790º, ss

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— c) Júlio, apesar de estar muito debilitado, obriga-se a


transportar um objeto que pesa 90 quilos

— Obriga-se a transportar à prestação de facto fungível


— 767º, nº 1; o devedor pode fazer-se substituir por terceiro
— Impossibilidade subjetiva + prestação de facto fungível
— Não gera nulidade à válida
— 401º, nº 1 e nº 3
— 401º, nº 2

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— d) Joana promete vender um colar que pertence a Rosa

— Contrato promessa de bem alheio como bem futuro


— 893º, a própria compra e venda seria válida
— Pela promessa Joana compromete-se a adquirir...
— 398º, nº 1

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— e) Pedro, escultor, estando gravemente doente, obriga-


se perante Daniel a esculpir uma estátua para ser
colocada na casa de Daniel
— “gravemente doente” (...)
— obriga-se a esculpir à prestação de facto infungível;
prestação subjetivamente infungível
— Impossibilidade originária
— Prestação infungível à impossibilidade subjetiva é
equiparada à objetiva, 791º
— 401º, nº 1 e nº 3 à Nulidade

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— f) João vende a Luís 500 quilos de laranja da sua


próxima colheita

— Venda de coisa absolutamente futura


— 399º (211º)
— Validade

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— g) Luísa, de 70 anos de idade, obriga-se a casar em


regime de comunhão de bens

— Impossibilidade legal da prestação


— 280º, nº 1 + 1720º, b)
— 398º, nº 1
— Nulidade

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— h) Rui promete a Bernardo furtar o carro de Júlio

— Objeto da prestação contrário aos bons costumes (furtar)


— E ilícito (furtar constitui crime) à ilegalidade
— 280º, nº 1 e 280º, nº 2
— Nulidade

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— i) Camilo promete 500€ a César para este não difamar


Catarina

— Objeto da prestação ofensivo dos bons costumes (não


difamar)
— 280º, nº 2
— Nulidade

(Nota: Não está em causa o 398º, nº 2


Interesse jurídico do credor – “digno de proteção legal”...)

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Conteúdo. Requisitos da prestação

Requisitos da prestação:

— Patrimonialidade?
— Autonomia?

à Juridicidade das obrigações não patrimoniais e das


obrigações não autónomas?

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Conteúdo. Requisitos da prestação
— Patrimonialidade
— prestação que satisfaz um interesse ideal do credor, mas é em si
avaliável em dinheiro (lições de um professor de música) à
patrimonial
— prestação que satisfaz um interesse ideal do credor e que não é
mensurável em termos pecuniários (entregas de cartas de um
antepassado anónimo) à não patrimonial
— 398º, nº 2
— A lei admite que a prestação objeto da obrigação possa ser
desprovida de valor pecuniário (em si própria ou na sua
expressão patrimonial)
— A obrigação de prestar sem valor patrimonial tem de
corresponder a um determinado interesse do credor
juridicamente atendível (digno de proteção legal)
— Não: um ato de caráter puramente religioso ou moral (no âmbito de
outras ordens normativas)
— Não: simples capricho? As prestações têm de ser socialmente úteis?

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— Patrimonialidade não é requisito da prestação


— “despatrimonialização” do Direito Privado
— Amplo espectro de mecanismos da tutela creditória (vs. o
mito da incoercibilidade):
— Procedimentos cautelares
— Ação direta, 336º
— Execução específica, 827º
— Compensação por danos não patrimoniais, 496º, nº 1 (danos
que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito”) –
também no âmbito contratual (?)
— Regulação convencional, v.g. através de cláusula penal

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Conteúdo. Requisitos da prestação

— Autonomia

— Obrigações autónomas:
— estabelecem-se entre os sujeitos sem que haja entre eles
qualquer vinculação preexistente (a não ser o dever
negativo universal, imposto pela esfera de proteção dos
direitos absolutos)
— o seu facto constitutivo (fonte) é o contrato, o negócio
jurídico unilateral, a gestão de negócios, o enriquecimento
sem causa ou a responsabilidade civil

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Conteúdo. Requisitos da prestação
— Obrigações não autónomas
— pressupõem um vínculo jurídico especial entre os sujeitos,
de natureza:
— real
— familiar
— sucessória
— são dependentes dessas relações especiais
— Comproprietários, 1411º, nº 1, dever de comparticipar, na
proporção das respetivas quotas, para as despesas necessárias
à conservação ou fruição
— obrigação de alimentos dos progenitores em relação aos filhos,
2009º
— Dever de B, herdeiro de A, de entregar ao legatário X a coisa
legada por A (2265º, nº 1)

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Conteúdo. Requisitos da prestação
Obrigações não autónomas ou “institucionais”
— Disciplina legal, regime jurídico das obrigações
autónomas vale para as obrigações não autónomas?
— 397º (obrigação em sentido técnico) não restringe
— o mesmo regime, a não ser que esse regime obrigacional
colida com a ligação funcional das obrigações não
autónomas aos vínculos específicos de que dependem (ou
que são seu pressuposto)
— por determinação legal expressa; ex: crédito de alimentos não é
cedível, 577º e 2008º, variabilidade 406º, 550º, 2012º
— ou porque o intérprete tenha de concluir pela contradição ou não
conciliação (problemas: 1676º, nº 2 e nº 3, crédito compensatório,
1792º, reparação de danos)

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Conteúdo. Requisitos da prestação
Obrigações não autónomas ou “institucionais”
Nota:
Algumas são obrigações propter rem (obrigações reais):
— obrigações cujo devedor é determinado em função da relação
real (de propriedade ou outra) entre ele e uma determinada
coisa; o sujeito passivo é determinado não “pessoalmente”, mas
“realmente”; ex., 1411º, nº 1, 1424º, nº 1, 1472º, nº 1
— que se extinguem por processos sintonizados com essa
característica (ex: renúncia à compropriedade à deixa de ser
condómino à deixa de estar obrigado a comparticipar...)
— Se propter rem ambulatórias, transmitem-se com a transmissão do
direito real; v.g. obrigações propter rem de facere, 1472º, nº 1,
obrigação decorrente da violação do 1360º, dever de demolir
construção clandestina
— Se propter rem não ambulatórias (todas as outras), autonomizam-
se do direito real, ex: prestações (pecuniárias) do condomínio
vencidas antes da transmissão do direito real

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Conteúdo. Requisitos da prestação

Exercícios (Sumários, p. 17)

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Conteúdo. Requisitos da prestação

2. José vendeu a Berto um quadro, sem saber que este tinha


sido destruído umas horas antes. Nesse mesmo dia, José
obrigou-se perante Luísa a vender-lhe uma das duas edições
(antigas) dos Lusíadas. José, dono de vários imóveis, deu de
arrendamento um deles a uma quadrilha de assaltantes. A
mulher de José, para corrigir um pequeno defeito estético,
resolveu submeter-se a uma intervenção cirúrgica com elevado
risco. Pedro, reputado escultor e filho de José, obrigou-se
perante Daniel a esculpir uma estátua de jardim. Ao concluir o
contrato, Pedro omitiu estar gravemente doente e incapaz de
realizar a obra. O que dizer do objeto destas relações
obrigacionais?

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Conteúdo. Requisitos da prestação

i) José vendeu a Berto um quadro, sem saber que este


tinha sido destruído umas horas antes
— impossibilidade física
— originária
— objetiva
— e absoluta
à 280º, nº 1, e 401º
à Nulidade da prestação/ da obrigação (do objeto da
prestação)

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Conteúdo. Requisitos da prestação

ii) Nesse mesmo dia, José obrigou-se perante Luísa a


vender-lhe uma das duas edições (antigas) dos Lusíadas

— determinabilidade do objeto da prestação


— 400º
— obrigação alternativa, 543º, nº 1
— à obrigação válida

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Conteúdo. Requisitos da prestação

iii) José, dono de vários imóveis, deu de arrendamento um


deles a uma quadrilha de assaltantes.

— contrariedade à ordem pública (?)


— se circunstância conhecida (ex. criminosos identificados e
em fuga das autoridades) ou assumida pelas partes
— 280º, nº 2 + 398º, nº 1
à Nulidade da prestação

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Conteúdo. Requisitos da prestação

iv) A mulher de José, para corrigir um pequeno defeito


estético, resolveu submeter-se a uma intervenção
cirúrgica com elevado risco.

— objeto (do contrato) contrário aos bons costumes (?)


— 280º, nº 2 + 398º, nº 1
à Nulidade do objeto à nulidade da relação obrigacional

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Conteúdo. Requisitos da prestação

v) Pedro, reputado escultor e filho de José, obrigou-se perante


Daniel a esculpir uma estátua de jardim. Ao concluir o contrato,
Pedro omitiu estar gravemente doente e incapaz de realizar a
obra.
— Impossibilidade subjetiva de Pedro e prestação infungível
— Impossibilidade subjetiva (do devedor) equiparada à
impossibilidade objetiva
— Impossibilidade física originária
— 280º, nº 1 + 401º, nº 1 e nº 3
à Nulidade da prestação (nulidade do objeto) à nulidade da
relação obrigacional
à Responsabilidade pré-contratual de Pedro, 227º (culpa na
formação do contrato)

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Conteúdo. Requisitos da prestação

3. João, recém-divorciado, ficou obrigado a pagar uma pensão


de alimentos à sua ex-mulher. João contesta o dever, afirmando
que a obrigação não resulta de nenhuma das fontes previstas
no Livro II do Código Civil. Terá razão?
— obrigação não autónoma
— a obrigação de alimentos tem estrutura igual (idêntica) à de uma
obrigação autónoma: sujeitos (credor e devedor), objeto (dever
de prestar e direito à prestação) e vínculo jurídico garantido
— autonomia não é requisito (ou característica da obrigação)
— a obrigação de alimentos é uma obrigação em sentido técnico
à João não tem razão

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Objeto. Obrigação simples e relação obrigacional
complexa

Relação obrigacional complexa:


— Deveres principais de prestação
— Deveres secundários de prestação
— Deveres laterais ou deveres acessórios de conduta

— Outro conteúdo da relação contratual: direitos


potestativos, sujeições, faculdades e ónus

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
Prática (sumários, p. 20)
1. Artur, residente no Porto, celebrou como arrendatário um
contrato de arrendamento de um andar situado na cidade de
Leiria. Dois dias antes de Artur e da sua família se instalarem
no imóvel, um incêndio provocou a destruição do andar. O
senhorio nada comunicou a Artur, tendo este viajado em vão.
Poderá ser indemnizado das despesas de deslocação?
2. Suponha agora que o arrendamento teve execução e que,
por queda de parte de uma parede do imóvel, que estava em
mau estado, um dos filhos de Artur sofreu danos corporais. Há
lugar a indemnização?

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
3. Miguel, dono de uma oficina de reparação automóvel,
não avisou Artur, seu cliente, de uma fuga existente no
circuito de refrigeração do motor do Fiat de Artur. Perante
danos posteriores colocados ao dono da oficina, poderá
este invocar que Artur só o incumbira de reparar o
sistema de travagem?

4. Uma das partes de um contrato de extração de resina


fez nas árvores incisões com uma profundidade sem o
diâmetro legal mínimo. Poderá o proprietário lesado pedir
uma indemnização?

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
— 397º, obrigação simples:
— direito à prestação ßàdever de prestar
— Relação obrigacional complexa (relação contratual):
— unidade complexa, unidade funcional, complexidade ordenada,
“relação-quadro” constante com poderes variados
— âmbito bilateral
— típica dos contratos duradouros: trabalho, sociedade,
arrendamento, comodato, mútuo oneroso, empreitada,
fornecimento, agência
— com projeção em outros contratos: bancários, de consumo
— e com projeção também na obrigação de indemnizar emergente
de responsabilidade extracontratual

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa

— “alimenta-se” sobretudo dos deveres laterais ou deveres


acessórios de conduta (...)

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
Relação obrigacional complexa:
— 1) Deveres primários (principais) de prestação:
— o núcleo direito à prestação ßà dever de prestar (874º, 1022º
— 2) Deveres secundários de prestação (dirigidos ao interesse no
cumprimento) :
— natureza acessória ou complementar em relação aos deveres primários
(sem os quais não fazem sentido)
— funcionalizados aos deveres primários, mas codeterminam o conteúdo
do dever primário de prestar
— ex: entrega de documentos (882º, nº 2), lavagem depois da reparação
do veículo
— sujeitos à ação de cumprimento, 817º
— abrangidos pelo sinalagma; 428º, exceção de não cumprimento;
resolução por incumprimento, 801º, nº 2

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
— 3) Deveres laterais ou deveres acessórios de
conduta: impostos para permitir a realização plena do
fim global visado pelas partes

— Questões:
— A) Fontes
— B) Quando surgem
— C) Tipos
— D) Incidência e beneficiários
— E) Efeitos

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
— A) Fontes:
— lei, ex., 1038º, h)
— convenção das partes
— boa fé (em sentido objetivo) – matriz fundamental, definidora
e estruturante

— B) Quando surgem:
— com o contrato (no cumprimento ou na execução)
— sem o contrato
— antes do contrato (fase pré-contratual)
— depois do contrato (fase pós-contratual)
— sendo nulo o contrato

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa

— C) Tipos
— Deveres de aviso ou de comunicação
— Deveres de informação, esclarecimento, aconselhamento
— Deveres de cooperação
— Deveres de cuidado (com a pessoa e com o património)
— Deveres de fidelidade, lealdade, confidencialidade

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa

— D) Incidência e beneficiários – a quem são impostos e a


favor de quem valem:
— devedor e credor
— terceiros
— familiares (do devedor e do credor), ex. arrendamento, 1050º, b),
— trabalhadores (do devedor e do credor)
— hóspedes
— “contratos com eficácia de proteção para terceiros”
— 800º, responsabilidade contratual (objetiva) do devedor pelos danos
causados pelos seus auxiliares no cumprimento da obrigação

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
— E) Efeitos do incumprimento de deveres laterais
— indemnização (responsabilidade contratual, 798º) - típico
— resolução do contrato (432º, ss) - típico
— fundamentada, em regra, 801º, nº 2,
— livre, 8º, nº 4, LDC,
— Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou
ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o
consumidor goza do direito de retratação do contrato relativo à sua
aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data de
receção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de
serviços.
— exclusão do clausulado contratual, ex., 8º, b), DL nº 446/85
(CCG)
— invalidade do contrato, ex., 13º, DL nº 133/2009 (crédito ao
consumo)

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa

à Efeitos menos típicos; uma vez que a violação dos deveres


laterais não determina incumprimento ou mora no cumprimento da
obrigação, mas uma violação contratual positiva:

— ação de cumprimento (817º)


— cessação da obrigação, ex., 2013º, c), CC

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
1. Artur, residente no Porto, celebrou como arrendatário um contrato de
arrendamento de um andar situado na cidade de Leiria. Dois dias antes de
Artur e da sua família se instalarem no imóvel, um incêndio provocou a
destruição do andar. O senhorio nada comunicou a Artur, tendo este
viajado em vão. Poderá ser indemnizado das despesas de deslocação?

— dever lateral de aviso imposto ao senhorio


— fundamento no princípio da boa fé, 762º, nº 2, CC

— Artur tem direito a ser indemnizado pelas despesas suportadas


(dano emergente)

— responsabilidade contratual

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
2. Suponha agora que o arrendamento teve execução e que, por queda de
parte de uma parede do imóvel, que estava em mau estado, um dos filhos de
Artur sofreu danos corporais. Há lugar a indemnização?

— dever lateral de cuidado (ou de proteção)


— imposto também em relação a pessoas que estão numa relação de
proximidade com um dos contraentes – o beneficiário é um terceiro,
não parte no contrato

— o arrendamento é um contrato com eficácia de proteção para


terceiros: o lesado pode recorrer à tutela contratual

— 798º, dever de indemnizar


— 1050º, b), e 1031º, b), 1032º, CC, Artur teria ainda direito a resolver o
contrato (incumprimento pelo senhorio do próprio dever principal de
prestação).

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
3. Miguel, dono de uma oficina de reparação automóvel, não avisou Artur, seu
cliente, de uma fuga existente no circuito de refrigeração do motor do Fiat de
Artur. Perante danos posteriores colocados ao dono da oficina, poderá este
invocar que Artur só o incumbira de reparar o sistema de travagem?

— Miguel cumpriu o dever principal de prestação: reparação do


sistema de travagem do veículo

— Mas não cumpriu os deveres laterais de informação e de


cuidado/proteção

— fundados no (e impostos pelo) princípio da boa-fé, 762º, nº 2

— cumprimento defeituoso do contrato à 798º, dever de indemnizar

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Obrigação simples e relação obrigacional
complexa
4. Uma das partes de um contrato de extração de resina fez nas árvores
incisões com uma profundidade sem o diâmetro legal mínimo. Poderá o
proprietário lesado pedir uma indemnização?

— violação de um dever lateral de cuidado com o património da


outra parte

— fundamento (fonte do dever):


— lei, “diâmetro legal mínimo”, regulamentação do contrato de resinagem,
— na ausência de previsão legal expressa: princípio da boa-fé, 762º, nº 2
— 798º, o lesado tem direito a ser indemnizado (danos emergentes e
lucros cessantes)

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