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CASOS PRÁTICOS

RESOLVIDOS
2019/2020

TOMÁS CUNHA
Casos práticos das aulas – Professora – Maria Manuel Veloso
TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Caso 1: Prestação fracionada - A questão do vencimento antecipado e da


resolução do contrato
A vendeu a B uma prancha de surf no valor de 300€ a pagar em 10 prestações. A
entregou a prancha, mas B não pagou a 5ª prestação. Poderá A resolver o contrato
e exigir as prestações futuras?

Primeira Questão: Estes pedidos não são incompatíveis entre si? A quer
resolver o contrato e quer receber as prestações?
A resolução constitui uma forma de extinção das obrigações, mediante
declaração unilateral de uma das partes, por incumprimento da outra parte. Esta
regra geral tem efeitos retroativos, exceto nas prestações de execução
duradoura. Esta resolução está prevista no art. 432º CC. A principal causa de
resolução é porque a outra parte não está a cumprir o contrato (art. 432º/1 CC
remissão para o art. 801º/2 CC). Se alguém resolve o contrato extingue a relação
contratual, não é compatível com o cumprimento do contrato.
Segunda Questão: Pode pedir o vencimento antecipado das prestações?
De acordo com a Regra geral: têm de cumprir as prestações restantes.
Terceira Questão: Como qualificamos esta prestação? É fracionada, porque se
prolonga no tempo.
O Art. 781º CC aplica-se exclusivamente as prestações fracionadas,
estabelecendo a seguinte regra: Quando não é cumprida uma das prestações, o
credor pode exigir o cumprimento total; o que leva ao vencimento antecipado
de todas as outras precisamente porque a formação destas não está dependente
do decurso do tempo. É o que chamamos de vencimento antecipado ou perda
do benefício do prazo, se o devedor falhar uma podem exigir as outras.
Relativamente às prestações fracionadas é necessário sempre referir a exceção
prevista no artigo 934º CC. Este preceito consagrado do nosso CC estabelece
que, em caso de compra e venda a prestação, quando há falta de pagamento de
uma só prestação, não há vencimento antecipado das prestações. Trata-se de
um regime de tutela no sentido de proteger a parte mais fraca, neste caso o
comprador que aceitou pagar em prestações.
O art. 934º CC estabelece dois requisitos de verificação cumulativa. Caso se
verifique a reunião destes pressupostos não haverá lugar vencimento
antecipado.
• Tem de haver entrega da coisa ao comprador
• Se falhar uma prestação e se a prestação não for superior a 1/8, o devedor
mantém a possibilidade de pagar os seguintes.

Ou seja, verificam-se os pressupostos do art. 934º CC por isso, não há


vencimento antecipado.

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NOTA:
• a regra é do art. 781º CC
• a exceção do art. 934º CC
• Sendo necessário fazer uma Remissão do art. 781º CC para o art. 934º
CC
• E por fim, é sempre necessário verificar os pressupostos do art. 934º CC.

Quarta Questão: Temos ou não a resolução do contrato?


De acordo com a regra geral ao nível do incumprimento: é possível resolver o
contrato quando temos incumprimento, isto de acordo com artigo 801º/2 CC. Por
seu turno, o regime geral ao nível do incumprimento parcial prevê que caso
exista incumprimento parcial, há lugar a resolução. Porém, se, do ponto de vista
do credor, o incumprimento não tiver grande importância, não pode haver grande
resolução do contrato, tal como prevê o artigo 802º/2 CC.
Exemplo 1: Se a FDUC encomendar comandos de ar condicionado, a
empresa não entrega os comandos em bolsas de proteção, a FDUC não
pode resolver o contrato porque o incumprimento não é relevante, não
pode resolver o contrato. O artigo 802º/2 CC refere que se o
incumprimento for irrelevante não pode haver resolução do contrato.
Exemplo 2: Se uma prestação for de 100€ por 100 meses, e o devedor
falha o mês 88, fará sentido resolver o contrato? Não, porque já se
mostrou cumpridor em 88 vezes. Mas se ele faltar logo com a 1ª
prestação, aí faz sentido resolver logo o contrato.
No nosso caso, ele falhou a 5ª prestação de 10, é pouco relevante, ele já tinha
pago quatro prestações.
Em princípio o legislador não admite a resolução do contrato de compra e venda.
Porquê?
Porque o contrato de compra e venda é um contrato de eficácia translativa
e a resolução tem efeitos retroativos. Através da resolução, a propriedade
poderia ser transferida novamente para o credor, o que levaria a
insegurança no tráfego jurídico. Dessa maneira, nos termos do artigo 886º
do CC, nas situações de compra e venda a prestações, NÃO HÁ
RESOLUÇÃO do contrato. Para é necessário a reunião de três requisitos
de verificação cumulativa:
1. A coisa tem de ser vendida a prestações com reserva de propriedade
2. Tem de ter existido a entrega da coisa ao comprador
3. A prestação em falta de ser inferior a 1/8 do preço.
a. Ou seja, a falta de pagamento de uma prestação que não
exceda a oitava parte do preço, não há resolução do preço.

No entanto, não se não se cumprirem um destes requisitos, pode haver


resolução do contrato, com eficácia retroativa, com cada uma das partes a

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restituir aquilo que recebeu. No caso prático em questão, foi transmitida a


propriedade e foi feita a entrega da coisa. Logo, não se pode resolver o contrato,
e devemos aplicar o artigo 886ºCC. Este preceito estabelece que, se tiver sido
transmitido o direito de propriedade sobre a coisa e a coisa tiver sido entregue,
o vendedor não pode resolver o contrato por falta de pagamento, exceto quando
houver convenção em contrário.

Caso 2

A vendeu a B uma vespa no valor de 3000€ no valor de 10 prestações. A entregou o bem e


reservou para si propriedade até ao pagamento total do preço. B não realizou a 3ª prestação.

Primeira Questão: Quais os direitos de A?


O conceito de obrigação em sentido estrito encontra-se consagrado no artigo
397º do CC. O legislador de 66 perspetivou a obrigação do ponto de vista do
credor, abrangendo no seu sentido técnico:
•Um dever de prestar:
o Que recai sobre o devedor
• E um Direito Subjetivo - um direito de crédito:
o Que se encontra na esfera do Credor.
Contudo, este sentido estrito consagrado no nosso CC apesar de fundamental
não deixa de ser fornecer uma versão simplista da relação obrigacional. Apesar
da sua inegável importância, a relação obrigacional passou a ser perspetiva
também do ponto de vista germânico, recuperando o conceito de obrigação em
sentido complexo.
A obrigação é estruturada de acordo com quatro pilares:
• Os sujeitos (A e B)
• O objeto.
o A prestação, ou seja, o comportamento que o devedor deve adotar
para satisfazer o credor. Neste caso, seria a realização das 10
prestações acordadas. Antunes Varela apelidava o objeto o
“vulcro” de toda a relação obrigacional.
• O Tempo.
• E a Garantia

Em relação ao tempo da realização da prestação é possível realizar a distinção


entre prestações:
• Instantâneas
• Duradouras

No caso prático em questão estamos perante uma obrigação duradoura, que


consiste no pagamento das 10 prestações. As obrigações duradouras são
prestações em que o seu cumprimento se protela no tempo, tendo a duração

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temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da


prestação. Estas prestações podem ser classificadas em:
• Obrigações:
o Fracionadas
▪ Neste tipo de prestações o objeto já está previamente
determinado, como é exemplo do caso prático. Dessa
forma, o tempo não influi na determinação do seu objeto,
apenas se relaciona com o modo da sua execução.
o Duradouras em Sentido Estrito
▪ A prestação vai sendo moldada à medida que o tempo vai
passando.
• Dividem-se por seu turno em:
o Obrigações de execução continuada.
o Reiteradas, periódicas ou de trato sucessivo.

Em conclusão, nas obrigações duradouras a prestação devida depende do fator


depende, nas fracionadas, o tempo não influi na determinação do seu objeto,
relacionando-se apenas com o seu modo de execução.
Segunda Questão: Qualificação do problema: Vencimento antecipado:
De acordo com a regra estipulada pelo artigo 781º CC em relação às obrigações
fracionadas, A tinha direito às prestações. Esta é a regra geral, o credor pode
exigir o cumprimento total, ou seja, a tonalidade das prestações, o que leva o
vencimento antecipado de todas as outras, precisamente porque a formação das
mesmas não está dependente do decurso do tempo.
Falamos, aqui, em perda do benefício do prazo! As partes (A e B) fixam um
prazo mais amplo do pagamento, em benefício de B (devedor). Caso o devedor
(como aconteceu), deixe de pagar as prestações, verifica-se uma quebra da
confiança, o que vai legitimar a perda do benefício do prazo. Ou seja, estamos
perante uma situação de vencimento antecipado.
Mas, não podemos esquecer que o legislador consagrou no art. 934º CC um
regime de tutela da parte mais fraca. Por isso mesmo, temos de ver se se
verificam os requisitos deste preceito.
• uma prestação em falta e esta ter o valor inferior a 1/8 do valor total;
• tem de haver entrega da coisa):

No caso prático, estão verificados todos os requisitos, logo não pode ser
realizado o vencimento antecipado. Trata-se de uma regra especial consagrada
pelo legislador.
Por outras palavras, de acordo com a regra geral tinha direito ao vencimento
antecipado; mas de acordo com o art. 934º CC não.

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Terceira Questão: A resolução do contrato:


Noção de RESOLUÇÃO: Forma de extinção do contrato em que há uma
declaração unilateral de uma das partes, por incumprimento culposo da outra
parte. Isto significa que se pretende repor a situação anterior à celebração do
contrato.
Nas prestações fracionadas, o artigo 432º do CC permite a resolução do contrato
fundada na lei, o que remete para o artigo 801/2, que permite a resolução quando
haja resolução. Mas como já vimos no primeiro caso prático, o legislador em
princípio de forma assegurar a segurança do tráfego jurídico, não permite a
resolução do contrato de compra e venda devido à eficácia translativa do
contrato de compra e venda e dos efeitos retroativos decorrentes da resolução.
Por isso mesmo, nos termos do artigo 934º do CC, não há lugar a resolução do
contato, quando se verificarem três requisitos de verificação cumulativa:
• a coisa tem de ser vendida a prestações com reserva de propriedade;
• tem de haver a entrega da coisa ao comprador;
• E a prestação em falta tem de ser inferior a 1/8 do preço.

No caso prático, estão verificados os pressupostos do art. 934º CC, logo não
pode haver a resolução do contrato.

Imaginemos a mesma situação, mas em vez de ser em 10 prestações, paga em 3


prestações. Mas falhou ou a 1ª prestação ou a 2ª prestação. Pode haver resolução ou
vencimento antecipado?

Vencimento antecipado:
De acordo com a regra geral que já vimos na alínea anterior, sempre que se
falha uma prestação, de acordo com o art. 781º CC os credores podem pedir o
vencimento antecipado. Por seu turno e de acordo com a regra especial,
relativamente às prestações fracionadas, em caso de CV a prestações, a falta
de pagamento de uma SÓ PRESTAÇÃO, não origina um vencimento antecipado
das prestações (934º). Para tal, é necessário o preenchimento de dois requisitos
de verificação cumulativa:
1. Entrega da Coisa ao comprador
2. A prestação em falta tem de ser inferior a 1/8 do valor total

Resolução do contrato:
Neste caso não podemos aplicar o art. 934º CC porque o montante é superior a
1/8 do valor total.

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Temos de ter em atenção ao art. 886º CC onde se estabelece que, se tiver sido
transmitido o direito de propriedade sobre a coisa e a coisa tiver sido entregue,
o vendedor não pode resolver o contrato por falta de pagamento da coisa. Neste
caso houve reserva de propriedade, logo pode resolver o contrato.

Caso Prático 3. A obrigou-se a entregar em 10 prestações sacos de cimento pelo preço


total de 5000€. A não realizou a 5ª prestação. Diga o que pode fazer B.

Não vou desenvolver.

Não vou aplicar o art. 934º CC porque o preço não é aplicado em prestações. O
art. 934º CC é apenas aplicado quando temos um pagamento em prestações.
Aqui o que vai ser realizado em prestações é a entrega da coisa (sacos de
cimento), é um dever do vendedor. Quanto ao vencimento antecipado é
necessário perceber que o credor pode exigir as prestações restantes no âmbito
do art. 781º CC.
Em relação à resolução do contrato, o devedor falhou uma prestação, logo
poderia ser possível aplicar o art. 886º CC. Contudo, não aplicamos este, porque
não está em causa o pagamento do preço. No coso prático, o devedor falhou a
5ª prestação, logo não é razoável a resolução, não tinha fundamento suficiente.
É incumprimento parcial é a regra do art. 802º/1 CC:
• Se for insignificante não temos a resolução do contrato (Exemplo: falhou
a 5ª prestação de 10 prestações).
• Se for significante temos a resolução do contrato (Exemplo: se falhasse
logo a 1ª prestação).

Estamos aqui a referirmo-nos às prestações fracionadas. Aqui o devedor poderia


realizar logo o pagamento total ou podia realizar em prestações, é uma opção.
Não faz sentido este raciocínio em relação as prestações duradouras.
Atenção: temos sempre de distinguir muito bem as prestações
fracionadas das prestações de execução duradoura

Caso 4: Direitos reais e direitos das obrigações


A, chefe de cozinha, reputado no restaurante de B, foi aliciado pelo
restaurante de C para passar aí a trabalhar o que veio acontecer. B sentindo-
se prejudicado com a saída de A pretende que C que aliciou A o indemnize.
Terá razão?

Estamos perante uma situação em que um terceiro interfere numa relação


contratual. Uma questão que chama à coação o tema da eficácia externa das
obrigações. Nós estudamos esta relação a propósito da distinção entre direitos

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reais e os direitos das obrigações. Devemos avaliar as diferenças entre estes


direitos de acordo:
• Com a sua Substância
• Com a sua Eficácia
• Com os seus princípios
• E com os corolários da eficácia real dos direitos reais
Substância:
Na esteira de Windscheid e entre nós, de Manuel Andrade, o direito real é visto
de acordo com uma conceção clássica, como um poder do titular sobre a coisa.
O direito real é concebido então por muitos autores como o vínculo estabelecido
entre o titular da res e todas as outras pessoas sobre as quais recairia a
obrigação passiva universal
Por seu turno, os direitos de créditos, são vínculos jurídicos, nos quais o
devedor, fica adstrito a realizar uma prestação, seja uma ação ou uma omissão.
Eficácia:
O traço mais saliente desta noção é a distinção entre as obrigações como direitos
relativos e os direitos reais enquanto direitos absolutos. Os direitos reais valem
erga omnes, têm uma eficácia absoluta, sendo direitos de soberania sobre a
coisa, isto é, o seu titular tem um direito que é oponível a todos os membros da
comunidade jurídica.
Por outro lado, os direitos de crédito, operam só interpartes, são direitos com
eficácia relativa, que apenas vincular pessoas determinadas ou determináveis.

Princípio:
Os princípios aplicados aos direitos reais são diferentes daqueles que são
aplicados aos direitos obrigacionais. Os Direitos Reais são regidos pelo princípio
da tipicidade. Não podemos esquecer a eficácia ergaomnes dos direitos reias
tem vantagens além das claras vantagens que apresenta, tem também algumas
desvantagens provocadas pela surpresa causada pela existência e respetiva
invocação do direito real em causa.
Por outro lado, em relação aos Direitos obrigacionais vigora o princípio da
liberdade negocial, embora com exceções. Visto que, temos determinadas
fontes que só são fontes se o legislador o disser. Um dos exemplos claros dessas
exceções, são os negócios unilaterais que só constituem obrigações nos casos
previstos na lei.
Corolários da Eficácia Erga Omnes do Direito Real:
1. Direito de Prevalência

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Dentro de todas as diferenças anteriormente referidas, temos regras dos direitos


reais que não ocorrem nas obrigações que são decorrência da eficácia absoluta
dos direitos reais:
Como paradigma dessas diferenças, temos o exemplo da prevalência temporal.
De acordo com o CC, o direito real primeiramente constituído é o direito real
que prevalece sobre todos os outros que, posteriormente, venha a ser
constituído. O art. 407º CC consagra então a prevalência do direito real. Isto quer
dizer que o direito de prevalência corresponde ao princípio “primeiro no tempo,
primeiro para o direito”. Nota contudo, que a preferência, sendo um efeito normal
do direito real, não é, todavia, um efeito privativo desta categoria de relações,
estando prevista também em relação aos direitos pessoais de gozo
incompatíveis, sobre a mesma coisa (Ex: Hipoteca).
Contudo, no que toca aos direitos obrigacionais, a regra anteriormente referida
não existe.
Exemplo: se tivermos dois créditos um de 2000 e outro de 2015, não é
por ser mais antigo que um vale mais do que o outro.
2. Direito de Sequela
O direito de sequela traduz-se na faculdade conferida ao titular do direito real de
fazer valer o seu direito sobre a coisa, onde quer que se ele se encontre. É o
chamado direito de perseguir a coisa.
Este direito não se aplica também aos direitos de crédito, visto que eles são tão
só oponíveis à contraparte (determinada).
Exceção: Há direitos de crédito que acompanham a coisa, como é o caso
do direito do arrendatário consagrado no artigo 1057º CC
Em suma: Dado que a obrigação não é um direito de soberania como o direito
real, produz apenas efeitos relativos, não oponíveis em relação a terceiros.
Contudo, a relatividade essencial do direito de crédito não obsta a que lei
considere excecionalmente oponíveis a terceiros relações que são na sua
essência obrigacionais.
Temos duas exceções:
1. A promessa de alienação de imóvel ou móvel
2. Outra exceção é a que diz respeito ao contrato de locação
a. (por exemplo, A arrendou a casa a B, vende a casa a C, o contrato
de arrendamento mantém-se)

No nosso caso prático, importa referir a doutrina da eficácia externa das


obrigações. Além da eficácia relativa temos a eficácia externa. A eficácia
externa:

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Sentido geral: o terceiro que perturba uma relação obrigacional fica obrigado a
indemnizar o credor. Exemplo: A é casado com B, e A tem uma relação com C
também; C interfere na relação contratual matrimonial; será que se pode pedir
uma indemnização pela atitude de C? Não, porque se C não tem nenhum dever
com A.
De acordo com a posição do curso, como já vimos os direitos reais têm eficácia
absoluta e as obrigações eficácia relativa. Mas todo o terceiro que tivesse
conhecimento da relação seria juridicamente obrigado a respeitar a mesma, não
lhe sendo lícito:

Critério da • Induzir o devedor a faltar ao cumprimento.


ingerência • Celebrar negócio que o impedisse de cumprir o contrato.
• Nem destruir ou danificar a coisa devida.

A responsabilidade extracontratual abrangeria, deste modo também a infração


dos direitos de crédito cometida por terceiros
Ingerência: como é que um terceiro vai interferir numa relação obrigacional?
• Atacar o direito ao crédito:
o convence o devedor a não cumprir o contrato.
▪ Exemplo: A e B tem uma relação contratual; um terceiro diz
a B para não cumprir o crédito.
• Atacar o elemento da obrigação:
o o terceiro interfere lesando um dos elementos da obrigação.
▪ Exemplo: A é credor de B na entrega de um piano, se um
terceiro destrói o piano; B já não pode entregar o piano.

Teorias a referir:
A doutrina da eficácia externa veio contrariar a tendência acima descrita. Esta
doutrina de origem germânica defende que o terceiro tem de indemnizar o credor
caso tenha conhecimento (mais ingerência) da relação obrigacional que está a
perturbar. Ou seja, além do seu efeito relativo, os direitos de crédito podem ter
efeitos face a terceiros, desde que estes tenham conhecimento da relação de
crédito na qual se vão imiscuir. Esta teoria em Portugal é defendida pelo Dr.
Santos Júnior e foi defendida em tempos pelo Dr. Menezes Cordeiro, que,
entretanto, abandonou essa posição.
Esta posição defende, que é possível a compensação por parte do terceiro,
tendo este de interferir (requisito objetivo) e conhecer (requisito subjetivo),
levando a um ataque ao substrato do crédito.

O Dr. Santos Júnior de forma a defender a sua teoria, baseia-se numa série de
artigos do CC:
1. Nos termos do artigo 483º, segundo esta doutrina, o artigo não distingue
se em causa poderão estar direitos absolutos ou relativos, o que significa
que, mesmo que em causa esteja um direito relativo, aplicar-se à o artigo.
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2. De seguida, com base nos artigos 413º e 421º, Santos Júnior, constata,
que houve acolhimento da doutrina da eficácia externa do legislador, uma
vez, que se tratando de artigos relativos ao contrato promessa e ao pacto
de preferência, ambos estão sob a epígrafe eficácia real.
3. Outro artigo que serve de argumento à doutrina da eficácia é o 794º,
relativo à possibilidade que o credor tem de reagir contra terceiro se este
destruiu uma coisa que o devedor deveria entregar.

Além dos artigos supramencionados, teremos de referir o artigo 495º3. Contudo,


o malogrado autor da Escola de Lisboa, não inclui o artigo em questão no elenco
dos artigos que refletem um acolhimento da eficácia externa da relação
obrigacional.
Contudo, não podemos aceitar a doutrina da eficácia externa das obrigações e
são vários os argumentos que refutam esta teoria de origem germânica.
1. Em primeiro lugar, temos uma afetação do tráfego jurídico. Esta
solução não seria favorável ao tráfego negocial, pois era suscetível de
colidir de modo excessivo com a liberdade negocial e de iniciativa
económica dos terceiros, limitando em demasia o princípio da liberdade
contratual estabelecido no artigo 405º.
a. Exemplo: A compra semanalmente 100€ de revistas, se alguém
atropelar esta pessoa; o dono do quiosque deixa deter lucro de
400€. E se existir uma pessoa que só vinha de propósito para
entrega aquele valor de revistas. Podemos por todo e qualquer ato
gerar responsabilidade civil? A responsabilidade tem de ter
requisitos.
2. Do ponto de vista das normas positivas o art. 406º CC consagra o
princípio da eficácia relativa.
3. E por fim, a teoria da eficácia externa provocaria uma dilatação da
responsabilidade excessiva.

Além destes argumentos devemos apontar baterias a uma série de artigos:


Em primeiro lugar, devemos referenciar o artigo 483ºCC, que embora a letra
da lei não seja indicativa, só se aplica aos direitos absolutos. Existem duas
ordens de fatores que demonstram que a posição de Santos Júnior em relação
a este artigo está errada:
1. Fator histórico:
a. Este artigo baseou-se no preceito do Código Civil Alemão (BGB)
que só menciona direitos absolutos.
2. Fator Sistemático:
a. Os direitos relativos estão previstos no artigo 798º CC
Importa também referir que no artigo 483º CC quando se fala de direito de outrem
o legislador poderia ter afirmado “direito absoluto”.
Em segundo lugar, de acordo com a posição do curso, os defensores da
doutrina da eficácia externa incorrem numa falácia em relação aos artigos 413º

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e 421º CC, já que não faria sentido que o legislador mencionasse a eficácia
externa a propósito dos contratos promessa e aos pactos de preferência.
Em terceiro lugar, não há eficácia externa em relação ao artigo 794º CC, já que
este apenas e só permite ao credor substituir o devedor
(Exemplo: A tinha direito que entregue o piano, o piano era de B, C
destruiu o piano; A reage contra o C, porque se substitui B); daí que não
temos eficácia externa.
Por fim, importa referir que havendo cláusula de reserva de propriedade, não
pode nunca o credor do direito de entrega da coisa, exigir uma indemnização de
terceiro. Na hipótese de não haver essa cláusula de reserva de propriedade,
entendem os autores que está em causa uma sub-rogação/substituição do
devedor, pelo que não se verifica qualquer eficácia externa.
De acordo com a posição do curso, há, contudo, duas formas de indemnização
por parte do terceiro:
1. Art. 495º/3 CC:
a. Exemplo: A pai de B falece num acidente por culpa de C, B pode
pedir indemnização a C porque violou a obrigação de alimentos.
Ele indemniza porque esta obrigação é particularmente tutelada no
nosso OJ. Para a teoria da eficácia externa o terceiro tem de
indemnizar se o terceiro interfere e conhece a relação obrigacional.
No caso anterior, o exemplo não é um caso de eficácia externa,
protege porque nesta circunstância o que lhe dá os alimentos
morreu, é um caso de uma situação de obrigação de alimentos.
2. Art. 334º CC:
a. Um terceiro alicia um devedor a deixar de cumprir o contrato
anterior porque quer prejudicar. Neste caso a liberdade negocial
que exerce é exercida de forma abusiva. Se celebro um contrato
com uma pessoa só para prejudicar outra tenho de indemnizar.
Não é eficácia externa, não reconhecemos esta, ele interferiu e daí
tenha de indemnizar; é um caso de abuso de direito. Ou seja, nos
casos em que se verifica uma violação excessiva dos limites ético
juridicamente impostos pela comunidade jurídica, no exercício da
liberdade contratual, o terceiro deve ser responsabilizado
diretamente perante o credor, estando em causa a
responsabilidade extracontratual com fundamento no abuso do
direito.

No nosso caso prático: O restaurante C vai ter de indemnizar o restaurante


B?
De acordo com a eficácia externa tem de indemnizar, mas como já vimos, o curso
não segue esta posição.
Logo, de acordo com a nossa posição como não sabemos se atua com a
intenção de prejudicar, não temos abuso de direito e por isso não temos
indemnização (não se encaixa numa das duas situações anteriores).

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Caso 5:

A é filho de B. A foi atropelado mortalmente por C. B pretende uma indemnização pelos


danos patrimoniais. D professor de piano de A contratado por B pretende uma
indemnização de C por ter deixado de cobrar as aulas de piano semanais. Quid iuris?

Estamos mais uma vez perante um caso de eficácia externa das obrigações.
Temos ingerência nas obrigações: C interferiu nas relações entre A e B; e nas
relações com D, professor de piano. Que tipo de ingerência? Ataque aos
elementos do crédito: mata-se o sujeito passivo da obrigação.
Se fosse B que morresse e fosse perturbada a obrigação de alimentos então
pode pedir a indemnização pela via do art. 495º/3 CC (pressupondo que ele é
menor). O professor de piano não podia convocar o art. 495º/3 CC. Poderíamos
convocar o art. 334º CC porque não interfere num direito; viola o direito a vida.
Não se aplica o abuso de direito, é apenas quando temos um ataque direto ao
próprio crédito.

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Caso 6: Contratos de adesão

A celebrou um contrato de locação de automóvel com B empresa de locação. No contrato


surgia uma clausula nº 5º segundo a qual B não era responsável por qualquer dano causado
pelo veículo. A despistou- se causando danos a terceiros e a ele próprio. B invoca que o
litígio entre eles deles deve ser resolvido segundo uma clausula presente num folheto
Este caso tem a ver com contratos de adesão, nestes não existe negociação
publicitário que foi entregue a A. O acidente deveu-se a uma falha nos travões. Quid iuris?
possível, pode existir neste contrato cláusulas contratuais gerais ou destinadas
a um determinado contraente. Nos contratos de adesão com cláusulas
contratuais gerais vamos encontrar a figura da cláusula contratual geral. Esta é
pré-formulada, rígida (não existe possibilidade de alteração) e destina-se a uma
pluralidade de destinatários. O DL 446/85- no seu artigo 1º define cláusula
contratual geral.

✓ Neste contrato trata-se de cláusulas contratuais gerais? Como existe


um folheto publicitário, podemos dizer que se destina a uma
pluralidade de sujeitos, por isso sim.
O legislador decidiu intervir no âmbito da liberdade contratual regulando o
regime das cláusulas contratuais gerais.
Vantagens da utilização de cláusulas contratuais gerais:
• Celeridade: são contratos realizados de forma célere
• Pré-conhecimento e ponderação
• Os custos de transação são nulos
• Tratamento igualitário entre os destinatários, uma vez que as mesmas
clausulas são potencialmente aplicáveis a todas as pessoas, dentro do
mesmo tipo de circunstâncias
• Vantagens ao nível da organização interna (ao nível dos funcionários)

Desvantagens da utilização de cláusulas contratuais gerais:


• Desconhecimento das cláusulas (linguagem difícil ou assinar sem
conhecer as várias hipóteses)
• Inserção de cláusulas abusivas

O legislador procurou criar parâmetros de controlo das cláusulas, para controlar


o regime das cláusulas contratuais gerais:
Plano da inserção: visa saber se as cláusulas foram comunicadas,
compreendidas e se estão realmente no contrato. Visto que podem existir várias
cláusulas que nem se quer foram comunicadas. Muitas das clausulas estão mal
colocadas no contrato, no sítio errado. Exemplo: se o contrato for longo a pessoa
nem lê.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

O que acontece se existir uma falha no âmbito da inserção: art. 8º do DL. Se


existir uma situação de desconhecimento, a cláusula em concreto a clausula
singular fica excluída do contrato (o que não faz com que o contrato seja nulo ou
ineficaz).
O legislador, desde logo, impõe na fase pré-contratual determinados
deveres:
• Dever de comunicação: art. 5º DL; deve ser cumprido logo de imediato,
isto é, aquando da celebração do contrato; visa garantir que a contraparte
tenha conhecimento das cláusulas do contrato.
• Necessidade ou obrigação de esclarecimento nos termos do art. 6º DL: a
informação prestada deve ser adequada, tendo em conta o perfil do
próprio destinatário e as particulares circunstâncias do caso.

ATENÇÃO: Situações de inserção em contextos estranhos que não tem nada a


ver com o conteúdo da clausula, por vezes uma contradição entre a epigrafe e o
conteúdo do artigo- art. 9º DL.
NOTA: Imaginemos que muitas clausulas são excluídas ou que uma que é
excluída e é absolutamente essencial- então o contrato é nulo.
Plano da interpretação: vamos interpretar as clausulas e se tiver dúvidas
consagra-se o princípio de em caso de dúvida a favor do aderente.
O que está na lei resulta em 2 aspetos essenciais:
• O interprete deve interpretar tendo em conta o contexto daquele contrato
• O art. 11º/1 DL estabelece que as cláusulas têm o sentido que lhes daria
o contratante indeterminado normal, quando colocado na posição de
aderente real. O art. 11º/2 DL estabelece que, na dúvida, prevalece o
sentido mais favorável ao aderente- trata-se de um certo desvio à teoria
da impressão do destinatário, estabelecida no art. 236º CC, no sentido da
proteção da parte contratual mais fraca.

✓ Plano do controlo do conteúdo: vamos quer saber se a clausulas é


abusiva; esta é abusiva se violar o princípio da boa fé. Quando temos
um desequilíbrio de partes, pode existir um aproveitamento disto.
o Procuramos saber se a clausula é abusiva. O termo “abusiva” não
aparece na lei. Uma clausula é proibida, art. 15º e 16º quando são
contrárias à boa fé. O art. 16º DL manda ponderar os “valores
fundamentais do direito”, relevantes em face da situação
considerada, em especial a confiança suscitada nas partes e o
objetivo que as partes visam atingir negocialmente. Exemplo: nos
contratos de seguro de responsabilidade civil medica, este diz que
o seguro não cobre caso haja uma violação da lei médica- é uma
clausula abusiva, desrespeita o sentido do contrato, que é cobrir
o medico em caso de erro. Se se tratar de uma clausula proibida

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

ela vai ser tida como nulo nos termos do art. 12º. O legislador
considerou que esta abordagem era insuficiente, criou listas
exemplificas de cláusulas proibidas: 1) secção empresários e
entidades equiparadas (art. 17º e ss DL); 2) secção relativa aos
consumidores finais (art. 20º e ss DL). Estas listas são meramente
exemplificativas. Estas podem surgir como listas de cláusulas
absolutamente proibidas (aqui o juiz não pode ponderar, é nula
sem mais; listas negras) ou cláusulas relativamente proibidas (o
juiz pode ponderar se se aplica/ justifica ou não a clausula; listas
cinzentas).
Sendo a cláusula nula, mantem-se o contrato? De acordo com o art. 13º DL,
o aderente pode optar pela manutenção; recorrendo a normas supletivas
aplicáveis.
Relativamente ao nosso caso prático:
✓ Cláusula que aparece no folheto publicitário: de que plano estamos a
falar? É o plano de inserção, ou seja, o desconhecimento; ou não há
dever de comunicação ou surge num sítio que não era expectável, neste
caso num folheto.
o Aqui a solução seria excluir a cláusula do folheto, art. 8º DL.
✓ Clausula de responsabilização do locatário pelos danos: plano do
conteúdo; queremos saber se esta cláusula é ou não injusta- a locadora
não se ia responsabilizar por dano causado no automóvel. Não fazia
sentido esta desresponsabilização- iriamos procurar nas cláusulas
contratuais proibidas, vamos percorrer as cláusulas do art. 18º, 19º 21º
e 22º. É uma clausula de exclusão da responsabilidade civil. Esta era
uma clausula absolutamente proibida não se pode excluir a clausula por
danos corporais- é absolutamente excluída por isso é nula sem mais.
Nos termos do art. 13º DL, sendo a cláusula nula, o aderente pode
continuar com o contrato sem qualquer problema. Art. 292º CC- a
nulidade ou invalidade parcial não dá azo a resolução, salvo se o
aderente não tivesse celebrado o contrato com aquela cláusula.
Do ponto de vista processual, existem dois tipos de controlo:

✓ Controlo incidental: tem em vista excluir a cláusula daquele concreto


contrato já celebrado.
✓ Controlo abstrato: está em causa a ação inibitória. Esta ação é uma
ação em que determinadas entidades proporem para que uma
determinada cláusula seja proibida no futuro, art. 25º DL. Até à lei de
defesa do consumidor apenas as entidades do art. 26º DL. Com a lei de
defesa do consumidor pode também o consumidor obter uma ação
inibitória; normalmente contra a entidade que usa as clausulas e ainda

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

para a entidade que as recomendou. Caso não haja cumprimento, temos


sanção pecuniária compulsória.
Consequências da proibição definitiva: art. 32º DL (atenção ao código da
almedina que tem um erro)
Contratos mais problemáticos em PT: empresas de telecomunicações.
Havendo proibição há um registo administrativo que tem lá todas as cláusulas
que foram proibidas (art. 35º DL).

Caso 7

A foi contactado por B uma igreja no sentido de alienar um velho cinema para
venda. Durante meses houve contactos entre A e B e em função do grande
interesse de B, A dispensou 5 mil € para mudar a instalação sonora e
luminosa do cinema. B, entretanto, desistiu da potencial compra e A considera
que com isso houve violação de um contrato promessa. Quid iuris?

O Caso prático em questão aborda a o tema da responsabilidade pré


contratual.

Este problema está ligado à eventual responsabilidade dos


contraentes pela conduta deficiente levada a cabo ao longo do
período de preparação do contrato, tratando-se de um instituto de
origem germânica ligado diretamente aos trabalhos de Ilhering, jurista
alemão do século XIX.

Ora, no caso prático em questão a ação de B levou à origem de danos,


que por seu turno foram causados na negociação do contrato. A tese
da responsabilidade pré-contratual assenta na ideia exclusiva que de
que o simples início das negociações cria entre as partes (A e B neste
caso) deveres de:
• Lealdade
• Informação
• E esclarecimento
▪ Dignos todos eles, de tutela do Direito!

Atualmente este instituto tem um âmbito mais amplo daquele que foi
inicialmente pensado por Ilhering, abrangendo os negócios ineficazes,
inválidos e fundamentalmente, a chamada rutura injustificadas das
negociações.

Importa referir a complexidade da obrigação para este caso prático. A


obrigação em sentido técnico encontra-se consagrada no artigo 397º

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

do CC, contudo, atualmente esta conceção estrita do conceito de


obrigação apesar da sua inegável importância deve ser
complementada pela conceção germânica de obrigação de forma
complexa: Não podemos esquecer que as próprias obrigações
simples são dotadas de complexidade, existindo vários tipos de
deveres que gravitam em torno do dever principal de prestar,
designadamente:
• Deveres:
o Secundários:
▪ Relacionados com uma forma de permitir a
realização da prestação, sendo que estes podem
ser divididos em:
• Coadjuvantes
• Sucedâneos
o Acessórios de conduta:
▪ Deveres que permitem a satisfação do credor.

Do ponto de vista da responsabilidade pré-contratual, é sempre


necessário efetuar um balanceamento entre dois princípios:
▪ Liberdade Contratual (405ºCC).
o De acordo com este princípio, o caminho a seguir seria o
da irresponsabilização de B.
▪ E o princípio da boa-fé (227ºCC).
o Ou seja, os negócios devem respeitar o princípio da boa
fé.

Em síntese, as partes são livres, mas têm de se orientar pelas


exigências da boa fé porque, se as partes romperem as negociações
de forma injustificada, nesse momento poderá haver responsabilidade
pré-contratual. A boa fé atua em dois momentos:
▪ No período pré-contratual:
o Na fase das negociações em que ainda não há contrato.
o Artigo 227ºCC
▪ Na fase de cumprimento dos contratos
o Artigo 762º/2CC
A responsabilidade pré-contratual, com a sua amplitude do artigo
227º, abrange os danos provenientes da violação de todos os deveres
(secundários) de:
▪ Informação
▪ Esclarecimento
▪ E lealdade
o Em que se desdobra o espectro negocial da boa fé.

Contudo, a boa fé apesar da sua inegável importância na fase pré-


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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

contratual, impõe igualmente um dever de colaboração, de


cooperação, ou seja, estamos atualmente perante um sentido positivo
de boa fé também
Com efeito, é o concreto decurso das negociações que vai fazendo
com que surjam estes deveres de conduta, os quais apenas assumem
relevância autónoma no momento em que são violados gerando:
• Responsabilidade pré contratual:
o Nos termos do artigo 227ºCC
• E a obrigação de indemnizar a contraparte
o Nos termos dos artigos 562ºCC
Por conseguinte, há responsabilidade pré-contratual em três
situações:
1. Rutura abusiva das negociações: sabemos que é abusiva, quando
existe confiança gerada na outra parte, no sentido de o contrato ser
celebrado.
▪ No nosso caso concreto: parece que é abusiva, teve uma série de
comportamentos no sentindo da celebração do contrato.
2. Celebração de um contrato desvantajoso por a assimetria de
informações: uma parte aproveitou-se do conhecimento que tinha
da matéria, assim podemos dizer que estamos perante
responsabilidade pré-contratual.
3. Caso em que se celebra um contrato inválido ou ineficaz por
culpa da contraparte: pode também ser por culpa de um terceiro.
Esta possibilidade pode ocorrer se não existir meios mais fortes.
i. Exemplo: Se A celebra um contrato com B em 2007. B
não quer cumprir esse contrato. Resolve dizer que é
nulo porque não tem forma. B na altura não quis e
insistiu em ser sem a forma legalmente exigida. B
passados estes anos vem invocar a nulidade.
No caso prático questão podemos dizer que é um contrassenso se ele é
que não quis formalizar. Temos um abuso de direito- art. 334º CC. Se
tem um direito e o exerce de forma abusiva, o legislador entende que não o
pode exercer; logo o contrato é válido.
Cálculo da indemnização:
Se estamos perante responsabilidade civil temos de saber quais os
danos ressarcíeis (é a secção relativa à obrigação de indemnização).
• Temos uma equiparação do valor da indemnização que
corresponde ao valor dos danos causados.
• Art. 562º CC: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve
reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o
evento que obriga à reparação”.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

• O problema é saber no âmbito da responsabilidade pré-contratual,


quais os danos não patrimoniais que são ressarcidos no âmbito
desta:
Exemplo: imaginemos que quem tinha desistido do contrato era o
vendedor e já existia uma série de atividades marcadas, para além da
perda material temos também danos não patrimoniais; tínhamos uma
relação de confiança nomeadamente os projetos e iniciativas.
No nosso ordenamento jurídico, a resposta era negativa. Hoje, é
preciso que sejam danos graves para que seja admitida.
Ora, a doutrina considera que se deve indemnizar o interesse
contratual negativo, ou seja, o lesado deve ser colocado na posição em
que estaria caso não tivesse confiado validamente na conclusão do
contrato. A indemnização inclui, nos termos do artigo 564ºCC:

• Danos emergentes:
o Ou seja, os prejuízos que atingem bens, já existentes na
esfera do lesado, no momento em que começam as
negociações.
• Lucros cessantes:
o São as oportunidades geradas, isto é, as vantagens
patrimoniais que ainda não integravam a esfera jurídica
do lesado, mas que, com toda a probabilidade, viriam a
integrá-la.
Importa referir que devemos rejeitar a possibilidade de ressarcir o
lesado pelo interesse contratual negativo, já que esta possibilidade
exige correções e deduções.
Quanto ao nosso caso: podia pedir uma indemnização pelo interesse
contratual negativo, os 5 mil €. A forma correta de dizer isto é a indemnização
dos danos resultantes pela violação do interesse contratual positivo.

EM SUMA: aqui não existia contrato promessa porque:


O contrato promessa é um contrato pelo qual ambas as partes prometem
celebrar contrato futuro.

Só existe contrato promessa se existisse um contrato preliminar e um segundo


que é o contrato futuro e depois o contrato definitivo que prometeram celebrar.
Nas negociações as partes querem que ele seja celebrado. No contrato
promessa existe já vinculação das partes, estas obrigam-se a celebrar o contrato
futuro. Pode acontece que em função do estado avançado das negociações, que
é como se elas tivessem prometido comprar ou vender. Elas cumprem a
promessa celebrando um contrato, como se celebra um contrato? Com a

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

emissão das declarações de vontade, que faz com que haja acordo. Como se
emite uma declaração de vontade? É pelos atos que vão surgir.
Podem existir contratos promessa consensuais? O contrato promessa é
consensual ou formal? O contrato promessa é consensual.
A forma dos contratos: temos de saber se é autêntico ou particular (estes são
autenticáveis ou simples).
2. A forma dos contratos é exigida por necessidade de razões de
segurança das partes. O registo pode surgir mesmo quando
o contrato não é formal. O registo serve para dar
publicidade.

NOTAS-RELEVANTES:
Onde se insere a responsabilidade pré-contratual? Estamos
perante uma terceira figura. Apesar de não existir contrato, temos uma
obrigação. A ideia é que esta responsabilidade por ser uma 3ª
categoria ou uma responsabilidade contratual.
Temos regras diferentes para a extracontratual e a contratual- 2
diferenças:
✓ Prescrição: 1) Extracontratual- 3 anos; 2) Contratual- 20 anos

✓ Culpa: 1) Extracontratual: é o lesado que tem de provar a culpa; 2)


Contratual: presume-se a culpa.

Caso 8: Contrato-promessa

A prometeu vender e B pretendeu comprar um coche antigo no valor de 15


mil €. B entregou 5 mil €. A recusa-se a celebrar o contrato de compra e venda
invocando um documento de formalização do contrato que só continha a sua
assinatura. Diga quais são os direitos de B.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

NOÇÃO 1: Estamos perante um contrato promessa. Este tipo de contratos


antecede de forma frequente um contrato, seja de eficácia real, seja um contrato
obrigacional ou até um acordo unilateral. O contrato promessa encontra-se
previsto no artigo 410º1 do Código Civil, nascendo deste uma obrigação de facto
positivo que consiste na emissão de uma declaração negocial correspondente
ao negócio prometido.
Por isso mesmo, o contrato promessa é um verdadeiro contrato, dotado de
efeitos jurídicos vinculativos, sendo distinto do contrato prometido, integrando-
se no período pré-contratual.
MOTIVOS 2:
O contrato-promessa é dos contratos com maior frequência, uma vez que
serve múltiplos interesses e exigências práticas dos operadores
económicos, tendo uma dupla função:

• De preparação

• E de segurança.
Ora por muitas vezes faltam elementos jurídicos ou eventualmente o
comprador já tem financiamento, mas o dinheiro ainda não entrou na sua
conta.
Em outros casos, as partes querem salvaguardar a possibilidade de se
arrepender. O contrato promessa serve por isso mesmo, para salvaguardar
a possibilidade de arrependimento das partes. Porém, em caso de
incumprimento existe consequências, havendo regras e sanções para o
incumprimento do contrato promessa.
Tipos de Contratos promessa:
O contrato promessa pode ser:

• Bilateral
o Neste caso, a obrigação de celebrar o contrato futuro é
das duas partes, ambas promitentes.
• Unilateral
o Neste caso, só um dos contraentes se vincula a
contratar.
o Estamos perante uma situação onde existe um só
promitente (promitente único), ficando o promissário livre
de concluir ou não o contrato definitivo.
Em relação aos contratos de promessa unilateral importa destacar as exigências
em relação à forma: Neste tipo de contrato só se exige a assinatura de A, o
promitente.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Se A (promitente) não assinar temos um vício de forma, logo o contrato é nulo.


Sempre que se exija forma, a assinatura que se exija é a assinatura do
promitente.
Se não houver prazo, o promitente pode pedir a fixação judicial de prazo
(411ºcc)
Exemplo: A vinculou-se a celebrar o contrato definitivo. B não se
comprometeu. Se tiver o prazo de 5 anos, ao fim deste o prazo prescreve.
Mas se não existir prazo, o prazo normal de prescrição é 20 anos; se
quiser o contrato passados 15 anos, tem de existir.
Neste caso excecional o promitente pode pedir ao tribunal que fixe um prazo. O
legislador entendeu que no fim do prazo não existe prescrição existe caducidade,
art. 411º CC. Na realidade, ao nível dos casos práticos é um pormenor.
Por fim, uma última nota em relação à onerosidade do contrato promessa
unilateral, que pode ser um contrato oneroso. Podem então existir promessas
unilaterais remuneradas ou com preço de imobilização. Nestes casos, o
promitente-vendedor pode conseguir que o promissário lhe dê uma contrapartida
remuneratória, já que durante um determinado período de tempo, este fica com
o bem imobilizado sem o poder vender. Não se aplica o regime do sinal já que
se trata de uma mera contrapartida pela temporária imobilização do bem.
Nota valorativa: Em relação a este ponto, importa destacar as opiniões
contrárias de Antunes Varela e de Calvão da Silva em relação à forma exigida
para o contrato promessa acompanhado de indemnização de imobilização.
Antunes Varela considerava que era necessária a assinatura de ambas as
partes. Já Calvão da Silva rejeita a posição deste eminente civilista luso. O artigo
410/2 resolve qualquer tipo de dúvidas: Só é necessária, numa promessa
unilateral, uma assinatura, isto porque, a quantia entregue não pode ser
entendida como ato de vinculação negocial, mas sim como um ato material.
Classificar a Eficácia do Contrato Promessa:
O contrato promessa goza de eficácia obrigacional, interpartes, de acordo com
o princípio da relatividade (art. 406º/2 CC). Mas em determinadas circunstâncias
o legislador pode fixar que o contrato promessa tenha eficácia real (art. 413º CC).
Se tiver eficácia obrigacional:
• Exemplo: A prometeu vender a B, se A vender C; o bem será de C. C
adquiriu o direito de propriedade sobre a coisa, é um direito real. O direito
de B é meramente obrigacional, só exigir a prestação. B não pode obter
a coisa, não porque o bem já transitou da esfera jurídica de A para C.
Quem tem maior força jurídica é o proprietário.

Se existir eficácia real:


• Exemplo: A atribuição é registada e C adquire o mesmo que B tenha
registado. B como registou. Se B quiser pode invocar a ineficácia do

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

contrato entre A e o terceiro, e vai poder intentar a ação de execução


específica contra A.

A lei faculta então às partes, a possibilidade de atribuir eficácia real, garantindo


dessa forma o recurso à execução específica, mesmo que haja alienação a
terceiro (é a grande vantagem desta ampliação)
Tratando-se de um caso excecional, a lei subordina a atribuição de eficácia real
à verificação cumulativa de três requisitos:
1. Nem sempre é possível atribuir eficácia real, só pode existir eficácia real
quanto a bens sujeitos a registo, art. 413º/1 CC. Daqui resultam 2
elementos:


Constituição ou transmissão de direitos reais.
o Que deve registada de acordo com o artigo 2º/1/f do Registo
Predial
• O bem em causa tem de ser bens imoveis ou moveis sujeitos a
registo.
o Artigo 11º/1/h do Código de Registo de Bens Móveis.
Como classifico um bem imóvel ou móvel?
Exemplo 1: O paul de arzila, é um pântano. Se alguém quiser vender, este
é um bem imóvel. Como sabemos se é móvel ou imóvel? A lei estabelece
um elenco relativamente aos bens imóveis, art. 204º CC.
Exemplo 2: Se A promete vender a B oliveiras centenárias, é um bem
imóvel enquanto estiver agarrada ao solo. É móvel quando sair do solo.
Quais os bens móveis sujeitos a registo? Carros, aeronaves e navios.
Posso atribui eficácia real a um contrato de arrendamento de um bem móvel?
Não. O contrato-promessa de venda de um catálogo de arte gótica, não pode ter
eficácia real, é um bem móvel. Não podemos dizer que não tem, porque assim
parece que podia ter. Temos sempre dizer que não pode ter. O registo assume
natureza constitutiva, sem registo não existe eficácia real.
2. Declaração Expressa
a. A atribuição da eficácia real não pode ser tácita, tem de ser
expressa, por meio direito de manifestação da correspondente
vontade de tornar a promessa oponível a terceiros com eficácia
absoluta.

3. A eficácia real exige Forma em relação à atribuição de eficácia real. Vai


se exigir:

Por exemplo: se se quiser atribui eficácia real ao contrato promessa da venda


de um andar, o contrato prometido, a forma exigida para alienar um bem imóvel
é necessário escritura pública ou documento particular autenticado. É superior a
escritura pública. Basta na realidade o documento particular autenticado.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Se não se exige basta um documento particular simples com o


reconhecimento de assinaturas.
Duas notas:
• Para a venda de um navio, qual a forma para atribuição de eficácia real?
É a escritura pública. Em Portugal, a venda de bens imóveis, não temos
uma associação direta entre o registo e a forma. Para vender tem de
existir escritura pública.
• Para a atribuição de eficácia real à promessa de venda de um carro, qual
a forma de venda de um carro? Não temos. O registo não coincide com a
forma; não temos forma. Não carece de forma. Para atribuição de eficácia
real, nós precisamos de forma, não pode ser por via consensual. Qual o
mínimo formal, é o documento escrito com o reconhecimento de
assinaturas. Não tem eficácia real, mas tem eficácia obrigacional.

Verificados os três pressupostos, os direitos de crédito nascidos do contrato-


promessa veem a sua eficácia ampliada perante terceiros, graças:

• Ao registo efetuado Passando os direitos do promissário a valerem em


• À correspondente publicidade relação a terceiros.

Princípio da Equipação
O artigo 410º/1 do CC consagra o princípio da equiparação do contrato-
promessa ao contrato promessa. Ou seja, ao contrato promessa
aplicam-se as normas do contrato prometido.
Contudo, verificam-se exceções a este princípio. Caso não existissem
essas exceções não faria sentido existir um contrato promessa e um
contrato prometido. Haveria lugar apenas a um contrato. EXCEÇÕES:
1. Substância
Constitui uma exceção ao princípio da equiparação as normas do
contrato prometido que, pela sua razão de ser, não devam considerar-
se extensivas ao contrato promessa (410/1). Para compreender o
âmbito de aplicação desta exceção é necessária analisar uma dada
norma do contrato prometido e apurar a sua ratio.
Como exemplo paradigmático destas exceções temos algumas regras
da compra e venda. O contrato de CV é um contrato que produz efeitos
translativos

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Exemplo:
1) No regime da compra e venda existe uma norma que diz que o vendedor
tem de entregar a coisa. Esta norma não se aplica pela sua razão de ser. A
norma que diz que o vendedor tem de transmitir a propriedade, não se aplica
ao contrato promessa.
2) A promete vender a B um bem de C, é uma promessa de venda de bem
alheio. Eu posso vender um bem alheio? Princípio do nemo plus iuris. É
aplicável ao contrato promessa? Não porque com o contrato promessa ele
não transmite nenhum direito que não tenha. Temos algumas normas em que
a venda só é possível se se obter o consentimento.
2. As regras quanto à forma
O art. 410º/2 CC vem estabelecer certas exceções ao princípio da
equiparação, ou seja, casos em que a forma exigida para o contrato-
promessa não equivale à forma exigida para o contrato prometido.

• Se o contrato prometido for um contrato consensual, para o qual


a lei não exija qualquer forma:
o Também o contrato promessa será um contrato
consensual
• Se o contrato prometido for um contrato formal:
o O contrato promessa tem de constar de documento
particular assinado pelo promitente ou promitentes,
consoante seja unilateral ou bilateral.
o Logo, se falhar uma das assinaturas em contrato em que
se exija duas assinaturas, há nulidade do contrato por
vício de forma (220ºCC)
• Se a forma exigida para o contrato prometido for o documento
particular:
o É esta a forma do contrato promessa

• E qual é a exceção?
o A exceção ao princípio da equiparação está nos casos
em que a lei exige para o contrato prometido a forma mais
solene:
▪ Documento autêntico: Seja:
• Escritura Pública
• Documento Particular Autenticado.
▪ Nesse caso, basta a forma de documento
particular para o contrato promessa.
Nota muito importante para a venda de automóvel (BEM MÓVEL): Para
a venda de automóvel não é necessária escritura pública ou documento
particular autenticado, sendo que basta o mero acordo verbal para que
se transmita a propriedade. Ora, neste caso há uma exceção à exceção

26
TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

da forma, pois para o contrato promessa, exige-se mais do que para o


contrato prometido.
REGIME DO SINAL:
O sinal, previsto no artigo 442º CC, traduz-se na entrega de uma
quantia ou de uma coisa fungível, ainda que a título de antecipação e
princípio de pagamento. Apesar da sua importância no regime do
contrato promessa não se se trata de uma figura exclusiva do contrato
promessa. É importante desde logo, distinguir o sinal da cláusula penal.
Enquanto o sinal corresponde à entrega de uma coisa, a cláusula penal
corresponde à estipulação feita num negócio jurídico, designadamente
num contrato, ao montante fixado de indemnização pelas partes para
o caso do seu incumprimento. O sinal tem como função:

• Demonstrar a seriedade das partes no cumprimento


• E fixar antecipadamente o valor da indemnização.

O sinal pode ser por seu turno:

• Confirmatório
o Funcionando como prova para o exterior da celebração
do contrato, reforçando o vínculo negocial e o
cumprimento das obrigações assumidas
• Penitencial:
o Neste caso as partes quiserem reservar a faculdade de
retração ou de recesso do contrato.
o É o chamado “preço do arrependimento” do
incumprimento do contrato.
É a liberdade das partes que molda o caráter do sinal, cabendo ao
tribunal apurar se as partes quiseram um sinal confirmatório ou
penitencial. Em caso de dúvida o sinal deveria ser confirmatório quer
para a generalidade dos contratos e também o (na opinião do Dr.
Calvão da Silva) para os contratos promessa. Contudo, o legislador
optou por outra solução e veio presumir que o sinal tem natureza
penitencial. Essa conclusão pode ser retirada através da leitura do
artigo 830/2 CC quando o legislador estipula que é excluída a execução
específica quando exista sinal ou convenção em contrário. Esta
regra não se aplica, contudo, em relação aos contratos previstos pelo
artigo 410/3 do CC. Nesses casos nem a convenção expressa das
partes pode afastar a execução específica. Esta tem natureza
imperativa.
Esta opção de estabelecer um sinal penitencial à partida é, contudo,
alvo de muitas críticas por parte do Dr. Calvão da Silva. O professor da
Escola de Coimbra aponta dois argumentos para justificar a preferência
pelo sinal confirmatório também em relação aos contratos promessa.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

• A integração do sinal confirmatório na regra geral do pacta sunt


servanda.
• E a renúncia prévia ao direito de pedir o cumprimento como
corolário do regime do sinal penitencial, o que choca com o
nosso sistema jurídico que consagra a regra da
irrenunciabilidade prévia deste direito no artigo 809ºCC.

O Regime do Sinal: - 442º CC


O DL 379/86 veio dar uma nova redação aos artigos 442º e 830ºCC, relativos ao
sinal e à execução específica. Esta nova roupagem foi muito criticada pelo Dr.
Calvão da Silva, que considerava que era preferível separar as regras do regime
geral do regime especial.
Quando haja sinal, presumido (441º) ou convencionado (440º), a coisa
entregue deve ser imputada na prestação devida ou restituída quando a
imputação não for possível.
Não podemos esquecer que nos contratos promessa de compra e venda
presume-se que toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao
promitente vendedor tem a natureza de sinal, ainda que a título de antecipação
ou princípio de pagamento, como se prevê no artigo 441ºCC.
Exemplo: A promete vender a B um piano, B entregou mil € e depois mais
mil €, não é antecipação da entrega do preço, é sim, o sinal.
Quando é sinal, o valor da indemnização é o valor do sinal. Se se fixa o sinal,
fixa-se o valor total da indemnização.
Exemplo: B entregou sinal de 2 mil €, mas os danos que A teve foi de 4
mil €; em princípio, não pode apenas entregar 4 mil €, isto apenas se as
partes fixaram convenção em contrário, art. 442º/4 CC- a indemnização
será de 2 mil €.

A prometeu vender a B. B, que prometeu comprar um terreno de que A era comproprietário


juntamente com o seu primo C. Formalizaram o contrato através de documento particular com
assinatura de ambos. A recusa-se a celebrar o contrato definitivo porque não houve escritura pública e
não obteve consentimento de C. Quid iuris?

Notas essenciais do contrato-promessa:

• É um contrato promessa: é um contrato preliminar antecede o contrato


prometido.
• O contrato promessa tem a forma do contrato prometido.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

• O contrato promessa é muito utilizada na prática jurídica


sobretudo quando não existam todos os pressupostos jurídicos e
materiais.
• Neste caso é uma venda de uma compropriedade, não poderia
haver contrato de compra e venda. Por vezes, as partes celebraram
contrato promessa para reservar o facto de se arrependerem. É uma
espécie de vinculação provisória.
• Se realmente estou interessada no contrato prometido dou um
sinal elevado, e deste modo é um facto importante para revelar o
meu interesse.
Para aplicar o regime do contrato promessa:

Qual o tipo de contrato? Contrato unilateral e bilateral? Qual a importância


desta distinção?
1. Se for unilateral assina o promitente.
2. O incumprimento no caso de ser unilateral, A prometeu
vender, B não se vinculou; se A não cumpre sofre as
consequências do contrato unilateral.
o Se não houver prazo para o cumprimento do contrato
promessa pode haver uma fixação judicial pelo
promitente; se não fixar prazo é 20 anos.
Vamos encontrar contratos promessa com efeitos reais e obrigacionais:

O art. 413º CC pode ter eficácia real.


Exemplo: Compra e venda de um violino, posso atribuir eficácia real? Temos de olhar
para o art. 413º CC para saber se posso atribuir eficácia real. Não pode ter eficácia
real porque não temos um bem móvel (carros, aeronaves e navios) ou imóvel
sujeito a registo.
O que é necessário para existir eficácia real? 3 requisitos:
▪ Vontade das partes; Declaração expressa
▪ Registo
▪ Forma: art. 413º/2 CC com remissão para o art. 875º CC- venda de
bens imóveis relativamente à forma, exige escritura pública ou
documento particular autenticado.
• Não se exigindo nenhumas destas, basta
documento particular com reconhecimento
de assinaturas.
Qual a vantagem da atribuição de eficácia real? Garantir o recurso à
execução específica mesmo que haja alienação a terceiro.
▪ Exemplo: A promete vender e B promete comprar um terreno, neste caso
sempre que A propriamente vender a C, quais os direitos de B?

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

A posição de B está mais fragilizada; C adquiriu o direito de propriedade; titular


de um direito real. B é apenas titular de um direito de crédito.
Sabemos que os contratos não vinculam terceiros. A poderia ter vendido o bem
a um terceiro mesmo tendo prometido vendera B; A é proprietário. O B tem
apenas direito a indemnização. B tem eficácia obrigacional. B se tem eficácia
real do bem, mesmo que haja vendas posteriores registadas, ele pode pedir o
recurso à execução específica mesmo que haja alienação a terceiro. C quando
adquire a moradia tinha a obrigação de saber se havia registos anteriores, por
isso não vamos proteger neste caso.
✓ Ainda quanto ao tipo temos de saber se tínhamos sinal.
1. O que é o sinal? O sinal corresponde à entrega de uma
coisa que geralmente coincide com totalidade ou parte de
uma prestação, no sentido de reforçar a seriedade do
cumprimento e fixar o valor da indemnização.
2. Exemplo: A promete vender a B uma casa antiga por 1 M€,
e entrega de sinal 1 M€, neste caso está interessado já
entregou a totalidade do preço.
▪ Tem muito interesse, logo o sinal é maior.
▪ Se tiver interesse baixo, o sinal é menor.

Como é que se constitui o sinal? Duas vias:


▪ Declaração das partes
▪ Presunção, art. 441º CC
Temos de referir as funções do sinal?
▪ Coerção ao cumprimento
▪ Determinação prévia da indemnização em caso de incumprimento: ao
fixar o valor do sinal vai corresponder ao valor da indemnização. Art.
442º/4 CC
Exemplo: se a indemnização é 1000€, se fixaram sem dizer mais nada,
aindemnização vai ser essa sem mais. Independentemente dos danos sofridos.
Diferente de sinal e cláusula penal? No sinal é uma figura que constitui uma traditio.
O sinal pode ser:
▪ Confirmatório: funciona como uma prova para o exterior, da celebração
do contrato, visando reforçar o vínculo negocial e o cumprimento das
obrigações assumidas.
▪ Penitencial: ocorre nos contratos promessa e é a função de afastar
a execução específica, art. 830º/2 CC. O sinal afasta a execução
específica nos termos do presente artigo.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Como funciona o sinal de tivermos incumprimento?

▪ Temos de saber quem constitui o sinal e quem não cumpre.


• Exemplo: A entregou 1000€ de sinal, se A não
cumprir perde 1000€. E se for B a não cumprir o
contrato, tem de dar em dobro, ou seja, 2000€.
Podemos ter contratos promessa gratuito e oneroso. Se for bilateral é
normalmente oneroso. Se for unilateral à partida é gratuito, mas pode ser
oneroso.
✓ No último caso pode existir o preço de imobilização, ou seja, a parte que se
vinculou sozinho, nos contratos promessa é exigido o preço de imobilização
que nada tem a ver com o sinal. É uma espécie de compensação pela sua
vinculação unilateral.
✓ Em relação ao regime jurídico, a regra geral é o princípio da equiparação,
ou seja, ao contrato promessa aplicam-se as regras do contrato prometido
respetivo, art. 410º/1 CC. Exemplo: contrato promessa de constituição de
sociedade aplica-se o contrato de sociedade. Se se prometer comprar e
vender um imóvel, vamos aplicar as regras do contrato de compra e venda.
Este conhece duas exceções:
1. As normas que dizem respeito à forma: o contrato promessa é
consensual. Não se aplicam as normas do contrato prometido, art.
410º/2 CC, vem estabelecer certas exceções ao princípio da
equiparação. Não se aplica as regra do contrato prometido, mas
são tidas em consideração.
• Se se exige documento autêntico para o contrato
prometido, para o contrato promessa exige
documento simples.
• Se se exige documento particular autenticado para
o contrato prometido, para o contrato promessa
exige-se documento simples. Se se exige
documento particular simples para o contrato
prometido, para o contrato promessa exige-se
documento simples.
ASSIM:
✓ Sempre que se exige forma para o contrato prometido, é exigida para o
contrato promessa documento simples.
✓ Se nada se exige para o contrato prometido, nada se exige para o contrato
promessa.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

2. As normas que não extensíveis ao contrato promessa pela


sua ratio (razão de ser):
▪ Por exemplo, a norma que no contrato de compra e venda diz que a entrega
da coisa deve ser feita no domicílio do devedor, esta norma do contrato de
compra e venda não se aplica ao contrato promessa; uma vez que neste
apenas temos a promessa de celebração do contrato prometido. Não se
aplicam normas relativas aos efeitos.
▪ Por exemplo, a necessidade consentimento de terceiro, A promete vender a
B, mas é comproprietário do bem com o seu cônjuge, este ato carece de
consentimento de terceiro à partida; se realmente isto não acontecer temos
a nulidade ou anulabilidade; aqui está em causa o art. 1682º e ss CC
Mas para o contrato promessa como não existe nenhum bem que sai do
património, logo estes artigos não se aplicam ao contrato promessa, não existem
efeitos translativos (posso prometer vender uma coisa que não é minha)
não existe a transmissão do património. Pelo contrário, para a venda é
necessário o consentimento, art. 1682º A CC
▪ Não tem o consentimento o que acontece? Não pode celebrar o contrato
definitivo, logo não cumpre o contrato promessa. O contrato de compra e
venda neste caso será nulo ou anulável, porque não existe o consentimento
da outra parte.
EM RELAÇÃO AO NOSSO CASO PRÁTICO:
✓ O nosso contrato promessa é um contrato de que tipo? Bilateral/
unilateral: saber quem se vinculou.
1. É bilateral, ambos se vinculam- A prometeu vender e B prometeu
comprar.
2. É unilateral- se só A prometesse vender; ou só B prometesse
comprar.
✓ Qual a forma exigida de compra e venda do terreno?

1. Não vou aplicar a norma do art. 875º CC.

• De acordo com o art. 410º/1 CC, quanto à forma não se aplicam as regras do
contrato prometido.
• O art. 410º/2 CC exige-se para o contrato promessa um documento simples.
Este contrato promessa é válido. Se se celebrasse o contrato promessa por
escritura pública era válido? Sim, mas tínhamos um excesso de forma.
✓ O outro argumento utilizado é que não houve o consentimento de C o
comproprietário.
1. Não é relevante, uma vez que, se exige no âmbito da
compropriedade (art. 1403º CC) que haja o consentimento dos
comproprietários, mas neste caso no contrato promessa não tem
efeitos translativos (não transmite o bem); mas ele pode prometer

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

vender o bem mesmo que só seja seu parcialmente. Mas para


vender tinha de ter o consentimento de ambos.
RESPOSTA: Neste caso, o contrato promessa é válido.
A questão de saber qual foi a vinculação de A quanto ao consentimento do
terceiro: quando eventualmente se exige o consentimento para a alienação,
pode o promitente vender e ter-se vinculado a obter o consentimento do cônjuge.
Pode tratar de uma vinculação:
✓ Obrigação de meios: obriga-se a realizar todos os esforços.

✓ Obrigação de resultados: obriga-se a obter o efeito pretendido ou o


resultado. Esta é mais exigente.

Caso 10: Contrato-promessa, art. 410º/3 CC


O artigo 410/3º foi aditado ao texto originário pelo DL nº 236/80 impondo
requisitos adicionais de forma em relação aos contratos promessa relativos a
contratos prometidos onerosos de transmissão ou construção de direito real
sobre edifício ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou
construir.
O artigo supramencionado estipula a necessidade:
• De um reconhecimento presencial das assinaturas
• E da certificação pelo notário, da existência da licença de utilização ou de
construção do edifício.

Este artigo consagra pois então um regime especial, aplicando-se apenas caso
o contrato prometido preencha três requisitos:
• O contrato tem de ser oneroso
• Tem de existir uma transmissão ou criação de direitos reais
• O objeto do contrato tem de ser um edifício ou uma fração autónoma.

O legislador veio estabelecer estes requisitos formais mais alargados de modo


a tutelar a parte mais débil, ou seja, o promitente comprador, face ao promitente
vendedor-profissional que se aproveitava da falta de preparação dos chamados
adquirentes não profissionais numa zona nevrálgica e socialmente sensível
como a da aquisição de habituação própria.
O contrato promessa pode ser:

• Bilateral
o Neste caso, a obrigação de celebrar o contrato futuro é
das duas partes, ambas promitentes.
• Unilateral
o Neste caso, só um dos contraentes se vincula a
contratar.

33
TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

o Estamos perante uma situação onde existe um só


promitente (promitente único), ficando o promissário livre
de concluir ou não o contrato definitivo.

Se falharem estes requisitos o contrato promessa é nulo nos termos do artigo


220ºCC. Importa perceber e analisar o regime relativo à invalidade
correspondente á omissão das formalidades. Porquê? Devido às suas inúmeras
particulares.
Nem a jurisprudência nem a doutrina duvidam que a sanção correspondente à
inobservância dos requisitos formais supramencionados é a nulidade como já
vimos. Contudo, já se verificam dúvidas em relação da classificação da própria
nulidade e dos seus efeitos. Algures autores apelidam o regime previsto para
estes casos como nulidade mista. Outros, na senda do Dr. Calvão da Silva,
preferem a classificação de nulidade atípica.
É preciso compreender em primeiro lugar que de acordo com a versão atual: o
promitente-vendedor apenas pode invocar a omissão dos requisitos formais
quando a falha destes tenha sido culposamente (não é preciso dolo – basta a
existência de negligência) causada pela outra parte
Já o promitente comprador, à partida pode invocar sempre a nulidade, exceto
nos casos em que há uma situação de abuso do direito, isto, é quando a omissão
dos requisitos for causada por este (artigo 334ºCC). Nesse caso cessam as
razões de proteção ao promitente comprador, apesar deste constituir a parte
mais débil.
Ora, este regime coloca o ónus da responsabilidade no promitente vendedor, já
que recai sobre ele o dever de promover o cumprimento e a observância dos
requisitos.
Não estando em causa interesses gerais da sociedade e do comércio jurídico,
mas tão só do promitente comprador, a invalidade não pode:
• Ser invocável por terceiros

• Nem pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal


Compreende-se então que estamos perante um regime especial, o que levou
Calvão da Silva a defender que se trata de uma nulidade atípica. Este eminente
civilista justifica que é necessário apurar a ratio legis das formalidades previstas
no artigo 410º, nº3.
Em primeiro lugar, Calvão da Silva recorda que a razão de ser deste artigo é
a proteção dos promitentes-compradores numa área particularmente sensível
como a compra de habitação própria
Em segundo lugar, Calvão da Silva, recorre ao argumento da ordem pública,
justificando que os formalismos em causa integram a ordem pública de proteção,
cujo objetivo é a tutela dos consumidores.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Em terceiro lugar, Calvão da Silva justifica que a arguição da invalidade por


terceiros subverteria a finalidade das reformas introduzidas em 1980 (DL 236/80)
e em 1986 (DL 379/86) e das formalidades prescritas para a proteção do
promitente comprador.
Em quarto lugar, o antigo professor da Escola de Coimbra recorre aos
ensinamentos da doutrina francesa, defendendo que perante a circunstância de
estarem em causa formalidades constitutivas da ordem pública de proteção, a
invocação da nulidade deve ser reservada em princípio ao destinatário da
proteção. Dessa maneira, a lei não concede ao promitente vendedor o direito de
invocar a invalidade decorrente da omissão das formalidades, porque existe uma
presunção de culpabilidade deste em relação às falhas existentes.
Apesar da lei expressamente conferir ao promitente-vendedor a faculdade de
invocar a omissão quando a mesma tenha sido culposamente causada pela
outra parte, todavia, em bom rigor a sanção adequada para o promitente
comprador será a recusa da arguição a omissão através da figura do abuso do
direito, uma vez que esta excede os limites impostos pela boa fé e pelo fim social
e económico desse direito. E não podemos esquecer, que o abuso do direito é
de conhecimento oficioso pelo tribunal, tratando-se de um princípio supremo
do direito.
Em suma, devemos optar pela nulidade ATÍPICA e não pela anulabilidade, uma
vez que a lei quer proteger o melhor possível o promitente comprador, recusando
de forma automática os efeitos que o contrato promessa tende. É este elemento
de exclusão da produção de efeitos, que nos leva a dizer que se trata de
nulidade. Porquê? Porque o caráter automático é o elemento:
• Essencial -Estrutural DA
• Indefetível – E diferenciador NULIDADE

Trata-se por seu turno de uma nulidade atípica, por ser invocável apenas pelo
promitente-comprador, aproximando-se nesta medida do regime da
anulabilidade.
Atualmente há jurisprudência que defende a posição de Calvão da Silva. Os
assentos de 28 de junho de 1994 e um de fevereiro de 1995 do STJ funcionam
hoje como acórdãos uniformizadores, apesar da existência de ecos discordantes
na doutrina (esta é para ti Provi), nomeadamente Almeida e Costa.
No caso prático:

✓ O promitente vendedor tinha razão? Refere que é inválido porque


era nulo à luz do art. 410º/3 CC ou falhava o reconhecimento
presencial ou a certificação. No caso era a certificação que em
princípio falharia, uma vez que o enunciado refere o
reconhecimento das assinaturas.
1. O contrato é nulo, mas o promitente vendedor não tem
legitimidade para invocar a nulidade. O contrato é nulo,

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

mas ele não pode invocar a nulidade, continua válido.


2. Apenas o promitente comprador (ou alienante) pode invocar a
nulidade.
NOTA: Uma norma que exige o consentimento de terceiro, não é aplicável ao
contrato promessa.

Caso 11: Contrato-promessa

A prometeu a B e B prometeu comprar uma moradia no valor de 250 mil €. B


entregou o montante de 100 mil €. A recusasse a celebrar o contrato
definitivo invocando que:
O documento escrito foi apenas por ele assinado
Só houve reconhecimento da sua assinatura
Celebrou com C um outro contrato-promessa tendo fixado preço de 300 mil €.

Quid iuris?

Temos de saber se primeiro o contrato é válido. Vamos analisar os vários


argumentos que A refere.

• Neste caso é um contrato-promessa de venda de bem imóvel.

o O contrato-promessa está definido no art. 410º/1 CC.

• É um contrato-promessa bilateral:
o A promete a B e B promete a A- uma vez que ambos os
contraentes se comprometem a celebrar futuramente o
contrato.
• Tem eficácia real ou obrigacional?
o O contrato-promessa goza apenas de eficácia obrigacional
inter partes, de acordo com o princípio da relatividade dos
contratos (art. 406º/2 CC).

Todavia, a lei faculta às partes a possibilidade de atribuir eficácia real


à promessa de transmissão ou constituição de direitos reiais sobre bens
imóveis, ou bens móveis sujeitos a registo (art. 413º CC). Tratando-se este
de um caso excecional, a lei subordina a atribuição de eficácia real à
verificação cumulativa de 3 requisitos:

• Declaração expressa: não pode ser tácita, tem de ser expressam por
meio direto de manifestação da correspondente vontade (art. 217º
CC) - art. 413º/1 CC “declaração expressa”:
• Forma: a promessa tem de ser solenizada, art. 413º/2 CC.
• Registo: a promessa deve ser inscrita no registo respetivo, art.
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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

413º/1 CC “inscrição no registo”.


Aqui neste caso o contrato não poderia ter eficácia real, uma vez que não estão
preenchidos os requisitos; mas poderia ter caso estivessem preenchidos estes
requisitos. No contrato promessa de compra e venda qualquer quantia entregue
presume-se como sinal, art. 441º CC.

Quais os problemas invocados? Vamos avaliar os argumentos de A.


✓ Acha que o contrato é inválido por vicio de forma: por só constar uma
assinatura- é válido ou inválido?
1. Temos de saber se é um contrato formal ou não.
2. Falamos aqui do princípio da equiparação, art. 410º/1 CC
onde este está consagrado. Significa que ao contrato-
promessa se aplicam as normas do contrato prometido.
Assim, o regime jurídico do contrato definitivo é aplicável ao
contrato-promessa.
Todavia este tem 2 exceções:
A nível de forma estamos perante uma exceção ao princípio da equiparação (art.
410º/1 CC), significa que não se aplicam as notas formais do contrato prometido.
As normas que são inextensíveis co contrato promessa pela sua razão de ser
(art. 410º/1 CC), como os efeitos, prestações
Esta exceções existem porque se assim não fosse, não fazia sentido existir um
contrato-promessa e um contrato prometido, haveria apenas um único contrato
e não um contrato promessa e um contrato prometido.
Quanto à forma, não se aplicam as regras do contrato promessa, mas são tidas
em consideração, se se exige forma para o contrato promessa, para o prometido
é apenas documento simples.
Para a compra e venda de bens imóveis é necessário escritura pública ou
documento particular autenticado, art. 805º CC.
No nosso caso, quem assinou foi o promitente vendedor, ele em razão, em
invocar a nulidade nos termos do art. 220º CC- logo é necessário que os dois
assinem logo é necessário a assinatura dos dois, por isso é nulo neste caso.
Podemos invocar o princípio do aproveitamento dos atos inválidos, como a redução
ou conversão. É aqui vamos encontrar a solução para o caso. Temos de saber se ele
pode passar a ser unilateral através da conversão ou redução.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

Qual a diferença entre a redução ou


CONVERSÃO conversação (art. 292º e 293º remissão
do art. 410º/2 CC para estes)? O efeito
NOTA: 293º CC- prático destes é o mesmo.
conversação: o negócio
inválido é transformado num Art. 292º CC- redução: A parte
negócio de tipo diferente. contaminada não afeta a parte sã,
Temos de fazer a prova da logo, há uma nulidade parcial. Por
vontade hipotética “o fim conseguinte, há o aproveitamento
prosseguido pelas partes imediato da parte do contrato que é
permita supor que elas o válida, sendo que a parte assinada
teriam querido, se tivessem
mantém-se a promessa que era
previsto a invalidade”. Quem
tem de provar, é aquele que bilateral à partida transforma-se
quer que o contrato passe de numa promessa unilateral.
unilateral para bilateral. É o
No nosso caso, A assinou, B não
sujeito interessado na
convenção
assinou; B que não assinou tem
interesse nisto desde logo; A não tem
interesse porque ficou vinculado
sozinho. O instituto visa aproveitar a
parte válida.
A doutrina e a jurisprudência não são unânimes em relação ao regime
aplicar. Calvão da Silva entendia que o caso devia ser resolvido em
sede do artigo 292º CC, logo estaríamos perante uma nulidade parcial.
Colocam-se dois problemas em relação a esta matéria:

• A divisibilidade do contrato promessa


• O critério das intencional das partes

Se o contrato promessa pode ser bilateral ou unilateral, não é de excluir


a priori, automática e sistematicamente a possibilidade do contrato
querido como bilateral valer como promessa unilateral do promitente
que assina. O contrato promessa assinado apenas por uma das partes
é, portanto objetivamente divisível em partes, o que choca com a tese:

• da nulidade total
• e da conversão
Apesar de divisível em partes, coloca-se outra questão: A divisibilidade
no caso concreto não pode ir contra a sinalagmaticidade querida pelos
contraentes?
Nos termos do artigo 292º, a nulidade parcial não determina a nulidade
de todo o negócio jurídico, salvo quando se mostre que este não
teria sido concluído sem a parte viciada. Facto que implica uma
consequência extremamente importante, relativa ao ónus probandi,
visto que as presunções legais invertem este (350/1 CCº). Ou seja, a
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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

parte que pretende a nulidade de todo o negócio é que tem de alegar


e mostrar que não teria sido concluído sem a parte viciada.
Dessa forma, na hipótese de o promitente-vendedor querer invalidar
todo o contrato promessa, por o promitente comprador não o ter
assinado, este tem de:

• Alegar
• E mostrar
o Que não teria concluído sem que o outro contraente
tivesse assumido a obrigação de comprar
o Se não o fizer, o contrato será válido como promessa
unilateral de venda:
▪ Com o beneficiário a ter:
• direito creditório à celebração do contrato
prometido
• Ou ao dobro do sinal no caso de não
cumprimento definitivo da obrigação de
vender.
Esta questão foi alvo de discussão várias vezes ao longo das últimas
décadas. O STJ veio consagrar a tesa da validade parcial, invertendo
a sua jurisprudência seguida desde um acórdão de 77 onde o tribunal
defendia a nulidade necessária e automática. Contudo, o STJ
apresentou uma solução àquela apresentada pelo legislador de 66 em
relação à redução, aproximando-se da solução alemã. O Dr. Calvão da
Silva era crítico desta solução já que na sua perspetiva esta violava a
solução de princípio do artigo 292º do CC, ao afirmar que a nulidade
do contrato apenas daria lugar à redução caso a parte interessada na
manutenção do contrato demonstrasse que o teria concluído mesmo a
sem parte nula.
A discussão seria resolvida pelo acórdão do STJ de 25 de março de
1993 que veio esclarecer que o assento do STJ de 1989 deveria ser
interpretado no sentido de consagrar a tesa da nulidade parcial e a
redução do negócio, que será todavia nulo se o contraente que o
subscrever provar que o contrato não teria sido celebrado sem a parte
viciada (292º) afastando a solução avançada previamente pelo STJ
que se se aproximava ao regime do artigo 139ºdo BGB.

No nosso caso: isto interessa, porque aplicando o regime da redução, este


contrato passa a ser unilateral. Como tinha um vicio de forma passa a contrato

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

promessa unilateral. Se este contrato promessa não tivesse solução, o contrato


acabava aqui.
Houve apenas reconhecimento presencial da sua assinatura e talvez fosse
previso algo mais: art. 410º/3 CC.
Este apresenta dois requisitos adicionais:
1. Tem de haver reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou
promitentes;
2. Tem de haver uma certificação da existência e respetiva licença de utilização
ou construção.
Neste caso, temos apenas o reconhecimento de uma assinatura, e é assim
porque agora é unilateral. Mas não há o segundo requisito, logo é nulo.
Esta é uma nulidade atípica, temos de saber se a pessoa que está a invocar a
nulidade pode ou não invocar a mesma.
Neste caso, o promitente vendedor só pode invocar a nulidade, se existir culpa
do promitente comprador. Este promitente vendedor não pode invocar a nulidade
uma vez que não há culpa.

A prometeu vender a B, e B prometeu comprar uma pianola antiga pelo


valor de 3 mil €. B entregou o montante de 200 €. A recusa-se a celebrar
o contrato invocando que: a pianola é de uma tia que afinal a doou a
outro primo. Quid iuris?

✓ É um contrato-promessa bilateral. Ambos prometeram.

✓ Não tem eficácia real porque é um bem que não é um bem móvel sujeito a
registo.
✓ Houve sinal? Como é um contrato de compra qualquer quantia entregue é
tido como sinal, art. 441º
CC. Sim, 200 €.
✓ Não existia forma.

Só se exige forma para o contrato-promessa se se exigir para o contrato


prometido, art. 410º/1 CC- princípio da equiparação. Se se exigir forma para o
contrato prometido, para o contrato-promessa temos documento escrito ou
simples.
✓ Ele prometeu vender um bem alheio, é legitimo? Sim. Não se aplica a
norma que proíbe a venda de bens alheios, art. 892º CC.

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TOMÁS CUNHA – AULAS VELOSO 2019/2020 – DO I

1. De acordo com o princípio da equiparação, art. 410º/1 CC,


aplicam ao contrato-promessa as regras do contrato prometido.
Mas neste caso não aplicamos estas. Em virtude das exceções:
▪ Normas relativas à forma: Não se coloca aqui a questão.
▪ Normas que pela sua ratio são inextensíveis ao contrato-promessa:
• Não pode transmitir um bem que não tem, de acordo
com o princípio do nemo plus iuris.
• No contrato de compra venda existiria
translatividade; no contrato-promessa isso não
acontece, uma vez que o sujeito não está a dispor
de direitos não tem. Se prometer vender um bem
alheio, não significa que tenho esse direito.
• O contrato de compra e venda tem efeitos
translativos, mas esta não se justifica no contrato-
promessa. No contrato-promessa não está a
transmitir mais direitos do que tem, está a prometer
a venda. Logo, prometer a venda não é transmitir
direitos.
• O CP de arrendamento não tem efeitos translativos,
por exemplo. No nosso caso: o CP é válido, à luz do
art.
• 892º CC, não se aplica ao contrato de compra e
venda. Se é válido, temos uma situação de
incumprimento:

✓ Execução específica:

1. Pretende-se a celebração do contrato definitivo. O tribunal


substitui-se à outra parte. Não se obriga o sujeito a dar a
declaração de vontade, é a sentença que dá a declaração do
sujeito.
2. Pode afastar-se a execução específica- art. 830º/1 CC:

▪ Afastamento das partes- convenção em contrário:


• Expressa ou tácita
o A lei presume que havendo sinal ou cláusula
penal fica afastada a execução específica.
o No nosso caso temos sinal, este afasta a
execução específica.
▪ Pela razão de ser do contrato não se aplica a execução específica:

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• Realmente assumiu-se uma obrigação que era de


um terceiro, por isso, o tribunal não pode substitui-
se também.
Então, neste caso temos duas razões pelas quais não existe lugar à
execução específica:

Temos sinal, este afasta a execução específica.

Como a obrigação dizia respeito a um terceiro; o tribunal não pode
substituir-se.
Quanto à indemnização:

✓ Neste caso, podia pedir, o sinal em dobro.

Caso 13

A prometeu vender a B, e B prometeu comprar uma pianola antiga pelo


valor de 3 mil €. A recusa-se a celebrar o contrato invocando que: a
pianola é de uma tia que afinal a doou a outro primo. Quid iuris?
✓ Estamos perante o mesmo caso que o anterior, mas neste caso não
temos sinal. Temos de ver quais as diferenças ao nível da
resolução, comparado com o anterior.
✓ B pode intentar a ação de execução específica?
1. Não porque apesar de não existir sinal.
2. O bem continua a ser de terceiro, por isso o tribunal não se pode
substituir.
✓ Quanto à indemnização:
1. Quando não há sinal nem cláusula penal, qual o valor? Não
existindo, aplica-se o art. 562º CC, a indemnização é igual
aos danos; indemnização nos termos gerais.

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Caso 14

A promete vender a B e B promete comprar um andar. B


entregou 200 mil € tendo sido fixado o preço de 300 mil €. A
vendeu, entretanto, o andar a C pelo preço de 380 mil €.
1ª Hipótese: Contrato promessa tem eficácia real.
2ª Hipótese: C registou a aquisição do andar (não tem
eficácia real)
3ª Hipótese: C não registou a aquisição do andar (não tem
eficácia real)

Não estão em causa problemas formais. Temos o CP de um andar,


estamos perante um contrato regulado especificado pelo legislador, art.
410º/3 CC, existe 2 requisitos: 1) Reconhecimento de assinaturas do
promitente ou promitentes; 2) A certificação pela entidade que realiza
aquele reconhecimento da existência da respetiva licença de utilização
ou de construção.
Nestes contratos, as partes não podem afastar a execução
especifica, art. 830º/3 CC; é imperativo. Sempre que exista um
contrato oneroso de edifício ou frações autónomas, art. 410º/3 CC +
art. 830º/3 CC.

1ª HIPÓTESE: A promete vender a B e B promete comprar, temos um


contrato promessa bilateral, mas A vendeu a C. Sabemos que o
contrato-promessa tem eficácia real, entre A e B.
✓ Neste caso B vai ser protegido. A eficácia real vai permitir intentar a
ação de execução específica; o contrato entre A e terceiro vai ser
ineficaz; B tem um direito de crédito oponível a terceiros.
1. Pode haver lugar à execução especifica.
✓ Quando se atribuiu eficácia real é esta a vantagem: para se
defender destas situações. É vantajoso para B uma vez que
permite reagir no caso de existir venda a terceiros. É um dos
casos em que o tribunal vai intervir apesar do bem ter sido
vendido a terceiro. Se C tivesse registado, mas como B tinha
registado primeiro, prevalece o registo de B.
✓ Para atribuir eficácia real, art. 413º C- requisitos:
1. Declaração expressa (art. 413º/1 CC).
2. Inscrição em registo (art. 413º/1 CC).

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3. A forma (art. 413º/2 CC).

B pode intentar a ação contra A. Não pode ser contra C porque ele nem tem
direitos sobre a coisa.

2ª HIPÓTESE: Se C regista o andar e não existe eficácia real. O bem é


de C, e não pode haver execução específica. Se o tribunal se substitui-
se a A estaria a vender um bem que é de C, um bem alheio.
✓ Apesar de não existir execução específica.
✓ O sinal é de 200 mil €, poderia exigir o sinal em dobro.
✓ Quando existe tradição da coisa, podemos exigir o sinal em dobro
ou a sanção agravada (apenas se houver tradição da coisa, ou
seja, entrega da coisa)
1. A vendeu por 380 mil menos 300 mais 200, dá 180 mil €.
2. O sinal em dobro é mais vantajoso, é 400 mil €.

3ª HIPÓTESE: É relevante, pois aqui o bem para terceiros será considerado


de A, assim sendo, aqui o Tribunal pode substituir-se a A. Desde que se
verifiquem alguns pressupostos: que B receia o registo, face o registo
provisório da ação de execução específica, quando ocorre a sentença; este
registo da sentença retroage ao momento do registo provisório, aqui o bem
será de B. Temos uma retroação deste registo. Desde o momento em que o
sujeito intenta a ação. Não é um registo definitivo, porque não temos a
certeza. Neste caso pode haver execução específica.
✓ Esta posição foi contrariada pelo acórdão 4/98, de 5 de novembro. O
STJ se aceitarmos esta solução era como se estivéssemos a atribuir
eficácia real ao caso. Nós afastamos porque não temos proteção
quanto a terceiros.
✓ Se o terceiro registou, a execução específica não pode ter lugar.
✓ Se não há registo, o STJ entende que não pode existir execução
específica; o curso entende que pode existir execução específica-
temos de referir sempre as duas posições.
Caso 15
A prometeu constituir uma hipoteca de vivenda a favor do seu credor,
e B celebrou com A o contrato- promessa. B invoca que o contrato-
promessa é inválido porque não houve documento particular
autenticado, nem reconhecimento presencial das assinaturas.
✓ Está em causa um contrato promessa de constituição de hipoteca, é
um direito real; a hipoteca surge por força de um contrato.
✓ A dúvida é quanto à forma: mesmo que não soubéssemos a forma
para a hipoteca, mesmo que se exija a escritura pública para a
hipoteca, para o contrato-promessa é documento simples ou
escrito. Por isso o argumento fica logo afastado.
✓ O reconhecimento presencial de assinaturas, quais são as situações
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em que se exige o reconhecimento presencial de assinaturas:


1. Art. 410º/3 CC- não estão apenas CP de andares, edifícios;
tem de ser oneroso e um direito real (neste caso é de
garantia); é uma vivenda.
▪ Era necessário o reconhecimento de assinaturas
▪ A existência da licença, verificada pelo notário
• Se falhar um dos requisitos, pode ser
invocada a nulidade. B pode invocar a
nulidade, é uma nulidade atípica, o sujeito
alienante não pode; apenas B pode inovar a
nulidade.
• Neste caso o contrato é nulo, falha um dos requisitos.

O art. 410º/3 CC aplica-se a constituição de direitos reais: usufruto;


hipoteca; contrato-promessa de permuta (é a troca), por exemplo, a troca
de um andar, por um carro aplica-se este regime. Se for o CP de doação
de um andar não aplicamos o art. 410º/3 CC, porque tem de ser
oneroso.

A celebrou um pacto com B pelo qual se compromete que em caso de


venda numa quinta no Douro de lhe dar preferência em igualdade
condições com o terceiro. Formalizaram o contrato por documento
escrito assinado por A. B soube agora que A vendeu a quinta a C por 600
mil €. Mas C considera que ficara excluída a preferência, uma vez que C
além dos 600 mil €, se comprometera mensalmente a colocar flores no
jazigo na família na quinta. Quid iuris?
É um pacto de preferência uma vez que este sujeito não se compromete na
celebração de um contrato definitivo, promete dar preferência no caso de
celebração futura do contrato. O Pacto de preferência encontra-se
previsto nos artigos 414º CC e seguintes tratando-se do contrato pelo
qual alguém assume a obrigação de, em igualdade de condições
escolher determinada pessoa como seu contraente no caso de se
decidir a celebrar determinado Negócio.
Os pactos de preferência são admitidos em:
• relação à compra e venda (artigo 414ºCV)
• mas também relativamente a todos os contratos onde a faça
sentido a opção por outra pessoa sobre quaisquer outros
concorrentes (423ºCC).
Logo, não existe pacto de preferência nos contratos pessoais: por exemplo,
no caso do casamento. Não existe igualdade de condições.
Pode haver pacto de preferência em relação ao arrendamento, locação. E a
permuta (troca)? Temos de que atentar se os bens podem ser fungíveis ao mesmo
valor. Interessa saber se a coisa é fungível.

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Por exemplo: um cavalo não é fungível.


Este pacto de preferência é como o contrato-promessa um contrato preliminar,
antecede o contrato definitivo, sendo em termos estruturais caraterizado por
duas notas fundamentais:
1. Enquanto que o contrato-promessa pode ser unilateral ou bilateral; aqui
só pode ser unilateral, é o chamado obrigado à preferência, é o sujeito
que se obriga à preferência. Por isso mesmo, a sua vinculação é diferente
do contrato-promessa: a vinculação mais forte é a do contrato-
promessa; aqui apenas se obriga a celebrar, mas pode não celebrar se
não quiser.
2. Por outro lado, temos de referir que se trata de um exercício de uma
obrigação condicionada.
a. Ou seja, o contraente obrigado só terá de o fazer, se vier a
projetar-se a realização do contrato em causa e se tal projeto for
aceite
b. Ou seja, o obrigado não perde a sua liberdade de celebrar. Perde
só a liberdade de escolha da contraparte, caso o preferente deseje
exercer o seu direito de preferência em igualdade de circunstância
perante terceiros.
Forma
Em relação à forma, o artigo 415º CC refere que é aplicável ao pacto de
preferência o nº2 do art. 410º CC. Ou seja, é aplicado o princípio da equiparação
que estudámos no contrato promessa.
No nosso caso: é necessário a apresentação de documento escrito porque para
o contrato prometido se exigiria forma ( 875º CV) Exige-se documento escrito
para o contrato de preferência, assinado por quem se obriga, o obrigado à
preferência.
Nota: Só se aplica o art. 410º/2 CC, não o art. 410º/3 CC.
Aspetos especiais do regime jurídico
Importa destacar uma série de aspetos especiais do regime jurídico do pacto de
preferência.
1. Ao valor relativo da preferência – SUPREMACIA DO PACTO DE
PREFERÊNCIA LEGAL AO CONVENCIONADO

Exemplo: A celebra um contrato de preferência com B; mas esta está arrendada


a C; C é o preferente legal; temos um preferente legal e um preferente
convencional (B).
O direito mais forte é o da preferência legal; os preferentes legais preferem face
aos preferentes convencionais. Se C disse que não estava interessado em
comprar, o direito de B podia ser exercido. Esta conclusão é retirada do Art. 422º
CC
Temos outras situações de preferência legal, como o caso dos prédios rústicos.

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2. A venda da coisa juntamente com outra e a regra da


divisibilidade
▪ Exemplo: A quinta e o recheio
O artigo 417ºCC estabelece que o obrigado à preferência pode só estar
disposto a vender a coisa quando ela seja vendida conjuntamente com
outras coisas por um preço global.
O preferente tem de adquiri a globalidade ou pode preferir por uma ou outra?
Se puder haver separação do preço da coisa relativamente à qual há
a preferência, o preferente pode exercer o seu direito de preferência
apenas relativamente a essa coisa, sendo o preço da mesma definido
proporcionalmente. REGRA DA DIVISIBILIDADE
Mas temos situações em que essa divisão daria um prejuízo económico, aí
terá de considerar a globalidade e não a divisibilidade.
Exemplo: se eu vender o serviço de chá completo, o preço é superior; se
vender o serviço sem uma peça isso vai redundar num prejuízo
económico; daí que vai querer que o preferente compre tudo.
3. O valor da prestação acessória
O artigo 418º CC estabelece que, se para além do preço é imposta uma prestação
acessória, que o preferente está em condições de satisfazer, se esta puder avaliada
em dinheiro, ele tem de pagar o respetivo montante. Se não for avaliável em
dinheiro, é excluída a preferência, a não se que se comprove que a prestação é
fraudulenta (418/2CC). No nosso caso como se trata de uma prestação avaliável
em dinheiro, logo mantém-se a preferência.

Obrigações do Obrigado:

O artigo 416º estabelece que, quando o obrigado decida vender a coisa que é
objeto de pacto, este tem de proceder à notificação. Isto é, tem de comunicar ao
preferente o projeto de venda definitivo, de modo a permitir que este conheça as
condições as cláusula do contrato projetado, sendo que tem de ser uma
comunicação completa aos elementos essenciais do negócio. Ora, se o obrigado
vier a celebrar o contrato em condições diferentes, há uma violação do direito do
preferente, logo há incumprimento do pacto de preferência.

O artigo 416/2ºCC estabelece um prazo supletivo de oito dias para o preferente


exercer o seu direito de preferência, sob pena de caducidade, sendo que pode ser
estabelecido num prazo diferente pelas partes, seja mais curto seja mais longo.

Violação das obrigações do obrigado

O direito do preferente é um direito de crédito e que pode suscetível de violação se


o obrigado à preferência:
• Não notificar o preferente para o exercício do seu direito de preferência
• Notificar o preferente, MAS:
o Não aguardou o decurso do prazo
o Aguardou o prazo, mas as cláusulas notificadas foram diferentes das

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quais se verificaram no negócio que veio a concluir com terceiro


o Vendeu a terceiro mesmo após o preferente ter manifestado a sua
vontade de exercer o seu direito de preferência.
Regime do Incumprimento:
É necessário distinguir entre pactos de preferência com eficácia:
• Obrigacional:
o Só podemos pedir a indemnização resultante do incumprimento do
contrato. Entramos no âmbito da responsabilidade pré-contratual.
Se existir cláusula penal, o valor da indemnização é o valor da
cláusula penal.
o Ou seja, há lugar a indemnizações pelo interesse contratual
negativo. 562ºCC
• Real:
o Devemos aplicar o Art. 421º CC: temos uma norma parecida com
a do art. 413º CC; a diferença deste face ao art. 421º CC, este
refere apenas que o contrato tem de dizer respeito a bens móveis
ou imóveis sujeitos a registo, não tem de ser um contrato real pode
ser um contrato obrigacional.
Exemplo: no caso de contrato-promessa de aluguer de automóvel não
podemos atribuir eficácia real; mas podemos atribuir eficácia real ao pacto de
preferência de alugar de um automóvel. O legislador foi mais generoso na
atribuição de eficácia real ao pacto de preferência.
Quais os requisitos?
São os mesmos requisitos de forma e publicidade do art. 413º CC.
No nosso caso se fosse exigida eficácia real, estava em causa um bem imóvel,
é necessário para esta escritura pública ou documento particular autenticado,
logo para este era necessário igualmente estes documentos.
Quais as consequências da atribuição da eficácia real?
Se houver eficácia real pode-se intentar ação de preferência, art. 421º CC que
remete para o art. 1410º CC. O preferente tem de intentar a ação de preferência
de 6 meses desde o momento em que conhece os elementos da alienação.
A ação de preferência é sub-rogatória, aqui é o preferente que se substitui à
posição do terceiro; ao contrário do contrato-promessa na execução específica
onde o tribunal se substitui ao terceiro. Um dos requisitos para que esta ação se
procede é o depósito do preço. A ideia é colocar o preferente na igualdade de
condições do terceiro, daí que este dinheiro serve para pagar ao terceiro. Mas o
terceiro tinha obrigação e saber que era possível ficar sem o bem, uma vez que
era registado. B poderia preferir ficar com o dinheiro em vez de instaurar a ação
de preferência.
Quando se fala em preço depositado:
• Em sentido técnico-jurídico: é o valor que as partes acordaram.
• É uma posição formalista, mas com prejuízo para o terceiro. Apenas o
valor que pagou pelo preço em si e não o que pagou pelo registo.
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• Pode ter um sentido mais amplo do custo de aquisição de uma coisa:


quando adquirimos uma casa, pagamos o preço mais os impostos.

Saber o que acontece quando o preço declarado do contrato entre A e o terceiro


é diferente do preço real? Pode acontecer em 2 situações:
• Se o preço declarado é superior ao preço real (visa-se assim afastar a
preferência)
o Exemplo: O preço normal era 200 mil €, mas o preço que o terceiro
pagou foram 300 mil€, mas o terceiro pagou apenas 200 mil €. O
preferente deveria assim pagar apenas de 200 mil €. Vai invocar
aqui a simulação, o preferente refere que o negócio simulado é
nulo, temos uma simulação relativa, o negócio dissimulado é
válido; ele vai preferir pelo valor dissimulado- Art. 240º CC.
• Quando se declarar um preço que é inferior ao prelo legal (pretende-se
pagar menos impostos)
o Exemplo: o preço declarado é 200 mil € e o preço real é 300 mil €.
O preferente tem de pagar os 300 mil €, que foi o preço pago pelo
terceiro, mas interessa-lhe pagar os 200 mil €. Neste caso um
terceiro é que vai invocar a nulidade do contrato simulado. O
preferente pode dizer que é um terceiro de boa fé- art. 243º/1 CC.

O curso entende que o preferente não pode ser considerado um


terceiro, uma vez que não fica prejudicado ao ter de pagar o valor real; a
nulidade é possível opor ao sujeito preferente não o consideramos
terceiro. Ele não pode ser qualificado como terceiro de boa fé (não é
prejudicado fica em igualdade de condições), logo é lhe oponível a
nulidade, vai ter de pagar os 300 mil €.
No nosso caso: Temos incumprimento. Havia eficácia real? Não. O contrato tem
mera eficácia obrigacional, o que decorria deste incumprimento era
indemnização. Se houvesse eficácia real era possível intentar a ação de
preferência.

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