Você está na página 1de 27

HIGIENE E

CONTROLE
SANITÁRIO DE
ALIMENTOS

Ivonilce Venturi
Doenças veiculadas por
alimentos e seu impacto
na saúde pública
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever as doenças veiculadas por alimentos.


 Reconhecer os fatores intrínsecos e extrínsecos às doenças veiculadas
por alimentos.
 Relacionar as doenças veiculadas pelos alimentos com a higiene
alimentar e seu impacto na saúde pública.

Introdução
O manuseio inadequado de alimentos é uma das principais causas de
doenças causadas por alimentos, muitas vezes associadas a surtos em
domicílios e também em locais coletivos de alimentação. Um dos motivos
para a alta incidência de surtos alimentares em todo o mundo é que o
manipulador de alimentos muitas vezes desconhece todas as normas
higiênico-sanitárias ou não se dá ao trabalho de adotar as práticas de
manipulação recomendadas.
Neste capítulo, você vai conhecer os conceitos importantes referentes
às doenças causadas por alimentos e sua relação com a saúde pública.
Além disso, vai estudar os fatores intrínsecos e extrínsecos relacionados
ao crescimento e desenvolvimento de microrganismos nos alimentos. Por
fim, vai analisar o impacto das doenças alimentares na saúde pública, bem
como sua relação com os aspectos higiênico-sanitários dos alimentos.
2 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

1 Doenças veiculadas por alimentos


As doenças veiculadas por alimentos (DVA) costumam ser causadas por mi-
crorganismos ou por toxinas por eles produzidas. Geralmente se manifestam
na forma de doenças gastrointestinais, com sintomas variados, que podem
variar acentuadamente em gravidade e duração. Já foram identificados no
mundo mais de 250 tipos de DVA, sendo que a grande maioria são infecções
causadas por uma variedade de bactérias, vírus e parasitas.
O Center for Disease Control and Prevention (2020) estima que a cada ano
48 milhões de pessoas adoecem devido a DVAs, dentre as quais 128 mil são
hospitalizadas e 3 mil acabam morrendo. A diversidade de contaminações pode
levar muitas vezes a um diagnóstico impreciso, dificultando as notificações.
Com isso, tendem a haver muito mais casos de DVA que o número divulgado,
o que dificulta para os órgãos de fiscalização definirem medidas de prevenção.
Nesse sentido, é importante conhecer os conceitos de infecção, intoxicação
e toxinfecção:

 Infecção: causada pela ingestão de alimentos ou água contaminada por


bactérias ou fungos, que se multiplicam no sistema gastrointestinal.
 Intoxicação: causada pela ingestão de alimentos que já contêm subs-
tâncias tóxicas produzidas por bactérias ou fungos e que afetam o
sistema gastrointestinal.
 Toxinfecção: é a infecção causada pelo consumo de alimentos conta-
minados por bactérias ou fungos que liberam toxinas no organismo.

Os alimentos são capazes de transmitir patógenos microscópicos, como


bactérias, vírus, fungos e parasitas. No entanto, as DVAs também podem
ser causadas por substâncias tóxicas presentes nos alimentos, como metais
pesados, produtos químicos, pesticidas, entre outros. Ainda como substância
tóxica presente nos alimentos estão aquelas que são naturais, como algumas
espécies de cogumelos, mariscos, algumas plantas, etc.
De modo geral, os sintomas mais comuns são vomito, diarreia, dor abdominal,
febre e calafrios. A maioria das DVAs são agudas, ou seja, ocorrem repenti-
namente e duram pouco tempo, sendo que uma parte dos afetados se recupera
sem necessidade de tratamento, outra parte requer cuidados médicos e algumas
pessoas podem desenvolver complicações mais graves que podem levar a óbito.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 3

A contaminação de alimentos pode ocorrer em qualquer etapa do processo


produtivo, ou seja, da fazenda à mesa, e pode ser resultado de contaminação
do ambiente, da água, do solo, do ar ou por manipulação, armazenamento
ou distribuição inadequados. A Figura 1 apresenta de forma resumida como
ocorre uma contaminação. O trajeto se inicia na fonte de contaminação, que
transfere patógenos aos alimentos, que irão crescer e se multiplicar princi-
palmente quando o ambiente oferecer condições ideais para isso. Quando o
indivíduo consumir esse alimento, começará o desenvolvimento de sintomas
que irão caracterizar a DVA.

Figura 1. Processo de contaminação alimentar.


Fonte: Adaptada de Sharif, Javed e Nasir (2018).

As DVAs são causadas em sua maioria por alimentos e bebidas conta-


minados. O Quadro 1 apresenta um resumo dos principais patógenos e os
respectivos alimentos mais associados a eles, além dos sintomas da doença,
tempo de duração e período de incubação.
4 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Quadro 1. Características dos patógenos mais comuns associados às DVAs

Período de Sinais e Duração


Patógeno incubação sintomas da doença Alimentos associados

Staphylo- 1 a 6 horas Náuseas e 24 a 48 horas Carnes não refrigeradas,


coccus vômitos graves salada de batata com
aureus ovos, doces reche-
ados com creme

Salmonella 1 a 3 dias Diarreia, febre, 4 a 7 dias Ovos contaminados,


cólicas abdo- aves caipiras, leite ou
minais, vômito sucos não pasteurizados

Clostridium 8 a16 horas Diarreia aquosa, 24 a 48 horas Carnes, aves, molho


perfringens náuseas, cólicas mantidos em condições
abdominais de tempo e tempe-
ratura inadequados

Campylo- 2 a 5 dias Diarreia (pode 2 a 10 dias Carnes de aves cruas


bacter jejuni ser sanguino- e mal cozidas, leite
lenta) cãibras, não pasteurizado e
febre e vômito água contaminada

Shigella 24 a 48 horas Cólicas abdo- 4 a 7 dias Comida ou água con-


minais, febre taminada com material
e diarreia, que fecal humano, alimentos
pode ocorrer prontos para o consumo
com sangue contaminados por mani-
ou muco puladores contaminados

Escherichia 1 a 8 dias Diarreia grave, 5 a 10 dias Carne mal cozida,


coli 0157:H7 geralmente especialmente ham-
sanguinolenta, búrguer, leite e sucos
dor, vômito, não pasteurizado,
pouca ou frutas e vegetais crus
nenhuma febre

Escherichia 1 a 3 dias Diarreia aquosa, 3 a 7 dias Água ou alimentos


coli entero- cólicas abdomi- contaminados com
toxigenico nais e vômito fezes humanas

(Continua)
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 5

(Continuação)

Quadro 1. Características dos patógenos mais comuns associados às DVAs

Período de Sinais e Duração


Patógeno incubação sintomas da doença Alimentos associados

Vibrio 2 a 48 horas Diarreia aquosa, 2 a 5 dias Frutos do mar mal


parahe- cólicas abdomi- cozidos ou crus, como
molyticus nais e vômito peixes e mariscos

Vibrio 1 a 7 dias Vômito, diarreia, 2 a 8 dias Carnes mal cozidas ou


vulnificus dor abdominal, cruas, como mariscos,
bacteremia, ostras ou outros frutos
infecções de do mar, exposição a
feridas; pode água do mar quando es-
ser fatal em tiver com feridas na pele
pacientes com
doenças hepáti-
cas e imuno-
deprimidos

Clostridium 12 a 72 horas Diarreia, visão Variável, Alimentos enlatados


botulinico embaçada, dis- pode ser incorretamente
fagia e fraqueza alguns dias
muscular ou meses,
com com-
plicações
respiratórias
e óbito

Scombroid 1 minuto Rubor, erupção 3 a 6 horas Algumas espécies de


(histamina) a 3 horas cutânea, sensa- peixes e frutos do mar
ção de quei-
mação de pele,
boca e garganta,
tonturas, urticá-
rias e parestesia

Fonte: Adaptado de Pigott (2008).


6 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Entre os mais diversos tipos de patógenos, as infecções mais comuns no


Brasil são ocasionadas por Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Sal-
monella. Destes, o Staphylococcus aureus é um tipo de patógeno que pode
produzir toxinas, causando vômitos intensos.
Algumas DVAs também são causadas por parasitas, como Entamoeba histolytica,
Blastocystir hominis, Giardia lamblia, além de vírus como rotavírus e norovírus.
É importante destacar que praticamente todos os casos de DVA causados
por patógenos são gerados por falta de cuidados higiênico sanitários durante
os processos de manipulação dos alimentos, o que inclui tempo e temperaturas
inadequados, higiene e saúde do manipulador, processos de armazenamento
e distribuição inadequados, entre outros.
Nesse contexto, é importante que o profissional nutricionista adote todas
as medidas de boas práticas nas Unidades de Alimentação e Nutrição (UANs),
garantindo processos de produção de alimentos dentro dos padrões exigidos
por lei. É necessário compreender que a capacidade que os microrganismos
possuem de sobreviver e se multiplicar em um alimento está diretamente
relacionada aos fatores intrínsecos e extrínsecos aos alimentos.

2 Fatores intrínsecos e extrínsecos às DVAs


Para que os microrganismos cresçam e se multipliquem em um alimento, eles
precisam de diferentes condições que facilitem esse crescimento e multiplica-
ção. Essas condições são tanto do próprio alimento quanto condições externas
aos alimentos, ou fatores intrínsecos e extrínsecos. É importante conhecer a
diferença entre estes termos.
Fatores de crescimento intrínseco são os fatores que têm relação direta
com o alimento em si. São características referentes à composição do alimento,
como o potencial hidrogeniônico (pH) e valor nutricional do alimento (como
seu conteúdo de proteínas, gorduras ou carboidratos), atividade de água (Aw),
potencial de oxirredução (Eh), além dos compostos que são conhecidos como
antimicrobianos e que afetam diretamente o crescimento de patógenos no
alimento, como a alicina, no alho. Outro fator importante é a barreira mecânica
do alimento, como as cascas que impedem a invasão de patógenos.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 7

Fatores de crescimento extrínseco, por sua vez, têm relação com o meio
ambiente em que o alimento está sendo armazenado, transportado, produzido
e distribuído. Fazem parte deste grupo a temperatura, a umidade relativa do
ar e a composição de gases do ambiente. Este último é bastante importante,
principalmente ao armazenar alimentos.
Em relação aos patógenos causadores de DVA (bactéria, fungos, parasitas
e vírus), as bactérias são as principais responsáveis, pois possuem uma faixa
de resistência a temperaturas maior que outros patógenos e são mais resis-
tentes a alterações ambientais, o que normalmente favorece seu crescimento
e multiplicação em ambientes extremos.

Características de fatores intrínsecos

Potencial hidrogeniônico (pH)

Quimicamente, o pH é uma escala numérica que tem como objetivo especificar


se um determinado alimento ou bebida é alcalino, básico ou ácido. Para isso,
foram adotadas faixas de pH que variam de 0,0 (muito ácido) a 14,0 (muito
alcalino), sendo o 7,0 o neutro. O pH é um fator que interfere diretamente na
estabilidade da composição do alimento e é um diferencial para facilitar ou
não o crescimento de microrganismos patogênicos.
Os alimentos são classificados conforme seu pH (GERMANO; GER-
MANO, 2015):

 pouco ácidos — alimentos com pH maior que 4,5, como leites, carnes,
pescados e alguns vegetais;
 ácidos — possuem pH entre 4,0 e 4,5, como algumas frutas e hortaliças;
 muito ácidos — os que possuem pH menor que 4,0, como sucos de
frutas e refrigerantes.

Por sua vez, os microrganismos possuem capacidade de crescer em dife-


rentes pHs, e são classificados conforme o meio em que conseguem crescer
e se multiplicar, da seguinte forma:
8 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

 microrganismos acidófilos — possuem a capacidade de crescer e mul-


tiplicar em meios no qual o pH é abaixo de 7,0;
 microrganismos neutrófilos — aqueles que conseguem crescer em
meios que o pH é neutro;
 microrganismos alcalífilos — conseguem crescer em meios cujas con-
dições de pH são alcalinas.

Parte dos microrganismos tem crescimento rápido em ambientes com pH


entre 6 e 8. A preferência das bactérias é por alimentos que têm o pH próximo
à neutralidade, ou seja, entre 6,6 e 7,5. Já as leveduras têm a capacidade de
resistir crescendo em meios mais ácidos, com pH entre 4,5 e 6,0. Fungos e
bolores são mais resistentes e conseguem se desenvolver em ambientes com
pH entre 3,5 e 4,0.
O Quadro 2 mostra alguns exemplos de microrganismos e suas preferências
por alimentos mais ácidos, neutros ou alcalinos.

Quadro 2. Microrganismos que crescem em diferentes pH por grupos de alimentos

Produto pH Microrganismos

Frutas cítricas 2,0 – 5,0 Acetobacter, Lactobacillus, Leuconostoc

Maçãs 2,9 – 3,3 Rhizopus, Erwinia, Botrytis, A. niger

Bananas 4,5 – 4,7 Lactobacillus, Leuconostoc

Refrigerantes 2.5 – 4,0 Acetobacter, Lactobacillus, Leuconostoc

Cerveja 3,5 – 4,5 Acetobacter, Lactobacillus, Leuconostoc

Carne 5,6 – 6,2 Rhizopus, Aspergillus, Penicillium

Legumes 4,0 – 6,5 Pseudomonas, Micrococcus

Peixe 6,6 – 6,8 Lactobacillus, Leuconostoc

Leite 6,5 – 6,8 Alcaligenes viscolactis, Micrococcus, Enterobacter,


Lactobacillus, Streptococcus, Bacillus

Farinha de trigo 6,2 – 6,8 Fungos xerofílicos, Saccharomyces bisporus

Clara de ovo 8,5 – 9,5 Alcaligenes, Proteus, Pseudomonas, P. fluorescens

Fonte: Adaptado de Majumdar et al. (2018).


Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 9

Valor nutricional do alimento

É o conteúdo ou teor de nutrientes que compõe um determinado alimento,


incluindo os macro e micronutrientes. Os macronutrientes são os carboidratos,
proteínas e lipídios, e os micronutrientes são as vitaminas e os minerais. Esses
nutrientes são importantes para o crescimento de patógenos, pois servem de
fonte de energia para eles.
Considerando que existem diferentes microrganismos, estes também pos-
suem diferentes necessidades nutricionais para que consigam se desenvolver
e se multiplicar em determinados meios. Comumente, o carbono, nitrogê-
nio, fosforo, enxofre, oxigênio e hidrogênio, além de outros nutrientes como
aminoácidos, vitaminas e minerais, são bastante utilizados, inclusive para a
produção de energia.
Os microrganismos possuem a capacidade de utilizar ureia, amônia,
creatinina e metilaminas como fonte de nitrogênio para suas funções. Os
açúcares, álcoois e aminoácidos são importantes fontes dessas substâncias.
Conforme a necessidade nutricional dos microrganismos, pode-se determi-
nar quais grupos de alimentos são mais ou menos favoráveis à contaminações,
sendo as bactérias gram-positivas as que têm maior exigência nutricional,
seguidas pelas bactérias gram-negativas, leveduras e bolores. É importante
destacar que as gram-negativas e os bolores possuem grande capacidade de
sintetizar nutrientes, o que favorece seu crescimento em ambientes com baixos
teores de nutrientes, incluindo a vitamina B.
É possível classificar os microrganismos conforme os alimentos que suprem
sua necessidade nutricional (MADIGAM et al., 2016):

 Alimentos ricos em carboidratos (amido e celulose): neste grupo de


alimentos é possível o crescimento e multiplicação de bolores como,
os fungos filamentosos.
 Gorduras e óleos: neste meio crescem os microrganismos conhecidos
como lipolíticos, ou seja, fungos filamentosos e leveduras. Grande
parte das bactérias não consegue crescer nos meios ricos em gorduras
e óleos, com exceção de algumas, como Pseudomonas, Achromobacter
e Alcaligenes.
 Alimentos ricos em proteínas: os microrganismos que crescem neste
meio são conhecidos como microrganismos proteolíticos, devido à sua
capacidade de degradar proteínas.
10 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

 Alimentos com maior teor de vitaminas do complexo B: basicamente


ocorre o crescimento de bactérias gram-positivas.
 Alimentos com pouco conteúdo de vitaminas do complexo B: nestes
meios as bactérias gram-negativas e fungos conseguem crescer e se
multiplicar, devido à sua capacidade de sintetizar nutrientes.

Atividade de água (Aw)

É uma medida que determina a quantidade de água disponível em um ali-


mento. É a relação entre a pressão de vapor d´água de uma determinada
amostra e o padrão, que é a água pura, devendo as duas amostras estar em
mesma temperatura. Assim, considera-se a Aw da água pura como 1 e a
ausência total de água como 0; portanto, o valor da Aw dos alimentos varia
em uma escala de 0 a 1.
Assim como os seres humanos, os microrganismos também precisam
de água para crescer e se desenvolver. Eles encontram essa água em
alimentos, sendo que alguns microrganismos precisam de ambientes com
menor Aw que outros. De modo geral as bactérias compõem o grupo dos
que precisam de alta Aw quando comparadas aos fungos e vírus. Já as
bactérias gram-negativas precisam de ambientes com maior Aw que as
gram-positivas.
Os microrganismos são então classificados conforme sua necessidade de
Aw nos alimentos:

 Hidrófitos: são aqueles microrganismos que necessitam de no mínimo


de 90% de Aw nos alimentos.
 Mesófitos: requerem um mínimo de 80 a 90% de Aw nos alimentos
para viabilizar seu crescimento.
 Xerófitos: estes microrganismos crescem em ambientes com menos
de 80% de Aw.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 11

No Quadro 3 estão descritos exemplos de grupos de microrganismos e


a Aw correspondente para o seu adequado crescimento e desenvolvimento,
demonstrando também exemplos de alimentos preferenciais para o crescimento
dos microrganismos.

Quadro 3. Microrganismos que crescem em diferentes Aw, por grupos de alimentos

Grupo de Aw
microrganismos mínima Microrganismos Exemplos de alimento

Maioria das 0,91 Pseudomonas, E. Alimentos altamente perecí-


bactérias coli, Proteus, Shigella, veis e enlatados
Klebsiella, Bacillus, C.
perfringens

Maioria das 0,88 Candida, Toru- A maioria dos sucos de frutas


leveduras lopsis, Hansenula, concentrados, farinha e arroz
Micrococcus

Maioria dos fungos 0,80 Aspergillus flavus e Geleia, marmelada, glacê,


demais bactérias frutas, molho de soja
halofílicas

Bactérias halofílicas 0,75 Wallemiasebi sp., Aveia em flocos, caramelo,


fungos xerofílicos marshmallows, geleia, man-
teiga de amendoim

Fungos xerofílicos 0,65 Aspergillus echinulatas Algumas frutas secas, nozes,


manteiga de amendoim

Leveduras 0,60 S. bisporus Frutos secos que contenham


osmofílicas 15 a 20% de umidade e mel

Fonte: Adaptado de Majumdar et al. (2018)


12 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Potencial de oxirredução ou potencial redox (Eh)

Também conhecido como potencial eletroquímico, é definido como a facilidade


que um determinado sistema tem de ganhar ou perder elétrons. É considerada
uma medida de tendência de um sistema reversível de ganhar (redução) ou
perder (oxidação) elétrons. A transferência de elétrons de um composto para
outro gera uma diferença potencial, expressa em milivolts (mV).
O Eh tem condições de proteger ou não os alimentos contra a degradação que
os microrganismos podem causar, sendo que os microrganismos aeróbicos são
aqueles que necessitam de Eh+, ou seja, oxidado, enquanto os microrganismos
anaeróbicos precisam de Eh–, ou seja, reduzido.
Neste quesito, os microrganismos são classificados em dois grupos:

 Alto potencial oxidante: microrganismos aeróbios facultativos.


 Baixo potencial redutor: microrganismos anaeróbios facultativos.

É importante observar que as alterações causadas nos valores de agentes


oxidantes ou redutores determinarão o crescimento ou não de microrganismos nos
alimentos. São consideradas substâncias redutoras o ácido ascórbico, açúcares re-
dutores e alimentos com sulfidrila (–SH), além de outros compostos antioxidantes.

Alimentos frescos como frutas, legumes e certas carnes têm a capacidade de promover
o crescimento de microrganismos aeróbicos em sua superfície, devido ao seu Eh+. Já
os microrganismos anaeróbicos têm maior facilidade de crescer no interior de frutas,
vegetais e carnes, devido ao Eh–. Quando um alimento fresco passa por processamento,
promove o Eh+, o que favorece o crescimento de microrganismos aeróbicos.

O Quadro 4 apresenta alguns exemplos de alimentos e seus Eh, correla-


cionando-os com os respectivos pH.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 13

Quadro 4. Potenciais de oxidoredução de alguns alimentos e suas relações com o pH

Alimentos Eh (mV) pH

Carne fresca –200 5,7

Carne fresca picada +225 5,9

Cevada (grão triturado) +225 7,0

Embutidos cozidos e carnes enlatadas –20 a –150 Aproximadamente 6,5

Limão +383 2,2

Pera +436 4,2

Trigo (grão inteiro) –320 a –360 6,0

Tubérculo de batata Aproximadamente 6,0


–150

Uva +409 3,9

Fonte: Adaptado de Germano e Germano (2015).

Presença de compostos antimicrobianos

Este fator intrínseco se relaciona aos compostos químicos que compõem


naturalmente um alimento. São também conhecidos como compostos secun-
dários, pois não fazem parte dos macronutrientes. Estes compostos possuem
propriedades antimicrobianas e são usados com a finalidade de eliminar ou
inibir a presença de grande parte de microrganismos. Algumas indústrias
têm adicionado estes compostos antimicrobianos em alimentos ou mesmo em
embalagens, auxiliando no processo de prevenção de contaminações.
Os compostos podem ser obtidos de diferentes plantas. Do manjericão e
do alecrim pode ser extraído o linalol; do orégano é extraído o timol e o car-
vacrol; da canela e do cravo obtém-se o eugenol; do alho é extraída a alicina,
entre outras substâncias. De fontes animais são extraídas enzimas como a
nisina, natamicina e bacteriosina. Alguns ácidos orgânicos também possuem
capacidade antimicrobiana, como ácido sórbico e cítrico, e também compostos
extraídos de algas e fungos exercem essa mesma capacidade.
14 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Para a indústria alimentícia, os compostos de maior interesse são os óleos


essenciais derivados de plantas, pois apresentam alto potencial descontami-
nante. Entre os óleos essenciais mais usados estão o timol, eugenol, linalol,
carvacrol, terpenos, saponinas e flavonoides.
Plantas da família das crucíferas, como couve-de-bruxelas, nabo e repolho,
têm em sua composição os glicosinolatos, que, após ruptura da membrana,
liberam os compostos isotiocianatos, que possuem atividade antifúngica e
antibacteriana (GERMANO; GERMANO, 2015).

Barreiras mecânicas à invasão microbiana

Os alimentos, sejam de origem vegetal ou animal (desde que não tenham sofrido
alteração pelo homem), possuem uma estrutura externa capaz de impedir a
entrada de microrganismos, funcionando como uma barreira física à entrada
de microrganismos. Como exemplo, podemos citar as cascas de frutas, nozes,
peles de animais, a casca do ovo, entre outros.
As barreiras físicas em geral possuem baixa Aw e baixo conteúdo de nu-
trientes, além de possuir compostos antimicrobianos. Todos esses fatores são
importantes para a proteção do alimento contra os microrganismos. No entanto,
mesmo com toda essa proteção, os danos físicos causados aos alimentos podem
romper sua barreira externa, deixando o conteúdo interno do alimento exposto
a contaminações (SILVA JÚNIOR, 2014; GERMANO; GERMANO, 2015).

Características de fatores extrínsecos

Temperatura

Uma medida diretamente relacionada à agitação das moléculas e consequente


movimentação de energia dos átomos. Refere-se à transferência de calor. No
Brasil, utiliza-se a escala Celsius para a medida de temperatura. Essa escala
considera ponto de congelamento a água em 0°C e o ponto de ebulição em
100°C em pressão atmosférica ao nível do mar.
Os microrganismos conseguem crescer e se multiplicar em diferentes tempe-
raturas, podendo ser classificados conforme sua capacidade de se desenvolver
em temperaturas frias ou quentes. O Quadro 5 apresenta a classificação dos
microrganismos conforme a temperatura.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 15

Quadro 5. Classificação de microrganismos por diferentes temperaturas

Temperatura (°C)
Grupo de microrganismos
Mínima Ótima Máxima

Mesófilos 5 a 15 30 a 45 35 a 47

Psicrófilos –5 a +5 12 a 15 15 a 20

Psicrotróficos –5 a +5 25 a 30 30 a 35

Termófilos 40 a 45 55 a 75 60 a 90

Fonte: Adaptado de Majumdar et al. (2018).

Composição de gases do ambiente

Os alimentos possuem relação de importância extrínseca com três gases: o


oxigênio (O2), o dióxido de carbono (CO2) e o ozônio (O3). O O2 e o CO2 são
os dois gases que possuem maior interferência no crescimento e desenvol-
vimento dos microrganismos, agindo também nas alterações do pH e Eh do
alimento. Como o O2 faz parte do processo de respiração do ser humano e
de grande parte dos seres vivos, nos microrganismos a sua presença também
acelera o processo de crescimento e desenvolvimento. Já o CO2 e o O3 são
usados pela indústria de alimentos para armazenamento, pois conseguem inibir
o crescimento microbiano, devido à sua atividade antibactericida. O CO2,
quando usado a uma concentração de 10%, já é considerado antimicrobiano.
Microrganismos como as bactérias gram-negativas e alguns fungos possuem
maior sensibilidade a ambientes com presença de CO2, enquanto as bactérias
gram-positivas e algumas leveduras como, a Bretanomyces spp., apresentam
maior resistência a esse gás.
O Quadro 6 apresenta os grupos de microrganismo conforme suas neces-
sidades relacionadas à captação de oxigênio.
16 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Quadro 6. Divisão dos microrganismos segundo a faculdade de captar oxigênio livre

Grupo de
microrganismos Necessidades

Aeróbicos Necessitam de oxigênio livre

Bolores e a maioria das leveduras

Estritos: Pseudomonas, Acetobacter, Micrococcus e outras

Anaeróbicos Não necessitam de oxigênio livre

Leveduras fermentativas: Saccharomyces

Estritos: Clostridium botulinum e C. perfringens

Facultativos Necessitam ou não de oxigênio livre

Anaeróbicos facultativos: enterobacterias, Staphylococcus, Bacillus

Microaerófilos Crescem melhor com teor de O2 porém em quantidade


determinada

Campylobacter e Listeria

Fonte: Adaptado de Germano e Germano (2015).

Umidade relativa do ar (URA)

É uma medida inversamente relacionada à Aw do alimento, ou seja, quando um


alimento tiver baixa Aw e o ambiente alta URA, esta última influenciará diretamente
na Aw do alimento, elevando essa Aw, pois a tendência é que o alimento absorva a
umidade do ar, tornando-o mais propenso a contaminações. Assim, manter a URA
baixa é um fator de grande importância para garantir a conservação dos alimentos.

Outro fator que deve ser considerado como extrínseco é o fator humano, pois, mesmo não
sendo considerado como tal, ele é o responsável por todos os processos de manipulação
do alimento, da fazenda à mesa, representando, portanto, um veículo de contaminação
microbiana. Desse modo, para garantir a qualidade sanitária dos alimentos é importante
controlar todas as etapas do processo produtivo por meio das boas práticas de higiene.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 17

3 A higiene alimentar e seu impacto


na saúde pública
As UANs são locais de produção e distribuição de alimentos para empresas,
geralmente entregando grande volume de refeições aos trabalhadores. Por
isso, tais refeições devem ser produzidas com ótimos padrões de qualidade
higiênico-sanitária e nutricional, de forma a garantir não somente a nutrição
do trabalhador, mas também que este não tenha nenhum problema de saúde
gerado por contaminações alimentares.
Dados do Ministério da Saúde/Sinan/SVS relatam que no ano de 2018 um
total de 57.297 pessoas foram expostas a surtos alimentares e 8.406 ficaram
doentes, em um total de 597 surtos. Dentre os afetados, 916 foram hospitaliza-
dos e 9 foram a óbito. As regiões Nordeste e Sudeste foram as que registraram
os maiores casos de surtos, seguidas pelas regiões Sul e Norte, com menor
número de casos registrados na região Centro-Oeste.
Dos casos registrados, 36,9% tiveram ocorrência no próprio domicílio,
15,8% em restaurantes e padarias, 11,6% em outras instituições (alojamentos
e trabalho), 10% em outros locais, 9% em escolas e creches, 5,6% em eventos,
4,2% em unidades de saúde e hospitais e 0,8% em asilos. Os locais onde grupos
de pessoas se alimentam, como restaurantes, hospitais, escolas e asilos, juntos
somam 47% do total dos casos, ou seja, é um número muito preocupante para
a saúde pública (BRASIL, c2020).
As DVAs são um problema de saúde pública por sua magnitude tanto em
nível mundial quanto nacional. Mesmo com elevados números e dados com-
provando a relação entre alimentos e água contaminados com doenças e óbitos,
este ainda é um assunto com precariedade de informações, e muitas pessoas
que ficam enfermas acabam não notificando o problema, seja por residir em
lugares distantes de centros de saúde ou por desconhecer a gravidade das DVAs.
Infelizmente, a população e proprietários de estabelecimentos comerciais que
manipulam e distribuem alimentos desconhecem ou não consideram os efeitos
deletérios que as DVAs causam no indivíduo e coletividade. Essas doenças
afetam não apenas indivíduos, e sim famílias, empresas, o sistema de saúde,
a economia, enfim, a sociedade como um todo.
O Brasil vem cada vez mais adotando medidas para a definição e o esta-
belecimento cada vez mais rigoroso de boas práticas higiênico-sanitárias nos
estabelecimentos que manipulam e distribuem alimentos. Todas as ações têm
por objetivo promover a saúde e prevenir doenças, melhorando a qualidade
de vida da população brasileira.
18 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

As contaminações alimentares resultam de diversos fatores, como manipu-


lação inadequada, armazenamento de alimentos em temperaturas incorretas,
processamento de alimentos com o binômio tempo × temperatura inadequados,
transporte e distribuição em condições que favorecem a contaminação, entre
outros. Medidas de boas práticas higiênico-sanitárias devem ser usadas para
evitar não somente as contaminações alimentares, mas também o crescimento
e multiplicação de microrganismos nos alimentos. Essas boas práticas devem
estar integradas aos fatores intrínsecos e extrínsecos dos alimentos, permitindo
garantir a saúde do consumido final e evitar que ocorram casos de DVA.
Acima de tudo, é importante destacar que o manipulador de alimentos
é um fator extrínseco que pode ser fonte de contaminação potencial, caso
não obedeça às boas práticas de higiene e não mantenha sua saúde em dia.
O manipulador é o responsável pela realização de todos os procedimentos
com o alimento dentro do processo produtivo de uma UAN; portanto, para
que não haja risco de contaminações, ele deve ser capacitado sobre higiene e
boas práticas para realizar suas tarefas rotineiras. Além do manipulador, os
ambientes de recepção, armazenamento, produção e distribuição devem estar
completamente limpos, evitando qualquer risco de contaminação cruzada.
As práticas de higiene na manipulação dos alimentos devem seguir ri-
gorosamente algumas legislações federais, como a Resolução de Diretoria
Colegiada (RDC) nº. 216, de 15 de setembro de 2004, e a RDC nº. 275, de 21
de outubro de 2002. Essas resoluções determinam as boas práticas em estabe-
lecimentos que manipulam e distribuem alimentos. Alguns itens são básicos
em relação às boas práticas de higiene e estão diretamente relacionados aos
fatores intrínsecos e extrínsecos dos alimentos.

Aquisição e armazenamento de gêneros alimentares


No momento em que é realizada a compra de um alimento, é importante que
sejam especificadas as suas características. No momento do recebimento, os
produtos devem ser todos avaliados quanto às condições das embalagens, para
que não estejam rasgadas ou em latas amassadas. A validade do produto é
outro item de fundamental importância de ser observado.
Em alimentos in natura, deve ser observada a integridade das cascas e
se não apresentam sinais de bolores ou outras condições que inviabilizem
seu consumo. Alterações na barreira física dos alimentos in natura podem
levar a alterações no pH e no Eh, acarretando contaminações microbianas.
A temperatura tanto de recebimento quanto de armazenamento deve ser mo-
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 19

nitorada, pois não devem ser recebidos alimentos perecíveis a temperaturas


acima do recomendado.
Se o alimento for refrigerado, deve estar entre 0°C e 10°C, e se os produtos
forem congelados, devem estar a temperaturas abaixo de 0°C, observando
sempre a recomendação do fabricante. No período em que o alimento ficar
sob armazenamento, as temperaturas devem ser monitoradas e anotadas em
planilhas específicas para tal. Além disso, deve haver controle da URA, já
que tal fator está relacionado à Aw do alimento. Portanto, se um ambiente
estiver com alta URA e os alimentos armazenados neste ambiente tiverem
baixa Aw (alimentos secos), os alimentos tenderão a reter a umidade do ar,
em uma tentativa de equilibrar os meios, o que fará com o se reidratem e se
tornem propício às contaminações. Os processos de desidratação de alimen-
tos como massas têm o objetivo de reduzir a Aw para aumentar o tempo de
vida de prateleira, pois quanto menor a Aw, menor é o risco de crescimento
microbiano, devido ao estresse osmótico gerado.
Os microrganismos mais propensos a se desenvolver em ambientes com
baixa Aw são os fungos filamentosos e as leveduras (desenvolvem-se em
ambientes com Aw abaixo de 0,80). Já os fungos xerofílicos e as leveduras
osmofílicas possuem capacidade de resistir a ambientes com mais baixa Aw,
ou seja, entre 0,65 e 0,61. Para esses microrganismos, é necessário que a URA
de estoque de secos seja devidamente controlada, evitando seu crescimento e
desenvolvimento nos alimentos (MAJUMDAR et al., 2018).
No armazenamento refrigerado, a temperatura ambiente deve estar entre
0°C e 10°C. Nessa faixa de temperatura, o crescimento de muitos micror-
ganismos é inibido. É importante destacar que o tempo de permanência sob
refrigeração é diferente conforme o tipo de alimento e suas características. A
carne bovina, por exemplo, possui um pH próximo a 5,6, enquanto o peixe tem
um pH que varia entre 6,2 e 6,6, ou seja, quanto mais próximo da neutralidade
(pH 7,0) for o pH do alimento, menor deve ser o tempo de permanência sob
refrigeração, pois grande parte dos microrganismos patogênicos preferem
alimentos com pH próximo à neutralidade.
Outro ponto importante durante o armazenamento é a Aw destes alimentos:
quanto maior for a Aw, maior a suscetibilidade a contaminações. A maioria
das bactérias consideradas deteriorantes consegue crescer e se multiplicar em
alimentos com Aw acima de 0,91, mas o Staphylococcus aureus é capaz de
crescer em ambientes com Aw de 0,86. Dependendo do alimento, é interessante
buscar adquirir ou realizar o processo de desidratação, que reduz risco de
contaminações por bactérias patogênicas e aumenta o tempo de vida útil do
alimento (MAJUMDAR et al., 2018).
20 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Processo de descongelamento de alimentos


Como procedimento relevante para evitar crescimento de microrganismos, é
importante que o alimento que precisa ser descongelado não fique exposto a
temperatura ambiente, sendo esta a temperatura ideal para a multiplicação de
grande parte dos microrganismos. Quando o descongelamento é necessário, o
ideal é que o profissional nutricionista programe previamente o cardápio, pois
assim o processo será realizado com antecedência sob refrigeração a no máximo
5°C até seu completo descongelamento, evitando a exposição prolongada sob
temperatura ambiente. Caso não seja possível realizar o descongelamento sob
refrigeração, uma alternativa é utilizar água corrente, desde que o alimento
esteja devidamente embalado.

Processo de pré-preparo
O pré-preparo dos alimentos é um momento de manuseio em que o alimento
será descascado (quando necessário), fracionado e temperado. Esses procedi-
mentos rompem as barreiras de proteção do alimento contra os microrganismos,
aumentam a superfície de contato e, consequentemente, a exposição à presença
de oxigênio, e ainda modificam seu pH e Eh. Todas estas ocorrências favorecem
a contaminação microbiana dos alimentos. Assim, sempre que for necessário um
pré-preparo dos alimentos, é importante que permaneçam o menor tempo possível
em exposição, e que esse período ocorra em um ambiente refrigerado, garantindo
ao menos o controle de um dos fatores extrínsecos para evitar contaminações.

Processo de cocção
Neste processo, para garantir a produção de um alimento seguro, ele deve
atingir pelo menos 74°C no seu centro geométrico, ou 70°C por um período
mínimo de 2 minutos. Se a temperatura do alimento que está sendo produzido
for de 65°C, ele deve permanecer por pelo menos 15 minutos sob cocção. Parte
dos microrganismos patogênicos são eliminados quando expostos a altas
temperaturas; no entanto, caso haja endósporos no alimento, eles conseguem
sobreviver por longos períodos em cocção. Portanto, é essencial adotar todas
as medidas higiênico-sanitárias para garantir a qualidade do produto final.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 21

Existem vários métodos de cocção capazes de alcançar altas temperaturas,


como o calor úmido, calor seco, frituras e fervura. Uma temperatura de 100°C
por um período de 10 minutos é suficiente para eliminar grande parte dos vírus
e dos esporos produzidos por fungos, além de eliminar as bactérias vegetativas.
Para a saúde pública, uma orientação importante, fácil de realizar e capaz
de eliminar a grande maioria dos microrganismos patogênicos é monitorar
as temperaturas dos alimentos. A Figura 2 apresenta as faixas térmicas de
crescimento que são favoráveis aos microrganismos, bem como as faixas que
inibem o crescimento microbiano.

Figura 2. Temperaturas de preservação de alimentos.


Fonte: Tortora (2017, p. 151).
22 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Outra medida de fácil utilização para o controle sanitário dos alimentos é


a utilização constante de compostos antimicrobianos. Tais compostos podem
ser usados não somente como temperos, aromatizantes e saborizantes, mas
também como uma ferramenta de controle higiênico dos alimentos. Entre esses
compostos, os mais comuns são: alho, sálvia, tomilho, manjericão,

Processo de resfriamento (quando necessário)


Em algumas situações na UAN, é necessário resfriar determinados ali-
mentos, seja para elaborar uma nova preparação, seja para armazená-lo.
Após o processo de cocção, deve-se monitorar a temperatura do alimento
para que este chegue a 60°C; após atingir esta temperatura, ele deve ser
resfriado até 10°C em um período máximo de 2 horas, podendo ser usado um
refrigerador. Após esta etapa, deve ser realizado o armazenamento a tem-
peratura inferior a 5°C ou a manutenção sob congelamento a temperaturas
inferiores a –18°C. Com esse procedimento, é possível inibir o crescimento
microbiano ou eliminar parte dos microrganismos não tolerantes ao frio.

Processo de distribuição
Antes de ocorrer a etapa de distribuição, muitas vezes o alimento fica em
espera até ser colocado no buffet. Nesse caso, tal alimento não pode ficar a
temperaturas inferiores a 60°C. Para a distribuição do alimento, é recomendado
o uso de buffet quente e refrigerado: quente para as preparações quentes e o
refrigerados para saladas e sobremesas. Os alimentos quentes devem ser man-
tidos a temperaturas acima de 60°C. Para isso, é importante sempre monitorar
a temperatura do buffet antes de colocar os alimentos nele, pois se o buffet
estiver frio, o alimento baixará de temperatura rapidamente, tornando-se um
risco à saúde da coletividade.
O cumprimento de todos os processos produtivos em consonância com os
fatores intrínsecos e extrínsecos e a legislação vigente ajuda a garantir que
os alimentos mantenham-se seguros do ponto de vista higiênico-sanitário.
O profissional nutricionista está capacitado não somente para cumprir todas
as legislações sobre as boas práticas, mas também para capacitar colabo-
radores a respeito de todos os processos higiênico-sanitários que devem
acontecer durante o processo produtivo, bem como para orientar clientes
sobre os cuidados que devem ter em casa com seus alimentos, evitando
contaminações em domicílio.
Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública 23

BRASIL. Doenças transmitidas por alimentos: causas, sintomas, tratamento e prevenção. c2020.
Disponível em: https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doencas-transmitidas-por-alimentos.
Acesso em: 9 abr. 2020.
CENTER FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Causes of food poisoning. 2020. Dispo-
nível em: https://www.cdc.gov/foodsafety/foodborne-germs.html. Acesso em: 9 abr. 2020.
GERMANO, P. M. L.; GERMANO, M. I. S. Higiene e vigilância sanitária de alimentos. 5. ed. São
Paulo: Manole, 2015.
MADIGAN, M. T. et al. Microbiologia de Brock. 14. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
MAJUMDAR, A. et al. Food degradation and foodborne diseases: a microbial approach. In:
HOLBAN, A. M.; GRUMEZESCU, A. M. (ed.). Microbial contamination and food degradation.
London: Academic Press, 2018. p.109–148, 10 v.
PIGOTT, D. C. Foodborne illness. Emergency Medicine Clinics of North America, v. 26, nº. 2, p.
475–497, maio 2008.
SHARIF, M. K.; JAVED, K.; NASIR, A. Foodborne illness: threats and control. In: HOLBAN, A. M.;
GRUMEZESCU, A. M. (ed.). Foodborne diseases. London: Academic Press, 2018. p. 501–523. 15 v.
SILVA JÚNIOR, E. A. da. Manual de controle higiênico-sanitário em alimentos. 7. ed. São Paulo:
Varela, 2014.
TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

Leituras recomendadas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE REFEIÇÕES COLETIVAS. Manual ABERC de
práticas de elaboração e serviço de refeições para coletividades. 11. ed. São Paulo: ABERC, 2015.
BRASIL. Resolução RDC nº. 216, de 15 de setembro de 2004. Dispõe sobre Regulamento
Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Diário Oficial da União, Brasí-
lia, 16 set. 2004. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388704/
RESOLU%25C3%2587%25C3%2583O-RDC%2BN%2B216%2BDE%2B15%2BDE%2BSETEMB
RO%2BDE%2B2004.pdf/23701496-925d-4d4d-99aa-9d479b316c4b. Acesso em: 9 abr. 2020.
BRASIL. Resolução RDC nº. 275, de 21 de outubro de 2002. Dispõe sobre o Regulamento
Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produ-
tores/Industrializadores de Alimentos e a Lista de Verificação das Boas Práticas de Fabricação
em Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos. Diário Oficial da União,
Brasília, 6 nov. 2002. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/
RDC_275_2002_COMP.pdf/fce9dac0-ae57-4de2-8cf9-e286a383f254. Acesso em: 9 abr. 2020.
HOELZER, K.; SWITT, A. I. M.; WIEDMANN, M.; BOOR, K. J. Emerging needs and opportunities
in foodborne disease detection and prevention: from tools to people. Food Microbiology, v.
75, p. 65–71, out. 2018.
24 Doenças veiculadas por alimentos e seu impacto na saúde pública

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar