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Diarréia Aguda Infecciosa

Klésia dos Reis Santos-Interna


Orientadora:Dra.Luciana Sugai
Internato em Pediatria –HRAS-ESCS
Brasília, 24 de março de 2011
www.paulomargotto.com.br
História Clínica
Identificação: A.H.F., 2 anos e 7 meses, sexo feminino,
natural de Brasília/DF ,procedente do Jardim
ABC/GO, onde também reside, DN=10/08/2008.

Queixa Principal.:”Diarréia” há 05 dias.


História Clínica
H.D.A.:Mãe refere que a criança iniciou quadro diarréico
aquoso e com rajas de sangue há 05 dias,de forma súbita e
acompanhado de febre alta(38,5°-40°).Relata que as fezes
são de coloração amarelo-esverdeada,que inicialmente
continham rajas de sangue no primeiro dia e que após
tornaram-se predominantemente sanguinolentas,com
sangue vermelho rutilante, em pequena quantidade,porém
com alta frequência durante todo período(cerca de 20
episódios/dia). A febre associada ao quadro é alta(38,5°-
40°) e apenas controlada com medicamentos.
Simultaneamente apresenta dor abdominal constante e
difusa,de forte intensidade que a impede de
deambular,fica restrita ao leito e chora o tempo
todo .Apresenta hiporexia que evoluiu para uma anorexia
há 1 dia.
História Clínica
R.S.:Nega vômitos.Refere urina concentrada e em pequena
quantidade.
Antecedentes:Nascida de parto normal com IG:39
sem+5dias,sem intercorrências,APGAR 9/10,PN:3210g.Bom
DNPM.Refere dilatação renal à direita, em
acompanhamento ambulatorial no HBDF(não trouxe
relatório).Refere rinite,em acompanhamento com Alergia
no HRAS,sem uso de medicações no momento; alergia ao
leite de vaca,em uso de leite de soja.
Vacinação atualizada.
Nega internações prévias,cirurgias ,transfusões sanguíneas
e/ou alergias a medicamentos.
História Clínica
Hábitos de vida e condições sócioeconômicas:Alimentação
variada com frutas,verduras e carnes,normalmente com
boa aceitação.Amamentação SME até 6
meses.Alimentação mista até 2 anos.Mora em casa de
alvenaria,com os pais e os irmãos.Saneamento básico
completo.Possui um cachorro como animal de estimação.

Antecedentes Familiares:
Mãe,40 anos,saudável;
Pai,42 anos,tabagista;
Irmãos:todos saudáveis.
Exame Físico
Ectoscopia:criança em REG,chorando,restrita ao
leito,hipocorada(+/4+),febril ao
toque(Tax:37.5°),hidratada,eupneica,acianótica.
AR:MVF+,sem ruídos adventícios.
ACV:RCR 2T,BNF,sem sopros.
ABD:flácido,doloroso moderadamente à
palpação,RHA+,sem VMG,ausência de sinais de
irritação peritoneal,defesa voluntária.
EXT:normoperfundidas,sem edemas.
Hipóteses Diagnósticas

1.Diarreia invasiva

2.Dor abdominal

3.Intussuscepção
Exames Laboratoriais
15/03/11:
Hemograma
o Htc:36,3%;HGB:12,4;Plt:27.000
o Leucócitos:14,4 Neut.:52%
Bast.:4%
Seg:48%
Mono.:18%
Linf:30%
*Granulações tóxicas(+),vacuolização(+)
Exames Laboratoriais
Eletrólitos:
o Sódio:136 mEq/L; Potássio:4,3 mEq/L;Cloretos:102
mEq/L ;Cálcio:8,3 mg/dL;Magnésio:2,2 mg/dL;

• TGO:35 U/L;

• TGP:10U/L.
Radiológicos

RX de ABD-15/03/11
Conceito
Diarréia aguda:doença caracterizada pela má
absorção de água e eletrólitos,com duração < 14
dias.Maioria de etiologia infecciosa.

Diarréia persistente:se perpetua por 14 dias ou


mais,porém por menos de 30 dias.Provavelmente por
algum fator que impediu a regeneração do enterócito
após episódio de diarréia aguda.

Diarréia crônica:se estende por mais de 30 dias,tendo


ou não síndrome de má absorção associada.
Diarréia Aguda
Também chamada gastrenterite aguda;
 Doença infecciosa do TGI,de caráter
benigno,autolimitada e de curta duração;
Pode ser causada por um ou mais
patógenos(bacterianos,virais ou protozoários);
Há do conteúdo líquido das fezes e da
frequência dos movimentos intestinais;
Ocorre dano estrutural da mucosa que acarreta
desequilíbrio na absorção de substratos orgânicos e
água.
Epidemiologia
Continua sendo o maior problema mundial de saúde
na criança;
Ainda é causa de morbimortalidade na criança;
Nos países em desenvolvimento tem padrão
epidêmico e ocorre com mais gravidade em crianças
mais jovens;
Nos países desenvolvidos há uma redução na
prevalência e na gravidade dos casos.
Etiologia
Gastrenterite infecciosa é a mais comum;

A frequência dos patógenos varia de acordo com o


grupo etário e com as áreas geográficas estudadas;

Nos países em desenvolvimento muitas crianças


podem ter bactérias isoladas nas fezes,essa
porcentagem pode ser relacionada à desnutrição e às
poucas condições de higiene.
Etiologia
Vírus Bactéria Parasitos
Rotavírus Salmonella Giárdia
Calicivírus Campylobacter Cryptosporidium
Astrovírus E.coli
Adenovírus tipo entérico Shigella
Norwalk Yersinia enterocolitica
Clostridium difficile
Vibrio cholerae
Aeromonas hydrophila
Etiologia
De acordo com a faixa etária:

Lactentes Pre-escolar e Adolescentes


Escolar
GECA infecciosa GECA GECA

Superalimentação Intoxicação alimentar Intoxicação alimentar

Associada a Infecção sistêmica Associada a


antibióticos antibióticos
Infecção sistêmica Associada a Hipertireoidismo
antibióticos
Patogênese
A diarréia resulta de desequilíbrio na absorção de
água e eletrólitos.

Fisiologicamente ,a capacidade absortiva dos


enterócitos excede a atividade secretora nas criptas
absorção de água e eletrólitos;

Agentes que mantém esse equilíbrio:hormônios


peptídeos,aminas ativas,metabólitos do ácido
aracdônico e óxido nítrico.
Patogênese
1.Osmótica
 Caracterizada pela retenção de líquidos dentro do
lúmen intestinal,devido à presença de solutos
osmoticamente ativos não
absorvidos(Mg,fosfato,lactulose,sorbitol,carboidratos),q
ue carreiam água para dentro da alça.
Exemplos:deficiência de lactase,rotavírus,uso de
laxantes.
Patogênese
2.Secretora
Há aumento de secreção intestinal de água e
eletrólitos(ânions cloreto e bicarbonato),os patógenos
causam aumento da concentração intracelular do
nucleotídeos cíclicos,resultando em secreção ativa de
água e eletrólitos pelos enterócitos.
Volume e sódio fecais aumentados.
Desidratação rápida.
Exemplos:cólera,Salmonella,toxina E.coli.
Patogênese
3.Invasiva ou inflamatória
A lesão da célula epitelial do intestino impede a
absorção de nutrientes.
Pode haver também componente secretor.
As bactérias podem chegar à submucosa ,com
consequente aparecimento de sangue e leucócitos nas
fezes.
Exemplos:Salmonela,Shigella,Amebíase,Yersinia,Cam
pilobacter.
Patogênese
Mecanismos de virulência dos microrganismos:
 Adesivisidade: adesão à mucosa intestinal por meio de
adesinas secretadas pelas fímbrias
 Invasividade: capacidade de invadir a mucosa e
multiplicar-se nas células epiteliais ou atingir a
lâmina própria
 Toxigênese:
Enterotoxinas: causam secreção exagerada de sais e
água
Citotoxinas: lesam a célula e causam necrose do
tecido.
Fisiopatologia
Principais Enteropatógenos
 Bactérias:
 Escherichia coli
E. coli enteropatogênica- diarréia secretora
E. coli enterotoxigênica- diarréia secretora
E. coli enteroinvasora- diarréia exsudativa
E. coli êntero- hemorrágica- diarréia sanguinolenta
E. coli enteroagregativa- diarréia persistente
Fisiopatologia
 Shigella - diarréia exsudativa por ileocolite
 Salmonella - diarréia exsudativa por ileocolite, sepse
em lactente desnutridos
 Campylobacter jejuni - diarréia secretora exsudativa
 Vibrião colérico - diarréia secretora grave
 Clostridium difficile - diarréia pós- antibioticoterapia
(colite pseudomembranosa)
Fisiopatologia
 Vírus:
 Rotavírus – mais freqüente aos 6 meses a 2 anos de
idade, principalmente no inverno
 Adenovírus entérico - diarréia secretora e osmótica
 Vírus Norwalk - diarréia secretora e osmótica
 Astrovírus - diarréia secretora e osmótica
Fisiopatologia
 Protozoários:

 Cryptosporidium - diarréia secretora


 Ameba histolítica - colite ( rara)
 Giardia lamblia - raramente causa diarréia aguda em
regiões endêmicas
Síndromes Clínicas
Ação Patogênica Local/Infecção Agente Quadro Clínico
Predominante

Efeito citopático Intestino Rotavírus,,Caliciv Diarréia aquosa


direto delagado(proximal írus,Norwalk,EPE copiosa,vômitos,d
) C esidratação
Giardia e com
Disenteria:fezes sanguinolentas moderada a
muco,em pequeno volume,associada a grave,má absorção
tenesmo e urgência para de lactose
defecar.Traduz
Enterotoxigenicida clinicamente
Intestino delagado uma
Vibrio Diarréia
de inflamação do cólon. cholerae,ECET,EC aquosa,evolução
EAg leve
Invasiva Íleo distal e Cólon Salmonella,Shigell Disenteria,febre,ev
a,ECEI olução protraída
Citotoxidade Cólon Clostridium Disenteria,cólicas,f
difficile,ECEH,Shig ebre,SHU(ECEH e
ella Shigella)
Diagnóstico
Anamnese:direcionada à diarréia aguda
• Tempo de aleitamento materno exclusivo,início do
desmame;
• Hábitos:chupa bico,brinca na terra,na creche;
• Outros casos de diarréia nos contactantes;
• História de intolerâncias alimentares,alergias;
• Características das fezes;
• Sintomas associados:febre,vômitos,perda de peso;
• Ttos já realizados:dieta no momento e anteriormente.
Diagnóstico
Exame Físico

• Peso e estatura;

• Estado geral-estado de hidratação;

• Estado nutricional
Diagnóstico Laboratorial
 Coproscopia direta, coprocultura e EPF – pouco valor
na diarréia aguda.

 HC, hemocultura, ionograma e gasometria – úteis nos


casos mais graves, com maior repercussão sobre o
estado geral, suspeita de infecção sistêmica e pesquisa
de DHE e ácido-básicos. Devem ser feitos após a fase
de reparação rápida.
Tratamento
Objetivo: Reidratar a criança ou evitar que ela
desidrate.
Hidratação
 Nas crianças hidratadas administra-se > quantidade
de líquidos que o habitual, com ênfase na SRO (OMS)
que utiliza a absorção fisiológica de eletrólitos e
glicose;
 Soluções com < teor de solutos poderá levar a <
absorção e a secreção de água e eletrólitos, agravando
a desidratação (ex: água de coco).
Tratamento
Em crianças desidratadas:
 Fase de reparação c/ SRO em 4-6h:
50-75ml/kg – casos leves
100-150ml/kg - casos severos
O término dessa fase é observado com a emissão de 1-
2 micções claras e abundantes.
 Fase de manutenção: SRO após cada evacuação.
Tratamento
Se a criança não aceitar por VO a quantidade
necessária de soro, tentar a hidratação por sonda
nasogástrica;

Quando houver falha na TRO por ingestão


insuficiente, vômitos incoercíveis, diarréia de alto
fluxo, sinais de choque, depressão neurológica grave
ou doenças graves associadas, iniciar reparação EV
com solução salina e glicosada;

Se não for possível a manutenção por VO, fazê-la EV.


Tratamento
Antibióticos
 São desnecessários, pois a diarréia é autolimitada;

 O uso deve ser avaliado em casos mais graves de


diarréia invasiva, com febre alta e > repercussão sobre
o estado geral, em desnutridos graves, em RN, em
lactentes pequenos e nos imunodeprimidos.
Tratamento
Antibióticos
 Quadro sugestivo de diarréia invasiva+queda do estado
geral:sulfametoxazol/trimetropin 40 mg/kg/dia de
sulfa, divididas em 2 tomadas durante 5 dias. Segunda
escolha ácido nalidíxico 40 mg/kg/dia, 6/6h por 5 dias.

 Suspeita de cólera: tetraciclina 50 mg/kg,6/6h por 3


dias ou doxiciclina 6 mg/kg via oral em dose única para
crianças>8anos.;<8 anos:sulfametoxazol/trimetropin
40mg/kg/dia, 12/12 h por 3 dias.
 Atualmente recomenda-se também o uso das
Cefalosporinas de 3ª geração,por evidências de
resistências em algumas cepas de Salmonelas.
Tratamento
Antibióticos
Giardíase: metronidazol 15 a 20 mg/kg/dia , de 8/8 h
por 7 dias, repetir após 15 dias. Alternativas com
tinidazol 50 mg/kg dose única ou furazolidona 5
mg/kg/dia, a cada 6 horas por 7 dias.

4. Na amebíase, o metronidazol é usado na dose de 30


mg/kg/dia por 7 a 10 dias .
Tratamento
Dieta:
 Dieta livre adequada à idade, respeitando as
preferências da crianças;
 O jejum agrava a desnutrição, o que predispõe à
diarréia persistente;
 Em crianças desidratadas, fazer a reparação com SRO
e reinstituir a alimentação após;
 Aumentar a frequência das mamadas em crianças que
são amamentadas ( não suspender).
Tratamento
Antidiarreicos – não devem ser utilizados
 Inibidores do peristaltismo intestinal (Loperamida e
Difenoxilato): inibem o mecanismo de limpeza do
intestino, em doses altas podem ter efeito anti-
secretor à custa de efeitos colaterais graves: íleo
paralítico e intoxicação do SNC;

 Adsorventes ( pectina, carbonato de Ca 2+, carvão


ativado): adsorvem a água já eliminada e tem apenas
efeito cosmético sobre as fezes;
Tratamento
 Modificadores da flora intestinal (probióticos): Não
tem ação comprovada. Ex: lactobacilos;

 Anti-secretórios ( Racecadotril):
Reduzem a secreção intestinal com melhora
significativa dos sintomas. Como não interferem com
a motilidade intestinal, não alteram o tempo de
trânsito e não produzem supercrescimento
bacteriano.
Tratamento
Antieméticos: São desnecessários. As náuseas e os
vômitos regridem com a reidratação. Seu efeito
sedativo pode prejudicar a TRO;

Antitérmicos: Geralmente são desnecessários, pois a


febre pode desaparecer após a reidratação. Indicar se
houver febre elevada com desconforto evidente. Dar
preferência a medicamentos que não causem sedação;

Analgésicos: São úteis no desconforto abdominal;

Antiespasmódicos: São contraindicados.


Indicações de internação
Desidratação grave ou sinais de choque;

Crianças com desidratação moderada que não toleram a


TRO;

Desnutrição grave;

Toxemia grave, suspeita de sepse ou infecção grave


associada;

Crianças de famílias muito pobres sem condições sociais


de garantir o tratamento ambulatorial.
Sinais de Alerta(para mãe)
Diarréia muito intensa (fezes líquidas, mais de 1
episódio/h);

Vômitos frequentes, sede muito intensa, olhos


fundos, ficar sem urinar por mais de 8h, diarréia com
sangue, febre, gemência, abatimento;

Diarréia por mais de 5 dias.


Prevenção
Promover o aleitamento materno exclusivo até os 4-6
meses de vida;

Introduzir práticas adequadas de desmame –


alimentos de boa qualidade nutritiva e preparados
com boa higiene;

Seguir o esquema básico de vacinação;

Incentivar o saneamento básico.


Referências Bibliográficas
1. Carvalho,Elisa de e cols.Gastroenterologia e
Hepatologia em Pediatria,Diagnóstico e
Tratamento.1ª edição,Editora Medsi,2003.
2. www.medicina.ufba.br/.../dep.../diarreia/
diarreia_aguda.pdf ,acesso em 20/03/11.
3. Marcondes, E; Vaz, FAC; Ramos, JLA; Okay, Y. Pediatria
Básica. Tomo I – Pediatria Geral e Neonatal. Nona
Edição.São Paulo: Sarvier, 2002.

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