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PROBLEMA 03 SUBUNIDADE II – DOR ABDOMINAL

Diarreia aguda
A diarreia pode ser definida como a eliminaçã o de fezes amolecidas, de consistência líquida, acompanhada
pelo aumento do nú mero de evacuaçõ es diá rias (> 3x/dia) e da massa fecal (> 200g/dia ou 10g/kg/dia). Ela
ocorre quando o desbalanço intestinal por reduçã o da absorçã o e/ou aumento secreçã o de fluidos. Ela pode ser
classificada quanto à duraçã o em 3 tipos:
OBS: Toda diarreia crô nica começa como um quadro de
 Diarreia aguda (< 2 semanas) diarreia aguda, insidiosa ou exuberante, e, dependendo da
 Diarreia persistente (entre 2 e 4 semanas) regressã o espontâ nea ou da resposta a medidas
 Diarreia crô nica (> 4 semanas) terapêuticas utilizadas, poderá se prolongar até a
cronificaçã o.
Há 4 mecanismos fisiopatoló gicos principais que podem gerar diarreia:
1) Diarreia osmó tica  Decorre do acú mulo de solutos osmoticamente ativos nã o absorvidos que levam à
retençã o de á gua no lú men intestinal, podendo ser secundá ria a abuso de substâ ncias (como laxativos),
deficiência enzimá tica (p. ex., deficiência de lactase) ou processo infeccioso (p. ex., rotavírus). Cessa com o jejum e
com a suspensã o da substâ ncia. Nã o há perda de eletró litos nas fezes, havendo gap osmolar fecal alto (≥ 125
mOsm/L).
2) Diarreia secretora  Decorre do aumento da secreçã o intestinal de á gua e eletró litos, principalmente â nions
cloreto e bicarbonato, por distú rbio no enteró cito, causado por toxinas bacterianas ou pela açã o direta de
pató genos, aumentando a concentraçã o intracelular de GMPc (toxina E. coli, Yersinia), AMPc (có lera, E. coli
enterotoxigênica, Shigella, Salmonella, Campylobacter) e cá lcio (toxina de C. difficile, neuroblastoma, tumor
carcinoide). Nã o cessa com jejum e há gap osmolar fecal baixo (< 50 mOsm/L) pela perda de íons nas fezes.
3) Diarreia invasiva (inflamató ria)  Caracterizada pela lesã o da cé lula epitelial do intestino, o que impede a
absorçã o de nutrientes. É causada por pató genos (Shigella, Salmonella, ameba, Yersinia, Campylobacter) que
invadem a mucosa e podem chegar à submucosa, com aparecimento de sangue e leucó citos nas fezes (> 5
leucó citos por campo). Pode haver també m componente secretor, uma vez que a mucosa invadida produz
substâ ncias (bradicinina e histamina) que estimulam a secreçã o de eletró litos para o lú men intestinal.
4) Diarreia motora (funcional)  Caracterizada por funçõ es absortiva e secretora normais, mas sem tempo
suficiente para ocorrer a absorçã o de nutrientes por hipermotilidade intestinal. Distú rbios que causam esse tipo
de diarreia incluem a síndrome do intestino irritá vel e a enteropatia diabé tica.
A diarreia aguda é uma das principais causas de morbimortalidade no mundo, sobretudo crianças abaixo de 5
anos, por agravos como desidrataçã o e desnutriçã o.
A) ETIOLOGIA E QUADRO CLÍNICO
A etiologia das diarreias agudas é, na grande maioria das vezes, infecciosa, mas pode decorrer também de uso
de medicaçõ es, ingestã o de toxinas, isquemia etc. Tratando-se de diarreias infecciosas, os vírus sã o os agentes
causadores mais comuns, mas também podem ocorrer por bactérias ou parasitas. Pode-se classificar a diarreia
aguda quanto ao seu quadro clínico e, a partir dele, definir a etiologia mais comum:
- Apresenta-se com sangue, pus e - Vírus: Citomegalovírus
muco nas fezes (disenteria), além de - Bactérias:
Diarreia
febre.  Produçã o intestinal de citotoxinas  E. coli entero-
aguda
- Geralmente, afeta o có lon (diarreia hemorrá gica (EHEC), Clostridium difficile
inflamatória
baixa): diarreia de pequeno volume e  Invasã o da mucosa  Shigella, Campylobacter jejuni,
mú ltiplos episó dios ao dia, dor no Salmonella, E. coli enteroinvasiva (EIEC), Yersinia
quadrante inferior esquerdo do enterocolitica
abdome, tenesmo e urgência fecal por - Protozoá rios: Entamoeba histolytica
irritaçã o do retossigmoide.
- Apresenta-se com fezes aquosas, sem - Vírus: Norovírus, rotavírus
Diarreia sangue, pus ou muco, e sem febre. - Bactérias:
aguda não - Geralmente, afeta o intestino delgado  Enterotoxinas pré-formadas  S. aureus, Bacillus

inflamatória (diarreia alta): diarreia de grande cereus, Clostridium perfringens


volume e poucos episó dios; ná useas,  Produçã o intestinal de enterotoxinas  E. coli
vô mitos e dor abdominal difusa enterotoxigênica (ETEC), Vibrio cholerae
(gastroenterite aguda). - Protozoá rios: Giardia lamblia, Cryptosporidium, Cyclospora
OBS: As diarreias virais nã o costumam durar mais que 3 a 4 dias, enquanto as bacterianas podem evoluir por até 7 dias. Se
a diarreia persistir por mais de 1 semana, deve-se pensar em infecçã o por protozoá rios.
B) AVALIAÇÃO CLÍNICA
 Anamnese: duraçã o da diarreia, características das fezes, nú mero de evacuaçõ es diarreicas por dia, vô mitos
(nú mero de episó dios/dia), febre, diurese (volume, cor e tempo decorrido da ú ltima micçã o), uso de
medicamentos, sede, apetite, tipo e quantidade de líquidos e alimentos oferecidos apó s início da diarreia,
doenças prévias, estado geral, presença de queixas relacionadas a outros sistemas, viagem recente, contato
com pessoas com diarreia e ingestã o de alimentos suspeitos, além do uso prévio recente de antibió ticos.
 Exame físico: deve ser completo, incluindo avaliaçã o nutricional e do estado de hidrataçã o do paciente,
seguindo as orientaçõ es da OMS.

C) AVALIAÇÃO LABORATORIAL
Na grande maioria dos casos de diarreia aguda, devido à sua
natureza branda e autolimitada, nã o há necessidade de
exames complementares. No entanto, em certos casos, indica-
se sua realizaçã o, que deve incluir:
 Elementos anormais nas fezes – EAF (pesquisa de hemá cias,
leucó citos e muco);
 pH fecal (se ≤ 5,5, sugere diarreia osmó tica);
 Coprocultura (pesquisa bacteriana) e ELISA (pesquisa viral);
 Pesquisa de toxina do C. difficile (se internaçã o ou uso recente
de ATB);
 Testes parasitoló gicos (3 amostras + pesquisa de antígenos de
Giardia e ameba, se diarreia > 10 dias, regiã o endê mica, surto
epidê mico em fonte comum de á gua ou infecçã o pelo HIV)
OBS: Também é importante solicitar hemograma completo
(avaliaçã o de anemia e padrã o leucocitá rio), eletró litos e Ur/Cr
(pesquisa de distú rbio hidroeletrolítico grave e impacto na funçã o
renal).
D) TRATAMENTO
1. REIDRATAÇÃ O E DIETA:
- Sem desidrataçã o (Plano A)
 Terapia de reposição de perdas em ambiente domiciliar: aumento de oferta de líquidos + soro caseiro ou
soro de reidrataçã o oral (SRO) apó s cada evacuaçã o:
 50-100mL para menores de 1 ano
 100-200mL para pacientes de 1 a 10 anos
 Quantidade que o paciente aceitar, se maior de 10 anos
 Manter alimentaçã o habitual, inclusive leite materno, sem restriçã o caló rica (se houver inapetência,
reintroduzir de forma gradativa, com refeiçõ es frequentes e leves).
 Administrar zinco 1x ao dia, durante 10-14 dias (10mg/dia se < 6 meses, 20mg/dia se > 6 meses)
 Se paciente nã o melhorar em 2 dias ou apresentar sinais de perigo (piora na diarreia, vô mitos repetidos,
muita sede, recusa de alimentos, sangue nas fezes, diminuiçã o da diurese), procurar avaliaçã o médica
- Desidrataçã o leve a moderada (Plano B)
 Terapia de reidratação oral na unidade de saú de, permanecendo até a reidrataçã o completa: soro de
reidrataçã o oral (SRO), 50-100mL/kg, durante 3-4h, em pequenos volumes e com frequência, com copo
ou colher com copo.
 Em casos de vô mitos persistentes, administrar SRO por sonda nasogá strica, 20mL/kg/h, durante 4-6h.
 Nã o alimentar a criança durante a reidrataçã o, exceto se estiver em aleitamento materno.
 Apó s desaparecimento dos sinais de desidrataçã o, retornar ao plano A.
- Desidrataçã o grave (Plano C)
 Terapia de reidratação venosa em ambiente hospitalar, em duas fases:

 Quando o paciente puder beber, geralmente 2-3h apó s início da reidrataçã o venosa, iniciar reidrataçã o
VO com SRO, mantendo a reidrataçã o venosa (interromper somente quando o paciente puder ingerir SRO
suficiente para se manter hidratado).
2. USO DE MEDICAMENTOS:
 Antibió ticos: devem ser utilizados somente para casos de diarreia com sangue (disenteria) e
comprometimento do estado geral ou em casos de có lera grave; em outros casos, sã o ineficazes e nã o devem
ser prescritos. As drogas de escolha sã o:
 Disenteria: ciprofloxacina 15mg/kg/dose VO 12/12h, 3 dias, ou ceftriaxone 50-100mg/kg IM 1x/dia, 2-5 dias
 Có lera: eritromicina 12mg/kg VO 6/6h por 3 dias
 Antiparasitá rios: devem ser utilizados somente para amebíase (quando o tratamento de disenteria por
Shigella fracassar ou em casos em que se identificam trofozoítos nas fezes) e giardíase (quando a diarreia
durar 14 dias ou mais, se identificarem cistos ou trofozoítos nas fezes ou no aspirado intestinal).
OBS: O uso de antidiarreicos e antieméticos nã o tem sido indicado para a diarreia infantil, sendo preferidos os probió ticos,
sendo os mais usados o Saccharomyces boulardii (Floratil® 100-200mg 8/8h) e o Lactobacillus GG.

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