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3 MICROBIOLOGIA DAS INFECÇÕES ENDODÔNTICAS

Relação causal entre microrganismos e as patologias pulpar e perirradicular


O problema da infecção na endodontia
Vias de infecção da polpa dental
Padrão de colonização e o biofilme endodôntico
A lesão perirradicular é uma doença causada por biofilmes
Tipos de infecção endodôntica
Infecção intrarradicular primária
Infecções Sintomáticas
Infecção intrarradicular secundária/persistente
Infecções extrarradiculares
Bacteremia e infecção focal

RELAÇÃO CAUSAL ENTRE MICRORGANISMOS E AS PATOLOGIAS PULPAR E PERIRRADICULAR

Apesar de microrganismos como fungos, arqueias e vírus já terem sido encontrados em infecções endodônticas, bactéri-
as são inquestionavelmente os principais microrganismos causadores das infecções endodônticas. Os conceitos atuais,
sustentados por evidências científicas sólidas e irrefutáveis, afirmam que microrganismos exercem um papel-chave no
desenvolvimento das patologias pulpares e perirradiculares e que o tecido pulpar necrosado, na ausência de infecção,
não tem a capacidade de estimular, tampouco de sustentar, o desenvolvimento de uma lesão perirradicular. Bactérias
que colonizam o sistema de canais radiculares geralmente organizam-se em biofilmes; portanto, as lesões perirradicula-
res, como regra geral, podem ser incluídas no grupo de doenças causadas por biofilmes bacterianos.

O PROBLEMA DA INFECÇÃO NA ENDODONTIA

Embora fatores de natureza química ou física possam induzir alterações patológicas na polpa e nos tecidos perirradicu-
lares, elas são geralmente transitórias. Por sua vez, bactérias presentes em uma lesão de cárie ou em um canal infectado
representam fonte de agressão persistente para a polpa e para os tecidos perirradiculares.

Microrganismos e seus produtos exercem um papel de extrema relevância na indução dos seguintes problemas:

a) Patologia Pulpar e Perirradicular


Enquanto a polpa encontrar-se em estado de vitalidade, uma infecção não se instala neste tecido. Todavia, se o tecido
pulpar tornar-se necrosado microrganismos invadem e colonizam o sistema de canais radiculares. Uma vez que a polpa
torna-se infectada, o egresso de microrganismos e de seus produtos para os tecidos perirradiculares estimula o desenvol-
vimento das respostas inflamatória e imunológica. A ocorrência de uma patologia perirradicular está associada a essas
respostas de defesa do hospedeiro visando conter o avanço da infecção endodôntica para o osso e outras regiões do or-
ganismo.

Microrganismos estão localizados em uma posição privilegiada e estratégica no interior do canal radicular contendo te-
cido necrosado. Células e moléculas de defesa não têm acesso à polpa necrosada e, portanto, não são capazes de elimi-
nar microrganismos nesta localização. Por outro lado, microrganismos que avançam pelo forame apical ou ramificações
em direção ao ligamento periodontal são imediatamente combatidos pelos mecanismos de defesa do hospedeiro. Estes,
representados por uma resposta inflamatória inespecífica ou por uma resposta imunológica adaptativa, de caráter especí-
fico, são mobilizados para impedir o avanço da infecção. Assim, embora a fonte original da infecção no interior do ca-
nal não seja debelada, o hospedeiro consegue estabelecer um equilíbrio. Quando o canal radicular é tratado convenien-
temente, o profissional desequilibra em favor do hospedeiro e a reparação tecidual se inicia.

b) Agudizações (flare-ups)
Microrganismos e seus produtos, quando da extrusão de detritos contaminados pelo forame apical, do desequilíbrio da
microbiota endodôntica, ou mesmo da elevação do potencial de oxirredução dentro do canal radicular, podem ser res-
ponsáveis por agudizações deflagradas pela intervenção endodôntica, também conhecidas como flare-ups

c) Sintomatologia e Exsudação Persistentes


Microrganismos que penetram no canal, durante ou entre as consultas de tratamento por contaminação (infecção secun-
dária) ou aqueles que não foram eliminados pelos procedimentos intracanais (infecção persistente), podem induzir ou
manter a agressão tecidual, com consequente desenvolvimento de sinais e sintomas.
d) Fracasso do Tratamento Endodôntico
Embora existam alguns relatos de casos isolados sugerindo que fatores não microbianos endógenos ou exógenos este-
jam envolvidos em alguns casos de insucesso endodôntico, microrganismos e seus produtos, constituindo uma infecção
persistente ou secundária, são os principais responsáveis pela manutenção ou aparecimento de lesão perirradicular
póstratamento endodôntico.

Embora existam alguns relatos de casos isolados sugerindo que fatores não microbianos endógenos ou exógenos este-
jam envolvidos em alguns casos de insucesso endodôntico, microrganismos e seus produtos, constituindo uma infecção
persistente ou secundária, são os principais responsáveis pela manutenção ou aparecimento de lesão perirradicular
póstratamento endodôntico

VIAS DE INFECÇÃO DA POLPA DENTAL

Em condições normais, esmalte e cemento protegem e isolam a dentina e a polpa dental da agressão por parte de micror-
ganismos provenientes da cavidade oral. Contudo, em determinadas situações nas quais esta proteção se perde (p. ex.,
por cárie, trauma ou procedimentos restauradores), cria-se um potencial para a invasão microbiana do tecido pulpar
com consequente instalação de um processo infeccioso. As principais vias de acesso que bactérias utilizam para atingir
a polpa são túbulos dentinários, exposição pulpar direta e doença periodontal.

Túbulos Dentinários
Túbulos dentinários associados a uma polpa vital não são facilmente invadidos por bactérias. A dentina sadia exposta
tem a presença de prolongamentos odontoblásticos, de fibras colágenas, da lâmina limitante e do fluido dentinário, isso
tudo pode retardar a invasão intratubular. Outros fatores, como esclerose dentinária, dentina reparadora, smear layer e
deposição de proteínas plasmáticas, como o fibrinogênio, nas paredes tubulares, podem limitar ou impedir o avanço
bacteriano via túbulos dentinários. Anticorpos e componentes do sistema complemento presentes no fluido dentinário
também podem ajudar a conter a invasão bacteriana. Contudo, numa necrose ou num dente tratado endodonticamente
não tem a presença desses mecanismos de proteção.

A difusão de produtos bacterianos pela dentina induz alterações inflamatórias no tecido pulpar. A intensidade da respos-
ta inflamatória pulpar sob uma área de dentina cariada dependerá da relação de equilíbrio entre os produtos bacterianos
que alcançam a polpa e a capacidade de drenagem da microcirculação pulpar. Esta relação pode ser influenciada pela vi-
rulência microbiana, pela concentração que os produtos bacterianos atingem na polpa, pela duração da agressão e pelo
estado geral de saúde da polpa. Se o dente for tratado por remoção da cárie e colocação de uma restauração adequada, a
inflamação geralmente cessará e a polpa voltará ao normal. Por outro lado, a polpa pode encontrar-se debilitada como
resultado de um processo carioso de longa duração, envolvimento periodontal, envelhecimento ou trauma. Nestas cir-
cunstâncias, a inflamação pulpar pode ser mais deletéria, pois há uma predisposição para o acúmulo de produtos bacte-
rianos tóxicos no tecido

Túbulos dentinários expostos são a principal via de infecção pulpar de dentes traumatizados, que apresentam ausência
de cárie e de exposição pulpar, mas com necrose da polpa e lesão perirradicular associada. Quando acometido por trau-
matismo, o esmalte dental pode apresentar rachaduras e/ou fissuras, ou acentuá-las (se já existentes), que expõem a den-
tina em extensões de profundidades variáveis.

Exposição Pulpar
A cárie dental é, inquestionavelmente, a causa mais comum de exposição pulpar. Quando a lesão de cárie destrói uma
quantidade suficiente de tecido dentinário, a polpa tornase então exposta diretamente a microrganismos e seus produtos,
presentes tanto na lesão cariosa, quanto na saliva. Uma miríade de espécies bacterianas passa a colonizar a superfície da
polpa exposta. Em resposta, a polpa torna-se inflamada. Se o tecido pulpar irá permanecer inflamado por um longo pe-
ríodo de tempo ou se irá sucumbir, necrosando, dependerá dos seguintes fatores: número e virulência dos microrganis-
mos; resistência do hospedeiro; estado da microcirculação; e grau de drenagem do edema gerado durante a inflamação.

A porção tecidual em contato direto com o agente agressor sofre alterações inflamatórias severas, culminando com sua
necrose. Esta área de tecido necrosado não oferece qualquer resistência à invasão bacteriana. A polpa também pode tor-
nar-se exposta após trauma ou por procedimentos iatrogênicos. Uma polpa vital, sadia, exposta por trauma, apresenta
uma grande resistência à invasão bacteriana, que ocorre lentamente. Por exemplo: quando uma lesão traumática resulta
em exposição da polpa e esta permanece exposta à saliva por cerca de 2 semanas, a necrose pulpar e invasão bacteriana
geralmente irão se restringir a apenas uma extensão de aproximadamente 2 mm. Uma polpa exposta por trauma e que
tenha permanecido até aproximadamente 48 horas em contato com a microbiota da cavidade oral é ainda passível de re-
cuperação por meio de capeamento direto.
Doença Periodontal
Durante o curso de uma doença periodontal, bactérias e seus produtos, presentes no biofilme da bolsa periodontal, po-
dem ter acesso à polpa via forames laterais associados a ramificações do canal, túbulos dentinários e forame apical.

A exposição de forames laterais e túbulos dentinários às bactérias componentes do biofilme periodontal não parece in-
duzir maiores alterações no tecido pulpar, desde que este esteja em estado de vitalidade. Alterações degenerativas, tais
como calcificações, fibrose e produção de dentina reparadora, podem ser observadas na porção pulpar adjacente a um
forame lateral exposto.

Entretanto, existem fortes evidências de que a total desintegração do tecido pulpar, caracterizada por necrose, apenas
ocorre quando a doença periodontal atinge o forame apical.

PADRÃO DE COLONIZAÇÃO E O BIOFILME ENDODÔNTICO

Morfologicamente, a microbiota endodôntica consiste em cocos, bacilos, filamentos e espirilos. Enquanto algumas célu-
las bacterianas se encontram em suspensão na fase fluida, na luz do canal principal, e misturadas com o tecido necrosa-
do, grandes aglomerados bacterianos são vistos aderidos às paredes do canal, formando estruturas semelhantes a biofil-
mes de multicamadas e multiespécies. Quanto maior o grau de organização da comunidade microbiana instalada no sis-
tema de canais radiculares, maior o seu potencial patogênico e mais difícil será sua eliminação durante a execução da te-
rapia endodôntica. As bactérias são visualizadas em uma profundidade de aproximadamente 300 μm no interior tubular.

No geral, as espécies mais frequentemente isoladas de túbulos dentinários pertenciam aos gêneros Prevotella, Porphyro-
monas, Fusobacterium, Veillonella, Peptostreptococcus, Eubacterium, Actinomyces, Lactobacillus e Streptococcus.

Na infecção primária, fungos estão geralmente associados a bactérias, condição que difere das infecções secundária e
persistente, nas quais os fungos podem ser detectados em monoinfecção.

Microrganismos que colonizam o sistema de canais radiculares utilizam como fonte de nutrientes: componentes dos
fluidos teciduais e exsudato inflamatório (geralmente proteínas e glicoproteínas), que provêm dos tecidos perirradicula-
res; componentes da saliva, que pode penetrar no canal; células pulpares mortas; tecido pulpar necrosado; e produtos do
metabolismo de outras bactérias.

O Conceito de “Comunidade como Unidade de Patogenicidade”

O conceito de comunidade como patógeno baseia-se no princípio de que o “trabalho em equipe é o que conta”. A pato-
gênese da lesão perirradicular depende da ação conjunta de bactérias que estejam formando uma comunidade mista. Fa-
tores de virulência bacterianos envolvidos na patogênese da lesão perirradicular consistem em um somatório de compo-
nentes estruturais celulares, antígenos e substâncias secretadas que se acumulam no biofilme. A concentração e a viru-
lência desta “sopa” dependerão da densidade populacional bacteriana, da composição de espécies e das interações entre
os membros da comunidade. Uma vez que biofilme pode se estender à porção mais apical do canal, esta “sopa” de antí-
genos e fatores de virulência fica em contato constante e direto com os tecidos perirradiculares para causar danos e esti-
mular/modular a resposta imune do hospedeiro.

Estudo das Comunidades Bacterianas em Endodontia


1. Os diferentes tipos de infecções endodônticas são compostos de comunidades bacterianas mistas.
2. Algumas bactérias não cultiváveis podem ser comumente encontradas em canais radiculares infectados, como parte
da comunidade endodôntica.
3. Há uma grande variabilidade interindividual na diversidade de comunidades bacterianas endodônticas associadas
com a mesma doença (a composição da microbiota endodôntica pode ser diferente entre vários indivíduos com a
mesma doença)
4. As comunidades bacterianas parecem seguir um padrão específico de acordo com a condição clínica (lesões primá-
rias assintomáticas, abscessos agudos e lesões póstratamento).Portanto, a gravidade da doença (intensidade dos si-
nais e sintomas) ou a resposta ao tratamento pode ser relacionada com a composição da comunidade bacteriana.
5. Parece haver um padrão relacionado com geografia; ou seja, a variabilidade interindividual é menor entre os indiví-
duos que residem na mesma localização geográfica em relação ao observado para os indivíduos que vivem em paí-
ses distantes.
6. A porção apical do canal radicular abriga uma microbiota significativamente diferente da presente na região mais
coronária do canal.
Biofilme e Lesão Perirradicular
Bactérias colonizam o sistema de canais radiculares em infecções primárias, persistentes ou secundárias como estrutu-
ras sésseis, geralmente cobrindo as paredes do canal principal, mas também se estendendo para ramificações apicais, ca-
nais laterais, istmos e túbulos dentinários. Além disso, os biofilmes aderidos à superfície apical externa próximo ao fo-
rame apical têm sido relatados e considerados uma possível causa de lesões perirradiculares pós-tratamento.

Os autores avaliaram a prevalência de biofilmes em dentes com infecção primária e em casos de fracasso (infecções
persistente/secundária) e tentaram encontrar associação a diversas condições clínicas e histopatológicas. Os principais
achados deste importante estudo foram:

a. Biofilmes intrarradiculares foram observados no segmento apical de 77%dos canais radiculares de dentes com le-
são perirradicular (80%em infecções primárias e 74%nos casos de fracasso).
b. Morfologicamente, o biofilme intrarradicular apresentou espessura variável, algumas vezes com várias camadas de
células bacterianas. Diferentes morfotipos foram comumente observados por biofilme. As proporções relativas en-
tre as populações bacterianas e a matriz extracelular do biofilme foram altamente variáveis. Amorfologia do biofil-
me endodôntico diferiu significativamente de indivíduo para indivíduo.
c. Os túbulos dentinários logo abaixo do biofilme frequentemente foram invadidos por bactérias presentes na porção
inferior da estrutura do biofilme. Além disso, os filmes também foram comumente vistos cobrindo as paredes de ra-
mificações apicais, canais laterais e istmos. Todas estas áreas geralmente representam um desafio para a desinfec-
ção adequada por causa do acesso difícil (ou até mesmo impossível) para instrumentos e irrigantes.
d. O biofilme bacteriano foi muito mais frequente na porção apical de canais de dentes a lesões grandes (82%) do que
pequenas (62%). Todos os canais radiculares associados a lesões muito grandes (> 10 mm de diâmetro) apresenta-
vam biofilmes bacterianos. Uma vez que leva tempo para a lesão perirradicular se desenvolver e tornar-se visível
radiograficamente, parece razoável supor que grandes lesões representam um processo patológico de longa duração
causada por uma infecção intrarradicular ainda mais antiga. Em um processo infeccioso de longa duração, as bacté-
rias envolvidas podem ter tido tempo e condições suficientes para se adaptar ao ambiente e formar uma comunida-
de madura e organizada. O fato de os canais radiculares de dentes com lesões grandes abrigarem um grande núme-
ro de células e espécies bacterianas, quase sempre organizadas em biofilmes, pode ajudar a explicar por que esses
casos apresentam um índice menor de sucesso.
e. A prevalência de biofilmes intrarradiculares em dentes associados a cistos, abcessos e granulomas foi de 95%,
83%e 69,5%, respectivamente. Cistos perirradiculares se desenvolvem como resultado da proliferação epitelial em
alguns granulomas; logo, a maioria dos cistos está associada a infecções de longa duração. Também por isso, na
maioria das vezes, lesões grandes são cistos.
f. Biofilmes extrarradiculares foram muito pouco frequentes, sendo observados em apenas 6% dos casos. Com exce-
ção de um caso, eles sempre estavam associados a biofilmes intrarradiculares. Todos os casos apresentavam sinto-
mas clínicos. Assim, parece que as infecções extrarradiculares, na forma de biofilmes, não são uma ocorrência co-
mum; em geral, dependem da infecção intrarradicular e são mais frequentes em dentes sintomáticos.

A LESÃO PERIRRADICULAR É UMA DOENÇA CAUSADA POR BIOFILMES


Relação causal entre o biofilme e determinada doença infecciosa:
1) Bactérias estão aderidas ou associadas a uma superfície.
2) O exame direto do tecido infectado mostra bactérias formando aglomerados ou microcolônias envoltos por uma ma-
triz extracelular.
3) A infecção geralmente é limitada a um local particular e a difusão da infecção, embora possível, é um evento secun-
dário.
4) A infecção é difícil, ou impossível, de erradicar com antibióticos, apesar de os microrganismos responsáveis serem
suscetíveis aos medicamentos quando em estado planctônico (não aderido).
5) O hospedeiro é ineficaz para debelar a infecção, o que pode ser evidenciado pela localização de colônias de bactérias
em áreas teciduais associadas a intenso infiltrado inflamatório. O acúmulo de neutrófilos e macrófagos em torno de
agregados e coagregados bacterianos aumenta consideravelmente a suspeita de envolvimento de biofilmes como causa
da doença.
6) Eliminação ou perturbação significativa da estrutura e da ecologia do biofilme leva à remissão da doença.

Dinâmica da Formação do Biofilme Endodôntico


Quando a última camada de dentina é destruída em lesões de cárie avançada, a polpa torna-se exposta ao biofilme da cá-
rie. Como resultado da exposição, a porção pulpar em franco contato com o biofilme torna-se severamente inflamada e
depois necrosada, possibilitando, então, o avanço do front de infecção para o interior da câmara pulpar. Com a repetição
dos fenômenos de agressão microbiana, inflamação e necrose no compartimento tecidual subjacente, o biofilme bacteri-
ano vai gradativamente migrando em direção apical. O biofilme é o que está presente na linha de frente da infecção. Fi-
nalmente, o canal apical será afetado e ficará necrosado e infectado. Portanto, é razoável assumir que o processo de for-
mação de biofilme endodôntico ocorre progressivamente no canal à medida que o processo infeccioso migra em direção
apical.
TIPOS DE INFECÇÃO ENDODÔNTICA

A classificação do tipo de infecção endodôntica baseia-se na localização da infecção e no momento em que bactérias se
estabeleceram no canal radicular.

a) Infecção intrarradicular Primária


b) Infecção Intrarradicular Secundária
É causada por microrganismos que não estavam presentes na infecção primária e que penetraram no canal durante o tra-
tamento endodôntico, entre as sessões ou mesmo após a conclusão do tratamento. Recebe esta denominação por ser se-
cundária à intervenção profissional.
c) Infecção Intrarradicular Persistente
É causada por microrganismos que, de alguma forma, resistiram aos procedimentos intracanais de desinfecção. Em ge-
ral, os microrganismos envolvidos foram membros da infecção primária, mas é possível que, em alguns casos, tenham
se originado de uma infecção secundária.

Infecções persistentes e secundárias podem ser responsáveis por vários problemas clínicos, incluindo exsudação e sinto-
matologia persistente, flare-ups e fracasso do tratamento caracterizado por persistência ou aparecimento de uma lesão
perirradicular.

d) Infecção Extrarradicular
A forma mais comum de infecção extrarradicular é o abscesso perirradicular agudo.

INFECÇÃO INTRARRADICULAR PRIMÁRIA


500 espécies já foram encontradas em infecções endodônticas, no entanto, cerca de 20 a 30 destas espécies estão entre
as mais prevalentes.

Infecções primárias são caracterizadas por uma comunidade mista, composta, em média, por 10 a 30 espécies (podendo
alcançar, em alguns casos, até 40 a 50 espécies) e 10 3 a 10 8 células bacterianas por canal.

Evidências científicas revelam que bactérias participantes da infecção endodôntica primária pertencem a 9 dos 13 filos
que possuem representantes orais, mais especificamente Firmicutes, Bacteroidetes, Spirochaetes, Fusobacteria, Actino-
bacteria, Proteobacteria, Synergistetes, TM7 e SR1. Além disso, é importante ressaltar a alta ocorrência de bactérias não
cultiváveis: cerca de 40%a 55%das espécies encontradas na microbiota endodôntica de infecções primárias compreen-
dem filotipos que ainda não foram cultivados em laboratório, não foram ainda caracterizados fenotipicamente e, portan-
to, ainda não receberam um nome de espécie.

Bacilos produtores de pigmentos negros são assim denominados por causa da capacidade de formar colônias com pig-
mentação negra sobre a superfície de placas de ágar sangue. Estas bactérias eram anteriormente conhecidas como Bac-
teroides melaninogenicus e foram reclassificadas em dois gêneros: Prevotella (contendo as espécies sacarolíticas) e Por-
phyromonas (espécies assacarolíticas).

Das espécies de Porphyromonas encontradas em humanos, apenas P. endodontalis (o epíteto “endodontalis” se refere ao
fato de esta espécie ter sido originalmente encontrada em canais) e P. gingivalis parecem estar envolvidas com a etiolo-
gia de diferentes formas de lesões perirradiculares, inclusive abscessos.

Fusobacterium nucleatum, um bacilo filamentoso Gram-negativo anaeróbio estrito, é uma das espécies mais frequente-
mente encontradas em canais radiculares infectados associados a lesões crônicas e abscessos.

Influência Geográfica
Achados de laboratórios em diferentes países, em geral, diferem muito quanto à prevalência de determinadas espécies
em infecções endodônticas. Espécies muito prevalentes em um país podem ser pouco encontradas ou até mesmo ausen-
tes em amostras de outro país. Embora estas diferenças possam ser atribuídas a variações nas técnicas de identificação
usadas em diferentes laboratórios, uma influência geográfica na composição da microbiota pode explicar tais discrepân-
cias.

Outros Microrganismos em Infecções Endodônticas


a) Fungos
Fungos são microrganismos eucariotas que podem ser encontrados em duas formas básicas: os bolores (fungos filamen-
tosos multicelulares que consistem em túbulos cilíndricos ramificados) e leveduras (fungos unicelulares com células as-
sumindo uma forma ovalada ou esférica). Embora fungos sejam membros da microbiota oral, particularmente as espé-
cies de Candida, eles são apenas ocasionalmente encontrados em infecções primárias.
b) Archaea (Arqueias)
As arqueias são procariotas, mas bastante diferentes de bactérias. Embora um estudo não tenha encontrado arqueias em
canais com polpas necrosadas, outro estudo detectou arqueias metanogênicas em 25%dos canais de dentes com lesões
perirradiculares crônicas.

c) Vírus
A presença de vírus no canal só foi relatada em casos de polpas vitais não inflamadas de pacientes infectados pelo vírus
da imunodeficiência humana adquirida (HIV). Por outro lado, herpes-vírus têm sido detectados em lesões perirradicula-
res em que células vivas podem ser encontradas em abundância. Mais recentemente, estudos usando métodos molecula-
res e imuno-histoquímica detectaram herpes-vírus em amostras de lesões perirradiculares. HCMV(citomegalovírus) e
EBV(vírus Epstein-Barr) poderiam participar da etiologia das lesões perirradiculares por ação direta da infecção e repli-
cação viral.

INFECÇÕES SINTOMÁTICAS
Infecções sintomáticas são caracterizadas pela presença de uma periodontite apical aguda ou um abscesso perirradicular
agudo.

Tem sido sugerido que algumas bactérias anaeróbias Gram-negativas podem estar relacionadas com o desenvolvimento
de lesões sintomáticas, mas vários estudos têm relatado frequências similares das mesmas espécies em casos sintomáti-
cos e assintomáticos Assim, outros fatores, além da mera presença de uma espécie potencialmente patogênica, podem
influenciar o desenvolvimento da dor. Estes fatores incluem:

a) Presença de Tipos Clonais Virulentos


podem divergir em relação à propriedade de virulência
b) Interações Bacterianas Aditivas ou Sinérgicas
Isso ocorre por causa das interações aditivas (resultado final igual à soma da virulência das espécies) ou sinérgicas (re-
sultado final superior à soma da virulência das espécies). Por causa das inúmeras interações que podem ocorrer entre as
diferentes espécies presentes.
c) Número de Células Bacterianas
d) Sinais do Microambiente
O microambiente exerce um papel importante neste aspecto, pois pode fazer com que genes de virulência sejam “liga-
dos” ou “desligados”. Se as condições microambientais no canal forem favoráveis à expressão de genes de virulência,
esta pode aumentar e levar à indução de sintomas.
e) Resistência do Hospedeiro
Fatores genéticos (polimorfismo de genes da inflamação) e sistêmicos (diabetes, estresse), bem como hábitos adquiridos
(fumo) podem funcionar como modificadores de doença e predispor a infecções sintomáticas.
f) Infecção Concomitante por Herpes-vírus
este fator pode estar associado à reduzida resistência do hospedeiro

INFECÇÃO INTRARRADICULAR SECUNDÁRIA/PERSISTENTE

Além de causarem outros problemas na clínica endodôntica diuturna, como exudação/sintomatologia persistente e flare-
ups, infecções persistentes ou secundárias são os principais agentes etiológicos do fracasso da terapia endodôntica, ca-
racterizado pela manutenção ou aparecimento de uma lesão perirradicular pós-tratamento. Esta afirmativa tem o suporte
de dois fortes argumentos apoiados em evidências:

1) Há um risco aumentado de fracasso do tratamento, se bactérias são encontradas no canal no momento da obturação
(culturas positivas).

2) Praticamente todos os casos de fracasso abrigam uma infecção intrarrradicular

Bactérias Presentes no Momento da Obturação – Fracasso em Potencial


Bactérias Gram-negativas, que são muito comuns no canal infectado não tratado, geralmente são eliminadas após o pre-
paro. Todavia, a maioria dos estudos revela que bactérias Gram-positivas são as mais frequentemente encontradas. Bac-
térias Gram-positivas anaeróbias estritas ou facultativas que têm sido isoladas ou detectadas em amostras coletadas pós-
tratamento incluem Streptococcus spp. (S. mitis, S. gordonii, S. anginosus, S. sanguinis e S. oralis), Parvimonas micra,
Actinomyces spp. (A. israelii e A. odontolyticus), Propionibacterium spp. (P. acnes e P. propionicum), Pseudoramibac-
ter alactolyticus, lactobacilus (Lactobacillus paracasei e Lactobacillus acidophilus), Enterococcus faecalis e Olsenella
uli.

Tais achados sugerem que Gram-positivos podem ser mais resistentes ao tratamento antimicrobiano e serem mais capa-
zes de se adaptar às condições ambientais bastante desfavoráveis em um canal instrumentado (e medicado). Estudos
moleculares realizados pelo nosso grupo revelaram que bactérias não cultiváveis podem também ser encontradas em
amostras de canais pós-instrumentação ou pós-medicação.

Para que bactérias remanescentes no canal após o tratamento causem o fracasso, elas devem:
a) Adaptar-se ao microambiente
b) Alcançar números críticos e exibir atributos de virulência suficientes para manter ou induzir a inflamação perirradi-
cular.
c) Ter acesso irrestrito aos tecidos perirradiculares para exercer a patogenicidade.

Microbiota em Dentes com Canal Tratado – Fracasso Estabelecido


Amicrobiota de canais tratados associados à patologia perirradicular persistente também apresenta reduzida diversidade
quando comparada à infecção primária. Canais tratados aparentemente de forma adequada podem abrigar de uma a cin-
co espécies, enquanto canais com tratamento inadequado podem apresentar até cerca de 30 espécies, o que é bastante si-
milar aos casos de infecção primária.

Independentemente do método de identificação bacteriana utilizado, Enterococcus faecalis tem sido a espécie mais pre-
valente em dentes com canal tratado, sendo encontrado em até 90%dos casos.

INFECÇÕES EXTRARRADICULARES
Lesões perirradiculares são formadas em resposta à infecção intrarradicular e, de modo geral, representam uma barreira
eficaz contra a disseminação da infecção para o osso alveolar e outras regiões do corpo. Na maioria das situações, as le-
sões perirradiculares conseguem evitar o acesso de bactérias aos tecidos perirradiculares. Entretanto, em circunstâncias
específicas, bactérias podem superar esta barreira e estabelecer uma infecção extrarradicular. A forma mais comum de
infecção extrarradicular é o abscesso perirradicular agudo, caracterizado por inflamação purulenta nos tecidos perirradi-
culares em resposta à saída maciça de bactérias virulentas pelo forame apical. Há, entretanto, outra forma de infecção
extrarradicular que, ao contrário do abscesso, geralmente é caracterizada pela ausência de sintomas. Esta condição con-
siste no estabelecimento de microrganismos, nos tecidos perirradiculares, aderidos à superfície radicular externa e for-
mando biofilmes ou formando colônias coesas no interior do corpo da lesão inflamatória. A infecção extrarradicular
tem sido considerada uma das causas de fracasso do tratamento endodôntico, mesmo quando este foi bem executado.

Atualmente, é reconhecido que espécies de Actinomyces e Propionibacterium propionicum podem participar em infec-
ções extrarradiculares e causar uma entidade patológica denominada actinomicose perirradicular.

A incidência de infecções extrarradiculares em dentes com infecção primária do canal é consideravelmente baixa, o que
é compatível com o alto índice de sucesso do tratamento endodôntico.

Bactérias alcançam os tecidos perirradiculares e estabelecem uma infecção extrarradicular nas seguintes condições:
a) Quando do avanço direto de algumas espécies que superam as defesas do hospedeiro concentradas próximo ao fora-
me apical ou que conseguem invadir a cavidade de cistos em bolsa, a qual está em comunicação direta com o forame
apical
b) Quando da persistência bacteriana em uma lesão após a remissão de um abscesso.
c) Quando detritos contaminados são extruídos durante o preparo químico-mecânico (geralmente, após sobreinstrumen-
tação)

BACTEREMIA E INFECÇÃO FOCAL


É sobejamente conhecido que infecções agudas, como o abscesso, podem levar a complicações sérias pela disseminação
da infecção, incluindo angina de Ludwig, abscesso cerebral, mediastinite aguda, septicemia e até a morte. Nenhum estu-
do demonstrou até o momento que bacteremias ocorram, espontaneamente, em casos de canais infectados associados a
uma lesão perirradicular crônica. Por outro lado, bacteremias podem ocorrer em casos de abscesso perirradicular agudo
e durante a manipulação de canais radiculares infectados.

Pacientes imunossuprimidos, indivíduos que estejam passando por hemodiálise e pacientes com próteses ortopédicas
podem ter algum benefício ao receber profilaxia antibiótica, embora não existam evidências claras a este respeito. Ex-
cluindo estes raros exemplos nos quais há um risco não comprovado, mas potencial de ocorrer complicações decorren-
tes de bacteremia, a infecção focal é um fenômeno improvável em pacientes saudáveis.

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