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O Sítio das Drogas | Luís Fernandes
Capítulo 1: Do método
p. 27-47
Texte intégral
Escolher o método
1 Quem tem, por obrigação profissional, de selecionar métodos e aplicar técnicas e de
andar zelosamente à cata de razões teórico-epistemológicas que lhe fundamentem as
escolhas, acaba por perceber que afinal a defesa de um método – de qualquer método –
depende da argumentação. E da argumentação depende o consenso, que é um dos
critérios principais de adesão dos cientistas às práticas a que se entregarão (cf. por
exemplo Kuhn 1970; Bateson 1979; Lyotard 1979). A defesa e o triunfo de um método,
porque outro lado, dependem do êxito que tem em relação ao objeto sobre o qual se
propôs resolver enigmas (Kuhn 1970; 1977). Há dois modos fundamentais de resolver
enigmas. Um, bem explorado nos trabalhos de Kuhn, é o de “encaixar” (é a sua
expressão) o objeto no método: interroga-se daquele aquilo que este pode
potencialmente resolver. Outro, mais explorado pelos epistemólogos da
fenomenologia, é o de procurar um método para as sinuosidades que se vão
identificando no objeto. Poiesis, escuta criadora, geram método (Agra 1991). Vamos
por partes:
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jogo de xadrez se define por um grupo de regras que determinam quer as propriedades
das peças, quer a maneira conveniente de as deslocar.”
3 Neste sentido, os métodos são jogos de linguagem, definem-se com eles regras e estas
são “lances” num jogo (Lyotard 1979). E os jogos propõem-se a uma agonística:
“Falar e combater no sentido de jogar, e os atos de linguagem relevam de uma agonística
geral.” (Lyotard 1979)
4 Saibamos, pois, que tanto definir métodos como esgrimi-los entre si são jogos de
linguagem; tenhamos consciência de que participamos do jogo, tomemos claro que
aceitamos estar de um dos lados da agonística geral.
5 Pode ser atraente aderir a uma racionalidade do trabalho científico legitimando-a
através da desqualificação das outras. Foi, de certo modo, o que fizemos num trabalho
anterior (Fernandes 1990), quando aderimos a um jogo específico: o que procura
regras próprias para as ciências humanas, levando-as a jogar um jogo independente do
das ciências naturais. Analisando questões como a da relação sujeito-objeto,
exterioridade-interioridade do conhecimento, quantitativo-qualitativo, saber
positivista-saber fenomenológico, descrição e análise-interpretação e sentido…,
procurávamos demonstrar a crise de uma racionalidade e o movimento ascensional da
outra. A fenomenologia, a crítica reflexiva e a hermenêutica fundamentariam as
ciências humanas ante a queda inapelável do paradigma cientista e positivista.
6 Afinal, agora a distância, percebemos que nem um caiu nem o outro se lhe pôs no
lugar. Continua, sim, a “agonística geral” pela qual cada uma das tradições procura
legitimar-se. A legitimação não é um processo que se decida em nenhum tribunal
epistemológico, é antes jogo de linguagem que se perpetua.
7 E é mesmo o jogo fundamental da ciência, aquele que a distingue de outros géneros
discursivos: enquanto aquela procura permanentemente legitimar-se, estes, porque
imersos nas práticas culturais, estão autolegitimados por elas. Assenta, tal “agonística
geral”, na argumentação e nos consensos provisórios, que momentaneamente dão a
aparência de que uma dada ordem científica triunfou.
8 Não recusamos a adesão a uma dada tradição do trabalho científico, nem rejeitamos
inspirar-nos e inscrever-nos num desses sistemas de regras que definem um jogo de
linguagem. Chamemos-lhe, no nosso caso, o jogo fenomenológico, hermenêutico,
interpretativo. Dispensar-nos-emos, isso sim, de um grande trabalho legitimador de
opções que parecessem tomadas externamente e a priori, dado que para todo o jogo
não se encontra legitimação senão no seu próprio interior.1 E de resto, pertencer a uma
tradição é já em si uma forma de alguém se legitimar – ou não é a tradição fonte
justificativa suficiente? Se é tradição, é porque sobreviveu. O “reino da vida das
ciências” (Agra 1986) faz-se das espécies científicas que sobrevivem, que inauguram,
perpetuam tradições, legitimando através deste jogo as formas de fazer.
9 Posta a questão nestes termos, não há uma racionalidade científica correta – a nossa,
pois claro – e uma outra que lavra em erro – a dos positivistas, no caso. Não
substituamos o império dos sentidos pelo império do sentido, aceitemos apenas que
jogamos regras diferentes (seja por exemplo a regra da relação sujeito-objeto, seja por
exemplo a da relevância da quantificação…). E entretenhamo-nos, por vezes, em
tenazes discórdias – para que não se perca o excelente estado de “agonística geral” que
tem caracterizado desde as origens as ciências humanas.
10 Detenhamo-nos agora sobre a segunda questão que levantávamos atrás: a das relações
do método com o objeto que se quer estudar, procurando adaptar aquele às
sinuosidades deste. Parece-nos ser esta a via que seguimos para legitimar as nossas
próprias escolhas metodológicas.
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12 No nosso caso, ao longo dos anos em que fizemos da investigação prática profissional –
vemo-lo agora olhando diacronicamente – temos adequado o método as exigências do
objeto.
13 Um exemplo simples: desde há alguns anos, fomos acumulando evidência de que o
toxicodependente não era apenas coisa clínica (a multiplicidade de expressões do
objeto só artificialmente podia ser reduzida ao quadro da psicopatologia; a escuta
clínica só induzia, e portanto só captava, o lado queixoso e patológico do indivíduo);2
experimentamos então a necessidade de lhe adequar um outro olhar. Modificar a
perceção para poder surpreender o objeto noutras posições, procurar novas condições
para o poder interpelar (para lá da posição interrogadora do relatório policial ou do
confronto clínico). E sobretudo fazer do utilizador de psicoativos sujeito-ator (em vez
de vítima) do seu destino, produtor de si (em vez de ente agido causado pela substância
tóxica).
14 Acumulamos ainda evidência de que era muito maior aquilo que se escondia do que
aquilo que se mostrava no mundo do consumidor de drogas; aquilo que se mostra (no
contacto com as instituições) só muito parcialmente desvela o contexto real de muitos
consumidores: mundo de grupos que se expõem pouco, que se resguardam, pela
própria condição criminalizada do comportamento que adotam; mundo de esquinas e
de contactos e encontros breves, realizados nos interstícios de espaço e de tempo da
cidade – lado clandestino da urbe.
15 Modificar, repita-se, a perceção, para poder captar esta clandestinidade de existências
quotidianas. Adotar posições percetivas proximais de modo a chegar perto daquilo que
habitualmente se não deixa ver. Fazer, em última análise, do cenário onde as drogas
são protagonistas a nossa oficina de trabalho – uma etnografia urbana das drogas, uma
pesquisa de terreno nos territórios e com os atores do psicotropismo.
16 Regressemos à questão, tendo o exemplo atrás em mente: como adequamos o método
a estas exigências do objeto? Vale a pena determo-nos aqui um pouco. No final,
teremos justificado não apenas a opção por certas posturas metodológicas, mas a
necessidade de abertura do próprio objeto: estudar os consumos de drogas num
contexto urbano conduz-nos a interrogar, por exemplo, uma matriz ecológica
específica, o bairro social; mas conduz-nos também a colocá-lo em relação com outros
comportamentos e respetivos contextos – uma socioespacialidade do comportamento
desviante. Dito de outro modo, a fidelidade ao objeto acarreta pelo menos duas
exigências: (1) adequar-lhe posições percetivas de acordo com os seus planos de
materialidade (questão da escolha do método); (2) deixá-lo abrir-se, envolver-se em
relações com outros objetos – um objeto não e um sólido no vazio, mas nó de uma teia
de condições (questão da sua construção). Se o método for fecundo, abrirá o objeto.
17 Condição primeira: onde e quando podemos ver o fenómeno droga? Em que contextos
faz as suas aparições de modo a deixar-se estudar? Já vimos que nos retirávamos
voluntariamente de um desses lugares, dado ser um lugar onde a sua presença é
provocada – as instituições, sejam elas terapêuticas ou penais. Na primeira delas, o
indivíduo quando entra já está codificado de antemão como doente, como
toxicodependente, como enigma clínico; na segunda, codificado como delinquente,
como traficante, como problemático socialmente. Queríamos deslocar-nos ao terreno
do utilizador de drogas-em-si, antes da sua codificação pelos especialistas. Deslocar-
nos ao terreno não da presença provocada, não da convocatória clínica ou penal, mas
da aparição espontânea: os lugares de encontro, de consumo, de compra e venda – os
lugares onde a droga se fala toda sem ser para terceiros ouvirem. O terceiro, quando
muito, seríamos nós – mas pelo lado de dentro, como ator social do mesmo contexto.
Ser o terceiro sem ser, ver nas suas manifestações naturais aquilo que normalmente se
oculta – eis o desígnio.
18 Enunciemos então, brevemente, os planos de materialidade que identificámos no
fenómeno droga – já que é com eles que o método deve guardar relação.
19 a) Materialidade espácio-temporal e discursiva: o consumo de drogas na sociedade
ocidental de hoje é dotado de novidade enquanto facto e enquanto facto de discurso.
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Enquanto facto: rompe com os usos psicoativos próprios das sociedades tradicionais,
em que as drogas tinham funções e rituais de uso integrados e socialmente
integradores. Hoje o consumo é, na maioria das vezes, desviante; conheceu uma
democratização ao nível das classes sociais que atinge, de certo modo massificou-se e
banalizou-se; é conotado negativamente, e tem no sector juvenil o seu grande
protagonista.
20 Enquanto facto de discurso: tem vindo desde o século XIX a instalar-se no sistema de
objetos-enigma da ciência atual, atravessando desde a farmacologia e a bioquímica às
neurociências, desde os saberes clínicos à psicologia, à sociologia, à antropologia e aos
saberes jurídico-penais. A última década foi de uma grande produção discursiva acerca
das drogas, tanto vinda das diversas áreas científicas como das instâncias do controlo
social ou do sistema técnico-interventivo sobre “o problema da droga”. Segundo alguns
autores começaria a haver condições para delimitar uma nova área, de carácter
interdisciplinar, que seria consubstanciada nas ciências do comportamento adictivo
(cf. por exemplo Agra 1995).
21 b) Materialidade ecológica: a droga é também um acontecimento sobretudo urbano. O
espaço, aqui, releva menos do geográfico que do ecológico. Não significa isto porém
situá-la apenas no espaço urbano – que é em todo o caso o seu espaço predominante –
mas situá-la numa faixa de comportamentos urbanizados, ou seja, numa estrutura de
ação do campo social nitidamente diversa da que caracteriza espaços não-urbanos.
22 Hoje o terreno preferencial de expansão das drogas duras é o dos bairros resultantes da
explosão de crescimento do tecido urbano, o das cinturas onde mais nitidamente se
situam os signos da cidade do tipo industrial. Equacionar o fenómeno droga impõe
assim escutar-lhe as significações relacionadas com esta matriz ecológica. A droga, no
limite, é um analisador da urbanidade, enquanto forma de vida tendencialmente
predominante e em construção permanente no mundo ocidental. A materialidade
ecológica não é, no entanto, facilmente percetível. Pelo contrário, tem um carácter
pouco visível, que se prende com um plano de materialidade que referimos a seguir.
23 c) Materialidade histórico-social: a droga está hoje colocada sob o registo da
transgressão e do crime. Manifesta-se por isso com discrição, resguardando-se dos
olhares públicos. Isso tem profundas consequências para a investigação do fenómeno:
a sua visibilidade está dificultada por uma ocorrência, ao nível das manifestações
quotidianas, num plano macrossociológico difícil de captar. A droga ocorre nos
interstícios da cidade – é quotidiana mas clandestina. E, nos últimos anos, tem
atingido faixas sociais e territórios urbanos marginalizados da cidade dominante,
autenticamente colocados nas suas traseiras, resguardados dos olhares do cidadão.
Tem proliferado sobretudo naquilo que alguns analistas sociais designam por
populações relegadas (Delarue 1991) e com pouca visibilidade social (as hidden
populations – Adler 1985; 1990). Perceber o porquê do estado atual, a este respeito, do
“problema da droga”, exigiria que nos detivéssemos no processo que fez dele uma
entidade desviante – o processo da sua criminalização e da dos seus utilizadores. Este
processo mostraria também como se constrói a partir de substâncias químicas uma
galeria de efeitos mítico-simbólicos que fazem do “drogado” uma figura protagonista
dos males da sociedade e do “problema da droga” o bode expiatório que legitima todos
os julgamentos. Resta-nos subscrever Jean Baudrillard (1987): “Ao mesmo tempo que
os corpos e os cérebros, as drogas estupidificam o julgamento a que as submetemos.”
24 O “problema da droga” não existe, pois, só em razão de determinados produtos e de
quem os consome, existe também em razão das sucessivas operações ideológicas sobre
eles. Se insistimos nisto, é porque “ser-se drogado” não é um estatuto que se possa
manter indiferentemente de tais operações – a materialidade do fenómeno droga
inscreve-se assim na própria construção histórico-social do objeto.
25 Ao longo deste texto ocupar-nos-emos da materialidade ecológica, sem deixar, no
entanto, de dar atenção aos outros planos – se os dividimos foi, naturalmente, por
imposição do trabalho analítico.
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Etnografia e drogas
“Não se entra no fenómeno da droga sem sair para a rua.”
Cândido da Agra (1991)
28 A ligação entre etnografia e comportamento desviante é já antiga, e a sua pertinência
tem sido nos últimos anos reiterada a propósito das drogas. “A preocupação com a
underlife da cidade, com o underdog e com o ‘desviante’ tem-se mantido como uma
29 preocupação característica da etnografia” (Atkinson 1990). Se é verdade, como propõe
Brown (citado por Atkinson 1990), que existe uma relação direta entre os modos de
representação textual e a “distância” entre os investigadores e os seus sujeitos, a
narrativa etnográfica corresponde ao modo que expressa a menor distância.
30 Antes de entrarmos no relato etnográfico dos territórios psicotrópicos, faremos um
breve percurso pelas características que individualizam o método e pelas razões da sua
particular adequação ao estudo do fenómeno droga.
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43 Estudar, então, a materialidade eco-social do fenómeno droga. Dar atenção aos espaços
mais frequentes, mais nomeados, mais etiquetados socialmente, em que ele se
manifesta; e dar atenção aos atores que utilizam e coconstroem estes espaços. Proceder
à descrição e a compreensão dos atores e dos territórios psicotrópicos – eis como
podemos enunciar por agora um primeiro recorte do objeto.
44 Os territórios psicotrópicos são lugares urbanos onde é visível a ocorrência de
atividades ligadas às drogas, desde o comércio ao consumo, passando pelo convívio e
pela ocupação do tempo tendo como elemento importante do encontro as drogas
ilegais; alguns desses lugares são ao mesmo tempo etiquetados como “de drogados”
pelo rumor social a respeito dos temas da insegurança urbana, dos comportamentos
desviantes, etc. Impõe-se desde logo aqui uma primeira precisão: optámos pelos
lugares das drogas que são relativamente visíveis porque são feitos de encontros em
ruas, esquinas ou sítios específicos de alguns bairros. Há-os, no entanto, com menos
visibilidade pública, porque são feitos de clubes noturnos de entrada controlada, de
apartamentos, de meetings privados. Se bem que as drogas sejam um facto
disseminado nos diferentes contextos e nos diferentes estratos sociais, estes podem ser
mais expostos ou mais opacos, mais vulneráveis ou mais defendidos. Há, digamos,
territórios públicos, semipúblicos e privados. Optámos pelos públicos, que são também
os que mais insistentemente são noticiados pela comunicação de massas e pelo rumor
social quotidiano. Mas de modo nenhum pretendemos dizer que são os únicos
territórios das drogas.
45 Feita esta precisão, refira-se em seguida que a etnografia e as técnicas de observação
participante têm sido múltiplas vezes apontadas como formas de pesquisa
especialmente adequadas para estudar o fenómeno droga. R. Ingold, numa revisão das
teorias e dos métodos que têm sido utilizados neste campo, refere que a maioria dos
estudos são realizados a partir de toxicodependentes hospitalizados, em tratamento ou
encarcerados, sem procederem à relativização que passaria por salientar o papel social
que este tipo de institucionalização determina, bem como à influência que o sistema
assistencial tem sobre o próprio comportamento de dependência. Defende, “na esteira
dos etnógrafos, uma resposta encontrada no terreno” (Ingold 1987), que descreva do
interior, a partir do meio natural dos toxicodependentes, a dependência enquanto
processo e não enquanto estado. Esta necessidade era já identificada por um dos
autores hoje clássicos, C. Olivenstein: “É necessário sublinhar a propósito dos
utilizadores das drogas que as constatações dos especialistas devem ser relativizadas,
tantos são os sujeitos que não passam pelos circuitos médicos” (Olivenstein e
Braconnier 1985).
46 Também Domingo Comas (1981) procede à revisão e avaliação de um grande número
de investigações neste domínio, propondo a sua sistematização, do ponto de vista dos
métodos utilizados, em quatro grandes grupos: (1) investigações psicossociológicas a
partir de amostras de toxicodependentes em consulta ou em reclusão; (2) inquéritos de
opinião, com grandes amostras, passados a grupos muito definidos, normalmente
estudantes do secundário; (3) análises sociológicas mediante questionário, com
amostras amplas e estratificadas em função de diversas variáveis; (4) análises
dinâmicas e antropológicas de grupos específicos. Conclui que “não cabem dúvidas de
que os resultados destas últimas, de alta fiabilidade, podem trazer-nos muito na
compreensão do fenómeno da toxicomania. Por causa do custo pessoal, dificuldades e
pouca consideração institucional que merecem, sempre se realizaram muito poucas,
mas estas deveriam ser de leitura obrigatória para todos os técnicos” (Comas 1981).
47 Por sua vez, vários autores salientam o carácter fechado dos grupos de indivíduos que
têm condutas alvo de reprovação social. Comas (1981) refere o contexto proibicionista
como estando na base da formação de defesas que se traduzem pela ocultação de
informação, recurso à mentira, ao segredo e a conformidade à expectativa da resposta,
quando submetemos os consumidores de drogas às técnicas de inquérito; Ferrarotti
(1981) fala, por seu turno, na “dificuldade de poder atingir faixas sociais e estruturas de
comportamento que, pelo seu carácter de marginalidade e o seu estado de exclusão
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Notes
1. A própria epistemologia clássica vigilante da ciência através de uma relação de exterioridade tem dado
progressivamente lugar a uma epistemologia interna, emergente do interior dos próprios atores das
ciências.
2. Para uma crítica detalhada das interpretações clínicas e psicológicas da toxicodependência cf. Agra e
Fernandes (1993). Chamávamos aí paradigma da droga-enigma ao conjunto de perspectivas que
assimilavam o toxicodependente a grelhas teórico-metedológicas prévias, construídas para objectos de
natureza distinta. Este paradigma tem sido construído predominantemente pelo corpo médico-
psicológico de intervenção na toxicodependência, seja através de abordagens psicoterapêuticas, seja
através de uma linha epidemiológica e sanitária.
3. Michel Maffesoli (s.d.) desenvolve as condições de uma epistemologia do quotidiano, cuja fonte de
conhecimento provém da atenção ao banal, ao repetitivo, mas também ao raro, ao intersticial, ao ínfimo
– na sua linguagem, “ao monstruoso”. Retoma, segundo ele, a vocação inicial da sociologia na linha de
Pareto Simmel.
4. E, se combinarmos este longo tempo com o desconforto – para não sermos demasiado adjectivos na
linguagem… – que inúmeras situações vividas no terreno acarretam, entenderemos também porque se
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leva a cabo tão poucas pesquisas de terreno. Iturra (1986) traduziu bem este sentimento: “Mas –
digamo-lo directamente – é um método violento. Violento para quem começa a ser observado; violento
para quem observa. É uma relação onde a suspeita etnocêntrica é normalmente introduzida.”
5. Nels Anderson conta neste artigo recente, de carácter autobiográfico, os meandros da sua pesquisa
etnográfica junto dos hobos, trabalhadores itinerantes, misto de aventureiros e vagabundos. Publicada
em 1923, continua hoje como uma das referências históricas da sociologia da desviância de Chicago.
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