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2018

Título: Coleção Super Material: Fisiologia Módulo 3


Editor: Guilherme Melo
Projeto gráfico: Bruno Bru
Revisão de texto: Thaís Nacif
Diagramação: Editorando Birô
Capa: Mateus Machado
Conselho Editorial: Caio Vinicius Menezes Nunes, Itaciara Larroza Nunes, Paulo
Costa Lima, Sandra de Quadros Uzêda e Silvio José Albergaria da Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)

M515a
Fisiologia - Módulo 03 / Organizador: Ilson Meireles Neto.– 1. ed.– Salvador, BA :
Editora Sanar, 2021. 224 p. 17x24 cm. (Coleção Super Material)..;
17x24 cm. (Coleção Super Material).
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-89822-08-0
1. Fisiologia. 2. Medicina. 3. Sanarflix. 4. Super Material. I. Título. II. Assunto. III.
Meireles Neto, Ilson.
CDD 612
CDU 612.53

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Medicina.
2. Medicina.
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes - CRB-8
8846

Editora Sanar Ltda.


Rua Alceu Amoroso Lima, 172
Caminho das Árvores
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CEP: 41820-770 – Salvador/BA
Telefone: 0800 337 6262
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Coordenador
ILSON MEIRELES NETO
CRM BA - 35068
Coordenador Pedagógico SANAR
Graduação em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina
e Saúde Pública

Revisores
AMANDA RISTOW REINERT
Graduação em Medicina pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA)

ANA CLARA DE FREITAS BRITO ARÊAS


Acadêmica do curso de Medicina da Escola Bahiana de
Medicina e Saúde Pública

ANNA MARIA EUGENIA PRIETO SCUCATO


Graduação em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina
e Saúde Pública

BRUNA RODRIGUES DE SANTANA


PISANESCHI MARQUES
Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal
da Bahia (UFBA)

DIANA CASTRO DE JESUS LIMA


Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal
da Bahia (UFBA)

GABRIEL LIMA SILVA


Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal
da Bahia (UFBA)

GEOVALDO BARRETO CORREIA JUNIOR


Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal
da Bahia (UFBA)

LAURA MARIA DA CRUZ BATISTA


Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal
da Bahia (UFBA)

Autores – Módulo 3 – fisiologia


Ane Caroline Rodrigues Carvalho
Bianca Lima Barreto
Gabriel Campos Lobo
Luís Cláudio Porto Góes
Maria Fernanda Correia Moreno
Pedro Henrique Andrade Araújo
Salvatore Barletta
SUMÁRIO
01 SISTEMA DIGESTÓRIO – SECREÇÕES E MOTILIDADE
1. Função secretora do trato gastrointestinal
2. Secreção salivar
3. Secreção gástrica
4. Secreção pancreática
5. Secreção biliar
6. Motilidade do trato gastrointestinal
Referências Bibliograficas
02. FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL
1. Introdução
2. Carboidratos
3. Proteínas
4. Lipídeos
5. Água e eletrólitos
6. Funções metabólicas do fígado
7. Metabolismo da bilirrubina
8. Processamento da amônia
Referências Bibliográficas
03. FUNÇÃO RENAL
1. O rim
2. Filtração glomerular
3. Sistema tampão
Referências Bibliograficas
04. FORMAÇÃO DA URINA E MICÇÃO
1. Introdução
2. Funções do sistema urinário
3. Formação da Urina
4. Micção
Referências Bibliográficas
05. DISTÚRBIOS DO SÓDIO
1. Introdução
2. Hiponatremia
3. Quadro Clínico da Hiponatremia
4. Tratamento da Hiponatremia
5. Hipernatemia
6. Quadro Clínico da Hipernatremia
7. Tratamento da Hipernatremia
Referências bibliográficas
06. FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR FEMININO
1. Introdução
2. Ciclo ovariano
3. Ciclo uterino
4. Interação hormonal
Referências bibliográficas
07. FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR
MASCULINO
1. Introdução
2. Embriologia
3. Histofisiologia
4. Ductos genitais
5. Glândulas acessórias
6. Pênis
Referências bibliográficas
PREFÁCIO

No início do curso, no decorrer dos dois primeiros anos, os


quais chamamos de ciclo básico, criamos toda a nossa base
de conhecimento para o desenvolvimento do conhecimento
médico. Um bom ciclo básico permite um bom ciclo clínico
que, em última análise, permite uma boa graduação
médica. E, dentre todos os temas que estudamos no ciclo
básico, o estudo da fisiologia humana está entre os mais
decisivos.
É nas aulas de fisiologia que o estudante tem o primeiro
contato com mecanismos sistêmicos do corpo humano,
como, por exemplo, com toda a complexa fisiologia do
batimento cardíaco ou as diversas sinalizações da fisiologia
da alimentação no sistema gastrointestinal. É da fisiologia
que desenvolvemos os conceitos do funcionamento normal
para entendermos e compararmos com o patológico.
Preocupados em trazer esse conteúdo tão especial e de
maneira completa, mas sempre com linguagem acessível,
nós da Sanar desenvolvemos a coleção de Super Materiais
de Fisiologia, trazendo os conteúdos sobre a fisiologia
humana de maneira sistematizada com diversos
fluxogramas e mapas mentais e com a melhor qualidade de
referências.

Vamos juntos nessa jornada do aprendizado!


1. SISTEMA DIGESTÓRIO –
SECREÇÕES E MOTILIDADE

1. FUNÇÃO SECRETORA DO
TRATO GASTROINTESTINAL
O trato gastrointestinal apresenta quatro processos
básicos: motilidade, secreção, digestão, absorção
intestinal e exceção.
A secreção é a adição de líquidos, enzimas e muco ao
lúmen do Trato Gastrointestinal (TGI). Essas secreções são
produzidas pelas glândulas salivares (saliva), células da
mucosa gástrica (secreção gástrica), células exócrinas do
pâncreas (secreção pancreática) e pelo fígado (bile).
Em todo o trato gastrointestinal as glândulas secretoras
servem a duas funções primárias: primeira, produção de
enzimas digestivas que são secretadas na maioria das áreas
do trato alimentar; segundo, lugar, glândulas mucosas,
desde a boca até o ânus, proveem muco para lubrificar e
proteger todas as partes do trato alimentar.
Em relação às enzimas digestivas, a maioria é formada
apenas em resposta à presença de alimento no trato
alimentar, e a quantidade secretada também é proporcional
à quantidade de alimento a ser digerido. A presença
mecânica do alimento é o que gera o estímulo à produção
das secreções e ativa o sistema nervoso entérico através de
três mecanismos: estimulação tátil, irritação química e
distensão da parede do TGI.

Hora da revisão: Diferentes tipos de


glândulas produzem os diferentes tipos de
secreção do trato gastrointestinal. As células
mucosas atuam em resposta à irritação local e
produzem muco, que protege a superfície da
escoriação e da digestão. Já no estômago e
duodeno existe grande número de glândulas
tubulares profundas (a glândula oxíntica é um
exemplo). Por último, existem glândulas
complexas associadas ao trato alimentar, que
são as glândulas salivares, o pâncreas e o
fígado, que produzem secreções para a
digestão e emulsificação dos alimentos.

A estimulação dos nervos parassimpáticos aumenta a


secreção do trato digestivo glandular, principalmente
na porção superior do TGI, inervada pelos nervos
glossofaríngeo e parassimpático vagal. Já a estimulação
simpática causa aumento de leve a moderado na secreção
de algumas glândulas locais e também leva à
vasoconstricção dos vasos que suprem as glândulas, tendo
assim um duplo efeito. Quando a estimulação
parassimpática já estiver causando franca secreção pelas
glândulas, a estimulação simpática sobreposta, em geral,
reduz esta secreção pela redução do suprimento sanguíneo
glandular.

2. SECREÇÃO SALIVAR
A saliva é um líquido que contêm eletrólitos e solutos
orgânicos, secretados pelas glândulas salivares. As principais
glândulas salivares são as parótidas, submandibulares e
sublinguais, cada uma tendo seu par. A secreção diária de
saliva normalmente é de 800 a 1.500 mL, com valor médio
de 1.000 mL.
As funções da saliva incluem a digestão inicial do
amido e dos lipídios pelas enzimas salivares, diluição e
tamponamento do alimento ingerido, lubrificação do
alimento para facilitar seu movimento pelo esôfago, ação
antibacteriana por íons tiocianato e lisozima, além de
participar da gustação, uma vez que a solubilização dos
alimentos estimula as papilas gustativas.

Figura 1. Glândulas salivares. Adaptado de: Alila Medical


Media/Shutterstock.com.

A saliva contêm dois tipos principais de secreção de


proteína: a secreção serosa contendo ptialina (ou alfa-
amilase salivar), enzima que hidrolisa até 75% dos
carboidratos da boca ao estômago; e secreção mucosa,
contendo mucina, para lubrificar e proteger as superfícies.
As glândulas parótidas produzem quase toda a secreção do
tipo serosa, enquanto as submandibulares e sublinguais
produzem secreção serosa e mucosa. Existem ainda
glândulas bucais que só secretam muco.
Cada glândula salivar tem a aparência de um “cacho de
uvas”, sendo que cada uva corresponde a um ácino. O ácino
é a unidade secretora, revestido por células acinares e
envolto por células mioepiteliais alongada, que, ao se
contraírem, expulsam a secreção acinar para o sistema de
ductos.
A saliva contêm quantidade elevada de íons potássio e
bicarbonato. Por outro lado, as concentrações de sódio e
cloreto são menores que as do plasma. A secreção da saliva
é uma operação de dois estágios, o primeiro envolve as
células acinares e o segundo os ductos salivares. As células
acinares produzem a secreção primária contendo ptialina
e/ou mucina em solução de íons em concentrações não
muito diferentes das típicas dos líquidos extracelulares. À
medida que essa secreção primária flui pelos ductos,
ocorrem processos de transporte ativo que modificam a
saliva. O primeiro é a reabsorção ativa do sódio e secreção
de potássio, com consequente redução da concentração de
sódio e aumento de potássio na saliva. Ocorre também uma
queda na concentração dos íons cloreto. O bicarbonato é
secretado na saliva pelo epitélio dos ductos para o seu
lúmen. O resultado é uma concentração de sódio e cloreto
na saliva em repouso de cerca de 15 mEq/L, potássio de 30
mEq/L e bicarbonato de 50 a 70 mEq/L.
Quando a secreção salivar é intensificada, as
concentrações iônicas salivares se alteram porque aumenta
a velocidade de formação da saliva primária e essa secreção
flui rapidamente pelos ductos, reduzindo os processos de
modificação da saliva. A secreção salivar é sempre
hipotônica, e o pH varia de 6,0 a 7,0 (favorável à ação
enzimática da ptialina).
Existem diversos tipos de ductos nas glândulas que
transportam as secreções dos ácinos até a cavidade oral: os
ductos intercalados drenam o fluido acinar para ductos
maiores, os ductos estriados, que drenam para os ductos
intralobulares, estes originam os ductos extralobulares
e, por fim, formam os ductos excretores principais, que
se abrem na cavidade oral.
As glândulas salivares são controladas principalmente por
sinais nervosos parassimpáticos que se originam nos núcleos
salivatórios superior e inferior, no tronco encefálico. Os
núcleos salivatórios estão localizados próximo à junção do
bulbo com a ponte e são excitados por estímulos gustativos
e táteis da língua e outras áreas da boca e faringe. A
salivação também pode ser inibida por sinais que chegam
aos núcleos salivatórios provenientes dos centros superiores
do sistema nervoso central. Por exemplo, quando a pessoa
sente o cheiro de sua comida preferida, a salivação é maior
quando comparada a quando sente o cheiro de uma comida
de que não gosta. A área do apetite no cérebro que regula
esses efeitos funciona em resposta a sinais das áreas do
paladar e do olfato do córtex cerebral ou da amígdala. A
salivação ocorre ainda em resposta a reflexos que se
originam no estômago e parte superior do intestino delgado,
particularmente quando alimentos irritativos são ingeridos
ou quando a pessoa está nauseada.

Figura 2. Regulação nervosa parassimpática da secreção salivar. Fonte: Autoria


própria
Se liga! A Síndrome de Sjögren primária
é uma doença autoimune, crônica e
progressiva, que afeta predominantemente o
sexo feminino. Nesta doença são gerados
anticorpos que reagem contra as
glândulas salivares e lacrimais, originando
um processo inflamatório, produzindo lesão nos
ácinos e ductos secretores com redução das
secreções. A síndrome também pode ser
secundária a uma manifestação sistêmica de
doenças autoimunes, como a artrite
reumatoide. Os pacientes desenvolvem
xerostomia e ceratoconjuntivite (olhos
secos). O tratamento é feito com substâncias
estimuladoras da secreção salivar, como
metilcelulose, e em casos graves são usados
corticoides e imunossupressores.

Saiba mais! O esôfago também produz


secreção, no entanto, esta é totalmente mucosa
e tem como função a lubrificação do alimento
para a deglutição. O muco produzido pela
porção superior do esôfago evita a escoriação
mucosa causada pela entrada do alimento,
enquanto a secreção da sua porção distal
protege a parede da digestão por sucos
gástricos ácidos, que com frequência refluem do
estômago.
3. SECREÇÃO GÁSTRICA
O estômago tem funções secretórias, motoras e
hormonais importantes no processo digestivo. Além do HCl,
secreta enzimas que continuam a hidrólise dos nutrientes
iniciada na cavidade oral. Do ponto de vista secretor, as
diferentes regiões do estômago são: cárdia – contêm
apenas glândulas secretoras de muco; região oxíntica no
corpo do estômago – tem células parietais e principais;
região antropilórica – com glândulas contendo células
endócrinas (células G que secretam gastrina e células D,
secretoras de somatostatina).

Figura 3. Regiões do estômago. Fonte: sciencepics/Shutterstock.com

Os diferentes tipos de células encontradas são: células


mucosas superficiais, células indiferenciadas ou
regenerativas (mais profundamente localizadas, originam
as células que migram para a superfície), células parietais
ou oxínticas (secretoras de HCl e fator intrínseco), células
principais ou pépticas (secretoras de pepsinogênio) e
células endócrinas (secretoras de gastrina e
somatostatina).
O estômago secreta cerca de 1 a 2 litros de fluido por dia,
conhecido como suco gástrico. Compõem esse suco:
Célula que
Componente Função
produz
Confere ao suco
gástrico pH próximo
a 1 ou 2. O pH ácido
regula a secreção e
pepsinogênio e a sua
conversão à pepsina
HCl Células parietais
no lúmen gástrico. O
HCl tem importante
função bactericida e
na sua ausência
ocorrem mais
infecções no TGI.

Lançado no lúmen na
forma de proenzima,
sendo hidrolisada a
pepsina em pH < 5. A
Pepsinogênio Células principais
pepsina hidrolisa
ligações no interior
de cadeias
polipeptídicas.

Lançada no lúmen
Células específicas gástrico na forma
Lipase gástrica das glândulas ativa. Hidrolisa
gástricas triacilgliceróis em
meio ácido.
Célula que
Componente Função
produz
Forma a barreira
mucosa gástrica que
protege mecânica e
Muco Células superficiais quimicamente a
superfície interna do
estômago contra o
HCl e a pepsina.

Tampona o HCl e
3-
Células superficiais
HCO protege a mucosa
mucosas
gástrica.

Estimula a secreção
de HCl pelas células
parietais e tem efeito
Gastrina Células G trófico sobre a
mucosa gástrica,
estimulando seu
crescimento.

Regula a secreção do
Somatostatina Células D
HCl, inibindo-a.

Células Estimula as células


Histamina
enterocromafins parietais.

Necessário para a
absorção da vitamina
Fator intrínseco Células parietais B12. É a única função
essencial do
estômago.

Tabela 1. Componentes do suco gástrico.


Figura 4. Camadas histológicas do estômagoa. Fonte: udaix/Shutterstock.com

A composição do suco gástrico varia conforme o fluxo


secretório. A baixos fluxos secretórios a secreção gástrica
contêm NaCl e baixas concentrações de H+ e K+, sendo
ligeiramente hipotônica em relação ao plasma. A altas
taxas secretórias, a concentração de H+ se eleva e a de Na+
reduz. O Cl- e K+ elevam-se discretamente e o suco gástrico
torna-se isotônico em relação ao plasma.

Hora da revisão: Vômitos recorrentes podem


levar a uma alcalose metabólica hipocalêmica e
hipoclorêmica.

As células parietais secretam H+ proveniente da reação


de hidratação do CO2 resultante do metabolismo celular,
gerando HCO3- e H+. Essa reação é catalisada pela anidrase
carbônica. O H+ é secretado para o lúmen gástrico em troca
de K+ pela H+/K+-ATPase situada na membrana luminal. O
K+ acumulado dentro da célula vaza através de canais
específicos nas membranas luminal e basolateral. O HCO3-
resultante é transportado no sentido absortivo para o
plasma, em troca por Cl-, por um transportador aniônico da
membrana basolateral. Assim, durante a secreção gástrica, o
pH do sangue venoso do estômago eleva-se pela absorção
de HCO3-, tornando-se maior que o pH do sangue arterial
(fase alcalina pós-prandial). A força necessária para o influxo
de Cl-, contra o gradiente, através da membrana basolateral,
vem do transporte HCO3- no sentido oposto. Com o influxo de
Cl-, sua concentração celular se eleva, possibilitando que
seja transportado passivamente para o lúmen gástrico,
via canais luminais.

Figura 5. Secreção de HCl pela célula gástrica parietal. Fonte: Autoria própria

Saiba mais! Alguns fármacos, como os


omeprazólicos, ligam-se de forma irreversível
à H+/K+-ATPase, inibindo a secreção do H+.
Esses fármacos são usados no tratamento de
úlceras pépticas, resultantes da hipersecreção
de HCl.

Os principais secretagogos estimuladores da secreção


de HCl com ação direta nas células parietais são:
acetilcolina (neurotransmissor parassimpático vagal),
gastrina (hormônio sintetizado pelas células G do antro
gástrico), e histamina (parácrino sintetizado a partir da
histidina pelas células enterocromafins). Esses três agonistas
têm receptores específicos na membrana basolateral das
células parietais. Para a acetilcolina são os receptores
muscarínicos (M3) colinérgicos, que podem ser inibidos pela
atropina; os receptores de gastrina (CCKB) podem ser
inibidos pela proglumida e os receptores H2 da histamina
podem ser inibidos pela cimetidina ou ranitidina.
Os inibidores endógenos da secreção do HCl, que
agem diretamente nas células parietais, são a
somatostatina, as prostaglandinas e os fatores de
crescimento epidérmico (EGF). Células D, presentes na
mucosa do antro gástrico, percebem a presença e grande
quantidade de H+ e secretam a somatostatina em resposta,
que age inibindo a liberação da gastrina e,
consequentemente, reduzindo a secreção do HCl. Dessa
forma, ocorre a regulação do pH no estômago.
Já a secreção do pepsinogênio é estimulada
principalmente pela acetilcolina. O nervo vago estimula as
células parietais a secretarem HCl, e então o HCl estimula
a secreção do pepsinogênio por dois mecanismos: o
ácido ativa reflexos locais intramurais colinérgicos e também
há um efeito do ácido no duodeno, estimulando células
secretoras de secretina (hormônio que estimula as células
principais a secretarem pepsinogênio).

Figura 6. Secreção de Pepsinogênio. Fonte: Autoria própria

O fator intrínseco é uma glicoproteína secretada pelas


células parietais que atua na absorção da vitamina B12
(cianocobalamina). No lúmen gástrico a vitamina B12 se liga
à proteína R (secretada pelas glândulas gástricas), que
protege a vitamina da ação proteolítica da pepsina e do HCl.
No duodeno a proteína R é digerida, liberando a B12, e
então, esta forma um complexo com o fator intrínseco. A
absorção da vitamina B12 ocorre no íleo e depende da sua
ligação ao fator intrínseco. A secreção desse fator é a única
função essencial, indispensável, do estômago.

Se liga! A anemia perniciosa é uma anemia


megaloblástica causada por destruição autoimune das
células parietais do estômago que sintetizam o fator
intrínseco. Como a absorção da vitamina B12 depende
desse fator, o resultado é uma deficiência da vitamina,
cursando com distúrbios neurológicos, além da
anemia.
Saiba mais! A úlcera péptica é uma área
escoriada de mucosa gástrica ou intestinal e a
causa comum é o desbalanço entre a
intensidade da secreção de suco gástrico, o
grau de proteção da barreira mucosa
gastroduodenal e neutralização do ácido
gástrico pelos sucos duodenais. A área mais
acometida é em torno do piloro. Atualmente a
principal causa de doença ulcerosa péptica é a
infecção por Helicobacter pylori, que rompe a
barreira da mucosa gastroduodenal e estimula a
secreção de ácido gástrico. Outros fatores
predisponentes à formação de úlceras são o
tabagismo, álcool e AINEs.
4. SECREÇÃO PANCREÁTICA
O pâncreas, localizado sob o estômago, é uma glândula
tubuloacinar com secreções endócrina e exócrina. A
endócrina é produzida nas ilhotas de Langerhans e seus
principais hormônios são: insulina (secretada pelas células
beta), glucagon (secretado pelas células alfa) e
somatostatina (secretada pelas células delta). A porção
exócrina pancreática produz enzimas digestivas,
secretadas pelos ácinos pancreáticos e bicarbonato,
secretado pelos ductos pancreáticos.
Os ácinos pancreáticos, como os das glândulas
salivares, têm fundo cego e agrupam-se em lóbulos
separados por tecido conjuntivo. Os ductos intercalares
drenam os ácinos. Estes ductos esvaziam-se nos ductos
intralobulares, que confluem para os extralobulares, que
desembocam nos interlobulares, que por fim originam o
ducto excretor principal (ducto de Wirsung).

Figura 7. Pâncreas endócrino e exócrino. Fonte: Alila Medical


Media/Shutterstock.com

O produto combinado de enzimas e bicarbonato flui pelo


ducto pancreático principal que se esvazia no duodeno
pela papila de Vater, envolta pelo esfíncter de Oddi.
O suco pancreático é secretado de forma mais
abundante em resposta à presença de quimo nas porções
superiores do intestino delgado, e as características do suco
pancreático são determinadas, até certo ponto, pelos tipos
de alimento no quimo.
As enzimas pancreáticas são capazes de digerir
proteínas, carboidratos e gorduras. A digestão das
proteínas ocorre pela ação da tripsina, quimiotripsina e
carboxipolipeptidase. A tripsina e a quimiotripsina
hidrolisam proteínas a peptídeos de tamanhos variados, sem
levar à liberação aminoácidos individuais. A
carboxipolipeptidase cliva alguns peptídeos até aminoácidos
individuais, completando assim a digestão de algumas
proteínas. A digestão de carboidratos ocorre através da
amilase pancreática, que hidrolisa amidos, glicogênio e
outros carboidratos, para formar principalmente
dissacarídeos e alguns trissacarídeos. A digestão de
gorduras ocorre pela ação da lipase pancreática, capaz de
hidrolisar gorduras neutras a ácidos graxos e
monoglicerídeos; da colesterol esterase, que hidrolisa
ésteres de colesterol; e da fosfolipase, que cliva ácidos
graxos dos fosfolipídeos.
Quando sintetizadas nas células pancreáticas, as enzimas
digestivas proteolíticas estão em formas inativas:
tripsinogênio, quimiotripsinogênio e
procarboxipolipeptidase, concentradas em grânulos de
zimogênio, localizados na borda apical das células acinares.
As enzimas digestivas são ativadas somente após serem
secretadas no trato intestinal por meio de exocitose dos
grânulos de zimogênios. O tripsinogênio é ativado pela
enzima enterocinase, secretada pela mucosa intestinal,
quando o quimo entra em contato com a mucosa. Além
disso, o tripsinogênio pode ser ativado pela própria tripsina
já formada. O quimiotripsinogênio é ativado pela tripsina,
para formar quimiotripsina, e a procarboxipolipeptidase é
ativada de maneira semelhante.

Se liga! É importante que as enzimas pancreáticas


sejam armazenadas na sua forma inativa, pois a tripsina
e outras enzimas poderiam digerir o próprio pâncreas.
Por isso, as mesmas células que secretam as enzimas
pancreáticas secretam também um inibidor de
tripsina, evitando sua ativação.
Quando o pâncreas é lesado gravemente ou ocorre
bloqueio do ducto, grande quantidade de secreção
pancreática se acumula nas áreas comprometidas do
pâncreas. Nesses casos, o efeito do inibidor de tripsina
não é suficiente e as secreções pancreáticas ficam
ativas, podendo digerir o próprio pâncreas, condição
conhecida como pancreatite aguda.

O bicarbonato presente na secreção contribui para a


neutralização da acidez do quimo transportado do
estômago para o duodeno. Ele é secretado juntamente com
a água pelas células epiteliais dos ductos pancreáticos. Para
a sua secreção, o dióxido de carbono se difunde para as
células a partir do sangue e, pela ação da anidrase
carbônica, se combina com a água para formar ácido
carbônico (H2CO3). O ácido carbônico, por sua vez, se
dissocia em íons bicarbonato e íons hidrogênio. Os íons
bicarbonato são transportados de forma ativa, associados a
íons sódio, na membrana luminal da célula para o lúmen do
ducto. Os íons hidrogênio formados por dissociação do ácido
carbônico na célula são trocados por íons sódio, na
membrana sanguínea da célula, por processo de transporte
ativo secundário. O movimento global de íons sódio e
bicarbonato do sangue para o lúmen do ducto cria um
gradiente de pressão osmótica que causa fluxo de água
também para o ducto pancreático, formando assim uma
solução de bicarbonato quase isosmótica.
Como ocorre com as secreções salivar e gástrica, a taxa
secretória altera a composição do suco pancreático. A
baixos fluxos secretórios, a composição eletrolítica da
secreção é mais próxima da do plasma. Quando o pâncreas
é estimulado, ocorre um aumento do fluxo secretório, a
concentração de HCO3- se eleva, a concentração de Cl-
se reduz, enquanto as concentrações de Na+ e K+ não
se alteram.
Três estímulos básicos são necessários para a secreção
pancreática: A acetilcolina, liberada pelas terminações do
nervo vago parassimpático e por outros nervos colinérgicos
para o sistema nervoso entérico; colecistocinina, secretada
pela mucosa duodenal e do jejuno superior quando o
alimento chega ao intestino delgado; e secretina, também
secretada pelas mucosas duodenal e jejunal quando
alimentos ácidos entram no intestino delgado. A acetilcolina
e a colecistocinina estimulam as células acinares
pancreáticas a produzirem enzimas digestivas. Já a secretina
estimula a secreção de solução aquosa de bicarbonato de
sódio.
A secreção pancreática ocorre em três fases: cefálica,
em que estímulos visuais, auditivos e olfatórios, por reflexos
condicionados via vagal, elevam a secreção pancreática,
mesmo antes da ingestão dos alimentos; fase gástrica, em
que a distensão das paredes do estômago pelo alimento
aciona reflexos vagovagais entre o estômago e o pâncreas e
estimula a secreção pancreática; e a fase intestinal, em
que a secreção pancreática fica mais abundante em resposta
à secretina e colecistocinina.

Se liga! A Fibrose Cística é uma doença


genética que resulta na produção de moléculas
defeituosas da proteína formadora do canal
para Cl- do tipo CFTR (regulador de condutância
transmembrana da fibrose cística). Este canal
se expressa na membrana luminal de vários
epitélios secretores, como das glândulas
salivares, ductos pancreáticos e vias
respiratórias. A perda deste canal altera a
secreção de íons em várias membranas
luminais de ductos secretores. No pâncreas,
altera a secreção de HCO3-, Cl- e de água,
originando um fluido espesso, rico em proteínas
enzimáticas que podem obstruir a drenagem da
secreção e causar destruição do parênquima
pancreático.

Saiba mais! A secretina é um


polipeptídeo secretado pelas células S na
mucosa do duodeno e jejuno. Quando o quimo
ácido, com pH menos que 4,5 a 5,0, entra no
duodeno, vindo do estômago, causa ativação e
liberação da secretina para o sangue. A
secretina, por sua vez, faz com que o pâncreas
secrete grande quantidade de bicarbonato,
neutralizando o conteúdo ácido. Esse
mecanismo é essencial para evitar o
desenvolvimento de úlceras duodenais.
5. SECREÇÃO BILIAR
A bile é sintetizada continuamente nos hepatócitos,
a partir do colesterol da dieta. É composta principalmente
por ácidos biliares (67%), fosfolipídeos (22%), colesterol
(4%), bilirrubina (0,3%) e proteínas (4,5%). A bile
primária, elaborada nos hepatócitos, contêm os sais
biliares primários (cólico e quenodesoxicólico),
colesterol, fosfolipídeos, bilirrubina e um fluido
isotônico contendo Na+, K+, Cl- e HCO3-.
Ela é secretada nos canalículos biliares, e daí segue
para os canais de Hering, ductos perilobulares, ductos
biliares interlobulares, até chegar nos ductos hepáticos
direito e esquerdo. Estes ductos hepáticos se unem,
formando o ducto hepático comum. O ducto cístico
drena o conteúdo da vesícula biliar e se comunica com o
ducto hepático comum, formando o ducto colédoco, que
desemboca no duodeno, na ampola de Vater.

Figura 8. Anatomia das vias biliares. Fonte: marina_ua/Shutterstock.com


Nas células epiteliais do sistema de ductos biliares
(colangiócitos) e na vesícula biliar (onde a bile é
armazenada), ocorre uma modificação na composição da bile
primária, com a reabsorção de água e íons.
Nos períodos digestivos, após 30 minutos da ingestão do
alimento, ocorre um aumento da secreção de colecistocinina
que estimula a contração da vesícula biliar e o relaxamento
do esfíncter de Oddi, permitindo o fluxo secretor de bile para
o duodeno.
No intestino delgado ocorre desidroxilação dos sais biliares
primários, por ação e bactérias intestinais, formando sais
biliares secundários (desoxicólico e litocólico).
Sais biliares, fosfolipídeos e colesterol, componentes da
bile, formam micelas que interagem com as gorduras em
suspensão no fluido luminal do delgado, diminuindo a sua
tensão superficial e rompendo-as em gotículas, processo
conhecido como emulsificação. O objetivo é ampliar a área
superficial das gorduras expostas à ação de enzimas
pancreáticas.
Após esta ação da bile no delgado, os sais biliares são
reabsorvidos predominantemente no íleo e retornam para o
fígado pela circulação êntero-hepática. Apenas uma
quantidade muito pequena dos sais biliares é excretada nas
fezes, sendo reposta pela síntese de novos sais nos
hepatócitos, a partir do colesterol.

Saiba mais! Um grande número de adultos


acima dos 30 anos tem cálculos biliares (litíase
biliar), sendo na maioria das vezes
assintomáticos. A formação desses cálculos é
associada a fatores de risco como idade
avançada, obesidade, doença ileal,
gravidez e sexo feminino.

Para o colesterol se manter solubilizado na bile,


é preciso que haja uma concentração
proporcional de sais biliares. Quando há um
aumento da concentração de colesterol na
bile ou redução dos sais biliares, a bile fica
supersaturada em colesterol (litogênica), e
assim são formados os cálculos de colesterol
(principal tipo de cálculo biliar).

Doenças ileais como a doença de Crohn ou a


ressecção ileal resultam numa redução da
circulação êntero-hepática de sais biliares. O
fígado não consegue excretá-los em quantidade
suficiente e a bile tona-se pobre em sais
biliares, favorecendo a formação de
cálculos.
6. MOTILIDADE DO TRATO
GASTROINTESTINAL

Para compreender a motilidade do TGI é necessário revisar


algumas propriedades da função do músculo liso. O
movimento da parede das vísceras gastrointestinais controla
o fluxo do conteúdo luminal, ao longo da sua extensão. Os
principais padrões de motilidade são os de mistura
(segmentação) e de propulsão (peristalse).
Na musculatura lisa do Trato Gastrointestinal, as células
fusiformes formam feixes circulados por bainha de tecido
conjuntivo. Existem junções comunicantes (gap junctions)
que acoplam as células, de modo que a contração ocorre
com sincronicidade.
As células intersticiais de Cajal são células especializadas
da parede intestinal que estão envolvidas na transmissão da
informação dos neurônios entéricos para as células
musculares lisas. Estas células têm também a função de
marca-passo, com capacidade de gerar o ritmo elétrico
básico, ou atividade de “onda lenta”, que é característica da
musculatura lisa do TGI. As células de Cajal têm longos
processos que formam junções comunicantes com as células
musculares lisas longitudinais e circulares, permitindo que as
ondas lentas sejam conduzidas rapidamente para as duas
camadas musculares.

Eletrofisiologia da Musculatura lisa


Gastrointestinal
O potencial de repouso da membrana no trato
gastrointestinal varia de acordo com o ritmo elétrico básico,
ou onda lenta. A frequência das ondas lentas é de 3 a 5
por minuto, no estômago, 12 a 20 por minuto no
intestino delgado e 6 a 8 por minuto no cólon. A
frequência dessas ondas lentas é determinada por regiões
de marca-passo (células de Cajal), em diferentes locais do
TGI.
As ondas lentas não são potenciais de ação, mas sim
despolarização e repolarização oscilatória da
membrana das células musculares lisas. Geralmente
não causam, por si sós, contração muscular, na maior parte
do trato gastrointestinal. Basicamente estimulam o
disparo intermitente de potenciais em ponta e estes,
de fato, provocam a contração muscular.

Saiba mais! A Despolarização ocorre


quando o potencial de membrana fica MENOS
NEGATIVO e, nesse caso, as fibras musculares
ficam mais excitáveis. A Hiperpolarização
ocorre quando o potencial de ação fica MAIS
NEGATIVO e, nesse caso, as fibras ficam
menos excitáveis.

Os fatores que despolarizam a membrana


são: estiramento do músculo, estimulação pela
acetilcolina (liberada por terminações
parassimpáticas) e hormônios gastrointestinais
específicos.

Fatores que hiperpolarizam a membrana


são: adrenalina e noradrenalina.

Os potenciais de ponta são verdadeiros potenciais


de ação. Ocorrem automaticamente quando o potencial de
repouso da membrana do músculo liso fica mais positivo
que -40 milivolts (o potencial de repouso normal da
membrana do músculo liso intestinal é entre -50 e -60
milivolts). Assim, toda vez que os picos das ondas lentas
ficam mais positivos que -40 milivolts, surgem os potenciais
de ponta, seguidos de contração. Quanto maior o número
de potenciais de ação que ocorre no pico de uma onda lenta,
mais intensa a contração da musculatura lisa.
Na musculatura lisa do TGI, os canais responsáveis pelos
potenciais de ação são canais para cálcio-sódio. Eles se
abrem e fecham lentamente, levando a uma longa duração
dos potenciais de ação. A movimentação de íons cálcio para
o interior da fibra muscular leva à contração do músculo liso
através da ligação da miosina e actina. As ondas lentas não
promovem entrada de cálcio na fibra, por isso não são
capazes de gerar contração.
Parte da musculatura lisa do TGI exibe contração tônica,
que é contínua (dura minutos a horas), não associada ao
ritmo elétrico básico das ondas lentas. São encontradas na
região superior do estômago, esfíncter esofágico inferior,
válvula ileocecal e esfíncter anal interno.

Sistema nervoso entérico


O trato gastrointestinal tem um sistema nervoso próprio,
denominado sistema nervoso entérico, localizado
inteiramente na parede intestinal, começando no esôfago e
se estendendo até o ânus. É composto por dois plexos: o
mioentérico ou de Auerbach, localizado entre as camadas
musculares longitudinal e circular, e o plexo submucoso ou
de Meissner, localizado na submucosa. O plexo
mioentérico leva ao aumento da contração tônica,
aumento da intensidade das contrações rítmicas,
ligeiro aumento no ritmo das contrações e aumento
na velocidade de condução das ondas excitatórias. O
plexo submucoso está envolvido com o controle da
secreção intestinal local, absorção local e contração
local do músculo submucoso. A estimulação
parassimpática aumenta a atividade do sistema nervoso
entérico.

Saiba mais! A Acalasia é a doença


associada a um aumento do tônus do
esfíncter esofágico inferior (EEI) ou falha
do seu relaxamento. O alimento deglutido
acumula-se na porção inferior do esôfago,
dilatando-o. É causada por uma destruição
do plexo de Auerbach. Pode ser classificada
como primária ou secundária, sendo a causa
secundária mais comum no Brasil a Doença de
Chagas. O paciente cursa com disfagia e perda
de peso. O diagnóstico pode ser feito pela
esofagomanometria (padrão-ouro) ou
esofagografia baritada com o achado do “sinal
do bico de pássaro”.

Mastigação
Na cavidade oral o alimento é reduzido a pequenas
porções pelos dentes e lubrificado pela saliva. Os dentes
anteriores (incisivos) possibilitam a ação de cortar, e os
posteriores (molares), ação de trituração. A redução do
tamanho das partículas de alimento facilita a deglutição.
Durante a mastigação, a mistura do alimento com a saliva
inicia o processo de hidrólise dos carboidratos pela ptialina.
Grande parte do processo de mastigação é causada pelo
reflexo de mastigação. A presença de bolo alimentar na
boca primeiro desencadeia a inibição reflexa dos músculos
da mastigação, permitindo que a mandíbula inferior se
abaixe. Isso inicia o reflexo de estiramento dos músculos
mandibulares, que leva à contração reflexa, o que,
automaticamente, eleva a mandíbula. Esse processo é
repetido continuamente.

Deglutição
A deglutição é a passagem do bolo alimentar da boca
para o estômago através do esôfago. É um ato
parcialmente voluntário e parcialmente reflexo, que
ocorre em frações de segundos. O esôfago é um tubo
muscular, com cerca de 15 cm de comprimento, que se
estende da orofaringe até o estômago, atravessando o tórax
e penetrando no abdome pelo hiato diafragmático. No seu
terço superior a musculatura é estriada, enquanto nos 2
terços inferiores a musculatura é lisa. O esôfago se
comunica com a orofaringe pelo esfíncter esofagiano
superior (EES) ou cricofaríngeo (um espessamento da
musculatura estriada do músculo cricofaríngeo). Na sua
porção inferior, o esôfago se comunica com o estômago
através do esfíncter esofagiano inferior (EEI).
Nos períodos interdigestivos, o esôfago é flácido e a
pressão interna na sua porção torácica é igual à torácica. A
pressão do EES é de cerca de 40 mmHg superior à do
esôfago torácico e a do EEI aproximadamente 30 mmHg
superior. Esses esfíncteres funcionam como barreiras,
prevenindo na porção superior a entrada de ar para o
esôfago e na porção distal o refluxo gástrico.
A fase reflexa da deglutição é controlada pelo centro da
deglutição, localizado no bulbo e porção posterior da ponte,
no tronco cerebral. Essa fase compreende uma sequência
ordenada de eventos, que propelem o bolo alimentar da
orofaringe ao estômago, com inibição da respiração. O
processo da deglutição é compostopor 3 fases: oral
(voluntária), faríngea e esofágica (reflexas).

Figura 9. Esôfago e esfíncteres associados. Fonte: Blamb/Shutterstock.com

Na fase oral da deglutição o alimento é pressionado pela


ponta da língua contra o palato duro e propelido em
direção à orofaringe, contra o palato mole. O bolo
alimentar estimula receptores somatossensoriais da
orofaringe e começa a fase faríngea da deglutição.
Na fase faríngea ocorre uma sequência de eventos em
menos de 1 segundo: elevação do palato mole em direção à
nasofaringe (as dobras palatofaríngeas impedem a entrada
do alimento na nasofaringe), as cordas vocais se aproximam
e a laringe é deslocada para trás e para cima, contra a
epiglote (evitando que o alimento entre na traqueia), O EES
se relaxa para receber o bolo alimentar e os músculos
constritores superiores da faringe se contraem fortemente
para forçar o bolo profundamente na laringe. É iniciada uma
onda peristáltica com a contração dos músculos constritores
superiores faríngeos, e a onda se move em direção ao
esôfago. Essa onda força o bolo alimentar através do EES
relaxado, e após a sua passagem o EES se contrai de
forma reflexa.
Na fase esofágica, o esôfago, EES e EEI atuam
impulsionando o alimento para o estômago,
protegendo as vias aéreas durante a deglutição e o esôfago
do refluxo gástrico, respectivamente. O estímulo para a
propulsão esofágicos vem da faringe durante a deglutição e
da distensão da parede esofágica e envolve reflexos
extrínsecos (vagos) e intrínsecos. A presença do bolo no
esôfago estimula mecanorreceptores e vias reflexas,
iniciando a onda peristáltica (contração alternando com
relaxamento do músculo), que é chamada de peristaltismo
primário. Essa onda se desloca do esôfago para baixo
lentamente (3 a 5 cm/s). A distensão do esôfago pelo
alimento desencadeia uma outra onda, chamada de
peristaltismo secundário. A deglutição leva ao
relaxamento do EEI; assim, quando o bolo chega ao final
do esôfago, encontra o esfíncter relaxado, permitindo a sua
passagem para o estômago. A porção proximal do estômago
também relaxa ao mesmo tempo que o EEI, processo
chamado de relaxamento receptivo.

Figura 10. Variações da pressão em regiões diferentes da faringe, esôfago e


esfíncteres associados. O traçado de pressão é uma representação obtida
durante manometria. Fonte: rumruay/Shutterstock.com

Funções motoras do estômago


Do ponto de vista motor, o estômago exerce as funções de
armazenamento, mistura e trituração do alimento,
propulsão peristáltica e regulação da velocidade de
esvaziamento gástrico. O estômago pode ser dividido em
duas porções funcionais: proximal ou oral e distal ou
caudal. A porção proximal se encarrega da recepção do bolo
alimentar vindo do esôfago, por isso tem paredes mais finas,
enquanto a porção caudal tem paredes mais espessas com
musculatura proeminente para realizar a função de mistura e
trituração dos alimentos.
Como já citado, a primeira função motora do estômago é o
relaxamento receptivo, que ocorre junto com o
relaxamento do EEI para receber o bolo alimentar, sem
elevar a pressão intragástrica. É um reflexo vagovagal. 1
a 2 litros de alimento pode acomodar-se no fundo gástrico,
por 1 a 2 horas, sem sofrer ação de mistura. As peristalses
gástricas começam na região proximal do estômago, onde
está localizada a região de marca-passo. As ondas
peristálticas aumentam de intensidade e velocidade em
direção à região antropilórica, em consonância com o
espessamento da camada muscular externa. As contrações
rápidas e vigorosas do corpo gástrico propiciam a mistura
do alimento com as secreções gástricas, otimizando a
digestão. O alimento parcialmente digerido chama-se
quimo.
O piloro se relaxa, permitindo escape de pequenas
quantidades de quimo para o duodeno, e em seguida se
contrai de forma rápida e abrupta (conhecida como
sístole antral), causando uma retropulsão do quimo. Esses
processos repetem-se, levando à trituração do quimo.
O quimo permanece no estômago entre 2 a 3 horas,
dependendo da sua natureza química. Gorduras são os
últimos nutrientes a serem esvaziados. Carboidratos
são esvaziados mais rapidamente. Essa regulação da
velocidade de esvaziamento gástrico é exercida pela região
antropilórica e pelo duodeno.
O piloro funciona como barreira entre o estômago e o
duodeno, evitando a regurgitação do conteúdo alcalino
do duodeno para o estômago, e regula a velocidade
de esvaziamento gástrico de acordo com a capacidade
do duodeno de processar o quimo. A atividade do piloro
é controlada pelo sistema nervoso autônomo e hormônios
gastrointestinais: gastrina, secretina, colecistocinina,
peptídeo inibidor gástrico (GIP) e enterogastrona. Todos
esses hormônios, assim como a acetilcolina e norepinefrina,
contraem o piloro. O pH, a tonicidade e a composição do
quimo gástrico que chega ao duodeno desencadeiam
mecanismos neurais e hormonais que, por retroalimentação
negativa, regulam a motilidade do piloro e a velocidade de
esvaziamento gástrico. O pH ácido do quimo no duodeno
estimula a secreção de secretina que, além de contrair o
piloro, retardando o esvaziamento gástrico, provoca a
secreção alcalina do pâncreas, tamponando o HCl. Os
produtos da hidrólise lipídica estimulam a secreção de
colecistocinina, GIP, que contraem o piloro, retardando o
esvaziamento gástrico.
No estômago há fibras vagais colinérgicas eferentes,
excitatórias, que elevam tanto a motilidade como as
secreções gástricas. A gastrina e motilina também
atuam aumentando a motilidade gástrica. Já o sistema
nervoso autônomo simpático, a secretina e o GIP
(peptídeo inibidor gástrico) atuam no sentido oposto,
reduzindo a frequência e a força das contrações
gástricas.

Se liga! O vômito consiste na expulsão do


conteúdo gastrointestinal para o exterior
através da cavidade oral. Ele é desencadeado
por estimulação do TGI por agentes tóxicos
e infecciosos, assim como pelo estímulo de
diversos tipos de receptores sensoriais, como
do aparelho vestibular, região posterior da
garganta e quarto ventrículo. É precedido por
uma descarga do sistema nervoso autônomo,
com sudorese, taquipneia, taquicardia,
midríase, salivação, palidez, náuseas (nem
sempre) e ânsias. As ânsias se desencadeiam
por peristalse reversa, que se inicia nas
porções distais do intestino (em geral, jejuno) e
que propelem o conteúdo intestinal para o
estômago, por relaxamento do piloro. Fortes
contrações antrais impulsionam o conteúdo
gástrico para o esôfago, através do EEI
relaxado. Uma inspiração profunda, com glote
fechada e diafragma elevado, aumenta a
pressão intratorácica, forçando o
relaxamento do EES e a expulsão do
conteúdo intestinal.

Funções motoras do intestino


delgado
Os padrões motores do intestino delgado, durante o
período pós-prandial, são predominantemente voltados para
a mistura e consistem, em sua maioria, em segmentação
e contrações retropulsivas. As segmentações
correspondem a anéis que contraem a musculatura circular,
dividindo o quimo em segmentos ovais. Envolvem apenas 1
a 4 cm de delgado e ocorrem a intervalos de 5 segundos.
Essas contrações alternam-se e são os principais
movimentos de mistura e renovação do quimo com a
mucosa intestinal. Ocorrem também no delgado peristalses
curtas que percorrem pequenas extensões do seu segmento,
movendo o quimo em direção caudal.

Figura 11. Sequência de contrações segmentais. Fonte:


joshya/Shutterstock.com

Função motora do cólon


As principais funções do cólon são a absorção de água e
eletrólitos do quimo para formar fezes sólidas e
armazenamento de material fecal. O aspecto externo do
cólon apresenta segmentos ovoides (haustras), que se
formam e se desfazem conforme ocorrem contrações da
musculatura circular colônica. Os movimentos nesse
segmento são normalmente lentos e podem ser divididos
em movimentos de mistura ou segmentação e
movimentos de massa. Com as segmentações, todo o
material fecal é revolvido de forma que tenha contato com a
mucosa colônica para que haja a reabsorção de líquido. O
movimento de massa contrai grandes extensões do cólon,
propelindo seu conteúdo no sentido cefalocaudal. Esse
movimento costuma ocorrer cerca de 1 a 3 vezes por dia.

Figura 12. Esquema de haustrações do cólon e movimento de massa. Fonte:


Tsyntseus Anastasiia/Shutterstock.com

Os esfíncteres anais (interno e externo) estão


contraídos tonicamente. A distensão do reto, pela
chegada das fezes, em resposta ao movimento de massa,
desencadeia o reflexo de defecação e também sinaliza
a conscientização da necessidade de defecar. Se essa
for protelada, os esfíncteres retomam os seus tônus normais
e ocorre retropulsão das fezes do reto ao sigmoide. Se a
defecação ocorrer, há relaxamento voluntário do
esfíncter anal externo e do músculo puborretal.
A estimulação parassimpática colinérgica aumenta a
motilidade do cólon, ao passo que a simpática causa
obstipação por inibição da motilidade.
Saiba mais! A doença de Hirschsprung,
ou megacólon agangliônico congênito,
caracteriza-se pela ausência do sistema
nervoso entérico principalmente no cólon
distal e esfíncter anal interno. Os segmentos
envolvidos apresentam tônus aumentado, o
que reduz o lúmen intestinal, havendo ausência
de atividade propulsiva. Por esse motivo, o
reflexo de defecação é inexistente, ocorrendo
constipação intestinal. Ocorre dilatação das
regiões colônicas acima dos segmentos
contraídos, causando o megacólon. O
tratamento é cirúrgico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
AIRES, MM. Fisiologia, 5ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2018
BERNE, RB; LEVY, MN. Fisiologia. 6ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
GUYTON, AC; HALL, JE. Tratado de Fisiologia Médica.
12ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
2. FISIOLOGIA DO SISTEMA
GASTROINTESTINAL

DIGESTÃO E ABSORÇÃO DE ÁGUA


E NUTRIENTES & FUNÇÕES
METABÓLICAS DO FÍGADO

1. INTRODUÇÃO
Os principais alimentos que sustentam a vida do corpo
podem ser classificados como carboidratos, gorduras e
proteínas, conhecidos também como os macronutrientes
orgânicos. Em termos gerais, esses alimentos não podem
ser absorvidos em suas formas naturais por meio da mucosa
gastrointestinal e, por essa razão, são inúteis como
nutrientes caso não haja digestão preliminar.
A digestão e a absorção são as principais funções do trato
gastrointestinal. A digestão é a degradação química dos
alimentos ingeridos até moléculas absorvíveis, e é efetuada
pelas enzimas do trato gastrointestinal (TGI). Estas são
hidrolases, que catalisam a adição de moléculas de água
aos nutrientes, que geram, por consequência, moléculas
menores e absorvíveis.
Essas hidrolases, que são enzimas secretadas no lúmen do
sistema digestório, denominam-se enzimas luminais,
enzimas que compõem o suco salivar, gástrico e
pancreáticos; e as sintetizadas nos enterócitos e
incorporadas às suas membranas luminais como proteínas
integrais são as enzimas da borda em escova, presentes
na membrana apical do epitélio intestinal. As atividades
destas enzimas digestivas são facilitadas pela secreção de
água e íons para o lúmen do TGI. Resultam dos processos de
digestão: monômeros, dímeros e trímeros, absorvidos
através do epitélio do delgado.
Os processos hidrolíticos ocorrem nas seguintes porções
do sistema digestório: cavidade oral, estômago, duodeno
(onde são predominantes) e nas porções proximais do íleo. O
cólon não apresenta enzimas luminais e da borda em
escova.

A absorção é o movimento dos nutrientes, da água e dos


eletrólitos do lúmen do intestino para o sangue. Existem
duas vias para absorção, a via celular e a paracelular. Na
via celular, a substância deve cruzar a membrana apical
(luminal), entrar na célula gástrica epitelial e, então, passar
por extrusão da célula, através da membrana basolateral,
para o interior da corrente sanguínea. Os transportadores
nas membranas apicais e basolaterais são os responsáveis
pelos processos absortivos. Na via paracelular, a substância
se move pelas junções ocludentes (tight junctions), entre
as células epiteliais intestinais, entre espaços intercelulares
e vão para o sangue.
A estrutura da mucosa intestinal é idealmente
apropriada para a absorção de grande quantidade de
nutrientes. Características estruturais, chamadas
microvilosidades, aumentam a área de superfície do
intestino delgado, maximizando a exposição dos nutrientes
às enzimas digestivas e criando grande superfície absortiva.
A superfície do intestino delgado é disposta em dobras
longitudinais, chamadas de dobras de Kerckring.
Vilosidades semelhantes a dedos se projetam para fora
dessas dobras. Essas vilosidades são mais longas no
duodeno, onde ocorre a maior parte da digestão e absorção,
e são mais curtas no íleo. As superfícies das vilosidades são
recobertas por células epiteliais (enterócitos) entremeadas
por células secretoras de muco (células caliciformes). A
superfície apical das células epiteliais é, em si, expandida
por pequenos dobramentos chamados microvilosidades.
Essa superfície microvilar é chamada borda em escova
devido à sua aparência de “escova” sob microscopia óptica
de luz. Juntas, as dobras de Kerckring, as vilosidades e as
microvilosidades aumentam a área da superfície total em
cerca de 600 vezes! As células epiteliais do intestino delgado
têm velocidades de renovação (reciclagem) maiores que
qualquer outra célula do corpo – elas são renovadas a cada 3
a 6 dias. A elevada renovação das células da mucosa
intestinal as torna particularmente susceptíveis aos efeitos
da irradiação e da quimioterapia.
2. CARBOIDRATOS
A quantidade de carboidratos da dieta humana é
extremamente variável, sendo função de fatores culturais,
geográficos e socioeconômicos das populações. Seu
consumo varia inversamente com o poder aquisitivo das
populações.
A proporção relativa de carboidratos da dieta humana,
recomendada pela Organização Mundial da Saúde e pelo
Comitê Americano de Nutrição, é de 58%. Mas a proporção
efetivamente utilizada na dieta das populações de países
desenvolvidos é de 50%, o que varia de 300 a 500 g/dia.
Como cada grama de carboidratos, quando totalmente
degradados cada grama fornece 4 kcal de energia, uma
ingestão diária de 300 a 500 g representa 1.200 a 2.000
kcal/dia.

Digestão de Carboidratos
Os carboidratos da dieta são compostos por várias
classes moleculares diferentes. O amido, o primeiro deles, é
a mistura de polímeros de glicose, retos e ramificados. Os
polímeros de cadeias retas são chamados amilose, e as
moléculas de cadeia ramificada são chamadas de
amilopectina. O amido é fonte particularmente importante
de calorias, em especial nos países em desenvolvimento, e é
encontrado, predominantemente, em cereais. Os
dissacarídeos são a segunda classe de carboidratos , que
inclui a sacarose ou sucrose (consistindo em glicose e
frutose) e a lactose (consistindo em glicose e galactose), e
que é importante fonte calórica para as crianças. Todavia, é
princípio-chave que o intestino só pode absorver
monossacarídeos, ou seja, a glicose, galactose ou frutose.
Além disso, muitos itens alimentares de origem vegetal
contêm fibras dietéticas, que consistem em polímeros de
carboidratos que não podem ser digeridos pelas enzimas
humanas. Esses polímeros são digeridos por bactérias
presentes no lúmen colônico, permitindo, dessa forma,
recuperar os valores calóricos.
Quando o alimento é mastigado, ele se mistura com a
saliva, contendo a enzima digestiva amilase salivar ou
ptialina, secretada, em sua maior parte, pelas glândulas
parótidas. Essa enzima hidrolisa o amido no dissacarídeo
maltose em outros pequenos polímeros de glicose, contendo
três a nove moléculas de glicose. O alimento, porém,
permanece na boca apenas por curto período de tempo, de
modo que não mais do que 5% dos amidos terão sido
hidrolisados até a deglutição do alimento. Entretanto, a
digestão do amido continua no corpo e no fundo do
estômago por até 1 hora, antes de o alimento ser misturado
às secreções gástricas. Então, a atividade da amilase salivar
é bloqueada pelo ácido das secreções gástricas, já que a
amilase é essencialmente inativa como enzima, quando o pH
do meio cai abaixo de 4,0. Contudo, em média, antes de o
alimento e a saliva estarem completamente misturados com
as secreções gástricas, até 30% a 40% dos amidos terão
sido hidrolisados para formar maltose.
A secreção pancreática, como a saliva, contêm grande
quantidade de α-amilase, também conhecida como amilase
pancreática, que é quase idêntica em termos de função à
α-amilase da saliva, mas muitas vezes mais potente.
Portanto, 15 a 30 minutos depois de o quimo ser transferido
do estômago para o duodeno e misturar-se com o suco
pancreático, praticamente todos os carboidratos terão sido
digeridos.
Em geral, após ação da amilase pancreática os
carboidratos são quase totalmente convertidos em
oligômeros curtos de glicose, incluindo dímeros (maltose) e
trímeros (maltotriose), bem como estruturas ramificadas
mais simples, que são chamadas dextrinas α-limitadas,
antes de passar além do duodeno ou do jejuno superior.Os
enterócitos que revestem as vilosidades do intestino delgado
contêm quatro enzimas (lactase, sacarose, maltase e α-
dextrinase), que são capazes de clivar os dissacarídeos
lactose, sacarose e maltose, mais outros pequenos polímeros
de glicose nos seus monossacarídeos constituintes. Essas
enzimas ficam localizadas nos enterócitos que forram a
borda em escova das microvilosidades intestinais, de
maneira que os dissacarídeos são digeridos quando entram
em contato com esses enterócitos.
A lactose se divide em molécula de galactose e em
molécula de glicose. A sacarose se divide em molécula de
frutose e molécula de glicose. A maltose e outros polímeros
pequenos de glicose se dividem em múltiplas moléculas de
glicose. Assim, os produtos finais da digestão dos
carboidratos são todos monossacarídeos hidrossolúveis
absorvidos imediatamente para a circulação portal.
Na dieta comum, contendo muito mais amidos do que
todos os outros carboidratos combinados, a glicose
representa mais de 80% dos produtos finais da digestão de
carboidratos, enquanto a fração de galactose ou frutose
raramente ultrapassa 10%.
Saiba mais! A intolerância à lactose é uma
doença que pode ser congênita, acometendo
recém-nascidos, ou ser programada
geneticamente, induzindo diminuição ou
desaparecimento total da lactase da borda em
escova após o desmame. Predomina em negros
e asiáticos, ocorrendo, em menor proporção, em
populações brancas. Sua frequência é alta na
população brasileira, provavelmente devido à
miscigenação.

Como a lactase não é digerida, ela permanece


no lúmen intestinal, podendo causar um
espectro de sintomas gastrintestinais, como:
diarreia osmótica, distensão abdominal, cólicas
e flatulência, ou apresentar sintomas pouco
definidos.

Diferentes fatores determinam as variações


individuais dos sintomas na intolerância à
lactose: variações da velocidade de
esvaziamento gástrico, tempo de trânsito
intestinal e, principalmente, a capacidade das
bactérias do cólon de metabolizar a lactose
(originando ácidos graxos voláteis ou de
cadeias curtas, CO2 e H2).

O tratamento de indivíduos com intolerância à


lactose é feito por redução ou eliminação da
ingestão de leite e seus derivados, mas leite
comercialmente tratado com lactase pode ser
utilizado.

Absorção dos Carboidratos


Os monossacarídeos solúveis em água têm, a seguir, que
ser transportados através das membranas hidrofóbicas dos
enterócitos. O transportador 1 de sódio/glicose (SGLT1) é
um simportador que leva a glicose e a galactose contra seu
gradiente de concentração, pelo acoplamento de seu
transporte ao do Na+, contra seu gradiente eletroquímico. A
energia para essa etapa não vem, diretamente, do trifosfato
de adenosina (ATP), mas de gradiente através da membrana;
o gradiente de Na+, é claro, criado e mantido pela Na+-K+-
ATPase, na membrana basolateral.
Uma vez no citosol, a glicose e a galactose podem ser
retidas para as necessidades metabólicas do epitélio, ou
podem sair da célula através do polo basolateral via
transportador conhecido como GLUT2. A frutose, em
contrapartida, é levada através da membrana apical pelo
GLUT5. Entretanto, devido ao transporte de frutose não ser
acoplado ao do Na+, sua entrada é relativamente ineficiente
e pode, com facilidade, ser interrompida se forem ingeridas
grandes quantidades de alimento contendo esse açúcar. Os
sintomas que ocorrem devido a essa má absorção são
similares aos experimentados por pacientes intolerantes à
lactose e que a consomem.

Figura 1. Absorção de glicose, frutose e galactose no intestino delgado. Fonte:


Autoria própria.
Saiba mais! A Síndrome de má absorção
de glicose e galactose é uma doença de origem
genética, bastante rara, devido a múltiplas
mutações que resultam em substituições de um
único aminoácido do cotransportador 2Na+-
glicose ou galactose (SGLT1). Cada uma destas
substituições induz alterações que previnem o
transporte de glicose e/ou galactose nos
indivíduos afetados.

Os pacientes apresentam diarreia osmótica,


consequente à má absorção das hexoses e de
Na+. Neste caso, a dieta não deve conter amido,
glicose ou lactose. A frutose é bem tolerada. As
outras dissacaridases da borda em escova são
normais. Os pacientes não apresentam
glicosúria, uma vez que o túbulo proximal do
néfron tem as isoformas SGLT1 e SGLT2,
ocorrendo, assim, reabsorção tubular normal de
glicose, no rim.
3. PROTEÍNAS
A quantidade de proteína na dieta, necessária para
manter o balanço nitrogenado, varia extremamente com as
condições socioeconômicas da população. Nos países
desenvolvidos, são ingeridos entre 70 e 100 g de proteínas
por dia; isso é considerado excessivo, em relação às
necessidades do organismo (representa 10 a 15% da
ingestão calórica – e 1 g de proteína fornece
aproximadamente 4 kcal). Nas populações pobres, por
exemplo, nas africanas, a ingestão proteica é em média de
50 g diários. Nestas, como as crianças (cujo requisito
proteico é maior que o dos adultos) ingerem frequentemente
cerca de 4 g/dia de proteína, são os indivíduos mais
afetados.
As proteínas são polímeros solúveis em água, que
precisam ser digeridas em constituintes menores,
antes que seja possível sua absorção. Sua absorção é mais
complicada do que a dos carboidratos, porque contêm 20
aminoácidos diferentes e pequenos oligômeros desses
aminoácidos (dipeptídeos, tripeptídeos e, provavelmente,
até tetrapeptídeos), que também podem ser transportados
pelos enterócitos. O corpo, em particular o fígado, tem
capacidade substancial de interconverter vários
aminoácidos, sujeitos às suas necessidades. Entretanto,
alguns aminoácidos, denominados aminoácidos
essenciais, não podem ser sintetizados pelo corpo nem a
partir de outro aminoácido e, então, têm que ser obtidos da
dieta.

Digestão de proteínas
Os processos de digestão proteica luminal podem ser
divididos nas fases gástrica e intestinal (ou
pancreática), segundo os locais de origem das enzimas
proteolíticas.
Na fase gástrica, a hidrólise proteica ocorre pelas
pepsinas e pela presença do HCl, o qual confere um pH
adequado para a ativação do pepsinogênio à pepsina.
A pepsina consiste em uma endopeptidase que hidrolisa
proteínas nas ligações peptídicas formadas por aminogrupos
de ácidos aromáticos, como a fenilalanina, a tirosina e o
triptofano, originando oligopeptídeos, e não aminoácidos
livres. Ela tem capacidade para digerir o colágeno, que é
pouco hidrolisado por outras enzimas proteolíticas. A
digestão do colágeno pela pepsina facilita a penetração de
outras enzimas proteolíticas nos tecidos a serem digeridos.
Cerca de 10 a 15% das proteínas da ingesta são hidrolisadas
pela pepsina, resultando oligopeptídeos. A ação proteolítica
da pepsina não é, porém, essencial; a sua importância reside
na ação dos oligopeptídeos hidrolisados, que estimulam
tanto a secreção de gastrina pelo estômago como a de
colecistocinina (CCK) por células endócrinas do duodeno,
estimulando as células acinares do pâncreas a secretarem
enzimas.
A fase intestinal da digestão proteica é efetuada pelas
enzimas proteolíticas lançadas no duodeno pela secreção
pancreática. A chegada do quimo proveniente do estômago
estimula as células endócrinas do delgado, mais
concentradas no duodeno, a secretarem tanto secretina
(células S) como CCK (células I). Estes dois hormônios
gastrintestinais estimulam, respectivamente, as células dos
ductos pancreáticos a secretarem bicarbonato de sódio, e as
acinares pancreáticas a secretarem enzimas. O bicarbonato
não só tampona o HCl, como gera o ambiente alcalino
propício à ação das enzimas pancreáticas, cujas
atividades são máximas a valores de pH próximos à
neutralidade.
Existem 5 principais enzimas proteolíticas pancreáticas:
tripsina, quimotripsina, carboxipolipeptidase A e B e
elastase. Tanto a tripsina como a quimotripsina clivam as
moléculas de proteína em pequenos polipeptídeos; as
carboxipolipeptidases então liberam aminoácidos
individuais dos terminais carboxila dos polipeptídeos. A
proelastase, por sua vez, é convertida em elastase que,
então, digere as fibras de elastina, abundantes em carnes.
Apenas pequena porcentagem das proteínas é digerida
completamente até seus aminoácidos constituintes, pelos
sucos pancreáticos. A maioria é digerida até dipeptídeos e
tripeptídeos.
O último estágio na digestão das proteínas no lúmen
intestinal é feito pelos enterócitos que revestem as
vilosidades do intestino delgado, especialmente no duodeno
e no jejuno. Essas células apresentam borda em escova,
que consiste em centenas de microvilosidades que se
projetam da superfície de cada célula. Nas membranas de
cada uma dessas microvilosidades, encontram-se múltiplas
peptidases que se projetam através das membranas para o
exterior, onde entram em contato com os líquidos
intestinais.
Dois tipos de peptidases são especialmente importantes:
aminopolipeptidase e diversas dipeptidases. Elas
continuam a hidrólise dos maiores polipeptídeos
remanescentes em tripeptídeos e dipeptídeos e de uns
poucos aminoácidos. Aminoácidos, dipeptídeos e
tripeptídeos são facilmente transportados através da
membrana microvilar para o interior do enterócito.

Absorção de proteínas
O corpo também é dotado de uma série de
transportadores de membrana, capazes de promover a
captação de produtos da digestão proteica que são solúveis
em. Devido ao grande número de aminoácidos, existe um
número relativamente grande de transportadores
específicos. Em geral, os transportadores de aminoácidos
têm especificidade razoavelmente ampla e, transportam um
subgrupo de aminoácidos (p. ex., neutros, aniônico ou
catiônico), mas com alguma sobreposição de sua afinidade
para aminoácidos particulares. Além disso, alguns
transportadores de aminoácidos são simporte de seus
substratos aminoácidos, em conjunto com absorção
obrigatória de Na+.
O intestino delgado também é notável por sua capacidade
de absorver pequenos peptídeos. O transportador primário e
responsável por essa absorção é chamado PepT1 (ou
peptídeo transportador 1) e é um simporte que carrega
peptídeos em conjunto com prótons. Os peptídeos
absorvidos pelos enterócitos são imediatamente hidrolisados
por uma série de peptidases citosólicas em seus
aminoácidos constituintes. Os aminoácidos não necessários
pelos enterócitos são exportados através da membrana
basolateral e entram nos capilares sanguíneos para serem
transportados para o fígado através da veia porta. O PepT1
é, também, de interesse clínico porque pode mediar a
absorção dos chamados fármacos peptidomiméticos, que
incluem diversos antibióticos, bem como agentes
quimioterápicos.
4. LIPÍDEOS
Definidos como substâncias que são mais solúveis em
solventes orgânicos do que em água, os lipídeos são a
terceira classe principal de macronutrientes da dieta
humana. Os lipídeos fornecem, significativamente, mais
calorias por grama do que as proteínas ou os carboidratos,
por isso têm maior importância nutricional, assim como são
propensos a contribuir para a obesidade, se consumidos em
quantidades excessivas. Os lipídeos também dissolvem
compostos voláteis e contribuem para o sabor e o aroma dos
alimentos.
A forma predominante dos lipídeos na dieta humana é o
triglicerídeo, encontrado em óleos e outras gorduras. A
maioria desses triglicerídeos tem cadeia longa de ácidos
graxos esterificados no arcabouço glicerol. Lipídeos
adicionais são fornecidos na forma de fosfolipídeos e
colesterol, originados, principalmente, das membranas
celulares. Também é importante considerar que chegam ao
intestino, diariamente, não apenas lipídeos da dieta, mas
também lipídeos originados no fígado, nas secreções biliares.
Quando a refeição gordurosa é ingerida, os lipídeos se
liquefazem na temperatura corporal e flutuam na superfície
do conteúdo gástrico. Isso poderia limitar a área de
superfície entre as fases aquosa e lipídica do conteúdo
gástrico e restringir o acesso de enzimas capazes de quebrar
os lipídeos para formar os que poderiam ser absorvidos, pois
as enzimas lipolíticas, como as proteínas, ficam na fase
aquosa. Por esse motivo, o estágio inicial na absorção dos
lipídeos é sua emulsificação. A mistura ocorrida no estômago
faz com que os lipídeos da dieta fiquem na forma de
pequenas esferas em suspensão, que aumenta em muito a
área da superfície da fase lipídica.
A absorção dos lipídeos também é facilitada pela formação
de solução de micelas, com ajuda dos ácidos biliares,
existentes nas secreções biliares.
Figura 2. Representação esquemática das micelas mistas, conjuntos cilíndricos
de ácidos biliares e outros lipídios da dieta. Fonte: J. Marini/Shutterstock.com

Digestão dos lipídeos


A digestão dos lipídeos começa no estômago. A lipase
gástrica é liberada, em grandes quantidades, pelas células
principais gástricas; ela se adsorve à superfície das micelas
de gordura, dispersas no conteúdo gástrico, e hidrolisa os
componentes triglicerídeos em diglicerídeos e ácidos
graxos livres. Entretanto, pouca absorção de gordura ocorre
no estômago, por causa do pH ácido do lúmen, que resulta
em protonação dos ácidos graxos livres, liberados pela lipase
gástrica. A lipólise também é incompleta no estômago,
porque a lipase gástrica, a despeito de sua ótima atividade
catalítica em pH ácido, não é capaz de hidrolisar a segunda
posição do éster triglicerídico, o que significa que a molécula
não pode ser completamente quebrada em componentes
que podem ser absorvidos pelo corpo. Também existe pouca
ou nenhuma quebra dos ésteres de colesterol ou dos
ésteres das vitaminas lipossolúveis. Na verdade, a lipólise
gástrica é dispensável em indivíduos saudáveis por causa do
excesso acentuado de enzimas pancreáticas.
A maior parte da lipólise ocorre no intestino delgado dos
indivíduos saudáveis. O suco pancreático contêm três
importantes enzimas lipolíticas, que têm suas atividades
otimizadas em pH neutro. A primeira delas é a lipase
pancreática. Essa enzima difere da enzima gástrica por ser
capaz de hidrolisar as posições 1 e 2 do triglicerídeo,
produzindo grande quantidade de ácidos graxos livres e
monoglicerídeos. Em pH neutro, as cabeças dos ácidos
graxos livres têm carga; assim, essas moléculas migram
para a superfície das gotículas de óleo. A lipase também
apresenta paradoxo aparente, onde é inibida pelos ácidos
biliares, que também fazem parte do conteúdo do intestino
delgado. Os ácidos biliares se adsorvem à superfície das
micelas de óleo, por isso poderiam causar a dissociação da
lipase. Entretanto, a atividade da lipase é mantida por um
cofator importante, a colipase, que também faz parte do
suco pancreático. A colipase é uma molécula ponte que se
liga aos ácidos biliares e à lipase; ela ancora a lipase às
gotículas de óleo, mesmo em presença dos ácidos biliares.
O suco pancreático também contêm duas enzimas
adicionais, importantes para a digestão da gordura. A
primeira delas é a fosfolipase A2, que hidrolisa os
fosfolipídeos, como os presentes nas membranas celulares,
resultando na formação de lisolecitina e ácidos graxos.
Previsivelmente, essa enzima pode ser bastante tóxica na
ausência de substratos da dieta, por isso é secretada como
pró-forma inativa que só é ativada quando atinge o intestino
delgado. Além disso, o suco pancreático contêm a chamada
colesterol esterase relativamente inespecífica, que pode
quebrar não só os ésteres de colesterol, como seu nome
implica, mas também os ésteres de vitaminas lipossolúveis,
e até mesmo triglicerídeos. É interessante que essa enzima
requer ácidos biliares para sua atividade (diferentemente da
lipase) e é relacionada à enzima produzida no leite materno,
com participação importante na lipólise em recém-nascidos.
À medida que ocorre a lipólise, seus produtos são movidos
das micelas lipídicas; primeiro, para a fase lamelar, ou
membranosa, e subsequentemente para micelas mistas,
compostas por produtos lipolíticos e ácidos biliares. Os
ácidos biliares anfipáticos (têm as faces hidrofóbica e
hidrofílica) servem para proteger as regiões hidrofóbicas dos
produtos lipolíticos da água, enquanto apresentam próprias
faces hidrofílicas em ambiente aquoso. As micelas ficam, na
verdade, em solução, por isso aumentam a solubilidade do
lipídio no conteúdo intestinal. Isso aumenta a intensidade ou
velocidade com que as moléculas, como os ácidos graxos,
podem se difundir para a superfície intestinal absortiva.
Dada a grande área de superfície do intestino delgado e a
considerável solubilidade dos produtos da hidrólise dos
triglicerídeos, as micelas não são essenciais para a absorção
dos triglicerídeos. Por esse motivo, os pacientes com
produção insuficiente de ácidos biliares (causada, por
exemplo, por cálculo biliar que obstrui a saída da bile)
normalmente não apresentam má absorção de gordura. Por
sua vez, o colesterol e as vitaminas lipossolúveis são quase
totalmente insolúveis em água; portanto, necessitam de
micelas para serem absorvidos mesmo após terem sido
ingeridos. Assim, se a concentração luminal de ácidos
biliares cair abaixo da concentração crítica de micelas, o
paciente ficará deficiente de vitaminas lipossolúveis
(vitaminas A, D, E e K).

Saiba mais! Alterações da digestão lipídica


podem ocorrer por insuficiência pancreática,
com diminuição ou ausência da secreção de
lipase pancreática. Neste último caso, cerca de
2/3 da gordura da ingesta aparecem nas fezes
(na forma de triglicerídeo). A diminuição da
atividade das enzimas pancreáticas pode
acontecer em várias condições, como
pancreatite, fibrose cística ou outras afecções
pancreáticas. Alterações do pH luminal no
delgado também podem inativar a lipase
pancreática ou mesmo desnaturá-la. Isso pode
ocorrer em consequência de uma hipersecreção
gástrica, como, por exemplo, no gastrinoma ou
na síndrome de Zollinger-Ellison, em que a
gastrina plasmática está sempre elevada devido
a um tumor pancreático secretor de gastrina.
Secreção insuficiente de bicarbonato
pancreático, em caso de pancreatite, pode
também inativar a lipase pancreática.

Absorção dos Lipídeos


Acredita-se que os produtos da digestão da gordura sejam
capazes de atravessar facilmente as membranas
celulares devido à sua lipofilicidade. Entretanto,
evidências recentes sugerem que sua absorção pode ser,
alternativa ou adicionalmente, regulada pela atividade de
transportadores de membrana específicos. Uma proteína
ligante de ácidos graxos na membrana das microvilosidades
parece ser responsável pela absorção de ácidos graxos de
cadeia longa através da borda em escova.
Os lipídeos se diferem dos carboidratos e das proteínas,
em termos de seu destino, após a absorção pelos
enterócitos. Ao contrário dos monossacarídeos e
aminoácidos, que deixam os enterócitos na forma molecular
e entram na circulação porta, os produtos da lipólise são
reesterificados, nos enterócitos, para formar triglicerídeos,
fosfolipídeos e ésteres de colesterol. Esses eventos
metabólicos ocorrem no retículo endoplasmático liso. Ao
mesmo tempo, os enterócitos sintetizam uma série de
proteínas, conhecidas como apolipoproteínas, no retículo
endoplasmático rugoso. Essas proteínas são combinadas
com os lipídeos ressintetizados, para formar estrutura
conhecida como quilomícron, que consiste em núcleo
lipídico (predominantemente triglicerídeo, com muito menos
colesterol, fosfolipídio e ésteres de vitaminas lipossolúveis)
recoberto por apolipoproteínas. Os quilomícrons são
exportados dos enterócitos por processo de exocitose.
Entretanto, ao chegar na lâmina própria, eles são muito
grandes para permear pelos espaços intercelulares dos
capilares da mucosa. Em vez disso, eles são absorvidos por
linfáticos da lâmina própria e passam ao longo da circulação
porta e do fígado.
Por fim, os quilomícrons na linfa entram na corrente
sanguínea pelo ducto torácico e servem como veículo para
transportar lipídeos pelo corpo, para uso pelas células em
outros órgãos. A única exceção para esse transporte,
mediado pelos quilomícrons, são os ácidos graxos de cadeia
média. Esses ácidos são relativamente solúveis em água e
podem permear as junções fechadas dos enterócitos, o que
significa que se desviam doseventos de processamento
intracelular descritos acima e não são incluídos nos
quilomícrons. Por esse motivo, entram na circulação porta e
ficam mais facilmente disponíveis para outros tecidos. Dieta
rica em triglicerídeos de cadeia média pode ser de particular
benefício em pacientes com reservatório inadequado de
ácidos biliares.
5. ÁGUA E ELETRÓLITOS
A fluidez do conteúdo intestinal, especialmente no
intestino delgado, é importante para permitir que a refeição
seja propelida ao longo da extensão do intestino e para
permitir que os nutrientes digeridos se difundam para seus
sítios de absorção. Parte desse fluido é derivado da
ingestão oral, mas, na maioria dos adultos, isto consiste
em apenas 1 ou 2 L/dia derivados do alimento e da bebida.
Fluido adicional é suprido pelo estômago e pelo próprio
intestino delgado, bem como pelos órgãos que drenam para
o trato gastrointestinal. No total, essas secreções adicionam
outros 8 L, o que significa que o intestino recebe quase 9 L
de fluido por dia. Entretanto, em indivíduos saudáveis,
somente em torno de 2 L desse total passa para o cólon para
reabsorção e, eventualmente, apenas 100 a 200 mL saem na
evacuação. Assim, o transporte de fluido pelo intestino
enfatiza a absorção. Durante o período pós-prandial, essa
absorção é promovida, predominantemente, no intestino
delgado via efeitos osmóticos da absorção dos nutrientes.
Esse gradiente osmótico é estabelecido através do epitélio
intestinal, que, simultaneamente, impede o movimento da
água pelas junções fechadas.
O sódio consiste no principal eletrólito do líquido
extracelular; é absorvido em todo o trajeto intestinal,
embora sua absorção diminua no sentido cefalocaudal, por
redução da área absortiva. É altamente responsável pela
manutenção da volemia, estando envolvido com os
processos absortivos intestinais de vários substratos
orgânicos, como glicose, galactose, aminoácidos, várias
vitaminas hidrossolúveis, sais biliares etc.
O conteúdo do intestino delgado é isotônico e tem
aproximadamente a mesma concentração de Na+ que a do
plasma, ou seja, cerca de 140 mEq/L. Sendo assim, no
delgado, a absorção de Na+ normalmente acontece na
ausência de um gradiente de potencial eletroquímico
significante, entre o lúmen intestinal e o compartimento
intersticial vascular. Como pouco Na+ é eliminado por via
intestinal (cerca de 40 mEq/L), este íon é extensivamente
reciclado. A taxa de absorção resultante do Na+ é mais alta
no jejuno, em acoplamento com solutos orgânicos (por
cotransporte). O Na+ move-se do lúmen intestinal para o
interior das células do delgado, através da membrana apical,
a favor do seu gradiente de potencial eletroquímico; com
isso, provê a energia para o transporte dos solutos
orgânicos, por mecanismo de transporte ativo secundário.
Subsequentemente, o Na+ é transportado de modo ativo
para fora das células epiteliais pela Na+/ K+-ATPase da
membrana basolateral.
Mesmo que o transporte efetivo de água e de eletrólitos
no intestino delgado ocorra, predominantemente, segundo o
vetor absortivo, isso não implica que o tecido não participe
da secreção de eletrólitos. Essa secreção é regulada em
resposta a sinais originados no conteúdo luminal e na
deformação da mucosa ou da distensão abdominal, ou de
ambos. Secretagogos críticos incluem a acetilcolina, o VIP, as
prostaglandinas e a serotonina. A secreção garante que o
conteúdo intestinal fique apropriadamente fluido enquanto a
digestão e a absorção estão ocorrendo, e pode ser
importante para lubrificar a passagem das partículas de
alimento ao longo do intestino. Por exemplo, algumas
evidências clínicas sugerem que a constipação e a obstrução
intestinal, a última sendo observada na fibrose cística,
podem ocorrer quando a secreção é anormalmente baixa.
A maioria do fluxo secretório de fluido para o lúmen é
impulsionada pela secreção ativa de íons cloreto. Alguns
segmentos do intestino podem participar de mecanismos
secretórios adicionais, como a secreção de íons bicarbonato.
Presumivelmente, esse bicarbonato protege o epitélio,
particularmente nas porções mais proximais do duodeno,
imediatamente abaixo do piloro, da lesão causada pelo ácido
e pela pepsina.
6. FUNÇÕES METABÓLICAS DO
FÍGADO
O fígado é órgão grande, multilobado, localizado na
cavidade abdominal, cujo funcionamento está
estreitamente relacionado ao funcionamento do
sistema gastrointestinal. O fígado é o primeiro local de
processamento da maior parte dos nutrientes absorvidos,
também secreta ácidos biliares que desempenham papel
decisivo na absorção dos lipídeos da ingestão alimentar.
Além disso, o fígado é uma usina de energia metabólica,
fundamental para a retirada de vários produtos metabólicos
residuais e compostos químicos estranhos ao nosso
organismo, por meio da conversão dessas substâncias em
formas que podem ser excretadas. O fígado armazena e
produz inúmeras substâncias necessárias ao corpo, como
glicose, aminoácidos e proteínas do plasma. De modo geral,
as funções-chave do fígado podem ser divididas por três
áreas: (1) as contribuições para o metabolismo de todo
corpo, (2) a destoxificação e (3) a excreção de produtos
residuais ligados às proteínas e de produtos residuais
lipossolúveis.

Funções no metabolismo dos


carboidratos
O fígado desempenha papel importante no metabolismo
da glicose ao se encarregar da gliconeogênese, que é a
conversão de outros açúcares em glicose. O fígado também
armazena glicose na forma de glicogênio, nos momentos em
que ela está em excesso (como no período pós-prandial), e
libera a glicose armazenada para a corrente sanguínea,
quando ela é necessária.
Esse processo hepático é conhecido como “função
tampão da glicose”. Quando o funcionamento do fígado
está comprometido, as concentrações de glicose no sangue
podem subir excessivamente após a ingestão de
carboidratos.
De modo inverso, entre as refeições, pode ocorrer
hipoglicemia, em razão da incapacidade do fígado de
participar do metabolismo dos carboidratos e da
interconversão de um açúcar em outro.
Função no metabolismo dos
lipídeos
Os hepatócitos também participam do metabolismo dos
lipídeos. Essas células são fonte, particularmente, rica em
enzimas metabólicas engajadas no processo de oxidação
dos ácidos graxos, que fornece energia para outras
funções do corpo. Os hepatócitos também convertem
produtos do metabolismo dos carboidratos em lipídeos, que
podem ser armazenados no tecido adiposo e sintetizam
grandes quantidades de lipoproteínas, colesterol e
fosfolipídeos. Esses dois últimos são importantes para a
biogênese das membranas celulares. Além disso, os
hepatócitos convertem parte considerável do colesterol
sintetizado em ácidos biliares.

Função no metabolismo das


proteínas
O fígado também desempenha papel vital no metabolismo
das proteínas. Ele sintetiza todos os chamados
aminoácidos não essenciais, cuja presença não é
necessária nos alimentos consumidos, além de participar da
interconversão e da desaminação dos aminoácidos,
processos cujos produtos podem entrar nas vias
biossintéticas, relacionadas à síntese de carboidratos.
Com exceção das imunoglobulinas, o fígado sintetiza
quase todas as proteínas presentes no plasma, sobretudo a
albumina, que determina a pressão oncótica do plasma,
bem como a maioria dos fatores de coagulação.
Os pacientes com doenças hepáticas podem manifestar
edema periférico, secundário à hipoalbuminemia e também
são suscetíveis a sangramentos. Por fim, o fígado é o local
crucial para a remoção do organismo da amônia, formada no
catabolismo proteico. Para ser eliminada, a amônia precisa
ser convertida em ureia, que pode, então, ser excretada
pelos rins.

7. METABOLISMO DA
BILIRRUBINA
Formação e secreção da bile
A bile é um líquido excretor que desempenha papel
importante na digestão dos lipídeos. A formação da bile
começa nos hepatócitos, que transportam ativamente
solutos para os canalículos biliares, através da membrana
apical. A bile é solução micelar cujos principais solutos são
os ácidos biliares, a fosfatidilcolina e o colesterol, na
proporção aproximada 10:3:1, respectivamente.
A secreção desses solutos desencadeia movimento
concomitante de água e de eletrólitos, através das junções
fechadas (tight junctions) que unem os hepatócitos
adjacentes e, desse modo, a bile canalicular é formada. A
maior parte do fluxo biliar é composta por ácidos biliares,
secretados através da membrana apical dos hepatócitos,
pela ação ATPase transportadora, conhecida como bomba
de exportação de sais biliares. A composição do líquido
resultante pode ser modificada mais adiante, à medida que
flui pelos dúctulos biliares (resultando na bile hepática) e,
ainda mais adiante, quando a bile é armazenada na vesícula
biliar (bile vesicular). Por fim, a bile é transformada em
solução concentrada de detergentes biológicos que auxilia
na solubilização dos produtos da digestão dos lipídeos, no
meio aquoso do lúmen intestinal, aumentando, assim, a
velocidade com a qual os lipídeos são transferidos para a
superfície epitelial absortiva. A bile também atua como meio
em que os produtos residuais do metabolismo são
eliminados do corpo.
Formação e Excreção da Bilirrubina
pelo Fígado
A importância do fígado também reside na sua capacidade
de excretar bilirrubina, um metabólito do heme que é
potencialmente tóxico para o organismo. Recentemente, foi
demonstrado que a bilirrubina age como antioxidante, mas
ela também possibilita a eliminação do excesso de heme,
que é liberado da hemoglobina dos glóbulos vermelhos
senescentes. De fato, os glóbulos vermelhos são
responsáveis por 80% da produção de bilirrubina. O restante
provém de outras proteínas que contêm heme, encontradas
em outros tecidos, como o músculo esquelético, e no próprio
fígado. A bilirrubina é capaz de atravessar a barreira
hematoencefálica e, quando em quantidades excessivas,
provoca disfunção cerebral, por razões que ainda não são
bem-compreendidas. Se não for tratada, essa condição
poderá ser fatal.
A bilirrubina e seus metabólitos também se destacam pelo
fato de dar cor à bile, às fezes e, em menor grau, à urina.
Além disso, quando se acumula na circulação, como
resultado de doença hepática, a bilirrubina causa um
sintoma comum, a icterícia, ou seja, o amarelamento da pele
e das mucosas.
A bilirrubina é sintetizada do heme por meio de reação
que ocorre, em duas etapas, no interior das células
fagocíticas do sistema reticuloendotelial, entre elas as
células de Kupffer e as células do baço. A enzima heme
oxigenase, presente nessas células, libera o ferro da
molécula do heme e produz o pigmento verde – biliverdina.
Esse pigmento, por sua vez, pode passar por redução e
originar a bilirrubina amarela. Como essa molécula é,
praticamente, insolúvel nas soluções aquosas com pH
neutro, ela é transportada pelo sangue ligada à albumina.
Quando esse complexo chega ao fígado, penetra no espaço
de Disse, onde a bilirrubina é captada de forma seletiva pelo
transportador OATP localizado na membrana basolateral dos
hepatócitos.
No compartimento microssômico dessas células, a
bilirrubina é conjugada com uma ou duas moléculas de ácido
glicurônico, o que aumenta sua solubilidade em meio
aquoso. A reação é catalisada pela UDP glicuronil
transferase (UGT). Essa enzima é sintetizada, de modo
lento, após o nascimento, fato que explica por que a icterícia
leve é relativamente comum em recém-nascidos. A
bilirrubina conjugada é, então, secretada na bile pela ação
da proteína relacionada com múltiplos fármacos (MRP2),
localizada na membrana canalicular do hepatócito. Vale
destacar que as formas conjugadas da bilirrubina não
podem ser reabsorvidas do lúmen do intestino e isso
garante que elas sejam excretadas. Entretanto, o transporte
da bilirrubina através do hepatócito, mais especificamente,
sua retirada da corrente sanguínea, é um processo
relativamente ineficiente, por isso existe certa quantidade de
bilirrubina conjugada e não conjugada no plasma, mesmo
sob condições normais. Ambas circulam ligadas à albumina,
mas a forma conjugada está ligada mais fracamente e, por
essa razão, pode ser encontrada na urina.
Fase Colônica da Bilirrubina
No cólon, a bilirrubina conjugada é desconjugada pela
ação de enzimas bacterianas, e a bilirrubina liberada é
metabolizada por bactérias que produzem urobilinogênio,
que é reabsorvido, e urobilinas e estercobilinas, que são
excretadas. O urobilinogênio absorvido, por sua vez, pode
ser captado pelos hepatócitos e reconjugado, o que dá a
essa molécula mais uma oportunidade de ser excretada.

Saiba mais! A quantificação da bilirrubina


plasmática, bem como a determinação do tipo
de bilirrubina encontrado (conjugada ou não
conjugada), constitui instrumento importante
para a avaliação da doença hepática. A
presença de bilirrubina não conjugada, a forma
de bilirrubina que, na prática, está totalmente
ligada à albumina e não pode ser excretada na
urina, reflete a deficiência de UGT (ou retardo
temporário e normal de sua maturação nos
bebês), ou a oferta excessiva e súbita de heme
que sobrecarrega o mecanismo de conjugação
(como ocorre nas reações de transfusão e nos
recém-nascidos, com sistema Rhesus
incompatível). A bilirrubinemia conjugada, por
sua vez, é caracterizada pela presença de
bilirrubina na urina. Como consequência, a urina
adquire coloração escura. Esse achado indica a
presença de defeito genético que afeta o
transportador responsável pela secreção do
glicuronídeo e do diglicuronídeo de bilirrubina
para o canalículo, ou bloqueio do fluxo da bile,
talvez causado por cálculo biliar obstrutivo. Nos
dois casos, o fígado produz bilirrubina
conjugada, que, por não ter mais via de saída,
regurgita de volta para o plasma e é, então,
excretada na urina.

8. PROCESSAMENTO DA AMÔNIA
A amônia (N) é pequeno metabólito neutro, que se origina
do catabolismo das proteínas e da atividade bacteriana, e
que passa facilmente pelas membranas. O fígado é o órgão
que mais contribui para a prevenção do acúmulo de amônia
na circulação, porque, como a bilirrubina, a amônia é tóxica
para o sistema nervoso central. Para ser eliminada do
organismo, a amônia é convertida em ureia, após passar por
várias reações enzimáticas no fígado, conhecidas como ciclo
da ureia ou ciclo de Krebs-Henseleit. O fígado é o único
tecido do corpo capaz de converter amônia em ureia.
Existem duas fontes principais de amônia.
Aproximadamente, 50% da amônia do corpo é produzida no
cólon por ureases bacterianas. Dado que o lúmen do cólon é
normalmente pouco ácido, parte dessa amônia é convertida
no íon amônio (NH4+), que não consegue atravessar o
epitélio colônico e, como consequência, é excretado nas
fezes. O restante da amônia atravessa passivamente o
epitélio colônico e é transportado para o fígado pela
circulação porta. A outra fonte importante de amônia
(aproximadamente 40%) são os rins. Pequena quantidade de
amônia (cerca de 10%) provém da desaminação de
aminoácidos no próprio fígado, de processos metabólicos
que ocorrem nas células musculares e da liberação da
glutamina, contida nos glóbulos vermelhos senescentes.
A figura a seguir traz o “balanço da massa” relativo ao
processamento da amônia, em um adulto saudável. Como
notado, a amônia é uma pequena molécula neutra que
atravessa facilmente as membranas das células, sem
necessidade de transportador específico, embora algumas
proteínas membranosas transportem a amônia, incluindo
certas aquaporinas. Seja qual for o mecanismo para o
transporte, as propriedades físico-químicas da amônia
garantem que ela seja retirada, de modo eficiente, das
circulações porta e sistêmica pelos hepatócitos. No interior
dessas células, a amônia entra no ciclo da ureia, onde é
convertida em ureia e, subsequentemente, transportada de
volta para a circulação sistêmica. A ureia é pequena
molécula neutra que, após ser filtrada sem dificuldade no
glomérulo, é parcialmente reabsorvida nos túbulos renais.
Aproximadamente 50% da ureia filtrada é excretada na
urina. A ureia que chega ao cólon é excretada, ou
metabolizada a amônia, pelas bactérias colônicas, e essa
amônia produzida é reabsorvida ou excretada.

Saiba mais! Quando a capacidade


metabólica do fígado é comprometida de forma
aguda, o paciente pode entrar em coma e
morrer rapidamente. Na doença hepática
crônica, os pacientes podem apresentar um
declínio gradual do funcionamento mental que
reflete a ação da amônia e de outras toxinas
que não podem ser removidas pelo fígado. Essa
condição é conhecida como encefalopatia
hepática. O surgimento de confusão, demência
e, por fim, coma em paciente com doença
hepática é evidência da progressão significativa
da doença que, se não for tratada, poderá ser
fatal.
Ê
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aires MM. Fisiologia / Margarida de Mello Aires. 5. ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.
Berne & Levy: Fisiologia / editores Bruce M. Koeppen, Bruce
A. Stanton ; [tradução Adriana Pitella Sudré...[et al.]. – Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009.
Costanzo LS. Fisiologia; revisão técnica Carlos Alberto
Mourão Júnior. – 6. ed. – Rio de Janeiro : Guanabara Koogan,
2015.
Guyton AC; Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
3. FUNÇÃO RENAL
Para melhor compreender os exames laboratoriais que
permitem a avaliação da função renal, é necessário fazer
uma revisão anatômica e funcional deste órgão.

1. O RIM
Os rins encontram-se fora da cavidade peritoneal. Cada
rim em um adulto pesa aproximadamente 150 gramas. O rim
é recoberto por uma cápsula dura e fibrosa, que protege
suas delicadas estruturas internas. As duas principais
regiões do rim são o córtex externo e a medula interna. A
medula é dividida em 8 a 10 massas de tecido em forma de
cone chamadas de pirâmides renais. A base de cada
pirâmide origina-se na borda entre o córtex e a medula, e
termina na papila, que se projeta para dentro do espaço da
pelve renal, uma continuação da extremidade superior do
ureter, em forma de funil. A borda externa da pelve é
dividida em bolsas abertas denominadas grandes cálices,
que se estendem para baixo e se dividem em cálices
menores, que coletam a urina dos túbulos de cada papila. As
paredes dos cálices, da pelve e do ureter contêm elementos
contráteis que impulsionam a urina em direção à bexiga,
onde é armazenada até que seja eliminada pela micção.
Figura 1. Estrutura dos rins. Fonte: solar22/Shutterstock.com..

Vascularização renal
O sangue flui para cada rim através da artéria renal, que
se ramifica progressivamente para formar as artérias
interlobares, artérias arqueadas, artérias
interlobulares e as arteríolas aferentes, que levam aos
capilares glomerulares, onde a filtração dos líquidos e dos
solutos começa. Os capilares de cada glomérulo se juntam
para formar uma arteríola eferente, que leva a uma
segunda rede capilar, os capilares peritubulares, que
circundam os túbulos. Os capilares peritubulares se
esvaziam nos vasos do sistema venoso, que correm
paralelos aos vasos arteriolares, e progressivamente formam
a veia interlobular, veia arqueada, veia interlobar e
veia renal. A veia renal deixa o rim ao longo da artéria
renal e do ureter. Os vasa recta são capilares peritubulares
especializados que se estendem para o interior da medula
renal e cursam paralelamente às Alças de Henle. A parte
externa do rim, o córtex renal, recebe a maioria do fluxo
sanguíneo do rim; e apenas 1% a 2% do total do fluxo
sanguíneo renal passa pelos vasa recta, que suprem a
medula renal. Duas características distintas da circulação
renal são a alta taxa de fluxo de sangue e a presença de dois
leitos capilares, os capilares glomerulares e peritubulares,
que são arranjados em série e separados pelas arteríolas
eferentes. Os capilares glomerulares filtram grandes
quantidades de líquidos e solutos, a maioria dos quais são
reabsorvidos dos túbulos renais nos capilares peritubulares.

O néfron
É a unidade funcional dos rins. Podemos descrevê-lo como
uma estrutura microscópica formada por Corpúsculos de
Malpighi, contendo o sistema tubular, composto pelo túbulo
contorcido proximal, alça de Henle, túbulo contorcido distal
e, finalmente, o túbulo coletor. O néfron se responsabiliza
pelos dois principais processos que envolvem a gênese da
urina, a produção do filtrado glomerular nos Corpúsculos de
Malpighi e o complexo processamento deste filtrado em seu
sistema tubular. O Corpúsculo de Malpighi, os túbulos
contorcidos proximal e distal e a parte inicial do túbulo
coletor são elementos corticais, enquanto a alça de Henle e
a maior parte dos túbulos coletores fazem parte da zona
medular.
Figura 2. Microcirculação do néfron. Fonte:Blamb/Shutterstock.com

Funções renais
Os rins são órgãos excretores e reguladores que eliminam
o excesso de água e metabólitos do organismo controlam o
volume de líquidos corporais, contribuindo para a
manutenção da homeostase. Dentre suas várias funções,
podemos citar:

Excreção de metabólitos e substâncias


exógenas
Metabólitos como a ureia, a creatinina, o ácido úrico e
substâncias exógenas, como medicamentos e outros
produtos químicos que não fazem parte do metabolismo
corpóreo, são filtrados e excretados através da urina.

Produção e secreção hormonal


Os rins produzem e secretam a renina, uma proteína
importante no controle da pressão arterial; o calcitrol ou
vitamina D3, forma ativa da vitamina D, necessária para a
reabsorção de íons cálcio no trato gastrointestinal e para a
deposição de cálcio nos ossos; e a eritropoietina, hormônio
que estimula a produção de eritrócitos pela medula óssea.

Regulação do equilíbrio eletrolítico e


ácido-base
Os rins regulam a excreção de íons inorgânicos, tais como
Na+, K+, Cl-, HCO3-, H+, Ca2+ e PO43-, fazendo com que as
quantidades ingeridas sejam iguais às excretadas e, assim,
não haja balanço negativo ou positivo de nenhuma delas. O
pH sanguíneo ideal é em torno de 7,4 , e os rins, juntamente
com o fígado e com os pulmões, agem através de sistemas
de tamponamento temporários ou definitivos para mantê-lo
constante.

Neoglicogênese
Em situações de jejum prolongado ou diabetes mellitus
descompensada, os rins são capazes de sintetizar glicose a
partir de aminoácidos e outros precursores.

Regulação da pressão arterial


A pressão arterial (PA) depende basicamente do débito
cardíaco e da resistência periférica total, e o aumento dessas
duas variáveis, em um indivíduo saudável, não é capaz de
alterar sua pressão arterial média a longo prazo porque os
rins atuam para manter o ponto de equilíbrio da PA através
do débito renal de água e sal. Caso ocorra aumento da PA, o
débito renal de água e sal aumenta na tentativa de diminuí-
la – as excreções de água e de sal pela urina são fenômenos
denominados de diurese e natriurese pressóricas,
respectivamente. Os dois mecanismos principais pelos quais
os rins controlam esse débito renal de água e sal são:
• Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona: a renina
é uma enzima armazenada nas células
justaglomerulares na forma de pró-renina. Quando a
PA diminui, a renina é liberada e age sobre o
angiotensinogênio, que é ativado e transforma-se em
angiotensina I, que é catalisada nos vasos
pulmonares e transforma-se em angiotensina II, um
potente vasoconstritor que promove a
vasoconstrição das artérias e a leve vasoconstrição
das veias, aumentando o retorno venoso e o
bombeamento cardíaco. A angiotensina II também
promove a reabsorção de sódio pelos túbulos
proximais e a produção de aldosterona pelo córtex
adrenal. A aldosterona também provoca o aumento
da reabsorção de sódio, aumentando assim o volume
extracelular e contribuindo para o aumento da
pressão arterial. Este sistema é controlado por
feedback negativo, sendo desestimulado pela
redução da PA.

• Peptídeo natriurético atrial: este mecanismo é


antagônico ao sistema renina-angiotensina-
aldosterona, pois estimula a diminuição da pressão
arterial. O peptídeo natriurético atrial (PNA) é
produzido pelos miócitos atriais quando o volume
sanguíneo aumenta, provocando o estiramento do
músculo cardíaco. O PNA promove a vasodilatação
da arteríola aferente e a vasoconstrição da arteríola
eferente, aumentando a taxa de filtração glomerular
e, portanto, a carga filtrada de sódio, além de inibir a
reabsorção de sódio, agindo diretamente nas células
do ducto coletor. Também inibe a secreção de renina
e a liberação hipotalâmica de ADH, diminuindo a
permeabilidade dos ductos coletores à água e
aumentando o volume da urina.

Hora da revisão: Formação da urina: a


primeira etapa na formação da urina é a
filtração que ocorre na cápsula glomerular,
sendo um processo passivo. Caracteriza-se pela
saída do filtrado do plasma do interior do
glomérulo para a cápsula, e isso ocorre em
virtude da alta pressão do sangue neste local. O
chamado filtrado glomerular, ou urina inicial, é
livre de proteínas e assemelha-se ao plasma
sanguíneo. O filtrado resultante da etapa da
filtração apresenta substâncias que são
bastante importantes para o organismo e
devem ser reabsorvidas. A reabsorção ocorre no
túbulo néfrico, principalmente nos túbulos
proximais, e é importante para evitar a perda
excessiva de substâncias, tais como água,
sódio, glicose e aminoácidos. Este processo é
responsável por determinar como será a
composição final da urina. A concentração da
urina formada é regulada através da secreção
de ADH (hormônio antidiurético) pela neuro-
hipófise. Este hormônio atua aumentando a
permeabilidade dos túbulos distais e ductos
coletores, fazendo com que ocorra uma maior
reabsorção de água. A liberação de ADH é maior
quando bebemos pouca água, pois é uma forma
de o corpo diminuir a eliminação desta
substância que está escassa no momento. É
importante frisar que algumas substâncias
estão em concentrações muito elevadas no
nosso organismo; sendo assim, elas não são
completamente reabsorvidas e parte é perdida
na urina. Indivíduos portadores de diabetes
mellitus, por exemplo, apresentam grande
quantidade de glicose no sangue e,
consequentemente, na urina. Algumas
substâncias presentes no sangue e que são
indesejáveis ao organismo são absorvidas pelas
células do túbulo contorcido distal. Ácido úrico e
amônia fazem parte dessas substâncias que são
retiradas dos capilares e lançadas ao líquido
que formará a urina. Após passar por toda a
extensão do túbulo néfrico, a urina está
formada e é então conduzida até os ureteres,
que a levarão até a bexiga, onde permanecerá
até sua eliminação.

Saiba mais! O aumento da ingesta de NaCl


tem maior capacidade de elevar a PA do que o
aumento da ingesta de água, pois, enquanto a
água pura é eliminada pela urina por osmose
quase na mesma velocidade com que é
ingerida, o cloreto de sódio provoca o acúmulo
de líquido extracelular e, portanto, o aumento
da reabsorção de água e a redução do volume
de urina.

2. FILTRAÇÃO GLOMERULAR
A gênese da urina se inicia com a formação do filtrado
glomerular nos Corpúsculos de Malpighi, um processo
denominado Filtração Glomerular.
Durante seu trajeto ao longo dos capilares glomerulares, o
plasma é, portanto, forçado a atravessar a parede do vaso, o
que resulta na formação de um ultrafiltrado que, a partir de
então, será processado ao longo do néfron. A taxa de
filtração glomerular (TFG), clearence ou ritmo de filtração
glomerular (RFG) corresponde à soma dos RFGs individuais
de cerca de 2 milhões de glomérulos. Esses milhões de
glomérulos que constituem os rins filtram cerca de 120-180
L de plasma por dia (média: 140 L/dia), o que dá
aproximadamente 80-120 mL/min de filtrado, sendo essa a
TFG normal. A determinação direta do RFG é evidentemente
impossível, o que torna necessário calculá-lo mediante o
emprego de compostos que funcionam como marcadores.
Para este objetivo, é essencial o conceito de depuração,
mais conhecida por seu equivalente em inglês, clearance.
Define-se a taxa de depuração plasmática, ou clearance, de
uma substância “x” como o fluxo de plasma depurado dessa
substância na unidade de tempo. Este fluxo, habitualmente
expresso em mL/min, é calculado dividindo-se a massa de
“x” excretada na urina (igual ao produto da concentração
urinária de “x”, U, pelo fluxo urinário, V) pela concentração
plasmática de “x”, representada por P. O clearance de x, C,
é, portanto, calculado por:

Legenda:
C: clearence de uma substância
U: concentração urinária da substância
V: fluxo urinário
P: concentração plasmática da substância

Para melhor compreender o significado fisiológico do


clearance é útil considerar alguns casos particulares. Quando
uma substância não é excretada na urina, seu clearance
renal, calculado pela fórmula descrita acima, é zero, ou seja,
o volume de plasma depurado dessa substância é nulo. É o
caso, por exemplo, da IgM, totalmente retida pela parede
glomerular devido a suas dimensões; e da glicose, filtrada
livremente, mas totalmente reabsorvida nos túbulos. Por
outro lado, se os rins eliminam completamente a massa de
uma substância que chega a eles pela circulação, a taxa de
excreção urinária será exatamente igual ao fluxo da
substância que alcança as artérias renais.

Saiba mais! A taxa de filtração glomerular


(TFG) é determinada pelo equilíbrio das forças
hidrostáticas e coloidosmóticas (também
chamadas de oncóticas) que agem nas
membranas dos capilares da cápsula de
Bowman. A pressão hidrostática é exercida
pelos líquidos e força-os através dos poros dos
capilares para o espaço intersticial, estando em
torno de 60 mmHg no capilar glomerular e 18
mmHg na cápsula de Bowman, justamente para
que os líquidos sejam “empurrados” do local de
maior pressão para o de menor pressão. Já a
pressão coloidosmótica é exercida pelas
proteínas e faz com que os líquidos se movam
do interstício para o sangue. Ela está presente
apenas nos capilares, uma vez que na cápsula
de Bowman não há proteínas. A pressão
oncótica nas arteríolas aferentes é de 28 mmHg
e nas eferentes é de 36 mmHg, resultando
numa média de pressão no capilar glomerular
de 32 mmHg, que ainda é menor que a pressão
hidrostática na cápsula, impedindo o influxo de
líquido do glomérulo para o capilar. Cerca de
125 mL de sangue são filtrados por minuto,
totalizando aproximadamente 180 L por dia. O
fluxo sanguíneo renal corresponde a
aproximadamente 22% do débito cardíaco e
tem por finalidade suprir os rins com nutrientes
necessários e remover produtos indesejáveis.

A estimativa do RFG é parte essencial da avaliação clínica,


uma vez que muitas nefropatias evoluem de modo
assintomático, tendo como único sinal de alerta a queda do
RFG. Nesses casos, o RFG funciona como um indicador
indispensável da função renal, embasando o diagnóstico de
insuficiência renal, quando apresenta valores reduzidos; ou
indicando a recuperação da função renal à medida que
retorna aos valores de referência. Nem sempre o achado de
um RFG normal indica que os glomérulos estão
perfeitamente hígidos. Se a permeabilidade das paredes dos
capilares glomerulares for significativamente maior do que
zero, pode haver perda de proteínas na urina, denominada
proteinúria, mesmo em face de um RFG normal.

Patologias que promovem a queda


da TFG
Hipertensão Arterial Sistêmica
A elevação da pressão arterial sistêmica promove
alterações significativas na microcirculação glomerular, que
a protegem contra a agressão mecânica. A pressão capilar
glomerular é mantida em níveis praticamente normais
graças ao mecanismo fisiológico de autorregulação do RFG,
mas, se a hipertensão se mantiver por tempo suficiente
(meses ou anos), a faixa de autorregulação pode deslocar-se
para a direita, acomodando-se, por exemplo, entre 100 e
180 mmHg, em vez dos 70 a 150 habituais. Por outro lado, a
exposição contínua da parede da arteríola aferente a níveis
pressóricos elevados pode provocar o aparecimento de
lesões estruturais sérias, como hialinose arteriolar, que
podem alterar a resposta miogênica, retardando e/ou
limitando o mecanismo de autorregulação.
Saiba mais! A correção intempestiva da
hipertensão, trazendo abruptamente a pressão
arterial a valores “normais”, mas abaixo do
limite inferior de autorregulação do paciente,
pode reduzir drasticamente o RFG, precipitando
a instalação de uma injúria/insuficiência renal
aguda. Por este motivo, em hipertensos de
longa data, especialmente nos que já
apresentam função renal reduzida, é necessário
cautela ao prescrever medicações anti-
hipertensivas, baixando a pressão arterial em
torno de 20% ao dia, até atingir o alvo, que não
pode ser excessivamente ambicioso (o limite de
140 x 90 mmHg é geralmente adequado nesses
casos).

Doença Renal Crônica


Seja qual for a causa primária da DRC, sua progressão leva
invariavelmente à redução gradativa do número de néfrons.
Em consequência, a taxa de filtração por néfron
remanescente aumenta muito, podendo atingir o dobro ou
até o triplo do normal, atenuando assim a queda do RFG,
que é inevitável.

Estados de hipovolemia
As hipovolemias graves usualmente são acompanhadas de
uma queda acentuada da pressão arterial. Além disso, ocorre
vasoconstrição generalizada, inclusive na microcirculação
renal, particularmente nas arteríolas aferentes, como parte
do esforço do organismo para impedir ou atenuar a queda da
pressão arterial. Pacientes nefróticos e portadores de
insuficiência cardíaca congestiva também podem evoluir
com má perfusão renal, na primeira condição por redução
real da volemia e, na segunda, por baixo débito cardíaco.

Obstrução urinária
O processo de filtração glomerular pode ser severamente
limitado ou totalmente interrompido quando as vias urinárias
são obstruídas por cálculos renais, tumores ureterais,
tumores pélvicos com compressão extrínseca ou invasão dos
ureteres ou da bexiga, fibrose retroperitoneal e hiperplasia
prostática, entre outras anomalias. Previsivelmente, a
pressão hidráulica no interior das vias urinárias obstruídas se
eleva, transmitindo-se aos túbulos renais e ao espaço de
Bowman.

Redução da TFG com a idade


Mesmo em indivíduos saudáveis, pode haver uma
tendência à redução progressiva do RFG com a idade. Este
processo envolve a esclerose progressiva dos glomérulos e a
atrofia dos túbulos correspondentes, embora os mecanismos
celulares e moleculares envolvidos não sejam ainda
conhecidos.

Marcadores da filtração glomerular


Creatinina
O marcador mais frequentemente empregado na prática
clínica é a creatinina, um subproduto do metabolismo
muscular que é formado através da creatina produzida pelo
fígado, pâncreas e rim, e é transformado em fosfocreatina
nos músculos e cérebro. A creatinina propriamente dita só é
formada no músculo esquelético e é excretada quase
totalmente por filtração glomerular.

O aumento da creatinina sérica (VN: 06 – 1,3 mg/dL) está


sempre associado a uma disfunção renal, porque este
aumento pode ter dois significados clínicos: ou o rim não
está conseguindo excretar este composto ou a quantidade
elevada dessa creatinina irá lesar o rim, pois ela é tóxica
para este órgão em concentrações elevadas. Apesar dessa
associação, a creatinina não é o melhor parâmetro de
marcador de filtração glomerular, e isso se deve a alguns
fatores, descritos abaixo:
• Baixa sensibilidade na disfunção inicial, ou seja,
nas lesões iniciais do rim a creatinina ainda não tem
uma elevação, o que ocasiona a perda da janela
terapêutica ideal.

• Baixa especificidade na disfunção avançada,


porque a creatinina não é um marcador quantitativo,
ou seja, a piora do quadro de pacientes com doença
renal crônica não é refletida no aumento da
creatinina.

• Dependente da massa muscular, visto que ela é


produzida nos músculos.

• A partir desses fatores, pensou-se em utilizar o


clearence de creatinina para a avaliação renal,
usualmente utilizando urina coletada durante 24
horas. Os pontos positivos da utilização deste
método são:

• Boa correlação com o clearence da inulina, que é o


marcador padrão-ouro da taxa de filtração
glomerular.

• A excreção da creatinina é constante durante o dia,


não havendo variação.

• A avaliação é simples, barata e reprodutível.

Há, no entanto, duas limitações importantes ao uso do


clearance de creatinina. Em primeiro lugar, a creatinina não
é propriamente um marcador perfeito do RFG, uma vez que
é secretada em pequenas quantidades pelo túbulo proximal,
mas isso não chega a causar um erro substancial em
pacientes com função renal próxima ao normal. Se, no
entanto, o RFG estiver muito baixo, essa secreção tubular
pode representar uma fração considerável da taxa de
excreção urinária de creatinina. Em tais casos, o clearance
de creatinina pode superestimar significativamente o RFG.

Se liga! Se o clearence de creatinina for o


meio mais acessível no momento para estimar
a taxa de filtração glomerular, pode-se fazer
uso da cimetidina, que é uma medicação que
inibe a secreção de creatinina pelo túbulo
proximal, melhorando a acurácia do exame.

Por outro lado, algumas drogas podem reduzir a excreção


de creatinina, elevando seu nível plasmático e,
consequentemente, exercendo efeito idêntico ao de uma
redução do RFG. Um dos exemplos mais comuns na prática
clínica é o trimetroprim, geralmente formulado em
associação com o sulfametoxazol. Outros medicamentos,
como o fenofibrato, usado no tratamento da
hipertrigliceridemia, também podem promover elevação
transitória na concentração plasmática de creatinina,
podendo simular uma queda do RFG. Há uma segunda e
mais importante limitação ao uso clínico do clearance de
creatinina: em geral, os pacientes encontram dificuldade em
coletar urina, sem perdas, durante 24 horas. Por essa razão,
o RFG é frequentemente subestimado quando avaliado por
este método. Além disso, é frequentemente complicado
transportar o material coletado até algum centro médico,
especialmente quando os pacientes utilizam transporte
público, o que ocorre na maioria das vezes. Devido a essas
limitações, a creatinina é frequentemente utilizada como
indicador da função renal não através da mensuração direta
de seu clearance, mas simplesmente medindo sua
concentração plasmática (Pcreat), a qual mantém uma
relação inversamente proporcional ao RFG. Essa relação fica
mais nítida quando expressa em forma gráfica, que mostra
claramente que aumentos relativamente modestos de Pcreat
podem indicar quedas consideráveis do RFG. Deve-se
ressaltar que a curva exposta no gráfico a seguir só se aplica
a situações estacionárias, ou seja, aquelas em que as taxas
de produção e de excreção urinária de creatinina são iguais
e, portanto, a Pcreat é estável, que é o que ocorre na
situação normal e na DRC. Portanto, se a função renal sofrer
uma perda abrupta, ou seja, uma injúria renal aguda (IRA), a
Pcreat pode não ter chegado a um valor estacionário, não
refletindo a real dimensão da queda do RFG. Por este motivo,
durante episódios de IRA, temos de utilizar critérios
diagnósticos um pouco mais complexos, ainda que a
dosagem da creatinina plasmática tenha um lugar de
destaque.
Como já dito para a creatinina sérica, o clearence de
creatinina também é dependente da massa muscular,
variando, portanto, de acordo com a raça, sexo e idade do
indivíduo. Assim, um mesmo valor de Pcreat, por exemplo
1,2 mg/dL (considerado como “normal” pela maioria dos
laboratórios), pode indicar um RFG normal em um homem
musculoso e uma perda considerável de função renal em
uma mulher de compleição miúda. De forma semelhante,
esse mesmo valor de 1,2 mg/dL para a Pcreat pode indicar
uma queda de 30% ou mais do RFG em indivíduos idosos,
cuja massa muscular pode estar diminuída pela alteração de
seu ambiente hormonal e pela inatividade física.
Para facilitar a avaliação do RFG a partir da Pcreat,
desenvolveram-se, a partir da década de 1970, algumas
fórmulas matemáticas que possibilitam a estimativa do
clearance de creatinina a partir da creatinina sérica, levando
em consideração parâmetros como peso corpóreo, idade,
sexo e, em alguns casos, o grupo étnico. A equação mais
conhecida é a de Cock-croft e Gault, descrita há quase 40
anos:

A idade é dada em anos, o peso em quilogramas e o


clearence de creatinina em mg/dL. Existe um fator de
correção para o sexo feminino, representado na fórmula pela
cor vermelha, pois parte-se do pressuposto de que a mulher
tem menos massa muscular do que o homem. Esta fórmula
não consegue ser aplicada em uma situação de IRA, pois,
como já dito anteriormente, não há tempo hábil para que a
creatinina sérica se eleve e estabilize no sangue.
Além dessa, outras fórmulas são importantes atualmente.
Uma delas, frequentemente utilizada, é a MDRD (sigla do
estudo multicêntrico intitulado Modification of Diet in
Renal Disease), através da qual é possível estimar o RFG
(diretamente em mL/min/1,73 m2) a partir da Pcreat e de
outros dados, tais como a etnia e a concentração plasmática
de albumina. Mais recentemente, uma outra fórmula
denominada CKD-EPI (sigla de Chronic Kidney Disease –
Epidemiology Collaboration) foi desenvolvida e conta
com a variável de superfície corpórea. Seus resultados são
promissores e aparentemente ela possui maior precisão do
que a fórmula MDRD, especialmente em indivíduos com RFG
maior que 60 mL/min/1,73 m2, sendo considerada padrão-
ouro atualmente.
Apesar dos pontos positivos, cabem algumas
considerações adicionais com relação à estimativa do RFG
por meio de fórmulas:

• No Brasil, a forte mestiçagem limita o uso do fator


etnia no cálculo de fórmulas como a MDRD e a CKD-
EPI, que nunca foram formalmente validadas nas
condições específicas da população brasileira.

• Há equações apropriadas para crianças e


adolescentes, como a de Schwartz e a de Counahan-
Barratt.

• Em algumas situações específicas, a determinação


direta do Clcreat é preferível ao uso de equações, o
qual pode produzir desvios substanciais, como no
caso de pacientes com amputações, desnutrição
grave, paraplégicos, ascite volumosa, obesos e os
muito idosos. O uso de suplementos contendo
creatina, precursora da creatinina, também pode
conduzir a resultados errôneos quando se estima o
RFG pela Pcreat.

• Conforme descrito anteriormente, essas fórmulas


deixam de ser válidas durante um episódio de IRA,
uma vez que a produção e a excreção de creatinina
não chegam a se igualar.

Ureia
A ureia é o principal produto formado pelo catabolismo
oriundo da conversão da amônia por enzimas hepáticas. Sua
excreção ocorre predominantemente pelo rim. Assim como a
creatinina, a ureia apresenta relação inversa com a TFG.
Ainda, vários fatores podem causar variabilidade da
concentração de ureia sérica, limitando sua utilização como
um marcador de função renal. Dentre estes fatores, sabe-se
que a ureia não é produzida constantemente durante o dia e
a sua concentração sanguínea pode variar com a ingestão
proteica, sangramento gastrointestinal e uso de alguns
medicamentos, como, por exemplo, os corticosteroides;
ressalta-se também que a produção de ureia pode diminuir
na vigência de condições, tais como a insuficiência hepática
e a desnutrição. Além do mais, é importante lembrar que a
ureia é parcialmente reabsorvida após o processo de
filtração e, consequentemente, o cálculo da sua depuração
subestima a TFG. A reabsorção tubular de ureia será mais ou
menos intensa de acordo com o estado volêmico do paciente
(ao reabsorver água no túbulo, também ocorre a reabsorção
de ureia), ou seja, aumenta quando houver depleção do
volume extracelular (por ex., na insuficiência cardíaca
congestiva e desidratação) e diminui na vigência de
expansão de volume (p. ex., infusão salina ou síndrome de
secreção inapropriada do hormônio antidiurético). Na maioria
dos laboratórios de análises clínicas, o valor normal de ureia
varia de 20-40 mg/dL. Por outro lado, a elevação da ureia no
plasma ou soro decorrente de alteração renal é mais precoce
do que a elevação da creatinina, especialmente na
insuficiência renal de origem pré e pós-renal. A concentração
de ureia tende a aumentar com a idade do indivíduo e é
discretamente maior no sexo masculino.

Se liga! Quando a relação entre a ureia


plasmática e a creatinina plasmática está acima
de 30, entende-se que está havendo uma
reabsorção tubular aumentada da ureia e,
provavelmente, o paciente encontra-se
desidratado.

Proteinúria de 24 horas e
microalbuminúria
A parede glomerular funciona como um filtro
extremamente eficiente, através do qual passa apenas uma
quantidade insignificante de proteínas, embora sua
permeabilidade à água e a pequenos solutos seja muito
maior do que a da maioria dos demais capilares do
organismo. A perda, ainda que parcial, dessa função de
barreira pode trazer consequências sérias. A parede
glomerular é constituída de 3 camadas, cada uma das quais
representa um obstáculo independente à passagem de
macromoléculas.

Papel do túbulo proximal na reabsorção


de proteínas
Apesar da alta eficiência da função de barreira do
glomérulo, cerca de 1 g de proteína alcança todos os dias o
espaço urinário. Embora tal quantidade represente uma
proporção ínfima (cerca de 0.0001%) do total de proteínas
que percorre diariamente o capilar glomerular, é necessário
recuperá-la, o que é realizado com eficiência por um
processo de reabsorção no túbulo proximal. Mais de 90%
dessas proteínas que chegam ao espaço de Bowman são
reabsorvidas no túbulo proximal por meio de um processo de
endocitose. A pequena quantidade de proteínas que chega a
atravessar os glomérulos é inevitavelmente retirada de
circulação, seja por reabsorção e hidrólise no túbulo
proximal, seja por perda para o meio externo através da
urina, normalmente em quantidades diminutas (não mais de
50 mg/dia em um indivíduo normal). O processo de
reabsorção de proteínas no túbulo proximal é saturável, uma
vez que a endocitose no túbulo proximal é um processo
limitado pela disponibilidade de sítios de ligação a proteínas.
Assim, o comprometimento da função de barreira glomerular
leva, em um primeiro momento, a um aumento da taxa de
reabsorção de proteínas no túbulo proximal e, quando esta
atinge uma taxa máxima, há perda de proteínas na urina.

Mecanismos básicos da proteinúria


Há três mecanismos básicos para o aparecimento de
proteinúria: 1) aumento da permeabilidade glomerular a
macromoléculas (quebra da barreira glomerular), de longe a
causa mais frequente e grave de proteinúria; 2) diminuição
da capacidade de reabsorção tubular de proteínas; e 3)
produção de proteínas anômalas de baixo peso molecular.
• Proteinúria por aumento da permeabilidade
glomerular a proteínas: o mecanismo mais previsível
de aumento da permeabilidade glomerular a
proteínas é um aumento da presença de poros
“gigantes”, normalmente escassos, que atravessam
a parede do glomérulo. O efeito do aumento da
frequência desses “poros gigantes” é um aumento
predominante da passagem de macromoléculas
como as imunoglobulinas, que sofrem restrição
praticamente total em condições normais. O padrão
da proteinúria resultante obedece a um padrão bem
definido, em que se destaca a presença de proteínas
de alto peso molecular, normalmente ausentes na
urina. No entanto, a proteína urinária predominante
nesses casos é a albumina, porque sua concentração
plasmática é 4 vezes superior à das imunoglobulinas.
Os “poros gigantes” refletem a presença de lesão
estrutural mais séria da parede glomerular. Outra
causa para o aumento da permeabilidade da parede
glomerular é a depleção de cargas negativas, uma
vez que, conforme detalhado anteriormente, é
provável que a passagem de proteínas através da
parede glomerular seja fortemente restringida por
repulsão eletrostática. Se essa barreira elétrica for
atenuada ou rompida, a proteinúria resultante deve
ser constituída quase exclusivamente de albumina e
moléculas de baixo peso molecular, sendo
insignificante a presença de proteínas de alto peso
molecular.
• Proteinúrias por defeito da reabsorção tubular: o
túbulo proximal reabsorve quase toda a proteína que
chega ao espaço urinário, reduzindo a proporções
mínimas, em condições normais, a taxa de excreção
urinária de proteínas. Quando este processo de
reabsorção deixa de funcionar adequadamente,
surge uma proteinúria característica, a proteinúria de
origem tubular. Nesses pacientes, a função de
barreira glomerular está preservada, e o ultrafiltrado
glomerular contêm albumina em concentrações
muito baixas e proteínas de baixo peso molecular,
conforme ocorre em indivíduos saudáveis. No túbulo
proximal, no entanto, as proteínas presentes no
ultrafiltrado glomerular são reabsorvidas em
proporção menor do que o normal, originando uma
proteinúria de intensidade modesta, geralmente
inferior a 2 g/dia. Na urina, o quociente muito baixo
entre as concentrações de albumina e de proteínas
de baixo peso molecular é semelhante ao que seria
obtido no ultrafiltrado glomerular, o que tem valor
diagnóstico, uma vez que tal proporção é
completamente distinta daquela encontrada nas
proteinúrias provocadas por lesão glomerular, nas
quais, como vimos, é amplo o predomínio da
albumina.

• Proteinúria devido à passagem de proteínas


anômalas pelos glomérulos: é relativamente comum
a presença no plasma, particularmente em
indivíduos idosos, de imunoglobulinas produzidas de
forma anômala, frequentemente por um único clone
de linfócitos B. A causa mais comum desta anomalia
é o mieloma múltiplo, que consiste basicamente em
uma proliferação neoplásica de linfócitos B. Outras
doenças, como a amiloidose primária e certos tipos
de linfoma, também podem levar à produção de
imunoglobulinas anômalas. Em uma parcela desses
casos, produzem-se moléculas incompletas de
imunoglobulinas, que são lançadas à circulação e,
por terem peso molecular relativamente baixo,
atravessam com certa facilidade a barreira
glomerular.

Diversos métodos quantitativos estão disponíveis para se


detectar a presença de proteínas na urina, como os métodos
colorimétricos utilizando azul de Coomassie, Ponceau S,
cloridrato de benzetônio e molibdato de pirogalol vermelho.
A avaliação da proteinúria pode ser realizada em amostra de
urina de 24 horas ou em amostra isolada normalizada pela
creatinina urinária. A relação proteínas totais/creatinina tem
sido mais recomendada por ser um método menos sujeito a
erros de coleta. Os valores de referência dependem do tipo
de amostra utilizada, sendo < 300 mg/24 horas ou < 200
mg/g de creatinina. As fitas reagentes são frequentemente
utilizadas para avaliação da proteinúria na primeira urina da
manhã. Estas fitas são específicas para detecção de
albumina e não de proteínas totais, podendo apresentar
resultados divergentes do encontrado em análises
quantitativas; além disso, podem fornecer resultados
falsamente positivos se a urina estiver muito alcalina ou
contaminada com amônia quaternária, clorexidina ou
corrimento vaginal. Dessa forma, é recomendada a
confirmação quantitativa da presença de proteínas na urina
em pacientes que apresentem fita reagente positiva em
amostra isolada.

Proteinúria e microalbuminúria na
prática clínica
A proteinúria assintomática pode assumir qualquer valor
entre 150 mg/dia e 3 g/dia, na ausência de outros achados,
como hematúria. O aumento persistente da excreção
urinária de proteínas, ainda que assintomático e não
acompanhado de hematúria ou perda de função renal,
representa um sinal de alarme e, a princípio, indica a
presença de um processo patológico envolvendo os rins.
Mesmo que seja modesta e não chegue a trazer repercussão
sistêmica, a proteinúria assintomática não deve ser
ignorada. A precisão do diagnóstico e a possibilidade de
detectar uma patologia renal incipiente aumentam muito
quando se mede especificamente a taxa de excreção
urinária de albumina, que indica de modo mais sensível um
aumento da permeabilidade glomerular. A albuminúria ou
microalbuminúria é definida como a presença de 30 mg a
300 mg de albumina em amostra de urina de 24 horas, ou
30 mg a 300 mg de albumina por g de creatinina em
amostra de urina isolada, ou ainda uma taxa de excreção de
20 mg a 200 mg de albumina por minuto. São cada vez
maiores as evidências de que a microalbuminúria é um
indicador sensível de risco cardiovascular, porém, as razões
para essa associação não foram ainda elucidadas. Fica claro,
no entanto, que o aparecimento de microalbuminúria deve
servir como um sinal de alerta, indicando ao clínico não
apenas a necessidade de investigar a existência de uma
nefropatia como também a de considerar com cuidado a
possível presença de um distúrbio do sistema cardiovascular.

Saiba mais! Um exemplo de como a


determinação da microalbuminúria pode ser útil
é fornecido pela nefropatia diabética. Em suas
fases iniciais, a nefropatia diabética não traz
alterações clínicas de importância, ou seja, a
pressão arterial mantém-se em níveis normais,
o RFG está normal ou até mesmo elevado,
como vimos anteriormente, e a função tubular
está preservada. Pode ocorrer já nessa fase, no
entanto, um pequeno aumento da taxa de
excreção urinária de albumina. Portanto, a
determinação da microalbuminúria, que requer
a utilização de métodos especialmente
sensíveis de dosagem, pode ajudar a prever
quais desses pacientes são suscetíveis ao
desenvolvimento de Doença Renal Crônica.

Em resumo, em um paciente de alto risco, seria ideal a


detecção da insuficiência renal no início do processo,
enquanto a taxa de filtração glomerular ainda não está
reduzida, o que seria a janela terapêutica ideal. No entanto,
os marcadores da filtração glomerular começam a dar sinais
dos problemas quando a taxa de filtração glomerular já
começa a cair e já está instalada uma insuficiência renal
aguda pré-renal, tornando menor a janela terapêutica. Por
fim, a creatinina se altera quando já há, de fato, uma IRA e a
taxa de filtração glomerular e janela terapêutica são bem
menores.
Pensando no aumento de sensibilidade dos exames, foram
encontrados alguns outros marcadores da filtração
glomerular, mas eles não costumam ser utilizados na prática
clínica:

Marcadores exógenos
Objetivando viabilizar o emprego de marcadores exógenos
na clínica, as pesquisas se voltaram para o uso de
radiofármacos, que permitem substituir as determinações
químicas complexas por técnicas simples e precisas de
quantificação das amostras no cintilador. As vantagens de
avaliar a TFG usando radioisótopos incluem a possibilidade
de determinar, com grande precisão, quantidades
extremamente reduzidas destes, além de utilizar doses
reduzidas e não tóxicas. As desvantagens desses
marcadores radioativos são a complexidade e o alto custo. O
uso de substâncias radioativas na avaliação traz as
limitações impostas pela natureza dessas substâncias, como
a exigência de uma licença especial para o seu manuseio,
expedida por órgãos reguladores, o que só ocorre após
credenciamento do usuário. Além disso, é preciso avaliar a
exposição do paciente e da equipe técnica, assim como o
destino dos resíduos radiativos.

• Radioativos: I-Iotalamato,
125
Cr-EDTA e
51
mTc-DTPA
99

• Não radioativos: Iotalamato, lohexol e INULINA


INULINA: é um polissacarídeo com peso molecular de
aproximadamente 5.000 D. Em 1935, a inulina foi proposta
como a substância ideal para a medida da TFG, uma vez que
é filtrada pelos glomérulos, não é sintetizada ou
metabolizada pelos túbulos, é fisiologicamente inerte e não
é reabsorvida ou secretada pelos túbulos renais. Exceto por
ser um marcador exógeno, preenche os demais critérios que
um marcador ideal de filtração glomerular deveria
apresentar. Quanto aos métodos de depuração, a inulina tem
sido considerada como o “padrão-ouro”. No entanto, a
despeito da precisão, este método é invasivo e demorado,
requer infusão constante pela exigência de uma
concentração plasmática de inulina em equilíbrio dinâmico,
requer também cateterismo vesical, volume significativo de
amostra de sangue e dosagem laboratorial complexa, o que
torna a implementação do teste complicada.

Marcadores endógenos
Cistatina C (VN: 0,54 – 1,55 mg/L): embora filtrada
livremente através do glomérulo, a cistatina C,
semelhantemente a outras moléculas de baixo peso
molecular, é reabsorvida e metabolizada nos túbulos
proximais. Assim, a concentração sanguínea de cistatina C
depende quase inteiramente da TFG, não sendo afetada pela
dieta, estado nutricional, inflamação ou doenças malignas.
Adicionalmente, a menor variabilidade nas determinações
sanguíneas da cistatina C, sua meia-vida mais curta e o seu
menor volume de distribuição tornam este um marcador de
função glomerular com maior sensibilidade para detectar
diminuições leves da TFG na DRC do que a creatinina e
outras moléculas de baixo peso molecular, no aumento da
cistatina C na vigência de leve diminuição da TFG da ordem
de 70 a 90 mL/min, ou seja, na ”faixa cega“ da creatinina.
Além do mais, estudos recentes mostraram que a cistatina C
se eleva precocemente na insuficiência renal aguda em
pacientes internados em unidades de tratamento intensivo,
após transplante hepático, cirurgia cardíaca, quimioterapia
com cisplatina, angiografia cardíaca e na progressão da
nefropatia diabética. Apesar dos pontos positivos, a cistatina
C, assim como os outros marcadores endógenos (NGAL,
NAG, KIM-1, IL-18), é pouco acessível e muito dispendiosa.
A imagem a seguir resume um pouco do que foi abordado
acerca da relação entre os marcadores e a taxa de filtração
glomerular. Em azul, temos a acurácia do método utilizado e,
em rosa, a disponibilidade destes métodos. O clearence de
ureia, por exemplo, tem alta disponibilidade, mas a sua
acurácia é baixa; já a inulina tem uma acurácia muito alta,
mas praticamente nenhuma disponibilidade.

3. SISTEMA TAMPÃO
Sabe-se que o rim atua com a produção e a reabsorção de
bicarbonato, além de regular o sistema tampão. O ácido
carbônico, pela a ação da anidrase carbônica, pode se
transformar tanto no H+ livre + íon bicarbonato (HCO3-),
quanto no H2O + CO2. Os dois sistemas tampões existentes
no organismo são o pulmonar e o renal, podendo ser
avaliados através da gasometria venosa. Aqui o foco será o
sistema tampão renal.

Dessa forma, temos que:


H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3-
Os rins regulam as concentrações de ácidos e bases no
organismo através da secreção de H+, da reabsorção de
HCO3- e da produção de novo HCO3- a partir da combinação
com outras substâncias-tampão. Em situações de equilíbrio,
para cada H+ secretado na luz tubular, um HCO3- é
reabsorvido pelos capilares. A secreção aumentada de íons
H+ caracteriza um quadro de acidose, enquanto a secreção
reduzida dele caracteriza uma alcalose. Quando a
quantidade de H+ secretada supera a quantidade de HCO3-
absorvida, apenas uma parte desse excesso de hidrogênio
pode ser excretada na urina na forma iônica, uma vez que o
pH mínimo que a urina pode atingir é de 4,5. Esse excesso
de H+, então, pode se combinar com o HPO4- e com o sódio,
formando o sal NaH2PO4, que é excretado na urina, ou com o
NH3, formando o NH4, que se combina com o íon cloreto e
também é eliminado na urina na forma de sal. Na situação
contrária, quando há uma secreção diminuída de H+, os íons
bicarbonato em excesso são excretados pela urina.

Na gasometria venosa, a interpretação de algumas


variáveis é de suma importância para a prática clínica:

• pH: o valor normal está entre 7,35 e 7,45. A


alteração desse valor para menos indicará uma
acidose, enquanto a alteração para mais indica uma
alcalose.

• pCO2: o valor normal está entre 35 – 40 mmHg. A


alteração desse parâmetro pode indicar um distúrbio
ventilatório.
• HCO3: o valor normal está entre 22 – 26 mg/dL. A
redução do valor do bicarbonato pode indicar tanto
uma falha na produção ou reabsorção renal do
bicarbonato quanto um consumo dele, devido a
condições como sepse, excesso de ácido lático e
cetoacidose diabética. De forma geral, o paciente
que tem uma disfunção renal não irá conseguir
manter um bicarbonato adequado, então a reposição
de bicarbonato pode ser indicada mesmo que não
haja uma acidose muito importante.

• Base Excess (excesso de base): o valor normal está


entre -3 – +3. Também estará alterado em casos em
que a função renal não esteja adequada, não
conseguindo manter o bicarbonato em níveis
considerados normais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
Clínica Médica, Volume 3;
Biomarcadores em nefrologia, Sociedade Brasileira de
Nefrologia.
RBAC: Revista Brasileira de Análises Clínicas, 2016
Avaliação da função renal: creatinina e outros
biomarcadores. Revista brasileira de terapia intensiva.
4. FORMAÇÃO DA URINA E
MICÇÃO

1. INTRODUÇÃO
Os rins são órgãos de extrema importância para o
funcionamento e homeostasia do organismo. Muito
conhecido por sua função de filtrar o sangue e eliminar os
elementos indesejados, o rim possui algumas outras funções
significativas nos processos fisiológicos do organismo
humano, como: regulação do equilíbrio de água e eletrólitos,
regulação da osmolaridade dos líquidos corporais, regulação
da pressão arterial, regulação do equilíbrio ácido-base e
outros. Ademais, o processo de formação de urina tem início
na filtração glomerular, de forma que esse filtrado segue por
todo o néfron e sofre algumas alterações (específicas de
cada região), até o ponto de percorrer pelos ureteres e ser
armazenado na bexiga, ocorrendo, por fim, a micção
(processo de esvaziamento da bexiga).

2. FUNÇÕES DO SISTEMA
URINÁRIO
Como dito anteriormente, os rins possuem diversas
funções, sendo basicamente divididas em dois “mundos”, o
da filtração – eliminando o que não for necessário, e o de
regulação – processo que mantém o ambiente interno
estável, proporcionando para as células um ambiente
adequado.
Excreção de produtos indesejados → Os rins são os
meios primários para eliminação de produtos indesejáveis do
metabolismo. Fazem parte desse grupo de produtos: ureia
(metabolismo dos aminoácidos), creatinina (da creatina
muscular), do ácido úrico (metabolismo dos ácidos
nucleicos), produtos finais da degradação da hemoglobina,
como a bilirrubina e metabólitos de vários hormônios. Além
disso, os rins eliminam a maioria das toxinas e das outras
substâncias estranhas ao organismo, como os pesticidas,
fármacos e aditivos alimentícios.
Regulação do equilíbrio de água e eletrólitos → Esse
processo realizado pelos rins tem impacto direto na
manutenção da homeostasia através do controle de
quantidade de água e eletrólitos. Ou seja, quando ocorre, por
algum motivo, seja fisiológico ou patológico, um
desequilíbrio entre esses componentes (água e eletrólitos), é
necessária que ocorra uma restauração do equilíbrio a nível
renal. Como exemplo, a entrada de água e eletrólitos é muito
dependente dos hábitos de vida de cada indivíduo,
requerendo que os rins se ajustem de forma a excretar ou
absorver uma maior quantidade de determinado elemento.

Saiba mais! Os rins possuem uma enorme


capacidade de alterar a excreção de sódio em
resposta às mudanças na ingestão de sódio.
Estudos revelam que essa variação pode ir de
um décimo da taxa normal de ingestão até 10
vezes mais que o normal, sem que haja
alterações significativas no volume de líquido
extracelular ou na concentração plasmática de
sódio.

Regulação da pressão arterial → Os rins possuem um


importante papel na regulação da pressão arterial (PA) a
longo prazo, através da excreção de quantidades variáveis
de água e sódio. Além disso, podem influenciar na PA no
curto prazo por meio da secreção de hormônios e fatores ou
substâncias vasoativas, como a renina.
Regulação do equilíbrio ácido-base → Junto com os
pulmões e os tampões dos líquidos corporais, os rins
contribuem para a regulação do equilíbrio ácido-base do
organismo, através da excreção de ácidos e pela regulação
dos estoques de tampões dos líquidos corporais.

Se liga! Alguns ácidos só conseguem ser


eliminados do organismo pelos rins, como os
ácidos sulfúrico e o fosfórico.

Regulação da produção de eritrócitos → Os rins são


os órgãos responsáveis pela secreção da eritropoetina,
responsável pela estimulação das hemácias pelas células-
tronco hematopoiéticas na medula óssea. Um importante
estímulo para a produção da eritropoetina são as situações
de hipóxia.

Se liga! Indivíduos que possuem uma


doença renal grave, aqueles que tiveram os rins
removidos ou os que fazem hemodiálise
desenvolvem anemia grave, justamente pela
diminuição da produção da eritropoetina.

Produção de vitamina D → Os rins produzem a forma


ativa da vitamina D, a 1,25-dihidroxivitamina D3 (calcitriol).
Dessa forma, possuem uma importante função no
metabolismo ósseo, visto que o calcitriol é essencial para a
absorção de cálcio pelo trato gastrointestinal e pela
deposição normal de cálcio nos ossos.
Síntese da glicose → Nos momentos em que o indivíduo
é exposto a jejuns prolongados, os rins sintetizam glicose a
partir de aminoácidos e outros precursores, num processo
chamado de gliconeogênese.

Se liga! A capacidade renal de adicionar


glicose ao sangue durante o jejum prolongado é
equivalente à capacidade do fígado.
3. FORMAÇÃO DA URINA
A formação da urina resulta na excreção de substâncias
indesejadas ou tóxicas ao organismo e é composta por três
processos renais: filtração glomerular, reabsorção de
substâncias e secreção de substância do sangue para
os túbulos renais. Esse processo tem início quando grande
quantidade de líquido é filtrada dos capilares glomerulares
para o interior da cápsula de Bowman. Com exceção das
proteínas, a maioria das substâncias do plasma é filtrada
livremente, de modo que a concentração dessas substâncias
no filtrado glomerular é a mesma do plasma. Dando
seguimento, conforme o filtrado flui pelos túbulos, ele é
modificado pela reabsorção de água e solutos específicos, ou
pela secreção de substâncias dos capilares para os túbulos.

Figura 1. Formação de urina.. Fonte: VectorMine/Shutterstock.com

Na figura 1, está representada a depuração renal de 4


substâncias hipotéticas. A substância A é livremente filtrada
pelos capilares glomerulares, mas não é reabsorvida e não é
secretada. Logo, a intensidade de excreção é igual a
intensidade com que ela foi filtrada, sendo um exemplo
prático para essa situação a creatinina. A substância B é
livremente filtrada, mas também é parcialmente reabsorvida
pelos túbulos de volta para a corrente sanguínea, fazendo
com que a intensidade de excreção seja menor que a de
filtração pelos capilares glomerulares; logo, a intensidade de
excreção = intensidade de filtração – intensidade de
reabsorção, padrão típico para muitos eletrólitos, como os
íons sódio e cloreto. Já a substância C é livremente filtrada
pelos capilares glomerulares, mas não é excretada na urina,
pois toda a sua fração filtrada é reabsorvida pelos túbulos de
volta para a corrente sanguínea, sendo esse padrão
característico de algumas substâncias nutricionais, como
aminoácidos e glicose. Por fim, o último tipo de substância, a
D, é livremente filtrada pelos capilares glomerulares, não
sendo reabsorvida, mas quantidades adicionais dessa
substância são secretadas do sangue capilar para os túbulos
renais. Esse padrão que ocorre, de forma frequente, com os
ácidos e bases orgânicos, permitindo que essas substâncias
sejam retiradas de forma rápida da corrente sanguínea; logo,
a intensidade de excreção = intensidade de filtração +
intensidade de secreção tubular.
Filtração, reabsorção e secreção de diferentes
substâncias → No geral, a taxa de reabsorção tubular é
mais significativa do que a secreção na formação da urina,
porém, vale destacar que a secreção tem um importante
papel na determinação das quantidades de potássio, íons
hidrogênio e outras substâncias que são excretadas na urina.
Os processos variam muito de intensidade, dependendo da
substância; por exemplo: substâncias como os produtos
finais do metabolismo (ureia, creatinina, ácido úrico e uratos)
são pouco reabsorvidas e, assim, excretadas em grandes
quantidades na urina, assim como alguns fármacos e
substâncias estranhas. De modo contrário, substâncias como
os íons sódio, cloreto e bicarbonato são muito reabsorvidas,
possuindo pequena quantidade eliminada através da urina.
Vale ressaltar que cada um desses processos (filtração,
reabsorção e secreção) é regulado de acordo com as
necessidades corporais.

Se liga! Por que grande quantidade de


solutos é filtrada e depois reabsorvida? Isso
ocorre por dois motivos, basicamente: remoção
rápida de produtos indesejáveis e filtração e
processamento de líquidos corporais várias
vezes por dia.
4. MICÇÃO
Definição → A micção é o nome dado ao processo de
esvaziamento da bexiga. Esse processo envolve,
basicamente, duas etapas principais: enchimento
progressivo da bexiga até que uma tensão em sua parede
seja gerada e atinja o nível limiar, quando dá origem ao
segundo processo, o reflexo nervoso chamado de reflexo da
micção, responsável pelo esvaziamento da bexiga.

Se liga! O reflexo da micção é autônomo,


proveniente da medula espinhal, porém ele
pode ser inibido ou facilitado por centros no
córtex ou tronco cerebrais.

Bexiga → A bexiga é um órgão muscular constituído de


músculo liso e contêm duas partes principais: o corpo, onde
a urina é armazenada, e o colo, extensão afunilada do corpo,
passando inferior e anteriormente ao triângulo urogenital,
conectando-se com a uretra. O músculo liso vesical é
chamado de músculo detrusor, possuindo fibras que,
quando contraídas, podem aumentar a pressão no interior
da bexiga de 40 – 60 mmHg, sendo a contração desse
músculo a etapa principal no esvaziamento da bexiga. Na
parede posterior da bexiga, acima do colo vesical, existe
uma pequena área triangular, conhecida como trígono,
constituída pela abertura da uretra e dos dois ureteres. O
colo vesical, também conhecido como uretra posterior, tem
cerca de 2 – 3 cm de comprimento, é constituído por
músculo detrusor, entrelaçado com grande quantidade de
tecido elástico, sendo o músculo nessa área chamado de
esfíncter interno. Seu tônus mantém o colo vesical vazio,
evitando assim o esvaziamento da bexiga até que a pressão
na porção principal se eleve acima do limiar crítico. Ademais,
após a uretra posterior, a uretra passa pelo diafragma
urogenital, que contêm camada muscular, chamada de
esfíncter externo da bexiga. Esse músculo é do tipo
esquelético voluntário, está sob controle do sistema nervoso
e pode ser usado para evitar, de forma consciente, a micção.
O suprimento nervoso da bexiga é feito, principalmente,
pelos nervos pélvicos que se conectam à medula espinal
pelo plexo sacro, ligando-se aos segmentos medulares S2 e
S3. Além dos nervos pélvicos, dois outros tipos de inervação
são importantes na função vesical, como as fibras motoras
do nervo pudendo, que inervam o esfíncter externo da
bexiga e a inervação simpática das cadeias simpáticas dos
nervos hipogástricos, conectados, na maioria, com o
segmento L2 da medula, tendo como função a estimulação
de vasos sanguíneos, com pouca relação com a contração da
bexiga.
Ureteres → A urina que é recebida pelos ductos coletores,
após o processo de formação da urina, é a mesma que é
excretada através da uretra, pois não existem alterações
significativas em sua composição durante a passagem nos
ureteres, na bexiga e na uretra. Os ureteres são constituídos
de músculo liso, inervado por fibras simpáticas e
parassimpáticas, sendo que essas últimas fibras estimulam
as contrações peristálticas desse músculo, enquanto a
estimulação simpática inibe. O fluxo de urina dos ductos
coletores para o interior dos cálices renais os distende, o que
deflagra a sua atividade marca-passo. Dessa forma, são
estimuladas as contrações peristálticas ureterais, propelindo
a urina da pelve renal em direção à bexiga. Os ureteres
penetram na bexiga pelo músculo detrusor, e o tônus normal
desse músculo comprime a parte do ureter inserida na
parede vesical, evitando, assim, o refluxo de urina da bexiga
quando ocorre aumento da pressão intravesical durante a
micção ou compressão da bexiga.
Figura 2. Anatomia da bexiga. Fonte: ilusmedical/Shutterstock.com

Se liga! Devido à forma como as células


musculares lisas do detrusor são acopladas,
através de vias de baixa resistência, o potencial
de ação pode se difundir por todo o músculo,
causando uma contração simultânea de toda a
bexiga.

Reflexo da micção → Como dito anteriormente, a micção


tem início quando há uma distensão da parede vesical que
rompe o limiar de “ativação”, reflexo esse que é iniciado
pelos receptores de estiramento na parede vesical, situados,
principalmente, na uretra posterior. Através dos nervos
pélvicos, esses sinais são levados aos segmentos sacrais da
medula. Por reflexo, o sinal volta à bexiga pelas fibras
nervosas parassimpáticas pelos mesmos nervos pélvicos.
Quando a bexiga está parcialmente cheia, essas contrações
originadas por esse impulso desaparecem espontaneamente,
ocorrendo relaxamento do músculo detrusor, porém,
conforme a bexiga se enche, os reflexos de micção ficam
mais frequentes e causam maiores contrações do músculo
detrusor. O reflexo da micção é ciclo único completo com –
aumento rápido e progressivo da pressão vesical, período de
pressão sustentada e retorno da pressão ao tônus basal, e,
mesmo que não haja a micção, após o ciclo, os elementos
nervosos desse reflexo permanecem inibidos por alguns
minutos a mais de 1 hora, até que outro reflexo da micção
ocorra. Quando esse reflexo se torna suficiente para esvaziar
a bexiga, ele produz outro reflexo para relaxar o esfíncter
externo através dos nervos pudendos. Vale lembrar que o
reflexo da micção é espinal e totalmente autônomo, mas
pode ser inibido ou facilitado pelos centros cerebrais, como
os centros facilitadores e inibitórios no tronco cerebral
(ponte) e vários centros localizados no córtex cerebral.
Dessa forma, a micção voluntária é iniciada quando o
indivíduo, de forma voluntária, contrai a musculatura
abdominal, o que aumenta a pressão na bexiga e permite
que quantidade extra de urina, pelo aumento da pressão,
entre no colo vesical e na uretra posterior, distendendo suas
paredes. Essa ação, por sua vez, estimula os receptores do
estiramento e desencadeia o reflexo da micção, inibindo,
simultaneamente, o esfíncter uretral externo.
Figura 3. Reflexo da micção. Fonte:Alila Medical Media/Shutterstock.com

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HALL, John Edward; GUYTON, Arthur C. Guyton & Hall
tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2017.
BERNE, Robert M.; LEVY, Matthew N. (Ed.). Fisiologia. 6. ed.
Rio de Janeiro:
5. DISTÚRBIOS DO SÓDIO

1. INTRODUÇÃO
Para que as células do corpo funcionem normalmente, elas
devem estar banhadas por líquido extracelular com
concentração relativamente constante de eletrólitos e outros
solutos. A concentração total de solutos no líquido
extracelular — e, portanto, a osmolaridade —, deve ser
também regulada com precisão para evitar que as células
murchem ou inchem de tamanho. A osmolaridade é
determinada pela quantidade de soluto (principalmente,
cloreto de sódio) dividida pelo volume do líquido extracelular.
Assim, a concentração de cloreto de sódio e a osmolaridade
do líquido extracelular são, em grande parte, reguladas pela
quantidade de água extracelular. Toda a água corporal, por
sua vez, é controlada pela (1) ingestão de líquido, regulada
por fatores determinantes da sede; e (2) excreção renal de
água, controlada por múltiplos fatores que influenciam a
filtração glomerular e a reabsorção tubular.

Regulação da água corporal


Os rins normais têm extraordinária capacidade de variar
as proporções relativas de solutos e água na urina em
resposta aos diversos desafios. Quando existe um excesso
de água no corpo e queda da osmolaridade do líquido
corporal, os rins podem excretar urina com osmolaridade de
até 50 mOsm/L, concentração correspondente a cerca de um
sexto da osmolaridade do líquido extracelular normal. Ao
contrário, quando existe déficit de água no corpo e a
osmolaridade do líquido extracelular se eleva, os rins podem
excretar urina com concentração de 1.200 a 1.400 mOsm/L.
Igualmente importante, os rins podem excretar grande
volume de urina diluída ou pequeno volume de urina
concentrada, sem grandes alterações nas excreções de
solutos, como o sódio e o potássio. Essa capacidade de
regular a excreção de água, independentemente da
excreção de soluto, é necessária para a sobrevivência,
sobretudo quando a ingestão de líquido é limitada.

O hormônio antidiurético controla


a concentração urinária
O corpo conta com um sistema de feedback muito eficaz
para regular a osmolaridade e a concentração do sódio
plasmático. Esse mecanismo atua por meio da alteração na
excreção renal de água, independentemente da excreção de
solutos. Um efetor importante desse feedback é o hormônio
antidiurético (ADH), também conhecido por
vasopressina.
Quando a osmolaridade dos líquidos corporais se eleva
para valores acima do normal (isto é, os solutos nos líquidos
corporais ficam muito concentrados), a glândula hipófise
posterior secreta mais ADH, o que aumenta a
permeabilidade dos túbulos distais e ductos coletores à
água. Esse mecanismo aumenta a reabsorção de água e
reduz o volume urinário, porém sem alterações acentuadas
na excreção renal dos solutos.
Quando ocorre excesso de água no corpo e, por
conseguinte, diminuição da osmolaridade do líquido
extracelular, a secreção do ADH pela hipófise posterior
diminui, reduzindo, consequentemente, a permeabilidade
dos túbulos distais e ductos coletores à água; isso, por sua
vez, leva à excreção de maiores quantidade de urina mais
diluída. Assim, a secreção do ADH determina, em grande
parte, a excreção renal de urina diluída ou concentrada.
O eixo hipotálamo-neuro-hipofisário-renal normalmente
mantém o balanço hídrico durante variações na ingestão
hídrica e perdas não-renais de água. A falha desse
mecanismo é comum em pacientes hospitalizados e resulta
em uma variedade de distúrbios do balanço hídrico.
A regulação do balanço hídrico é governada por um
mecanismo de feedback envolvendo o hipotálamo, a neuro-
hipófise e os rins (Figura 1). Os osmorreceptores no
hipotálamo detectam a osmolaridade plasmática; quando a
osmolalidade plasmática aumenta para níveis acima de um
limiar fisiológico (290 a 295 mOsm por quilograma de água
na maioria das pessoas), há um aumento da secreção do
ADH das terminações nervosas vasopressinérgicas na neuro-
hipófise. Alta osmolalidade também provoca sede.
Figura 1. Alça de feedback para secreção de AHD (AVP = ADH). Fonte: Autoria
própria

Quando a vasopressina (ADH) se liga aos seus receptores


nos túbulos coletores (V2), ocorre síntese e fosforilação de
aquaporinas, as quais são proteínas capazes de inserir poros
na membrana plasmática da célula tubular, tornando-a
permeável à água. Nesta situação, ocorre reabsorção de
água dos túbulos coletores em direção ao interstício
medular, concentrando a urina. Como dito anteriormente, a
taxa de excreção de água pode variar em uma ampla faixa
em resposta a alterações nos níveis plasmáticos de ADH,
sem alterações substanciais na excreção líquida de soluto
(depuração osmolar). Esse controle independente da
excreção de água e soluto é o resultado de mecanismos
especializados de concentração e diluição urinária. O
aumento da reabsorção renal de água em resposta à
vasopressina diminui a osmolalidade plasmática, reduzindo
assim o estímulo à secreção e sede de vasopressina, e
completando o ciclo de realimentação (Figura 1).

Saiba mais: Osmolaridade vs.


Osmolalidade! Ambos refletem a
concentração de partículas osmoticamente
ativas na solução, sendo que a osmolaridade se
refere ao número de miliosmoles por litro de
solvente, enquanto a osmolalidade se refere ao
número de miliosmoles por quilo de solvente.
Assim sendo, osmolaridade se relaciona a
volume e osmolalidade a peso. Como 1 litro de
água pesa aproximadamente 1 Kg, os termos
osmolaridade e osmolalidade acabam sendo
intercambiados na prática.

O ADH é tipicamente secretado em resposta a um déficit


de água e hiperosmolaridade, para promover retenção da
água ingerida e correção do déficit. No entanto, existem
outros estímulos para sua secreção. O mais comum é a
redução do volume intravascular efetivo (VIVE) por estímulo
barorreceptor. Como veremos a seguir, este é o fator
operante na hiponatremia hipovolêmica e na hiponatremia
“hipervolêmica”, pois nesses estados edematosos também
existe redução do VIVE e hipoperfusão de barorreceptores.
Secreção não osmótica de ADH também pode ocorrer em
resposta à dor e náuseas, fenômenos muito comuns em
pacientes no período pós-operatório. Finalmente, alguns
medicamentos e tumores podem promover uma secreção
inapropriada de ADH (SIADH), como veremos adiante.
Na prática clínica diária, o ADH sérico não é medido, mas
a sua presença é inferida a partir da avaliação da urina. A
urina concentrada (densidade urinária > 1005 e
osmolalidade urinária > 100 mOsm/kg) sugere a presença de
ADH.

2. HIPONATREMIA
Hiponatremia pode ser definida como uma concentração
de sódio sérico [Na+] abaixo do limite inferior da
normalidade; na maioria dos laboratórios, isto significa [Na+]
< 135 meq/L.

Se liga! Para o cálculo da concentração de


um soluto, divide-se os miliequivalentes do
soluto em questão pelo volume do solvente. Ou
seja, para a concentração diminuir, ou o
numerador diminui, ou o denominador
aumenta. Hiponatremia é um distúrbio da
CONCENTRAÇÃO de sódio, geralmente causado
por uma falha em excretar água normalmente!
Ou seja, salvo em situações de hipovolemia (em
que há perda importante de soluto),
hiponatremia é causada por um aumento
na quantidade de água plasmática
(denominador), e não por uma redução do
sódio corporal total (numerador). Deste
modo, ao ler “hiponatremia”, você deve
associar este termo ao “excesso de água
corporal”.

Epidemiologia
Hiponatremia é o distúrbio hidroeletrolítico mais comum
em pacientes hospitalizados. Estudos estimam uma
prevalência de hiponatremia de 11,8% – 17,7% no momento
da admissão hospitalar de pacientes internados Unidades de
Terapia Intensiva (UTI). Em pacientes com cirrose avançada,
em lista de espera para transplante hepático, a prevalência
de hiponatremia pode superar 30%.
A presença de hiponatremia está associada a uma série de
desfechos desfavoráveis, como aumento no tempo de
permanência hospitalar, necessidade de internamento em
UTI, custo da hospitalização e mortalidade. A associação de
hiponatremia com aumento na mortalidade é bastante
consistente, seja ela adquirida na comunidade, no hospital
ou na UTI.
A associação persiste quando analisada em subgrupos
específicos de doenças, como neoplasias, insuficiência
cardíaca congestiva (ICC) e cirrose. Recentemente,
hiponatremia foi associada a aumento na mortalidade em
pacientes renais crônicos em hemodiálise.
Etiologias, Diagnóstico e
Classificação
Geralmente, a hiponatremia é causada por uma falha em
excretar água normalmente. Porém, apesar de a excreção
renal de água ser excepcional, se houver ingestão de água
superior a esta capacidade de excreção, o indivíduo vai
desenvolver hiponatremia. Nestas situações, a urina estará
diluída, indicando que os rins estão tentando excretar o
excesso de água. Na presença de ingestão normal de
solutos, o indivíduo terá que ingerir mais de 10 L de água
para desenvolver hiponatremia. Isto pode ocorrer em
pacientes psiquiátricos, com polidipsia psicogênica. Às
vezes, ingestões muito rápidas de quantidades não tão
grandes de água podem causar hiponatremia.
Outras situações análogas seriam os afogamentos em
água doce e as cirurgias endoscópicas, como a
histeroscopia, curetagem uterina e a ressecção transuretral
da próstata, em que pode haver absorção rápida de grande
quantidade da água contida nas soluções de irrigação.
Nestes casos, cessando a ingestão excessiva de água, os
rins excretam o seu excesso e o [Na+] sérico normaliza. No
entanto, na vigência de hiponatremia severa sintomática, o
tratamento com salina hipertônica é indicado para reduzir o
edema cerebral.
Diante de um paciente com hiponatremia, a primeira
medida deve ser afastar uma pseudo-hiponatremia. Na
hiponatremia verdadeira, a osmolaridade sérica é
sempre baixa (hiponatremia hipotônica): Se houver
hiponatremia com osmolaridade sérica normal ou elevada,
está ocorrendo uma pseudo-hiponatremia. Estas situações
não representam distúrbios no metabolismo da água e não
necessitam de medidas direcionadas para correção do sódio
sérico.
Pseudo-hiponatremia com osmolaridade sérica
elevada: A situação mais clássica é a hiperglicemia, mas
pode ocorrer também durante a administração de contraste
iodado hiperosmolar. Neste caso, ocorre saída de água do
líquido intracelular (LIC) para o extracelular (LEC) numa
tentativa de equilibrar a osmolaridade entre os dois espaços.
Esta entrada de água no LEC dilui o sódio sérico. Com a
correção da glicemia, o sódio sérico normaliza sem que
nenhuma outra medida seja tomada.
Pseudo-hiponatremia com osmolaridade sérica
normal: É classicamente descrita nas hiperproteinemias
(por exemplo, mieloma múltiplo) e dislipidemias severas (por
exemplo, hipertrigliceridemias), quando a fração aquosa do
plasma está reduzida à custa de excesso de proteínas ou
lipídeos, respectivamente. Em tais situações, erros técnicos
na aferição da concentração do sódio sérico podem induzir
uma pseudo-hiponatremia; neste caso, com osmolaridade
normal. Este fenômeno é mais comum quando o sódio
sérico é medido pela técnica de fotometria de chama.
Como a avaliação da osmolaridade sérica não é feita em
diversos hospitais e laboratórios (e, quando é feita, o
resultado pode demorar muito), na prática, é muito comum
afastar uma pseudo-hiponatremia com base nos dados
clínicos, e com a dosagem de glicose, proteínas totais e
frações e o perfil lipídico.
Afastadas as pseudo-hiponatremias, o próximo passo é
fazer uma avaliação da volemia. A avaliação da volemia se
baseia em dados clínicos de anamnese e exame físico, assim
como em alguns exames laboratoriais.
Saiba mais! Normalmente, o soro contêm
7% de fase sólida por volume. Para reduzir o
volume de sangue necessário para análise, o
soro é frequentemente diluído antes da sua
mensuração. O mesmo volume de diluente é
sempre usado, partindo-se sempre do
pressuposto de que o soro contêm 7% de
partículas em fase sólida. Quando a fração de
partículas da fase sólida é aumentada, a mesma
quantidade de diluente resulta em uma maior
diluição. Consequentemente, o cálculo de um
nível de íons com o uso de um grau de diluição,
que é baseado na fração incorreta de partículas
de fase sólida, levará a uma subestimação.
Quando as amostras são medidas sem diluição
(como em máquinas de gasometria), este
artefato técnico não ocorre.

Hipovolemia
Uma história que sugira baixa ingesta e/ou perdas
(cutânea, gastrintestinal ou renal) excessivas, e exame físico
que revele taquicardia e/ou hipotensão (sejam espontâneas
ou com manobra postural). O sódio urinário está baixo e a
osmolaridade urinária, alta, demonstrando a retenção
hidrossalina em resposta à hipovolemia verdadeira.

Hipervolemia
História e exame físico sugestivos de síndrome
edematosa, como ICC, cirrose ou síndrome nefrótica. Cada
uma destas síndromes possui sinais específicos ao exame
físico, mas edema e ganho de peso são comuns a todas. Do
mesmo modo, o sódio urinário está baixo e a
osmolaridade urinária, alta, mas esta retenção
hidrossalina ocorre em resposta à hipovolemia
relativa (redução no VIVE).

Euvolemia
Ausência de dados de história e exame físico que sugiram
hipo ou hipervolemia. Este grupo inclui a potomania do
bebedor de cerveja, a polidipsia psicogênica (pois a ingesta
excessiva de água pura não aumenta a volemia), as
alterações endócrinas (hipotireoidismo, insuficiência adrenal
primária, hipopituitarismo), SIADH, os diuréticos tiazídicos e
outras drogas. Muitas drogas causam hiponatremia por
promover SIADH. Outras causas menos comuns de
hiponatremia euvolêmica são as mutações de ganho de
função do receptor V2.

Se liga! Para regulação da volemia corporal


e, consequentemente, dos níveis pressóricos do
organismo, nós temos os barorreceptores que,
uma vez hipoperfundidos, estimulam o sistema
renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), a
secreção de catecolaminas e do ADH. Esta
secreção do ADH é chamada de secreção não
osmótica, já que acontece por conta da
hipoperfusão dos barorreceptores, e não pelo
aumento da osmolaridade sérica.

Na Insuficiência Cardíaca, o ventrículo esquerdo


incompetente hipoperfunde os barorreceptores,
os quais respondem estimulando a reabsorção
hidrossalina, a partir da ação do SRAA e da
secreção não osmótica do ADH, do mesmo
modo que numa situação de hipovolemia. Esse
líquido reabsorvido acaba migrando para o
terceiro espaço, por conta do aumento da
pressão hidrostática. Na cirrose hepática,
acontece o mesmo: o regime de hipertensão
portal leva a uma saída de líquidos do
intravascular para a cavidade abdominal. Existe
também hipoalbuminemia, que também
favorece a uma migração do líquido
intravascular para o terceiro espaço. Essa saída
de líquido para o terceiro espaço leva à
hipoperfusão de barorreceptores, o que culmina
também na secreção não osmótica do ADH.
Também por conta da hipoalbuminemia, a
síndrome nefrótica cursa com VIVE reduzido.

A resposta do barorreceptor é uma só, é


monótona, independentemente da
etiologia da hipoperfusão, e de qual tenha
sido a causa. Então, apesar de hipo ou
hipervolemia serem extremos opostos, a
resposta do organismo é igual!
Independentemente se estamos diante de uma
hipovolemia (que estimula a secreção não osmótica do
ADH), hipervolemia (que, por conta do VIVE reduzido,
também induz uma secreção não osmótica do ADH) ou de
uma situação de euvolemia (com uma secreção
inapropriada do ADH), o denominador comum a todos estes
cenários é o nível sérico aumentado do ADH. Neste contexto
de níveis circulantes elevados de ADH, a água ingerida pelo
indivíduo não consegue ser excretada, de modo que este
aporte de água livre de solutos dilui o sódio sérico, o que
culmina na hiponatremia.
Alguns exames laboratoriais são muito úteis no
diagnóstico diferencial de hiponatremia. A osmolaridade
sérica deve estar baixa nas hiponatremias verdadeiras; se
estiver normal ou elevada, tem-se uma pseudo-
hiponatremia. Glicemia, lipidograma, proteínas totais e
frações também podem ser utilizados para afastar as
pseudo-hiponatremias. As vantagens em relação à
osmolaridade sérica são: o baixo custo, maior disponibilidade
e rapidez. Um sódio urinário reduzido (< 20 mEq/L) sugere
um estado de retenção renal de sódio, que ocorre na
hipovolemia verdadeira e nas hipovolemias relativas, como
nos estados edematosos (em que há aumento no volume
corporal total, mas redução no VIVE). A osmolaridade
urinária pode ser usada como medida indireta da presença
de ADH; na presença deste, ela é sempre maior que 100
mOsm/L (e, geralmente, maior que 300 mOsm/L).
Hiponatremia com osmolaridade urinária < 100 mOsm/L
sugere causas mais raras, como polidipsia psicogênica e
potomania do bebedor de cerveja. A creatinina deve ser
sempre dosada para avaliar a função renal. Nos casos em
que o diagnóstico não está claro ou o quadro clínico sugere
endocrinopatia, o cortisol deve ser checado (e, se indicado,
teste de estimulação com cosintropina), assim como TSH e
outros hormônios pituitários, como LH e FSH.
A lista de medicações do paciente deve ser revisada
detalhadamente, pois diversos medicamentos comumente
utilizados (tais como anti-inflamatórios, antidepressivos,
anticonvulsivantes e diuréticos tiazídicos) podem causar
hiponatremia.
A Tabela 1 apresenta os principais aspectos clínicos da
hiponatremia hipovolêmica, hipervolêmica e euvolêmica,
bem como as suas principais etiologias.
Principais aspectos clínico das hiponatremias
Hipovolêmicas Euvolêmicas Hipervolêmicas

Volume do
Reduzido Normal Aumentado
LEC

VIVE Reduzido Normal Reduzido

Sódio Urinário < 20 mEq/L > 40 mEq/L < 20 mEq/L

Elevado ou
ADH sérico Elevado Elevado
reduzido

Elevada ou
Osm. Urinária Elevada Elevada
reduzida

Principais Perda GI Osm. Urinária ICC


causas - Diarreia Aumentada Cirrose
- Vômitos - Síndrome
Perdas Hipotireoidismo nefrótica
cutâneas - Insuficiência IRA
- Maratonistas adrenal DRA
Perdas renais - Tiazídicos
- Diureticos - Pós-
operatório
- Diurese - SIADH
osmótica Osmolaridade
- Nefropatia urinária
perdedora de diminuída
sal - Polidipsia
- Síndrome - Potomania
cerebral - Chá e torrada
perdedora de - RTU de
sal próstata
- Histeroscopia

Tabela 1. Aspectos clínicos e principais etiologias da hiponatremia. Fonte:


Adaptado de Rocha (2011)

Secreção Inapropriada do ADH


(SIADH)
Considera-se a Secreção Inapropriada de ADH
(SIADH) quando existe secreção de ADH sem que haja um
estímulo fisiológico (hiperosmolaridade, redução no VIVE,
dor, náuseas) que a justifique. Neste contexto de níveis
circulantes elevados de hormônio antidiurético, a ingestão
de líquidos hipotônicos leva à hiponatremia.
Os principais grupos de causas para SIADH são:

• Neoplasias: ADH secretado no contexto de


síndrome paraneoplásica.

• Doenças pulmonares: não apenas câncer de


pulmão, mas pneumonias e até mesmo ventilação
mecânica com PEEP.
• Distúrbios do SNC: neoplasias, AVC, hemorragia
subaracnoidea, neurocirurgia. Neste cenário, deve-se
procurar fazer o diagnóstico diferencial com a
síndrome perdedora de sal cerebral. A única
diferença clínica é a volemia, que está normal na
SIADH e reduzida na síndrome perdedora de sal
cerebral. A diferenciação entre estas duas síndromes
pode ser bastante difícil na prática.

• Drogas: antidepressivos, opioides,


anticonvulsivantes, ciclofosfamida.

Para afirmamos que estamos diante de uma SIADH,


devemos, primeiramente, nos certificarmos de que temos
uma hiponatremia hipotônica (osmolaridade sérica baixa);
ou seja, deve-se afastar as causas de pseudo-hiponatremia.
As funções renal, cardíaca, hepática, tireodiana e adrenal
devem estar normais e o paciente não deve estar em uso de
diurético tiazídico.
Outro pré-requisito diagnóstico é a osmolaridade urinária
> 100 mosm/L (em geral, > 300 mosm/L), o que indica uma
urina concentrada. A osmolaridade urinária deve ser fixa, ou
seja, não deve cair com administração de NaCl. Isto, pois,
quando há redução da osmolaridade urinária, infere-se que
os níveis de ADH diminuíram no plasma (já que estes níveis
reduzidos passam a permitir a excreção de água livre, que é
manifestada através de urina mais diluída). Então, se a
osmolaridade urinária reduzir com a administração de NaCl
(que corrige hipovolemia), significa dizer que os níveis de
ADH estavam elevados por conta de uma hipovolemia
vigente, e não por conta de sua secreção inadequada. Com
isso, é possível realizar o diagnóstico diferencial entre SIHAD
e hiponatremia hipovolêmica. Da mesma forma, o sódio
urinário deve ser maior que 40 meq/L, uma vez que sódio
urinário baixo indica uma tentativa de corrigir hipovolemia
vigente por meio de uma maior reabsorção de Na. O
paciente deve estar euvolêmico e sem edema, afastando-se
quadro de hiponatremia hipervolêmica.

3. QUADRO CLÍNICO DA
HIPONATREMIA
Os sintomas de hiponatremia são principalmente
neurológicos. Eles estão relacionados à gravidade e, em
particular, à rapidez da alteração na concentração sérica de
sódio. Pacientes com hiponatremia também podem
apresentar queixas relacionadas à depleção concomitante de
volume e possíveis doenças neurológicas subjacentes que
predispõem à anormalidade eletrolítica. Isso inclui uma
ampla variedade de distúrbios neurológicos que podem levar
sequencialmente à SIADH, retenção de água e hiponatremia.
Os sintomas diretamente atribuíveis à hiponatremia
ocorrem principalmente com reduções agudas e acentuadas
na concentração sérica de sódio e refletem disfunção
neurológica induzida por edema cerebral e possíveis
respostas adaptativas das células cerebrais ao inchaço
osmótico. Nesse cenário, a queda na osmolaridade sérica
cria um gradiente osmolar que favorece o desvio de água
para o interior das células, levando a edema cerebral. Por
isso, as principais manifestações clínicas da hiponatremia
são neurológicas, pois, como a calota craniana impede a
expansão do parênquima cerebral, o edema celular resulta
em hipertensão intracraniana.
O edema cerebral induzido por hiponatremia ocorre
principalmente com reduções rápidas na concentração sérica
de sódio, geralmente em menos de 24 horas. Como
resultado da hipertensão intracraniana resultante, o paciente
pode se manifestar com rebaixamento do nível de
consciência, estupor, coma e crises convulsivas.
A velocidade de instalação da hiponatremia é um fator
determinante na sintomatologia. Isto porque, na
hiponatremia crônica, mecanismos adaptativos entram em
ação visando reduzir a osmolaridade intracelular e,
consequentemente, minimizar a entrada de água nas células
e o edema cerebral. Para isso, os neurônios inicialmente
excretam sais de sódio e potássio e, posteriormente,
osmólitos orgânicos. Por conta da ação destes mecanismos
compensatórios, uma hiponatremia crônica severa pode se
manifestar de maneira oligoassintomática.
Estes mecanismos adaptativos precisam ser respeitados
no momento do tratamento. Correção inadvertidamente
rápida de uma hiponatremia crônica, ao elevar a
osmolaridade líquido extracelular, pode causar redução
abrupta do volume neuronal com desmielinização de tronco
cerebral, principalmente na ponte (mielinólise pontina).
Como os danos neurológicos decorrentes da mielinólise
pontina são frequentemente irreversíveis, a melhor
alternativa é a prevenção.

4. TRATAMENTO DA
HIPONATREMIA
O tratamento da hiponatremia depende da velocidade de
instalação (aguda ou crônica), da gravidade dos sintomas e
de outras variáveis da história e do exame físico, a saber:

• Tempo de instalação da hiponatremia:


• Aguda (< 48 h): geralmente ocorre devido à
infusão excessiva de fluidos hipotônicos
parenterais ou à intoxicação por água (p.ex.,
pacientes psicóticos).

• Crônica (> 48 h): é mais comum quando não se


consegue determinar o tempo de instalação pela
história.

• Classificação de acordo com o valor do sódio


sérico:

• Leve: 130-134 mEq/L.


• Moderada: 120-129 mEq/L.
• Grave:< 120 mEq/L.
• Classificação quanto à gravidade dos sintomas:
• Sintomas graves: convulsão, obnubilação, coma e
parada respiratória.

• Sintomas leves a moderados: cefaleia, fadiga,


letargia, náuseas, vômitos, tontura, confusão
mental, distúrbio de marcha, cãibras.
O tratamento tem como objetivos prevenir maiores
reduções no sódio sérico, reduzir a pressão intracraniana em
pacientes com risco de herniação, além de aliviar os
sintomas da hiponatremia. Como dito anteriormente, não se
deve corrigir rápida e/ou excessivamente o sódio sérico, de
modo a evitar síndrome da desmielinização osmótica.
A maioria dos pacientes apresentam hiponatremia crônica
ou sintomas no máximo moderados e serão tratados de
maneira convencional, usualmente com solução salina a 3%.
Uma rara exceção são os pacientes com as chamadas
hiponatremias agudas graves. Esses pacientes usualmente
se apresentam com coma ou convulsões, que
presumivelmente são causadas pela hiponatremia, e os
dados de história permitem supor que a instalação foi
rápida, sem tempo hábil para resposta adaptativa do
sistema nervoso central. Nesses pacientes, o objetivo é
elevar rapidamente a natremia em 4 a 6 mEq/L. Para isso:

• Utilizam-se 50-150 mL de salina hipertônica,


usualmente a 20%.

• Podem-se utilizar alíquotas de 50 mL e repetir a


cada 20-30 minutos até conseguir o efeito clínico
desejado (máximo de 150 mL).

• Pode-se considerar o uso de furosemida em


pacientes hipervolêmicos.

Após o uso da salina hipertônica, deve-se diminuir o ritmo


de correção do sódio para que não ultrapasse 8-9 mEq/L em
24 horas, a fim de se evitar a síndrome de desmielinização
osmótica. A monitorização do sódio sérico deve ser realizada
a cada 2 horas. Considera-se tratar dessa forma pacientes
com Na < 120 mEq/L ou Na < 125 mEq/L em pacientes
sintomáticos.
Os demais pacientes devem ser tratados de forma
convencional. Deve-se preparar a solução que será infundida
(recomenda-se que a correção seja feita com solução salina
a 3%: 445 mL de SF 0,9% + 55mL de NaCl 20% = 500 mL de
NaCl 3%). É importante ressaltar que, a cada 1 mL/kg de
solução de NaCl 3% infundida, o sódio sérico se eleva em 1
mEq/L.
Em pacientes com sintomas moderados, é recomendada a
dosagem do sódio com 1, 6 e 12 horas de tratamento.
Pacientes com hiponatremia sem sintomas ou
oligossintomática podem ser tratados com restrição hídrica e
controle da causa de base. Pode ser considerado o uso de
cloreto de sódio por via oral.
Importante ter em mente também que algumas medidas
gerais devem ser adotadas para os pacientes que
apresentam hiponatremia, como a identificação e
tratamento da causa de base; suspensão de medicações que
possam contribuir com a hiponatremia; restrição de água
livre da dieta ou líquidos hipotônicos.
Para pacientes com SIADH e/ou hiponatremia crônica,
considerar a prescrição de diuréticos de alça e aumento da
ingestão de sódio. É particularmente importante realizar
restrição hídrica. Reposição volêmica com soluções
fisiológicas tendem a piorar a hiponatremia, e mesmo a
reposição com salina a 3% pode não a corrigir; inclusive, em
alguns raros casos, pode até agravá-la. Nesses casos, o uso
de tabletes de sal por via oral associados à restrição hídrica
é útil no tratamento. Outras opções terapêuticas podem ser
consideradas, como o uso de diuréticos de alça e o bloqueio
da ação do ADH nos ductos coletores (carbonato de lítio ou
demeclociclina e, mais recentemente, os bloqueadores dos
receptores V2, que atuam nos segmentos terminais do
néfron). Os vaptanos incluem tolvaptan, mozavaptan,
satavaptan, lixivaptan e são seletivos para o receptor V2,
enquanto o conivaptan bloqueia os receptores V1 e V2. A
medicação não é recomendada de rotina e particularmente
não deve ser usada em pacientes com hipovolemia. Outra
opção pouco utilizada é a fludrocortisona, que também não é
recomendada de rotina nesses pacientes.

Se liga! Deve-se atentar para evitar a


correção rápida dos níveis de sódio pelo risco
de síndrome de desmielinização osmótica.
Pacientes com correção da natremia maior que
10-12 mEq/L por dia estão sob risco,
principalmente se essa velocidade de correção
for mantida por mais de 24 horas. A síndrome
de desmielinização osmótica é uma situação
com alta letalidade e sequelas significativas,
mas de possível tratamento, sendo necessário
induzir novamente hiponatremia se o paciente
desenvolver sintomas dessa síndrome. O
quadro clínico usual é o de acometimento de
tronco com tetraplegia, paralisia pseudobulbar,
coma e múltiplos pares cranianos acometidos.
Na ressonância magnética, aparecem imagens
de mielinólise pontina com tronco cerebral de
coloração branca.
5. HIPERNATEMIA
A hipernatremia é definida por uma concentração de sódio
sérico > 145 mEq/L. Sua incidência na população geral varia
de 0,5% a 3,4% no momento da admissão hospitalar e é de
cerca de 0,5% dos pacientes que procuram o departamento
de emergência (DE), e ocorre durante a internação em até
7% dos pacientes admitidos no DE.
Quase invariavelmente, a hipernatremia é um distúrbio
associado à perda de água, por perdas renais ou
extrarrenais. Pode ocorrer raramente, de forma iatrogênica,
por sobrecarga de sódio pelo uso de salina hipertônica ou
cloreto de sódio por via oral. O consumo de potássio sem
consumo de água associado eleva também os níveis de
sódio sérico.
Os pacientes são protegidos da hipernatremia pelo
mecanismo de sede, que induz à ingestão de água.
Alterações do mecanismo de sede determinam risco
aumentado de desenvolver hipernatremia. Então, pode-se
considerar que a hipernatremia é o distúrbio “dos fracos e
oprimidos”, os quais são incapazes de ingerir água por
algum motivo (idosos acamados, pacientes internados em
UTI com balanço hídrico negativo etc.).

Perdas de água pelo organismo


A perda de água livre de soluto, se não for substituída,
levará a uma elevação na concentração sérica de sódio. A
concentração sérica de sódio e osmolaridade são
determinadas pela razão entre os osmoles efetivos do corpo
total (principalmente, sais de sódio) e a água corporal total.
Numa situação de perda de líquido com uma concentração
de sódio menor que a do plasma, se esta perda de água não
for reposta, ocorrerá o aumento da concentração sérica de
sódio.
Há uma variedade de fontes de perda de água livre de
eletrólitos que podem levar à hipernatremia. Isso inclui
perdas cutâneas, gastrointestinais e urinárias.
Perdas na pele: A perda de água na pele consiste em
perdas insensíveis (transepidérmicas por difusão e suor) e é
importante para a termorregulação. Sob condições normais,
o volume de suor é de aproximadamente 500 a 700 mL/dia
em adultos. No entanto, as perdas de suor aumentam
dramaticamente devido à febre, exercícios e exposição a
altas temperaturas.
O suor é derivado do líquido extracelular e a maior parte
do sódio é removida pelas glândulas sudoríparas. A
concentração média normal de sódio no suor é de
aproximadamente 38 a 45 mEq/L (faixa de 24 a 65 mEq/L). À
medida que a taxa de produção de suor aumenta, a
concentração sérica de sódio aumenta, pois o suor é
hipotônico para o plasma (ou seja, menor concentração de
sódio), o que promove a perda de água livre. A perda
obrigatória de água devido ao suor e as perdas evaporativas
transdérmicas devem ser repostas para evitar
hipernatremia.

Perdas gastrointestinais: As perdas gastrointestinais


superiores e inferiores podem resultar em hipernatremia
quando a ingestão de água é limitada. A perda de secreções
gástricas (devido a vômitos ou drenagem) e secreções do
intestino delgado têm uma concentração de sódio bem
abaixo da concentração plasmática e, portanto, promove o
desenvolvimento de hipernatremia. Considerações
semelhantes se aplicam às diarreias osmóticas, mas não às
diarreias secretórias, que têm uma concentração de sódio
semelhante à do plasma, cuja perda não afeta diretamente a
concentração sérica de sódio.

Perdas urinárias: A perda de água livre na urina pode levar


à hipernatremia se não for substituída. Geralmente, esse é
um problema em pacientes com diabetes insipidus ou
diurese osmótica.

Diabetes insipidus central ou nefrogênico – A liberação


diminuída do hormônio antidiurético (ADH) ou a resistência
renal ao seu efeito (diabetes insipidus central e nefrogênico,
respectivamente) causa a excreção de uma urina
relativamente diluída. A maioria dos pacientes com diabetes
insipidus tem um mecanismo normal de sede. Como
resultado, eles geralmente apresentam poliúria e polidipsia e
uma concentração sérica alta de sódio normal, necessária
para estimular a sede. No entanto, hipernatremia acentuada
e sintomática pode ocorrer em pacientes com diabetes
insipidus se houver uma lesão central que prejudica tanto a
liberação de ADH quanto a sede, em bebês e crianças
pequenas que não têm acesso independente à água livre, no
período pós-operatório em pacientes com diabetes insipidus
previamente não reconhecido e em pacientes idosos com
diabetes insipidus causados por terapia com lítio.

Diurese osmótica: Uma diurese osmótica causada por


solutos não absorvidos e não eletrolíticos, como glicose,
manitol ou ureia, aumenta a produção de urina, que tem
uma concentração de sódio bem abaixo do soro. Espera-se
que a perda desse líquido aumente a concentração sérica de
sódio. No entanto, as alterações na osmolaridade plasmática
e na concentração sérica de sódio associadas à diurese
osmótica são complexas.
Como exemplo, pacientes com cetoacidose diabética ou
hiperglicemia não cetótica apresentam alta osmolalidade
sérica devido à hiperglicemia e à diurese osmótica. No
entanto, a concentração sérica de sódio é variável, refletindo
o equilíbrio entre o aumento da tonicidade sérica induzida
pela hiperglicemia, o que promove o movimento da água
para fora das células, diminuindo o sódio sérico, e a diurese
osmótica induzida pela glicosúria, que tende a aumentar o
sódio sérico.
Considerações semelhantes se aplicam à terapia com
manitol. O aumento inicial no manitol sérico reduzirá o sódio
sérico devido ao movimento osmótico da água para fora das
células. No entanto, na ausência de função renal
comprometida, o manitol é rapidamente excretado na urina
e a diurese osmótica associada aumenta o sódio sérico. Isto
se deve à remoção do manitol do plasma, o que permite que
a água volte para as células e que a diurese osmótica
aconteça, resultando em perda de líquidos com excesso de
sódio.
Ao contrário da hiperglicemia e da terapia com manitol, os
pacientes com diurese osmótica devido à ureia (que ocorre
mais comumente durante a resolução da azotemia) podem
produzir hipernatremia, mas não hiponatremia. Como a ureia
é um osmol ineficaz, a água não sai das células e, portanto,
as concentrações séricas elevadas de ureia não diminuem o
sódio sérico. Como a ureia é excretada na urina, a perda de
água na urina aumenta a concentração sérica de sódio.

Perda de água nas células: A hipernatremia transitória (na


qual a concentração sérica de sódio pode subir de 10 a 15
mEq/L em poucos minutos) pode ser induzida por exercícios
intensos ou convulsões induzidas por eletrochoque, efeito
mediado por um aumento transitório na osmolaridade
celular. Pensa-se que a decomposição de grandes moléculas
orgânicas complexas em numerosos componentes pequenos
é, pelo menos em parte, responsável pelo aumento da
osmolaridade celular, que acaba “puxando” a água para o
interior delas. A concentração sérica de sódio volta ao
normal dentro de 5 a 15 minutos após a interrupção da
atividade de esforço ou convulsão.

Classificação e Etiologias
A hipernatremia pode ser classificada clinicamente em:

• Hipovolêmica: quando o paciente perde água livre


e sódio, porém mais água do que sódio. Lembre-
se de que concentração de um soluto é uma fração,
na qual o denominador é o volume do solvente e o
numerador, a quantidade de soluto. Deste modo,
para a concentração de sódio sérico se elevar, o
denominador (água livre) deve diminuir mais do que
o numerador (sódio corporal total). Pode ocorrer por
perdas renais (p. ex., uso de diuréticos) ou
extrarrenais de água (p. ex., diarreia).

• Euvolêmica: é decorrente, na maioria das vezes, da


desidratação, ou seja, da perda de água livre do
plasma, e, com isso, a quantidade total de sódio
corporal não muda. Nesta situação, poderia ocorrer
por diabetes insipidus e/ou perdas insensíveis
(sudorese, taquipneia).

• Hipervolêmica: sobrecarga de volume, geralmente


devido à infusão excessiva de soluções cristaloides.
Pode ocorrer também devido a erros em hemodiálise
ou ingestão excessiva de sal (tentativa de suicídio).
Os mecanismos de proteção da sede e manutenção da
osmolaridade são muito eficientes e conseguem manter os
valores da osmolaridade com variação de apenas 1 a 2%.
Assim, pacientes alertas quase sempre conseguem manter
sua osmolaridade dentro da normalidade, mesmo com
grandes perdas de água. Para ocorrer uma hipernatremia
com sódio >150 mEq/L nestes pacientes, é necessário que
exista alguma alteração nos mecanismos de sede.
Alguns pacientes são particularmente suscetíveis ao
desenvolvimento de hipernatremia. Entre eles podemos citar
idosos com capacidade mental comprometida e acesso à
água limitado; pacientes críticos intubados ou recebendo
dieta por via enteral (sem reposição adequada de água
livre); pacientes com diabetes insipidus com acesso limitado
à água por algum motivo.
Em pacientes com acesso à água e mecanismos da sede
intactos, é improvável a ocorrência de hipernatremia. A
Tabela 2 resume as principais causas de hipernatremia.
Perda de água livre não reposta (deve haver sede e/ou acesso à
água prejudicados)

Perdas insensíveis e suor

Perdas gastrointestinais

Uso de diuréticos

Diabetes insipidus nefrogênico ou central

Diurese osmótica:
- hipergliemia
- dieta hiperproteica (principalmente nasoentérica) gerando ureia
- manitol

Lesões hipotalâmicas que prejudiam a sede ou função do


osmorreceptor:
- hipodipsia primária
- excesso de minerolacorticoide, gerando reset do osmostato

Perda de água para dentro das células

Exercício extenuante ou convulsões

Sobrecarga de sódio

Ingestão ou infusão de soluções salinas

Alimentos ricos em soja (soy bean, a intoxicação praticamente não


ocorre em nosso meio)

Tabela 2. Principais etiologias da hipernatremia. Fonte: Velasco (2019)

Pacientes com hiperaldosteronismo primário ou com


síndrome de Cushing podem cursar com discretas
hipernatremias, secundárias à retenção de sódio pela
aldosterona, mas raramente os valores de sódio desses
pacientes ultrapassam níveis de 150 mEq/L, e na maioria dos
casos a natremia se encontra dentro dos limites da
normalidade (em geral, próximo ao limite superior da
normalidade).
Para proteção dos efeitos da perda de água do tecido
cerebral, esperada em pacientes com hipernatremia, ocorre
um mecanismo de produção cerebral, osmólitos ou osmoles
idiogênicos, que equilibram a osmolaridade cerebral com a
osmolaridade plasmática.
Para o diagnóstico etiológico da hipernatremia, é
importante a avaliação da osmolaridade urinária, o principal
determinante da atividade do hormônio antidiurético (ADH).
Assim:
• Osmolaridade urinária < 300 mOsm/L sugere
inefetividade do ADH, que pode ocorrer por:

1. Deficiência de ADH (diabetes insipidus central):


responsiva à administração exógena de ADH.
2. Resistência a ADH (diabetes insipidus nefrogênico):
não responsivo à administração de ADH exógeno;
portanto, a osmolaridade urinária não se altera após
sua administração.

• Osmolaridade urinária > 800 mOsm/L indica uma


resposta adequada do néfron à ação do ADH e
capacidade preservada de concentração urinária.
Ocorre nas seguintes situações:

1. Perdas extrarrenais (perdas insensíveis ou


gastrintestinais).
2. Diurese osmótica.
3. Sobrecarga de sódio (NaCl, NaHCO3, excesso de
mineralocorticoides).
4. Ureia (dieta hiperproteica, sangramento digestivo,
hipercatabolismo por queimaduras ou uso de
esteroides).
5. Glicose ou manitol no plasma em excesso.
6. Hipodipsia primária (condição rara de distúrbio da
sede).

• Osmolaridade urinária entre 300 e 800 mOsm/L


pode ser vista em:
1. Diabetes insipidus parcial, tanto central quanto
nefrogênico.
2. Diabetes insipidus central com depleção de volume.
3. Uso de diuréticos de alça.

6. QUADRO CLÍNICO DA
HIPERNATREMIA
Os sintomas são dependentes da velocidade de instalação
da hipernatremia e de sua gravidade. A instalação rápida em
menos de 48 horas geralmente é associada a quadros
clínicos mais graves.
Em pacientes com mecanismo de sede intacto, o primeiro
sintoma a aparecer é a sede. No exame físico, deve-se
procurar por sinais incipientes de hipovolemia, como
hipotensão ortostática (queda > 20 mmHg na pressão
arterial sistólica [PAS] e 10 mmHg na pressão arterial
diastólica [PAD]) e aumento da frequência cardíaca em
ortostase (> 30 bpm).
Os pacientes podem apresentar sinais e sintomas de
desidratação, como mucosas secas, olhos encovados e perda
de turgor da pele. A presença de edema de extremidades em
paciente com hipernatremia sugere sobrecarga volêmica
associada.
Os pacientes precisam ser avaliados do ponto de vista
neurológico quanto a nível de consciência, resposta motora e
reflexos profundos. Pacientes com hipernatremia podem
evoluir com agitação, irritabilidade e letargia; já os quadros
graves podem cursar com espasmos musculares, hiper-
reflexia e piora da letargia. Quadros extremamente graves e
agudos podem cursar com coma e apneia. Se a
hipernatremia grave se desenvolve no decorrer de minutos a
horas, como em uma overdose maciça de sal em uma
tentativa de suicídio, o encolhimento repentino do cérebro
pode causar uma hemorragia intracraniana. Outra
complicação potencial em hipernatremia aguda grave é a
trombose de seio cavernoso.
Os pacientes podem apresentar sintomas associados a
condições subjacentes. Assim, pacientes com diabetes
insipidus podem cursar com poliúria, e aqueles com
síndrome de Cushing podem apresentar fácies em lua cheia
e estrias violáceas, entre outros estigmas da síndrome.
A avaliação de pacientes com hipernatremia deve levar
em consideração fatores potenciais que podem causá-la; por
exemplo, um trauma cranioencefálico e pós-operatório de
neurocirurgia. Avalia-se, ainda, se o paciente apresenta
doença renal crônica e medicações que possam causar
diabetes insipidus.

7. TRATAMENTO DA
HIPERNATREMIA
Em primeiro lugar, é necessário avaliar se o paciente
apresenta instabilidade hemodinâmica ou choque. Se for
este o caso, administra-se a princípio salina isotônica.
Em pacientes em que se sabe que a hipernatremia é
aguda, como em ingestão intencional e sobrecarga de
cloreto de sódio em tentativas de suicídio com menos de 6
horas de apresentação, pode-se repor o déficit de água livre
rapidamente sem eventos adversos.
Contudo, mais de 95% das hipernatremias são crônicas.
Uma forma de correção que pode ser utilizada nesses
pacientes é a utilização de solução com glicose 5%; solução
de escolha com taxa de infusão de 3-6 mL/kg/hora. O
objetivo é diminuir a natremia em 1-2 mEq/L/hora. A
monitorização da natremia deve ser realizada a cada 4-6
horas. Quando houver concentração de sódio perto de 145
mEq/L, deve-se reduzir a velocidade da infusão para 1
mL/kg/hora.
A hipernatremia é muitas vezes associada à restrição ao
acesso à água livre. Assim, estabelecer o acesso ou suprir a
necessidade diária de H2O (≥ 1L/dia) pode ser suficiente
para corrigir a hipematremia. Uma das medidas mais
importantes é a avaliação do estado volêmico. Como já
comentado, em pacientes hipovolêmicos, deve-se realizar a
expansão volêmica com salina isotônica (SF 0,9% → 154
mEq/L de sódio) até recuperar os sinais vitais estáveis.
Assim que se atingir a euvolemia, dosa-se novamente o
sódio sérico, calcula-se o déficit de água livre e realiza-se a
reposição. O déficit de água livre pode ser calculado com a
fórmula a seguir:

Déficit de água livre (L) = (([Na] – 140)/140) x água


corporal total
Já a água corporal total é calculada da seguinte forma:

Água corporal total = peso x 0,6 (homens) ou 0,5


(mulheres) (Se idoso, 0,5 (homens) ou 0,45
(mulheres))
Quando a adaptação das células cerebrais é incompleta
(início em menos de 48 horas), a taxa de correção da
hipernatremia aguda pode ser realizada a 1 mEq/L/h. Em um
paciente alerta capaz de beber água com segurança, a via
de administração recomendada pela maioria dos autores é
de dois terços de água livre por via oral e um terço de água
por via intravenosa. Se a hipernatremia for crônica (início >
48 horas), a taxa de correção deve ser mais lenta, para
evitar o risco de edema cerebral, a não mais que 0,5
mEq/L/h ou 10 a 12 mEq/24 h. Para realizar essa correção,
recomendamos a utilização da fórmula de Androgué, que
estima a variação da natremia com cada litro de solução
infundida. A fórmula é apresentada a seguir:

Variação de sódio para cada litro de solução infundido


= ([Na] – sódio solução)/(água corporal total + 1)
Vale ressaltar a concentração de sódio de diferentes
soluções:

• NaCl 0,9%: 154 mEq/L.

• NaCl 0,45%: 77 mEq/L.

• SG 5%: 0 mEq/L.

Assim, se infundirmos SG 5% em um homem de 70 kg


com sódio 160 mEq/L, estima-se uma redução de 3,7 mEq/L
no sódio sérico para cada litro de solução glicosada.
Deve-se lembrar que essas fórmulas são meras
estimativas, com pouca validação prática, embora sejam a
conduta padrão. Ao longo da reposição, deve-se dosar o
sódio sérico a cada 4-6 horas. A causa base sempre deve ser
tratada (p. ex., suspensão de diuréticos, tratar diarreia).
Em pacientes euvolêmicos em que frequentemente
podemos ter hipernatremia associada a diabetes insipidus,
recomenda-se corrigir o déficit de água livre e
simultaneamente tratar a causa de base.
No diabetes insipidus central, pode-se prescrever acetato
de desmopressina (DDAVP), SC ou intranasal. Raramente
pode-se considerar o uso da via intravenosa. No diabetes
insipidus nefrogênico deve-se tentar controlar o agente
etiológico (p. ex., suspender medicação culpada). As opções
de trata mentofarmacológico incluem:

• Diurético tiazídico, associado à restrição de sódio


da dieta. Pode ser útil em reduzir a poliúria (a
indução de discreta hipovolemia aumenta a
reabsorção de sódio e água do túbulo proximal e
reduz o aporte de água livre para os segmentos
disfuncionais do néfron).

• A amilorida deve ser prescrita quando o diabetes


insipidus é induzido por lítio.

Em pacientes com hipernatremia e hipervolemia,


recomenda-se:

• Suspender o aporte de sódio.

• Repor o déficit de água livre de acordo com as


fórmulas citadas.
• Administrar diuréticos, tanto para sobrecarga
volêmica quanto para sobrecarga de sódio. Dessa
forma, associam-se tiazídicos com diuréticos de alça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 13.ed. Rio de Janeiro:
Elsevier; 2017.
Knepper MA, Kwon T, Nielsen S. Molecular Physiology of
Water Balance. N Engl J Med 2015;372:1349-58. DOI:
10.1056/NEJMra1404726
Rocha PN. Hyponatremia: basic concepts and practical
approach. J Bras Nefrol 2011;33(2):248-260.
Sterns RH. Etiology and evaluation of hypernatremia in
adults. UpToDate, 2018
Sterns RH. Manifestations of hyponatremia and
hypernatremia in adults. UpToDate, 2018
Velasco IT, Brandão-Neto RA, Souza HP et al. Medicina de
emergências. 13ª ed. Barueri, SP: Manole, 2019.
6. FISIOLOGIA DO SISTEMA
REPRODUTOR FEMININO

1. INTRODUÇÃO
O sistema reprodutor feminino é composto por dois grupos
de órgãos: os internos e os externos. Os órgãos internos são
o útero, os ovários, as tubas uterinas e a vagina. Já os
externos são: o monte do púbis, os grandes lábios, os
pequenos lábios e o clitóris.

Conceito: A fertilização é a formação de um


zigoto através da junção de um óvulo com um
espermatozoide.

Os ovários são órgãos pares, sendo o ovário direito e o


esquerdo. Dentro deles, são originados os oócitos, que são
os gametas ou as células germinativas femininas. Além
disso, os ovários exercem a função endócrina de produzir
hormônios sexuais.
O útero é um órgão oco para onde o embrião é levado
para se desenvolver. Ele é formado por 3 camadas
concêntricas: o endométrio (mais internamente), o
miométrio (camada média) e o perimétrio (camada mais
externa). É o endométrio que vai sofrer alterações durante o
ciclo menstrual que irão permitir o sangramento.
As tubas uterinas também são órgãos pares e ligam os
ovários ao útero, conduzindo os oócitos liberados pelo ovário
para o interior da cavidade uterina. É na tuba uterina que
ocorre a fertilização.
A vagina é um canal muscular que liga o colo do útero à
superfície externa, através do óstio da vagina.
O monte do púbis é uma região rica em tecido adiposo,
localizada à frente da sínfise púbica.
Os grandes lábios são pregas cutâneas que protegem o
óstio da uretra, o clitóris e a vagina. Os pequenos lábios
circundam o vestíbulo da vagina, também como fator de
proteção.
O clitóris é um órgão erétil com grande quantidade de
terminações nervosas sensitivas que atuam exclusivamente
na estimulação sexual.
Durante o período fetal, entre a 6ª e 8ª semana de
gestação, ocorre a diferenciação sexual do embrião, de
acordo com o sexo cromossômico. Nesse momento incia-se a
diferenciação da gônada primordial em ovário. É nesse
ovário que vai ocorrer a produção folicular.

Conceito: O folículo é a unidade base do


sistema reprodutor feminino. É uma estrutura
que contêm uma célula em seu interior capaz
de originar um ovócito.
Como já foi dito, a produção folicular da mulher se inicia
ainda no período intrauterino. A superfície externa dos
ovários é formada por células germinativas, que dão origem
às ovogônias. Essas células se dividem através de meiose e
interrompem o processo de divisão celular na primeira fase
da meiose, originando os ovócitos primários. Então, cada
ovócito primário é circundado por células foliculares (células
da granulosa), gerando um folículo, denominado folículo
primordial. Nesse momento, a maturação folicular é
cessada até a puberdade.
Por volta do 6º mês de vida intrauterina, os ovários
contêm cerca de 7 bilhões de folículos. A partir desde ponto,
muitos folículos sofrem atresia. Ao atingir a menarca, a
mulher tem cerca de 300.000 folículos.
Durante a puberdade, o hipotálamo inicia gradualmente a
liberação do GnRH, que estimula a hipófise a secretar de
hormônios gonadotróficos LH e FSH. Esses hormônios
estimulam os ovários a produzir os hormônios sexuais
femininos, levando à menarca, a primeira menstruação de
uma mulher, que marca o início de sua vida reprodutiva. A
menarca pode ocorrer entre 9 e 16 anos, com idade média
no Brasil de 12 anos e 4 meses. Os primeiros ciclos
menstruais costumam ser irregulares e podem permanecer
assim por até 2 ou 3 anos.
Chamamos de menacme o período fértil da mulher. Esse
intervalo de tempo ocorre entre a menarca e a menopausa.
Durante o menacme, acontecem os ciclos sexuais mensais
femininos ou ciclos menstruais. A duração média do ciclo
menstrual é de 28 dias, variando entre 25 e 35 dias. Nesse
período de 28 dias, existem 2 diferentes ciclos que ocorrem
ao mesmo tempo: o ciclo ovariano e o ciclo endometrial.
Se liga! O primeiro dia de menstruação é o
primeiro dia do ciclo sexual mensal feminino.

A menopausa é o período no qual há uma diminuição dos


hormônios femininos a quase zero e o ciclo menstrual é
cessado. Isso ocorre entre 40 e 50 anos, devido ao
esgotamento ovariano.
A primeira
MENARCA menstruação da
mulher.

O período fértil da
MENACME
mulher.

Última menstruação da
MENOPAUSA
mulher.

Para que o ciclo sexual mensal feminino ocorra, é


necessário um bom funcionamento do eixo hipotálamo-
hipófise-gonadal.
O hipotálamo é o órgão do diencéfalo que faz conexão
entre o sistema nervoso central e o sistema endócrino. Ele
produz o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). Ele se
relaciona intimamente com a hipófise. A hipófise é uma
glândula endócrina que libera o hormônio folículo
estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH) através do
feedback com GnRH. As gônadas femininas (os ovários)
produzem os hormônios sexuais através do feedback com
FSH e LH.

2. CICLO OVARIANO
O ciclo ovariano ocorre devido às alterações cíclicas dos
hormônios gonadotróficos FSH e LH secretados pela hipófise
anterior, que estimulam as células-alvo ovarianas.
O ciclo ovariano é divido em 2 partes: a fase folicular (do
desenvolvimento do folículo até a ovulação) e a fase lútea (a
partir da ovulação).
A fase folicular é a primeira etapa do ciclo ovariano. Nela
ocorre a foliculogênese, processo capaz de transformar um
folículo primordial em um folículo ovulatório. O objetivo da
foliculogênese é produzir um folículo dominante a partir de
folículos em desenvolvimento.

Se liga! A primeira etapa da foliculogênese é


o recrutamento de folículos primordiais para
reiniciar o desenvolvimento. Isso ocorre entre os
dias 1 e 4 do ciclo menstrual. O aumento da
secreção de FSH, cerca de 1 dia antes da
menstruação, permite a iniciação desse
processo.
O recrutamento folicular provavelmente é controlado por
fatores autócrinos e parácrinos no ovário, de forma
independente de gonadotrofinas.

Figura 2. Etapas da ovulação. Fonte: udaix/Shutterstock.com

Como já falamos, o aumento do FSH inicia o recrutamento


de folículos primordiais. Ocorre inicialmente síntese de RNA
e de proteínas e aumento no número de células da granulosa
(lembra que tinha uma única camada? Agora tem duas ou
mais). As células da granulosa adquirem um formato cuboide
e surgem também canais de comunicação com o oócito,
viabilizando a troca de nutrientes. Após todas essas
mudanças, o folículo primordial passa a ser chamado de
folículo primário. Ou seja, o folículo primário é um oócito
coberto por duas ou mais camadas de células da granulosa
com junções comunicantes entre si.

Conceito: As células da granulosa são


células que circundam o folículo, protegendo-o
e dando suporte para o desenvolvimento do
óvulo.

Uma vez formado o folículo primário, ele progride para o


estágio pré-antral (também chamado de folículo
secundário). O oócito aumenta de tamanho e passa a ser
circundado por uma camada de matriz extracelular
(chamada de zona pelúcida) que encapsula o oócito. As
células da granulosa sofrem proliferação e atingem de 2 a 10
camadas de células cuboides a colunares baixas. Nesse
estágio, as células da granulosa já são capazes de sintetizar
esteroides e possuem receptores para FSH.
Ocorre, também, a proliferação de células da teca no
estroma. A formação da camada tecal é um estágio de
grande importância do desenvolvimento folicular; é nesse
momento que há formação de pequenos vasos capazes de
levar as substâncias necessárias ao seu desenvolvimento.
Na camada tecal existe prevalência de receptores de LH.

Conceito: As células da teca são células


localizadas externamente às células da
granulosa que produzem os andrógenos
necessários para o desenvolvimento folicular.
Alem disso, dão suporte vascular até a
ovulação.
Ainda nesse estágio, a enzima aromatase age, pelo
estímulo do FSH, convertendo androgênios em estrogênios
nas células da granulosa, processo conhecido como
aromatização. Um ambiente com quantidade de androgênios
leva à atresia folicular.

Fluxograma 1. Aromatase.

O estrógeno e o FSH favorecem um aumento do líquido


folicular, que contêm grande quantidade de estrógeno. O
acúmulo desse líquido forma uma cavidade dentro das
células da granulosa, chamada de antro. Nesse estágio, o
folículo é chamado de folículo terciário, folículo antral ou
folículo De Graaf. A camada de células da granulosa que
circunda imediatamente o oócito é chamada de cumulus
ooforus.
O FSH estimula o surgimento de receptores de LH nas
células do cumulus ooforus, para que o folículo responda ao
pico de LH que ocorre no meio do ciclo. O folículo está pronto
para ovulação.
Entre o quinto e o sétimo dia do ciclo menstrual, ocorre a
seleção do folículo dominante. Um folículo começa a
crescer acima dos demais e os outros folículos entram em
atresia. O mecanismo pelo qual esse processo ocorre ainda
não está bem estabelecido, mas acredita-se que o
estrogênio do folículo em maior crescimento aja no
hipotálamo inibindo um pouco a secreção de FSH; dessa
forma, bloqueia o crescimento dos folículos menos
desenvolvidos. O processo de atresia é importante para que,
em cada ciclo, um único folículo cresça o suficiente para
ovular. Além disso, a ação do LH sob os folículos em atresia
eleva a produção de androgênio, o que estimula o desejo
sexual feminino no período pré-ovulatório.
As células da granulosa crescem e o folículo entra no
estágio pré-ovulatório. Então, ele produz mais estrogênio,
alcançando o pico 3 dias antes da ovulação. Um dia depois,
ocorre o pico do LH, que permite a luteinuzação das células
da granulosa. Isso leva a maior produção de progesterona,
cerca de 12 horas antes da ovulação. A progesterona age na
hipófise contribuindo para o pico de LH e FSH.
Oócito circundado por uma única
FOLÍCULO
camada com uma ou mais células
PRIMORDIAL
pavimentosas da granulosa.

Oócito circundado por uma ou


FOLÍCULO mais camadas de células cuboides
PRIMÁRIO da granulosa com junções
comunicantes.
FOLÍCULO Oócito desenvolvido circundado
SECUNDÁRIO pela zona pelúcida, com 2 a 10
OU camadas de células da granulosa
PRÉ-ANTRAL e camada tecal com pequenos
vasos.

FOLÍCULO
Folículo maduro, composto pelo
TERCIÁRIO
antro e cumulus ooforus.
OU ANTRAL

FOLÍCULO
Folicuro maduro, com crescimento
PRÉ-
superior.
OVULATÓRIO

A ovulação ocorre no 14º dia de um ciclo de 28 dias. Um


pouco antes da ovulação, a parede externa do folículo forma
um bico que rompe e libera o líquido folicular. Esse líquido
contêm o óvulo cercado por células da granulosa, a coroa
radiada.

Fluxograma 2. Ovulação.
Se liga! A ovulação ocorre sempre 14 dias
antes da menstruação, e não no meio do ciclo

Dois dias antes da ovulação, ocorre um aumento da


secreção de LH pela hipófise, atingindo o pico cerca de 16
horas antes da ovulação. O LH aumenta rapidamente a
secreção de esteroides pelos folículos. Duas horas depois, a
teca externa libera enzimas proteolíticas, principalmente
colagenase, que enfraquece a parede do folículo, e há
liberação de prostaglandinas, que dilatam os vasinhos da
parede folicular. Esses eventos permitem o rompimento do
folículo. Simultaneamente ao pico de LH, há aumento da
secreção de FSH pela hipófise, que também dilata o folículo.
Lembra que o ciclo ovariano possui 2 partes? Já falamos
sobre a fase folicular e agora vamos falar sobre a segunda
etapa, que é a fase lútea.
A fase lútea é fixa e dura 14 dias. Após a ovulação, as
células da granulosa e da teca interna se enchem de
capilares e se transformam em células luteínicas. Acumulam
lipídios no citoplasma e produzem progesterona
aceleradamente. Nesse momento, está formado o corpo
lúteo. Se liga! A luteinização é dependente da secreção
pulsátil do LH.
O corpo lúteo dura 12 dias. Tem atividade máxima entre 7
e 8 dias, quando atinge o tamanho de 1,5 cm, e começa a
regredir cerca de 3 a 4 dias antes da menstruação. Então,
ele perde sua característica lipídica amarela e se torna o
corpus albicans, que é absorvido por meses.
Conceito: O corpus albicans é a cicatriz de
tecido fibroso que aparece em decorrência da
degeneração do corpo lúteo.

Os produtos produzidos pelo corpo lúteo são a


progesterona e o estrogênio, principalmente a progesterona.
O corpo lúteo tira da circulação o LDL para síntese de
progesterona; por isso, durante essa fase, os níveis de LDL
circulantes sofrem uma queda de até 25%. As células tecais
produzem andrógenos, que sofrem aromatização e se
transformam em estrogênios.
Principalmente o estrogênio, mas também a progesterona,
têm efeito de feedback na hipófise anterior para diminuição
da secreção de LH e FSH. As células luteínicas também
secretam um hormônio chamado de inibina que também
inibe a secreção de FSH e LH. A concentração reduzida
desses hormônios possibilita a involução do corpo lúteo.
Dois dias antes da menstruação, o corpo lúteo alcança sua
involução final. Nesse momento, ocorre a parada brusca de
secreção de estrogênio e inibina; assim, a hipófise volta a
secretar FSH e LH. Esses hormônios dão origem ao
crescimento de novos folículos. Assim, se inicia um novo
ciclo ovariano.
Se liga! Alguns autores consideram que o
ciclo ovariano possui três fases: a fase folicular,
a ovulação e a fase lútea.
Figura 3. Ciclo menstrual. Fonte: Designua/Shutterstock.com

3. CICLO UTERINO
O ciclo uterino ocorre devido às alterações sofridas pelo
endométrio durante o ciclo ovulatório, como resposta a
atividade das progestinas e dos estrogênios. O estrogênio
prolifera células responsáveis pelo desenvolvimento das
características sexuais femininas, enquanto a progesterona
prepara o útero para a gravidez e as mamas para a
lactação.
O ciclo uterino também é divido em duas partes: a fase
proliferativa ou estrogênica e a fase secretória ou
progestacional.
Se liga! O marco de divisão, assim como no
ciclo ovulatório, é a ovulação.

Equivalência entre os ciclos:


Ciclo Ciclo uterino
ovariano

Fase folicular Fase


proliferativa

Fase lútea Fase


secretiva

Na fase proliferativa ou estrogênica, tem-se a


proliferação do endométrio. Ela ocorre do primeiro dia do
ciclo menstrual até a ovulação, correspondendo à primeira
fase do ciclo ovariano. Nesse momento, ocorre a proliferação
progressiva de células epiteliais e do estroma endometrial,
levando ao aumento da espessura do endométrio, pela
estimulação do estrogênio.
Na fase proliferativa, as glândulas endometriais que se
encontravam estreitas e pequenas se alongam e assumem
um formato mais curvado. O pico do estradiol ocorre entre os
dias 8 e 10 do ciclo. Nesse momento o endométrio se
encontra com sua máxima capacidade glandular. O
endométrio que inicialmente tinha 1 a 2 mm cresce e chega
a 10 mm na pré-ovulação.
Depois da ovulação, cerca de 48 a 72 horas, ocorre a fase
secretória ou progestacional. Ela ocorre após a ovulação,
pela ação da progesterona. Nessa fase, o endométrio uterino
está se preparando para receber um embrião, então há
aumento de glicogênio e lipídios, aumento das glândulas
endometriais e, consequentemente, da produção de muco e
aumento do fluxo sanguíneo do endométrio, para melhor
aporte de oxigênio e nutrientes.
Vacúolos com glicogênio são formados pelas glândulas do
endométrio, o glicogênio é secretado no endométrio e atinge
sua capacidade máxima no sexto dia após a ovulação. Nesse
tempo, o endométrio é capaz de receber um blastocisto para
implantação.
Quando não ocorre fecundação e, consequentemente,
implantação uterina, a involução do corpo lúteo leva à
redução de progesterona, o que faz com que as alterações
endometriais ocorram. Inicia-se o processo de
vasoconstrição pelo aumento de protaglandinas,
principalmente PGF2alfa. Como as células estavam sendo
irrigadas por vasos que agora estão constritos, ocorre atrofia
e necrose celular da camada superficial do endométrio por
falta de aporte de oxigênio. Assim, essas células começam a
descamar. Para eliminar as células descamadas, o útero se
contrai. A descamação do endométrio é chamada de
menstruação.
O fluxo menstrual é cessado pela combinação da ação
reparadora do estrogênio, estase vascular e colapso tecidual.
Como a camada basal do endométrio não foi afetada
durante a menstruação, ela pode iniciar a reparação da
camada funcional.
Saiba mais! Caso ocorra gravidez, o
embrião libera a gonadotrofina coriônica
humana (hCG), que estimula o corpo lúteo e
impede sua degeneração. O corpo lúteo
gravídico mantém a liberação de estrogênio e
progesterona capaz de garantir as condições
adequadas no endométrio e dar suporte ao
embrião por cerca de 8 a 12 semanas.
4. INTERAÇÃO HORMONAL
O hipotálamo recebe estímulo dos núcleos arqueados para
secretar o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) de
forma pulsátil, com pulsos que duram de 5 a 25 minutos em
intervalos de 1 a 2 horas. Essa forma de liberação permite,
por mecanismos ainda desconhecidos, a secreção de FSH e
LH pela hipófise anterior. O LH também é liberado de forma
pulsátil pela hipófise a cada 90 minutos. Se o GnRH fosse
liberado de forma contínua, não haveria secreção suficiente
das gonadotrofinas.
O estrogênio age por feedback, de forma a inibir a
secreção de LH e FSH pela hipófise. A progesterona tem
pouco efeito inibitório, porém, quando associados, ela tem a
capacidade de multiplicar o efeito inibidor do estrogênio.
Outros hormônios também atuam na regulação da
secreção de hormônios hipofisários. A inibina secretada
pelas células da granulosa do corpo lúteo é capaz de
diminuir a secreção de FSH e LH, principalmente FSH.
Após a ovulação, o corpo lúteo secreta progesterona,
estrogênio e inibina em altas quantidades. Esses hormônios
fazem feedback negativo na hipófise anterior e no
hipotálamo, diminuindo a secreção de FSH e LH; assim , 3 a
4 dias antes da menstruação, os hormônios hipofisários
atigem seus níveis mais baixos.
Fluxograma 3. Hipótalamo-hipofise-ovário.

Com a involução do corpo lúteo, a secreção de


progesterona, estrogênio e inibina cessa; assim, o efeito de
feedback negativo sobre a hipófise diminui. Então, cerca de
1 dia depois (durante a menstruação), a hipófise aumenta a
liberação de FSH, e alguns dias depois, a de LH. Então, como
já vimos, inicia-se a recrutação de novos folículos. Como na
primeira fase do ciclo há grande circulação de estrogênio, o
feedback negativo é mantido de forma menos intensa.
Por motivos ainda não compreendidos, ocorre o pico pré-
ovulatório de FSH e LH (supõe-se que o alto nível e
estrogênio favoreça essa elevação pelo feedback positivo na
hipófise anterior). O aumento de LH leva à ovulação e ao
desenvolvimento do corpo lúteo, que levará a um novo ciclo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Guerreiro, D., de Andrade Carvalho, A., Lima, L., Rodrigues,
G., Figueiredo, J. and Rodrigues, A. (2015). Impacto dos
agentes antineoplásicos sobre os folículos ovarianos e
importância das biotécnicas reprodutivas na
preservação da fertilidade humana. Reprodução &
Climatério, 30(2), pp.90-99.
HALL, John Edward; GUYTON, Arthur C. Guyton & Hall
tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2017.
KOEPPEN, B.M.; STANTON, B.A. Berne & Levy: Fisiologia.
6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 864 p
Ministério da saúde – Orientações para o atendimento a
saúde da adolescente.
7. FISIOLOGIA DO SISTEMA
REPRODUTOR MASCULINO

1. INTRODUÇÃO
Para melhor compreensão do tema, precisamos
estabelecer as correlações necessárias entre as bases
embrionárias e histológicas sobre as quais esse segmento da
nossa fisiologia se sustenta; afinal, todas as atividades
pertinentes a ela traduzem o modo como a embriologia e a
histologia se processaram no curso do desenvolvimento.
O sistema reprodutor masculino evoluiu para uma
gametogênese contínua, que perdura por toda a vida,
associado à inseminação interna com uma alta
densidade de espermatozoides. Isso traduz, em
perspectiva evolutiva, a importância da perpetuação da
espécie e da necessidade de um aparato anatomofisiológico
que possa fazer frente a essa tarefa tão importante.
A componente endócrina é essencial para dar condições
ao funcionamento pleno ao sistema reprodutor. Em um
homem adulto, as funções básicas dos hormônios gonadais
são descritas abaixo:
2. EMBRIOLOGIA
Sabemos que o desenvolvimento do sistema genital está
estreitamente integrado aos órgãos urinários primitivos em
machos e fêmeas. E o que reforça isso? O fato de que eles
compartilham estruturas tubulares comuns que
permitem tanto a urese (produção de urina) quanto o
transporte de gametas.
Além das estruturas néfricas, o mesoderma
intermediário em ambos os lados da parede dorsal do
corpo dá origem a uma crista gonadal.
Por volta da 6ª semana, as células germinativas que
migram a partir do saco vitelino começam a chegar ao
mesênquima da parede dorsal do corpo. A chegada de
células germinativas à área imediatamente medial aos
mesonefros no décimo segmento torácico induz o epitélio
celômico a produzir células somáticas de sustentação
que envolvem as células germinativas.
As células somáticas de sustentação se diferenciarão em
células de Sertoli (epiteliócito sustentador) nos homens e
em células foliculares (ou células granulosas) nas mulheres.
Durante o mesmo período, um novo par de ductos, os
ductos paramesonéfricos (müllerianos), é formado na
parede dorsal do corpo a partir do epitélio celômico
imediatamente lateral aos ductos mesonéfricos.
A diferenciação sexual genética masculina começa no fim
da 6ª semana, quando um gene específico no cromossoma Y
(SRY) é expresso nas células somáticas de sustentação. O
produto deste gene, denominado proteína SRY, inicia uma
cascata de desenvolvimento que conduz à formação dos
testículos, dos ductos genitais masculinos e glândulas
associadas, dos genitais externos masculinos e de todo o
conjunto de características sexuais secundárias masculinas.
A proteína SRY exerce controle autônomo sobre o
desenvolvimento de células somáticas de sustentação em
células pré-Sertoli. Células pré-Sertoli, então, recrutam
células mesenquimais para a crista gonadal, e estas células
dão origem a células de Leydig e células endoteliais
testiculares.
Células de Sertoli em diferenciação, em seguida,
envolvem as células germinativas e, em conjunto com as
células mioepiteliais, organizam-se em cordões testiculares
(futuros túbulos seminíferos). As porções mais profundas das
células somáticas de sustentação na gônada em
desenvolvimento, que não contêm células germinativas,
diferenciam-se na rede testicular.
A rede testicular se conecta com um número limitado de
túbulos mesonéfricos e se canaliza na puberdade para
formar ductos que conectam os túbulos seminíferos ao ducto
mesonéfrico. Estes túbulos néfricos se tornam os
dúctulos eferentes dos testículos, e os ductos
mesonéfricos se tornam os epidídimos e ductos
deferentes. Os ductos paramesonéfricos se
degeneram.
Durante o 3° mês, do ducto deferente distal brota a
vesícula seminal e a próstata e as glândulas
bulbouretrais crescem a partir da uretra pélvica
adjacente. Simultaneamente, as genitálias externas
indiferenciadas se diferenciam em pênis e escroto. Mais
tarde, no desenvolvimento fetal, os testículos descem para o
escroto pelos canais inguinais.

Se liga! O primeiro evento no


desenvolvimento genital masculino é a
expressão da proteína SRY no interior das
células somáticas de sustentação da gônada XY.
Sob a influência deste fator, as células
somáticas de sustentação começam a se
diferenciar em células de Sertoli e envolver as
células germinativas. Caso o SRY esteja
ausente, como ocorre nas gônadas XX, as
células somáticas de sustentação irão se
diferenciar em células foliculares ovarianas, que
envolvem as células germinativas.
Rudimentos presuntivos Estrutura masculina
Gônada indiferenciada Testículos

Célula germinativa
Espermatogônia
primordial

Célula somática de suporte Células de Sertoli

Células do estroma Células de Leydig

Gubernáculo Gubernáculo dos testículos

Ductos eferentes dos


Túbulos mesonéfricos testículos
Paradídimo

Apêndice do epidídimo –
Epidídimo – Canais
Ducto mesonéfrico
deferentes – Vesícula
seminal – Ducto ejaculatório

Ductos paramesonéfricos Apêndice dos testículos

Uretra prostática e
membranosa – Utrículo
Seio urogenital prostático – Glândula
prostática – Glândulas
bulbouretrais

Glande do pênis – Corpo


Tubérculo genital cavernoso do pênis –
Corpo esponjoso do pênis

Pregas urogenitais e placa Uretra peniana/parte ventral


urogenital e da glande do pênis

Pregas labioescrotais Escroto


Tabela 1. Derivados adultos e remanescentes vestigiais das estruturas
reprodutivas embri

3. HISTOFISIOLOGIA
O aparelho reprodutor masculino é, então, composto pelos
testículos, ductos genitais, glândulas acessórias e
pênis, evidenciados a seguir:
Figura 1. Anatomia do sistema reprodutor masculino. Fonte:
logika600/Shutterstock.com

Testículos
São órgãos pareados e que, diferentemente dos ovários,
se encontram fora da cavidade abdominal, no escroto.
Esta localização mantém a temperatura testicular cerca de 2
graus mais baixa do que a temperatura corporal, o que é
crucial para um desenvolvimento ótimo do espermatozoide.
Exercem uma função dupla, que é produzir hormônios
sexuais masculinos e espermatozoides. A testosterona
é o principal hormônio produzido nos testículos, e seu
metabólito, a dihidrotestosterona, é muito importante
para a fisiologia do homem.
A testosterona tem um papel essencial para a
espermatogênese, para a diferenciação sexual durante o
desenvolvimento embrionário e fetal e para o controle da
secreção de gonadotrofinas. Ela possui diversas funções e
age em muitos órgãos e tecidos do corpo, como
demonstrado na imagem a seguir:
Durante a embriogênese, os testículos se desenvolvem
retroperitonealmente na parede posterior da cavidade
abdominal. À medida que eles descem para o escroto, levam
junto com eles uma porção do peritônio.
Esta evaginação peritoneal, a túnica vaginal, consiste
em uma camada parietal exterior e uma camada
visceral interna, a qual forma uma cavidade serosa que
envolve, parcialmente, a região anterolateral de cada
testículo, permitindo um certo grau de mobilidade dentro do
seu compartimento no escroto.

Figura 2. Anatomia e organização dos testículos Fonte:


Sakurra/Shutterstock.com

Cada testículo está envolvido por uma cápsula de tecido


conjuntivo denso modelado, denominada túnica
albugínea. Imediatamente abaixo desta camada, existe um
tecido conjuntivo frouxo altamente vascularizado, a túnica
vascular, a qual forma a cápsula vascular dos testículos.
Figura 3. Histologia de um lóbulo testicular Fonte: Jose Luis
Calvo/Shutterstock.com

A região posterior da túnica albugínea é um pouco mais


espessada, formando o mediastino testicular, a partir do
qual se irradiam septos de tecido conjuntivo, que
subdividem cada testículo em aproximadamente 250
compartimentos piramidais intercomunicantes, denominados
lóbulos testiculares. Cada lóbulo contêm de um a quatro
túbulos seminíferos de fundo cego, envolvidos por tecido
conjuntivo frouxo altamente vascularizado e ricamente
inervado, derivado da túnica vascular.

Se liga! Dispersos por todo este tecido


conjuntivo estão pequenos conglomerados de
células endócrinas, as células intersticiais de
Leydig, que são responsáveis pela síntese de
testosterona. Os espermatozoides são
produzidos pelo epitélio seminífero dos túbulos
seminíferos.
Os espermatozoides dirigem-se para curtos ductos
retilíneos, os túbulos retos, que ligam a extremidade aberta
de cada túbulo seminífero à rede testicular, um sistema de
espaços labirínticos localizado no mediastino testicular. Esta
rede continua com ductos menores, os dúctulos eferentes,
que levam o espermatozoide do testículo para a cabeça do
epidídimo, no polo superior do testículo.
Uma vez no epidídimo, o espermatozoide passa da cabeça
para o corpo, e em seguida para a cauda do epidídimo e,
então, segue para o ducto deferente. A presença dos
túbulos seminíferos cria dois compartimentos em cada
lóbulo: um compartimento intratubular, que é composto
pelo epitélio seminífero do túbulo seminífero, e um
compartimento peritubular, que é composto por
elementos neurovasculares, células do tecido conjuntivo,
células imunes e as “células intersticiais de Leydig”, que
têm como função principal produzir testosterona.
O suprimento vascular de cada testículo origina-se da
aorta abdominal como a artéria testicular, a qual desce
junto com os testículos para dentro do escroto,
acompanhando os ductos deferentes ou canais deferentes. A
artéria testicular forma vários ramos antes de perfurar a
cápsula do testículo para formar os elementos vasculares
intratesticulares.
Os leitos capilares dos testículos são coletados por várias
veias, que formam o plexo venoso pampiniforme, as quais se
encontram enroladas ao redor da artéria testicular. A
artéria, as veias e o ducto deferente formam juntos o
cordão espermático, o qual atravessa o canal inguinal, a
passagem que comunica a cavidade abdominal com o
escroto.
Se liga! O sangue do plexo pampiniforme de
veias, que é mais frio do que o da artéria
testicular, atua reduzindo a temperatura do
sangue arterial, formando assim um sistema
contracorrente de trocas de calor. Os testículos
são mantidos, então, a uma temperatura mais
baixa no escroto; deste modo, ajudando o efeito
de resfriamento do plexo pampiniforme de
veias, o que, como já foi mencionado, favorece
a vitalidade dos espermatozoides.

Túbulos seminíferos
Os túbulos seminíferos são constituídos por um espesso
epitélio seminífero envolvido por um delgado tecido
conjuntivo, a túnica própria. Os túbulos seminíferos são
túbulos ocos, altamente contorcidos, com 30 a 70 cm de
comprimento e 150 a 250 μm de diâmetro, que estão
circundados por extensos leitos capilares. Cerca de 1.000
túbulos seminíferos estão presentes nos dois testículos, com
um comprimento total de quase 0,5 km de túbulos,
dedicados à produção de espermatozoides.
A parede dos túbulos seminíferos é constituída por uma
delgada camada de tecido conjuntivo, a túnica própria, e
por um espesso epitélio seminífero. A túnica própria e o
epitélio seminífero estão separados um do outro por uma
lâmina basal bem desenvolvida. O tecido conjuntivo é
constituído principalmente por delgados feixes entrelaçados
de fibras de colágeno tipo I contendo várias camadas de
fibroblastos. O epitélio seminífero ou epitélio
germinativo apresenta várias camadas de células e é
constituído por duas linhagens de células: as células de
Sertoli e as células da linhagem seminífera (ou células
da linhagem espermatogênica). Estas últimas células
encontram-se em diferentes estágios de maturação.

Células de Sertoli
As células de Sertoli são conhecidas como as
verdadeiras células epiteliais do epitélio seminífero e se
estendem da lâmina basal ao lúmen. São células
cilíndricas altas, cujas membranas plasmáticas laterais
possuem complexas invaginações, as quais tornam
impossível a distinção de seus limites celulares laterais
quando visualizadas ao microscópio óptico.
Suas membranas plasmáticas apicais também são muito
pregueadas e se projetam para os lúmens dos túbulos
seminíferos. Estas células têm um núcleo oval, pouco
corado, e localizado no citoplasma basal, com um grande
nucléolo centralmente posicionado.
O citoplasma apresenta inclusões, denominadas
cristaloides de Charcot-Böttcher, cuja composição e função
são desconhecidas. Eletromicrografias revelam que o
citoplasma das células de Sertoli está repleto de túbulos e
vesículas de retículo endoplasmático liso (REL), porém
a quantidade de retículo endoplasmático granular (RE)
é limitada.
Esta célula também apresenta numerosas
mitocôndrias, um aparelho de Golgi bem desenvolvido
e numerosas vesículas que pertencem ao complexo
endolisossomal. Os elementos do citoesqueleto das
células de Sertoli também são abundantes, indicando
que uma das funções desta célula é fornecer suporte
estrutural para os gametas em desenvolvimento.

Figura 4. Túbulos seminíferos. Fonte: David A Litman/Shutterstock.com

As células de Sertoli realizam as seguintes funções:


Célula de Leydig
Também estão dispersas por toda a túnica vascular
pequenos grupos de células endócrinas, as células
intersticiais de Leydig, as quais produzem o hormônio
testosterona. Assim, constituem-se em típicas células
esteroidogênicas, apresentando mitocôndrias com cristas
tubulosas, além de um aparelho de Golgi bem desenvolvido.
Estas células também possuem algum reticulo
endoplasmático rugoso e numerosas gotículas lipídicas, mas
não contêm vesículas de secreção, porque a testosterona é,
provavelmente, liberada logo após a sua síntese ser
completada. Os lisossomos e os peroxissomos também são
evidentes, assim como pigmentos de lipocromo,
especialmente em homens idosos. O citoplasma também
contêm proteínas cristalizadas, os cristais de Reinke, uma
característica das células intersticiais humanas.

Se liga! A testosterona produzida pelas


células de Leydig tem diversos destinos e
múltiplas ações. Devido à proximidade das
células de Leydig dos túbulos seminíferos,
quantidades significativas de testosterona se
difundem para eles e são concentradas no
compartimento adluminal. Os níveis de
testosterona nos túbulos seminíferos são mais
de 100 vezes superiores aos níveis de
testosterona circulantes, e são necessários para
a espermatogênese normal.
Espermatogênese
O processo de espermatogênese, através do qual as
espermatogônias dão origem aos espermatozoides, é
dividido em três fases: espermatocitogênese, meiose e
espermiogênese. A maioria das células que compõem o
espesso epitélio seminífero é de células da linhagem
espermatogênica em diferentes estágios de maturação.
Algumas destas células, as espermatogônias, estão
localizadas no compartimento basal, enquanto a maioria
das células em desenvolvimento, como espermatócitos
primários, espermatócitos secundários, espermátides
e espermatozoides, ocupam o compartimento adluminal.
As espermatogônias são células diploides que
sofrem divisão mitótica para formar mais
espermatogônias, bem como espermatócitos primários, que
migram do compartimento basal para o compartimento
adluminal. Existem três categorias de
espermatogônias:
Figura 5. Interações entre as várias células dos testículos na regulação
hormonal da espermatogênese. Fonte: Autoria própria
Os espermatócitos primários entram na primeira
divisão meiótica para formar espermatócitos
secundários, que sofrem a segunda divisão meiótica,
formando células haploides denominadas espermátides.
Estas células haploides transformam-se em
espermatozoides através da eliminação de grande parte
do seu citoplasma, do rearranjo de suas organelas e da
formação de um flagelo.

Espermiogênese
Espermiogênese é o nome da fase final de produção de
espermatozoides. Durante esse processo, as espermátides
se transformam em espermatozoides, células altamente
especializadas para transferir o DNA masculino ao ovócito.
Nenhuma divisão celular ocorre durante esta
transformação.
Figura 6. Desenvolvimento das células espermáticas. Fonte:
Ody_Stocker/Shutterstock.com

As espermátides podem ser distinguidas por seu


pequeno tamanho (7 a 8 μm de diâmetro), pelos núcleos
com quantidades crescentes de cromatina
condensada e formas variadas, que são inicialmente
redondos e depois cada vez mais alongados, ou pela
posição perto do lúmen dos túbulos seminíferos. A
espermiogênese é um processo complexo, que inclui as
seguintes etapas:
O resultado final é o espermatozoide maduro, que é
liberado no lúmen do túbulo seminífero. O processo da
espermiogênese pode ser dividido em três etapas: no
complexo de Golgi, no acrossomo e da maturação.

Fatores que influenciam a


espermatogênese
Hormônios
Os fatores de natureza endócrina constituem os mais
importantes no controle da espermatogênese, a qual
depende da ação dos hormônios FSH e LH da hipófise sobre
as células do testículo. O FSH age nas células de Sertoli,
promovendo a síntese e a secreção de proteína ligante
de andrógeno (ABP).
O LH age nas células intersticiais, estimulando a
produção de testosterona. A testosterona se difunde das
células intersticiais para o interior do túbulo seminífero e se
combina com a proteína ligante de andrógeno. Dessa
maneira, se mantém uma alta concentração de testosterona
no túbulo seminífero, condição muito importante para
estimular a espermatogênese.

Temperatura
A temperatura é muito importante para o controle da
espermatogênese, que só acontece a temperaturas abaixo
de 37ºC. A temperatura dos testículos é de
aproximadamente 35ºC e é controlada por meio de vários
mecanismos.
Um rico plexo venoso, o plexo pampiniforme, envolve
as artérias dos testículos e forma um sistema contracorrente
de troca de calor, que é importante para manter a
temperatura testicular. Outros fatores são a evaporação de
suor da pele da bolsa escrotal, que contribui para a
perda de calor e a contração de músculos cremastéricos
do cordão espermático que tracionam os testículos em
direção aos canais inguinais, nos quais a sua temperatura
pode ser aumentada.

Outros fatores
Desnutrição, alcoolismo e várias substâncias levam a
alterações nas espermatogônias, causando diminuição na
produção de espermatozoides. Irradiações e sais de
cádmio são bastante tóxicos para as células da linhagem
espermatogênica, causando a morte dessas células e
esterilidade nos indivíduos acometidos.
4. DUCTOS GENITAIS
Os ductos genitais e as glândulas acessórias
produzem secreções que, impulsionadas por contração de
músculo liso, transportam os espermatozoides para o
exterior. Assim, essas glândulas produzem a porção não
celular do sêmen a qual se constitui num veículo fluido
para liberar os espermatozoides no trato reprodutor
feminino, além de promover a sua nutrição.

Se liga! O sêmen é composto por


espermatozoides e por essas secreções dos
ductos genitais e das glândulas acessórias. As
glândulas associadas ao trato reprodutor
masculino são representadas pelas duas
vesículas seminais, a próstata e as duas
glândulas bulbouretrais. Já o pênis tem uma
dupla função: ele lança o sêmen no trato
reprodutor feminino durante a cópula e serve
de canal para a urina, conduzindo-a da bexiga
para o exterior do corpo.

Ductos intratesticulares
Os ductos genitais intratesticulares seguem os
túbulos seminíferos e conduzem espermatozoides e fluidos,
sendo eles: os túbulos retos, rede testicular e ductos
eferentes. A maioria dos túbulos seminíferos tem forma de
alça, cujas extremidades continuam nos túbulos retos.
Nesses túbulos, faltam as células da linhagem
espermatogênica e há um segmento inicial formado somente
por células de Sertoli seguido por um segmento principal
revestido por um epitélio de células cuboides apoiado em
uma envoltura de tecido conjuntivo denso.

Os túbulos retos continuam na rede testicular, situada


no mediastino do testículo e composta por uma rede
altamente anastomosada de canais revestidos por um
epitélio de células cuboides. Da rede testicular saem 10 a 20
ductos eferentes formados por grupos de células epiteliais
cuboides não ciliadas que se alternam com grupos de células
cujos cílios batem em direção do epidídimo, conferindo a
este epitélio um característico aspecto com saliências e
reentrâncias.
As células não ciliadas absorvem fluido secretado pelos
túbulos seminíferos, o que, juntamente com a atividade de
células ciliadas, cria um fluxo que conduz os
espermatozoides para o epidídimo. Uma delgada camada
de células musculares lisas orientadas circularmente existe
em volta da lâmina basal do epitélio. Os ductos eferentes
gradualmente se fundem para formar o ducto do
epidídimo.
Ductos genitais extratesticulares
Os ductos genitais extratesticulares, que transportam os
espermatozoides do testículo para o meato do pênis, são o
ducto epididimário, o ducto deferente e a uretra.
O ducto e epididimário é um tubo único altamente
enrolado, que mede de 4 a 6 m de comprimento. Juntamente
com o tecido conjuntivo circunvizinho e vasos sanguíneos,
esse ducto forma o corpo e a cauda do epidídimo, uma
estrutura anatômica com cápsula própria. Por ser muito
enovelado, um corte do ducto do epidídimo mostra grande
número de secções do tubo, dando a falsa impressão de que
são muitos ductos. Ele é formado por um epitélio colunar
pseudoestratificado, composto de células basais
arredondadas e de células colunares. A superfície das células
colunares é coberta por longos e ramificados microvilos de
formas irregulares, chamados estereocílios.
O epitélio do ducto epididimário participa da absorção e
digestão dos corpos residuais das espermátides, que
são eliminados durante a espermatogênese. As células
epiteliais se apoiam sobre uma lâmina basal que é envolvida
por células musculares lisas e por tecido conjuntivo frouxo.
As contrações peristálticas do músculo liso ajudam a mover
o fluido ao longo do tubo.
A extremidade do ducto do epidídimo origina o ducto
deferente, que termina na uretra prostática, onde
esvazia seu conteúdo. O ducto deferente é caracterizado por
um lúmen estreito e uma espessa camada de músculo liso.
Sua mucosa forma dobras longitudinais e, ao longo da maior
parte de seu trajeto, é coberta de um epitélio colunar
pseudoestratificado com estereocílios.
A lâmina própria da mucosa é uma camada de tecido
conjuntivo rico em fibras elásticas, e a camada muscular
consiste em camadas internas e externas longitudinais
separadas por uma camada circular. O músculo liso sofre
fortes contrações peristálticas que participam da expulsão
do sêmen durante a ejaculação.
O ducto deferente faz parte do cordão espermático,
um conjunto de estruturas que inclui ainda a artéria
testicular, o plexo pampiniforme e nervos. Antes de
entrar na próstata, o ducto deferente se dilata, formando
uma região chamada ampola, na qual o epitélio é mais
espesso e muito pregueado.
Na porção final da ampola, desembocam as vesículas
seminais. Em seguida, o ducto deferente penetra a próstata
e se abre na uretra prostática. O segmento que entra na
próstata é chamado ducto ejaculatório, cuja mucosa é
semelhante à do deferente, porém não é envolvida por
músculo liso.

Características Histológicas e Funcionais dos Ductos


Genitais Masculinos
Revestimento Tecidos de
Ducto Função
epitelial sustentação
Células de Sertoli Conduz os
na metade Tecido espermatozoides
Túbulos
proximal; epitélio conjuntivo dos túbulos
retos
simples cúbico na frouxo seminíferos para
metade distal a rede testicular

Conduz os
Tecido espermatozoides
Rede Epitélio simples
conjuntivo dos túbulos
testicular cúbico
vascularizado retos para os
ductos eferentes
Características Histológicas e Funcionais dos Ductos
Genitais Masculinos
Revestimento Tecidos de
Ducto Função
epitelial sustentação
Delgada
camada de
tecido
conjuntivo
Áreas de células frouxo Conduz os
cúbicas não ciliadas envolvida por espermatozoides
Ductos
que se alternam uma delgada da rede
eferentes
com células camada de testicular para o
cilíndricas ciliadas células epidídimo
musculares
lisas
organizadas
circularmente

Delgada
camada de
tecido
Epitélio conjuntivo
pseudoestratificado frouxo Conduz os
constituído por envolvida por espermatozoides
Epidídimo células basais uma delgada dos ductos para
baixas e células camada de o ducto
principais altas células deferente
(com estereocílios) musculares
lisas
organizadas
circularmente
Características Histológicas e Funcionais dos Ductos
Genitais Masculinos
Revestimento Tecidos de
Ducto Função
epitelial sustentação
Tecido
conjuntivo
frouxo
fibroelástico, Leva os
Epitélio
três camadas espermatozoides
Ducto pseudoestratificado
espessas de da cauda do
deferente cilíndrico
músculo liso, epidídimo para o
estereociliado
longitudinais ducto ejaculador
interna e
externa e
circular média

Tecido
conjuntivo
Leva os
subepitelial
espermatozoides
com pregas,
e o fluido
Ducto Epitélio simples dando um
seminal para a
ejaculador cilíndrico aspecto
uretra prostática
irregular ao
junto ao colículo
lúmen;
seminal
ausência de
músculo liso

Tabela 2. Características histológicas e funcionais dos ductos


Saiba mais! Como o ducto deferente
possui uma parede muscular de 1 mm de
espessura, ele é facilmente perceptível através
da pele do escroto como um túbulo denso
rolante. A vasectomia, que consiste na remoção
cirúrgica de parte do ducto deferente, é
realizada através de uma pequena incisão no
saco escrotal, tornando, desta maneira, a
pessoa infértil. Após a vasectomia, a ejaculação
continua normal, só não havendo
espermatozoides no líquido ejaculado.

Figura 7. Vasectomia. Fonte: medicalstocks/Shutterstock.com

5. GLÂNDULAS ACESSÓRIAS
As glândulas genitais acessórias são as vesículas
seminais, a próstata e as glândulas bulbouretrais,
sendo as produtoras de secreções essenciais para a função
reprodutiva do homem.
As vesículas seminais consistem em dois tubos muito
tortuosos cuja mucosa se mostra pregueada e forrada com
epitélio cuboide ou pseudoestratificado colunar. As
células epiteliais são ricas em grânulos de secreção,
semelhantes aos encontrados em células que sintetizam
proteínas. A lâmina própria é rica em fibras elásticas e é
envolvida por uma espessa camada de músculo liso.
As vesículas seminais não são reservatórios para
espermatozoides. São glândulas que produzem uma
secreção que contêm substâncias importantes para os
espermatozoides, como frutose, citrato, inositol,
prostaglandinas e várias proteínas. Os carboidratos
produzidos pelas glândulas acessórias do sistema reprodutor
masculino e o líquido seminal constituem fonte energética
para a motilidade dos espermatozoides.

Se liga! O monossacarídeo frutose é o mais


abundante dos carboidratos. Aproximadamente
setenta por cento do volume de ejaculado
humano se origina nas vesículas seminais, e o
grau da atividade secretora da glândula
depende dos níveis circulantes de testosterona.
A próstata é um conjunto de 30 a 50 glândulas
tubuloalveolares ramificadas que envolvem uma porção da
uretra chamada uretra prostática. A próstata tem três zonas
distintas: a zona central, que corresponde a cerca de 25%
do volume da glândula, a zona de transição e a zona
periférica, que abrange cerca de 70% da glândula. Os seus
ductos desembocam na uretra prostática.

Se liga! Em aproximadamente 70% dos


casos, o carcinoma da próstata surge na zona
periférica da glândula, classicamente em uma
localização posterior, onde pode ser palpável no
exame retal. Caracteristicamente, no corte
transversal da próstata, o tecido neoplásico é
granuloso e firme, mas quando incrustado no
interior da substância prostática sua
visualização pode ser extremamente difícil,
sendo mais facilmente aparente à palpação.

Saiba mais! À medida que os homens


envelhecem, o estroma prostático e as
glândulas da mucosa e da submucosa começam
a crescer, uma condição denominada hipertrofia
prostática benigna (HPB). O aumento da
próstata estrangula parcialmente o lúmen da
uretra, resultando em dificuldades na micção.
Aproximadamente 40% dos homens com 50
anos de idade são atingidos por esta condição,
e a porcentagem aumenta para 95% em
homens com 80 anos de idade.

As glândulas tubuloalveolares da próstata são formadas


por um epitélio cuboide alto ou pseudoestratificado
colunar e um estroma fibromuscular que cerca as glândulas.
A próstata é envolvida por uma cápsula fibroelástica rica em
músculo liso. Septos dessa cápsula penetram na glândula e
a dividem em lóbulos, que não são facilmente percebidos em
um adulto.
As glândulas produzem secreção e a armazenam para
expulsá-la durante a ejaculação. A secreção prostática
constitui uma parte do sêmen, sendo um líquido seroso,
branco, rico em lipídios, enzimas proteolíticas, fosfatase
ácida, fibrinolisina e ácido cítrico. Da mesma maneira como
ocorre na vesícula seminal, a estrutura e a função da
próstata são reguladas por testosterona.

Figura 8. Diferença entre próstata normal e próstata aumentada. Fonte:


ilusmedical/Shutterstock.com
Saiba mais! O exame de PSA é um teste
usado no diagnóstico e no tratamento do câncer
de próstata. Ele é um produto do epitélio
prostático e é secretado normalmente no
sêmen, sendo uma serina protease cuja função
é clivar e liquefazer o coágulo seminal formado
após a ejaculação. Em homens normais, apenas
quantidades mínimas de PSA circulam no soro.
Vale ressaltar que, embora exista uma
associação entre PSA elevado e
adenocarcinoma prostático, o PSA é uma
marcador órgão-específico, isto é, indica a
presença do órgão, não sendo, pois, um
marcador específico de câncer.

As glândulas bulbouretrais (glândulas de Cowper),


que medem de 3 a 5 mm de diâmetro, situam-se na porção
membranosa da uretra, na qual lançam sua secreção. Elas
são glândulas tubuloalveolares, revestidas por um epitélio
cúbico simples secretor de muco. Células musculares
esqueléticas e lisas são encontradas nos septos que dividem
a glândula em lóbulos, e o muco secretado é claro e age
como lubrificante.

6. PÊNIS
O pênis é dividido em três partes: raiz, corpo e glande. A
raiz é encontrada na bolsa perineal superficial, fixando o
pênis ao períneo. O corpo do pênis é constituído por três
tecidos eréteis, em que dois desses cilindros, os corpos
cavernosos do pênis, estão localizados na parte dorsal do
pênis. O terceiro, localizado ventralmente, é chamado corpo
cavernoso da uretra ou corpo esponjoso e envolve a
uretra. Na sua extremidade distal ele se dilata, formando a
glande do pênis.

Figura 9. Anatomia do pênis. Fonte: hogika600/Shutterstock.com

A maior parte da uretra peniana é revestida por epitélio


pseudoestratificado colunar, que na glande se transforma
em estratificado pavimentoso, e glândulas secretoras de
muco são encontradas ao longo da uretra peniana.
O prepúcio é uma dobra retrátil de pele que contêm
tecido conjuntivo com músculo liso em seu interior, e
glândulas sebáceas são encontradas na dobra interna e na
pele que cobre a glande. Os corpos cavernosos são
envolvidos por uma camada resistente de tecido conjuntivo
denso, a túnica albugínea.
É suprido por ramos da artéria pudenda interna, enquanto
o sangue venoso é conduzido pela veia pudenda externa
superficial. A inervação do pênis é oferecida por três nervos
principais:

O tecido erétil que compõe os corpos cavernosos do pênis


e da uretra tem uma grande quantidade de espaços venosos
separados por trabéculas de fibras de tecido conjuntivo e
células musculares lisas que recebem sangue dos ramos das
artérias profunda e dorsal do pênis.
Estes ramos penetram nas paredes das trabéculas do
tecido erétil e formam plexos capilares, que fornecem fluxo
sanguíneo para os espaços vasculares, ou formam artérias
espiraladas (artérias helicinas), as quais são importantes
fontes de sangue para os espaços vasculares durante a
ereção do pênis.

Figura 10. Seção transversal da anatomia do pênis. Fonte:


medicalstocks/Shutterstock.com

Assim, a ereção do pênis se constitui num processo


hemodinâmico controlado por impulsos nervosos sobre
o músculo liso das artérias do pênis e sobre o músculo liso
das trabéculas que cercam os espaços vasculares dos corpos
cavernosos.
No estado flácido, o fluxo de sangue no pênis é pequeno,
mantido pelo tônus intrínseco da musculatura lisa e por
impulsos contínuos de inervação simpática. A ereção ocorre
quando impulsos vasodilatadores do parassimpático
causam o relaxamento da musculatura dos vasos
penianos e do músculo liso dos corpos cavernosos.
A vasodilatação também se associa à concomitante
inibição de impulsos vasoconstritores do simpático. A
abertura das artérias penianas e dos espaços cavernosos
aumenta o fluxo de sangue que preenche os espaços
cavernosos, produzindo a rigidez do pênis. As veias do pênis
tornam-se comprimidas e o sangue fica retido nos
espaços vasculares do tecido erétil, mantendo, desta
maneira, o pênis em uma condição ereta.
A contração e o relaxamento dos corpos cavernosos
dependem da taxa de cálcio intracelular que, por sua
vez, é modulada por guanosina monofosfato (GMP). A
estimulação contínua da glande do pênis resulta na
ejaculação, a expulsão forçada do sêmen a partir dos ductos
genitais masculinos. Após a ejaculação ou quando cessam os
impulsos parassimpáticos e os níveis de GMPc diminuem,
outra enzima, a fosfodiesterase (PDE), degrada o GMPc,
permitindo que as contrações das células musculares lisas
ocorram novamente. Assim, os espaços cavernosos
começam a ter o sangue drenado e a ereção termina.
Portanto, o retorno do pênis ao estado de flacidez associa-se
à redução da atividade parassimpática.

Se liga! A ereção é controlada pelo sistema


nervoso parassimpático. Ela resulta de
estímulos sexuais, táteis, olfativos, visuais,
auditivos e/ou psicológicos. A ejaculação é
controlada pelo sistema nervoso simpático.
Saiba mais! O neurotransmissor óxido
nítrico (NO) liberado pelas células endoteliais
dos capilares ativa a guanilato ciclase das
células musculares lisas que produzem
monofosfato cíclico de guanosina (GMPc) a
partir do trifosfato de guanosina (GTP) que,
deste modo, provoca o relaxamento das células
musculares lisas. O relaxamento das células
musculares lisas permite o acúmulo de sangue
nos espaços vasculares, e este aumento dos
vasos comprime o pequeno canal do retorno
venoso que drena os espaços cavernosos,
resultando na ereção do pênis.
A ejaculação, ao contrário da ereção, é regulada pelo
sistema nervoso simpático. Estes impulsos desencadeiam a
seguinte sequência de acontecimentos, que começa com a
contração do músculo liso dos ductos genitais e das
glândulas genitais acessórias forçam o sêmen para dentro da
uretra, dessa forma, o músculo do esfíncter da bexiga
urinária se contrai, impedindo a liberação de urina ou a
entrada de sêmen na bexiga.
Com isso, o músculo bulboesponjoso, que envolve a
extremidade proximal do corpo esponjoso, sofre contrações
rítmicas poderosas, que resultam na expulsão forçada do
sêmen da uretra. A ejaculação é seguida pelo término dos
impulsos parassimpáticos para os vasos sanguíneos que
irrigam o pênis.
Como resultado, as anastomoses arteriovenosas são
reativadas, o fluxo sanguíneo através das artérias profunda e
dorsal do pênis diminui, e a drenagem venosa esvazia
lentamente o sangue dos espaços vasculares dos tecidos
eréteis. Quando o sangue é drenado destes espaços
vasculares, o pênis sofre detumescência e torna-se flácido.

Se liga! Uma incapacidade de atingir ou


manter uma ereção é denominada disfunção
erétil e é uma causa de infertilidade. Múltiplos
fatores podem levar à disfunção erétil, incluindo
produção insuficiente de andrógeno, dano
neurovascular, como de diabetes melito, lesão
de medula espinhal, dano estrutural ao pênis,
períneo ou pélvis, fatores psicogênicos, como
depressão, ansiedade de performance, e
medicações prescritas e drogas recreacionais,
incluindo álcool e tabaco. Um grande avanço no
tratamento de algumas formas de disfunção
erétil é o uso de inibidores seletivos de GMPc-
fosfodiesterases, os quais auxiliam na
manutenção de uma ereção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Schoenwolf, GC; Bleyl, SB; Brauer, PR; FrancisWest, PH -
Larsen Embriologia Humana – 5ª Edição -Elsevier, 2016.
Gartner, LP; Hiatt, JL – Tratado de Histologia em Cores – 3ª
Edição – Saunders/Elsevier 2007.
Junqueira, LC; Carneiro, J – Histologia Básica – Texto e Atlas –
12ª Edição – Editora Guanabara Koogan 2013.
Koeppen, BM; Stanton, BA – Berne & Levy – Fisiologia – 6ª
Edição – Elsevier 2009.
Guyton, AC; Hall. JE – Tratado de Fisiologia Médica – 13ª
Edição – Elsevier 2017.
Table of Contents
Capa
Créditos
Autores
Sumário
PREFÁCIO
1. SISTEMA DIGESTÓRIO – SECREÇÕES E MOTILIDADE
1. FUNÇÃO SECRETORA DO TRATO
GASTROINTESTINAL
2. Secreção Salivar
3. Secreção gástrica
4. Secreção pancreática
5. Secreção biliar
6. MOTILIDADE DO TRATO GASTROINTESTINAL
Referências Bibliograficas
2. FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL
1. INTRODUÇÃO
2. CARBOIDRATOS
3. PROTEÍNAS
4. LIPÍDEOS
5. ÁGUA E ELETRÓLITOS
6. FUNÇÕES METABÓLICAS DO FÍGADO
7. METABOLISMO DA BILIRRUBINA
8. PROCESSAMENTO DA AMÔNIA
Referências Bibliográficas
3. função renal
1. O RIM
2. FILTRAÇÃO GLOMERULAR
3. SISTEMA TAMPÃO
Referências Bibliograficas
4. Formação da Urina e Micção
1. Introdução
2. Funções do sistema urinário
3. Formação da Urina
4. Micção
Referências Bibliográficas
5. Distúrbios do Sódio
1. INTRODUÇÃO
2. Hiponatremia
3. Quadro Clínico da Hiponatremia
4. Tratamento da Hiponatremia
5. Hipernatemia
6. Quadro Clínico da Hipernatremia
7. Tratamento da Hipernatremia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
6. FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR FEMININO
1. Introdução
2. Ciclo ovariano
3. Ciclo uterino
4. Interação hormonal
Referências bibliográficas
7. Fisiologia do Sistema Reprodutor masculino
1. INTRODUÇÃO
2. EMBRIOLOGIA
3. HISTOFISIOLOGIA
4. DUCTOS GENITAIS
5. GLÂNDULAS ACESSÓRIAS
6. PÊNIS
Referências Bibliográficas

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