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MICOSES SUBCUTÂNEAS – ESPOROTRICOSE E CROMOMICOSE

INTRODUÇÃO

As micoses subcutâneas compartilham entre si uma série de características comuns. São micoses que,

geralmente, são introduzidas de forma traumática através da pele. Podem envolver camadas mais

profundas, como a derme, o tecido subcutâneo e os ossos, mas não se disseminam para órgãos distantes.

Pelo fato de serem causadas por agentes de baixo potencial patogênico, apresentam curso clínico crônico.

Ainda, a exposição ao patógeno geralmente é ocupacional ou relacionada a passatempos.

Abaixo há um quadro que resume as principais micoses subcutâneas, sua etiologia e distribuição geográfica.

ESPOROTRICOSE

A esporotricose é causada por fungos do complexo Sporothrix schenckii, pertencentes ao grupo dos fungos

dimórficos microscópicos. Dentro deste complexo existem diversas espécies de fungos dimórficos que

apresentam dimorfismo térmico, ou seja, que em contato com a nossa temperatura corporal, se transformam

em uma outra forma, que é a forma de levedura (comportamento que dificulta bastante o diagnóstico). Os

fungos dimórficos deste complexos são os únicos que não causam doença sistêmica típica, ou seja, aquela

doença que apresenta como porta de entrada o trato respiratório e que, dos pulmões, o microrganismo pode

ou não se disseminar para outros locais. Nesse caso, portanto, a ação do fungo fica circunscrita ao local de

inoculação, podendo causar, em alguns casos, enfartamento ganglionar. Esses fungos só são capazes de

desenvolver uma infecção sistêmica em raros casos, como os de pacientes imunossuprimidos.

As espécies que compõem o complexo Sporothrix scheckii são S. brasiliensis, S. globosa, S. mexicana, S.

lurei e S. schenckii. Estas espécies são crípticas e, portanto, não apresentam diferenças morfológicas. A

diferenciação, nesse caso, só pode ser feita através de sequenciamento genético.


A esporotricose apresenta, dentre outros possíveis, o gato como vetor, que ao contrário das dematofitoses,

mais comumente apresentam lesões principalmente na região do focinho. Apenas uma lambida do animal já

é capaz de transmitir a doença para o ser humano. As principais formas clínica da doença são:

▪ Cutânea: uma ou múltiplas lesões, localizadas principalmente nas mãos e braços.

▪ Linfocutânea: é a forma clínica mais frequente; pequenos nódulos, localizados na camada da pele mais

profunda, seguindo o trajeto do sistema linfático da região corporal afetada. A localização preferencial

nos membros.

▪ Extracutânea: quando a doença se espalha para outros locais do corpo, como ossos, mucosas, entre

outros, sem comprometimento da pele.

▪ Disseminada: quando a doença se dissemina para outros locais do organismo, com comprometimento

de vários órgãos e/ou sistemas (pulmão, ossos, fígado).

A esporotricose apresenta distribuição mundial, já que o agente causal está presente no solo e na vegetação,

além de pulgas, formigas e pelos de cavalos. O hospedeiro natural do agente causal é o tatu e o risco de

infecção é bastante relacionada à ocupação exercida pela pessoa, sendo que jardineiros e horticultores

apresentam maior risco de adquirirem a doença (é por isso que essa doença é, também, muitas vezes referida

como “doença do jardineiro”). No entanto, a transmissão também pode ocorrer por arranhadura de gato,

bicada de papagaio e mordedura de cão.

Os fatores de virulência dos agentes causais da esporotricose são poucos conhecidos. O que se sabe é que a

capacidade de termotolerância é o fator de virulência mais importante, porque favorece infecções

extracutâneas (> 37°C). Ainda, sabe-se que esses fungos produzem enzimas extracelulares, como a

fosfatase ácida, que permite interação entra a célula leveduriforme e macrófagos, e as proteinases I e II, que

atuam na invasão da pele e do tecido cutâneo.


O diagnóstico laboratorial da esporotricose pode ser feito através do material coletado da lesão, através da

biópsia. Esse material é, então, macerado para que o tecido se desmanche um pouco e seja possível analisar

o que está presente. No caso do complexo Sporothrix, o que nós observados são estruturas leveduriforme,

porque o fungo dimórfico alterou sua forma, que era filamentosa em temperatura ambiente, quando presente

na temperatura do organismo. No entanto, como leveduras podem estar presentes na biota da pele, essa

identificação primária não é suficiente para que o diagnóstico seja fechado. Então, é necessário cultivar essa

amostra em duas temperaturas (uma temperatura ambiente e uma temperatura igual a do organismo

humano). Se a amostra cultivada em temperatura ambiente apresentar característica filamentosa, então o

diagnóstico de esporotricose pode ser concluído.

A análise histológica do fragmento de biópsia também indicará uma estrutura característica do complexo

Sporothrix, o corpo asteroide, mas que não é exclusiva dele. Ainda, existe uma reação intradérmica bastante

utilizada para avaliação epidemiológica, que consiste no uso de esporotriquina. Nesse contexto, podem existir

reações cruzadas, reações positivas com clínica (confirmam o diagnóstico), reações positivas sem clínica

(indicam que, em algum momento, o paciente entrou em contato com o complexo Sporothrix) e reações

positivas após a cura.

O tratamento da esporotricose é simples, desde que a condição não seja complicada. Geralmente envolve

uso de iodeto de potássio (VO) nas formas cutâneas não complicadas, além de azólicos-itraconazol, terbinafina

e anfotericina B (na forma disseminada).

CROMOMICOSE

A cromomicose é causada por um grupo de fungos, dentre os quais os principais agentes etiológicos são o

Fonsecaeae pedrosoi e o Cladophialophora (Cladosporium) carrioni, pertencente aos fungos filamentosos

septados demáceos (pigmentados). Outras espécies como Fonsecaeae compacta, Philaphora verrucosa e

Rhinocladiela aquaspersa também causam cromomicose, porém em menor frequência. Trata-se de uma

doença negligenciada, que no Brasil concentra-se na região amazônica, apesar de existirem muitos casos

também em São Paulo e Minas Gerais. Acomete mais homens que trabalham na zona rural em contato com

o solo, plantas, farpas e espinhos contaminados pelo fungo. As lesões se disseminam lentamente e

raramente são fatais. Geralmente, apresenta um bom prognóstico, mas pode ser de difícil cura (quanto menor

a lesão, mais fácil dela ser eliminada). O efeito estético da doença e é um estigma social relevante, podendo

afetar as relações sociais do paciente.

A cromomicose é uma infecção crônica da pele e do tecido subcutâneo resultante da implantação

transcutânea (através de traumas com pregos, espinhos e etc) de propágulos de diversas espécies de fungos

pigmentados. À medida que o fungo começa a se desenvolver, ele forma estruturas conhecidas como corpos

escleróticos/corpos muriformes, que são característicos de cromomicose por serem produzidos apenas pelos

agentes causadores desta doença. Se houver a entrada de outros agentes fúngicos que não são responsáveis
pela cromomicose, o que poderá ser observado é o desenvolvimento de hifas demáceas, caracterizando

feohifomicose e não cromomicose.

O principal fator de virulência dos agentes causais da cromomicose é a presença de melanina, que constitui a

parede celular destes microrganismos e permite que eles sobrevivam, mesmo fagocitados, durante muito

tempo. Ainda, estes patógenos são resistentes a agentes oxidantes, como o permanganato e o hipoclorito.

Os agentes causais da cromomicose se disseminam no organismo por contiguidade e acometem

principalmente membros inferiores e superiores, além da região glútea, do tronco e da face. O diagnóstico

diferencial é feito principalmente com outras entidades patológicas, não necessariamente causadas por

fungos, como verrugas irais, papilomas, tuberculose cutânea, hanseníase e micobacterioses atípicas. Por se

tratar de uma doença crônica, é caracterizada por resposta inflamatória crônica granulomatosa. No início

a lesão se apresenta como uma pápula, uma lesão noduloverrucosa (aparência de “couve-flor”). A evolução

adquire à lesão um aspecto polimorfo, com nódulos ou verrugas. A evolução crônica gera áreas cicatriciais e

lesões verrucosas.

O diagnóstico laboratorial pode ser feito através do exame micológico direto, no qual observamos os corpos

escleróticos característicos. O fato de haver um exame micológico direto positivo para cromomicose fecha o

diagnóstico dessa doença, sem a necessidade de aguardar o resultado da cultura para a identificação final da

amostra.

O tratamento da cromomicose depende do tamanho da lesão e da área acometida. Lesões menores podem

ser retiradas a partir de remoção cirúrgica associada com tratamentos tópicos como fotocoagulação,

termoterapia, crioterapia, quimioterapia e itraconazol. No caso de lesões maiores podem ser utilizados

antifúngicos sistêmicos como a anfotericina. Apesar do tratamento, a cromomicose geralmente permeia por

muitos anos na vida do paciente, tendo em vista que os agentes causais são extremamente resistentes aos

antifúngicos disponíveis.

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