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HPV E LESÕES PRECURSORAS DO CÂNCER NO TRATO GENITAL

INFERIOR
REVISANDO CONCEITOS

HIPERPLASIA (PROLIFERAÇÃO) + METAPLASIA (DIFERENCIAÇÃO) = cessado o estímulo, regridem.

DISPLASIA: alterações simultâneas de aumento da proliferação e diminuição da diferenciação celular. Não


regridem mesmo se cessado o estímulo.

NEOPLASIA: proliferação celular de crescimento autônomo. Não regride mesmo se cessado o estímulo.

CARCINOMA IN SITU: neoplasia que acomete toda a espessura do epitélio, mas a membrana basal se mantém
íntegra.

NEOPLASIA MALIGNA: neoplasia que invade a membrana basal e causa metástases.

NEOPLASIA INTRAEPITELIAL CERVICAL

Neoplasia Intraepitelial Cevical (NIC) é o nome dado ao espectro de alterações histológicas com etiologia e
comportamento biológico comuns. Quando falamos em lesões precursoras, ou seja, naquelas em que ainda não
houve acometimento da membrana basal, devemos ter em mente que a paciente que possui esse tipo de lesão
não é sintomática, o que a faz não procurar atendimento médico. São lesões francamente passíveis de prevenção
enquanto ainda se encontram na fase de lesão precursora, por isso o rastreamento das mesmas é imprescindível
na prevenção do câncer do trato genital inferior.

A respeito da nomenclatura:

▪ Vulvar: NIV 1, NIV 2, NIV 3.


▪ Vaginal: NIVa 1, NIVa 2, NIVa 3.
▪ Colo: NIC 1, NIC 2, NIC 3.

1 - Displasia leve (Lesão Intraepitelial Escamosa de Baixo Grau); 2 - Displasia Moderada e 3 – Displasia
grave/carcinoma in situ (Lesão Intraepitelial Escamosa de Alto Grau).

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CITOLOGIA ONCÓTICA

Atualmente, a classificação das células descamadas analisadas através do exame citológico do colo uterino é a
classificação de Bethesda (última atualização em 2014):

▪ SIL-LG: lesão de baixo grau (equivalente à NIC 1);


▪ SIL-HG: lesão de alto grau (equivalente à NIC 2/NIC 3);
▪ ASCUS: atipias de células escamosas de significado indeterminado (alterações muito sutis em células
maduras, que podem ou não corresponder a inflamação ou lesão de baixo grau);
▪ ASC-H: atipias de células escamosas de significado indeterminado, mas que sugerem lesão de alto grau;
▪ AGC-SOE: atipias de células glandulares de significado indeterminado;
▪ AGC-NEO: atipias de células glandulares de significado indeterminado, mas que sugerem lesão de alto grau.

Quando o resultado do exame citológico é alterado, realiza-se a colposcopia para analise das áreas suspeitas,
posteriormente submetidas à biópsia. Na zona de transformação, área de risco para o desenvolvimento de
neoplasia, podem ser observados vários padrões colposcópicos (epitélio branco, mosiaco, vasos atípicos e etc).
Na colposcopia geralmente se usa o teste de Schiller (área iodo-negativas) e o teste com ácido-acético.

Com relação à progressão das lesões precursoras, sabe-se que, dentre os casos de NIC I sem tratamento, entre
3 a 5 anos, 15% progridirão para NIC 2 OU 3, 35% persistirão em NIC 1 e 50% terão regressão espontânea. O
tempo médio de progressão de NIC 1 para NIC 3 é de 5 anos, enquanto o tempo médio de progressão de NIC 2
para NIC 3 é de 2 anos.

PAPILOMAVIRUS HUMANO (HPV)

O HPV é um vírus DNA da família papillomaviridae. Existem cerca de 100 tipos de HPV identificados, sendo que
35 destes são descritos na região genital. Os mais frequentemente identificados são o HPV 6, 11, 16 e 18. O HPV
pode se manifestar em diversas formas, como: acuminada (exofítica), plana (mais comum no colo), invertida
(endofítica, rara). À microscopia, o HPV caracteriza-se por atipia coilocitótica devido ao seu efeito citopático.
Existem diversas variantes do HPV. Na vulva, é mais comum os tipos 6 e 11 na forma acuminado (exofítico). Já no
colo uterino existem vários tipos de HPV relacionados, mas geralmente todos se manifestam na forma plana.
ONCOGÊNESE: Em mais de 90% dos casos de carcinomas do trato genital inferior o DNA do HPV é detectado. Por
isso, levando em consideração o risco de desenvolvimento de câncer, os HPV’s foram classificados em dois
grupos: baixo risco (HPV 6 e 11) e alto risco (HPV 16, 18, 31 e 33).

IMPORTANTE! Não confundir alto risco com alto grau. Pacientes que possuem HPV de alto risco podem ter lesões
de baixo grau que, se não identificadas e tratadas, tendem a evoluir para lesões de alto grau. Por outro lado,
pacientes que possuem HPV de baixo risco terão lesões de baixo grau.

Os tipos de alto risco apresentam oncogenes (E6 e E7) que codificam oncoproteínas capazes de se integrar ao
genoma das células hospedeiras. A proteína E6 liga-se ao gene p53 do hospedeiro e acelera sua degradação. A
perda da função do p53 é drástica, porque ele controla a supressão do tumor e também o ciclo celular alterado.
Por outro lado, a proteína E7 liga-se ao gene Rb (regulador de ciclo celular) e promove a proliferação celular do
tumor.

Considerando essas características oncogênicas, o HPV pode estar em sua forma epissomal (o DNA viral não está
integrado ao genoma humano) ou na forma integrada (o DNA viral está integrado ao genoma humano). Tanto o
HPV de baixo risco como o HPV de alto risco podem estar na forma epissomal, mas apenas o HPV de alto risco
pode estar na forma integrada.

Na forma epissomal, como o DNA viral está livre, ele é capaz de se multiplicar na medida em que o epitélio se
diferencia (células superficiais e células intermediárias encontram-se cheias de partículas virais), o que leva ao
aparecimento das atipias coloicitóticas (halo claro perinuclear, binucleação, hipercromatismo e etc). O HPV se
multiplica até atingir a porção superficial do epitélio, onde consegue infectar a célula vizinha. Por outro lado, se
o HPV se integrar ao genoma, ele deixará de se multiplicar junto com a diferenciação do epitélio e passará se
multiplicar na forma de células escamosas maduras e imaturas, levando à lesão de alto grau.

Essa característica de proliferação pode ser demonstrada através dos marcadores MIB-1 ou Ki67. No tecido
normal, a proliferação se restrige às membranas basais e para-basais do epitélio. No NIC 3 os marcadores
evidenciam proliferação em toda a espessura do epitélio.

Normal NIC 3
TIPAGEM DO HPV: pode ser realizada através de diversos métodos como hibridização in situ (no material de
biópsia já fixado, porém apresenta baixa sensibilidade), captura híbrida (“pool” de HPV de alto e baixo risco
oncogênico através da coleta em líquido especial, é uma análise quantitativa com reação de
quimioluminescência) e PCR (é mais sensível, feita em material não fixado, porém mais caraca e mais complexa).

CARCINOMA DO COLO UTERINO

O carcinoma do colo do útero acomete 6 a cada 100 mil mulheres, por ano, no mundo. A incidência está
diretamente relacionada ao índice de subdesenvolvimento. No Brasil, por exemplo, varia conforma cada região.
O pico de incidência é aos 40 anos e os fatores de risco são: idade jovem, múltiplos parceiros, multípara, DST,
HPV persistnete, uso de anticoncepcional, tabagismo e etc. À macroscopia, o carcinoma do colo uterino
apresenta aspectos variados, que podem abranger desde uma erosão até uma massa exofítica. Os principais
sintomas são sinusorragia, sangramento uterino anormal e leucorreia tipo “água de rocha” com odor fétido.

O carcinoma do tipo epidermoide é o mais frequente, responsável por 90% dos casos e mais associado ao HPV
do tipo 16. O restante é correlacionado ao adenocarcinoma. Existem os carcinomas adeno-escamosos, mas são
bem raros. Os carcinomas devem ser classificados de acordo com o grau histológico:

▪ G1: bem diferenciado;


▪ G2: moderadamente diferenciado;
▪ G3: pouco diferenciado.

CONIZAÇÃO: é um procedimento que serve tanto como exame de diagnóstico quanto para o tratamento (LIEAG
e NIC 2/3) de alterações no colo do útero, geralmente provocadas pelo HPV. Para realizar a conização é retirada
uma pequena amostra do tecido dessa região (em forma de cone). Essa amostra é encaminhada ao patologista,
que pinta a região ectocervical da amostra em preto e a região endocervical em azul. Se houver célula neoplásica
pintada em preto, ele sabe que a margem ectocervical deve ser ampliada. O mesmo acontece com a margem
endocervical.

CARCINOMA SUPERFICIALMENTE INVASOR (MICROINVASOR): também chamado de carcinoma microinvasor


(estádio Ia), possui diagnóstico dado pela conização. De acordo com a medida da profundidade, é possível prever
a frequência de metástases ganglionares. Até 3mm de profundidade, o risco de metástase para linfonodos é de
0,2% (o tratamento indicado é a histerectomia total simples) enquanto que entre 3,1 e 5mm de profundidade, o
risco é de 6,2% (a histerectomia radical modificada, Wertheim-meigs com linfadenectomia pélvica, é indicada).

ADENOCARCINOMA DO COLO UTERINO: são carcinomas mais raros, cujo diagnóstico de suas lesões precursoras
é mais difícil na citologia (são lesões mais altas, difíceis de serem coletadas). O adenocarcinoma in situ é mais
comum de ser diagnosticado porque é frequentemente está associado ao NIC 3, o que faz com que a investigação
deste também leve ao diagnóstico de adenocarcinoma. A patogênese do adenocarcinoma está relacionada ao
HPV do tipo 18.

Adenocarcinoma in situ Adenocarcinoma invasor

Quando estamos diante de um diagnóstico de adenocarcinoma invasor, devemos investigar se esse


adenocarcinoma é do colo uterino ou se ele é do endométrio e está invadindo o colo uterino. Para verificar esse
diagnóstico diferencial, podemos utilizar reações imunoistoquímicas. CEA e p16 são marcadores mais comuns no
colo uterino, enquanto receptores de estrógeno e a vimentina são mais comuns no endométrio.

NEOPLASIAS INTRAEPITELIAIS VULVAR E VAGINAL

As neoplasias intraepiteliais vulvar (NIV) e vaginal (NIVa) estão frequentemente associadas às NICs. As NIV
acometem 1 a cada 100.000 mulheres, enquanto as NIVa acometem 0,3 a cada 100.000 mulheres. Por outro
lado, as NIC acometem 38 a cada 100.000 mulheres, o que pode ser justificado pelo fato de que o epitélio da
zona de transição do colo uterino é mais susceptível ao HPV do que o epitélio vaginal e vulvar.
Carcinoma Epidermoide da Vulva NIV 3

Um aspecto importante sobre as NIV é que elas apresentam macroscopia variada, que pode coincidir com
apresentações de dermatoses vulvares. Por isso, é importante saber reconhecer essas dermatoses, que
geralmente apresentam coloração específica e prurido como sintoma mais frequente, fazer uma anamnese e um
exame clínico bem detalhado. Sempre que houver dúvida, o correto é realizar biópsia.

CARCINOMA EPIDERMOIDE DA VULVA: existem 2 vias de patogênese. A primeira está associada ao HPV (NIV
usual), é mais frequente e acomete principalmente mulheres jovens (menos de 50 anos), causando prurido agudo
e alterações multifocais. A segunda não está associada ao HPV (NIV diferenciada), acomete principalmente
mulheres idosas com mais de 70 anos, está associada a mutação p53 e ao líquen escleroso, com prurido vulvar
crônico.

NIV 3 DO TIPO USUAL NIV DIFERENCIADA (HPV NEGATIVO)

Existem outras neoplasias, infrequentes, que acometem a vulva: carcinoma verrucoso, carcinoma basocelular,
melanoma, adenocarcinoma e sarcomas.

CARCINOMA VERRUCOSO: é um tipo de carcinoma epidermoide muito bem diferenciado, volumoso e de baixa
agressividade (sem metástases, atipias leves ou ausentes). À microscopia, caracteriza-se por blocos
arredondados não infiltrativos. Muitas vezes apresenta diagnóstico diferencial difícil com os condilomas gigantes.
Em pacientes imunossuprimidos, o condiloma pode se apresentar como um condiloma gigante de Buschke-
Lowenstein, gerando assim dúvidas sobre o diagnóstico.
NEOPLASIAS MALIGNAS DA VAGINA: correspondem a apenas 1% das neoplasias ginecológicas. Os sintomas mais
comuns são sangramento e/ou leucorreia. As metástases são mais comuns do que neoplasias primárias na vagina.
Por isso, sempre devemos pensar em carcinoma epidermoide, adenocarcinoma e carcinoma verrucoso (mais
raro). Além disso, as metástases também podem ocorrer por disseminação hematogênica. As NIVa que precedem
o câncer de vagina geralmente são assintomáticas e estão associadas à doença do colo atual ou pré-existente.

CASOS CLÍNICOS

CASO 1: 35 anos, queixa de lesões pruriginosas, múltiplas e eritematosas na vulva. Biópsia foi realizada e
evidenciou-se os achados abaixo.

Diagnóstico: neoplasia Intraepitelial Vulvar, tipo usual, grau 3 (NIV 3) / lesão intraepitelial escamosa de alto
grau da vulva. Associada à infecção de HPV do tipo alto risco.

CASO 2: 19 anos, estudante, sem queixas, em exame ginecológico preventido. Citologia era ASC-US. Foi
observada área de epitélio branco à colposcopia, que foi biopsiada.

Diagnóstico: no presente material, as alterações displásicas se restringem ao terço inferior do epitélio, falando-
se portanto em displasia leve ou NIC I. Nas camadas superficiais há atipias coilocitóticas devidas ao condiloma
plano. É comum a coexistência das duas alterações, pois ambas são causadas pelo HPV. Além disso, cervicite
crônica inespecífica é notada como infiltrado linfoplasmocitário na lâmina própria.

CASO 3: 35 anos, em exame citológico de rotina apresentou NIC 3 (lesão epitelial escamsoa de alto grau) e foi
encaminhada para colposcopia, que revelou áreas de mosaico e de vasos atípicos, que foram biopsiadas.
Diagnóstico: o epitélio de revestimento do canal cervical está ulcerado na maioria dos fragmentos. Nesta
pequena área onde ainda está presente, mostra transformação para carcinoma in situ (NIC 3). O mesmo
fenômeno observado no epitélio de revestimento também ocorre nas glândulas endocervicais por contigüidade.
Fala-se em extensão glandular do carcinoma in situ.

CASO 4: 47 anos, queixa de sangramento irregular fora do período menstrual. Há anos não faz exame preventivo.
O exame do colo uterino mostra massa tumoral vegetante substituindo todo o colo. A citologia oncótica é
sugestiva de carcinoma epidermoide invasor.

Diagnóstico: Carcinoma Epidermoide Moderadamente Diferenciado do Colo Uterino, formado por brotos sólidos
de células com graus variados de diferenciação. Há extensa infiltração dos tecidos do colo, reação desmoplásica
(produção de tecido fibroso induzida pelo tumor) e reação inflamatória crônica inespecífica.

CASO 5: 54 anos, queixa de sangramento irreuglar. Exame citológico evidenciou atipias celulares sugestivas de
adenocarcinoma. Ao exame físico, colo uterino com lesão tumoral de aspecto globoso (colo em barril).

Diagnóstico: adenocarcinoma invasor do colo do útero, com áreas de adenocarcinoma in situ associadas e
presença de êmbolo carcinomatoso em vaso linfático.

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