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ACORDO DE ACIONISTAS
E DECISÕES CORPORATIVAS
E G P
L C B
Resumo: Acordos de acionistas são geralmente the exercise of corporate control. This text
feitos para regular o processo de tomada uses the economic analysis of Law as a
de decisões corporativas, especialmente no methodological tool to discuss the sharehol-
que diz respeito ao exercício do controle ders’ agreement, its legal regulation and its
societário. Este texto se utiliza da análise positive and negative effects on both the
econômica do Direito como ferramenta decision-making process and on the rights
metodológica para discutir o acordo de of shareholders that are or not part of the
acionistas, sua regulação legal e seus refle- pact now analyzed. On the other hand, the
xos positivos e negativos tanto sobre o pro- text seeks to make a comparative analysis
cesso decisório quanto sobre os direitos de of the shareholders’ agreement and other
acionistas integrantes e não integrantes do standardization mechanisms of corporate
pacto ora analisado. Por outro lado, o texto decisions, as in the case of holdings.
procura fazer uma análise comparativa entre Keywords: Shareholders Agreement; Corporate
o acordo de acionistas e outros mecanismos Governance; Economic Analysis of Law;
de uniformização de decisões corporativas, Corporate Law; Holding; Minority Sha-
como é o caso das denominadas sociedades reholders; Corporate Control.
holding.
Palavras-chave: Acordo de Acionistas; Deci- 1. Introdução
sões Corporativas; Análise Econômica do
Direito; Lei das Sociedades Anônimas;
Holding; Acionistas Minoritários – Controle O exercício do controle societário está
Societário. essencialmente vinculado à uniformização de
decisões nas deliberações das assembleias-
-gerais de acionistas.
Abstract: Shareholders agreements are usually
made to regulate the process of corporate Desta forma, é objetivo constante a fi-
decision-making, especially with regard to xação, por meio de instrumentos jurídicos, de
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É certo afirmar que pactos estabelecidos credor da sociedade, por exemplo – será
entre acionistas e terceiros podem ter por ob- válido, mas não pode ser confundido com a
jeto a alienação do exercício de determinados modalidade contratual ora analisada, espe-
direitos de sócio. Institutos como a alienação cialmente em sua forma típica.
fiduciária, o usufruto, fideicomisso ou a Do mesmo modo, não há como vincular
locação podem recair sobre ações e, assim, terceiros aos termos dos acordos de acio-
atribuir a determinada pessoa a propriedade nistas. É o caso, por exemplo, de previsão,
das ações e a outra o exercício dos direitos em acordo como o aqui discutido, de que
a elas referentes.4 os administradores eleitos pelos signatários
Um pouco distinto – mas merecedor de estão obrigados a votar ou agir, no exercício
igual tratamento jurídico – é o pacto, que, de suas atribuições de gestão, conforme as
uma vez firmado entre acionista e terceiro, expressas orientações constantes do acordo
estabeleça para aquele, por exemplo, o dever estabelecido por seus eleitores.7
de votar, nas deliberações societárias, sem- A oponibilidade do acordo de acionistas
pre conforme orientações prévias emitidas a terceiros, quando constituído sob a forma
por determinado credor ou investidor.5 Em típica, não se confunde com a expansão de
hipóteses como estas o acionista transfere a seus efeitos para além de seus signatários.
terceiro não todos os seus direitos de sócio, Tal oponibilidade de efeitos significa,
mas algum deles. em síntese, que os termos do acordo devem
Tais pactos são, a princípio, válidos, ser respeitados por terceiros, os quais devem,
desde que preenchidos os requisitos gerais da ao se relacionar com as partes, ter ciência de
legislação, mas não podem ser tomados como que as mesmas estão obrigadas aos termos
modalidades de acordos de acionistas, dado do pacto por elas firmado.
que não preenchem o requisito específico Contudo, isso não permite, em momen-
referente às partes que nele podem figurar.6 to algum, que o acordo de acionistas atinja a
Portanto, eventual pacto estabelecido esfera dos direitos de terceiros, sendo igual-
entre um acionista e terceiro – como um mente vedado que o pacto ora discutido lhes
estabeleça qualquer ônus ou obrigação, como
4. O mesmo se aplica a casos de acordos entre na hipótese aventada acima, referente aos
acionistas e credores, deles ou da sociedade: “A ques- administradores eleitos pelos contratantes.
tão não é acadêmica, na medida em que, na prática, os
grandes credores de companhias, notadamente os insti- Diferente, porém, é o acordo de acio-
tucionais (BNDES), têm inserido cláusulas em acordos nistas no qual os signatários se obrigam a,
de acionistas existentes, ou exigido a celebração de tais uma vez eleitos para vaga no conselho de
avenças, visando a garantir os seus créditos de longo administração ou diretoria da companhia, se-
prazo” (Modesto Carvalhosa, Acordo de Acionistas,
São Paulo, Saraiva, 2011, pp. 45-46). guir as deliberações previamente fixadas, nos
5. “A questão básica consiste em saber se os termos do pacto. Aqui o acordo de acionistas
direitos dos acionistas podem ou não ser cindidos, pois vincula apenas seus partícipes, estejam eles
em caso positivo há possibilidade de cessão do voto. na posição de votantes na assembleia-geral
Ou seja, se o direito de voto está ou não dissociado da
propriedade da ação e se os direitos referentes à ação,
como o de voto, são ou não divisíveis. Se a lei admitir 7. É, porém, claro que tais acionistas/eleitores
a cisão, deve ser possível a cessão do direito de voto. poderão destituir – na forma da lei e dos estatutos – os
Naturalmente, quando a transferência da participação administradores por eles eleitos, se não respeitadas suas
social requerer a concordância da sociedade, a cessão diretrizes. A substituição dos gestores é uma faculdade
do direito de voto também dependerá de autorização” dos acionistas, mas esta não se confunde com o poder
(Renato Ventura Ribeiro, Direito de Voto nas Sociedades de lhes exigir, como salientado, o respeito aos termos de
Anônimas, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 348). um acordo do qual não são partes. Em sentido oposto:
6. Celso Barbi Filho, Acordo de Acionistas, Belo Alfredo Lamy Filho, Temas de S/A, Rio de Janeiro,
Horizonte, Del Rey, 1994, pp. 83-84. Renovar, 2007, pp. 323-327.
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23. “Quando a companhia entregar o serviço 24. O art. 18 da Instrução CVM-358 estipula
de escrituração, guarda, transferência e emissão de que configura infração grave, para fins do art. 11 da
certificados de suas ações a instituição financeira espe- Lei 6.385/1976, a violação de seus dispositivos. Desta
cializada, como autoriza o art. 27 da Lei 6.404/1976, o forma, deixar de publicar acordo de acionistas de com-
arquivamento deverá ser feito pelo setor da companhia panhia aberta, desde que devidamente arquivado em
que cuida das relações com a instituição financeira, sua sede, sujeita os responsáveis – no caso, os gestores
ou, na sua ausência, pela diretoria” (Celso Barbi Filho, da sociedade anônima aberta – às sanções enumeradas
Acordo de Acionistas, cit., p. 137). pelo art. 11 da Lei 6.385/1976.
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este direito nas deliberações sociais sempre decorrem, como o próprio nome indica, de
no sentido que for estabelecido em reunião concordância entre grupos de acionistas não
prévia, da qual participarão os contratantes. alinhados previamente.
Em consequência, as discussões que O acordo de voto, neste sentido, expro-
se dariam em assembleia-geral de acionis- pria poder decisório dos não signatários e o
tas passam a ser efetuadas nesta reunião aloca nos signatários do pacto, mais especi-
prévia, o que reduz os custos de transação ficamente no acionista majoritário dentre os
das deliberações assembleares25 mas, por contratantes.27 Diminui o universo de ações
outro lado, acarreta um “esvaziamento” da ratificadoras das iniciativas e interfere dire-
assembleia-geral de acionistas no contexto tamente na distribuição do poder votante na
do processo decisório da companhia, pois ela companhia, que deixa de ser a maioria das
passará de órgão ratificador de iniciativas (ou ações votantes e passa a ser a maioria das
seja, de órgão no qual as iniciativas são ou ações dentre os signatários do acordo.
não validadas pela maioria do capital social) Ao expropriar poder decisório dos acio-
a órgão meramente homologador de decisões nistas não signatários do pacto o acordo de
que já foram, na reunião prévia, submetidas acionistas expropria também parte do valor
ao princípio majoritário.26 destas ações, cujo preço refletirá tal expropria-
O acordo de voto, em virtude disso, ção. Trata-se de uma externalidade negativa,
reduz os custos do controle societário, já que gerada pelo acordo de voto, principalmente
para preencher os requisitos legais caracteri- quando referente ao controle societário.
zadores do acionista controlador – a maioria Repare que o acionista majoritário
permanente nas deliberações da assembleia dentre os contratantes do acordo de voto
e na eleição dos administradores – basta ter consegue para si as vantagens do controle
a maioria das ações dentre os signatários do societário concentrado sem pagar pelo preço
acordo, e não entre todos os acionistas da integral desta modalidade de controle, uma
companhia. vez que não precisa ter a maioria das ações
Além de reduzir os custos do controle votantes da companhia, mas “apenas” a
societário, o acordo de voto provoca também maioria dentre as ações dos contratantes.
redução no poder decisório dos acionistas Já, os acionistas que não figuram como
não signatários do pacto, pois eles não podem partes no acordo de voto têm, em virtude do
contar com eventual adesão, em determinada
deliberação, de nenhum dos acionistas parti-
27. “Let us consider agreements such that the
cipantes do acordo. voting rights of their participants sum up to the absolute
Num contexto como o traçado pelo majority of total voting shares. Then all relevant cor-
acordo de voto – especialmente o chamado porate decisions – that should be taken by the general
shareholders’ meeting – are de facto taken within the
acordo de controle – excluem-se as pos- agreement, with the shareholders’ meeting playing only
sibilidades de “maiorias eventuais”, que a formal ratifying role. As a consequence, the redistribu-
tion of power among the participants to an agreement is
not – in general – a zero-sum game: their VPCs sum up
25. Ao concentrar o controle societário sobre os to a positive number equal to the overall voting power
acionistas contratantes, o acordo de voto assegura maior outside agreement of the non-participating shareholders,
estabilidade na tomada de decisões, bem como reduz who loose their power due to the agreement. In other
os custos de transação na aprovação das matérias, em words, participants in agreements benefit from a ‘levera-
assembleia-geral de acionistas. Estabilidade e agilidade ge effect’: they are collectively able to get a voting power
decisória são, portanto, externalidades positivas decor- disproportional to their voting equity” (Angelo Baglioni,
rentes do acordo de voto. Há, porém, externalidades Shareholders’Agreement and Voting Power: Evidence
negativas a serem também consideradas. from Italian Listed Firms, Milão, Social Science Resear-
26. Entendido aqui como a maioria dos signatá- ch Network, setembro/2008, disponível em http://ssrn.
rios do acordo, não dos acionistas da companhia. com/abstract=1092864, acesso em 2.3.2016).
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pacto, menos poder decisório do que teriam se vre e rápida negociabilidade de seus papéis,
considerados na totalidade do capital social. aspecto extremamente relevante para a efi-
Eles pagam por determinado número de ciência do mercado de valores mobiliários.
ações da companhia mas, em virtude do acor- Já, em companhias fechadas o acordo
do de voto pactuado entre os outros sócios, de acionistas que discipline regras de trans-
passam a ter um poder decisório inferior ao ferência das ações entre os sócios ou destes
que teriam se considerados na totalidade do em relação a terceiros costuma ser, em sen-
capital social, pois são afastados permanen- tido oposto, importante elemento redutor de
temente do grupo formador da maioria nas custos de transação, principalmente no caso
deliberações assembleares. de divergências entre os acionistas.
Já, o acordo de voto celebrado entre Assim, quando um ou mais deles dese-
acionistas para a formação de minoria qua- jar deixar a sociedade, já se terá estipulado,
lificada no capital social tem efeito contrário no acordo, o modo pelo qual os outros só-
no que tange à alocação do poder decisório cios – remanescentes – poderão adquirir a
na companhia. participação do acionista retirante, inclusive
Ao viabilizar a formação de uma com os critérios de fixação do preço. Neste
minoria qualificada, este tipo de acordo de caso evita-se a indefinição que advém da falta
acionistas retira parte do poder decisório da de regras claras a disciplinar uma eventual
maioria e o aloca sobre os signatários, que composição de interesses entre acionistas
passam a ter uma influência superior à que divergentes.
teriam, se considerados isoladamente, nas
decisões e eleições da companhia. 5. Acordo de acionistas e sociedade holding
Sob outro aspecto, a pessoa ou grupo como instrumentos de uniformização
majoritário terá, como minoritários, não de decisões societárias:
um conjunto de pessoas sem prerrogativas uma abordagem comparativa
específicas no contexto das deliberações so-
cietárias, mas um grupo que, dado o acordo, Em sociedades nas quais a maioria do
conta com garantias e direitos mais amplos. capital social votante pretende-se concentra-
Também o acordo de voto entre ma- da na titularidade de um grupo determinado
joritário e minoritários, quando destinado e fixo de pessoas o acordo de acionistas
ao aumento de quórum de aprovação para costuma “rivalizar”, como instrumento uni-
certas deliberações assembleares, igualmente formizador de decisões, com as chamadas
consegue o efeito de retirar parte do poder holdings, que são pessoas jurídicas criadas
decisório do majoritário e realocá-lo na mi- para serem titulares da maioria das ações
noria signatária do pacto. votantes da sociedade que se pretende con-
Se o acordo de voto impacta direta- trolar. Veja-se um exemplo: os interessados
mente na tomada de decisões e no valor das em deter, juntos, a maioria do capital votante
ações da companhia, o mesmo se verifica, da sociedade “A” criam uma pessoa jurídica
sob diferentes aspectos, também quando se “B” para que esta última seja titular das ações
trata do denominado acordo de bloqueio, o de “A” em grau suficiente para controlá-la.
qual, repita-se, estabelece limites à negocia- Dita sociedade “B”, denominada hol-
bilidade das ações dos contratantes. ding, terá seu capital integralizado com ações
Ao estabelecer tais limites o acordo de da sociedade “A” e seus sócios serão aqueles
bloqueio retira – em companhias abertas, que, desta forma, juntos conseguem influir
vale frisar – parte da liquidez das ações dos decisivamente sobre as deliberações sociais
signatários, que já não mais dispõem da li- e a eleição dos administradores de “A”.
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REYES, Francisco. Direito Societário America- SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito So-
no: Estudo Comparativo. São Paulo, Quartier cietário. 3a ed. São Paulo, Malheiros Editores,
Latin, 2013. 2006. [4a ed., 2a tir., 2015]
RIBEIRO, Renato Ventura. Direito de Voto nas
Sociedades Anônimas. São Paulo, Quartier ULEN, Thomas, e COOTER, Robert. Direito e
Latin, 2009. Economia. Porto Alegre, Bookman, 2010.
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