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TRANSTORNO DE

ANSIEDADE DE
SEPARAÇÃO

Autora: Tatiana Malheiros Assumpção

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INTRODUÇÃO

O transtorno de ansiedade de separação (TAS) é considerado um dos


mais frequentes na infância. Trata-se da principal causa de recusa
escolar nessa fase da vida. No entanto, muitas vezes, ele passa
despercebido pelos familiares e profissionais, que podem ver o
aumento de ansiedade em situações de separação dos pais como
apenas um capricho. Casos não tratados podem levar ao surgimento de
outros transtornos com o passar do tempo, com grande morbidade
para os indivíduos acometidos.

ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO NORMAL

Embora variem em frequência e intensidade, o medo de estranhos e a


ansiedade de separação são observados em crianças normais de
inúmeras culturas ao redor do mundo. Os comportamentos
relacionados a eles (como se agarrar à mãe na presença de estranhos
ou chorar quando separado de uma figura de apego) aparecem entre
6 e 9 meses de idade, aumentando em frequência entre 12 e 16 meses
e diminuindo após os 24 meses. Em geral, o medo de estranhos surge
mais cedo, porém a ansiedade de separação tende a ser visível por um
período mais longo.

O medo de estranhos e a ansiedade de separação iniciam a partir do


momento em que o bebê desenvolve um apego claro a pelo menos um
de seus cuidadores e passa a compreender, ao menos de forma
preliminar, que objetos e pessoas continuam a existir quando estão fora

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de seu campo de visão. Desse modo, esses comportamentos surgem
simultaneamente aos comportamentos de base segura (segundo a
teoria do apego de John Bowlby) e à noção de permanência de objeto
(segundo a epistemologia genética de Jean Piaget; Bee e Boyd, 2011).

De um ponto de vista evolutivo, pode-se supor que a ansiedade de


separação observada normalmente no curso de desenvolvimento dos
mamíferos trouxe uma vantagem adaptativa a eles. Ela está
relacionada ao surgimento de novas estruturas cerebrais e ao aumento
correspondente no tamanho do crânio e do cérebro. Tais aquisições
permitiram a expansão do repertório de comportamentos, além de
uma maior plasticidade desse repertório, ao custo de uma dependência
maior e mais prolongada de cuidados parentais (Battaglia, 2015).

No caso dos seres humanos, os únicos mamíferos


exclusivamente bípedes, o tamanho da bacia materna é um
fator limitante ao tamanho da dimensão do crânio do bebê.
Assim, bebês humanos nascem bastante imaturos e necessitam
de cuidados por muitos anos. Nesse enquadre, a ansiedade de
separação serviria como uma garantia maior de sobrevivência
da prole (Battaglia, 2015).

TRANSTORNO DE ANSIEDADE
DE SEPARAÇÃO: QUADRO
CLÍNICO

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O TAS é uma manifestação exagerada ou inapropriada para a idade da
ansiedade de separação fisiológica, o que sugere alguma continuidade
entre um estado adaptativo (que acabamos de ver na seção sobre
desenvolvimento normal) e a psicopatologia (Battaglia, 2015).

Ana, de 10 anos, sempre foi uma menina tímida e comportada,


com ótimo rendimento escolar e bons relacionamentos sociais,
dentro e fora da escola. Há alguns meses, porém, tem tido muita
dificuldade de separar-se da mãe, querendo sempre estar no
mesmo cômodo que ela e até dormir em sua cama.

Ana não quer mais ir a festas de aniversário, e, nas últimas


semanas, recusa-se a ir à escola. A mãe a leva mesmo assim,
mas a menina chora copiosamente e grita. Quando a mãe a
deixa na escola, apesar dos protestos da filha, pouco depois é
chamada para buscá-la novamente. Com isso, suas notas caíram
e os relacionamentos dentro da família se deterioraram. Os pais
não conseguem entender o que está acontecendo. O que pode
ser?

As diferenças entre ansiedade de separação no desenvolvimento


normal e o TAS se referem à intensidade das manifestações e a sua
adequação à idade da criança e ao contexto em que ocorrem (Battaglia,
2015).

O sintoma principal do TAS é a ansiedade excessiva em situações nas


quais a criança necessita se afastar de casa ou de figuras de apego
importantes, geralmente um ou ambos os pais. Ocorrem, também, os
seguintes sinais (Marcelli e Cohen, 2009; Bassols et al, 2012):

 insegurança;

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 antecipação das situações de separação;
 choro intenso;
 demonstrações de cólera;
 preocupação com o que pode ocorrer consigo ou com as figuras
de apego durante a separação.

A criança com TAS pode ter pensamentos de que a reunião com as


figuras de apego não será possível por causas como morte, doença ou
sequestro de si ou dos pais. Tal quadro leva à redução dos contatos
sociais da criança, que passa a evitar visitar amigos e parentes e mesmo
ir à escola. Muitas vezes, ela não consegue ficar sozinha dentro de sua
própria casa, tendo dificuldades para adormecer e pesadelos
relacionados à separação. (Marcelli e Cohen, 2009; Bassols et al, 2012).

O quadro de TAS costuma ter início durante a idade escolar.


Apesar disso, também são reportados casos em crianças mais
jovens, inclusive pré-escolares (Bassols, et al, 2012; Battaglia,
2015).

Quando a situação de TAS se torna crônica, podem se instalar


verdadeiras episódios de tirania familiar, a depender de como os pais e
outros adultos significativos conduzem as atitudes em relação às
demandas infantis. Embora esse transtorno não seja a única causa de
recusa escolar, é uma das mais importantes, tornando o prognóstico
mais reservado (Marcelli e Cohen, 2009).

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A ansiedade de separação observada normalmente durante o
desenvolvimento pode ter períodos autolimitados de maior
intensidade intercalados com outros de manifestações menos
evidentes, sem que isso garanta um diagnóstico de TAS. É
possível, inclusive, que esses períodos representem respostas
transitórias e até adaptativas a mudanças ambientais
(Battaglia, 2015).

EPIDEMIOLOGIA

O TAS é um dos transtornos ansiosos mais frequentes em crianças


menores de 12 anos (Bassols et al, 2012). Sua prevalência estimada é
de 4% em amostras populacionais e de 7,6% em amostras clínicas
pediátricas (Battaglia, 2015).

Há cerca de 20 anos, foi iniciado um estudo longitudinal prospectivo na


região rural do estado da Carolina do Norte (EUA). O estudo descreve
uma prevalência alta de TAS durante a idade escolar (5% aos 9 anos de
idade), com queda progressiva e praticamente nenhum caso
encontrado após a adolescência. (Copeland et al, 2014).

Veja alguns fatores associados ao maior risco desenvolvimento


de TAS no Conteúdo interativo desta aula.

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CURSO CLÍNICO

O curso do TAS está relacionado a um maior risco de transtorno de


pânico, com ou sem agorafobia, na vida adulta, bem como ao início
mais precoce da mesma condição, especialmente em indivíduos com
TAS na infância e histórico familiar de transtorno de pânico. Há,
também, um risco aumentado da ocorrência de outros transtornos de
ansiedade.

Ainda não foram observadas relações entre TAS e transtorno


depressivo maior posteriormente na vida (Battaglia, 2015). O
levantamento Great Smoky Mountains Study encontrou uma
correlação de TAS na infância e piores resultados relacionados
à saúde em geral na população adulta (Copeland et al, 2014).

A maior parte dos transtornos ansiosos na infância é descrita com as


seguintes características (Wehry et al, 2015):

 curso crônico;
 períodos sintomáticos intercalados com outros de remissão;
 ocorrência frequente de uma “mudança de síndrome” de um
quadro ansioso para outro;
 ocorrência simultânea de sintomas de mais de um transtorno
ansioso em um mesmo indivíduo.

A presença de transtornos ansiosos “puros” diminui com a idade. A


ocorrência de uma psicopatologia secundária, como transtorno

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depressivo ou abuso de substâncias, torna-se mais comum no fim da
adolescência (Wehry et al, 2015).

Os transtornos ansiosos podem representar o início de uma


“cascata psicopatológica”. Suas repercussões podem ser
devastadoras, tanto do ponto de vista da saúde mental quanto
da saúde física e das dificuldades educacionais, financeiras e
interpessoais. Isso também gera um maior risco de suicídio
(Wehry et al, 2015).

CLASSIFICAÇÕES
DIAGNÓSTICAS

Para que o diagnóstico de transtorno de ansiedade de separação da


infância seja feito segundo a Classificação Internacional de Doenças
(CID-10), é necessário que o elemento comum levando a
demonstrações de ansiedade em diferentes situações seja a situação
de separação de uma figura importante de apego.

De forma similar, a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2014) requer ansiedade inapropriada
e excessiva em relação ao nível de desenvolvimento, envolvendo a
separação do lar ou de figuras de apego, por no mínimo quatro
semanas, com prejuízo e sofrimentos significativos.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O primeiro e mais importante diagnóstico diferencial do TAS é a


ansiedade de separação presente no desenvolvimento normal. Entre
as condições envolvendo sintomas ansiosos que também devem ser
consideradas, estão (Bassols et al, 2012; Figueroa et al, 2012):

 transtorno de ansiedade generalizada;


 transtorno obsessivo-compulsivo (TOC);
 transtornos afetivos (especialmente transtorno depressivo);
 abuso de substâncias;
 evasão escolar.

Obviamente, nos transtornos citados, as manifestações ansiosas


ocorrem em situações não relacionadas à ausência (real ou temida) das
figuras de ligação. Tais transtornos também envolvem manifestações
psicopatológicas diversas (como humor deprimido, irritabilidade e
anedonia no transtorno depressivo).

O diagnóstico diferencial do TAS deve ser realizado por anamnese e


exame psíquico. Antes de se fechar um diagnóstico, devem ser
investigados fatores associados ao ambiente (por exemplo, o
surgimento de sintomas apenas na escola pode indicar uma hipótese
de bullying ou outras situações envolvendo especificamente esse
contexto).

TRATAMENTO

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Há múltiplas opções terapêuticas para o TAS. A alternativa mais
apropriada para cada paciente deve considerar os seguintes aspectos
(Figueroa et al, 2012):

 a gravidade, a duração e a disfunção relacionada aos sintomas;


 as características do paciente, como:
o idade cronológica;
o nível de desenvolvimento;
 as características da família, como:
o recursos;
o disponibilidade;
 a disponibilidade e a capacitação dos profissionais envolvidos.

As modalidades terapêuticas a serem utilizadas em planos de


tratamento individualizados para o TAS incluem as apresentadas no
Quadro 1.

Quadro 1

MODALIDADES TERAPÊUTICAS PARA O TRANSTORNO


DE ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO
 Deve sempre incluir a informação de que a ansiedade é uma
emoção normal e presente em todos os indivíduos.
Psicoeducação  É importante explorar fatores que possam causar, desencadear
ou manter os sintomas ansiosos, explicando o curso do
transtorno, tratamento e prognóstico.
 É fundamental orientar pais e cuidadores quanto à condução
de situações em que a criança esteja sintomática.
 Deve ser incluída nas recomendações aos pais a orientação de
não minimizar o sofrimento da criança, sendo empáticos e
mantendo a calma.
Manejo  Podem ser usadas técnicas de relaxamento simples,
comportamental planejamento de situações de transição e apoio ao retorno
breve à escola, uma vez que a ausência por períodos mais
longos pode tornar a volta ainda mais difícil.
 É importante estimular a participação em atividades externas
ao ambiente doméstico, uma vez que a evitação é um sintoma
presente no TAS.

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 As recomendações à escola incluem um planejamento para
que a criança volte o quanto antes a frequentá-la, muitas vezes
Intervenções envolvendo um “período intermediário”, com uma carga
junto à escola horária mais curta que vai sendo gradualmente prolongada.
 A escolha de uma “figura de apego” na escola, a quem a
criança possa recorrer e ter como referência, é vantajosa.
 Seus objetivos principais são:
o alcançar insights sobre a presença e a origem dos
sintomas ansiosos;
o controlar as preocupações;
o reduzir a excitação e o estado de alerta;
o confrontar as situações temidas.
 Os objetivos costumam ser alcançados por meio de diversas
TCC
técnicas, como:
o psicoeducação;
o reestruturação cognitiva;
o melhora das habilidades de solução de problemas;
o relaxamento;
o modelagem comportamental;
o manejo de contingências;
o exposição e prevenção de respostas.
Psicoterapia  Embora existam em pequeno número, estudos demonstram a
psicodinâmica eficácia desta modalidade terapêutica no tratamento de
transtornos de ansiedade em crianças.
Psicoterapias  Apesar de o número de estudos com crianças ser limitado, as
baseadas em pesquisas com adultos indicam que técnicas de mindfulness
mindfulness constituem uma estratégia promissora, que merece ser
investigada.
 A medicação não costuma ser indicada como primeira linha no
tratamento do TAS e deve ser sempre usada em associação
com outras modalidades não farmacológicas.
 Os fármacos de primeira escolha são os antidepressivos ISRSs,
embora muitos outros medicamentos possam ser utilizados
em caso de falha terapêutica, incluindo:
o antidepressivos tricíclicos (imipramina, clomipramina,
amitriptilina e nortriptilina);
Tratamento o antidepressivos IRSNs (venlafaxina);
farmacológico o benzodiazepínicos (clonazepam, diazepam,
alprazolam);*
o propranolol;
o clonidina.
 Nenhum dos fármacos listados para o caso de falha
terapêutica dos ISRSs é aprovado pela FDA para o tratamento
de ansiedade em crianças.
 Entre os ISRSs, os aprovados pela FDA para uso em crianças
estão:
o fluoxetina;

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o sertralina;
o fluvoxamina;
o escitalopram (para maiores de 12 anos).
 Nenhuma das aprovações citadas faz referência ao uso
específico para o tratamento do TAS.
* Pouco recomendados pelo risco de abuso e dependência.
TAS: transtorno de ansiedade de separação; TCC: terapia cognitivo-comportamental;
ISRSs: inibidores seletivos de recaptação da serotonina; IRSNs: inibidores de recaptação
da serotonina e noradrenalina; FDA: Food and Drug Administration.
Fonte: Adaptado de Figueroa e colaboradores (2012); Wehry e colaboradores (2015).

CONCLUSÃO

Os transtornos de ansiedade constituem a psicopatologia mais comum


durante a infância, com prevalências estimadas variando entre 5 e 25%
ao redor do mundo. No entanto, uma grande parte desses indivíduos
não recebe tratamento e tem sua trajetória de desenvolvimento
drasticamente alterada (Figueroa et al, 2012). A correta identificação e
tratamento desses transtornos, inclusive do TAS, são de fundamental
importância para que as “cascatas psicopatológicas” não cheguem a
instalar-se.

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.

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Bassols AMS, Isolan L, Mardini V. Transtornos ansiosos. In: Assumpção
Junior FB, Kuczynski E, editors. Tratado de Psiquiatria da Infância e
Adolescência. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 381–403.

Battaglia M. Separation anxiety: at the neurobiological crossroads of


adaptation and illness. Dialogues Clin Neurosci. 2015 Sep;17(3):277–85.

Bee H, Boyd D. A Criança em Desenvolvimento 12. ed. Porto Alegre:


Artmed; 2011.

Copeland WE, Angold A, Shanahan L, Costello EJ. Longitudinal patterns


of anxiety from childhood to adulthood: the great smoky mountains
study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2014 Jan; 53(1):21-33.

Figueroa A, Soutullo C, Ono Y, Saito K. Separation anxiety. In: Rey J,


editors. IACAPAP textbook of child and adolescent mental health.
Geneva: IACAPAP; 2012 [acesso em 2017 ago. 28]. Disponível em:
http://iacapap.org/wp-content/uploads/F.2-SEPARATION-ANXIETY-
300812.pdf.

Marcelli D, Cohen D. Transtornos de ansiedade, sintomas e organização


de aparência neurótica. In: Marcelli D, Cohen D. Infância e
psicopatologia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.

Wehry AM, Beesdo-Baum K, Hennelly MM, Connolly SD, Strawn JR.


Assessment and treatment of anxiety disorders in children and
adolescents. Curr Psychiatry Rep. 2015 Jul; 17(7):591.

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