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CADERNOS DE PSICOLOGIA JURÍDICA

Associação Brasileira de Psicologia Jurídica

Volume 4

INTERFACES EM PSICOLOGIA
JURÍDICA E FORENSE

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA JURÍDICA
CADERNOS DE PSICOLOGIA JURÍDICA
Associação Brasileira de Psicologia Jurídica

Volume 4

INTERFACES EM PSICOLOGIA
JURÍDICA E FORENSE

SÃO LUIZ - MA
2020

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA JURÍDICA
Copyright © 2020 por Associação Brasileira de
Psicologia Jurídica.

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Organização científica: João Carlos Alchieri e


Cândida Helena Lopes Alves.
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA JURÍDICA


Presidente
Beatrice Marinho Paulo
Vice-presidente Christiane Sanches
Representação regional sudeste
Cândida Helena Lopes
Alves Reginaldo Torres Alves Júnior
Diretor administrativo Sérgio Alverto Bittencourt Maciel
Representação regional centro-oeste

Diretor financeiro Andreya Arruda Amendola


Ruy Ribeiro Moraes Cruz
João Carlos Alchieri Representação regional nordeste
Diretor científico
Zeno Germano de Souza Neto
Cátula da Luz Pelisoli Representação regional norte
Representação regional sul

Comissão Editorial da Cadernos de Psicologia Jurídica

Prof. Dr João Carlos Alchieri (Editor Chefe e Diretor Científico da ABPJ 2019-2021)
Profa. Dra. Cândida Helena Lopes Alves (CEUMA – Brasil)
Profa. Dra. Carmen Walentina Amorim Gaudencio Bezerra (UFPB- Brasil)
Prof. Dr. Pedro Fernando Santos Silva da Cunha (UFP – Portugal)
Prof. Dr. Sebastián Urquijo (UNMDP - Argentina)

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

A849c Associação Brasileira de Psicologia Jurídica

Interfaces em psicologia jurídica e forense [Recursos Eletrônico].


/ Associação Brasileira de Psicologia Jurídica. – São Luiz: ABPJ,
2020.
183 p. – (Cadernos de Psicologia Jurídica ; v. 4)

ISBN 978-65-86988-36-9

1. Direito. 2. Psicologia Jurídica. 3. Prática Jurídica. I. Título.


CDU: 340.6
Sumário

Apresentação .......................................................... …………1

Abuso sexual infantil: consequências cognitivas e


emocionais .............................................................................. 2
Shayenne Medeiros Uchôa e Carmen Amorim-Gaudêncio

A sentença foi desamor: o engodo do filho ideal na


Alienação Parental judicializada .......................................... 38
Jonas Aguiar Alves Junior e Francisca Moraes da Silveira

Avaliação psicológica forense e o uso do desenho


como um dos instrumentos de comunicação ................ 54
Lívia de Tartari e Sacramento, João Carlos Alchieri

A redução de danos: tecendo caminhos para o cuidado


................................................................................................ 67
Francisco de Jesus Silva de Sousa e Suzanne Marcelle Martins
Soares

A ressignificação da psicologia no poder judiciário:


a necessidade do acompanhamento psicológico em
processos que envolvam crianças e adolescentes ............. 93
Lucas Martins Gama, Dannilo Jorge Escorcio Halabe e Francisca
Morais da Silveira

Adolescência e as contribuições da promessa para a


reorganização do psiquismo moral ................................ 107
Hellen Fonseca de Sousa da Costa Vale e Marta Helena de Freitas
A perícia psicológica no âmbito judicial em
processos de acusação de abuso sexual: o papel do
psicólogo e formas de investigação .................................. 134
Andreia Calçada

A avaliação psicológica em casos de suspeita de


abuso sexual contra a criança e ao adolescente: uma
pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do Brasil .... 151
Fernanda Cristine Ferreira de Santana e Zeno Germano de Souza Neto

Sobre os autores ................................................................ 177


Apresentação

A Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ) apresenta


seu quarto volume da coleção Cadernos de Psicologia Jurídica. Trata-se
de uma publicação seriada voltada a atualização profissional com
temática referente a interface entre Psicologia Jurídica e Forense. Editado
pela ABPJ com o objetivo de informar, atualizar, instrumentalizar e
referenciar ações técnico-cientificas em psicologia. Cadernos de
Psicologia Jurídica concretizam as ações de importância quanto a
atualização e formação profissional continuada, de psicólogos e demais
interessados, no contexto jurídico.

João Carlos Alchieri


Cândida Helena Lopes Alvos
Organizadores

1
Abuso sexual infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Shayenne Medeiros Uchôa


Carmen Amorim-Gaudêncio

“Em algum lugar, bem no fundo de cada um de nós, está a


criança que era inocente e livre e que sabia que a dádiva da
vida era a dádiva da alegria.”
(Alexander Lowen)

A violência contra a criança e ao adolescente é uma realidade


recorrente e multicausal, que atinge milhares de pessoas ao redor do
mundo de diferentes formas. Os crescentes índices desse tipo de
violência informam sobre graves consequências na vida dos indivíduos.
É importante referir-nos sobre dois tipos de abuso: o abuso físico
caracterizado por atos de violência e dor causados na criança e
adolescente; e o abuso psicológico descrito por atos e palavras que
causam traumas psicológicos, podendo impedir o seu desenvolvimento
saudável e em determinados casos, levar ao aparecimento de sintomas
pós-traumáticos (ARAÚJO, 2002).
2
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Estudos realizados em diversos países sugerem que 22,6% dos


adultos em todo o mundo já sofreu algum tipo de abuso físico na infância.
36,3% das vítimas relata ter sofrido abuso emocional e 16,3% padecido
negligência física, sem diferenças significativas entre meninos e meninas.
Todavia, ao analisar o abuso sexual na infância, a discrepância aumenta
vertiginosamente entre gêneros: 18% para meninas, enquanto atinge 7,6%
dos meninos (Organização Mundial de Saúde, OMS, 2014).
De acordo com Aded. et al. (2006) o abuso infantil é relatado
desde os livros mais antigos, como a bíblia e o Alcorão, nessa época os
relatos dos abusos eram proibidos. No último século, com o surgimento
e crescimento de diversos movimentos sócio-jurídicos que integram uma
rede de proteção ao menor para resguardar ou restituir os direitos das
crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
(Lei 8.069/90) direcionou sua atenção para o abuso infanto-juvenil,
juntamente com suas consequências (físicas e biopsicossociais) com o
intuito de combater tais ações, trazendo um maior debate para a situação.
A existência de relatos de abusos e violências sexuais desde a
Antiguidade mostra que este é um problema presente em diversas
sociedades ao longo da história, mas mesmo nos dias atuais ainda há
muito para ser combatido. A violência nesse caso sempre esteve
vinculada a um processo punitivo-educativo, estabelecendo-se um
problema histórico-cultural intrínseco nas relações sociais entre adultos
e crianças (MARTINS; JORGE, 2010).
A tarefa de refletir a situação da criança e do adolescente vítima
de abuso se constitui num desafio. Segundo Pfeiffer e Salvagni (2005) a
violência infantil é um fenômeno complexo considerado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014) um problema de saúde
pública que atinge milhares de vítimas em todo o mundo, cujas
consequências deixam suas sequelas no desenvolvimento dos sujeitos.

3
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Apesar de ser um acontecimento recorrente na sociedade, poucos


casos são de fato denunciados. Isso porque a revelação da experiência
do abuso é ainda tratada como um tabu perante a sociedade,
especialmente ao deparar-se com envolvimento de sujeitos tão próximos
à criança, seja na família, trabalho, escola ou meio religioso. Muitas vezes
a vítima esconde o abuso e sente-se culpada pelo episódio,
internalizando esse sentimento e carregando-o por toda a sua vida adulta.
Como consequência, a criança passa a desenvolver problemas como a
baixa autoestima, dificuldades em construir relações duradoras. Isso
prejudica “também a confiança que ela tem de si mesma e nas pessoas
que estão ao seu redor, comprometendo sua relação com o mundo
externo e consigo mesmo, abalando sua percepção de ser e de pensar
sobre o mundo” (HABIGZANG et al., 2005, p. 344).
É importante mencionar que quando o abuso sexual é feito por
meio do incesto - relação sexual entre parentes - é bem mais profundo e
traumático, pois de forma mais contundente, ficam marcados o
abandono e a traição já que à criança lhe foi negado um direito inerente
a qualquer ser humano: o amor e a confiança. As consequências disso
são o emocional devastado, uma autoimagem destruída e uma profunda
dificuldade em estabelecer relações de respeito, admiração e confiança
com as pessoas (ADED et al., 2006).
Nesse contexto de abuso, a colaboração da psicologia no
processo de transformação social é de inestimável valor (PINHEIRO;
FORNARI, 2005). As estatísticas apontam para um crescimento de casos
envolvendo as mais diversas formas de violência sofridas por crianças e
adolescentes em nosso país. Portanto, a demanda de trabalho para
profissionais da área de saúde mental aumenta dia a dia e a Psicologia
contribui de forma significativa nessa situação, pois o psicólogo estuda
cada caso buscando a compreensão das questões emocionais que a
criança vivencia após o fato, auxiliando na recomposição psíquica e

4
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

inserção das vítimas nas relações sociais deficientes causadas pelos


traumas vivenciados.
Para Schaefer, Rossetto e Kristensen (2012) o papel do psicólogo
é de extrema importância, pois garante o atendimento adequado às
crianças e adolescentes vítimas de violência, mas para isso se faz
necessário compreender os conceitos de violência, como ela acontece,
suas consequências, os tipos e procedimentos éticos de intervenção.
Acredita-se que o conhecimento que o psicólogo tem acerca desse tema
pode colaborar para o desenvolvimento de estratégias mais sensíveis e
menos invasivas na hora da escuta que favorece o acolhimento, a empatia,
o respeito ao ritmo e processo evolutivo de cada criança e minimiza os
danos de curto e longo prazo que possam vir a sofrer (SCHAEFER;
ROSSETTO; KRISTENSEN, 2012).
Observa-se um aumento de ocorrências de abuso no nosso
contexto, talvez isso seja devido à falta de uma rede de serviços
articulada e negligência na situação local, e ausência de estudos sobre o
tema. Portanto, diante das circunstâncias, pretende-se compreender
melhor a magnitude das consequências da violência sexual sobre o
desenvolvimento de crianças e adolescentes com o objetivo de
conscientizar a sociedade para o enfrentamento do problema.

Breve histórico sobre a violência infantil e a concepção da infância

A questão do abuso infantil vem se tornando um dos assuntos


mais discutidos nos dias atuais. Em parte, isso se deve à proliferação dos
meios de comunicação que ajudam a propagar e denunciar os fatos,
aliado a uma maior atenção às denúncias, apoio popular e o avanço das
leis. Contudo, ainda é um fato recorrente que o abuso em ocasiões seja
abafado ou postergado ficando as vítimas sem receber a proteção
adequada.

5
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Nesse sentido, Pfeiffer e Salvagni (2005) explicam que o abuso


sexual pode ser caracterizado como um ato de violência praticado por
alguém que se aproveita e beneficia-se de uma criança, para sentir ou
não prazer sexual, geralmente repetitivo e intencional, cuja a ação é
praticada sem o consentimento da vítima. Esse tipo de violência consiste
não só numa violação à liberdade sexual da criança, mas também numa
violação aos seus direitos humanos. Contudo, a atenção ao período da
infância surgiu de modo lento e gradativo. Historicamente os estudos
realizados por várias áreas do conhecimento (Psicologia, Pedagogia,
Biologia e Psicanálise) consideravam a criança uma versão menor de um
adulto, sem foco especial aos problemas inerentes a esse estágio da vida
do indivíduo e sem as consequências que acarretam posteriormente
(AZAMBUJA, p. 64, 2011). Para entender esse processo de mudança na
atenção especial a criança, veremos alguns fatos.
Na Antiguidade, registram-se práticas que envolviam diferentes
formas de violência contra a criança, a exemplo do Código de Hamurabi
(1728-1686 a.C.) que consistia de um conjunto de leis aplicadas na
Mesopotâmia para punir ações consideradas crimes, como arrancar os
olhos da criança por fugir de casa ou sacrificá-las oferecendo-as como
sacrifício para agradar os deuses. Os maus-tratos às crianças se faziam
presentes por meio do infanticídio, utilizado para matar as crianças que
nasciam com algum defeito físico (MARTINS; JORGE, 2010).

Desde sempre, a grande maioria dos casos de violência contra as


crianças e adolescentes aconteceram no ambiente familiar, contrapondo
a atual função protetora ao qual é encarregada à família. Somente no
século VI, a partir do Código Justiniano, foi contestado o direito dos pais,
vedando o direito de matar seus filhos e estabelecendo como
responsabilidade o direito de educá-los (AZAMBUJA, p. 65, 2011).

6
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Na Idade Média, a infância era tratada de modo impreciso, época


em que a criança e ao adolescente eram tratados de maneira a expor suas
vulnerabilidades frente ao adulto e por isso subestimada. Castigos
físicos, como espancamento com chicote, ferros e paus, eram largamente
utilizados na educação da criança, havendo altos índices de mortalidade
infantil (MARTINS; JORGE, 2010).
No Ocidente, somente por volta do século XVI surgiu uma nova
percepção da infância, com a valorização da criança no núcleo familiar.
Até a Idade Moderna, a criança era considerada uma versão menor pré-
estabelecida do adulto, concepção esta que se refletia, por exemplo, nas
próprias vestimentas utilizadas por elas, alastrando aos
comportamentos sociais dos mesmos (AZAMBUJA, p. 64, 2011).
A educação voltada às crianças ganha espaço no século XVII sob
influência da Igreja e do Estado que objetivava discipliná-los. Já no final
do mesmo século, começa-se a pensar juridicamente nos direitos da
criança como um indivíduo à parte e com poder de voz, a qual passa a
ser diferenciada do adulto. Sua educação torna-se interesse do estado e
iniciam-se estudos sobre a psicopatologia e sua capacidade de
aprendizagem. A criança passa a ser inserida dentro da sociedade como
um indivíduo com funções e deveres os termos vigentes das leis.
A infância 1 tal qual conhecemos hoje é um conceito moderno
formado entre o século XVII e XVIII. Nesse período a infância foi
caracterizada por um período de inocência e vulnerabilidade no
desenvolvimento humano entre o nascimento e a puberdade. Foi na Idade
Média que associaram-se as ações de bajular e mimar os menores como
forma de entretenimento da elite (PIMENTEL; ARAÚJO, 2007).

1
Na modernidade, do ponto de vista jurídico, a elaboração do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), no seu art. 2º, define criança como a pessoa de até doze
anos de idade incompletos, além de reconhecê-la como sujeito de direitos.
7
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

No século XIX, o filho passa a ganhar espaço no núcleo familiar,


ocupando uma posição central. Na Europa, a partir de 1850 a criança
tornou-se objeto de afeto dos pais tendo direito a educação (AZAMBUJA,
p. 64, 2011). No final deste século, com os estudos de Sigmund Freud e
John Dewey, a criança começou a ser vista como um indivíduo
canalizador de acontecimentos que acarretariam em prolongamentos
durante a sua vida adulta. Dessa forma, o ego e a individualidade
deveriam ser preservados por cuidados especiais, no qual a preservação
de vida deveria estar sob o controle dos adultos (AZAMBUJA, p. 65. 2011).
Apenas no século XX as punições físicas foram proibidas
legalmente no Brasil, com a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente em 1999 (AZAMBUJA, 2011). Desse modo, o reconhecimento
da infância, seguido da preocupação com a vida dela não surgiu da noite
para o dia. Denotando o tempo de amadurecimento da ideia da criança
como um sujeito realmente inserido na sociedade, com direitos e deveres
perante a mesma.
Porém, os meios de comunicação mostram todos os dias
situações de maus-tratos infantis. Apesar da inserção da criança como
um indivíduo na sociedade, acompanhado de políticas públicas, a
violência ainda permanece como uma grave ameaça a sua condição de
vida.
A violência contra a criança tem se perpetuado até os dias de hoje
e vem sendo responsável por consequências que a atinge plenamente a
fase de crescimento e desenvolvimento, causando danos irreparáveis na
fase adulta, podendo comprometer futuramente sua imersão como um
adulto na sociedade (MARTINS; JORGE, 2010).

Aspectos conceituais

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CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

O conceito de violência vem do latim violentia2 e significa abuso


de força, tirania, opressão, veemência, ação violenta, coação física ou
moral. A violência é considerada um fenômeno complexo que possui
raízes históricas e sociais, bem como múltiplos fatores causais que
utiliza, de forma intencional a força física, o uso do poder, a negligência,
o abandono real ou em ameaça, contra si próprio ou contra outra pessoa,
nesse caso, as crianças e adolescentes prejudicando seus direitos no que
tange o desenvolvimento físico, moral e psicológico.
O artigo 227º da Constituição Federal Brasileira expressa (1990)
que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e


ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,
1990).

O direito de proteção à criança está legalmente garantido, porém


a realidade atual e os dados de registros apontados pela Organização de
Saúde, confirmam que esses direitos são violados a cada instante e a cada
dia aumenta o número de vítimas de violência sexual.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) exerce papel
fundamental na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. No
que diz respeito a esse direito, está descrito no artigo 5º do ECA que:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na lei forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
seus direitos fundamentais” (BRASIL, 1990). A partir deste conceito, a

2
Fernandes, Francisco., Luft, P. Celso., & Guimarães, F. Marques. Dicionário
Brasileiro Globo. (39ª ed). São Paulo: Globo. 1995
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CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

violência pode ser classificada em quatro categorias principais: violência


física, violência psicológica, negligência e abuso sexual.

Violência física

A violência física de uma criança é definida como atos de


acometimento, como insulto, ofensa, agressão, por parte da pessoa
responsável por seus cuidados. Segundo a Secretária Especial dos
Direitos Humanos a violência física é:

Caracterizada como todo ato violento com uso da força física de


forma intencional, não acidental, praticada por pais, responsáveis,
familiares ou pessoas próximas da criança ou adolescente, que
pode ferir, lesar, provocar dor e sofrimento ou destruir a pessoa,
deixando ou não marcas evidentes no corpo, e podendo provocar
inclusive a morte (BRASIL, p. 30, 2004).

Violência psicológica

Atitudes e condutas, perante a criança, que ocasionam medo,


frustração e experiência de temor quanto à própria integridade física e
psicológica, ameaças verbais com conteúdo violento ou emocional. Como
também, a rejeição, o não-reconhecimento da criança em sua condição
de sujeito, degradação ou subvalorização da criança, expondo-a à
humilhação pública e atribuindo apelidos depreciativos, terrorismo,
ameaças, castigos, isolamento e exploração (PIMENTEL; ARAÚJO, 2007).
Em termos gerais, se dá menos atenção a violência emocional e
psicológica contra as crianças e adolescentes do que ao abuso físico e
sexual. Esse tipo de violência inclui a falha, o erro, de um responsável
pelos cuidados para com ela, em proporcionar um ambiente apropriado
e de amparo, e inclui atos que têm um efeito adverso sobre a saúde e o
desenvolvimento emocional dela.

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CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Negligência

A negligência é o ato de omissão do responsável pela criança e


adolescente em fornecer os cuidados básicos, nas áreas da saúde,
educação, desenvolvimento emocional, nutrição, abrigo e condições de
vida segura, para seu desenvolvimento adequado. Esta negligência pode
ser fruto da falta de condições internas que os pais têm para acolher,
apoiar, orientar e proteger os filhos.

Abuso sexual

Esse tipo de abuso, segundo Borges e Dell’aglio (2008a), é


definido como o envolvimento de uma criança ou adolescente em
atividade sexual inapropriada com um adulto, sendo que a atividade
sexual é destinada à gratificação sexual desta outra pessoa. Pode variar
desde atos em que não exista contato sexual, ou seja, sem penetração,
como toques, carícias e masturbação ou até os atos com penetração.
As consequências físicas, comportamentais e emocionais do
abuso variam entre as crianças, dependendo do seu estágio de
desenvolvimento quando ocorre a violência sexual, da gravidade do
abuso, da relação entre o agressor e a criança, da duração desse abuso, e
de outros fatores presentes no ambiente da criança.
Elas podem apresentar alguns sinais inadequados com objetos,
brinquedos; demonstrar conhecimento sexual não observado
anteriormente; apresentar pesadelos ou problemas de sono; apresentar
mudanças de personalidade; sentir medos de determinados lugares ou
pessoas; tornar-se agressiva ou reservada (FLORENTINO, 2015).
Habigzang et. al. (2005) afirma que a violência sexual pode
ocorrer dentro ou fora do contexto familiar que pode ser classificado,

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CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

como: extrafamiliar ou intrafamiliar. Contudo, observa-se que os abusos


intrafamiliares são os mais frequentes, onde o abusador encontra-se no
meio familiar da criança ou adolescente. Enquanto que a violência
extrafamiliar ocorre tanto em um ambiente incomum, como também com
uma pessoa desconhecida.

Violência sexual extrafamiliar

Violência Sexual Extrafamiliar é definida como qualquer forma de


atividade sexual entre uma pessoa desconhecida, sem vínculo e nem
parentesco com a criança ou adolescente. Essa agressão ocorre
geralmente próxima da residência da vítima (DE ANTONI. et al, 2011).
Trata de uma situação de transgressão de limites dos direitos humanos
legais, de poder, de papéis, do nível de desenvolvimento da vítima, do
que esta sabe e compreende, do que o abusado pode consentir fazer e
viver, de regras sociais e familiares. O filme “HOPE” retrata a história,
baseada em fato reais, de uma menina de 8 anos de idade, que mora numa
cidade pequena da China com o pai, Im Dong-hoon, e a mãe, Kim Mi-hee,
que foi estuprada a caminho da escola, constituindo-se em um exemplo
típico de violência sexual extrafamiliar. A protagonista “HOPE” sempre
fez, acompanhada dos colegas, o mesmo caminho para escola, mas no
dia do evento por estar chovendo muito, ela acabou indo sozinha. No
caminho, perto da escola é abordada por um senhor desconhecido que a
sequestrou e a estuprou. Após o evento traumático, Hope se manteve
distante das pessoas do sexo masculino, inclusive de seu pai, por
associá-los ao agressor. Esse fato fez com que o pai utilizasse de
instrumentos lúdicos, como fantasiar-se do boneco favorito da filha, para
tentar se reaproximar, sem causar quaisquer danos. Os pais de início não
aceitam terapia, por não saberem se realmente iriam ajudar a menina, até
que finalmente optam por ajudá-la. A partir disso, a menina vai se

12
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

abrindo para os familiares e amigos, e recuperando a confiança no pai.


Retomando, aos poucos, a alegria em viver. O trabalho do pai, e da
família, no geral, juntamente com a intervenção da psicóloga foi
primordial para a recuperação física e psicológica de Hope, evitando ou
diminuindo as chances de desenvolver quaisquer transtornos em seu
desenvolvimento.

Violência sexual intrafamiliar

Violência Sexual Intrafamiliar segundo Pfeiffer e Salvagni (2005


apud Seabra e Nascimento, 1998) é definida quando se verifica a
existência de violência dentro de um grupo familiar. Esse tipo de abuso
infanto-juvenil pode ser denominado também de incesto. Há várias
formas de relações incestuosas: pai e filha; irmão e irmã; mãe e filha; pai
e filho; mãe e filho, tio(a) e sobrinho(a), avô(ó) e neto(a) e primo(a), ou
seja, pessoas com relação de consanguinidade com a criança, mas
também é agressor intrafamiliar um padrasto, madrasta, enfim, aqueles
que, mesmo sem nenhum grau de parentesco, têm certo convívio com a
criança a ponto de travar com ela laços afetivos. Esse tipo de abuso é
considerado mais marcante do que os provenientes de casos de violência
sexual extrafamiliar. Nesse caso, além de ser maioria, são mais delicados
e difíceis de serem descobertos pelo fato do abusador ser uma pessoa
conhecida e querida.

Os casos mais frequentes de violência sexual até a adolescência são


decorrentes de incesto, ou seja, quando o agressor tem ou mantém
algum grau de parentesco com a vítima, determinando muito mais
grave lesão psicológica do que na agressão sofrida por estranhos.
(PFEIFFER, SALVAGANI, p.197, 2005).

Essa circunstância torna-se mais confusa para a criança ou


adolescente que sente dificuldade em perceber que o que acontece é uma

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CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

violência e que aquele comportamento foge à normalidade devido a que


o abusador, de modo sedutor, transmite à criança a ideia de que é algo
comum no relacionamento ou acontece porque ela é especial (ARAÚJO,
2002). Além disso, o abusador frequentemente usa ameaças contra elas,
ou contra a própria família como forma de silenciá-las.
O abuso intrafamiliar pode durar anos e dificilmente é
descoberto e interrompido sem a interferência de atores (amigos,
policias, vizinhos) externos à família. Quando a criança consegue relatar
a situação abusiva, não é raro que a mãe não acredite ou a culpabilize,
sem denunciar o abusador pelo medo das consequências. Entre essas
consequências estaria a exposição do caso, o rompimento dos vínculos,
o ciúme, por achar que a criança é a culpada por seduzir o parceiro, bem
como ficar sem o provedor econômico da família. Pfeiffer e Salvagni
(2005) confirmam esse silêncio que circula o fenômeno e, nos casos de
vítimas do sexo masculino, Almeida (2009) afirma que o silêncio é ainda
maior, porque as famílias temem comprometer a imagem heterossexual
do menino, se o assunto tornar-se público. Esse fato pode se agravar pelo
despreparo de muitos profissionais; o pouco conhecimento das leis; a
articulação insuficiente com outras instituições de proteção dos direitos
da criança; a não identificação do abuso; a descrença nas ações do Estado
na resolução da questão; as questões culturais que dificultam a
percepção de que familiares podem ser os causadores e a compactuação
com o segredo, de forma consciente ou não (ADED et al. 2006; PFEIFFER;
SALVAGNI, 2005). Diante disso, a criança pode experimentar sentimentos
de confusão e insegurança que as vezes perduram por muito tempo,
dependendo do seu amadurecimento, do canal de diálogo e do apoio que
conseguir com os profissionais da área e de sua família.

Consequências-sinais apresentados por crianças vítimas de abuso

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CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

As consequências do abuso sexual infantil acarretam em diversas


implicações na vítima, que podem ser emocionais, físicas, sexuais e
sociais. Em consequência, originam-se traumas psicológicos que se
mostram presentes em comportamentos indissociáveis ao evento,
acabando por não serem expressos, devido a uma série de influências
das construções sociais ao qual a vítima foi exposta, como a culpa e o
medo. A criança vítima de abuso poderá apresentar consequências
imediatas e mediatas, podendo perdurar por anos após o abuso, como
medo generalizado, agressividade, culpa, e vergonha, isolamento,
ansiedade, depressão, baixa autoestima, rejeição ao próprio corpo,
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), condutas suicidas,
diminuição no rendimento acadêmico, consumo de drogas (FLORENTINO,
2015)
Muitos autores enfatizam a presença do Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT) em vítimas de abuso sexual. O TEPT é
caracterizado pela volta recorrente, por meio de pensamentos do
acontecimento estressante, de isolamento social acompanhado de
sintomas corporais a exemplo de taquicardias, desregularização do sono
e falta de concentração (BORGES; DELL’AGLIO 2008b, p. 373 apud
AMAZARRAYE KOLLER, 1998). Trata-se de uma sequela a curto prazo, que
se persistir ao longo do tempo, acarretará em profundas mudanças na
personalidade dessas vítimas (HABIGZANG et al., 2008). Assim, a longo
prazo podem surgir quadros de personalidade antissocial, problemas de
conduta, perturbações do sono, pesadelos, terrores noturnos (COSTA,
2007).
Nos meninos, o abuso pode levar a uma crise sobre sua orientação
sexual e identidade de gênero. As vítimas, de acordo com Borges e
Dell’aglio (2009), Florentino (2015) e Habigzang et. al. (2010), tendem a
estabelecer limites nas relações interpessoais e de controlar os
relacionamentos afetivos. Em outros casos, o abuso mostra-se latente em

15
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

toda a vida do sujeito, atuando quase como organizador e usurpador do


lugar principal entre os diversos acontecimentos de sua vida (ALMEIDA;
PENSO; COSTA, 2009). Ela também pode apresentar mudanças de hábitos
alimentares conforme estudo de Paraventi et al. (2011 apud Narvaz e
Oliveira 2009). Sendo a bulimia o hábito mais relacionado ao abuso físico.
A vítima com esse problema pode desenvolver uma espécie de rejeição
ao próprio corpo, levando a uma falta de cuidado com o mesmo. Com
isso, no âmbito sexual, os indivíduos podem deixar de usar preservativos,
causando doenças sexuais transmissíveis e gravidez indesejada. Segundo
a Organização da saúde:

Mulheres que sofreram violência sexual por parte de não parceiros


têm probabilidade 2,3 vezes maior de apresentar transtornos
causados pelo consumo de álcool; e 2,6 vezes maior de ter
depressão ou ansiedade, em comparação a mulheres que não
sofreram esse tipo de violência (ROMERO; SUAREZ, p.88, 2005).

Devido a todas às circunstâncias expostas, o contato da vítima


com o meio passa a ser profundamente afetada. Há uma falta de
comunicação da criança com familiares e amigos e uma deficiência na
sua comunicação com novos ambientes sociais ao qual é exposta. Dessa
forma o indivíduo passa a ser recluso por sua falta de comunicabilidade,
dificultando na expressão do ocorrido e nas modificações que passam a
serem originadas a partir disso, levando a casos de suicídios.
O papel de familiares e amigos próximos é essencial na
recuperação física e emocional da criança que sofreu ou sofrem esse tipo
de dano (HABIGZANG. et al., 2005). A atenção que deverá ser
proporcionada a esta criança não deve centrar-se unicamente no cuidado
das suas lesões físicas, mas deve ser acompanhada de questionamentos
da origem das sequelas. É necessário atentar para as possíveis mudanças
de hábitos, antes que as consequências físicas e cognitivas surjam.

16
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Devido a isso é extremamente necessário um acompanhamento


psicológico no desenvolvimento do caso.

Ações para o enfrentamento da violência sexual contra a criança no


brasil

No Brasil, para o combate à violência sexual infantil está previsto


na Constituição Federal, no Código Penal Brasileiro, no Estatuto da
Criança e do Adolescente e em determinados instrumentos políticos
como os Planos de Enfrentamento à Violência Sexual. A Constituição
Federal Brasileira e o ECA estabelecem leis que asseguram os direitos de
proteção e cuidado da criança e do adolescente. A Constituição de 1988
salienta no seu Artigo 227, que o dever de cuidar e proteger as crianças
e adolescentes não é só da família, mas também da sociedade e do Estado.
Sobre o abuso sexual, assinala nesse mesmo artigo que: “A lei punirá
severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do
adolescente”.
O Código Penal do Brasil, a partir da Lei Nº 12.015/2009, teve
vários artigos referentes à violência sexual infantil, alterados. Os crimes
sexuais contra vulnerável, pessoa até 14 anos, tiveram penalidade
aumentada. Dentre esses, constam: o estupro, caracterizado como
conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos; a
corrupção de menores, que se trata de induzir alguém menor de 14 anos
a satisfazer o desejo sexual de outra pessoa ou presenciar o ato.
Já o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual
Infanto-Juvenil (PEVS-BR) foi elaborado, no ano de 2000, indicando as
diretrizes para a política pública nacional. Tem como objetivo
desenvolver um trabalho articulado com diferentes áreas: Saúde,
Educação, Assistência Social, Conselho Tutelar, Ministério Público,
Judiciário, dentre outros, que buscam através de ações contínuas e
regulares, a proteção dos direitos da criança e do adolescente.

17
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Felizmente, na atualidade, embora a violência contra crianças e


adolescentes ainda continue a existir, a atitude da sociedade com relação
a esta prática não é mais a mesma. Verifica-se que a legislação modificou-
se ao longo da história e, embora as leis vigentes ainda não sejam
capazes de acabar com esse tipo de situação são um avanço no
enfrentamento da problemática, podendo o ECA inclusive ser
considerado o mais importante marco dentre a legislação. As alterações
trazidas são de suma importância, pois mais abrangentes garantem
maior eficácia no combate a muitas formas de violência, mais
principalmente à violência sexual praticada contra os menores de idade.

A família

A família é considerada uma das principais instituições


responsável para proteger a criança contra os perigos da sociedade. Os
pais têm o papel de fornecer e transmitir bases e valores que irá
contribuir na formação do caráter, do comportamento no processo de
desenvolvimento integral do indivíduo. É nesse meio que a criança
espera receber amor, carinho, atenção e proteção. Espera-se que a família,
além de garantir condições de sobrevivência, inicie a preparação da
criança para enfrentar as dificuldades e desafios do mundo (ARAÚJO,
2002). Porém, por diferentes fatores nem todas as famílias tem uma base
sólida para garantir o processo de desenvolvimento integral da criança.
Além disso, as famílias nas quais ocorre o incesto são disfuncionais, pois
incluem algumas características sugestivas de abuso intrafamiliar como:
violência doméstica, pai e/ou mãe abusados ou negligenciados na
infância, alcoolismo paterno, autoritarismo ou moralismo paterno,
passividade e ausência materna, inadequação no relacionamento sexual
conjugal, presença de padrasto ou madrasta na composição familiar, pais
que acariciam ou que exigem carícias violando a privacidade dos filhos,

18
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

pais que permanecem muito tempo isolados com seus filhos, filhas
desempenhando papel de mãe, promiscuidade ou comportamento
autodestrutivo nas crianças, isolamento social e comportamento sexual
inadequado para a idade da criança.
Outro aspecto que evidencia essa disfuncionalidade familiar é o
silêncio. No caso do abusador (a) ele (a) não quer destruir a manutenção
da unidade familiar, não aceita perder o conjugue. Já no caso do silêncio
da criança ou do adolescente, encontra-se o sentimento do medo de
perder o amor do agressor (muitas vezes o pai), medo de ser
ridicularizada, de não ser acreditada ou de perder o apoio familiar.
Quanto mais próxima a criança é do agressor, mas medo de falar ela terá
(ARAÚJO, 2002).
Quando há a relação incestuosa, muitas vezes, as mães se
recusam a enxergar e passam a corroborar com a prática do abuso sexual
contra seu (sua) filho(a) para manter a estabilidade e a segurança no lar,
pois ao mesmo tempo que sentem ciúmes e raiva pelo evento, sentem
culpa por não fornecerem proteção (NEVES, et al., 2010). Muitas vezes
elas se enganam, fingem que não sabem, como mecanismo de defesa
utilizada para suportar o impacto da violência, desilusão e frustração
frente à ameaça de desmoronamento da unidade familiar e conjugal
(ARAÚJO, 2002).

O profissional de psicologia

É fundamental que o psicólogo possa reconhecer com clareza o


seu papel, suas atribuições e contribuições referentes a tomada de
decisão nos casos de abuso sexual infantil. Uma de suas grandes
preocupações nesses casos é o bem-estar da criança e do adolescente
envolvidos nos julgamentos, sendo considerados traumáticos e
constrangedores, uma vez que as vítimas devem repetir o crime diversas

19
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

vezes para diferentes autoridades como conselheiros tutelares, polícia,


psicóloga, juízes, entre outros. Acompanhar os depoimentos das vítimas
nesses casos, é para o psicólogo uma de suas principais atividades
(BRITO, 2012; PELISOLI; GAVA; DELL'AGLIO, 2011). Pfeiffer e Salvagni
(2005) alertam que a entrevista feita pelo psicólogo deve ser realizada
com bastante cuidado, devendo poupar ao máximo a vítima de estar
repetindo sua história, visto que a fará reviver sua dor e até mesmo
potencializá-la, de acordo com sua reação e abordagem durante o relato
dela. Esse primeiro contato pode ser feito por meio de instrumentos
lúdicos como: jogos, bonecos, instrumentos projetivos, desenhos e
outros materiais gráficos, tentando superar as possíveis limitações
verbais (silêncio e o medo de falar) que a criança poderá desenvolver
após o evento danoso, auxiliando assim sua avaliação (PELISOLI;
DELL'AGLIO, 2013). Na tentativa de minimizar os prejuízos emocionais
provocados pelo depoimento da criança, o Psicólogo utiliza-se de um
método mais acolhedor, oferecendo um ambiente seguro para que esta
perceba a atenção, livre de preconceitos, e sua credibilidade, e assim
sinta-se à vontade para relatar o seu caso (BENIA, 2015). Uma criança bem
acolhida e sentindo confiança no profissional, poderá deixar
transparecer seus reais sentimentos e detalhes vívidos em sua
experiência (PFEIFFER; SALVAGNI, 2005).

No contexto jurídico, caracteristicamente racional e objetivo, a


Psicologia pode fazer a diferença intermediando as necessidades do
Poder Judiciário e as necessidades de seus usuários, humanizando
o sistema de Justiça (PELISSOLI; DELL’AGLIO. p. 185, 2013).

O psicólogo deve trabalhar aspectos relacionados à autoestima,


autoimagem, bem-estar emocional, de acordo com o grau de severidade
e de comprometimento da vítima da violência. Como também, o
atendimento psicológico familiar, com o intuito de trabalhar as crenças,
segredos familiares, autoestima dos membros da família e fortalecê-la
20
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

para resolver seus conflitos e estabelecer a comunicação entre os


mesmos. Além de desenvolver estratégias eficazes para valorizar seus
potenciais individuais. É importante salientar que todas as vítimas de
abuso sexual e sua família necessitam de apoio psicológico, pois seu
trabalho tem como objetivo minimizar os impactos causados, evitando
que essa criança venha a sofrer futuramente de transtornos, pois quando
não ocorre uma intervenção psicológica adequada, o desenvolvimento
afetivo, cognitivo e social pode ficar totalmente prejudicado e
comprometido fazendo com que os sintomas se tornem irreversíveis
(PINHEIRO; FORNARI, 2005). Diante disso, percebe-se o quanto é
complexo escutar crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Isto
exige um trabalho de equipe, que vá além da multidisciplinaridade.
O atendimento da criança sexualmente abusada exige um
trabalho interdisciplinar, com capacitação profissional e preparação
pessoal e emocional continuadas, ampliando a compreensão dos casos,
contribuindo para a interrupção da situação de vitimização infantil, bem
como a prevenção de futuras ocorrências e possibilitando intervenções
adequadas (FRONER; RAMIRES, 2008).

Justificativa

A infância é um período onde o ser humano desenvolve


mudanças graduais no psicológico e no comportamento para a aquisição
das bases de sua personalidade. Por isto quanto mais cedo descobrir a
violência acometida na infância e adolescência, mais chance existe de
impedir o prolongamento do sofrimento e evitar danos terríveis ao
intelecto da criança. Diante desse contexto, surge a curiosidade de
investigar sobre os principais impactos sociais, cognitivos e emocionais
causados na vida das crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual.
Pretende-se entender mais sobre as terríveis consequências que poderão

21
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

desencadear diversos danos psicológicos e físicos na criança na tentativa


de minimizar o impacto dessas consequências e restabelecer a estrutura
psíquica da criança, possibilitando uma vida mais saudável.

Objetivos

Revisar os aspectos peculiares que envolve os impactos que o


abuso sexual infantil tem sobre a vida das crianças e adolescentes.
Realizar uma sistematização das principais contribuições teóricas
pertinentes sobre o assunto abordado. Contribuir para divulgar o
conhecimento já elaborado sobre as consequências do abuso sexual
infantil.

Metodologia

Realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre violência sexual de


crianças e adolescentes através de artigos acadêmicos publicados no
Brasil nos últimos quinze anos. Iniciou-se com uma busca no portal da
Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), na página de terminologias em
psicologia, para verificação de descritores oficiais referentes a temática.
Os descritores utilizados foram: abuso sexual and infantil. Após a
pesquisa no BVS, seguiu-se para busca de artigos onlines nas bases de
dados: Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), Periódicos Eletrônicos
em Psicologia (PEPSIC) e Literatura Latino-americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS) fazendo um cruzamento com os descritores
oficiais com foco principal na literatura dos últimos 15 anos, e utilizando
áreas de interesse como psicologia, psicologia jurídica, enfermagem e
saúde. O critério inicial de seleção dos artigos foi conter no título algum
dos seguintes descritores: abuso infantil, violência, maus-tratos infantis,
prevenção de violência. Os artigos podiam estar escritos em português

22
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

ou espanhol, mas era necessário que os dados fossem referentes ao


contexto brasileiro. Foram incluídos os artigos que traziam referencial
histórico quanto ao tema e também artigos que abordavam as políticas e
estratégias desenvolvidas na atenção à violência contra crianças e
adolescentes. Foram excluídos artigos da língua inglesa, teses e
doutorados e artigos duplicados.
Os dados coletados foram organizados por meio de uma tabela
de acordo com os seguintes itens: fonte, ano, tema, tipo de estudo,
objetivos e resultados. A seleção dos estudos foi realizada, então, em
três etapas: 1º etapa – filtragem (ano de publicação, língua portuguesa e
espanhol, artigos de revistas científicas e textos repetidos) dos artigos
obtidos e a leituras dos títulos; 2º etapa - leitura dos resumos dos artigos
selecionados na 1ª etapa e 3º etapa - leitura do corpo do texto
selecionados na 2ª etapa.

Resultados

Inicialmente foram identificados 179 artigos na base SCIELO.


Desse total, na primeira etapa foram excluídos 69 por pertencerem à
língua inglesa, 46 pelo ano de publicação e 44 foram por não conterem
nos títulos os descritores. Assim, tráfico sexual, escravidão e exploração
sexual, não foram considerados. Na segunda etapa, foi realizada a leitura
dos resumos dos 20 artigos selecionados na primeira etapa, sendo que
sete foram excluídos, já que não atendiam integralmente aos critérios de
inclusão. Permaneceram, portanto, para leitura na íntegra (terceira etapa),
13 artigos, dentre os quais, excluiu-se um artigo que estava em
desacordo com o tema abordado. Ficando um total de 12 artigos para
estudo.
No banco de dados PEPSIC foram encontrados 22 artigos, dos
quais sete foram eliminados por não corresponderem ao critério do ano

23
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

de publicação, e um por ser em outro idioma. Na segunda etapa, dos 14


resultantes da filtragem inicial, foram excluídos sete artigos. Na terceira
etapa os sete artigos selecionados permaneceram para leitura completa.
Já no LILACS, a busca inicial resultou em 892 artigos. Após a
utilização do filtro “ano de publicação”, restaram 442 artigos. Destes,
257 foram excluídos por serem teses (42), monografias (165), projetos
(50), já que não atendiam ao critério de inclusão. Disso, ficaram 185
artigos, no quais 167 foram excluídos por estar em outro idioma.
Permaneceram, ao final da primeira etapa 8 artigos, pois dez foram
excluídos por ser repetidos. Na segunda etapa, quatro foram eliminados
e, na terceira, apenas um foi eliminado após a leitura do corpo do texto,
totalizando três artigos.
Com isso, foram selecionados um total de 22 estudos para análise,
observando-se um maior número de publicações no período de 2008 a
2015. No que se refere ao tipo de estudo dos trabalhos analisados,
prevaleceu os de caráter qualitativo (12 artigos), e os outros se
distribuíram em diferentes métodos estudo documental (3), estudo
observacional(1), estudo de caso(1), estudo experimental (1) e
exploratório-descritivo (3) e estudo descritivo (1).

24
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

QUADRO 1 - Artigos Científicos selecionados para o estudo


BASES DE AUTOR- TIPO DE
TÍTULO OBJETIVO(S) RESULTADOS
DADOS ANO ESTUDO
SCIELO É necessário capacitar os
Violência e Entender o impacto das
Psicol. Araújo. Estudo profissionais da saúde para
abuso sexual consequências do abuso sexual no
estud. vol.7 n 2002 qualitativo identificar corretamente os casos
na família desenvolvimento da criança.
o.2 Maringá de abuso sexual infantil.
Há necessidade de mais pesquisa
SCIELO Revisar os aspectos peculiares que
Visão atual do no País para saber lidar com as
Jornal de Pfeiffer, Estudo envolvem o abuso sexual na
abuso sexual questões do abuso e suas
pediatria de Salvagni. document- infância e na adolescência,
na infância e consequências na vida das
vol. 81 iss:5 2005 tal oferecendo subsídios para o
adolescência vítimas.
pg:s197 -s204 diagnóstico e conduta correta.
El sufrimiento
LILACS
del adulto
Revista
abusado O abuso influencia a vida psíquica
Latino- Romero e Explora- Abordar o sofrimento do paciente
sexualmente da criança
americana. Suárez. tório – adulto que sofre o abuso Sexual
en la infancia. no futuro.
Psicopat. 2005 descritivo Infantil.
Una
Fund., VIII, 4,
apromimación
679-693
clinica.
Abuso sexual
infantil e Habigzan Mapear fatores de risco do abuso
‘SCIELO
dinâmica g, Koller, sexual intrafamiliar identificados Meninas são vítimas mais
Psic.: Teor. e
familiar: Azevedo Estudo nos processos jurídicos do frequentes de abuso sexual do que
Pesq. vol.21
aspectos e qualitativo Ministério Público Estadual do Rio meninos. E o abuso intrafamiliar é
no.3 Brasília
observados em Machado Grande do Sul/Brasil. mais comum que o extra.
Sept./Dec.
processos . 2005
jurídicos

25
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

SCIELO Abuso sexual Aded,


Todos os estudos indicaram
Revista de em crianças e Dalcin,
Estudo Revisar publicações sobre abuso consequências negativas do abuso
psiquiatria adolescentes: Moraes e
documenta sexual contra menores registrados e a necessidade de mais estudos
clínica vol:33 revisão de 100 Cavalcan
l pela medicina legal e psiquiatria. sobre o tema.
iss:4 pg:204 - anos de ti
213. literatura 2006
Família e abuso
Costa;
PEPSIC sexual: silêncio O atendimento psicossocial e/ou
Penso, Observar e refletir sobre as
Arq. bras. e sofrimento Estudo terapêutico deve ser dado à
Rufini, condições emocionais e
psicol. v.59 n entre a observacio família e a rede de apoio
Mendes, psicológicas das famílias de
.2 Rio de denúncia e a nal (vizinhos, amigos etc.).
e Borbaa. vítimas de abuso.
Janeiro dez. intervenção
2007
terapêutica
PEPSIC A violência sexual apresenta-se em
Apresentar uma perspectiva
Psicol. cienc. diferentes formas e em contextos
Concepção de Pimentel sintética da concepção de criança,
prof., Brasília Estudo específicos. O enfrentamento das
criança na pós- e Araujo. e pontuar questões relacionadas à
, v. 27, n. qualitativo suas consequências requer
modernidade 2007 pós-modernidade e ao problema
2, p. 184- tratamento interdisciplinar que
da violência sexual intrafamiliar.
193, Jun. inclui redes de apoio à vítima.
Escuta de
crianças
A escuta sensível e empática
SCIELO vítimas de Revisão da literatura que sobre o
Froner e propicia o conhecimento da
Paidéia. vol.18 abuso sexual Estudo atendimento de crianças vítimas
Ramires. experiência subjetiva da vítima
no.40 no âmbito qualitativo de abuso sexual intrafamiliar no
2008 que é complementado com o
Ribeirão Preto. jurídico: uma âmbito do Judiciário.
trabalho interdisciplinar.
revisão crítica
da literatura
Entrevista Habigzan Fornecer subsídios teóricos e Os protocolos de entrevista
SCIELO
clínica com g; Cunha, Estudo práticos para entrevista às podem auxiliar os profissionais
Revista Estud.
crianças e e Ramos. descritivo crianças e adolescentes vítimas do para escuta e postura adequada.
psicol.
adolescentes 2008 abuso.

26
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

(Natal) vol.13 vítimas de


no.3. abuso sexual

Relações entre
abuso sexual
SCIELO na infância,
Borges; Abordar as relações entre abuso Os estudos de revisão fortalecem
Psicol. transtorno de
Dell'Agli Estudo sexual infantil, transtorno de a associação entre eventos
estud. vol.13 estresse pós-
o. qualitativo estresse pós-traumático (TEPT) e traumáticos (abuso sexual), TEPT
no.2 Maring traumático
2008 prejuízos cognitivos. com o abuso sexual infantil.
á (TEPT) e
prejuízos
cognitivos
Abuso sexual
PEPSIC
infantil: Investigar as características do
Revista O Abuso Sexual Infantil está
indicadores de contexto do abuso sexual infantil
Interamerican Borges; Explora- associado a severas consequências
risco e (ASI) e as consequências no
a de Dell’Agli tório- no desenvolvimento, requer
consequências desenvolvimento das crianças e a
Psicologia. o. 2008 descritivo intervenção psicológica às vítimas
no presença de indicadores de risco
vol. 42, Num. 3 e suas famílias.
desenvolvimen nas famílias.
pp. 528-536.
to de crianças.
Abuso sexual No contexto de carências
infantil Aprofundar teoricamente os múltiplas, conflitos familiares, o
PEPSIC Estilos Almeida;
masculino: o efeitos variados da violência alcoolismo e a violação sexual são
clin. v.14 n.2 Penso e Estudo de
gênero sexual pela perspectiva de gênero elementos configuradores da
6 São Paulo. Costa. Caso
configura o e indicar as ações distintas frente masculinidade privilegiada pela
2009
sofrimento e o a eles. sociedade.
destino?
PEPSIC Funções
Borges; Quadro Investigar os sintomas de TEPT e Observou-se alta manifestação de
Revista cognitivas e
Dell’Agli experiment avaliar funções cognitivas em um TEPT no Grupo Caso. O ASI pode
Aletheia, Issue transtorno de
o. 2009 al grupo de meninas vítimas de ser um fator de risco no
29, p.88(15)/ estresse pós-
27
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

traumático abuso sexual (ASI), comparando-as desenvolvimento das funções


(TEPT) em com o grupo controle. cognitivas.
meninas
vítimas de
abuso sexual.
Caracterização
dos sintomas
Habigzan
do Transtorno
SCIELO g;
de Estresse Caracterizar a presença de Os dados confirmam o TEPT como
Psicol. Borges;
Pós- Estudo sintomas ou do diagnóstico do um quadro psicopatológico com
clin. vol.22 n Dell'Agli
Traumático qualitativo TEPT, em meninas vítimas de elevada manifestação em crianças
o.2 Rio de oe
(TEPT) em abuso sexual. e adolescentes.
Janeiro. Koller.
meninas
2010
vítimas de
abuso sexual.
Conhecer e divulgar a evolução
histórica da violência contra a É necessário ações preventivas,
SCIELO Maus-tratos
criança, bem como as políticas discussões e reflexões que possam
Acta paul. infantis: um
Martins e desenvolvidas na atenção à culminar em políticas e estratégias
enferm. vol.23 resgate da Estudo
Jorge. violência contra menores, além de preventivas, diagnósticas e
no.3 São história e das qualitativo
2010 discutir a importância da terapêuticas frente aos maus-
Paulo May/Jun políticas de
prevenção e da atuação dos tratos infantis.
e proteção.
profissionais de saúde.

Abuso sexual Neves;


PEPSIC Compreender os principais
contra a Cynara
Temas conceitos de violência e as
criança e ao Marques Conclui-se que os serviços ainda
psicol. vol.18 Estudo prerrogativas que sustentam as
adolescente: Hayeck; estão carentes de especialização e
no.1 Ribeirão qualitativo discussões sobre a criança
reflexões e Cury. de atualização de pesquisas.
Preto / enquanto sujeito de direitos.
interdisciplinar 2010
es

28
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Estudo de caso Paraventi


SCIELO controle para ,
Este estudo mostrou forte
Revista de avaliar o Claudino Investigar se antecedente de
Estudo associação da anorexia nervosa
psiquiatria impacto do , Morgan, abuso sexual na infância (ASI) está
exploratóri com antecedentes de abuso sexual
clínica. vol:38 abuso sexual Marcond associado com transtornos
o na infância.
fasc:6 pág:222 infantil nos es, e alimentares na vida adulta.
-226. transtornos Mari.
alimentares 2011
Psicologia Destacar as relações entre a A necessidade de experiência e
Pelisoli,
jurídica e psicologia e a justiça e abordar conhecimento científico é
Cátula,
SCIELO tomada de estudos que demonstram as abordada como possível
Gava,
Psico- decisão em Estudo influências de variáveis como contribuinte para a qualificação
Lara
USF, 16(3), situações qualitativo vieses cognitivos, crenças prévias dos psicólogos e é sugerida a
Lages, e
327-338. envolvendo e gênero sobre as decisões realização de pesquisas sobre o
Dell’aglio
abuso sexual tomadas por profissionais que tema no Brasil.
. 2011
infantil avaliam tais casos.
De
LILACS Abuso sexual
Antoni;
Estud. psicol. extrafamiliar: Observar esse fenômeno de forma
Yunes; Tal como no abuso intrafamiliar:
(Campinas) v percepções das Estudo multicausal e compreender
Habigzan síndrome do segredo, a culpa.
ol.28 no.1 Ca mães de qualitativo interações de risco e proteção em
g, e
mpinas Jan./ vítimas contextos variados.
Koller.
Mar.
2011
Depoimento de Nos acórdãos analisados, o que se
Apresentar como os depoimentos
crianças: Um evidencia é que o testemunho
SCIELO Brito, e de crianças vêm sendo
divisor de Estudo infantil é considerado válido
Revista Psico- Pereira. considerados nos processos que
águas nos qualitativo apenas quando corroborado por
USF/ 2012 envolvem denúncias de abuso
processos outras provas legais.
sexual infantil.
judiciais?

29
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

O fato de que os (as) psicólogos


PEPSIC Psicologia
Investigar as percepções de (as) atenderem não só casos de
Boletim de jurídica em Pelisolli, Estudo
psicólogas judiciárias sobre seu abuso sexual, dificulta uma
Psicologia. situações de Cátula; Transversa
papel em situações de abuso atenção específica. Somam-se a
Vol. 63, n. abuso sexual: Dell’aglio l
sexual contra crianças e esta dificuldade, a carência de
139. São possibilidades . 2013 qualitativo
adolescentes. estudos empíricos.
Paulo. Dez. e desafios
As possíveis
LILACS
consequências Não é possível generalizar ou
Revista de
do abuso Florentin Estudo Realizar uma discussão sobre os delimitar os efeitos do abuso, uma
Psicologia, v.
sexual o. documenta impactos da violência sexual sobre vez que a gravidade e a extensão
27, n.2, p.
praticado 2015 l as crianças e adolescentes. destes dependem do contexto e da
139-144,
contra crianças história da vítima.
maio-ago.
e adolescentes
Fonte: Elaboração própria (2020)
.

30
Discussão

Verifica-se que o abuso sexual infantil provoca dores e traumas,


muitas vezes, irreversíveis que transgridem os limites físicos e
psicológicos, gerando consequências negativas para a vítima a curto
prazo e ao longo de seu desenvolvimento, podendo afetar seus
relacionamentos interpessoais futuros. Essas alterações podem
acontecer em maior ou menor gravidade em função dos agravantes e
atenuantes do ambiente no qual a criança está inserida. Fatores
relacionados à organização familiar, estrutura psicológica da vítima,
risco de vulnerabilidade social, intervenção das entidades legais, entre
outros, determinam a extensão dos danos à criança ou adolescente vítima
do abuso. Esses fatos foram corroborados nos textos objeto desse
trabalho, tais como: Aded et. al. (2006), Borges, Dell'aglio e Dalbosco
(2008a), Florentino (2015) Froner e Ramires (2008), Habigzang et. al.
(2005) e Romero e Suárez (2005).
As consequências emocionais citadas com maior frequência são
depressão (BORGES; DELL’AGLIO, 2008a), sentimento de culpa e medo
(HABIGZANG et. al., 2008) e Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(BORGES; DELL’AGLIO, 2008b) além de presença de problemas
comportamentais e psicológicos diversos e inespecíficos.
Nesse sentido, é preciso estar atento ao comportamento infantil
alterado de forma repentina. Dentre os comportamentos mencionados
nos trabalhos encontrados estão os relacionados a enurese,
principalmente quando já havia um controle prévio ao trauma; mudança
nos hábitos alimentares, como falta de apetite; mudança nas relações
amorosas ou interpessoais; retraimento da criança; medo de uma pessoa
ou de algum lugar específico; falta de motivação e concentração nos
estudos e nas brincadeiras, o que será refletivo nas notas abaixo de sua
média comum; queixas físicas inexplicáveis, tais como dores de cabeça,

31
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

dores de estômago ou reclamações sobre a região genital; reações


agressivas quando alguém procura tocá-las, mesmo que com carinho;
brincadeiras sexuais persistentes, exageradas e inadequadas.
Ao primeiro sinal de abuso, visando diminuir as consequências
negativas, é muito importante que esta criança seja examinada por um
médico, para prevenções físicas, e acompanhadas por um psicólogo que
lhe auxilie em sua reconstrução emocional. Autores pesquisados como:
Habigzang, et. al. (2005) e Costa et. al. (2007) ratificam que a família
também deve ser acompanhada pelo profissional da psicologia, uma vez
que todos acabam sendo afetados pela ação dolosa.
Outro fator importante citado em todos os artigos selecionados
é o fato de que as vítimas de abuso sexual podem pertencer a ambos os
sexos, porém tanto no contexto intrafamiliar quanto no extrafamiliar elas
são predominantemente do sexo feminino. Almeida, Penso e Costa (2009)
afirmam que esse dado talvez se relacione a questões de gênero, onde as
vítimas do sexo masculino informem menos sobre os abusos sofridos por
poderem ser interpretados socialmente como fracos, uma vez que
tradicionalmente nas sociedades os homens são considerados agressores
e não vítimas da agressão, além disso, pode existir entre o sexo
masculino o medo do rótulo de homossexual.
Outra característica relacionada ao abuso sexual, sobretudo o
intrafamiliar, diz respeito às artimanhas utilizadas pelo abusador, fato
que dificulta a identificação do abuso e favorece o silêncio da vítima que
se sente impotente e muitas vezes culpada pelo fato (FLORENTINO, 2015;
FRONER; RAMIRES, 2008; HABIGZANG et. al., 2005; HABIGZANG et. al.,
2008; ROMERO; SUÁREZ, 2005). Em relação ao sentimento de culpa, esse
pode ser reforçado pela falta de amparo familiar, especialmente se o
abusador for um membro da família. Habigzang (2005) realizou um
estudo com 13 vítimas de abuso sexual em que “todas relataram sentir
culpa pelo sofrimento da mãe e dos irmãos quando o pai ou padrasto foi

32
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

afastado do lar” inibindo-as de contarem sobre o fato (Habigzang, p. 346,


2005). Muitas vezes, quando a criança revela que foi abusada
sexualmente, a mesma não é levada a sério pelos pais. E no âmbito da
justiça, a situação se repete, pois um processo legal é movido por provas
e evidências legais, o que nem sempre é fácil de se obter nestes casos
(BENIA, 2015; FRONER; RAMIRES, 2008; PELISOLI; GAVA; DELL'AGLIO,
2011; PELISOLI; GAVA; DELL'AGLIO, 2013; SCHAEFER; ROSSETTO;
KRISTENSEN, 2012).
No que se refere às medidas interventivas utilizadas no
tratamento de crianças vítimas de abuso sexual infantil, os artigos
estudados mencionam a utilização frequente do tratamento
ludoterápico, que utiliza jogos e brincadeiras para facilitar a
representação do universo simbólico da criança e identificação do
possível abuso.
Com base no exposto e objetivando fundamentar as práticas de
intervenção às vítimas de abuso e aos seus familiares concorda-se com
os autores Pfeiffer e Salvagni (2005), Aded et. al. (2006), Neves et al.
(2010), Pelisoli, Gava e Dell'aglio (2011) quando apontam a necessidade
de mais estudos que verifiquem os impactos causados pelo abuso sexual
no desenvolvimento da criança para a vida adulta. Pois os mesmos
consideram que isso possibilitaria análises mais confiáveis, e conferiria
maior credibilidade aos resultados encontrados.
Em suma, este estudo permitiu verificar que a vivência de um
abuso sexual, além de desenvolver problemas na saúde mental nas
crianças e nos adolescentes, podendo influir no seu desenvolvimento,
bem como no ambiente social onde estão inseridas.

Considerações finais

33
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

Os aspectos abordados nesse estudo serviram para expor as


condições que crianças e adolescentes são submetidos em relação ao
abuso sexual. Por muitos anos, prevaleceu um silêncio em relação a esse
tema, tendo em vista principalmente o fato de que, na maioria das vezes,
o agressor é alguém da família ou muito próximo a criança.
Esse tipo de violência resulta de um fenômeno complexo
envolvendo o contexto histórico, econômico, cultural e político. Faz
parte da realidade de muitas famílias, provocando consequências
drásticas na vida dessas crianças e adolescentes. Essas consequências
atingem principalmente o aspecto emocional e psicológico, se agravando
ainda mais quando o agressor é alguém próximo à vítima.
Diante da atenção dos profissionais que trabalham com as
famílias, crianças e adolescentes, e do avanço no estudo das
consequências que esses abusos causam nas vítimas, esse assunto tem
se tornado mais evidente e medidas foram criadas de modo a evitar que
aconteça tão largamente. O reconhecimento e a conscientização do
problema, embora sejam elementos essenciais para uma prevenção
eficaz, são apenas parte da solução.
Estudos realizados por Borges e Dell’aglio (2009) e Habigzang, et.
al (2010) apontam em grandes evidências de que o abuso sexual
praticado em crianças e adolescentes pode provocar nesse sujeitos,
dores e traumas irreversíveis. Esses traumas desencadeiam uma
profunda violação dos limites físicos e psicológicos, gerando
consequências negativas graves, a exemplo do TEPT, para a vítima ao
longo de seu desenvolvimento cognitivo, afetivo, comportamental e
social, e principalmente para os seus relacionamentos interpessoais
futuros.
Assim, é preciso que, em todos os âmbitos, os interventores
busquem colocar a proteção e o interesse maior da criança no cerne da
solução. No caso do psicólogo, é preciso criar metodologias inovadoras

34
CAPÍTULO 1 – Abuso Sexual Infantil:
Consequências cognitivas e emocionais

para se trabalhar tanto na Justiça, quanto no social e na clínica,


propiciando um cuidado diferenciado e mais humanizado em relação às
vítimas de violência e suas famílias.
Portanto, é possível perceber que o trabalho do psicólogo e de
uma equipe multidisciplinar (assistente social, juiz, conselheiro tutelar)
é essencial no processo de acolhimento menos invasivo e mais adequado
para respaldar a denúncia e avaliar o relato da vítima, amenizando, assim
as consequências negativas do abuso, e, com o auxílio de terapias,
possibilitar uma reconstrução emocional da vítima.
E por fim, é preciso criar uma consciência a respeito do assunto
para provocar uma cultura de prevenção na sociedade.

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37
A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

Jonas Aguiar Alves Junior


Francisca Moraes da Silveira

A representação atual da infância

Para responder à questão dos porquês de a criança ser


considerada atualmente como aquela que não pode falar, sob um
imaginário social de imaturidade que reflete nas legislações, busca-se
aqui as razões históricas e sociais que desembocam esta representação
contestável.
A infância, tal como ela é representada, surge de uma invenção
social e histórica. Sustentar que se trata de uma invenção faz da infância
algo não natural. A infância não corresponde, nesse sentido, à fase
biológica situada nos primeiros anos de vida (CIRINO, 2001). Se não

38
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

possui essência ou natureza, então a infância costuma ser associada à


imaturidade por motivos que precisam ser explorados.
Torna-se indispensável reaver os motivos que levam a infância a
ter esta representação social, como fase peculiar de desenvolvimento
dotada de imaturidade psicológica e comportamental.

Duas acepções de “criança”

Para Ariès (1981, p. 156), existe um “sentimento da infância” que


ele designa como “a consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto”. No
capítulo “Os dois sentimentos da infância”, Ariès escreve que este
sentimento de particularidade não existia na idade medieval,
significando que bastava não precisar mais dos cuidados constantes da
família, a criança já era considerada adulta, sem qualquer distinção. Não
era dado um lugar particular à criança. Assim, na Idade Média ser criança
significava apenas a miniaturização da vida adulta, um estágio que logo
deveria passar.
Para Cirino (2001), foi a partir do século XVI que este sentimento
passou a se fazer presente nas sociedades. Para o autor, essa mudança
deu início à “sacralização da infância”, entendida idealmente como feliz,
livre de preocupações e responsabilidades. Os adultos passaram a
contemplar a infância, a agradar-se dela. Oscar Cirino se detém em dois
autores, a fim de demonstrar os sentidos da infância. São eles Santo
Agostinho e Jean-Jacques-Rousseau.

A agressiva “criança” de Santo Agostinho

Para Santo Agostinho a infância é uma época desprezível e


marcada pela maldade. Buscando justificar o cristianismo à razão

39
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

humana, Agostinho tentou sintetizar a religião cristã e a filosofia grega


clássica. A criança no pensamento do filósofo cristão já guardava desde
a mais tenra idade a marca do pecado original, e a alma das crianças era
carregada de maldade, em vez de inocência (CIRINO, 2001).
Esse estado de agressividade na criança percebido por Agostinho
é o ponto de partida para Lacan descrever a inveja e a rivalidade infantil
(CIRINO, 2001). Em vez de pecadora, como considerava Agostinho,
Jacques Lacan considera que a criança vive uma agressividade original.
Tal perspectiva aponta para a ideia que a psicanálise tem da
criança, se deslocando do ideal de completa passividade para a inserção
no campo das disputas, em relação oponente com o seu semelhante.
O pensamento de Agostinho influenciou fortemente o
cristianismo e a pedagogia, considerando a maldade como a principal
verdade da criança. Nesse sentido, a criança seria aquela que ainda não
fala nem balbucia. Ela é dotada de agressividade original destinada
normalmente ao irmão (CIRINO, 2001).
Essa perspectiva é importante porque separa - na pedagogia -
aqueles que ainda não passaram pelo processo adestrador da escola e
que, por isso, ainda estariam submetidos e condenados a esse instinto
maldoso. A pedagogia, por sua vez, viria a respaldar diversos caminhos
jurídicos de enquadramento das pessoas às normas, à moral e mais
recentemente ao pensamento empreendedor.

A “boa criança” de Rousseau

Já para Rousseau, a infância é uma época importante marcada


pela inocência. Os modos que lhe são próprios – ver, sentir e pensar –
separam vigorosamente a criança do adulto. A criança é, nesta filosofia,
possível de ser moldada para ser um adulto bom (CIRINO, 2001). Tal
visão sobre a criança, radicalmente oposta àquela de Agostinho,

40
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

considera que originalmente se tem a bondade natural que impera na


criança ainda não corrompida, não viciada pelo social. Trata-se de uma
visão [romântica] da infância que influencia o pensamento universal.
Para Rousseau, esta etapa da vida é marcada pela capacidade de
ser modelada, servindo de modelo a ser perseverado nas idades futuras.
Serviria tê-la como modelo para resgatar a criatividade, espontaneidade,
sensibilidade e isenção dos preconceitos. Sobre isso, Ferreira (2008, p.
48) diz que “de fato, muitos artistas modernos celebram a infância (a
criança em suas capacidades apreciativas e produtivas) por dela intuírem
uma tendência antagônica ao racionalismo”. Busca-se a sensibilidade do
ser da criança, supostamente invariável. Pode assustar ver uma criança
cujos atributos criativos ou de sensibilidade perceptiva são escassos.
Porém, como afirma Cirino (2001, p. 29) “Lacan não define o
pensamento inconsciente como a permanência da criança no homem”.
Nega-se, assim, que a psicanálise conceba o inconsciente como o estado
atualizado da criança que um dia já se foi, pois não se trata de “criança”.
O que permanece, no entanto, é o infantil e com formas tomadas não
pelos fatos (apenas), mas atualizadas também pelas fantasias de cada
sujeito.
Lacan (1988, p. 37) chega a ironizar esse adulto, ao indagar:
“quando nos referimos ao ser adulto a que referência estamo-nos
referindo?”. Isso mostra a indiferença, para esse psicanalista, quanto à
maturação quando se trata do saber do inconsciente.
Ser criança na lógica de Rousseau corresponderia ao momento da
infância. Para Cirino (2001, p. 49) “é importante lembrarmos,
inicialmente, que a psicanálise não se constitui em uma teoria sobre a
infância, mas sobre o inconsciente e o gozo”. Assim, quando se trata de
psicanálise, distinguir infância de infantil é essencial.

A infância e o infantil na psicanálise

41
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

Sobre o período em que se classifica a criança, Ferreira (2008, p.


42) diz que “poderíamos então propor a infância como atributo histórico,
solícito às narrativas e que se vincula à ideia de puerilidade, como uma
fase de maturação psíquica, social e fisiológica do sujeito”. Este é o ponto
evolutivo, maturacional do homem, aquele cuja utilidade é dada
historicamente, a depender dos interesses de cada época.
Por outro lado, para Birman (1994, p. 18) o infantil seria “a
fantasmatização do sujeito sobre a sua infância, sobre o seu passado,
que teria o poder de plasmar o seu imaginário e delimitar suas maneiras
de gozar”. Diante do que se expõe sobre as acepções russelianas e
psicanalíticas, confirma-se que na psicanálise não é a criança que fica no
adulto, mas o que permanece é o infantil dotado de fantasmas sobre a
infância.
Ainda esclarecendo esta distinção, Birman (1994, p. 19) diz: “foi
aqui que se constituiu propriamente o conceito de infantil, marcando sua
diferença com a noção evolutiva de infância. Existiria assim um infantil
no psiquismo que seria irredutível a qualquer dimensão cronológica e
evolutiva [...]”. Esse “infantil” não aponta para a realidade factual ainda
na infância, mas da realidade psíquica, feita também de fantasias e que
se sobrepõe à realidade factual.
Sabendo, a partir de Freud, que a realidade psíquica é feita
também de fantasias e que estas são a fonte da vingança na AP, discute-
se com Zimerman (2012, p. 134), que afirma: “psicanaliticamente, o
conceito de fantasia se constitui como um elemento fundamental na
estruturação do psiquismo de qualquer ser humano. Ademais, considera-
se a fantasia como um fator fundamental na etiologia das neuroses”. Na
AP a fantasia do alienador está relacionada ao seu absolutismo neurótico,
de possuidor do filho e da verdade parental, garantindo-se como único
representante da criança em nome do afastamento que seria merecido à

42
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

outra parte; é uma fantasia ligada à simbiose do Outro que tenta excluir
o terceiro.
Em capítulo de nome é pecado eu te perder, Lima (2008, p. 73)
diz “[...] a capacidade de elaborar o luto da separação é proporcional à
possibilidade do sujeito poder renunciar aos antigos projetos
solidificados, os quais desaguaram em desilusões”. Isto corrobora com a
noção já apresentada de que a fantasia do alienador está relacionada
também à sua realidade psíquica, aquela que ainda não viveu o luto, e
procura concretizar, a qualquer custo, o retorno do relacionamento.

O infans no sistema de justiça

O Estatuto da Criança e do Adolescente reviu o uso do termo


“menor”, supondo que sua utilidade é pejorativa (BRASIL, 1990). Isto
atendeu a boa parte da demanda militante em razão dos desfavorecidos
socialmente, que eram tidos como marginais ainda fora da maioridade
penal. Então, como se referir a estas pessoas nos autos processuais? Não
era mais conveniente chamá-los de “menores” pelo estigma imputado
nesse termo. A saída foi e está sendo simples. Recorre-se a outro termo,
desta vez aquele que gere menor impacto negativo, mantendo a imagem
impessoal e inclusiva da justiça.
De maneira sintomática, o judiciário utiliza a nomenclatura
“infante” nos processos, do início ao fim, para se referir às crianças e aos
adolescentes. Em psicanálise o termo “infans” aparece na teoria
lacaniana como “aquele que ainda não fala”, onde a criança muito
pequena reconhece a própria imagem no espelho, percepção esta que é
confirmada pelo outro (JORGE, 2008). Infante e infans remetem a uma
mesma significação ou campo semântico.
Ao discutir sobre esta temática, Ferreira (2008, p. 169) argumenta
que o “Infans refere-se àquele que não é capaz de falar, aquele cuja

43
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

experiência antecede a fala, que ainda não está totalmente inserido na


linguagem”. Isto ocorre, infelizmente, diversas vezes no sistema de
justiça: para a criança ou adolescente a palavra é um objeto impossível.
A própria legislação pondera que a criança deve ser escutada. Mas
será escutado o “infante”, aquele que nada pode dizer? É sintomático,
pois o Direito insiste em usar o “infante”, ou seja, aquele que não pode
falar e, ao mesmo tempo, sustenta no ECA e na base do Direito de Família
o melhor interesse da criança. Para Maia et al. (2012, p. 48) “o sujeito que
sofre com seu sintoma não reconhece nele uma satisfação”. Assim ocorre
com parte dos operadores do Direito que, ao repetirem sistematicamente
o termo “infante”, assustam-se ao conhecerem o que significa o termo
infans. Repetem sem se questionar do por que não utilizar “criança ou
adolescente”, por exemplo.
Nomeá-los infantes possui relação com o sintoma da justiça,
causando inclusive resistência quando os operadores do direito são
convocados a ouvir este significado de “não falante”. Resiste-se ao
confronto com o seu próprio sintoma, qual seja o de estar satisfeita em
não ter de ouvir efetivamente aquele que nada teria a dizer. Urge outra
postura, pois se concorda com Ferreira (2008, p. 169) quando este diz
que “[...] nossas crianças falam, por vezes com uma impressionante
avidez e desenvoltura”. As crianças possuem plena capacidade de
expressão sobre a sua dinâmica familiar.
Na AP esta capacidade pode ser limitada, mas ainda assim torna-
se imprescindível ouvir a criança para além das suas identificações
imediatas com o alienador, a fim de que se defina a existência desta
condição penosa típica; também para que a equipe multidisciplinar
consiga dizer sobre aquela história, em relatório ou laudo, levando em
conta inclusive o que se hesitou dizer, mas que se “deu pistas”.
Felizmente este sintoma do judiciário pode ser deixado de lado,
quando alguns operadores – peritos psicólogos e assistentes sociais,

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CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

comumente – são defrontados com a significação de infans. Mesmo que


parcialmente, pode-se substituir a terminologia por “criança” ou
“adolescente”, e mais do que na escrita e discurso cotidiano, eles passam
a se permitir ouvir estas partes processuais como elas realmente
merecem. Isso desacomoda concepções enraizadas, como é o caso de
conceber o discurso da criança como mera repetição do que dizem os
pais.
As crianças e adolescentes falam e querem ser ouvidas, precisam
se sentir parte do processo. Elas podem acrescentar detalhes
substanciais para identificação da AP, ação decisiva para se investigar
abuso sexual, negligência ou omissão.

O filho fala e contribui no judiciário

Depois de apresentar os pensamentos antagônicos sobre a


criança, de Agostinho a Rousseau, de discutir brevemente qual a posição
da psicanálise quanto às distinções necessárias entre infância e infantil,
urge a questão sobre os efeitos de se considerar a criança em prismas
ideais nas legislações brasileiras, como é o caso que Cirino (2001) expõe:

O próprio Estatuto da criança e do adolescente – que os reconhece


como sujeitos de plenos direitos – postula sua “condição peculiar”
de “pessoas em desenvolvimento”. Assim, aos diferentes
fenômenos ocorridos no organismo agregam-se características
psicológicas e comportamentais, o chamado “desenvolvimento
emocional ou afetivo”. Favorece-se, desse modo, a uma confusão
conceitual, pois, quando se fala do desenvolvimento da criança,
misturam-se e sobrepõem-se noções provenientes de lógicas
distintas – a do ser vivo, a do ser falante e a do ser social (CIRINO,
2001, p. 15).

Existe essa confusão conceitual apontada por Cirino, uma vez


que a criança tomada como “pessoa em desenvolvimento”
corresponderia, segundo o autor, a apenas o aspecto maturacional e

45
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

biológico, desconsiderando as lógicas implícitas em “desenvolvimento


da criança” que apontam para o ser falante e social. A lógica do ser
falante a qual ele se refere é caríssima à psicanálise, uma vez que diz do
sujeito de linguagem.
Pode acontecer de uma criança que consegue falar no nível
esperado para a sua idade, por exemplo, ser severamente retraída e dizer
pouquíssimo quando convocada a falar em entrevista psicológica. É desta
fala que se diz de um desenvolvimento do ser falante, e não se atendo
apenas à maturação do aparelho fonador ou da aprendizagem formal de
palavras. É que ali não está a criança apenas escolarizada, objeto da
aprendizagem formal, mas aquela que, por exemplo, perdeu os seus dois
pais e encontra-se em luto profundo. Ela não fala, não emite qualquer
som. Usou-se esta situação para ilustrar as lógicas que o ECA mistura: a
do ser falante, do ser vivo e do ser social.
De maneira paradoxal, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) considera:

Além do direito à liberdade de expressão e opinião (inciso II do art.


16), a palavra da criança passa a ser valorizada em decisões que
envolvem a sua vida, como por exemplo, a colocação em família
substitutiva mediante guarda, tutela ou adoção. Assim, o parágrafo
primeiro do art. 28 estabelece: “sempre que possível, a criança ou o
adolescente deverá ser previamente ouvido e sua opinião
devidamente considerada” (CIRINO, 2001, p.36).

O paradoxo está posto. O Art. 16. legitima no Judiciário a fala da


criança, e o art. 28 corrobora com esta abertura (BRASIL, 1990). No
entanto, permite-se a interpretação de que algumas vezes não é possível
ouvir a criança. O “sempre que possível” é abertura demasiada, e sem
limites, para justificativas diversas que nem sempre favorecem o melhor
interesse da criança ou adolescente. O cuidado que se deve ter é para que
esta interpretação não se torne uma completa arbitrariedade em desfavor
da escuta à criança.
46
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

É paradoxal justamente por que, como aponta Lima (2008, p. 52)


“o interesse da criança, a sua personalidade, o poder de ter sua palavra
escutada constitui a base do Direito de Família”. Esta preponderância do
interesse maior da criança se esbarra quando a escuta oferecida a ela está
viciada, tomada pelo viés da pureza ou da incapacidade de se deixar
influenciar pelo discurso adulto.
O argumento, por exemplo, de que para proteger a criança de
assistir em juízo a alta litigância vivida pelos pais, resolve-se não
convidá-la ao judiciário, trata-se na verdade de uma desconsideração da
fala da criança em nome do seu melhor interesse.
Como expõe Lima (2008):

Em nome do interesse da criança, uma série de intervenções foi


legitimada em nossa cultura. A intervenção jurídica exercida pela
palavra do Juiz da Infância normaliza as relações da criança com a
sociedade em que vive. O ato jurídico pode selar o destino da
criança. Todavia, a intervenção jurídica refere-se invariavelmente ao
rigor da lei na definição da autoridade parental e, via de regra, cabe
aos pais garantir os direitos da criança (LIMA, 2008, p. 89).

O juiz pode abortar o início do estudo de caso, e esta decisão se


configure por parâmetros jurídicos contestáveis no campo da psicologia
jurídica. Aponta-se aqui a fragilidade de uma delas: o argumento de que
se deve poupar a criança da litigância adulta.
Como defende Dolto (2011, p. 121):

O juiz é o representante da lei. Pois bem, as crianças, até esse


momento, só tiveram contato com uma lei que as enfiou num buraco,
ao passo que a lei existe para defender as liberdades. É preciso
sustentar no jovem a Liberdade de pensar e de se exprimir sobre a
situação que lhe é criada, o que não quer dizer que, por ter se
queixado do que está acontecendo em sua família, ele será
imediatamente trocado de família; de modo algum. Mas, como terá
podido falar a esse respeito, será reconhecido como alguém que tem
o direito de pensar e não ficará no desespero da solidão (DOLTO,
2011, p. 121).

47
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

Defende-se, como a psicanalista, que a criança deve ser ouvida


no Sistema de Justiça. Porém, não deve ser a sua pessoa atrelada ao ideal
de criança herdado da filosofia de Rousseau, que a considerava boa
demais para fantasiar ou para ser hostil, o que na AP se revela admissível.

O desamor do filho como principal sentença

Sabe-se que o direito de convivência é negligenciado em casos de


AP e, quando a criança não é ouvida, mesmo sob o pretexto de proteção
a ela, não se detecta a ocorrência de AP, o que compromete a segurança
e a saúde biopsicossocial. As disputas de guarda não são agora,
literalmente, a realidade brasileira, pois a guarda compartilhada tornou-
se compulsória, a partir da Lei 13.058̸2014.
Esta lei diminuiu de maneira significante o prejuízo da falta de
convivência familiar equilibrada entre os pais e filhos. Porém, no
contexto da AP o recurso da acusação de abuso sexual ainda provoca o
distanciamento que favorece essa condição penosa que segue em fluxo
incompatível com a morosidade do sistema de justiça.
Quando encaminhado o processo para perícia, pondera-se,
quando o estudo de caso já está em curso, que a responsabilidade de
ouvir a criança no judiciário não é apenas do juiz, mas de toda a equipe
multidisciplinar. Segundo Lima (2008, p. 44) “quando o juiz indica uma
perícia sobre relações desastrosas de um casal que se separa, tentando
preservar o emocional das crianças, é para sair da rigidez do Direito,
considerando as partes como seres em conflito”.
Assim, a fala da criança fica validada e acolhida pela equipe
multidisciplinar, espaço em que o psicólogo se insere de maneira a
diminuir o circuito psicopatológico bastante visível nessa lide de família.
Mesmo sendo determinado pelo juiz, no estudo de caso fica subtendida

48
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

a entrevista com todas as partes, incluindo a criança a ser favorecida no


processo.
Realiza-se a escuta também da criança no contexto da acusação
de abuso sexual, onde se dispõe da sala especializada, com objetos
lúdicos, garantindo-se o sigilo da entrevista. Porém, essa abordagem da
criança no judiciário é de cumprimento legal, o que não implica
necessariamente a escuta efetiva, aquela que impede o aprofundamento
da AP.

Ela foi capaz de confirmar a acusação de abuso sexual

Na AP isso aponta comumente para a ação do alienador dotada


de falsa acusação envolvendo a sedução adulta ou conjunção carnal
contra a criança ou adolescente. Não há preocupação pelo alienador
sobre os impactos disto na criança, como afirma Freitas (2015, p. 29) “o
genitor alienador pode até desinteressar-se pelo filho e fazer da luta pela
guarda apenas um instrumento de poder e controle, e não um desejo de
afeto e cuidado”.
Esta denúncia ocorre quando o alienador reconhece que precisa
convencer a todos, incluindo a justiça, de que o outro genitor é abusador
ou negligente. Mesmo que não convença a justiça, a situação será
investigada e o acusado poderá ser distanciado do filho (a) por sentença
decretada, na forma de medida cautelar.
Mesmo com a ascensão da escuta à criança no judiciário
brasileiro, não existem parâmetros mínimos e claros no que se refere ao
preparo e sensibilidade do juiz e da equipe multidisciplinar para
apuração da AP. O juiz pode até mesmo descartar o estudo de caso, para

49
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

esse fim, caso considere as provas apresentadas suficientes. Como


aponta Freitas (2015):

Mesmo que a prova de fato deva ser produzida por um perito, o juiz
poderá dispensar a referida prova quando as partes, na inicial e na
contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres
técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes,
conforme art. 427 do CPC̸1973, art. 469 do Projeto do novo CPC
(FREITAS, 2015, p. 67).

Ora, é no estudo de caso elaborado pela Vara da Infância e


Juventude que existem condições favoráveis à escuta, com sala interativa
e disposição de brinquedos, espaço importante para perceber inclusive
o não-dito. Estes aparatos diminuem as chances da AP ser
desconsiderada quando ela está em funcionamento, a menos que a escuta
oferecida a ela seja falaciosa, como abordado no capítulo dos efeitos da
não-escuta ou da escuta falaciosa.
Quando abortada a escuta da criança, ou sendo o foco apenas
investigativo para abuso sexual e negligência, diminuem as chances da
manifestação autêntica da criança. Ela está sendo pressionada por uma
das partes a não exibir sentimentos de compaixão à outra figura parental.

O filho ideal e a responsabilidade do psicólogo no judiciário

Discutem-se os efeitos na legislação do ECA da consideração ideal


da criança, no seu especial “desenvolvimento”, em sua peculiaridade.

A fala da criança torna-se, portanto, uma das provas essenciais na


instrução dos processos que envolvem seus interesses. Para o
exercício desse direito perante juízes e tribunais é preciso criar
condições objetivas como, por exemplo, adaptar os procedimentos
com vistas a garantir a manifestação autêntica da vontade da criança
(CIRINO, 2001, p.37).

50
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

Existe a fantasia de que em alguma fase da vida em que a pureza


se sobressaia, onde se deposita esperança para um mundo mais sensato
(ANDRADE, 2010). Esta sutileza se manifesta na ideia de que a infância é
a mais particular das fases da vida, justamente para lhe resgatar o status
de “pura”, portanto incapaz de fantasiar sobre a realidade ou de estar
fortemente influenciada em seu discurso.
O efeito no ECA é claro: deve-se considerar a fala e a opinião da
criança naquilo que lhe torna parte processual (BRASIL, 1990). Pontua-se
aqui, no exato oposto da censura, para o perigo da escuta revestida do
ideal de criança, pois ela pode estar sob os efeitos da programação
iniciada pelo alienador, sendo convincente diversas vezes quanto à
crueldade de um dos pais e certa de que jamais voltará a amá-lo.

Conclusão

Considerar o que a criança diz é jurídico, fomentado inclusive


pela psicologia e psicanálise. No entanto, primeiro deve-se descartar a
ocorrência de AP para depois levar em conta a autenticidade das
acusações e, ainda assim, sem julgá-la pura e sempre verdadeira, como
na perspectiva de Roussseau, mas dotada de uma agressividade original,
sendo capaz de invejar e fantasiar.
Em situação de AP, essa origem agressiva da criança defendida
por Santo Agostinho é nítida nos ditos ofensivos à vítima e também nas
atitudes alienadoras, na impiedosa manifestação de repulsa, atribuições
monstruosas e excessivas.
Defende-se aqui, portanto, que a criança deve ser escutada. No
entanto, seus ditos têm de ser uma ponte entre o estado atual e o lugar
de fala plena, com certa distância das identificações que a prendem no
discurso alienador. Isto serve tanto para as decisões judiciais e
tratamento psicológico das partes em casos positivos de AP, quanto para

51
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

o descarte desta condição, levando a estudos de caso com direções


específicas.
Descartando-se a AP, a equipe avaliadora e juiz poderão conduzir
o processo de outra maneira. Para isso, torna-se necessário que a criança
seja escutada efetivamente, cuidando-se de não tomar a sua palavra
como verdade última, pois já se sabe a partir da história da infância, que
as crianças também são capazes de criar situações vexatórias, tampouco
se pode inferir que tal fala é mera repetição, o que justificaria desatendê-
la.
Não se deve, nessa perspectiva, suspender ou desconsiderar de
imediato qualquer dos seus apontamentos.
Diante do que foi exposto, o silêncio da criança só interessa ao
alienador, uma vez que as incongruências do seu discurso podem ser
percebidas pelos peritos judiciais quando houver a escuta efetiva, não
apressada, cautelosa e preparada para detectar repetições do filho de
memórias falseadas pelo genitor com a vingança em curso.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, L. B. P. Educação infantil: discurso, legislação e práticas institucionais.


São Paulo: Editora UNESP, 2010.

ARIÈS, P. História Social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar,


1981.

BIRMAN, J. O sujeito na leitura: comentários psicanalíticos sobre a experiência da


recepção. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de


05 de outubro de 1988. Brasília, Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em:
01 set. 2020.

CIRINO, O. Psicanálise e Psiquiatria com crianças: desenvolvimento ou estrutura.


Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

DOLTO, F. Quando os pais se separam. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

FERREIRA, Matias Monteiro. INFANS: (im)pertinências do infantil na imagem. 2008.


203 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Arte, Instituto de Artes,
Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

52
CAPÍTULO 2 – A sentença foi desamor:
O engodo do filho ideal na Alienação Parental judicializada

FREITAS, D. P. Alienação Parental: comentários à Lei 12.318 de 2010. 4. Ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2015.

JORGE, M. A. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. 5. ed. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

LACAN, J. O Seminário, livro 7: aética da psicanálise (1959-60). Rio de Janeiro:


JZE, 1988.

LIMA, A. A. Psicologia jurídica: lugar de palavras ausentes. Aracaju: Evocati, 2008.

MAIA, A. B.; MDEIROS, C. P.; FONTES, F. O conceito de sintoma na psicanálise: uma


introdução. Estilos da Clínica, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 44-61, 2012.

ZIMERMAN, D. E. Etimologia de termos psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed,


2012.

53
Avaliação psicológica forense e o uso do
desenho como um dos instrumentos de
comunicação

Lívia de Tartari e Sacramento


João Carlos Alchieri

A iniciativa deste capítulo é trazer à baila algumas questões


pertinentes à área da avaliação psicológica no contexto forense e o uso
de desenhos como forma de comunicação na avaliação psicológica
pericial e alguns aspectos éticos e normativos envolvidos.
É importante desenvolver reflexão sobre a prática profissional de
Psicologia junto às instituições do Direito e sobre as mudanças que têm
ocorrido principalmente após 1980, indicando novas perspectivas para
o século XXI. Desta história inicial decorre uma prática do profissional
de Psicologia voltada quase que exclusivamente para a realização de

54
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

perícia, exame criminológico e parecer psicológico baseado em


processos avaliativos realizados a partir de métodos e técnicas como
observação e entrevistas juntamente com resultados dos testes
psicológicos administrados. Tal consideração decorre de influência
histórica onde evidenciam-se elementos que apontam desde o final do
século XIX que a perícia psiquiátrica começou a ser utilizada visando
qualificar com evidencias cientificas o processo decisório acerca dos
dispositivos de correção a serem aplicados e à aferição de dados que
ajudariam nos trâmites e decisões jurídicas. Produtos decorrentes aos
diagnósticos começaram a ser vistos como instrumentos que
forneceriam dados “matematicamente” comprováveis e estes dados
iriam orientar os operadores do Direito em suas ações.
No exercício profissional, entre outras atribuições, segundo a lei
4.119 de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a profissão de Psicólogo,
afirma que no exercício profissional, entre outras atribuições, cabe ao
psicólogo: "Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de
psicologia" (Art. 4o, n° 6). Por sua vez, o antigo Código de Ética
Profissional estabelecia em seus artigos de 17 a 20, os limites que
norteavam a relação do Psicólogo com a Justiça, no novo código não há
este deslindamento, estes capítulos foram suprimidos, constando
somente: “(...) Nas perícias o Psicólogo agirá com absoluta isenção,
limitando-se à exposição do que tiver conhecimento através do seu
trabalho e não ultrapassando, nos laudos, o limite das informações
necessárias à tomada de decisão. (…)” (BRASIL, 2005, p. 14) Por isso,
entende-se que compete ao Psicólogo que atua na área jurídica,
desenvolver estudos de características psicológicas e dentre elas de
personalidade dos envolvidos nos litígios judiciais, caso as ilações
periciais sejam baseadas em psicodiagnósticos.
Percebemos que as atividades técnicas que são regulamentadas
e privativas na ação profissional, junto ao processo de avaliação

55
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

psicológica, conforme definidas na Lei nº 4119/62, em seu Art. 13, são


“(...) § 1º quanto a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os
seguintes objetivos, de diagnóstico psicológico (ou psicodiagnóstico);
orientação e seleção profissional; orientação pedagógica; e, solução de
problemas de ajustamento. (...)” (BRASIL, 1962, p. 2). A questão do
diagnóstico interessa particularmente neste trabalho e busca-se elucidar
algumas questões sobre sua especificidade no contexto jurídico.
Segundo Castro (2005), percebe-se que a Psicologia Jurídica como
uma especialidade nasceu da confluência da Psicologia Clínica e, mais
especificamente no campo da avaliação psicológica para o processo
decisional de profissionais operadores do Direito. Os psicólogos que
exercem suas funções na Justiça, desenvolvem procedimentos
embasados em métodos de avaliação, mensuração e diagnóstico.
Verifica-se uma via dupla entre a avaliação psicológica e
psicologia jurídica, o desenvolvimento de ambas enriquece o processo
de conhecer o fenômeno do comportamento humano, bem como podem
demonstrar possíveis equívocos sobre estes, relacionados ante a tomada
de decisão dos operadores do direito. (ALCHIERI; CRUZ, 2003)
A avaliação psicológica e dentre eles o psicodiagnóstico é um
processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes
psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para entender
problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos
específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível,
comunicando os resultados (output), na base dos quais são propostas
soluções, se for o caso. (CUNHA, 2000, p. 26). A autora discorre sobre a
possibilidade de elaboração de estratégias uma “variedade de
abordagens e recursos” (CUNHA, 2000, p. 19), incluindo aí o enfoque
teórico (comportamental, psicanalítica, psicodinâmica etc.); a
metodologia, métodos individualizados ou qualitativos, objetivos,
técnicas de entrevista e de observação, utilização de técnicas projetivas

56
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

bem como categorias semiológicas (classificação nosológica, definição


de níveis de psicopatologia).
Faz-se necessário então especificar o que seria uma Avaliação
Psicológica, segundo a Resolução CFP nº 09/2018::

(...) Art. 1º - Avaliação Psicológica é definida como um processo


estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto
de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover
informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou
institucional, com base em demandas, condições e finalidades
específicas.
§1 - Os testes psicológicos abarcam também os seguintes
instrumentos: escalas, inventários, questionários e métodos
projetivos/expressivos, para fins de padronização desta Resolução
e do SATEPSI.
§2 - A psicóloga e o psicólogo têm a prerrogativa de decidir quais
são os métodos, técnicas e instrumentos empregados na Avaliação
Psicológica, desde que devidamente fundamentados na literatura
científica psicológica e nas normativas vigentes do Conselho
Federal de Psicologia (CFP).
Art. 2º - Na realização da Avaliação Psicológica, a psicóloga e o
psicólogo devem basear sua decisão, obrigatoriamente, em
métodos e/ou técnicas e/ou instrumentos psicológicos
reconhecidos cientificamente para uso na prática profissional da
psicóloga e do psicólogo (fontes fundamentais de informação),
podendo, a depender do contexto, recorrer a procedimentos e
recursos auxiliares (fontes complementares de informação) (...)
(BRASIL, 2018),

Pontuamos ainda que segundo a Resolução CFP nº 06/2019:

[...] CONSIDERANDO que um processo de avaliação psicológica se


caracteriza por uma ação sistemática e delimitada no tempo, com
a finalidade de diagnóstico ou não, que utiliza de fontes de
informações fundamentais e complementares com o propósito de
uma investigação realizada a partir de uma coleta de dados, estudo
e interpretação de fenômenos e processos psicológicos; (BRASIL,
2019, p. 1)

Não podemos desconsiderar que, inicialmente, a Psicologia era


uma disciplina identificada com uma prática voltada para a realização de
exames e avaliações, sendo notório o valor atribuído a estes nos diversos

57
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

campos de atuação profissional: escolar, clínica, a outrora denominada


industrial e, consequentemente, a jurídica.
De qualquer forma, o objetivo para a realização de uma avaliação
psicológica: quer seja “entender um problema, identificar e avaliar
aspectos específicos, classificar o caso, prever o curso” (CUNHA, 2000)
ou “opinar a respeito do problema original por meio da contraposição
dos dados obtidos em relação às normas dos testes, teorias ou modelos”
(MALONEY; WARD, 1976) ou ainda “conseguir uma descrição e
compreensão, o mais profunda e completa possível, da personalidade
total do paciente ou do grupo familiar e, também a investigação de algum
aspecto em particular, abrangendo os aspectos passados, presentes
(diagnóstico) e futuros (prognóstico) desta personalidade” (OCAMPO;
ARZENO, 1990) estão conforme aquilo que Foucault (1999) qualificou
como a terceira forma de acesso à verdade pelo meio do exame e que se
enquadra na questão da avaliação psicológica para fins jurídicos, que é
o nosso foco.
Mito (1998) denominou de avaliação psicológica formal, aquela
baseada em instrumentos padronizados e nos testes e seu surgimento
decorreu de a necessidade do profissional no âmbito jurídico apegar-se
a instrumentos mais confiáveis do que a própria percepção pessoal. No
exercício de funções na Justiça os psicólogos estão aperfeiçoando
métodos, técnicas e medidas de avaliação e diagnóstico.
Um fator importante de ser abordado sobre a avaliação
psicológica forense são os instrumentos de medida utilizados pelos
Psicólogos, que segundo Pelisoli e Lago (2020), auxiliam a objetivar o
estado psicológico dos indivíduos com maior precisão. O uso dos
instrumentos de medida é considerado o responsável pela solicitação
crescente dos laudos psicológicos, pois aponta para um diferencial da
avaliação médica psiquiátrica, pois aos psicólogos é oferecida a
vantagem de poder medir de forma padronizada habilidades funcionais,

58
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

déficits, aspectos da personalidade e estado psicológico. Do ponto de


vista legal, apesar desses instrumentos terem um papel importante no
processo de avaliação, nem sempre são capazes de atender às demandas
jurídicas, quanto à relevância e à credibilidade (LAGO; PUTHIN, 2020). A
importância de uma utilização criteriosa desses instrumentos,
considerando a relevância para a questão específica, a relevância
hipotética dos resultados dos testes, a delimitação na construção de
contextos e a consideração sobre a validade destes no contexto jurídico
é imperativa.
A necessidade de conhecer os instrumentos antes de sua
utilização como critério técnico de aplicá-lo e saber sobre as
características técnicas como grau de confiabilidade, precisão, aprovação
e validade, são elementos definidos pelo Conselho Federal de Psicologia
e contemplados no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos, SATEPSI
do Conselho Federal de Psicologia (Resolução CFP nº 009/2018) que
operacionalmente define Avaliação Psicológica como um processo
estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto de
métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover informações
à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional, com
base em demandas, condições e finalidades específicas (BRASIL, 2018, p.
2).
Quando o psicólogo é chamado a atuar na arena jurídica, deve
definir os objetivos do psicodiagnóstico e não perder tempo avaliando
aspectos que não serão importantes na lide em questão. Devemos nos
familiarizar com os fatos pertinentes à solicitação do processo e elaborar
um plano de avaliação. Neste plano, devemos procurar identificar quais
os recursos (técnicas e testes) que melhor permitirão responder às
hipóteses ou questionamentos iniciais. Isso consiste em programar a
administração de uma bateria de testes e procedimentos capazes de
fornecer subsídios para confirmar ou refutar as hipóteses iniciais;

59
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

inclusive porque sabemos que não é possível apreender a totalidade da


personalidade do indivíduo com apenas um teste Cunha (2000).
Como exemplo, em um caso de disputa de guarda, aquilo que os
psicólogos tencionam avaliar no cliente é sua capacidade de exercer a
guarda do filho em questão. Isto vai requerer um enfoque para examinar
não só os adultos, mas também a criança e o relacionamento entre eles:
pai-criança e mãe-criança. O Direito em questão neste exemplo está
implicado no instituto do poder familiar. A expressão poder familiar foi
introduzida na lei pelo Novo Código Civil de 2002, substituindo a
expressão “pátrio poder”. Esta nova expressão, diz respeito à obrigação
de criar, educar e alimentar os filhos, dentre outros por ambos os pais. É
possível entender deste exemplo que a avaliação psicológica que
pretender responder sobre a capacidade de exercício da guarda teria que
traduzir tal capacidade em termos de habilidades e competências que,
daí, seriam buscadas no examinando por meio das técnicas adequadas.
Deste modo, entende-se que a eficácia do trabalho clínico está
ligada à natureza do relacionamento profissional que se estabelece entre
o psicólogo e o cliente. No papel forense, o relato do paciente/parte tem
que ser levado em consideração à luz de sua verdade histórica, não se
trabalha exclusivamente no âmbito da realidade psíquica.
O modo como é colocada a imbricação do ponto de vista
psicológico com o legal pode dar a impressão de que existe um consenso
no meio profissional em relação a tais questões nos processos de
avaliação psicológica, isto está longe de ser a realidade. O que se enfatiza,
no momento, é que o resultante da avaliação psicológica na forma do
laudo revela a forma de conceber o objeto de avaliação e o objetivo que
o avaliador se propõe.
Concluindo, poder-se-ia dizer que a avaliação psicológica em
contexto forense, especificamente no contexto das Varas da Família,
possui:

60
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

Um objetivo forense, ligada à necessidade de dirimir algum ponto


controverso que versa sobre um fato psicológico;
Um enquadre específico que possui características próprias ligadas
ao objeto e objetivo institucionais em pauta;
Um objeto de avaliação que não é o indivíduo, mas a família, ou seja,
haverá sempre mais de um sujeito a ser levado em consideração.
Uma pressão institucional que interfere na relação com o
examinando, no prazo para o trabalho, na caracterização de seu
resultado e na escolha de técnicas mais adequadas para sua ação.
Portanto, estamos em condições de afirmar que a avaliação
psicológica pericial, em especial a realizada no contexto de Vara de
Família, distingue-se do psicodiagnóstico clínico. (SHINE, 2003, p.
54)

Fica claro que a questão primordial: “do ponto de vista jurídico


é a produção de uma verdade”. No caso da avaliação psicológica, uma
verdade sobre o indivíduo ou o grupo avaliado” (MIRANDA JÚNIOR, 2005.
p. 165). Cogita-se que os psicólogos forenses visam interpretar para o
operador do Direito a situação analisada ou recontar o fato sob outro
referencial, diferindo, portanto, de uma avaliação clínica que focaliza no
entendimento, o mais amplo possível do sujeito.
Deste modo a eficácia do trabalho clínico está ligada à natureza
do relacionamento profissional que se estabelece entre o psicólogo e o
cliente. No papel forense, o relato do paciente/parte tem que ser levado
em consideração à luz de sua verdade histórica, não se trabalha
exclusivamente no âmbito da realidade psíquica.
Na prática clínica o fim a que se destina o uso de testes e
avaliação psicológica é para um conhecimento psicodiagnóstico que
permita um melhor direcionamento para intervenções visando o
tratamento. Neste caso, é necessária a interpretação dos dados de uma
forma mais ampla, procurando explorar a dinâmica de funcionamento
psicológico do indivíduo e apoiando-se nos recursos saudáveis e
positivos desta pessoa, enquanto lapida, através do processo terapêutico,
os aspectos disfuncionais, conflitivos e inadequados.

61
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

Já na Psicologia Jurídica, o objetivo da avaliação psicológica é


bem mais pontual, deverá responder a alguma questão que esteja
causando dúvidas no litígio em questão. Então, a interpretação dos dados
para a manufatura do laudo ou parecer é mais restrita, respondendo
somente aos aspectos importantes para o caso.
A avaliação forense não se restringe ao examinando, uma vez que
deve responder sobre fatos que extrapolam sua subjetividade. Melton et
al. (1997) não consideram o examinando como a única fonte de
informação, sugerindo que o profissional deve recorrer a todas as fontes
relevantes. Verifica-se que neste sentido, a prática de buscar dados
adicionais com membros familiares mais próximos e profissionais de
referência da família (médico, professor, psicoterapeuta etc.) vai
depender da compreensão do profissional sobre o seu trabalho.
Compreende-se que a avaliação psicológica pericial, à medida
que investiga e revela a dinâmica familiar por meio do litígio processual,
contribui com um tipo particular de saber/discurso ao desfecho do
processo judicial, ou seja, àquilo que será tomado como a verdade e o
fundamento da sentença judicial.
Lago e Bandeira (2008) observaram que o desenho ou a técnica
do desenho é um instrumento muito citado na utilização em avaliação
psicológica forense, não no sentido de testagem, mas sim na maneira de
criar vínculo com o avaliado. O desenho tem sido usado como recurso
importante na compreensão dos afetos e emoções e sua utilização tem
sido considerada como uma técnica determinante na avaliação
psicológica.
Segundo Souza (2011) ao produzir uma imagem, seja através do
sonho ou de um desenho, o indivíduo também realiza uma comunicação
de seus afetos. O criador da imagem estimula aquele que observa a entrar
em contato com ela, sendo uma espécie de linguagem que se configura a
partir destas produções. Por vezes como aponta a autora, essas imagens

62
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

são condensadas, distorcidas ou desconexas, mas a tarefa do psicólogo


é a partir delas, acolher e encontrar um sentido no material produzido.
Tardivo (2012) coloca que na comunicação com crianças os
desenhos são recursos auxiliares interessantes, pois como se trata de
produções projetivas e expressivas tem como objetivo proporcionar um
contato com a realidade interna e externa, favorecendo que a criança faça
de uma forma natural uma síntese pessoal de sua vida. Para a autora, ao
desenhar a criança está se baseando em sua capacidade reparadora e,
portanto os desenhos devem ser compreendidos como objetos externos
e internos.
Na atuação do psicólogo jurídico, o profissional se defronta com
situações como, por exemplo, de violência, onde se faz necessário
comunicação entre uma criança vítima e o profissional, Colombo e
Agosta (2012) colocam que técnicas projetivas como desenho e jogos são
instrumentos de investigação e intervenção com esse público. Para as
autoras, estes instrumentos têm potenciais, pois permitem que a criança
conte sua história a partir de símbolos que correspondem aos seus
conflitos de maneira lúdica. Neste mesmo raciocínio, Seri e Avoglia (2017)
articularam os desenhos na comunicação da situação traumática em
crianças, assim, o desenho possibilita o entrar em contato com o
sofrimento psíquico da criança onde as defesas, angústias e
necessidades podem ser expressas, de maneira gráfica e verbal,
contribuindo para avaliação psicológica.
Pode-se verificar que em relação às técnicas empregadas pelo
psicólogo, cabe ressaltar que em função da existência de outros
profissionais peritos e da possibilidade de polêmica, os testes
psicológicos são recomendados como material ao qual perito e assistente
técnico podem se reportar com objetividade, sendo o entendimento da
eficácia do trabalho clínico relacionada à natureza do vínculo
profissional que se estabelece entre o psicólogo e o cliente. O relato do

63
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

cliente levado em consideração à luz de sua verdade histórica dos fatos,


de seu entendimento e os aspectos comportamentais.
De acordo com Caires (2003) a simples aplicação do método
clínico para a elaboração de resposta aos questionamentos judiciais pode
tanto propiciar sentenças errôneas por parte dos magistrados - em razão
da compreensão insuficiente ou equivocada - como colocar em
descrédito a importância do trabalho do psicólogo no universo jurídico.
Apesar da técnica e dos conhecimentos clínicos serem imprescindíveis à
prática da psicologia jurídica, algumas peculiaridades desta última a
tornam uma disciplina autônoma em relação à psicologia clínica em
vários aspectos. A autora propõe repensar os procedimentos clínicos a
fim de ordená-los e dirigi-los de modo a se adaptarem às situações
peculiares encontradas na prática jurídica, às características do
examinado e ao fim ao qual se destina o exame, sempre tendo em vista
que sua exposição deve se ater apenas aos elementos estritamente
necessários ao deslinde das questões judiciais, fato que um psicólogo
clínico não é obrigado a saber.
Com a atuação prática no contexto forense observa-se que a
utilização dos desenhos pode contribuir para o melhor entendimento das
situações trazidas pelas pessoas atendidas e este tem sido usado como
recurso importante na compreensão das ideias, lembranças e afetos e,
como norteador de atuações. Todavia, existem momentos em que o
tempo disponibilizado para atendimento e elaboração dos informes e
documentos como laudos e pareceres não torna possível a administração
de outras técnicas, como o uso de desenhos, além das entrevistas. Essa
é uma busca constante na Psicologia Jurídica, especificamente e na
Psicologia, como um todo, promover a saúde e a qualidade de vida das
pessoas e das coletividades e contribuir para a eliminação de quaisquer
formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. Além de buscar atuar com responsabilidade social, analisando

64
CAPÍTULO 3 – O uso de técnicas de desenho como um dos instrumentos de
comunicação no processo de avaliação psicológica forense

crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural


das pessoas, se atualizando cotidianamente e contribuindo para o
desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento
teórico-prático.

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diretrizes para a realização de avaliação psicológica no exercício profissional da
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Técnicas n° 01/2017 e 02/2017.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP nº 06/2019. Institui regras


para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no
exercício profissional e revoga a Resolução CFP nº 15/1996, a Resolução CFP
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66
A redução de danos:
Tecendo caminhos para o cuidado

Francisco de Jesus Silva de Sousa


Suzanne Marcelle Martins Soares

Histórico e conceituação da redução de danos

A expressão redução de danos (harm reduction) tem sofrido um


profundo alargamento conceitual e sua construção histórica justifica
este fato, posto que está marcada por um deslocamento de proposta
do controle de doenças infectocontagiosas para um conjunto de
políticas e práticas que, integradas às ações de prevenção, tratamento
e reinserção social, objetivam reduzir os danos individuais e sociais
relacionados ao uso de sustâncias psicoativas (FONSÊNCA, 2012;
TOTUGUI, 2009). Portanto, a proposta do presente tópico é explorar a
67
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

emergência da Redução de Danos e seus avanços conceituais. Salienta-


se que a motivação para desenhar esta história não é mostrar o
percurso cronológico, mas apresentar a construção de um sentido para
a existência da redução de danos e para a consolidação de um novo
paradigma de cuidados no âmbito das drogas.
A grande maioria dos autores data a emergência da redução de
danos no ano de 1926, na Inglaterra, com a publicação do Relatório
Rolleston. A elaboração deste relatório contou com um grupo de
médicos que afirmava ser a maneira mais adequada de tratar
dependentes de heroína e morfina à realização de administração e
monitoramento do uso das substâncias (FONSÊCA, 2012; WODAK,
1998; MESQUITA, 1994). O Relatório defendia o direito de os médicos
prescreverem suprimentos controlados de opiáceos a usuários de
drogas em situações de síndrome de abstinência, quando o uso da
droga, após comprovações, não poderia ser descontinuado pelos
prejuízos ao usuário e nos casos em que ficasse provado que o
paciente dependeria do uso da droga para levar uma vida normal e
produtiva, tornando-se ineficaz caso houvesse a interrupção desse uso
(FONSÊCA, 2012; DOMANICO, 2006).
O Relatório Rolleston foi um marco porque defendia que não se
poderiam tratar dependentes impondo-lhes a abstinência
abruptamente. Recomendava-se o acompanhamento dos usuários que
desejavam se abster do uso da substância de forma a aliviar os
sintomas da abstinência ou ajudando na administração das drogas aos
que queriam continuar o uso, conforme discorre Domanico (2006). Por
sua vez, Fonseca (2012) apresenta outra razão para considerar o
Relatório Rolleston um marco: pela primeira vez na história a
dependência de drogas é vista de outra perspectiva, uma problemática
complexa, que demanda estratégias múltiplas e singulares. A iniciativa
proposta pelo Relatório Rolleston foi alvo de expressivos ataques,

68
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

chegando a ser desaprovada por questões político-partidárias.


A nova perspectiva de saúde ganhou expressão com as ações de
troca de seringas usadas por novas realizadas na Holanda, mais
precisamente na cidade de Amsterdã. Na verdade, a Holanda sempre
se destacou no cenário mundial por patrocinar uma política liberal. Em
1972, o governo holandês, preocupado com o crescimento de
problemas relacionados ao uso de drogas, conduziu mudanças
significativas nas políticas sobre drogas. A diferenciação estabelecida
por lei no ano de 1976 entre drogas de uso aceitável (maconha, haxixe)
e drogas de uso inaceitável (LSD, cocaína, anfetamina e heroína)
buscava implicar as pessoas no uso responsável de substâncias
psicoativas, sinalizando para o tratamento diferenciado de acordo com
a potencialidade de risco de cada uma delas (DOMANICO, 2006).
Neste contexto de protagonismo do usuário de drogas, foi
criada, em 1980, a Associação de Usuários de Drogas Injetáveis –
Junkiebond (RIBEIRO, 2013). A associação holandesa, em resposta a
preocupação com a disseminação da hepatite B, promoveu em parceria
com o governo o primeiro programa de trocas de seringas usadas, em
1984. O objetivo do projeto de trocas de seringas era proteger os
usuários dos agravos e proporcionar melhores condições de vida
através do uso seguro (DOMANICO, 2006). Quando se passou a ter
certeza da transmissão do HIV por vias sanguíneas, a necessidade de
ações preventivas efetivas se manifestou mais ainda, e o projeto que
nasceu para combater a hepatite B se estendeu como meta que
abrangeu também o combate a AIDS (FONSÊCA, 2012).
O sucesso do projeto repercutiu em todo continente europeu.
Na Inglaterra, por exemplo, as estratégias de redução de danos
ganharam sustentação. Em 1985, os usuários já dispunham da oferta
de vários serviços, dentre eles a troca de seringas, educação e
aconselhamento, prescrição de substituição de drogas, tratamento

69
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

para dependência e desintoxicação, emprego e moradia (FONSÊCA,


2012). Diversos gestores da saúde pública e de organizações não
governamentais passaram a compreender a importância da prevenção
de epidemias e a necessidade de ações sistematizadas e efetivas. Com
o desenvolvimento e êxito de tais iniciativas, o conceito de redução de
danos foi sendo revisto, ampliado e incorporado por muitos países,
como a Suíça, Canadá, Austrália, Alemanha e, até mesmo o Brasil, que
empreendeu programas similares (RIBEIRO, 2013).
Domanico (2006) diz que a política de repressão instituída pelos
Estados Unidos aos países produtores de coca fez surgir rotas
alternativas do comércio de cocaína, entre elas o Brasil, em direção aos
grandes mercados consumidores, notadamente Estados Unidos e a
Europa. Em decorrência disso, houve um aumento na circulação de
drogas no Brasil e as cidades que integravam a rota do tráfico
presenciaram um crescimento significativo nos números de casos de
AIDS. Na década de 70, drogas, como a cocaína, tornaram-se um
problema de saúde pública devido aos abusos e dependência
crescentes.
Santos, cidade do Estado de São Paulo, ganhou posição de
destaque neste contexto. Em função de sua localização estratégica,
tornou-se um dos principais portos de escoamento da droga para os
mercados consumidores. Este fato causou impactos negativos para a
saúde pública do município, tanto que em 1988 a cidade foi recordista
de casos de AIDS no Brasil, sendo intitulada “capital da AIDS”
(MESQUITA, 1994). Esse cenário também pode ter contribuído para que
a cidade se destacasse na literatura por seu pioneirismo no que tange
às estratégias e implementação de uma política de álcool e outras
drogas no período de 1989 a 1994, conforme discorre Souza (2007).
Como tentativa de conter a epidemia crescente, sob a
coordenação de Fábio Mesquita, a prefeitura de Santos em 1989

70
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

anunciou o primeiro programa de redução de danos, com a estratégia


de troca de seringas. A ideia principal, coloca Domanico (2006, p. 72),
era “uma vez que os usuários de drogas não conseguiam abandonar o
uso de drogas, que pelo menos não se infectassem pelo
compartilhamento das seringas no uso de droga injetável”. A iniciativa
gerou grande polêmica nacional, sendo considerada crime e um
estimulante para o uso de drogas ilícitas pelo Ministério Público, que
embargou o projeto e apreendeu os materiais (FONSÊNCA, 2012;
MESQUITA, 1994).

A medida gerou imensa polêmica nacional em todos os meios de


comunicação e fóruns específicos, após o Ministério Público em
Santos enquadrá-la como crime, previsto na lei vigente sobre
drogas no Brasil, a Lei 6.368 de 1976. De acordo com a
interpretação daquele momento, a proposta se chocava com um
dos artigos da referida lei, que considera crime qualquer forma de
auxílio/incentivo àqueles que utilizam substâncias entorpecentes
(MESQUITA, 1994, p. 169).

Uma série de debates e encontros públicos objetivando


esclarecer e sensibilizar a opinião pública sobre a importância da
realização das ações de redução de danos foram iniciados. Na década
de 90 a redução de danos se firmou, gradativamente, como política
governamental, vinculada ao Programa Nacional de Doenças
Sexualmente Transmissíveis e AIDS do Ministério da Saúde
(PNDST/AIDS-MS) (RIBEIRO, 2013).
Em 1991, em Santos, surgiu uma ONG composta por
profissionais de saúde, muitos ligados à primeira iniciativa, com o
objetivo de desenvolver pesquisas em pessoas com AIDS e usuários de
drogas injetáveis. Essas pesquisas proporcionaram aproximações
sucessivas das vivências dos usuários e conhecimento dos rituais de
uso. Como estavam impedidos de distribuir seringas, os técnicos
buscaram, a partir dos achados, desenvolver alternativas na

71
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

perspectiva da redução de danos, como o uso de hipoclorito de sódio


para a desinfecção de agulhas e seringas reutilizadas, já que quando
usavam em grupos, os usuários tinham o hábito de lavar a seringa para
retirar vestígios de sangue (DOMANICO, 2006; FONSECA, 2012). É
importante ressaltar que a distribuição de insumos estava sempre
acompanhada de aconselhamento e reeducação (DOMANICO, 2006).
O Instituto de Estudos e Pesquisas em AIDS de Santos (IPEAS)
tornou-se a primeira ONG brasileira a adotar o método da redução de
danos, utilizando o dispositivo da troca de seringas como método
legal, em 1995. Os profissionais do IPEAS tornaram-se importantes
articuladores das estratégias por meio da sensibilização dos gestores
em saúde para a necessidade do uso do dispositivo, uma vez que os
usuários de drogas injetáveis desempenhavam importante papel no
aumento da contaminação por HIV. Em resposta, gestores de saúde de
Santos e o Estado de São Paulo deram início à implementação das
estratégias (BUENO, 1998 apud SOUZA, 2007).
No dia 1º de dezembro de 1995, Dia Mundial da Luta contra a
AIDS, em parceria com cinco cidades do Estado, a Secretária de Saúde
de São Paulo desenvolveu o programa de troca de seringas. As ações
contavam com a distribuição de kits de prevenção, que continham
duas seringas, agulhas descartáveis, vasilhame com água destilada,
desinfetante de pele, hipoclorito de sódio a 5,25%, copinho e
misturador (SOUZA, 2007). Esse kit foi desenvolvido pelo projeto de
redução de danos que acontecia em Salvador, também no ano de 1995.
O primeiro programa sistematizado de redução de danos
desenvolvido na cidade de Salvador estava vinculado a um centro de
estudos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Domanico (2006) observa que a ligação com os estudos em medicina
pode ter sido fator favorável para a aceitação da iniciativa pela
comunidade. Por outro lado, várias críticas que atribuíam a redução de

72
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

danos um caráter incentivador ao uso das drogas foram levantadas.


A ampla mobilização para a implementação do programa de
distribuição de seringas não impediu que as ações em Santos fossem
novamente embargadas pelo poder jurídico. Apesar disso, os
funcionários do IPEAS continuaram investindo na distribuição de
seringas. Apreensões policiais e processos jurídicos contra os
funcionários de saúde tornaram-se frequentes. Tais desafios, no
entanto, não enfraqueceram o movimento. Segundo Souza (2007, p.
71), “após as seguidas ações judiciais e perseguições policiais,
profissionais envolvidos com a redução de danos investiram num
método de intervenção silencioso, que, aos poucos, foi adquirindo voz
e visibilidade”. Vale ressaltar que os embates travados acerca da
redução de danos ecoam até hoje, gerando importantes reflexões que
produzem avanços na construção da Política.
Como observado, os estudos epidemiológicos sobre a
prevalência do HIV, o seu crescimento desenfreado entre usuários de
drogas injetáveis, a necessidade de pensar em estratégias de saúde que
alcançassem esses usuários reduzindo os danos decorrentes do uso e
o respeito à pessoa usuária, contribuíram para que a redução de danos
ocupasse lugar nos espaços de discussão no cenário nacional. Além
disso, sua associação entre os índices de AIDS e drogas injetáveis
suscitaram o desenvolvimento de ações que articulavam essas duas
temáticas. A redução de danos ganhou espaços nos programas de
intervenção que se construíam em torno do tema “drogas”. Destacar
esse atravessamento é importante na medida em que começa a
mudança de paradigma presente na construção da redução de danos,
definindo-a como estratégia de cuidado ao usuário de drogas.
A atuação por meio dos programas de trocas de seringa permitiu
a aproximação do profissional de saúde às minorias marginalizadas.
Desse contato constante e participativo, surgiram os redutores de

73
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

danos, agentes de saúde que atuam nos territórios existenciais dos


usuários de drogas, segundo definição de Souza (2007). Dentro desse
processo, merece destaque a criação da Associação Nacional de
Redutores de Danos (ABORDA), em 1997, com o objetivo de lutar pelos
direitos dos redutores de danos e usuários de drogas (DOMANICO,
2006; SOUZA, 2007). É importante ressaltar que a associação era
composta por usuários e ex-usuários de drogas.
A ABORDA fortaleceu a luta através da capacitação dos agentes
redutores de danos e da organização política de usuários e agentes,
dando origem a diversas ONGs que passaram a articular os programas
de redução de danos no país. Souza (2007) destaca que a redução de
danos proporcionou ao usuário de drogas e grupos das minorias o
protagonismo na decisão das políticas públicas, que até então estava
restrito ao Estado. Mais do que uma estratégia de cuidado, a redução
de danos anuncia seu efeito mobilizador.
O ano de 1998 foi representativo para o desenvolvimento das
estratégias no Brasil. O país sediou a IX Conferência Internacional de
Redução de Danos, no estado de São Paulo. No evento, o governo
tornou pública a Lei Estadual n. 9.758/97 que autorizou a realização
das ações de troca de seringas (RIBEIRO, 2013).

O advento da lei paulista foi o marco inicial de uma nova etapa na


história da redução de danos no Brasil, uma vez que as estratégias
de redução de danos foram, a partir de então, legitimadas e
assumidas como política pública. A repercussão dessa medida é
sentida de imediato, com a multiplicação de novas leis, estaduais
e municipais, autorizando e regulamentando as estratégias de
redução de danos (RIBEIRO, 2013, p.54)

Para encerrar os ganhos da redução de danos no ano de 1998, a


REDUC - Rede Brasileira de Redução de Danos, uma organização
nacional, foi fundada, gerando a multiplicação dos programas de
redução de danos (RIBEIRO, 2013).
74
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

Os primeiros programas foram implantados inicialmente nos


Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro,
Mato Grosso, Mato Grasso do Sul, Ceará, Bahia e Distrito Federal.
Fonseca (2012), ao fazer um levantamento sobre o número de projetos
de redução de danos no Brasil, coloca que no ano 2000 existiam
aproximadamente
100 projetos ativos. Em 2003 esse número subiu para mais de 150.
Em 2005 muitas instituições foram fechadas por falta de
financiamento.

Apesar das associações estarem em processo de consolidação de


uma plataforma política, sua sustentabilidade política se vê,
muitas vezes, comprometida pela sustentabilidade financeira. As
principais linhas de financiamento da redução de danos
provinham da Política Nacional – DST/AIDS, por meio de
empréstimos do Banco Mundial. No ano de 2005, muitas
associações tiveram suas ações parcialmente suspensas por falta
de financiamento (SOUZA, 2007, p. 76).

A escassez de financiamento, todavia, foi antecedida por um


marco para a redução de danos: em 2003 o Ministério da Saúde
incorporou a redução de danos ao Sistema Único de Saúde (SUS),
considerando-a como uma de suas estratégias de prevenção ao uso e
abuso de drogas com ações que transversalizavam os serviços da rede
assistencial, em especial os serviços básicos, como e Estratégia de
Saúde da Família (ESF), e específicos, como o Centro de Atendimento
Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD). A redução de danos
distanciou-se de seu caráter epidemiológico, ou seja, a AIDS deixou de
ser seu foco e o crack e outras drogas assumiu de vez esse lugar.
Incluiu-se, assim, na responsabilidade da assistência em saúde mental
(FONSÊCA, 2012).
Em 1º de julho de 2005 foi lançada a portaria Nº 1.028, que
determina que as ações que visam à redução de danos sociais e à

75
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

saúde, decorrentes do uso de produtos, substâncias ou drogas que


causem dependência, sejam realizadas por meio de ações de saúde,
dirigidas a usuários e dependentes que não podem, não conseguem ou
não querem interromper o uso, tendo por objetivo a redução dos riscos
sem necessariamente interferir na oferta. O art. 3 da portaria define
que as ações de redução de danos compreendam medidas de atenção
integral à saúde, com base na (I) informação, educação e
aconselhamento; (II) assistência social e à saúde; e (III)
disponibilização de insumos de proteção à saúde e de prevenção ao
HIV/AIDS e Hepatites. O desenvolvimento dessas ações, de acordo com
o art.4, tem como objetivo o estímulo à adoção de comportamentos
mais seguros no consumo de substâncias psicoativas.
As mudanças legislativas e sociais possibilitaram o
desenvolvimento de outras formas de intervenção agregadas às
estratégias iniciais de distribuição de seringas novas, podendo
estender o cuidado aos usuários de drogas de outras formas de uso
além das injetáveis. Segundo Ribeiro (2013), ações voltadas para
usuários de cocaína inalada, com oferta de kits próprios para a forma
de uso; avanços nas pesquisas sobre o efeito terapêutico da cannabis
e possíveis terapias de substituição (cocaína/cannabis,
crack/cannabis); redução de danos relacionados ao uso de crack, como
oferta de cachimbos de uso pessoal, filtros e terapias de substituição;
redução de danos para o uso de drogas sintéticas, como o ecstasy,
através do aconselhamento sobre formas de uso seguro aos
frequentadores de casas noturnas, que figuram como público
consumidor; além de estratégias adequadas às drogas lícitas, como o
tabaco e bebidas alcoólicas.
O desenho do processo histórico da redução de danos realizado
através de recortes encontrados na literatura mostra a ampliação
conceitual sofrida ao longo dos anos. Isso expressa o amadurecimento

76
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

enquanto proposta de cuidado. Mas, diante do que foi discutido, o que


é redução de danos? Caso o conceito permaneça incompleto, não se
trata de uma narrativa falha ou discurso sem embasamento teórico,
muito menos de especulação. Redução de danos é um conceito aberto
e articulável a qualquer comportamento de risco da vida cotidiana.
Logo, estabelecer contornos prontos e acabados é o mesmo que fechar,
limitar a existência de um constructo que se sustenta na dinâmica
complexidade e subjetividade das demandas sociais.
A Associação Internacional de Redução de Danos (2010, p.1)
assim a concebe: “redução de Danos se refere a políticas, programas e
práticas que visam primeiramente reduzir as consequências adversas
para a saúde, sociais e econômicas do uso de drogas lícitas e ilícitas,
sem necessariamente reduzir o seu consumo”. No mesmo caminho, o
Ministério da Saúde define a redução de danos como sendo “um
conjunto de medidas de saúde pública voltadas a minimizar as
consequências adversas do uso de drogas, cujo princípio fundamental
é o respeito à liberdade” (BRASIL, 2001, p. 11).
Um dos pioneiros na implantação das estratégias de redução de
danos, o pesquisador Wodak (1998, p. 55), em seu conceito referência,
aborda a proposta enquanto “uma tentativa de minimizar as
consequências adversas do consumo de drogas do ponto de vista da
saúde e dos seus aspectos sociais e econômicos sem, necessariamente,
reduzir esse consumo”. Para Cruz (2006), a redução de danos constitui
uma estratégia de abordagem de questões relativas ao uso de droga
que formula práticas que diminuam os danos para aqueles que usam
drogas e para os grupos sociais com que convivem.
Para Totugui (2009), o eixo fundamental sobre o qual se
sustenta a redução de danos se baseia no direito de acesso aos serviços
garantidos por lei, de acordo com o preconizado na Constituição
Federal, que assegura em seu artigo 196:

77
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação
(BRASIL, 1988, não p.).

Conforme apresentado, a redução de danos é um conjunto de


estratégias que tem por objetivo oferecer alternativas de cuidados à
saúde que possam ser adotadas sem abandonar a prática de uso de
drogas. Essas definições tiram a atenção da substância psicoativa,
característica de modelos que exigem a abstinência e combate às
drogas, para promover o cuidado para o sujeito. Para a redução de
danos, enquanto a abstinência não for a resposta do usuário, medidas
que visem sua saúde precisam ser adotadas, através do acesso e
vínculo do usuário de drogas aos serviços que promovam a diminuição
da vulnerabilidade e favoreçam a reinserção social. Acrescenta-se que
a redução de danos não é uma invenção da época. Ela é produto de
questionamentos levantados sobre a assistência prestada ao usuário
de drogas. Ofuscando a droga, a redução de danos contempla a
existência do sujeito, e se implica no respeito de seus direitos e resgate
de sua humanidade. Ao transcender técnica, a redução de danos se
consolida como um modo de trabalho pautado no acolhimento, diálogo
e co-responsabilização (FONSÊCA, 2012).

Princípios e Diretrizes para Atuação na Perspectiva da Redução de


Danos.

Japiassú e Marcondes (2006) definem “princípio” como o


fundamento que permite a estruturação do conhecimento. Essas
“causas primeiras” justificam a existência do objeto conhecido de
modo a lhe oferecer consistência e são evidentes ao ponto de não se
duvidar de sua validade. Para Mello (2003), princípio é definido como
78
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,


disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,
compondo o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão. Essas considerações são pertinentes quando os
princípios e diretrizes que sustentam a atuação na redução de danos
são objetos de discussão.
Como observado na construção histórica, o fio condutor da
redução de danos para a abordagem ao sujeito usuário de drogas é o
respeito à dignidade humana. E é a partir daí que seu “arcabouço
principiológico”, como afirma Ribeiro (2013, p. 58), se desenrola. O ato
de conceder voz ao sujeito de direitos, dando-lhe o poder de
reivindicar e implementar estratégias para a melhoria da qualidade de
vida, mostra a implicação da redução de danos no resgate da
participação social do usuário. Ribeiro (2013) também afirma que o
protagonismo das pessoas que usam drogas e o respeito na atenção a
eles dirigida já fazia parte dos princípios fundantes da redução de
danos. Isso se apresentou na fase primeira, onde os próprios usuários,
membros da associação holandesa junkiebond, compunham o corpo
de militantes pela implantação da estratégia.
O que se desenrola a partir do princípio fundante? Não existe
unanimidade quantos aos princípios que fundamentam a redução de
danos. No entanto, observam-se propostas de autores que articulam e
complementam elementos para embasar essa prática. As exposições de
Fonseca (2012) são norteadoras para a construção deste tópico, pois
apresentam de forma sintetizada, mas não menos fundamentada,
ideias que compõem a construção da redução de danos política e
ideologicamente. O autor apresenta cinco princípios que por processos
de aproximação e condensação são aqui abordados em três. Outros
autores são utilizados para complementar as proposições do autor.
O primeiro princípio é: a redução de danos não se opõe à

79
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

abstinência (FÔNSECA, 2012; MARLATT, 1999). Pelo contrário, admite


a abstinência como caminho ideal, o adequado quando o assunto é uso
de drogas, mas por considerar a singularidade de cada sujeito, suas
limitações e a complexidade que envolve o uso de drogas, reconhece
que este caminho não está para todos. Partindo dessa perspectiva,
alternativas que minimizem os danos são acolhidas e implementadas
enquanto a abstinência não for a escolha do usuário. Fonseca (2012)
diz que a característica principal desse princípio é o respeito à
liberdade de escolha do usuário pelo consumo da droga, que deve ser
preservada desde que não ultrapasse a liberdade do outro. Esse
princípio constitui-se em concordância com as disposições do Estado
Democrático de Direito, que reconhece a liberdade da ação humana a
partir de suas convicções pessoais, desde que não afete direitos de
outros. O reconhecimento da dignidade humana impede a
transformação forçada do indivíduo, o que não exclui possibilidades
de realização de trabalhos pedagógicos que visem a modificação de
comportamentos de risco em práticas seguras (CARVALHO et al.,
2006). Para a redução de danos, pequenos passos de cuidado são
significativos para a garantia da qualidade de vida do sujeito. “A
abordagem de redução gradual estimula o indivíduo que tenha
comportamento excessivo ou de alto risco a dar um passo de cada vez
para reduzir as consequências prejudiciais de seu comportamento”
(FONSÊCA, 2012, p. 20).
O segundo princípio diz respeito a base que a redução de danos
encontra no pragmatismo empático, contrapondo, assim, o idealismo
moralista (FONSÊCA, 2012; TRAD, 2010). O pragmatismo empático
desvia o foco da substância e do uso e se concentra na produção e
resgate do sujeito. A questão não é o certo ou errado, o bom ou ruim,
doentio ou saudável, ou qualquer outro parâmetro moralista. A
questão é o manejo das demandas cotidianas a partir de uma escuta

80
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

acolhedora e atenta ao sujeito. Fazendo referência ao


Experimentalismo empático, Fonseca (2012, p. 22) acrescenta:

A Redução de Danos, com seu foco no contato, é uma estratégia


mais lógica a ser seguida, pois a partir dela procura-se:
implementar medidas amplas para prevenir e tratar o consumo
nocivo de drogas, estando junto com a população, não
perseguindo o consumidor de drogas, mas sim, buscando formas
de regulação que sejam social e culturalmente aceitas pelos
diferentes segmentos sociais. Na prática, tem como objetivo a
aproximação com os usuários de drogas, para que, num futuro
próximo, seja possível a criação de um vínculo de confiança, uma
abertura. Instaurado, o vínculo funciona como uma base sólida
para inserir-se a discussão a respeito das possibilidades de
redução de danos à saúde do usuário, entre elas: a discussão do
uso nocivo, a inclusão destes usuários nos programas da rede
pública de saúde e até, se o usuário desejar, possibilitar
tratamento ao uso nocivo de drogas, etc. (FONSECA, 2012, p. 22).

O último princípio faz referência à promoção de baixa exigência


e pronto acolhimento ao usuário de substâncias psicoativas em
alternativa às abordagens tradicionais de alta exigência (FONSÊCA,
2012; TRAD, 2010; MARLATT, 1999). Os modelos tradicionais não só
impõem a premissa da abstinência, como a manutenção dessa meta
para a oferta de cuidado continuado. Como resultado, muitos usuários
que não conseguem se enquadrar nos requisitos abandonam o
tratamento e assumem condições de vida que acentuam a
vulnerabilidade. O princípio em questão sinaliza para a flexibilidade
na abordagem ao usuário de drogas e da necessidade de implementar
serviços de cuidado que o acolham de forma mais tolerante. Isso
implica no estabelecimento de vínculo, no acesso facilitado às
orientações e no estímulo à procura de serviços assistenciais
(ALMEIDA, 2003). Esse princípio versa também sobre a proposta
desafiadora da redução de danos de encontrar o usuário onde ele se
encontra. Logo, esses dispositivos devem contar com profissionais de
postura compreensiva e inclusiva, inseridos na realidade territorial do

81
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

usuário.
Marlatt (1999) acrescenta um quarto princípio, que considera a
redução de danos uma abordagem “de baixo para cima”, baseada na
defesa do dependente, em vez de uma política “de cima para baixo”,
promovida pelos formuladores de políticas de drogas. Andrade (2002
apud CRUZ, 2006) destaca como princípios da redução de danos o
pragmatismo, tolerância e respeito à diversidade. A proposta
pragmática faz referência à prática de saúde pública cujo objetivo é
preservar a vida de pessoas. O autor descreve o princípio da tolerância
como a característica desta prática em respeitar o usuário de drogas
em suas escolhas individuas. O respeito à diversidade faz referência
às particularidades biológicas, psicológicas e socioculturais de cada
usuário que repercutem na interação com a substância.
Esses princípios éticos encontram sustentação em nosso
ordenamento jurídico, a começar pela Constituição Federal de 1988,
que assegura direitos e garantias fundamentais, destacando-se a
cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, III), como aborda
Ribeiro (2013). Vê-se aqui o encontro dos direitos fundamentais aos
princípios que apoiam a redução de danos. Tais considerações lançam
questionamentos acerca dos modelos assistenciais que maximizam a
substância e abafam a subjetividade humana. Em vista disso, a redução
de danos lança o desafio de pensar estratégias de cuidados que
combatam a exclusão social e busquem resgatar o existir humano, “o
objetivo das ações de redução de danos deve ser a inclusão social e o
rompimento da marginalização dos usuários de drogas” (FONSÊCA,
2012, p. 23).
MacRae e Gorgulho (2003) expondo o posicionamento da
Associação Brasileira de Redução de Danos (REDUC), trazem a
necessidade de se compreender a redução de danos menos como um
conjunto de práticas e normas no atendimento a toxicômanos e mais

82
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

como uma postura em relação aos inúmeros problemas relacionados à


maneira de abordar a questão das drogas. Diante disso, quando se
discute diretrizes para a atuação no paradigma de redução de danos,
a proposta não é definir técnicas que conduzam uma prática, mas
referenciar um modo de trabalho pautado em uma relação ética
profissional-usuário (ALMEIDA, 2003).
A atuação na perspectiva da redução de danos considera que a
demanda não está estabelecida a priori, mas a partir da escuta do
usuário em sua singularidade. Conforme esclarece Fonseca (2012, p.
19), a abstinência é “reconhecida como resultado ideal, mas são aceitas
alternativas que reduzam os danos; alternativas que não estão
definidas a priori e sim no acontecer humano”. Dias (2008) sugere que
os serviços orientados pela lógica da redução de danos aceitam
diversos contratos, como as terapias de substituição de drogas, o uso
controlado da substância, entre outros. Garantir o uso seguro ou com
riscos reduzidos, no que possível for, deve ser norteador para uma
prática em redução de danos, todavia, tais ações devem ser
estabelecidas levando-se em consideração as questões presentes no
discurso do usuário e no modo como as demandas se apresentam
nessa fala. “Recuperar a palavra, a história, as marcas e as memórias
do sujeito toxicômano, reconhecendo sua existência e escutando suas
queixas, necessidades e demandas” (FONSÊCA, 2012, p. 24) é um
desafio para a atuação em redução de danos, e isso só é possível
quando o cuidado ao sujeito é centralizado, o que é diferente de
encaixar a pessoa no trabalho.
Uma outra diretriz para a atuação está no reconhecimento da
necessidade e possibilidade de construção do plano de ação em
comum acordo com o usuário. Os programas de redução de danos
sustentam uma proposta clara de auto cuidado com relação ao uso da
droga, investindo no sentido de responsabilidade sobre si. Desse

83
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

modo, o objetivo está em resgatar a autonomia e o protagonismo do


sujeito no processo de decisão e encorajá-lo para a ação. A redução de
danos se mostra como plano de tratamento que é construído em
comum acordo com o usuário, alargando as possibilidades do sujeito
de aderir, envolver-se e iniciar a mudança do comportamento, como
acrescenta Fonseca (2012).

Oposições à política da redução de danos.

Existem duas posturas comumente adotadas frente à questão


das drogas: a chamada “guerra às drogas”, que comporta o modelo
criminal, moralista e de doença, e a redução de danos. O modelo
criminal está expresso nas políticas de controle às drogas que
enxergam o uso e/ou distribuição como crimes que merecem punição.
O modelo moral concebe o uso como moralmente incorreto. Esses dois
modelos juntos colaboram para as formulações de políticas que
objetivam promover uma sociedade livre das drogas. A principal
estratégia tanto do modelo criminal quanto moralista está em “reduzir
a oferta”, isto é, a reduzir a disponibilidade dos produtos. Por sua vez,
o modelo doença limita a dependência de droga à disfunção biológica,
que carece de ser erradicada por meios dos programas de tratamento
que visam remediar o desejo. Nesse modelo opera a lógica da “redução
de demanda”, tendo como objetivo principal a abstinência. Na
alternativa a esses paradigmas está a redução de danos, operando pela
lógica da minimização dos riscos individuais e sociais relacionados ao
consumo de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas (FONSÊCA, 2012). As
ideologias, benefícios e riscos associados aos diferentes modelos têm
promovido um complexo debate no que tange as políticas assistenciais
ao usuário de álcool e outras drogas (ALVES, 2009).
Os movimentos proibicionistas, resultantes da intensificação do

84
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

comércio de substâncias psicoativas, conduziram à elaboração de


políticas públicas (RIBEIRO, 2013). Em meados do século XIX, com
ênfase na ideologia moral, o movimento de reivindicação de uma
política proibicionista vem à tona, por ser considerada como a melhor
estratégia para sanar os riscos sociais, psicológicos e biológicos
relacionados ao consumo da droga. Nos Estados Unidos essa política
ganhou alicerce com a fundação do Partido Proibicionista, no ano de
1869. A indústria de álcool crescia desenfreadamente, culminando na
proibição da comercialização com a promulgação da Lei Seca, no ano
de 1920. A revogação da Lei Seca, em 1933 foi o atestado do seu
fracasso, mas não aboliu sua lógica (RODRIGUES, 2014).
Gradualmente, outras drogas como a morfina e a heroína,
cocaína, maconha e toda substância que pudesse levar ao uso abusivo
foram alvos da repressão à comercialização (ALVES, 2009). A autora
salienta que a entrada da Organização das Nações Unidas (ONU), no
ano de 1945, nas discussões fortaleceu a causa. Em 1946, a ONU
fundou a Comissão de Narcóticos (CDN) objetivando formular políticas
de repressão e controle ao uso e produção de substâncias psicoativas.
No ano de 1998 convocou a Assembleia Geral das Nações Unidas
(UNGASS) para discutir a política mundial sobre drogas. Como meta a
UNGASS deixou estabelecida para o ano de 2008 um mundo livre de
drogas, com a campanha intitulada “Um Mundo Livre de Drogas: Nós
Podemos Fazê-lo” (ALVES, 2009, p. 2311).

O modelo proibicionista-punitivo tem por fundamento dois


princípios: um de ordem moral, que prega a abstinência como
única resposta relacional do usuário com essas substâncias, e
outro de ordem higienista, que preconiza o ideal de mundo livre
de drogas (RIBEIRO, 2013, p. 26).

Baseada em critérios morais e de defesa da saúde pública, a

85
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

“guerra” estava lançada. Rodrigues (2014) diz que não se tratava de


uma cruzada contra substâncias inanimadas – as drogas – mas contra
as pessoas que produziam e consumiam.
A limpeza social empreendida tem suas implicações para os
tratamentos impostos. A condição para a assistência ao usuário de
substâncias psicoativas do paradigma proibicionista, por sua vez, é
caracterizada como “alta exigência”. A abstinência é requisito para
início, manutenção e fim do tratamento, não havendo um meio termo,
como discorre Alves (2009, p. 231), “o modelo de atenção à saúde de
usuários de álcool e outras drogas construído com base na
racionalidade proibicionista, caracteriza-se, então, pelo autoritarismo
das intervenções propostas”. É nesse sentido que Fonseca (2012) vai
apresentar a redução de danos como alternativa ao “tudo ou nada”.
A principal crítica ao modelo proibicionista se constitui em
torno das limitações de acesso aos serviços de prevenção e tratamento
das pessoas que fazem uso prejudicial de substâncias psicoativas, bem
como intolerância à recaída ou reincidência do uso (ALVES, 2009). Essa
postura engessa os usuários em dois discursos. O primeiro, e mais
comum, é o discurso do usuário “derrotado”, que busca ajuda de forma
subserviente, aderindo toda e qualquer estratégia imposta. O segundo
discurso é o chamado “vitorioso” ou “heroico”, autorizado às pessoas
que superaram o uso das drogas. Esses discursos determinam a
estrutura dos serviços prestados para o usuário de drogas, como
observa Petuco (s.d.).
As estratégias de redução de danos têm sido criticadas como
oposição ao modelo da abstinência. Como já discutido, essa crítica não
encontra sustentação, posto que a redução de danos trabalha com o
encontro do melhor caminho para o usuário e comunidade, sendo a
abstinência o desejável, mas não o imposto. Desse modo, a proposta
da redução de danos não é criar um discurso alternativo e mais

86
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

confortável para o usuário, mas permitir que sua fala de sujeito de


direitos seja resgatada e ecoe.
Reale (1997), uma das pioneiras no estudo da intersecção drogas
e redução de danos na área da saúde pública, elaborou um quadro
comparativo entre o modelo proibicionista e as estratégias de redução
de danos.

QUADRO 2 - Comparativo entre a redução de danos e as estratégias


proibicionistas
MODELOS PROIBICIONISTA REDUÇÃO DE DANOS
O uso de droga em
Problema enfocado Danos / usos de drogas
si
Política de Drogas Guerra às drogas Tolerante / pragmática
Repressão ao uso
Redução de danos à saúde
Prioridade de drogas ilícitas e
individual e coletiva
tráfico
- Provê serviços para o
usuário de drogas
Papel /posição do Controle abusivo - Apoia organizações
Estado do cidadão dos usuários de drogas
- Prega direitos dos
usuários de drogas
Prevenção de Sociedade livre de Dano /risco associado ao
drogas drogas abuso
Atendimento
médico individual Vários tipos de serviços
Sistema atenção à
Alta exigência Baixa exigência e Busca
saúde Serviços
Objetivo: ativa
abstinência
Articulada como
Prevenção AIDS Dificultada por
prioridade de saúde
entre Uds / UDIs restrições legais
pública
Fonte: REALE, 1997.

As resistências acerca da redução de danos como estratégia de


assistência ao usuário de drogas é um aspecto importante para o
debate no que tange à opção pela sua utilização. Para Totugui (2009,
p. 57), as posições contrárias a redução de danos podem estar
87
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

relacionadas a um entendimento equivocado de seu conceito,


premissas e aplicabilidade. Cruz (2006) apresenta algumas
motivações para a oposição às estratégias de redução de danos:

I. Compreensão de que suas estratégias sejam contraditórias, além


de dispensar as ações preventivas, não dirigindo ações para a
redução de ofertas nem de demandas (CRUZ, 2006, p. 20).

Cruz (2006), em seu trabalho, salienta que a redução de danos


não é contraditória com a utilização de ações no sentido de diminuir
a oferta e o consumo de drogas, e citando Stimson e Fitch (2003), o
autor alega que a diferença está no manejo das questões, posto que
a redução de danos não visa resolver o problema pela via da proibição
geral. Exemplifica esse fato com as campanhas voltadas para o uso
de bebida alcoólica, que propõem a dissociação do ato de beber do
ato de dirigir, sem proibir amplamente o uso do álcool, afirmando o
caráter preventivo da redução de danos, bem como as medidas de
restrição dos locais para venda e consumo, o que implica a redução
de oferta e demanda.

II. A compreensão de que suas estratégias sirvam aos interesses de


produtores e vendedores de drogas (CRUZ, 2006, p. 20).

Fazendo menção a Karam (2003), Cruz (2006) afirma que as


tentativas de resolver as questões do uso abusivo de substâncias por
meio de ações repressivas têm por consequência o encarecimento dos
produtos, transformando-os em um negócio milionário. Acrescenta
que esse sim seria um fator que interessa aos produtores e agentes do
tráfico.

III. A compreensão de que suas estratégias sejam produtoras de


inércia em relação aos quadros de dependência (CRUZ, 2006, p. 20).

88
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

Sobre essa ideia, Cruz (2006) traz a discordância que se mostra


na atuação dos profissionais redutores de danos diante desses
quadros. A postura empática do redutor de danos, ao invés de gerar
indiferença, viabiliza a criação de vínculo, muitas vezes seguido de
pedidos de ajuda e encaminhamento para assistência.

IV. A compreensão de que suas estratégias sejam permissivas


(CRUZ, 2006, p. 20).

Para Cruz (2006), a ideia de que a redução de danos atua a partir


de uma prática permissiva não é baseada em fatos, uma vez que a
realidade das instituições e programas implementados envolve a
discussão em equipe e explicitação para os pacientes de limites e
critérios da instituição. O autor usa como exemplo a proibição para
porte de drogas na instituição, que pode acarretar em suspensão da
atividade, mas não exclusão no processo de cuidado.

V. A compreensão de que suas estratégias são mensageiras de


descrédito quanto à ideia de que seja possível interromper o uso
(no âmbito individual) ou a que problemas relacionados ao uso
possam ser minimizados (no âmbito social) (CRUZ, 2006, p. 20).

O autor rechaça essa ideia, afirmando que a redução de danos


se apoia na compreensão da possibilidade de mudança no padrão
comportamental de risco no consumo da droga, o que se configura
como interrupção do uso para muitos. No entanto, essas metas não
devem ser impostas, mas construídas junto ao usuário. Por outro lado,
muitos que defendem a política da redução de danos possuem um
discurso tão radical quanto os que advogam as estratégias
proibicionistas, idealizando que todas as pessoas podem vir a fazer
um uso moderado da droga. A realidade mostra que muitos usuários
precisam interromper o uso para cessar os riscos e aderir a uma forma

89
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

de tratamento (CRUZ, 2006). A sensibilidade no manejo da situação a


partir da escuta e observação da demanda do usuário é um desafio
para a atuação do profissional.
Considerações finais

Espera-se que as reflexões adiante apresentadas contribuam


para que essa prática ganhe consistência nos diferentes serviços de
atenção ao usuário de drogas nos quais os profissionais de psicologia
estão inseridos.
Constatou-se que as discussões precisam avançar nos serviços
para fomentar a prática profissional em redução de danos. Não se trata
apenas de apresentar o conceito para que os profissionais processem,
já que conhecer a redução de danos enquanto proposta não é
suficiente para garantir a atuação. A proposta paradigmática da
redução de danos traduz mudanças de posturas e atitudes dos
profissionais em relação à questão das drogas e consequentemente ao
usuário. Para que isso aconteça, junto à apresentação do modelo da
redução de danos, é preciso que conceitos culturalmente enraizados
sobre as drogas, sujeito que consome e modos de cuidado sofram
ressignificação, o que demanda mais investimento em capacitação
profissional. É preciso ainda, que os serviços acolham e executem a
política, não somente com ações fragmentadas e técnicas de redução
de danos, mas como ampliação para os modelos de atenção ao usuário
de drogas.
Observou-se um isolamento da redução de danos ao âmbito da
saúde, mais precisamente aos serviços da saúde mental e DST/AIDS, o
que é compreensível a partir da análise de sua construção história.
Assim, expandir-se no campo da saúde e ter presença nos demais
setores é um desafio que está posto para a redução de danos.

90
CAPÍTULO 4 – A redução de danos: Tecendo caminho para o cuidado

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92
A ressignificação da psicologia no poder
judiciário:
A necessidade do acompanhamento psicológico em processos que
envolvam crianças e adolescentes

Lucas Martins Gama


Dannilo Jorge Escorcio Halabe
Francisca Morais da Silveira

No Brasil, a história da atuação de psicólogos brasileiros na área


da psicologia jurídica tem seu início juntamente com o reconhecimento
dessa profissão, na década de 1960. O verbete psicólogo jurídico, assim
como o criminal e o forense, foram criados no Catálogo Brasileiro de
Ocupações – CBO (BRASIL, 1962), a partir da Lei 4.119/1962. Neste
momento, declara-se que a esta especialidade de psicologia cabe o
estudo e avaliação do desenvolvimento emocional, dos processos
mentais e sociais de indivíduos envolvidos com as demandas judiciais,
93
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

na esfera civil e penal, principalmente. O psicólogo, desde então, tem o


papel de elaborar pareceres que subsidiam as decisões dos operadores
da lei, realizando uma análise psicossocial. Destaca-se, inicialmente, o
papel de perito, mas posteriormente uma atuação em diversos contexto
do sistema judiciário brasileiro.
Contudo, a demanda atual do judiciário demonstra que o
psicólogo muito tem a acrescentar nas atividades do poder judiciário,
principalmente quando os envolvidos são crianças e adolescentes, sendo
extremamente relevante e cabível a participação do psicólogo na garantia
dos direitos. Como profissionais que estudam o desenvolvimento
humano, os psicólogos compartilham da compreensão de que estes
sujeitos em formação devem ser tratados a partir de uma ótica de
proteção, mesmo quando em situação de conflitos com a lei.
Tal atuação motivou o Conselho Federal de Psicologia (CFP), nos
últimos anos, a produzir inúmeros documentos (legislações, orientações,
notas técnicas e livros) norteadores da atuação do psicólogo jurídico.
Além disso, frisa-se o fato do CFP ter sido eleito a entidade que, no triênio
2020-2022, presidirá o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA), órgão de garantia de direitos previsto pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) e regulamentado
pela Lei nº 8.242/1991 (BRASIL, 1991).
Entre as demandas apresentadas ao psicólogo jurídico destacam-
se os processos provenientes das Varas de Família, que envolvem adoção
e separação de casais, pois afetam diretamente o bem-estar emocional e
psicológico das crianças envolvidas nesses processos, requerendo do
profissional da psicologia uma análise ampla, para permitir a proteção
dos direitos dos envolvidos. Conforme veremos a seguir, a atuação dos
profissionais da psicologia e do direito, nos referidos casos, se
completam, demonstrando sua relevância.

94
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

Contexto histórico da psicologia jurídica no brasil

Delimitar o início da psicologia jurídica no Brasil é uma tarefa


difícil, tendo em vista que não existe um marco histórico específico que
defina esse momento. No Brasil, a história da atuação de psicólogos
brasileiros na área da psicologia jurídica tem seu início juntamente com
o reconhecimento dessa profissão e a criação dos primeiros cursos de
graduação no país, na década de 1960.
Moreira e Soares (2019) afirmam que o campo da psicologia
jurídica surge a partir da necessidade do direito ter “respostas rápidas”,
de especialistas da áreas sobre demandas diversas que adentravam
aspectos da subjetividade e do comportamento. A psicologia, entretanto,
trouxe algo a mais: uma ampliação dos debates sobre as questões
demandadas pelo judiciário a partir de resultados partilhados com
outros campos da psicologia, inclusive a psicologia social.
Muito embora se pense que foi um fenômeno abrupto, a inserção
da psicologia jurídica no mundo de trabalho se deu de forma gradual,
muitas vezes ocorrendo de maneira informal, por meio de trabalhos
voluntários em instituições. Dos primeiros trabalhos na área criminal,
que evidenciavam estudos acerca de adultos criminosos e adolescentes
infratores da lei (ROVINSKI, 2002), até o momento atual, onde os
psicólogos debatem com protagonismo o chamado “depoimento
especial” (CFP, 2019), muitos avanços ocorreram.
O trabalho do psicólogo correlacionado ao do sistema
penitenciário existe, ainda que não de maneira oficial, em alguns estados
brasileiros há pelo menos 40 anos. Contudo, foi a partir da promulgação
da Lei de Execução Penal (LEP - Lei Federal no 7.210/84) que o psicólogo
passou a ser reconhecido legalmente pela instituição penitenciária
(FERNANDES, 1998), ocupando assim uma função de destaque no sistema
penitenciário brasileiro.

95
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

Contudo, temos que essa preocupação com a avaliação do


“criminoso”, principalmente quando se trata de um “doente mental
delinquente”, é bem anterior à década de 1960, tendo em vista que na
Antiguidade e na Idade Média a loucura era um fenômeno bastante
privado. Ao louco somente era permitido circular com certa liberdade, e
os atendimentos médicos eram restritos à uns poucos abastados.
Daquele tempo até hoje, a própria concepção doença mental foi
restruturada, abrindo margem para se pensar na categoria do transtorno,
uma conceituação mais relacionada com a esfera psicossocial afetada
pela enfermidade (DALGALARRONDO, 2019).
Somente a partir do século XVII, a loucura (ainda tratada como
doença e anomalia) passou a ser caracterizada por uma necessidade de
exclusão dos doentes mentais. Assim resolveram-se criar
estabelecimentos para internação desses “loucos” por toda a Europa, nos
quais colocavam indivíduos que ameaçassem a ordem da razão e da
moral da sociedade (ROVINSKI, 1998).
Perceba que esses institutos nascem como uma espécie de prisão,
servindo como punição àqueles que perturbem o sossego da sociedade,
sendo privados do seu bem mais precioso: a liberdade. A partir do século
XVIII, na França, Pinel inaugurou a revolução institucional, uma mudança
na metodologia dos tratamentos, liberando os doentes de suas cadeias e
dando assistência médica a esses seres que, até então, eram privados da
vida em sociedade.
Este período é caracterizado na história da psicopatologia pelos
autores Barlow e Durand (2015) como o da tradição biológica. Acreditava-
se que a psicopatologia era uma doença orgânica, muita das vezes
incurável, que levava o indivíduo a necessidade de isolamento. As
legislações de vários países importam nesta época a concepção de que,
dada a enfermidade, a pena seria a reclusão em um manicômio por tempo
indeterminado.

96
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

Após esse período, os psicólogos clínicos começaram a colaborar


com os psiquiatras nos exames psicológicos legais e em sistemas de
justiça juvenil. Com o advento de áreas como a psicanálise e o
humanismo, passou-se a valorizar o sujeito de forma mais compreensiva
e com um enfoque dinâmico. Quer dizer, ampliou-se a compreensão dos
inúmeros fatores internos e externos que afetavam a conduta humana,
ao invés de se analisar a partir apenas de um ponto de vista
contingencial, pautado a partir da análise do meio. Como consequência
natural, o psicodiagnóstico ganhou espaço, deixando de lado um enfoque
eminentemente médico para incluir aspetos psicológicos, inaugurando
um marco conceitual também para psicologia jurídica. Isto porque, há
possibilidade de se pensar neste momento, não só no diagnóstico da
psicopatologia durante uma perícia, mas em aspectos psicossociais que
levaram o indivíduo a estar a margem da lei.
Barlow e Durand (2015) citam esta época, mais recente na história
da psiquiatria e psicologia, como a de tradição psicológica que
encaminha para uma síntese com a tradição orgânica nas questões
relacionadas à psicopatologia. A concepção deste momento passa a ser
voltada tanto para questões orgânicas, cujo especialista é o psiquiatra,
quanto para questões psicológicas, cujo especialista é o psicólogo.
Ambos se colocam à serviço de outras áreas, como o direito, guiando
para um olhar amplo sobre aqueles fenômenos.
Assim, os indivíduos passaram a ser classificados em duas
grandes categorias: de maior ou de menor severidade, ficando o
psicodiagnóstico a serviço do último grupo, inicialmente. Desta forma,
os pacientes menos severos eram encaminhados aos psicólogos, para que
esses profissionais buscassem uma compreensão mais descritiva de sua
personalidade, utilizando técnicas relacionadas ao psicodiagnóstico e
psicoterapia. Os pacientes de maior severidade, com possibilidade de
internação, eram encaminhados aos psiquiatras que utilizavam técnicas

97
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

de diagnóstico e os psicofármacos. Balu (1984) demonstrou, a partir de


estudos comparativos e representativos, que os diagnósticos de
Psicologia Forense podiam ser melhores que os dos psiquiatras.
Ademais, acordo com Brito (2005), o psicodiagnóstico era visto
como instrumento que fornecia dados matematicamente comprováveis
para a orientação dos operadores do direito. Inicialmente, a psicologia se
insere no judiciário como uma prática voltada para a realização de
exames e avaliações, buscando identificações por meio de diagnósticos.
Nessa época, marcada pela inauguração do uso dos testes psicológicos, o
psicólogo passa a ser visto como um operador de testes.
Psicólogos na Alemanha e França, neste contexto, desenvolveram
trabalhos empíricos experimentais sobre o testemunho e sua
participação nos processos judiciais. Surgem então estudos acerca dos
sistemas de interrogatório, os fatos considerados como crime, a detecção
de falsos testemunhos, as amnésias simuladas e os testemunhos de
crianças impulsionaram a ascensão da área então denominada
“Psicologia do Testemunho”.
Esse histórico inicial reforça a relação entre a psicologia e o
direito através da área criminal e a importância dada à avaliação
psicológica ou perícia psicológica. Contudo, não era apenas no campo do
direito penal que existia a demanda pelo trabalho dos psicólogos.
Outro campo em ascensão, até hoje, é a participação do psicólogo
nos processos de direito civil. No estado de São Paulo, por exemplo, o
psicólogo fez sua entrada informal no Tribunal de Justiça por meio de
trabalhos voluntários com famílias carentes desde a década de 80. A
entrada oficial se deu em 1985, quando ocorreu o primeiro concurso
público para admissão de psicólogos dentro de seus quadros (SHINE,
1998).
Insta destacar que a presença de psicólogos nos quadros dos
Tribunais, atualmente, é um fenômeno recorrente. Como exemplo pode-

98
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

se destacar o presente concurso para o Tribunal de Justiça do Estado do


Maranhão, realizado pela Fundação Carlos Chagas em 2019, onde foram
destinadas vagas específicas para psicólogos e psiquiatras,
demonstrando assim a relação entre as duas áreas.
Outro dado histórico importante para a psicologia jurídica foi a
criação do Núcleo de Atendimento à Família (NAF), em outubro de 1997,
implantado no Foro Central de Porto Alegre e pioneiro na justiça
brasileira. O trabalho objetiva, até hoje, oferecer a casais e famílias com
dificuldades de resolver seus conflitos um espaço terapêutico que os
auxilie a assumir o controle sobre suas vidas, colaborando, assim, para a
celeridade do Sistema Judiciário.
No que tange ao curso de direito, insta destacar que a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro foi pioneira em relação à
psicologia jurídica. Foi criada, ainda em 80, uma área de concentração
dentro do curso de especialização em psicologia clínica, denominada
“Psicodiagnóstico para Fins Jurídicos”.
Seis anos mais tarde, passou por uma reformulação e tornou-se
um curso independente do Departamento de Clínica, fazendo parte do
Departamento de Psicologia Social. Atualmente, é compulsória a
presença de uma disciplina de psicologia jurídica nos cursos de direito
brasileiro, sendo essa uma disciplina obrigatória que integra a grade
curricular das faculdades.

A necessidade do acompanhamento psicológico de crianças e


adolescentes em processos de adoção e separação

Conforme destacado anteriormente, temos que o início da


psicologia no judiciário se deu no campo da psicopatologia. O diagnóstico
psicológico servia tão somente para classificar e controlar os indivíduos.
Os psicólogos eram chamados a fornecerem um parecer técnico (pericial),
em que, através do uso não crítico dos instrumentos e técnicas de

99
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

avaliação psicológica, emitiam um laudo informando à instituição


judiciária, via seus representantes, um mapa subjetivo do sujeito
diagnosticado.
O objetivo até então era melhor instruir a instituição para tomada
de decisões mais fundamentadas e, portanto, mais justas. Ademais, insta
destacar que essas decisões eram, na maioria das vezes, pautadas na
análise da subjetividade individual descontextualizada e objetificada, o
que vai contra a ideia propagada pelo direito de imparcialidade.
A psicologia serviu somente como mais uma das técnicas de
exame, procedimento que substituiu cientificamente o inquérito na
produção da verdade jurídica (FOUCAULT, 1996). Um exemplo desta
visão centrada na psicopatologia objetivando a manutenção da
inquestionável ordem pública pode ser encontrada no livro Manual de
Psicologia Jurídica, de Mira Y Lópes (1945).
Ato seguinte, a legislação reconheceu a necessidade do trabalho
conjunto do psicólogo nas unidades prisionais e no judiciário. Nas
prisões se instituíram as comissões técnicas para realizar a avaliação
para progressão, em que todos concordam que é necessária a presença
de psicólogos. Ademais, na área do Direito de Família, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) veio afirmar de forma mais incisiva a
necessidade da presença do psicólogo na lida com as questões próprias
da área.
Muito embora as instituições, através da própria lei, continuem a
demandar oficialmente um trabalho pericial, a prática dos psicólogos foi
inserindo variáveis que demonstram, aos poucos, a insuficiência da
perícia. Podemos dizer que o leque de atuação dos psicólogos jurídicos
se ampliou, resultado da participação dos mesmos na construção desta
área interdisciplinar.
Basta perceber, conforme levantamento do Conselho Federal de
Psicologia (CFP, 2018) os espaços em que este psicólogo atua na prática

100
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

jurídica (Fig.1):

FIGURA 1 – Área de atuação da(o) psicóloga(o) no campo de execução penal no


Brasil

Fonte: CFP (2018, p.19).

Nos antigos Juizados de Menores e na anteriormente conhecida


como Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor - FEBEM, atual
Fundação Casa, já trabalhavam psicólogos que foram introduzindo
questionamentos acerca da função destas instituições. Hoje é consenso
que não se pode reduzir função do psicólogo à prática pericial nos moldes
em que é definida legalmente. Ao abrir o espaço de escuta do outro, o
psicólogo abre também a possibilidade de emergência do sujeito enquanto
singularidade na sua relação com a lei.
Percebemos que, no levantamento da atuação do psicólogo no
campo de execução penal no Brasil, realizado pelo CFP em 2018, os
especialistas tiveram que levar em conta também a atuação em outros

101
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

órgãos ligados ao sistema de execução penal (Judiciário, Ministério


Público e Defensoria Pública). Neste quesito, encontra-se a atuação do
psicólogo mais relacionado com a prevenção e promoção de saúde do
que apenas um técnico pericial sobre a psiquê humana.
A instituição judiciária é sempre um lugar de trabalho com o
sofrimento. Sofrimento este que, muitas das vezes, decorre do mal-estar
inerente à cultura e que encontra ali uma forma particular de se expressar
e de demandar alívio. Lugar no qual se propõe a existência do ideal da
Justiça. A Justiça é uma das mais legítimas e mais impossíveis demandas
do ser falante.
Nesse contexto, se faz necessária a presença de psicólogos em
demandas específicas, por exemplo de processos de adoção e separação
de casais que envolvam crianças e adolescentes. Esta atuação ganhou
destaque com a lei nº 12.318/2010, ou lei da alienação parental (BRASIL,
2010), que explicita o assunto e inclui a atuação do psicólogo jurídico
neste contexto.
É tão forte esta presença, que o CFP ao longo dos últimos anos
vem trazendo inúmeros debates sobre o tema, culminando na criação do
livro “Debatendo sobre alienação parental: diferentes perspectivas” (CFP,
2019). Este documento apresenta reflexões desde o conceito de alienação
parental, a partir da multiplicidade de paradigmas em psicologia, até as
diretrizes de atuação do psicólogo nestes casos. Um documento ímpar,
construído por muitos profissionais que atuam diariamente na área de
psicologia jurídica.
Outra questão que convoca a atuação do psicólogo tem relação
com os casos de crianças e, principalmente, adolescentes em conflito
com a lei. Os adolescentes se tornaram problema social e alcançaram
projeção principalmente pela questão dos delitos juvenis, da
delinquência. Por um lado, é dever social a intervenção, por outro, é
direito deles serem ouvidos. Não uma escuta que se reduza ao individual,

102
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

subjetivo, mas que, considerando-o, possa estar aberta à


multicausalidade do ato humano. Escutar o ato infracional é tarefa que
se impõe atualmente para que novas formas de intervenção possam ser
propostas.
A atual legislação brasileira procurou substituir a punição pela
educação, mas isto não foi suficiente. Se considerarmos como educação
o processo pelo qual o indivíduo socializa-se, um processo muito além
da escolarização, incluindo todas as formas transmitidas pela cultura que
nossa sociedade complexa põe a nossa disposição, perceberemos que a
educação formal, escolar, é apenas uma parte do processo educacional.
Neste contexto, a educação deve ser trabalhada numa perspectiva
socializadora, está de acordo com documentos internacionais, dos quais
o país é signatário e o fizeram adotar, segundo o CFP (2015, p.13), a
“Doutrina da Proteção Integral, o princípio do melhor interesse da
criança e o estatuto de crianças e adolescentes como seres humanos em
peculiar condição de desenvolvimento”. Esta afirmação coloca o
psicólogo jurídico, em sua atuação, a ter que considerar estes indivíduos
a partir das peculiaridades de sua formação, principalmente ao
traçarmos um paralelo entre o perfil de pessoas em que são mais severas
as desigualdades sociais e o perfil dos indivíduos que são encaminhados
para unidades de internação para cumprirem medidas socioeducativas.
Com relação às crianças, o problema da família evidencia-se
muito mais. A família passa hoje por uma transformação muito intensa.
A configuração familiar é muito diversa, desde o número crescente de
adolescentes grávidas, de mulheres que optam por criarem os filhos
sozinhas, de filhos de pais separados e das mais diversas formações de
família.
O trabalho do psicólogo com a família se coloca desde a questão
da adoção. A adoção, como não poderia deixar de ser, tem caráter
definitivo e principalmente por isto não é mais aceitável que ela se dê

103
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

simplesmente pelo pedido de um casal interessado e a escolha de uma


criança.
Ademais, casos das famílias que entram em litígio, quase sempre
se demonstra a necessidade do acompanhamento por um psicólogo
também. Nos processos que tramitam em Varas de Família é comum
enxergarmos disputas pela guarda dos filhos, acusações mútuas,
intimidades expostas num processo judicial, que afetam, diretamente, a
criança ou o adolescente envolvido.
Assim, chegam diversos processos ao judiciário com uma
construção litigiosa imaginária muito bem estabelecida na qual, em geral,
os filhos estão como objetos de disputa, sendo que a preocupação com
seu bem estar fica em segundo plano. As crianças e adolescentes
envolvidos transformam-se, por vezes, em objetos de ataques e defesas
que não são senão uma forma sintomática de lidar com a perda narcísica
implícita na desilusão amorosa.
O trabalho do psicólogo é desconstruir o litígio, escutar de cada
um qual a sua parte naquela história. Sem uma intervenção clínica no
litígio, muitas vezes o sofrimento permanece das mais diversas
demandas num processo judicial interminável. Ainda com a prolação da
sentença, mantem-se os efeitos daquela decisão na criança, que, por
diversas vezes, tem que se adaptar à uma nova realidade sozinha, sem
qualquer apoio psicológico.

Considerações finais

Como pode ser evidenciado, o Direito e a Psicologia se


aproximaram em razão da preocupação com a conduta humana.
O momento histórico pelo qual a Psicologia passou fez com que,
inicialmente, essa aproximação se desse por meio da mera realização de
diagnósticos psicossociais, dos quais as instituições judiciárias

104
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

passaram a se ocupar. Ademais, outras formas de atuação além da


avaliação psicológica ganharam força, entre elas a implantação de
medidas de proteção e socioeducativas e o encaminhamento e
acompanhamento de crianças e/ou adolescentes.
Observa-se, contudo, que a avaliação psicológica ainda é a
principal demanda dos operadores do Direito. Porém, outras atividades
de intervenção, como acompanhamento e orientação, são igualmente
importantes, tendo em vista que o Direito e a Psicologia são áreas de
atuação que devem coexistir, uma vez que seus objetivos são distintos,
buscando atender a propósitos diferenciados, mas também
complementares.
Assim, se mostra extremamente relevante, por exemplo, o
acompanhamento do psicólogo em demandas que envolvam crianças e
adolescentes, como em separações judiciais, que por vezes abalam o
emocional da criança, que é colocada como um objeto de disputa entre
os pais.

REFERÊNCIAS

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ARANTES, E. M. M. Pensando a psicologia aplicada à justiça. In: GONÇALVES, H. S.;


BRANDÃO, E. P. Psicologia jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2004,
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BARLOW, D. H.; DURAN, M. Psicopatologia: uma abordagem integrada. 2. ed. São


Paulo: Cengage Learning, 2015.

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parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm. Acesso
em: 24 mar. 2020.

BRASIL. Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, dispõe sobre os cursos de


formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l4119.htm. Acesso em: 11
mar. 2020.

105
CAPÍTULO 5 – A ressignificação da psicologia no poder judiciário: A necessidade do
acompanhamento psicológico em processos que envolvam crianças e adolescentes

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança


e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 11 mar. 2020.

BRASIL. Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, cria o Conselho Nacional dos


Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8242.htm. Acesso em: 11
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CFP. Por que somos contrários à redução da maioridade penal? Brasília: CFP,
2015.

CFP. Atuação da(o) psicóloga(o) no campo da execução penal no Brasil: Relatório


descritivo. Brasília: CFP, 2018.

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CFP. Discussões sobre depoimento especial no sistema conselhos de Psicologia.


Brasília: CFP, 2019.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed.


Porto Alegre: Artmed, 2019.

FOUCAULT, M. A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996.

JESUS, F. Breve histórico da psicologia jurídica. In: JESUS, F. Psicologia aplicada à


justiça. Goiânia: AB Editora, 2001.

MIRA Y LÓPEZ, E. Manual de Psicologia Jurídica. Buenos Aires: El Ateneo, 1945.

MOREIRA, L. E.; SOARES, L. C. E. C. Psicologia Jurídica: Notas sobre um Novo Lobo


Mau da Psicologia. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v. 39, n. 2, 2019.

106
Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Hellen Fonseca de Sousa da Costa Vale


Marta Helena de Freitas

Introdução

Na literatura psicológica contemporânea, o desenvolvimento


moral tem sido mais frequentemente abordado a partir de uma
perspectiva cognitiva e educacional. Neste trabalho, sem negar a
relevância das contribuições para a psicologia jurídica provindas destes
campos, nos propomos a aprofundar esta temática, abordando-a a partir
de uma leitura fenomenológica da psicanálise, em Freud, mas também
fundamentando-se em outros autores que têm contribuído para a
compreensão da organização psíquica e moral e suas ancoragens e
decorrências psicossociais na cultura contemporânea.
107
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Voltamo-nos mais especificamente para o modo como se dá a


reorganização psíquica moral durante a adolescência e sobre o papel
ocupado pela promessa no decorrer deste processo. A promessa, no
sentido em que a tomamos neste capítulo, é sinônimo de compromisso e
aliança, vinculando-se, portanto, àquilo que, em psicanálise, se
convencionou chamar de “Supereu”.
Após uma fundamentação teórico-conceitual e algumas reflexões
sobre os modos de ser adolescente na sociedade contemporânea,
procuramos ilustrar o exposto com trechos de falas de adolescentes que
participaram de uma pesquisa realizada em Brasília. A partir disso,
discute-se as implicações da promessa para o acompanhamento clínico
de adolescentes na contemporaneidade.

Adolescência ontem e hoje

A adolescência de outrora correspondia a um período de


constituição psíquica dos sujeitos em transição, decorrido entre a idade
infantil e a idade adulta. Era vista somente como passagem de uma fase
a outra. Hoje, isso mudou. A adolescência saiu daquele status de ser
somente um tempo de transição, para ocupar o lugar de fase do
desenvolvimento humano. Com isso, transformaram-se também os
elementos que compõem a formação do psiquismo do adolescente
contemporâneo, bem como suas construções éticas e morais. Podemos
dizer, então, que os tempos mudaram, a adolescência mudou, e a forma
como ela é concebida também mudou. Consequentemente, seu modo de
tratamento também acompanha tais mudanças.
Retomemos a origem do termo adolescência, a fim de
entendermos melhor onde esta se situava em sua origem e onde se situa
hoje, no contexto da sociedade contemporânea. Etimologicamente, a
palavra adolescência tem origem no Latim ad, que quer dizer ‘para’ +

108
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

olescere, que quer dizer ‘crescer’. Portanto, adolescência, em seu sentido


mais literal, significaria ‘crescer para’ Pereira & Pinto (2003). Ou seja,
crescer para ser adulto, cidadão e livre, ou pelo menos é o que se espera.
Por outro lado, o termo também deriva do latim adolescere, que significa
adoecer, enfermar. Deste modo, sua dupla origem etimológica sugere
uma etapa da vida com aptidão para crescer e, ao mesmo tempo, para
adoecer (OUTERAL, 1994).
Crescer e/ou adoecer são fenômenos inerentes à própria
etimologia da palavra e também à própria fase. A adolescência, já em sua
raiz, é conflituosa por si só. É reconhecida pelos clínicos como uma etapa
de conversão e desconversão e que acontece com muita rapidez. Não
obstante, pode ser entendida como uma crise necessariamente normal
e/ou desencadeante de transtornos psicológicos (ABERASTURY; KNOBEL,
1989). Em ambos os casos, o modelo sociocultural vigente reflete-se nas
construções identitárias dos jovens. De acordo com a psicanálise, o
adolescente, em seu trabalho de ressignificação de identidade, retoma o
édipo em segunda edição, com oportunidade de resolver problemas
infantis mal resolvidos, mas também com riscos de quebra, similarmente
ao que nos informa as etimologias da palavra.
Os fenômenos característicos do adolescente e suas dificuldades
a tempos vêm sendo assunto da literatura de diversas épocas, como, por
exemplo, na obra de Goethe (2006), “Os Sofrimentos Do Jovem Werther”,
marco inicial do romantismo, apresentando um jovem - e seus conflitos
- marcado por uma profunda paixão sem possibilidade de consumá-la.
Também no romance de Fiódor Dostoiévski (2015), “O Adolescente”, que
detalha a vida e os conflitos de um jovem de 19 anos numa relação
problemática com o pai e seu modo convencional de pensamento.
Contrapondo-se à visão sobre o conceito de adolescência
predominantemente naturalizante nos primórdios da psicologia e da

109
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

psicanálise. Aqui, mais uma vez, poetas e literatas se antecipam aos


cientistas e clínicos no que diz respeito aos fenômenos humanos.
Focamos essencialmente, neste trabalho, a adolescência e sua
relação com as vicissitudes típicas da modernidade. Isso não impede que
retornemos a épocas anteriores no intuito de ilustrar as mudanças
ocorridas. Ora, quando pensamos nos moldes de organização da
contemporaneidade, podemos dizer que são bem diferentes dos modos
de organização das épocas de Goethe (séc. XVIII), Dostoiévski (séc. XIX) e
até mesmo de Freud (séc XIX/XX). Naquelas épocas, o modelo de
referência era o modelo pai orientado, primava-se pela adultez, tendo em
vista que o jovem não gozava de muitos privilégios à época.
Diferentemente, nos primórdios do século XXI, podemos dizer que o
modelo de referência almejado é o da adolescência. Ou seja, a falência
dos referenciais paternos contribui para que o processo da adolescência
se mantenha esticado por longo tempo, colaborando no surgimento de
sintomatologias e novas formas de manifestações psicopatológicas
(OLIVEIRA & HANKE, 2017).
Deste modo, tanto a psicologia clínica quanto a psicanálise são
convidadas a pensar dispositivos clínicos novos para lidar com o
adolescente inserido nesta cultura. Logo, na tentativa de buscar aspectos
criativos para lidar com adolescentes desta cultura, apresentamos a tese
de que a promessa pode ser utilizada como dispositivo clínico a favor do
processo psicoterápico e, consequentemente, da construção psíquica do
adolescente em acompanhamento. Afinal, em psicanálise, não existe
pesquisa sem clínica e nem clínica sem pesquisa, sendo o saber e o
conhecimento construídos sempre a partir do encontro entre ambas.
Entendemos a promessa como ato que inaugura a aliança
terapêutica, que pode sustentar o processo, mesmo em caso de desejo
de desistência e de prevalência do mecanismo da resistência. Deste modo,
o compromisso (que nada mais é do que prometer com) levado a cabo

110
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

entre a dupla terapêutica poderá sustentar o trabalho até o fim. Prometer


e cumprir proporcionam refinamento psíquico pela renúncia, como nos
ensina Freud (1911). Além de inaugurar a aliança, o prometer consolida
o modelo de organização superegóica do adolescente diante dos
movimentos pulsionais. Isto é, a promessa é aqui entendida como esteio
do dever ser e dos ideais, constituinte de uma parte da moral e do
supereu. Cabe ressaltar que aprofundaremos o assunto do supereu em
outro trabalho. No escopo deste capítulo, focaremos na promessa como
dispositivo inaugural dos vínculos, da aliança terapêutica, e seu papel na
formação do psiquismo moral do adolescente de nossa cultura. Além da
fundamentação teórica concernente, apresentaremos trechos de falas e
situações clínicas envolvendo adolescentes contemporâneos para
ilustrar esta tese.
É notória a presença e a necessidade, mesmo que
transversalmente, da aliança terapêutica como condição para
manutenção e continuidade do processo clínico em qualquer vertente
teórica da psicologia. Mas são poucos os estudos que tratam da aliança
terapêutica com adolescentes Cecchettini (2016). Mais raros, ainda, são
estudos que tratam da promessa ligada à clínica com adolescente (VALE;
MARTINS, 2017). Ora, parece que a clínica com adolescentes resguarda
suas peculiaridades e (im)possibilidades, desde o início (VALE, 2015).
Sabemos que a cultura atual é referida como a cultura do excesso
e da liquidez (BAUMAN, 2001). Sintomatologias associadas ao esse tempo
pedem urgência de estudos efetivos sobre o tema da adolescência. Como
exemplo caricatural, temos o fenômeno ocorrido em 2017, sobretudo no
Brasil, chamado de Baleia azul Berdinelli e Martín (2017). Além disso, de
modo geral e em escala global, temos a violência, a depressão e o suicídio
como principais fantasmas voltados à realidade dos adolescentes e das
instituições que os cercam (família, igreja, escola, Estado, medicina,
dentre outros). Conforme dados alarmantes da Organização Mundial da

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CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Saúde (OPAS/OMS, 2018), o suicídio, segunda maior causa de morte entre


jovens de 15 a 29 anos, acomete mais de 800 mil pessoas. A primeira
causa é a violência.
Dados preocupantes e que, de certa forma, são reinterpretados
qualitativamente por autores igualmente contemporâneos e de extrema
relevância, como Balman (2001), Calligaris (2003), Lipovetski (2004),
Ávila (2011) e Monteiro e Macedo (2016), relacionando-as também às
mudanças significativas no tornar-se adolescente a partir das profundas
transformações sociais e culturais das últimas décadas. Hoje, temos a
adolescência aplaudida como ideal cultural a ser alcançado a qualquer
preço. Temos ainda a falta de parâmetros necessários à construção do
adolescente no mundo. Nossa cultura atual não oferece ao adolescente,
direção definida do que é ser adulto e seus diferentes papéis sociais.
Essas duas “ausências” devem ser levadas em consideração quando
pensamos nas ressignificações necessárias à fase.
Podemos dizer que, por conta do afrouxamento dos laços sociais,
a função paterna em derrocada pode ser uma ameaça à construção dos
adolescentes e ao pacto social civilizatório necessário a essa construção.
Sônia Alberti (2009), no livro “Esse sujeito adolescente”, intitula o quarto
capítulo com a frase “Viver é amarração”. A autora discorre sobre
passagem ao ato - acting-out - e ato suicídio em Freud e Lacan. Apresenta
o ato falho suicida como a desistência de apelar ao Outro do saber. Como
a falta de esperança em algo que poderia sustentar e a desistência das
amarrações necessárias à vida.
Concordamos com a autora, e entendemos que, de fato, viver é
amarração, é laço, é contato e também contrato, inclusive o contrato
social e o pacto civilizatório. Aproximamo-nos também das concepções
de Benveniste (2005) e Searle (1984), acreditando que essa amarração
pode ser dada por meio dos modos como o sujeito assume os verbos na
linguagem. Benveniste (2005) afirma que verbos como “jurar, prometer,

112
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

garantir, certificar” demonstram, dentre outras coisas, a subjetividade


de quem os pronuncia, colocando aquele que diz tanto no lugar de dizer
como no lugar de assumir o que é dito. Eis, literalmente, o que o autor
referencia:

O mesmo verbo, segundo seja assumido por um ‘sujeito’ ou esteja


colocado fora da ‘pessoa’, toma um valor diferente. É uma
consequência do fato de que a própria instância de discurso que
contém o verbo apresenta o ato, ao mesmo tempo em que
fundamenta o sujeito. Assim, o ato é cumprido pela Subjetividade
na e pela linguagem instância de enunciação do seu ‘nome’ (que é
jurar), ao mesmo tempo em que o sujeito é apresentado pela
instância de enunciação do seu indicador (que é ‘eu’). (BENVENISTE,
2005, p.292).

Ademais, entendemos que os verbos jurar, prometer e se


comprometer são verbos que fazem o engajamento social, possibilitando,
assim, uma amarração ao Outro da civilização. A ligação que Freud (1930)
evidencia ao falar de Eros e pulsão de vida. Ora, percebemos que o Eros
freudiano, necessário à vida, às construções e às ligações, na sociedade
atual, vem sendo aniquilado pelo dever-ser e dever-ter a qualquer custo.
Potencializados pela era tecnológica, pelos avanços científicos, pela
mídia e pelo capitalismo, a promessa de realização do ideal, travestida
pelo ‘dever-ser’ e ‘dever-ter’, torna-se o principal sintoma da atualidade.
Presenciamos um contexto social mundial em que o imperativo
na sociedade é: seja sempre jovem, seja sempre feliz, você deve querer,
você deve e pode ter, você consegue, você pode, goze! Contanto, claro,
que tenha o aparato econômico necessário para isso! Isso retira o dever-
ser da posição de almejar o tornar-se uma pessoa integra, sábia, que
valoriza a honra, a evolução intelectual e o ideal, e abarca um dever-ser
de acúmulo de riquezas, que fantasiosamente produz um imaginário de
que se pode o que quiser, desde que se tenha o poder financeiro para
isso. Como aponta Ávila (2011), até poucas décadas atrás o adolescente
desejava com todas as suas forças tornar-se adulto, participar do mundo

113
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

dos adultos e ser reconhecido como tal; agora, entretanto, são os adultos
que primam por serem adolescentes, agindo, frequentemente, de forma
até descompromissada.
Então, nosso questionamento central é: como ficam as
construções do psiquismo moral desses sujeitos na sociedade
contemporânea - dita por alguns de pós-moderna - que tornou mais
complexa a entrada na vida adulta, chegando a potencializar o
prolongamento do processo adolescente ao ter como balizador principal,
do dever e da obrigação, o imperativo do gozo?
No intuito de responder à pergunta problema colocada acima,
temos como principal objetivo, neste texto, evidenciar os
entrelaçamentos entre a formação moral e os modos de
comprometimentos dos adolescentes de hoje. Partimos do princípio de
que entender sobre questões referentes às promessas e aos
compromissos pode servir como dispositivo clínico no trabalho
psicológico com adolescentes. Ou seja, prometer, comprometer-se e
cumprir são condições necessárias para que o adolescente saia da
condição de alienação diante do discurso social e se responsabilize por
suas palavras e/ou atos. Ato de promessa implica ato de renúncia,
favorecendo a construção do pacto civilizatório e, simultaneamente, das
identidades pessoais.
Nas análises, simultaneamente psicossociais e clínicas, de relatos,
depoimentos e situação clínica, desenvolvidas ao longo deste artigo,
procuraremos ilustrar com atos de fala que mostram o lugar da
adolescência nos dias de hoje. Deste modo, inicialmente apresentadas
em parágrafos, no intuito de evidenciar o teor do discurso, as vinhetas
serão comentadas, buscando situar uma direção geral de sentido. Os
recortes, a nível da frase, têm o intuito de apresentar a significação dos
verbos enquanto ato mental referente aos destinos pulsionais.
Essa tal adolescência

114
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Compreendemos a adolescência como ligada diretamente ao


corpo, mas também e fundamentalmente, à cultura. Simultaneamente,
concordamos com a psicanalista argentina Alba Flesler (2012): o sujeito
não tem idades, mas sim, apresenta tempos. Nesta mesma linha de
raciocínio, Freud (1911) nos ensina que o inconsciente não pode ser
apreendido em termos de idade cronológica, mas sim, de modelos de
funcionamento. Assim, apesar de sabermos que é por conta de mudanças
corporais que a adolescência ascende, assumimos que, mais importante
que delimitar idade dos acontecimentos, é entender o modelo de
funcionamento acontecimental, construído mediante relações do corpo
vivido com a cultura e sociedade atual.
Vale lembrar, a título de exemplo, o que ressalta o autor Levisky
(1998): podemos encontrar, em nossa sociedade, sujeitos que vivenciam
o processo da adolescência de forma extremamente curta, devido às
contingências socioeconômicas que forçam o sujeito a mergulhar na vida
adulta sem ter tido tempo suficiente para amadurecer e elaborar seus
conflitos maturacionais. Mas, existem também aqueles que protelam ao
máximo essa vivência. Esses últimos são sujeitos cronologicamente
adultos, mas que estendem seu processo adolescente no tempo,
mantendo-se em um estado de dependência afetiva e econômica. Assim,
por medo de assumirem responsabilidades, prolongam o estado de
imaturidade por tempo indeterminado (GURSKI; PEREIRA, 2016).
O fenômeno da adolescência, encurtada pelas contingências
sociais e econômicas, fica evidente nas falas de adolescentes de hoje3,
como os exemplos de W. e K, apresentados adiante. Na sequência, o
fenômeno da adolescência estendida será também exemplificado, com

3
Estes exemplos foram colhidos de entrevistas realizadas em pesquisa de
iniciação científica orientada pela primeira autora e devidamente submetida ao
comitê de ética em pesquisa – processo número CAAE:11831818.0.0000.8118.
115
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

depoimentos daqueles que adiam as responsabilidades e decisões da


vida adulta, fazendo da adolescência o seu modo de vida.
W. é um adolescente do sexo masculino, de 17 anos. Quando
perguntado em qual período da vida considerava estar (criança,
adolescente ou adulto) ele responde:

Basicamente eu pulei a fase da adolescência (breve silêncio). Por


fatores familiares mesmo e por questões de responsabilidade
mesmo. Eu sou brincalhão e tudo mais. Eu gosto muito de brincar
com as pessoas, só que, na hora de ser sério, eu tenho que ser sério.
Então eu considero que estooouuu (mudança de entonação) indo
para a fase adulta, meio que, pulando a adolescência. Eu me
considero um adulto responsável já! Eu penso em muita coisa, eu
penso muito na responsabilidade de casa. Tanto nas
responsabilidades que não são minhas.

A referência de W. ao verbo dever, quando relata: “eu tenho que


ser sério”, evidencia sua organização moral. Ou seja, o dever o leva a ter
de pensar em muita coisa, inclusive em coisas que julga não ser da alçada
dele. Ele prima pelo dever em detrimento do querer, mesmo que isso
possa lhe causar um mal-estar e a sensação de não se sentir vivenciando
o processo adolescente do modo como a sociedade exige.
Assim como K., uma moça de 19 anos, ao responder à mesma
pergunta, diz:

Agora eu me considero adulta. Porque, eu senti o impacto, é, de


começar a enfrentar as responsabilidades, ter que ir atrás das coisas.
Porque, eu notei isso: que quando eu estava mais na minha fase de
adolescência, não era assim. Eu senti muito o impacto,
principalmente quando eu entrei na faculdade. E eu me sinto uma
adulta devido s responsabilidades. Isso veio, saindo do ensino
médio indo para a faculdade.

Neste caso, a frase “começar a enfrentar as responsabilidades e


ter que ir atrás das coisas”, também evidencia a ocorrência do dever - o
de se emancipar e responsabilizar-se pelas obrigações atuais e pelo
próprio devir - agora não mais atribuído ao outro.

116
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Ambos os jovens associam o dever, a responsabilidade e a


autonomia à fase adulta. W. continua dizendo:

Bom, prá mim, ser adolescente é realmente: brincar, se divertir, é


geralmente não ligar pras coisas. Geralmente o que vejo, a maioria
dos adolescentes não ligando para as coisas, não se importando com
os valores. Os valores das coisas mesmo. Porque, como eles querem
diversão, que já foi impregnado que essa é a melhor fase, a fase que
tem que aproveitar e curtir.

Tal relato confirma que o modelo de adolescência ideal


internalizado no psiquismo de W. é o modelo de descompromisso e não
responsabilização das ações no mundo. A única cobrança, inclusive do
mundo adulto, é por aproveitar e curtir a fase. Isso evidencia que o
discurso social que predomina é o do anseio por anular a experiência
organizadora do sujeito, a castração. Deste modo, aquele que não
compartilha deste modelo experimenta sentimentos de inadequação e
impressões de não ter vivenciado ou ter atropelado a adolescência e
pulado diretamente para os compromissos adultos. W. sente que
renunciou à sua adolescência em detrimento das responsabilidades que
julga ser somente do mundo dos adultos.
Já a entrevistada K. considera que teve uma adolescência
conturbada por rupturas vivenciadas na escola com grupos de amizade.
Ela conta que sua saída da infância também foi impactante e que a
ruptura com o grupo do qual fazia parte a afetou muito, culminando no
comportamento de automutilação e marcando “negativamente” sua
adolescência e sua relação com os pais. Relata que, quando os pais
ficaram sabendo de suas automutilações, ficaram “muito mal”, mas
depois passaram a “não ligar mais”. Ou então a cobrar de K. amor e
gratidão por eles, e a se preocuparem com o que os outros iam pensar
deles se ela morresse. Sobre esse momento, a jovem diz: “a tristeza foi
substituída pela culpa (silêncio). Eu não sei se superei. Acho que eu superei

117
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

mais ou menos.” Isto é, agora ela tem como dever, imposto pelos pais,
manter-se viva, e além disso, ir em busca de sua emancipação. Uma forma
e tanto de superação, que coloca a jovem diante de novas exigências, mas
também diante da renúncia pulsional.
K. sente a ruptura da fase adolescente e sinaliza o caminho para
a fase adulta, ainda caracterizado pelo saber e não saber sobre as
responsabilidades e preocupações com o que ela chama de “coisas do
mundo adulto”. Fala de uma tomada de consciência:

Pra mim, adulto vai ser, você ser consciente das suas
responsabilidades, das suas decisões. Agora, adolescente, acho
que... é ainda não saber direito. Não ter o conhecimento da
importância dessas responsabilidades, sabe? Na adolescência, você
não tem preocupação das coisas adultas. De passar numa federal,
num curso. Tirar identidade, carteira de trabalho. Você não tem
consciência dessas responsabilidades.

Poderíamos incluir a responsabilidade do compromisso com a


alteridade e de ter de se manter viva? Ainda em seu relato, fala do
impacto que sentiu ao ter “de começar a enfrentar as responsabilidades
da vida e ter de ir atrás das coisas”, sobretudo quando terminou o ensino
médio e foi para a faculdade, demarcando bem os lugares e momentos
de mudança e de posições de autonomia e responsabilização no mundo.
A jovem hoje cursa psicologia.
Os dois relatos demonstram o imaginário difundido na nossa
cultura, de que o crescimento e a responsabilização, ou seja, o dever, são
tidos como algo negativo na adolescência, levando os jovens a sofrer e
buscar o adiamento da adultez. Mesmo quando as contingências da vida
se impõem e impossibilitam esse adiamento, o desejo por esse
adiamento parece continuar. Ressalte-se que, apesar do mal-estar
explicitado em seus discursos, dentre 13 jovens entrevistados, esses
foram os únicos a demonstrarem, mesmo em meio a problemas, a

118
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

construção moral pautada no “dever ser”, mantendo-os engajados em


laços e contrato sociais.

O lugar social da adolescência e suas respectivas promessas

Adolescência e pubescência demarcam mudanças. Adolescência


é tida como conceito simbólico construído socialmente. Já a pubescência,
embora mais vinculada às transformações corporais, é interpretada e
vivida socialmente de modo também variável em diferentes culturas. Por
exemplo, na Amazônia brasileira, jovens de 11 anos que menstruam são
logo consideradas mulheres e têm vida sexual precoce, se comparamos
como a pubescência na Suécia, que ocorre entre 16 e 20 anos. Então, de
certa maneira, o que importa não é propriamente só o fato biológico da
menarca, mas o seu simbolismo.
A variabilidade no modo de viver a adolescência ao longo das
épocas fica evidente quando comparamos os modos como era
experimentada e compreendida nos séculos XIX e XX e como isto ocorre
na atualidade. Isso fica ilustrado, por exemplo, quando tomamos a
grande obra de Gilberto Freyre (2013), “Sobrados e Mucambos”.
Constatamos, a partir dela, que as promessas implícitas na regulação do
contrato social eram bem diferentes das promessas de hoje. À época, a
infância também tinha conotação diferente, mas a oposição entre as duas
fases fica bastante clara quando o escritor descreve o menino que
ascende a uma determinada idade, que não é mais uma criança
pequena/anjo, e nem ainda um adulto. Esse menino era conhecido como
o párvulo, e é assim caracterizado na obra:

Havia um sentimento de completa inferioridade em relação a si e ao


mundo do adulto. Tamanho é o prestígio do homem feito, nas
sociedades patriarcais, que o menino, com vergonha da meninice,
deixa-se amadurecer, morbidamente, antes do tempo. Sente gosto
na precocidade que o liberta da grande vergonha de ser menino. Da
119
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

inferioridade de ser párvulo. Tamanho é o prestígio da idade grande,


avançada, provecta, naquelas sociedades, que o rapaz imita o velho
desde a adolescência. E trata de esconder por trás de barbas de
mouro, de óculos de velho, ou simplesmente, de uma fisionomia
sempre severa, todo o brilho da mocidade, toda alegria da
adolescência, todo o resto da meninice que lhe fique dançando nos
olhos ou animando-lhe os gestos. (FREYRE, 2013, p. 177).

Do ponto de vista histórico, acerca da infância e da


adolescência/juventude no Brasil, percebemos, com Gilberto Freyre
(2013), que, dentro do sistema patriarcal, existia clara diferenciação
entre o menino e o homem, dada inclusive pela imensa distância social
entre ambos. Esta diferença tão grande entre o “párvulo” e o “adulto” é
tão marcante quanto as diferenças que separam os sexos e as classes - o
“forte” do “fraco”, a dominadora da servil – e, muitas vezes, sob o
disfarce de raça ou casta “superior” e “inferior”.
A meninice nas sociedades patriarcais era uma fase curta. A
criança era vista e idealizada como algo próximo do angelical. Era-lhe
permitido até andar nu dentro de casa. Mas, quando ascendia ao sexto
ou sétimo ano, era logo quebrada a asa do anjo, e este se tornava o
menino diabo. As promessas que demarcavam a ascensão da criança anjo
para o menino diabo, no contrato social da época descrita por Freyre,
determinavam o modo como a sociedade tratava suas crianças e a forma
como essas crianças se comportavam perante o social e as fases de seus
ciclos de vida, levando os meninos a desejarem tornar-se logo homens
adultos.
Por consequência, aumenta a oposição entre menino e homem,
entre pai e filho. Tal oposição se dava em decorrência do grande prestígio
do homem adulto e ao desprestígio do párvulo, a ponto de levar o menino
a ter vergonha de sua meninice, fazendo com que desejasse amadurecer
o quanto antes. Para tal, o rapaz imitava o velho desde a adolescência,
no intuito de ser liberto de tal vergonha e inferioridade por ser párvulo.

120
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

As imitações iam desde o uso de óculos de velho, combinado com uma


fisionomia severa, até às barbas de mouro (FREYRE, 2013).
Párvulo é sinônimo de menino, garoto, moço, gaiato, criança,
petiz, rapaz, muchacho. O párvulo, para Freyre, seria o menino danado,
custoso, de 11 anos. Párvulo vem de parvo, que quer dizer infantil, pouco
inteligente, parvoíce, ou aquele que não fala em nome próprio, como o
infans. Se existe a tendência em opor-se, biologicamente, pubescência e
adolescência, com Freyre, agora temos a oposição entre párvulo e
cidadão, pessoa. O autor diz que as crianças eram forçadas a ficarem
adultas rápido, na base da pisa e da palmatória. Obrigados a ter bigodes.
Entendemos a noção de adolescência de hoje como intermediária às
oposições citadas.
Os discursos produzidos pelo mundo adulto emolduram espaços
e atos morais que o adolescente pode participar e praticar, estabelecendo
assim princípios e conceitos norteadores de acordo com o contexto da
época. Por decorrência, estabelecem modelos de promessas os mais
diversos. Então, na época retratada no romance de Freyre, ser adulto
passa a ser um valor e a promessa em pauta era a de ser valorizado por
ser um homem responsável. No entanto, hoje a nossa cultura não oferece
direções claras que orientem os adolescentes em seus percursos. Além
disso, a promessa implícita é pautada pela realização do ideal hedonista,
o que pode levar a um gozo mortífero, que se apresenta em uma
valoração negativa do ser adulto.
Percebemos que, nas últimas sete décadas, ocorreram mudanças
na estrutura do laço social, mudanças referentes às virtudes, valores,
moralidade, ética, e cultura em geral, que trouxeram consequências para
a organização estrutural da sociedade. Assim como Maia (2004, p. 61),
também não temos o intuito de julgar em boas ou más, melhores ou
piores as épocas passadas e a atual, mas sim entender analiticamente
aquilo que vem se modificando no campo social e que traz alterações

121
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

para a constituição do campo subjetivo e, consequentemente


caracterizando novas formas de configurações de sofrimentos humanos.
Está claro, para nós, que a moral na nossa sociedade não se
evidencia mais da mesma forma que se evidenciava no início do século
XX. Sabemos que, na época em que Freud (1856-1939) escreveu sua teoria,
a moral social era pai orientada, isto é, tinha como principal função o pai,
era pautada por um discurso de dever austero e regular, em que os
mandamentos “pai-orientados” ordenavam submissão do desejo às leis
morais, principalmente quando se tratava de questões sexuais. Hoje,
notamos que não se trata mais do mesmo modelo de organização moral
e ética da época vitoriana. Na atualidade, ações éticas combinam com
divertimento, com interesse econômico e liberdade individual. Como nos
diz o filósofo Lipovetsky:

A minha hipótese é que estamos na terceira fase da história da moral,


que chamo de fase pós-moralista, a qual rompe, embora o
complementando, o processo de secularização acionado no fim do
século XVII e no século XVIII. Sociedade pós moralista, não
sociedade pós-moral; sociedade que exalta mais os desejos, o ego, a
felicidade, o bem-estar individual, do que ideal de abnegação. Nossa
cultura cotidiana desde os anos 1950 e 1960 não é mais dominada
pelos grandes imperativos do dever sacrificial e difícil, mas pela
felicidade, pelo sucesso pessoal, pelos direitos dos indivíduos, não
mais pelos seus deveres. (LIPOVETSKY, 2004, p. 27)

De acordo com a citação do filósofo, o modelo de organização


ética passa de uma ética da razão para uma ética do desejo, na sociedade
atual, pós-moderna, pós-moralista. Desde a década de 50 e 60, segundo
Lipovetsky (2004), felicidade, bem-estar, sucesso, passam a ser exaltados
no lugar de imperativos de sacrifício e abnegação. O que antes era
denominado moral individual, dever em relação a si mesmo, e.g.,
castidade, higiene, trabalho, parcimônia, reveste-se agora de nova
interpretação, configurando-se como direito e liberdade individual.
Para exemplificar, retomemos as falas de W.

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CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Geralmente o que vejo, a maioria dos adolescentes não ligando para


as coisas, não se importando com os valores. Os valores das coisas
mesmo. Porque, como eles querem diversão, que já foi impregnado
que essa é a melhor fase, a fase que tem que aproveitar e curtir.
Sendo que eu acho que todas as fases têm que aproveitar e curtir.
Ééé, eles não têm muito valores nas coisas. Isso que geralmente gera
os conflitos familiares, que é o que eu vejo muito. Conflito entre
adolescente e com pai, porque as vezes não tem valor e o pai quer
impor um valor e, dá muita briga.
Então, pra mim adolescente é, (pequena pausa) essa pessoa. Jovem
que quer mesmo se divertir e tudo mais. Não quer estar sobre regras.
Que eu acho um dos pontos principais. Sendo que eu acho que as
regras são necessárias. Mesmo as vezes a gente quereno, todos nós,
eu acho, encabular algumas, pular algumas. É isso pra mim.

A fala de W. remonta ao conflito atual de alguns jovens e mesmo


adultos de hoje. O conflito entre duas modalidades de valores: de um
lado, a de se tornarem adultos comprometidos e tudo que isso acarreta;
de outro, a de continuarem felizes a qualquer custo, livres dos deveres,
sem regras e sem responsabilidades. Ora, sabemos o quanto os processos
de continência e o holding winnicottiano são importantes para a
construção do ser Medeiros, Aiello-Vaisberg e José (2014). Contudo, para
a maioria dos jovens, podemos dizer que os deveres continuam, mas
agora não mais imbricados ao ideal de ser um grande homem, mas sim
ao dever de ter, possuir, poder, ser feliz o todo tempo. Neste sentido,
podemos dizer que passamos para um contexto social do qual o Ter tem
prioridade em relação ao Ser. E é nesse cenário atual que se constroem
os processos de subjetivação e de identidade dos adolescentes
contemporâneos, como se vê nas falas dos entrevistados, afirmando que
deixarão de ser adolescentes quando puderem assumir
responsabilidades financeiras, ou seja, só serão responsáveis se tiverem
dinheiro para pagar suas próprias contas e despesas.
Ora, a grande maioria dos adultos e adolescentes de hoje estão
preocupados apenas com a emancipação financeira, e se esquecem do
valor e da importância da emancipação psicológica e emocional. Então
123
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

temos também adultos/adolescentes ou adultescentes (GURSKI; PEREIRA,


2016) que esticam o tempo de “fazer-se sujeito”, vivenciando uma
“adolescência sem fim”, e que, frequentemente, mesmo com 40 anos de
idade ainda moram na casa dos pais, adiando a responsabilização do
tempo adulto, e levando uma vida pautada somente pelo gozo imediato.
Todas as transformações sociais trouxeram novas configurações,
mas que parecem não se apresentam de uma forma sólida. O sociólogo
polonês Zygmunt Bauman (2001, p. 9) utiliza a metáfora da fluidez, ou
liquidez, ao refletir sobre as transformações do mundo atual. E
argumenta: “Imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ações de
curto prazo, destituída de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é
imaginar, de fato, uma existência sem sentido”.
De fato, existência desesperadora e sem sentido nunca esteve tão
presente como em nossa época. A clínica nos mostra isso cotidianamente.
A crescente quantidade de sintomas da atualidade, e.g., autoextermínio,
escarificações, depressões, drogadições, dentre outros, reafirma isso.
Bauman (1998, p. 10) também escreve sobre esse fenômeno e alfineta:
“Se obscuros e monótonos dias assombraram os que procuravam a
segurança, noites insones são a desgraça dos livres. Em ambos os casos,
a felicidade soçobra. ”
A liberdade exacerbada de nosso tempo fica exemplifica na
vinheta reproduzida dos relatos de. L., 15 anos. Ao ser perguntado sobre
o que pode e o que não pode na adolescência, responde: “Na verdade,
não tem regra do que pode e não pode fazer. Ele faz qualquer coisa, né.
Mas cada um faz sua limitação né, cada um sabe o que é errado e o que
não é. Mas cada um faz o que dá na telha”. Outra jovem, D., 18 anos,
assim responde à mesma pergunta:

Assim, sinceramente acho que pode tudo! Que é aquela fase que
você está na experiência pra você se tornar um adulto né. É aquela
fase meio termo. Então, você precisa passar por coisa. Pra saber o

124
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

que é certo e o que é errado, pra você formar sua moral e sua ética.
Pra no futuro você ser uma pessoa melhor, então eu acho que pode
tudo.

Surpreendetemente, na grande maioria das entrevistas, quando


os adolescentes foram perguntados sobre querer, poder e dever em
relação ao namoro, sexo e drogas, 12 dos 13 entrevistados, responderam
com o verbo “posso” em todos os quesitos. No quesito drogas, o
adolescente L. relata: “eu fumo maconha só, só, só. Drogas em geral são
horríveis! Cocaína, LCD, crack qualquer coisa assim, eu corro longe. Mas
eu gosto de fumar maconha. Eu uso maconha quando eu tô muito
estressado. Eu fumo e relaxo”.
Para L., a saída para o desconforto é o uso da maconha. Podemos
dizer que, para muitos outros jovens, também. Sucumbem a um impulso
momentâneo a fim de dar conta do mal-estar inerente à vida. No entanto,
“uma vida de impulsos momentâneos, de ações de curto prazo” (BALMAN,
2001) vai na contramão daquilo que entendemos como promessa,
confirmando a importância de qualificar os atos promissivos como
possibilitadores de minimizar destinos cruéis. O autor não fala
especificamente em adolescentes. Mas pensemos essa existência sem
sentido, potencializada pela fase da adolescência associada a modelos
relacionais, éticos e morais vividos na atualmente. Um pensar que nos
ocupa, assusta e preocupa!
Ainda de acordo com Bauman (1998), a exigência contemporânea
está relacionada a um ideal de liberdade, só que liberdade no sentido de
poder fazer tudo (o que sabemos ser uma visão equivocada do sentido
de liberdade). Diferentemente da época de Freyre e Freud, reconhecida
como época moderna, em que o ideal era pautado pelo desejo de controle
e ordem, visando a necessidade de construir um mundo sólido, seguro,
limpo, coerente, estável, puro. Entendemos que segurança foi uma das
promessas modernas de um mundo melhor.

125
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Ou seja, houve um deslocamento nos modos e formas de viver e


pensar por conta das diferenças das promessas sociais referentes a cada
época. Portanto, podemos dizer que as identidades, ao longo do tempo,
passam a ser redefinidas, de Freud (1930), com o Mal-estar na civilização,
à Bauman (1998), com o Mal-estar da modernidade líquida. A partir das
discussões desses dois renomados autores, percebemos que a
adolescência passa de uma construção psíquica onde a sociedade era
orientada por uma ideia de culpa, com ideais de regulamentação e
controle, para uma nova construção, onde a sociedade é orientada pela
ideia de desregulamentação e insegurança, da qual trata Bauman (1998).
Neste caso, nos perguntamos: o que implicitamente cada construção nos
propõe enquanto promessa e regulação do contrato social humano?
Poderíamos dizer que ‘poder tudo’ é a promessa implicada no modelo
atual?
Na época de Freyre (2013), o párvulo tinha vergonha de sua
meninice e imitava o adulto, forçando o amadurecimento antes da hora
por desejar ter o prestígio de um homem adulto logo. Em nossa época,
os adultos buscam imitar e concorrer com os adolescentes, evidenciando
o sumiço das barreiras geracionais e a tentativa de escamotear a lei e os
interditos por medo de conflitos relacionais entre pais e filhos
(EMMANUELLI, 2008). Podemos dizer que, em ambas as épocas, a crise da
adolescência é marcada pela problemática identificatória. Então, nos
perguntamos: quais promessas estão implicadas no modo de
funcionamento social do adolescente de hoje? Se os adultos desejam
retornar ao modelo que construímos como sendo dos adolescentes,
“liberdade sem responsabilidades”, como fica a questão identificatória?
As questões identificatórias possuem um grande impacto na
regulação do adolescente no mundo, como nos ensina Viola, Moreira e
Teixeira (2018). Por outro lado, são reverberados pelas mídias,
tecnologias e globalização, formatos de identificação que podem trazer

126
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

consequências graves para os sujeitos em transição. A tecnologia nos


possibilitou a fantasia de que não precisamos envelhecer. A mídia
possibilita a propagação de materiais que prometem juventude
prolongada. As redes sociais mostram uma visão “perfeita” das
realidades. Os aparelhos eletrônicos prometem aproximação. O
imediatismo também é fenômeno presente. Ou seja, diversos
acontecimentos potencializaram a falsa sensação de que podemos ter
tudo o que queremos. Então, o que quero, acredito que posso. O que leva,
facilmente, a um funcionamento infantil: quero e posso, agora!
Diante do exposto, temos seres humanos que vêm ao encontro
um do outro com uma ânsia acrescida da pressa em logo possuir, realizar,
ter, gozar. Como denuncia Ávila (2011, p.5), “fica-se” depressa demais,
“vai-se para a cama” cedo demais, junta-se e separa-se com sofreguidão.
O amor hoje é urgente e imediatista, não admite delongas, não espera,
não promete, não aguenta”. Neste contexto, parece não ter mais espaço
aquele amor referenciado em 1Coríntios 13:4-13, “paciente, benigno, que
não se conduz inconveniente, tudo espera, tudo sofre, tudo crê e jamais
acaba”. Tornou-se ele, obsoleto para a época hipermoderna e liquida?

As promessas na clínica com o adolescente

Diante de todas as mudanças em nosso formato de organização


social, como a clínica psicológica pode contribuir para minimizar os
sofrimentos presentes na vida dos jovens? Responder a esta questão
exige mais atenção ao modo de comprometimento dos adolescentes.
Entendemos que proporcionar espaços para o jovem prometer e se
comprometer são condições necessárias a um bom engajamento e,
consequentemente, para mudanças favoráveis à constituição psíquica
dos sujeitos. Ilustremos com um caso clínico.

127
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

Trata-se de um jovem de 18 anos de idade, ainda psiquicamente


adolescente, com uma história de vida permeada por perdas e tragédias.
É o filho do meio, tendo mais um casal de irmãos. Sempre teve uma
família restrita e, com a morte dos pais, sua família restringe-se hoje a
apenas esses dois irmãos. Perdeu o pai quando tinha seis anos, o que
contribuiu para as dificuldades financeiras. Também perdeu a mãe
recentemente. Chega à psicoterapia via pedido de terceiros, que faziam
parte da mesma comunidade religiosa que a mãe frequentava quando
estava viva. No momento do primeiro encontro, encontrava-se ainda em
processo de luto, devido à perda da mãe há apenas cinco meses, de uma
forma trágica e repentina (não citaremos mais detalhes no intuito de
guardar o sigilo da clínica e em respeito ao paciente).
Na primeira sessão, conta que perdeu a esperança de vez após a
morte da mãe. Queixa-se de sintomas depressivos graves e pensamentos
suicida. Conta sobre não ter ânimo para nenhuma atividade, diz que, para
chegar até a terapia, foi muito difícil, e não sabe se conseguirá retornar
nas sessões seguintes. Nós o recebemos de forma quase maternal.
Escutando e acolhendo sua dor e sofrer, que, naquele momento,
transbordavam para além do discurso, apresentando-se no corpo.
Percebemos, em sua fala, que, apesar da dor e dos sintomas, ele possuía
recursos superegóicas que contribuíam para levar os compromissos a
sério. Decidimos usar tais recursos a nosso favor. Ao final, qualificamos
seu pedido de ajuda, e dissemos a ele que tínhamos esperança o bastante
para emprestar-lhe um pouco. Reiteramos que é possível tornar a vida
possível sim, e que poderíamos seguir juntos na tentativa de obter
alguma melhora. Com isso, implicitamente, enquanto terapeuta, fizemos
uma promessa, de seguirmos junto com ele durante o processo.
Ressaltamos sobre os possíveis obstáculos e dissemos que, se
fosse mesmo começar, não poderia ceder. Esboçamos minimamente
como funciona a terapia e estabelecemos algumas regras quanto aos

128
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

horários e dias. Nos comprometemos de saída e, por fim, demos espaço


para que ele escolhesse iniciar ou não o tratamento. Ele reconheceu que
precisava de ajuda, mas que não sabia se tinha forças para fazer algo no
momento. Pensou e respondeu que queria o acompanhamento.
Reiteramos que, com aquela fala, estaríamos fazendo um contrato verbal
que teria muito valor para a terapia e para nós, e que, por mais que o
desânimo e a vontade de não comparecer se apresentassem, ele não
poderia deixar de ir ao nosso compromisso.
Nas três sessões seguintes, o paciente compareceu no horário,
como combinado. Disse ter sentido uma pequena melhora após o último
atendimento. O que sabemos ser comum nas sessões iniciais, devido à
catarse. Mas, sempre com pensamentos pessimistas e negativos, ainda
não acreditava que sua dor pudesse passar. A importância do
compromisso firmado inicialmente ficou bem clara quando, passadas
quatro semanas de acompanhamento, ele chegou com pequeno atraso na
sessão, demonstrando aparência abatida e desanimada, informando que
quase não conseguiu ir ao atendimento. Entretanto, complementou
dizendo: “mas, eu te prometi, só por isso eu vim” (sic). Um ato de fala
performático, tal como descrito por Benveniste (2005) e Searle (1984),
que o levou a fazer atos no presente do indicativo e a cumprir com o seu
compromisso. Ele se responsabilizou pela palavra dada e escolheu
comparecer e não ceder frente às resistências e aos sintomas.
A situação descrita acima corrobora o quanto o
comprometimento deve ser qualificado em sessões iniciais. Ele serviu de
sustento para não sucumbir ao desânimo, aos sintomas e às resistências
inerentes ao processo, dando possibilidades de continuar a ter
esperanças, de elaborar seu luto, se haver com a psicoterapia e de se
reconstruir mesmo em meio ao caos. Entendemos, então, que uma
promessa se desdobra em três importantes verbos dos quais acreditamos
serem os representantes da moral e dos valores humanos, auxiliando

129
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

diretamente na montagem e estruturação superegóica. São eles: querer,


poder e dever.
A promessa é o esteio do dever ser e dos ideais, pois pode
sustentar o futuro através de atos no presente. Exemplo disso são as
renúncias feitas por pessoas que estão engajadas em alguma religião.
Renunciam prazeres da carne no aqui e agora em prol de ganhos futuros
para o espírito. Isto mostra também que o prometer já estava envolvido
nas curas praticadas antes mesmo da existência de teorias científicas.
Mesmo hoje, os religiosos prometem algo que nenhuma teoria científica
pode prometer, como por exemplo, a vida após a morte, o milagre, a
salvação. Tais promessas têm como maior resposta a esperança.
Muitas vezes, em nome de não querer repetir o paradigma
religioso, ou devido à mudança e à relativização paradigmática da moral
e dos valores instituídos em culturas anteriores, vemos atualmente a
desqualificação de atos promissivos e de ritos que contém
implicitamente uma promessa. Isso leva à falta de esperança, a um ciclo
vicioso/sintomático, entre tédio e gozo, custe o que custar, podendo
levar a reações psicopatológicas graves, principalmente na adolescência.
Como explicitado no exemplo acima, a promessa inicial pôde sustentar a
esperança pautada na relação terapêutica e nas promessas mútuas.

Considerações Finais

Neste capítulo, tivemos como foco principal evidenciar o quanto


a construção do psiquismo moral do adolescente é balizada pelo formato
da estrutura social em que o sujeito se constrói e pelo lugar, na cultura,
reservado pelo adulto para esse adolescente. Para tal, realizamos uma
análise simultaneamente clínica e psicossocial dos diferentes tempos da
adolescência e das promessas implicadas nos formatos sociais antigos e
atuais.

130
CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

No que diz respeito à clínica com adolescentes e seus


entrelaçamentos com a cultura atual, há de se considerar a relevância do
tema, na medida em que prometer e cumprir são a base para qualquer
tipo de ligação e construção social. Diante disso, as promessas, ou
ausência delas, implicadas na construção social e modos de organização
moral do adolescente de hoje, acabam por influenciar, as vezes
negativamente, o psiquismo adolescente em construção.
Tendo em vista que a adolescência é uma fase na qual é
importante vivenciar essa impulsão fantasiosa do poder e do querer, a
cultura atual frequentemente elogia e potencializa tais impulsões de
forma descuidada, sem possibilitar ou oferecer a contenção necessária
para a organização do psiquismo. Ora, construir-se acreditando que tudo
pode é perigoso. À medida que o jovem não produz anteparos suficientes
para lidar com frustrações e renúncias próprias ao mundo da vida, vão-
se instalando modos de produções subjetivas frágeis e adoecidas. Essa
questão também se apresenta como problemática relevante para o campo
jurídico, na medida em que os adolescentes têm alcançado projeção
pelas vias das transgressões à lei, delinquências e delitos.
Por fim, cabe ressaltar que qualificar os atos de promessa e suas
implicações morais e éticas pode ser um dispositivo clínico e
psicossocial a ser utilizado a favor do tratamento, psicoterapia, análise
e possível cura. Esta é, pois, uma temática que merece mais estudos,
visto ser plena de implicações para os campos da psicologia clínica,
social, jurídica e educacional.

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CAPÍTULO 6 – Adolescência e as contribuições da promessa
para a reorganização do psiquismo moral

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133
A perícia psicológica no âmbito judicial em
processos de acusação de abuso sexual:
O papel do psicólogo e formas de investigação

Andreia Calçada

O texto a seguir surge em função da necessidade que os


psicólogos e outros profissionais têm de compreender a diferença
existente entre a atuação profissional do psicólogo na área clínica, da
atuação do psicólogo no meio jurídico, especialmente na perícia
psicológica.
A atuação do psicólogo tem sido cada vez mais solicitada no meio
forense principalmente no que tange à avaliação de crianças e
adolescentes em litígios familiares, e em Varas de Família. As perícias
psicológicas podem ocorrer também em varas criminais e ligadas ao
trabalho, mas em sua maioria ocorrem vinculadas às famílias e é este o

134
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

enfoque deste artigo. O momento atual pelo qual passam as famílias traz
em seu bojo uma série de mudanças que a reboque, geram conflitos. A
família mudou. Do núcleo tradicional pai, mãe e filho, temos hoje mães
que são chefes de família, pais que cuidam de filhos, famílias
homoafetivas e famílias formadas por filhos de vários casamentos dos
parceiros. Normal, portanto que novas demandas surjam e que o
judiciário seja procurado para que se resolvam os conflitos decorrentes.
Processos de Guarda, convivência, partilha de bens entre outros nos
quais muitas vezes, indevidamente as crianças são envolvidas.
Consequentemente o psicólogo é mais solicitado para avaliações.
Em função disto o número de processos contra psicólogos nos CRPs e
CFP aumentou muito nos últimos anos. Visando estabelecer diretrizes, o
CRP elaborou um documento denominado “Referências para a atuação do
Psicólogo em Varas de Família” bem como a Resolução 008/2010 que
regula a atuação dos Psicólogos peritos e assistentes técnicos atuantes
no Judiciário. Além da Resolução 06/2019 que regulamenta o Manual de
documentos decorrentes de avaliação psicológica (entre eles os laudos e
Pareceres). O objetivo foi a proteção de famílias e profissionais, já que
estes últimos muitas vezes se envolvem na seara do conflito, servindo
como arma entre os atores do mesmo. É um lugar de difícil atuação que
necessita clareza por parte do psicólogo sobre qual seu lugar e sua
importância.
A Perícia psicológica em Varas de Família, segundo Silva (2015,
p.16), “é uma avaliação/investigação psicológica realizada por perito
psicólogo, determinado pelo Juiz, com o objetivo de verificar a relação
entre pais e filhos (ou de quem está pedindo a guarda), seus vínculos, os
processos mentais e comportamentais, as dinâmicas, enfim, promover
uma investigação psicológica utilizando-se das técnicas de psicologia. O

135
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

objetivo final é responder aos quesitos4 formulados nos autos, levando


subsídios, na forma de laudo pericial, para que o Juiz juntamente com as
demais provas dos autos, possa dar sua decisão”.
Os objetos da investigação psicológica de acordo com Silva
(2015) podem girar em torno de alguns temas: vínculos entre pais e filhos
ou outros adultos, estado emocional dos pais e as implicações no
cuidado com os filhos, estado emocional da criança e a relação com o
processo de separação, dinâmica familiar, presença de psicopatologia,
características de personalidade, funções egóicas, persuasão sobre a
criança, uso de drogas ou algum vício, abusos psicológico ou sexual,
maus tratos, e presença de comportamentos que possam levar à
Alienação Parental, entre outros.
O perito é alguém que é especialista em determinada área e
habilitado em seu conselho de classe, no caso aqui o psicólogo. No Brasil,
especificamente no RJ, o perito pode ser sorteado em uma listagem de
peritos do TJRJ ou ainda ser indicado como perito de confiança do Juiz.
Na Argentina, por exemplo, segue-se basicamente o sorteio.
O diagnóstico pericial tem qualidade de conclusão científica e
não permanece apenas no conhecimento do psicólogo e isto deverá estar
claro para os entrevistados. Estará disponível nos autos. O psicólogo
deverá responder com fidelidade sobre o que descobriu acerca da
personalidade do peritado, levando em consideração aspectos privados
do examinando em função do sigilo profissional, porém informando tudo
o que sirva para ampliar a visão do juiz. Isto muitas vezes se transforma
em um questionamento ético para o psicólogo, já que muitas vezes

4
Entenda-se por quesitos as perguntas formuladas pelo juiz, promotor, e pelas
partes assessoradas pelo assistente técnico. Os quesitos são de extrema
importância, pois nortearão a investigação pericial já que o perito necessitará
respondê-los.
136
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

algumas informações privadas são importantes para o entendimento do


juízo acerca do processo.
Segundo Amêndola (2009) o assistente técnico é psicólogo
autônomo contratado pela parte, cujo conhecimento específico sobre a
matéria deve ser empregado com a função de complementar e/ou
argumentar acerca do estudo psicológico desenvolvido pelo perito no
processo judicial. É, portanto, um assessor da parte, devendo estar
habilitado para orientar e esclarecer sobre as questões psicológicas que
dizem respeito ao conflito. De acordo com o art. 8º da resolução
008/2010, o assistente técnico, profissional capacitado para questionar
tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito,
restringirá sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia,
elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não contemplados
ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise. Para
desenvolver sua função, o assistente técnico poderá ouvir pessoas
envolvidas, solicitar documentos em poder das partes, entre outros
meios (Art. 429, Código de Processo Civil).
Diferentemente do que é esperado do profissional na clínica, no
âmbito forense, os relatos dos entrevistados serão articulados com os
dados processuais e com todas as informações obtidas. Ele deve se
adaptar, pois precisará combinar as formalidades processuais com os
aspectos técnico científicos da profissão.

Deve se ater a um prazo para a entrega do laudo ou relatório psicológico


e também atentar-se à linguagem jurídica. Deverá realizar uma descrição
realista dos fatos, pautada em documentos processuais, fazer uma
descrição confiável e muitas vezes literal do que é dito pelo entrevistado
e contestar exaustivamente os pontos periciais que constituem a resposta
ao solicitado pelas partes e pelo juiz. É uma matriz a qual o psicólogo
deve adaptar a visão global do que foi compreendido na análise
diagnóstica realizada (PINTO, 2007, p. 10).

137
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

Durante as perícias o psicólogo busca acessar o entrevistado em


uma relação quase intima aonde o periciado possa se expressar com
espontaneidade apesar de saber que tudo que disser será incluído em
seu informe e transmitido à autoridade que decidirá sobre a causa (PINTO,
2007). O objetivo é que seu trabalho ajude a resolver a demanda judicial.
Para isto se utilizará de entrevistas semidirigidas e testes psicológicos
devidamente qualificados pelo CFP.
As partes deverão ser contatadas com o objetivo de agendar as
entrevistas diagnósticas. E muitos processos haverá a participação do
assistente técnico que como veremos adiante de acordo com a Resolução
08/2010 em seu artigo 2º não poderá participar dos procedimentos da
perícia. Este poderá ter reunião com o perito e contestar seu laudo
posteriormente através do Parecer5
Importante que o perito tenha acesso aos documentos dos autos
e nas entrevistas é importante obter dados da história de vida de cada
um e o histórico da demanda judicial. Importante que não se tire
conclusões apenas com a leitura dos autos. Isto é difícil, porém se faz
profissional e ético. Testes e entrevistas são utilizados. Visitas a
residências e escolas são importantes bem como entrevistas com
profissionais e familiares envolvidos. Tudo com o objetivo de alcançar
uma visão o mais ampla possível do conflito e da dinâmica em questão.

5
Apesar de a resolução referendar a resolução 007/2003 esta já foi substituída
pela resolução 06/2019: Art. 14 O parecer psicológico é um pronunciamento por
escrito, que tem como finalidade apresentar uma análise técnica, respondendo a
uma questão-problema do campo psicológico ou a documentos psicológicos
questionados. I - O parecer psicológico visa a dirimir dúvidas de uma questão-
problema ou documento psicológico que estão interferindo na decisão do
solicitante, sendo, portanto, uma resposta a uma consulta. II - A elaboração de
parecer psicológico exige, da(o) psicóloga(o), conhecimento específico e
competência no assunto. III - O resultado do parecer psicológico pode ser
indicativo ou conclusivo. IV - O parecer psicológico não é um documento
resultante do processo de avaliação psicológica ou de intervenção psicológica.

138
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

Após ter colhido informações que entenda como suficientes para


responder o que está sendo perguntado, é hora de fazer a análise dos
dados e então a síntese e elaboração do laudo pericial6, atualmente com
base na Resolução 06/2019.
De acordo com a Resolução 08/2010 do CFP, o trabalho pericial
poderá contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e
institucionais, aplicação de testes psicológicos, utilização de recursos
lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas reconhecidas pelo
Conselho Federal de Psicologia (art. 3º), poderá atuar em equipe
multiprofissional (art. 5º).
Em seu artigo 06 a resolução determina que os documentos
produzidos por psicólogos que atuam na Justiça devem manter o rigor
técnico e ético exigido na Resolução CFP nº 07/2003 7 , que institui o
Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo
psicólogo, decorrentes da avaliação psicológica. Em seu relatório, o
psicólogo perito apresentará indicativos pertinentes à sua investigação
que possam diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada,
reconhecendo os limites legais de sua atuação profissional, sem adentrar
nas decisões, que são exclusivas às atribuições dos magistrados (art.7º).
Importante salientar que atualmente o psicólogo deverá seguir a
resolução 06/2019 em substituição à resolução 007/2003.

6
Apesar de a resolução referendar a resolução 007/2003 esta já foi substituída
pela resolução 06/2019: Art. 13 O laudo psicológico é o resultado de um processo
de avaliação psicológica, com finalidade de subsidiar decisões relacionadas ao
contexto em que surgiu a demanda. Apresenta informações técnicas e científicas
dos fenômenos psicológicos, considerando os condicionantes históricos e sociais
da pessoa, grupo ou instituição atendida. I - O laudo psicológico é uma peça de
natureza e valor técnico-científico. Deve conter narrativa detalhada e didática,
com precisão e harmonia, tornando-se acessível e compreensível ao destinatário,
em conformidade com os preceitos do Código de Ética Profissional do Psicólogo.
7
Atualmente resolução 06/2019
139
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

A Resolução veda também em seu capítulo 4, art. 10 que é vedado


ao psicólogo que esteja atuando como psicoterapeuta das partes
envolvidas em um litígio:
I - Atuar como perito ou assistente técnico de pessoas atendidas
por ele e/ou de terceiros envolvidos na mesma situação litigiosa;
II – Produzir documentos advindos do processo psicoterápico
com a finalidade de fornecer informações à instância judicial acerca das
pessoas atendidas, sem o consentimento formal destas últimas, à
exceção de Declarações, conforme a Resolução CFP nº 06/2019.
Quando a pessoa atendida for criança, adolescente ou interdito,
o consentimento formal referido no caput deve ser dado por pelo menos
um dos responsáveis legais.
Sobre o laudo pericial o CFP através ainda do documento
“Referências técnicas para a atuação do psicólogo em varas de família –
2019” acrescenta que o psicólogo registrará apenas as informações
necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho, portanto,
estas são conclusões psicológicas e não jurídicas, não sendo atribuição
de psicólogos proferirem sentenças ou soluções jurídicas. O psicólogo
não poderá se tornar um “pequeno juiz ou um juiz oculto”. O cuidado
com a exposição excessiva deve ser tomado. Não há a necessidade de não
é necessário reproduzir em relatórios, laudos ou pareceres frases ditas
pelos sujeitos, porém no que diz respeito às normas éticas, indica-se que
o psicólogo não tem o direito de colher informações do cliente e depois
se negar a conversar com a pessoa atendida sobre as conclusões a que
chegou. Entrevistas de devolução fazem parte das tarefas e obrigações
dos psicólogos.

Sobre as acusações de abuso sexual

140
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

As acusações de abuso sexual são tema delicado e de difícil


abordagem para os profissionais. Finda por gerar problemas na atuação
dos mesmos conforme o Relatório do CFP acerca da atuação de
psicólogos em Varas de Família publicado em 2019 (p.81-82) aponta:
Cabe assinalar que nos últimos anos, diversas queixas contra o trabalho
realizado por psicólogos que atuam nas Varas de Família têm sido
encaminhadas às Comissões de Ética dos Conselhos Regionais. Como já
alertava, em 2006, a psicóloga Bárbara Conte, então presidente da
Comissão de Ética do CRP/RGS: “Verificamos que crescem as queixas de
laudos que envolvem a guarda de filhos em caso de separação de casais
e avaliações que versam sobre a indicação de abuso sexual de adultos
contra crianças. Ressalta-se, entretanto, que, conforme observaram as
Comissões de Ética de alguns Conselhos Regionais, as denúncias que vêm
sendo encaminhadas não dizem respeito apenas a psicólogos que
exercem sua prática profissional em Tribunais de Justiça, aliás, essas
queixas são em menor número. Destacam-se, em termos quantitativos,
as denúncias contra psicólogos que atuam em outras instituições e que
recebem solicitações da Justiça para efetuar avaliações, bem como contra
psicólogos clínicos, que recebem pedidos de seus pacientes ou dos
responsáveis por estes, para encaminhamento de laudos ao Poder
Judiciário. “Nesses últimos casos, não parece difícil perceber o risco que
se corre de ferir o sigilo profissional que deve ser mantido no
atendimento clínico”.
Portanto, a ideia a partir deste ponto é relacionar as diversas
orientações técnicas sobre o assunto.
O CFP elaborou anteriormente outro documento que tem o
objetivo de ser diretriz acerca das avaliações de crianças vítimas de
abuso sexual bem como da Entrevista de Revelação em documento
intitulado “Serviço de proteção social a crianças e adolescentes vítimas
de abuso sexual e suas famílias: referências para atuação do psicólogo”.

141
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

O referido documento informa sobre as entrevistas psicológicas


iniciais:

Corroborando a ideia de que é necessária a contextualização de


queixas e acusações em processos judiciais, o documento afirma que “Na
entrevista com o adulto responsável, é importante buscar informações a
respeito do seu papel em relação à criança, do histórico de situações de
violência na família, como se lida com a sexualidade no contexto familiar,
quais as possibilidades da família para suportar o processo judicial, além
da forma como são estabelecidas as relações entre os membros da família”
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p. 58).
Fundamental se faz a escuta das pessoas envolvidas bem como
provas processuais: “Deve-se estar atento, principalmente na violência
intrafamiliar, se a família está envolvida em situações de crise (e de que
tipo), se existe propensão para a continuidade da violência (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p.59)”. Além desses aspectos, é preciso
estar atento, pois, em alguns casos, em situações de disputa pela guarda
de uma criança, pode acontecer de um dos pais manipular as crianças
para que insinuem situação de abuso, a fim de prejudicar a imagem do
outro. Esses são casos que merecem atenção redobrada, embora a crença
na palavra da criança continue sendo premissa básica.
Sobre à abordagem à criança sobre o tema o documento já
apontava à época: “Essa entrevista com a criança deverá ser conduzida
de forma não diretiva e em espaço adequado, que favoreça um nível de
conversa mais espontânea e apropriada a cada criança, respeitando seu
desenvolvimento e sua história de vida. A avaliação psicológica tem
como objetivo compreender a situação de violência, avaliando seus
impactos sobre a criança/o adolescente e a família (CONSELHO FEDERAL
DE PSICOLOGIA, 2009, p.60)”.

142
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

A abordagem adequada à criança também gera a possibilidade de


realização de indicações e recomendações melhor estruturadas: “Além
disso, possibilita ao profissional verificar qual a abordagem psicossocial
e/ou psicoterapêutica mais adequada para o caso, e se são necessárias
outras avaliações, entrevistas ou processos diagnóstico (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p.60).”
O processo de avaliação psicológica em sua maioria não se limita
a um único encontro, demandando-se pouco mais de tempo para se
chegar a diagnóstico mais preciso.

Sobre as chamadas Entrevistas de revelação

Os pontos abaixo destacados servem para orientar a entrevista,


cabendo ao psicólogo buscar ampliar e fazer as adequações necessárias
para cada caso. Cabe também a utilização de testes e técnicas
psicológicas caso o psicólogo julgue necessário, daí ressaltamos mais
uma vez a necessidade de sustentação teórica e flexibilidade técnica a
fim de subsidiar as ações profissionais.
Portanto, a indicação do Conselho Federal de Psicologia
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, CFP) para a avaliação de
acusações de abuso sexual é a de uma avaliação ampla, detalhada e
profunda envolvendo a escuta das pessoas envolvidas, bem como o
cuidado em verificar a possibilidade de uma falsa acusação de abuso
sexual. De fato, um grande número de profissionais não seguem tais
diretrizes.
Por entrevistas de revelação (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2009, p. 64-65), entendem-se aquelas entrevistas que podem confirmar a
existência da situação de violência sexual. Em muitos casos não há queixa
formalizada com uma situação definida. O objetivo da entrevista de
revelação é trazer luz aos fatos e tentar esclarecer o que está

143
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

acontecendo com a criança ou o adolescente e, assim, poder ajudá-los. A


entrevista de revelação é um processo, e exige, devido a sua
complexidade, mais de um encontro para ser finalizada. É necessário
entrevistar os outros membros da família, pois essas pessoas podem
oferecer informações valiosas sobre a situação de abuso.
Ainda segundo o documento Serviço de proteção social a
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e suas famílias:
referências para atuação do psicólogo, a entrevista de revelação
tem por objetivos:

• Levantar evidências sobre a possível ocorrência do abuso-


vitimização sexual doméstica e sobre a sua natureza;
• Avaliar a possível gravidade do abuso sexual e de seu impacto
sobre a vítima e demais membros da família;
• Avaliar o risco psicológico decorrente do abuso para a vítima e
para outras crianças e adolescentes eventualmente existentes no lar;
junto com a equipe, avaliar quais as medidas mais adequadas de
intervenção social, psicológica, jurídica e médica. ...na entrevista de
revelação, o psicólogo deve avaliar o entendimento da criança ou do
adolescente sobre o motivo pelo qual está sendo entrevistado. Isso
ajuda a perceber se foram preparados por algum adulto para a
entrevista (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p.64).

O documento ainda apresenta pontos importantes a se


considerar/avaliar durante o processo:

Avaliação do desenvolvimento geral da criança/adolescente; Noções


de conceitos como verdade e mentira; Conhecimento da
criança/adolescente sobre regras e consequências da transgressão;
Avaliar a compreensão da criança/adolescente sobre os diferentes
sentimentos e carícias/carinhos agradáveis e desagradáveis; Inserir
a questão do segredo e do medo e a importância de dizer a verdade;
averiguar os sentimentos da criança/adolescente em relação aos
familiares e adultos de seu convívio (ABRAPIA, 1997, p.65).

Sobre a entrevista de revelação e as pesquisas

144
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

Corroborando alguns dos fatos apurados, e em conexão com o


documento acima apontado, uma pesquisa realizada por Amêndola (2009,
p. 174-175) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro acerca da
atuação dos profissionais psicólogos em casos de avaliação de acusações
de abuso sexual detectou que:

Em muitos casos pais acusados foram excluídos da avaliação,


revelando um modelo de exclusão social. Tal exclusão
normalmente gera a contestação destes laudos, a solicitação de
novas avaliações e a multiplicidade de laudos dentro de um mesmo
processo judicial. Laudos com exclusão dão diferença em seu
resultado, respaldando decisões judiciais e promovendo o
afastamento entre pais e filhos. Ao afastar pais suspeitos do
convívio com o filho para protegê-lo há uma dicotomia: a garantia
e a violação de direitos coexistem na medida de proteção. Que se
torna medida de punição. Visitação monitorada ou assistida – a
cargo de profissionais ou familiares – tenderia a frustrar os pais e
verificar a sua culpabilidade. Os profissionais têm dificuldade em
perceber a existência de falsas acusações de abuso sexual. O
modelo de avaliação que privilegia a palavra da criança exclui o pai.
E presume como verdadeira a acusação. Entrevista de revelação –
premissa de que a criança é vítima de abuso. Modelo inadequado
nas falsas denúncias. Exclui a participação do pai acusado, os
dados processuais e favorece a ação do(a) alienador(a) por meio de
alinhamentos ou fortes vínculos estabelecidos. O modelo que
entrevista todos os familiares, além da criança, gera diferenças nos
resultados das avaliações. Há necessidade de capacitação dos
profissionais. (AMÊNDOLA, 2009, p. 177).

O resultado da pesquisa ecoa o que os autores que abordam o


assunto levantam como a maior distorção dentro dos processos,
especialmente em varas de família: o desconhecimento e a falta de
preparo dos profissionais, principalmente os que lidam com o caso no
início do processo. No Brasil e nos Estados Unidos, esse despreparo acaba
fomentando controvérsias envolvendo a SAP e a alienação parental,
prejudicando os esforços pela proteção das menores vítimas de ambas
as ocorrências.

145
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

Em razão do aumento do número de processos éticos contra


psicólogos (também apontado na pesquisa da UERJ), o CFP elaborou
algumas resoluções com o objetivo de direcionar a prática dos
profissionais em caso de violência contra a criança e ao adolescente, bem
como na atuação dentro do Judiciário. São elas a 08/2010, que versa
sobre a atuação do perito e assistente técnico, e a 010/20108, que institui
a regulamentação da escuta psicológica de crianças e adolescentes
envolvidos em situação de violência na Rede de Proteção. Esta resolução
está temporariamente suspensa única e exclusivamente em razão do
papel do psicólogo como inquiridor no procedimento do depoimento
sem dano. Esta mesma resolução obriga ao profissional psicólogo a ouvir
todas as pessoas envolvidas na acusação.
Vemos, portanto o despreparo que os profissionais,
principalmente aqueles que não são do judiciário frente à avaliação de
conflitos decorrentes de dinâmicas familiares principalmente em litígio.
As consequências além de serem graves para os profissionais é muito
mais agravante para o conflito que se desenvolve nas famílias. No caso
das acusações de abuso sexual, nas quais muitas vezes a avaliação é bem
difícil o profissional deverá ser embasado teórica e tecnicamente para
fazer tal investigação. Quando tal avaliação ocorre fora do judiciário o
risco de que o profissional não tenha tal capacitação é maior conforme
dito anteriormente.
Faz-se necessário que os profissionais que atuam com crianças e
adolescentes instrumentalizem-se com técnicas e teorias adequadas para
este tipo de abordagem.
Em pesquisa informal apresentada em Calçada (2014, p. 91-97)
em processos entre 2000 e 2013, cujas acusações de abuso sexual foram
julgadas como falsas, foi verificado que poucos foram os profissionais

8
Revogada em 2020
146
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

que se utilizaram de forma adequada das técnicas e dos recursos


psicológicos no processo de investigação:

1. A resolução do 007/2003 9 do Conselho Federal de Psicologia


(CFP) é pouco utilizada pelos profissionais em contrariedade ao que
obriga a própria resolução.
2. Grande parte embasou o diagnóstico no relato da criança e do
genitor que aliena, sem contextualizar e ouvir o acusado.
3. Na maioria dos casos não houve investigação acerca da
possibilidade da contaminação dos relatos da criança. Não houve,
tampouco, a comparação entre os diversos relatos das crianças no
processo.
4. Em quase 100% dos casos não houve contextualização da
acusação.
5. Poucos fizeram avaliação do alienador e do acusado.
6. A parcialidade e ausência de neutralidade, necessárias não foram
encontradas na maior parte dos profissionais.
7. A necessidade de avaliação de personalidade do acusado e
associação do perfil de pessoas que cometem crimes sexuais contra
crianças, encontrado na literatura, não foi incluída.
8. A avaliação de quem acusa e de outras pessoas envolvidas
(diagnóstico do alienador), raramente foi feita.
9. O erro do diagnóstico embasado em sintomas foi encontrado
com frequência alarmante.
10. A utilização de critérios de avaliação da alienação parental foi
pouco encontrada nos depoimentos.
11. A motivação para a acusação encontrada na maioria dos casos
foi a vingança afetiva, em função do término da relação, o que
mereceria atenção para uma eventual tendência à distorção dos
fatos pelo alienador.
12. Criança em psicoterapia antes da decisão judicial pode
prejudicar a investigação, como vimos em capítulos anteriores.

Portanto, na questão fundamental que é a capacitação do profissional


nesta área existem pontos nevrálgicos que devem ser entendidos
(FREITAS; JAVORSKI, 2015, p. 32):

1. A necessidade de contextualização da acusação dentro do


histórico familiar e documentos dos autos;
2. Que todas as pessoas envolvidas sejam ouvidas

9
Resolução utilizada à época, atualizada pela resolução 06/2019
147
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

3. Ao se avaliar a criança existem técnicas específicas de


abordagem, necessariamente de forme direta em algum momento
abordando o assunto, porém de forma aberta, não indutiva.
4. É necessário saber que a fala da criança precisa ser entendida
dentro do contexto e não de forma isolada.
5. É preciso investigar se a fala da criança possui consistência e
coerência
6. Não embasar o diagnóstico em sintomas.
7. O histórico de abordagem à criança acerca do abuso sexual é
prioritário
8. Sugestionabilidade infantil e Falsas memórias
9. A criança não deve ser encaminhada para psicoterapia como
se abusada fosse sem a sentença final.
10. Os profissionais devem se questionar acerca de crenças
culturais tais como “criança não mente”, “mãe é sempre boa”, “amor
de mãe é incondicional”.
11. Devem conhecer e se aprofundar no tema alienação parental
e outras dinâmicas familiares.
12. Fundamental avaliar psicologicamente as pessoas envolvidas
13. A importância de atuação em equipe para que a avaliação seja
ampla
14. Abuso sexual ou falsa acusação de abuso sexual? Verdade ou
mentira? O diagnóstico diferencial. A verificação da cultura
familiar da família acerca da sexualidade bem como de possíveis
exposições da mesma a conteúdos sexuais de formas variadas.

As principais recomendações na literatura para o bom trabalho


de um avaliador forense são (FREITAS; JAVORSKI, 2015, p. 40):

 Ser envolvido no caso o mais cedo possível – questionar


motivações das pessoas que falaram antes com a criança.
 Estar atento e obter o máximo de informação sobre a criança, a
circunstância da primeira revelação (ou o mais próximo possível
disso), a quem a criança falou, os comportamentos da criança e seu
desenvolvimento antes da investigação e a possibilidade de
incidentes anteriores ou suspeitos.
 Iniciar com o que a criança trouxer espontaneamente.
 Somente depois dessa etapa, fazer questões diretas.
 Não introduzir nunca informação que não foi dada pela criança.
 E, principalmente, ter muito cuidado! Cuidado consigo mesmo e
sua contratransferência enquanto avaliador.
Em razão da sugestionabilidade infantil, duas regras são essenciais
para que um testemunho seja considerado válido segundo Giuliana
Mazzoni (2010):
 Que todas as entrevistas sejam gravadas e que as gravações
estejam à disposição de juízes, defesa e acusação. Em todas as

148
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

gravações devem constar sempre tanto as respostas quanto as


perguntas.
 A entrevista investigativa não deve conter nem informações
enganosas, nem sugestões, comentários ou qualquer outra proposta
que conduza a uma modificação da resposta, devendo respeitar o
que é sugerido por experts no assunto.

Falsas recordações são construídas combinando-se lembranças


verdadeiras com o conteúdo das sugestões recebidas de outros. Durante
o processo, os indivíduos podem se esquecer da fonte da informação.
Este é um exemplo clássico de confusão sobre a origem da informação
na qual o conteúdo e a proveniência dela estão dissociados. Obviamente,
a possibilidade de se implantar falsas recordações de infância em alguns
indivíduos não significa que todas as recordações que surgirem depois
da sugestão serão necessariamente falsas. Os estudos relatados
anteriormente, com trabalho experimental na criação de falsas
recordações, podem levantar dúvidas sobre a validade de recordações
remotas, como um trauma recorrente, mas de modo algum os desmentem.
O mais importante neste tipo de investigação é analisar
cuidadosamente cada passo dado pela criança em cada revelação e
compará-las. Nos casos de abuso sexual os relatos mantêm uma
constância, o que não acontece nas falsas acusações.
Profissionais de saúde mental e outros devem estar atentos, pois
podem influenciar enormemente a lembrança de eventos. Deve-se
atentar para a necessidade de se manter a moderação em situações nas
quais a imaginação é usada como um auxílio para recuperar memórias
presumivelmente perdidas. No caso de uma acusação fictícia de abuso
sexual infantil, analisar cada passo que a criança deu nos relatos e
compará-los com os anteriores é ponto-chave para derrubar a falsa
acusação. Na maioria dos casos de abuso sexual, a acusação é constante,
enquanto a falsa acusação muda de acordo com as circunstâncias. É
fundamental investigar o que acontecia na vida da criança na época da

149
CAPÍTULO 7 – A perícia psicológica no âmbito judicial em processos de acusação de abuso
sexual: O papel do psicólogo e formas de investigação

revelação. Cabe aos profissionais reverem suas atitudes para que pessoas
falsamente acusadas não tenham sua vida e seu vínculo parental
totalmente destruído por mera incompetência. Os laudos psicológicos se
feitos sem o cuidado adequado se tornam sentenças de morte afetiva
para pais e filhos.

REFERÊNCIAS

AMÊNDOLA, M. F. Crianças no labirinto das acusações: falsas acusações de abuso


sexual. Rio de Janeiro: Editora Juruá, 2009.

CALÇADA, A. S.; CAVAGGIONI, A.; NEGRI, L. Falsas acusações de abuso sexual: o


outro lado da história. Rio de Janeiro: OR Editora, 2000.

CALÇADA, A. Falsas acusações de abuso sexual e a implantação de falsa


memórias. Porto Alegre: Editora Equilíbrio, 2008.

CALÇADA, A. Perdas irrepararáveis: alienação parental e falsas acusações de abuso


sexual. Rio de Janeiro: Editora Publit, 2014.

CALÇADA, A. Falsas acusações de abuso sexual: parâmetros iniciais para uma


avaliação. IN: GRISARD FILHO, W. et al. Guarda compartilhada: aspectos
psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005, p. 123-144.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Serviço de proteção social a crianças e


adolescentes vítimas de abuso sexual e suas famílias: referências para atuação do
psicólogo. 1. ed. Brasília: CFP, 2009.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Serviço de proteção social a crianças e


adolescentes vítimas de abuso sexual e suas famílias: referências para atuação do
psicólogo. Brasília: CFP, 2009.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução 06/2019. Disponível em:


https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n-
06-2019-comentada.pdf. Acesso em: 02 ago. 2019.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução 008/2010. Disponível em:


https://transparencia.cfp.org.br/wp-
content/uploads/sites/15/2016/12/resolucao2010-08.pdf. Acesso em: 05 set. 2020.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para a atuação de


psicólogas(os) em varas de família. Brasília: CFP, 2019.

Freitas, D. P.; JAVORSKI, J. Perícia social e psicológica no direito de família.


Florianópolis: Voxlegem, 2015

SILVA, E. L. Perícias psicológicas nas varas de família. IN: FREITAS, D.; JAVORSKI, J.
Perícia social e psicológica no direito de família. Florianópolis: Editora Voxlegem,
2015, p. 185-211.

150
A avaliação psicológica em casos de suspeita de
abuso sexual contra a criança e ao adolescente:
Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do Brasil.

Fernanda Cristine Ferreira de Santana


Zeno Germano de Souza Neto

Conceitua-se o abuso sexual contra crianças e adolescentes pela


exploração do corpo ou da sexualidade destes, para fins de excitação
sexual de um adulto. Isto pode acontecer de forma coerciva ou mesmo
aliciada, podendo ser composto por jogos de sedução, carícias, e outras
formas sutis de exploração da sexualidade infanto-juvenil, bem como, a
violação dos corpos, como por exemplo, o ato sexual propriamente dito.
(MIRANDA, 2016).
Sabe-se que a perícia médica é o tipo mais usado para constatação
do abuso sexual, esta apresenta seus resultados a partir de evidências de
conjunção carnal. No entanto existe uma considerável parcela de abusos

151
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

sexuais contra a criança e o adolescente que não incorrem em conjunção


carnal, não possuem testemunhas além do perpetrador do abuso e a
vítima, mas não por isso, deixam de ser abuso, ou carregam status de
menor gravidade, ou menor gerador de sofrimento. Tais fatos sugerem
uma problemática na identificação de casos de abuso sexual contra a
criança e o adolescente pois nota-se que exames pautados
exclusivamente em prova física, nem sempre darão conta das demandas
de identificar indicadores da ocorrência do abuso sexual. (GAVA;
PELISOLI; DEL’AGLIO, 2013)
Encontra-se possibilidade de resposta a esse desafio na avaliação
psicológica no contexto jurídico. Jung (2014) conceitua a avaliação
psicológica no contexto jurídico como o exame ou avaliação do estado
psíquico que tem por objetivo elucidar determinados aspectos
psicológicos. Sua finalidade é fornecer ao juiz ou a outro agente judicial
que solicitou a avaliação psicológica jurídica, informações técnicas que
escapam não apenas senso comum, mas também ao conhecimento
jurídico.

Referencial teórico

A avaliação psicológica no contexto jurídico tem por objetivo


trazer à tona indícios de um determinado fato através de investigação
profunda e especializada. Para isso os psicólogos valem-se de uma série
de métodos e técnicas adequados a seu objetivo.
Em 2010, o Conselho Federal de Psicologia tornou público às
diretrizes de atuação do psicólogo como perito em processos judiciais, a
fim de estabelecer métodos e técnicas a serem adotadas pelos
profissionais que realizam avaliações psicológicas jurídicas. Por ser uma
resolução relativamente recente, existe um déficit de instrumentos

152
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

específicos para a realização da avaliação psicológica no contexto


jurídico.

Os instrumentos utilizados nas perícias psicológicas são


praticamente os mesmos utilizados nas avaliações clínicas, pois no
Brasil faltam instrumentos criados especificamente para avaliar
aspectos subjetivos que relacionam-se com as questões legais.
(JUNG, 2014, p. 1).

Embora a avaliação psicológica jurídica seja semelhante à


avaliação psicológica clínica, existem algumas diferenças bem definidas
entre as duas; As informações a serem coletadas são definidas pelo
judiciário, não pelo psicólogo nem pelo avaliando; As fontes secundárias
são utilizadas com maior frequência, pois estas consistem em fonte de
informação adicional que por vezes cabal ao caso; O sujeito pode não ser
colaborativo devido ao fato de estar ali contra sua espontânea vontade;
O sigilo ético toma outra forma, pois o psicólogo deverá apresentar ao
judiciário documento que exporá os resultados de seu trabalho, porém
tomará os devidos cuidados para não expor mais que o necessário e
pertinente à decisão judicial; Os instrumentos escolhidos pelo psicólogo
devem ser voltados ao subsídio da demanda legal; É dever do psicólogo
dar informações ao periciado de que os dados colhidos serão relatados
aos agentes jurídicos; É possível pensar que a simulação por parte do
avaliado é comum neste tipo de avaliação, pois o sujeito não quer se ver
prejudicado. Daí a importância da consulta de fontes secundárias, como
já citado acima. (MELTON, 1997).
De forma geral a avaliação psicológica no contexto jurídico, lança
mão dos seguintes recursos: Entrevista com a pessoa de interesse do
processo ou outros que tenham relações relevantes com este; Seleção e
aplicação de testes conforme a demanda específica, estando estes de
acordo com o SATEPSI – Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos;
Levantamento de informações relevante à avaliação psicológica jurídica

153
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

a respeito da vida do sujeito de forma geral; Integração das informações


obtidas na confecção de um laudo coerente e conciso. (RODRIGUES, 2004).
Diretrizes explícitas para a realização da avaliação psicológica no
contexto jurídico, como estas acima, podem trazer certa sistematização
e organização à realização da mesma, por outro lado, pode também
representar impasses à pratica, casos tais sistematizações sejam
encaradas de forma rígida.
Na avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual
contra criança e adolescente, a entrevista recebe posição de centralidade.
Nesta é importante respeitar o ritmo de discurso da vítima, não emitindo
julgamentos antecipados, prestar atenção à comunicação não verbal, a
contradições nos discursos, usando recursos e instrumentos adicionais
sempre que possível, como por exemplo, os testes psicológicos. Tais
recursos terão como objetivo aumentar a assertividade e fidedignidade
dos resultados da avaliação. O psicólogo deve proceder de forma sóbria
ao entrar em contato com o avaliado, estabelecendo relação de confiança,
visando diminuir a ansiedade da criança ou adolescente que se encontra
neste processo invasivo, a fim de evitar ao máximo, danos secundários a
estes. (SILVA JUNIOR, 2006).
A entrevista, bem como o restante da avaliação pericial é
realizada, na maior parte das vezes, apenas com a vítima, diminuindo a
possibilidade da extensão desse levantamento de dados. Pelisoli (2013)
apresenta um panorama geral de como os psicólogos executam
avaliações psicológicas jurídicas em casos de abuso sexual infanto-
juvenil, neste em 98,6% dos casos as vítimas são entrevistadas
invariavelmente, 77,8% entrevista a suposta família não abusiva, e
apenas 26,3% das avaliações incluem entrevista com os possíveis.
Na confecção do laudo, o psicólogo deverá ter cautela e
prudência em sua escrita, lembrando que os dados recolhidos não
apresentam certezas, mas sim indícios. Embora esteja em um meio que

154
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

se busque fatos objetivos, não é papel do psicólogo, fornecer através da


avaliação psicológica jurídica, fatos taxativos. Reunir, interligar e
comunicar de forma concisa e sensata as informações levantadas na
avaliação psicológica jurídica é tão essencial quanto à mesma, afinal,
comunicação é poder, e a depender da forma que esta for usada, pode
mudar por completo todo o resultado do trabalho pericial. De nada
valeria a mais perfeita apuração de fatos se estes não puderem ser
comunicados de forma clara e concisa ás pessoas de interesse (GAVA
2012).
Encontram-se dificuldades no trabalho interdisciplinar entre
psicologia e direito, devido ao desconhecimento, por parte dos agentes
do direito, das atribuições do psicólogo nesta referida área. É notória a
tendência a fantasiar o trabalho do perito psicólogo como se este
pudesse “adivinhar” a ocorrência, ou não, da violência sexual, através
das informações levantadas, numa reconstrução exata e inalterada dos
fatos, como em uma prova de cunho testemunhal. É imprescindível que
o dialogo interdisciplinar e múltiplo entendimento entre psicologia e
direito estejam bem alinhados, pois é a partir das relações que se
estabelecem entre ambas as disciplinas que executa-se um trabalho
assertivo. (DEL’AGLIO; GAVA; PELISOLI, 2011)
Gava (2012) relata de forma crítica que por vezes o
desconhecimento das atribuições do psicólogo perito vem deste
profissional. Ações irrefletidas por parte dos psicólogos não são escassas.
Estes deixam de lado qualquer tentativa de neutralidade possível, e sem
ressalvas dentro de sua atuação, tomam papel de perito, delegado
investigador e juiz. Perdem-se, assim, no fazer de suas atribuições
tomam outros papeis que não lhes cabe. O objetivo da avaliação
psicológica não é provar a ocorrência dos fatos, nem tão pouco emitir
juízo deste, mas sim buscar evidências do ocorrido a partir de análise
cuidadosa e imparcial do estado psíquico atual dos indivíduos de

155
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

interesse ao processo analisado. Por fim, expressar em laudo apenas tais


analises, de forma neutra e probabilística.

Metodologia da pesquisa

Para a realização desta pesquisa optou-se pelo método de análise


qualitativo, tendo por fim o levantamento de informações por meio do
registro da fala dos participantes, a qual demonstra sua compressão
subjetividade sobre determinado assunto (GÜNTHER, 2006). Assim os
dados obtidos foram analisados a fim de compreender a forma de
realização da avaliação psicológica em casos de abuso sexual infanto-
juvenil. Os participantes desta pesquisa são psicólogos dos estados de
Rondônia, Manaus e Pará, que exercem ou já exerceram avaliação
psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra criança e
adolescente, como Assistente Técnico Particular em Tribunais de Justiça
e outros órgãos de cunho judicial e criminal, tendo os participantes entre
5 a 15 anos atuação na referida área.
O contato com os participantes se deu por indicações iniciais do
professor orientador desta pesquisa, seguido pela técnica de
amostragem bola de neve (snow ball sampling). Esta técnica é usada
quando os participantes necessários à pesquisa são de difícil acesso, seja
por quantidade ou questões geográficas. Tem por princípio, a utilização
da rede social de uma pequena amostra inicial para alcançar um número
maior de pessoas com características afins. (DEWENS, 2013). Foram
contatados 19 (dezenove) psicólogos da referida área, sendo esses de
diversos estados do Norte do Brasil, porém apenas 5 (cinco) destes,
aceitaram participar da pesquisa.
O instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista
semiestruturada, escolhida por possibilitar certa flexibilidade sem

156
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

perder de vista o norteamento necessário ás questões a serem abordadas.


(QUARESMA; JUREMA, 2005).
Visto que a distância impossibilitou que as entrevistas fossem
feitas pessoalmente, foi escolhido inicialmente, como meio de
comunicação, vídeo conferência, por ser entendida como a forma mais
rica possível de obter dados referentes ao tema proposto. Porém, devido
a problemas de disponibilidade da maior parte dos participantes,
alterou-se o meio de aplicação da entrevista, sendo usado e-mail ao em
vez de vídeo conferência. Foram necessárias pequenas adaptações à
estrutura inicial da entrevista para adequá-la ao meio de comunicação
possível para nesta ocasião, a fim de manter a qualidade dos dados
colhidos. Os Termos de Consentimento e Livre Esclarecimento foram
enviados via e-mail juntamente com a entrevista, impressos e assinados
pelos participantes, e por fim, escaneados e enviados novamente à
pesquisadora. Sendo que os participantes permaneceram com uma via
assinada do documento. Para visualizar o modelo de entrevista, observar
Apêndice A.
Os resultados das entrevistas foram examinados mediante
análise de dados categorial, a fim de sistematizar e apresentar as
informações levantadas de forma metódica, nada obstante, rica
(OLIVEIRA, 2008).
O critério para definição de conteúdo significativo no discurso
dos sujeitos da pesquisa pauta-se nos seguintes objetivos; Realizar
levantamento dos procedimentos, métodos e técnicas utilizados pelos
psicólogos entrevistados para a execução de avaliação psicológica
referente a suspeita de abuso sexual contra crianças e adolescentes;
Investigar como os psicólogos entendem a atividade de avaliação que
praticam e; Compreender a relevância e eficácia desse trabalho mediante
a visão dos profissionais que a realizam.

157
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

Resultados e discussões

Após a coleta e análise dos dados, estes foram dispostos em três


categorias temáticas, Procedimentos e Instrumentos, Alcances e
Limitações da Avaliação e Necessidades profissionais, as quais serão
expostas a seguir. Estão dispostas as falas transcritas das entrevistas
realizadas. Os participantes foram identificados por número antecedido
pela letra P.

Procedimentos e Instrumentos

Nesta Categoria estão expressos os procedimentos e


instrumentos utilizados pelos entrevistados para a realização da
Avaliação Psicológica em Casos de Abuso Sexual Infanto-Juvenil. Os
psicólogos iniciam falando sobre como estruturam sua prática, e como
esta ocorre.

P1-Há inicialmente um estudo do processo sobre as alegações da acusação.


Posteriormente uma pesquisa a respeito de possíveis processos
relacionados ao contexto familiar da acusação para análise, também,
desses autos processuais. Inicia-se com entrevistas com as partes adultas
citadas nas alegações com observação do comportamento, escuta e
intervenções, aplicação de testes quando necessário. Realiza-se visitas
domiciliares e institucionais para a ampliação das informações
relacionadas ao contexto da acusação.

P2 - O processo é enviado ao setor multidisciplinar com a solicitação para


avaliação psicológica da vítima (por exemplo), assim que recebo o processo,
faço a leitura e estudo o caso, compreendendo a situação e o papel dos
envolvidos (o réu, a vítima, os pais da vítima ou o cuidador e quem fez a
denúncia). No caso de avaliação psicológica da vítima, sendo essa vítima
criança ou adolescente, chamo primeiramente o pai e mãe separadamente,
ou no caso da criança ser criada por outro cuidador, este é chamado.
Realizamos uma entrevista individual ouvindo sobre a violência
denunciada, relações familiares, comportamentos da vítima notados antes
e após a revelação, para quem revelou, a motivação da revelação,
denuncia policial, se a vítima ou cuidadores estão em atendimento
psicológico, como está o comportamento da vítima na atualidade. Depois
realizamos uma entrevista individual com a vítima sobre o caso em
158
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

questão, sobre as relações familiares e escolares, fazendo uma avaliação


do desenvolvimento infantil, estado mental, aplicamos algum teste [...]
Podemos fazer visita domiciliar e escolar.

P3 – Primeiro contato com os genitores e/ou responsáveis pela criança ou


adolescente para receber a queixa e anamnese (sigo um formulário de
entrevista da Dr Luiza Habigzang). Primeiro contato com a criança ou
adolescente vítima, em ambiente lúdico, estruturado, segundo as
indicações da Dra Affonso (Ludogiagnóstico) e utilizo o formulário de
entrevista da Dra Luiza Habigzang para esse momento. Após a primeira
entrevista, geralmente, serão necessárias entre quatro a seis sessões
diagnósticas com a criança ou adolescente. Se tiver algum outro familiar
que possa contribuir com a avaliação, esse também pode ser chamado.
São analisados documentos apresentados para o caso e sua relevância com
a avaliação [...] Após análise de todo o material coletado nas sessões e
entrevista com os adultos de referência e se possível, o/a de suspeita da
agressão, será elaborado o laudo psicológico resultante da avaliação, que
ao final, resultará em “apresenta ou não indicativos de abuso sexual. É
necessário ainda que no protocolo da avaliação, contenha espaço para
observar sintomas de possível alienação parental, haja vista a grande
incidência de denúncias de abuso sexual, que no fim, são comportamentos
programados, urgentes de intervenção adequada e protetiva.

P4 – Métodos e técnicas utilizadas com crianças: Entrevistas com o


responsável legal; Ludodiagnóstico (mínimo de 3 sessões); Caixa lúdica
(incluindo família de bonecos sexuados); Testes: Projetivos, Expressivos
(HTP, Desenho da Família, Desenhos - Estórias etc); Métodos e técnicas
utilizadas com adolescentes: Entrevistas com o responsável
legal; Psicodiagnóstico ou Ludodiagnóstico (mínimo de 3 sessões); Testes:
Projetivos, Expressivos (HTP, Palográfico, Desenho da Família, Desenhos
- Estórias etc,) Laudo.

P5 – A avaliação compreende a entrevista específica para o Depoimento


Especial com a análise de credibilidade do relato (CBCA/SVA) e avaliação
do dano psíquico da vítima. [...]. A detecção do dano psíquico possui a
função de contribuir para qualificar a tipificação legal do fato, para
provar o fato e para o estabelecimento de indenizações e da dosimetria
penal. A avaliação do dano psíquico é uma tarefa complexa, envolve
fatores relacionados ao fato, às variáveis psicossociais da vítima e da
apuração judicial. Por isso, é fundamental a coleta de dados de múltiplas
fontes: vítima, pais, família extensa, profissionais da educação e da saúde,
laudo sexológico, etc.

Foi exposto nas falas dos participantes 1 e 2 que, antes de definir


quaisquer instrumentos ou procedimentos a serem utilizados,
compreende-se necessária uma análise minuciosa dos autos processuais,
para assim entender a demanda com a qual se lida, e desta forma adotar

159
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

os melhores procedimentos e instrumentos possíveis. A coleta dos dados


dar-se-á de forma específica, direcionando-se ao que deve ser
investigado em cada caso. A leitura dos autos do processo propicia
levantamento de hipóteses antes do primeiro contato com o indivíduo a
ser avaliado, permitindo que construa-se previamente uma forma de
avaliação direcionada para a investigação de tais hipóteses. Tendo isto
em vista, o psicólogo pode selecionar os instrumentos mais adequados
para cada caso. (JUNG, 2014).
É relembrado na fala da participante 2 que, diferente de uma
avaliação clínica, a avaliação em questão é realizada por demanda
judicial e deve atender as necessidades deste demandante. Diferente da
avaliação clínica, que visa compreender a realidade psíquica do paciente
mediante a ótica deste, a avaliação pericial busca responder questões
colocadas pela justiça, valendo-se de um trabalho neutro e imparcial para
a obtenção de tal resultado. (JUNG, 2014). Em virtude disso, o psicólogo
deve esclarecer a função desta avaliação, bem como, seu papel como
avaliador, lembrando o periciado que os resultados da avaliação nem
sempre estarão de acordo com os seus interesses no processo,
informando-o também que os dados ali coletados serão expostos à
autoridade requerente. (KRISTENSEN; ROSSETTO; SCHAEFER, 2012).
Todos os participantes utilizam entrevistas em suas avaliações,
não apenas com as vítimas, mas também com os responsáveis pela
criança ou adolescente. Não restringir as entrevistas realizadas à vítima,
permite desfrutar de outras fontes de informações riquíssimas, e em boa
parte das vezes, cabais em situações onde apenas a entrevista com a
vítima não basta. Visto que existe considerável complexidade nesta
avaliação, valer-se de mais fontes de informação, garante maior taxa de
sucesso. (DELL´AGLIO; GAVA; PELISOLI, 2013; CHAGNON, 2010).
Os participantes 1,2 e 5 acrescentam à sua fala o valor existente
na busca de informações em fontes secundarias, como escola,

160
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

professores, família extensa, profissionais da saúde, etc. Estas lhes


permite chegar a uma visão mais acurada dos fatos.

Embora o perito não possa ter a absoluta certeza de estar se


apropriando da verdade dos fatos, entende-se que ele pode, no
entanto, utilizar-se de meios para tentar aproximar-se dessa
verdade, compreendendo-a ao menos parcialmente. Pode-se
presumir, dessa forma, que tão mais próximo da verdade estará o
perito e, por conseguinte, mais consistente será sua prova, quanto
mais artifícios ele puder utilizar para a confirmação ou exclusão das
hipóteses elaboradas acerca de cada caso. Nas situações de abuso
sexual cometido contra crianças e adolescentes, cabe ao
profissional psicólogo que atua como perito, portanto, ter
conhecimento das técnicas e estratégias atualmente utilizadas e
realizar uma avaliação abrangente e compreensiva, baseando-se não
em fatores isolados, mas na integração de diferentes fontes de
informação. (DELL´AGLIO; GAVA; PELISOLI, 2013)

Ao integrar informações de diferentes fontes, é possível ter mais


ampla visão dos fatos e assim, ao máximo possível, resguardar a
fidedignidade das informações.
A participante 3 traz a impotência de estar atento ás possíveis
falsas acusações de abuso sexual decorrente de alienação parental grave.
A alienação parental dá-se quando há doutrinação a favor de um genitor
(cuidador) e contra o outro. Em meio a tal cenário pode haver falsas
alegações de abuso sexual por parte de um dos genitores, ao passo que
este incentiva a criança a confirmar sua história. Outra possibilidade
advinda deste quadro são as falsas memórias, as quais consistem
basicamente na distorção da memória da criança. Podem ser lembranças
distorcidas de um evento real, ou mesmo uma situação completamente
fabricada, que nunca veio a acontecer, resultado da campanha de um dos
genitores contra o outro. (MOLINARI; TRINDADE, 2016).
Destarte, o psicólogo necessita estar atento a aspectos
manipuladores por parte dos genitores ou responsáveis pela a criança ou
adolescente, bem como a existência de conflito entre os mesmos, a qual
pode gerar tal cenário, considerando assim que manipular a criança ou o
161
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

adolescente a dar um depoimento falso pode ser considerado um tipo de


violência. (GUAZZELLI, 2007).
É interessante notar que ao final fala da participante 3, que se
refere ao laudo, destacam-se as palavras “indicativos de abuso sexual”.
Com a palavra “indicativos” a participante infere que a avaliação
psicológica não se propõe a apresentar respostas absolutas, mas
indicativos de uma violência sofrida (ou não sofrida). É importante que
isto esteja posto de forma explícita no laudo, este não deve ser escrito
de forma que o destinatário leitor entenda que as conclusões do trabalho
de avaliação psicológica jurídica não têm por objetivo darem respostas
taxativas como, “sim, houve abuso sexual” ou “não houve abuso sexual”,
mas sim indícios da ocorrência ou não ocorrência de violência.
A avaliação do perito psicólogo não deve responder à questão
final do julgamento, é essencial que psicólogo tenha claro que se papel
não o de um juiz. Seu trabalho deve ser subsidiar à decisão judicial por
meio de prestação de informações meticulosamente colhidas e
analisadas. O laudo não é sentença, mas fonte de informação ao juiz.
(CRP SP, 2010).
Foi possível observar que todos os participantes se valem de
testes psicológicos como instrumento adicional a entrevista.

P1 – Depois do conhecimento de todo o contexto da acusação, inicia-se a


avaliação com a vítima com entrevistas, observações lúdicas, desenho livre,
aplicação de testes psicológicos (HTP, Pfister, CAT).

P2 – Aplicamos algum teste; Escala de Estresse Infantil, HTP, Escala SISTO


e o Inventário de Frases no Diagnostico de violência doméstica contra
crianças e adolescentes.

P3 – Se for uma criança maior de 6 anos de idade, poderá ser aplicado o


IFVD para fortalecer a avaliação. Para crianças menores, serão utilizados
instrumentos estruturados e não estruturados segundo estabelece Rosa
Maria Lopes Affonso (2012). Se for necessário outro instrumento
psicológico, será avaliado seu uso de acordo com a idade e cognitivo.

162
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

P4 – Utilizo o Ludodiagnóstico com crianças (mínimo de 3 sessões); Caixa


lúdica (incluindo família de bonecos sexuados); Testes: Projetivos,
Expressivos (HTP, Desenho da Família, Desenhos - Estórias etc). Métodos
e técnicas utilizadas com adolescentes são o Psicodiagnóstico ou
Ludodiagnóstico (mínimo de 3 sessões); os Testes: Projetivos, Expressivos
(HTP, Palográfico, Desenho da Família, Desenhos - Estórias etc).

P5 – Em geral, usa-se distintos modelos de entrevistas, técnicas


psicométricas e projetivas, compatibilizadas numa perspectiva
epistemológica da complexidade, articulando conceitos e teorias num viés
dedutivo numa prática abdutiva.

Os participantes fazem uso de testes psicológicos de cunho


projetivo e psicométrico, utilizando-os e selecionando-os conforme a
demanda. Estes devem estar adequadamente validados pelo CFP -
Conselho Federal de Psicologia, e pelo SATEPSI – Sistema de Avaliação de
Testes Psicológicos. O uso dos testes nas perícias psicológicas traz
completude a avaliação em questão. Os testes permitem aprofundar-nos
na compreensão do sujeito ao medirem características não passíveis de
percepção ou mensuração apenas por entrevistas e observações. Desta
forma é possível eliminar parte considerável da “contaminação”
subjetiva da percepção e julgamento do avaliador, bem como, diminuir
a possibilidade do sujeito manipular a avaliação psicológica, ação já
esperada neste tipo de perícia ou mesmo sanar duvidas e esclarecer
detalhes que não ficaram tão claros até o presente momento. (JUNG,
2014). Convém ressaltar todavia que não existem instrumentos
psicológicos, como testes psicométricos ou projetivos, específicos à
constatação da violência sexual (HERMAN, 2005), Neste sentido cabe ao
psicólogo escolher da melhor forma, instrumentos que lhe subsidiem em
cada caso.
Foi questionado aos participantes se existe padrão para a escolha
dos instrumentos utilizados bem como para a realização de
procedimentos para este tipo de avaliação psicológica;

163
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

P1 - Os procedimentos acima (referência ao texto descritivo sobre os


procedimentos utilizado pela participante) desenvolvidos são pré-
determinados para a avaliação psicológica nesses casos. [...] Os
procedimentos vão variando conforme a faixa etária, para adequar os
testes psicológicos, por exemplo, a linguagem a ser utilizada no momento
da avaliação, bem como as pessoas que são relevantes para serem as
fontes de informações a respeito do caso[...] A padronização penso ser uma
forma positiva para dar início ao processo de avaliação, mas não a
enxergo como rígida, ficando a cargo do profissional estabelecer as
melhores estratégias para avaliar o caso.

P2 - Com relação à padronização, penso que é importante ter um roteiro


padrão, contudo deve-se ter uma flexibilidade, pois cada caso é um caso e
pode exigir condutas e procedimentos diferentes.

P3 – (...) existem importantes autores que decidiram estruturar sua


avaliação e compartilham tais saberes. No entanto, cada profissional pode
ainda organizar seu protocolo de modo a tornar mais robusta sua
avaliação e obter dados mais fidedignos sobre o caso.

P5 - Não há um padrão de instrumentos e técnicas para se utilizar, mas


sim um parâmetro epistemológico, teórico e ético (pressupostos que
orientam a ação conforme o caso concreto). Logo, é fundamental
conhecimento em psicopatologia infanto-juvenil e da psicopatologia
traumática; domínio dos instrumentos e técnicas psicológicas com validez
e confiabilidade, principalmente aqueles para uso no contexto forense.

É possível perceber concordância dos participantes 2,3 e 4 sobre


a inexistência de padronização destes procedimentos e instrumentos a
serem utilizados. Estes também concordam sobre a existência de
diretrizes não rígidas que possibilitam norteamento geral ao psicólogo,
afim de que seu trabalho não perca coesão. Existe ainda uma
compreensão positiva da não existência de padrões rígidos, pois assim é
possível uma pratica flexível, o que indispensável quando falamos de
uma área como esta, onde literalmente, cada caso é um caso.
Tendo portanto, flexibilidade nesta pratica profissional através
da inexistência de padrões rígidos, somado a existência de diretrizes
flexíveis para auxiliar a estruturação de tal prática, encontra-se equilíbrio,
sendo possível alcançar as demandas subjetivas, respaldando-se no
apoio objetivo das diretrizes que se permitem flexionar, minimizando

164
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

assim, riscos de perder-se em meio a imensidão que é a subjetividade de


cada caso.
Sobre o assunto Jung (2014) afirma que não existem
metodologias fixas para a realização de avaliações psicológicas, mas sim
a construção de uma pratica que pauta-se nas características do caso e
do sujeito periciado, bem como a leitura dos autos para levantamento
prévio de hipóteses. Sobre o sujeito serão considerados aspectos como
nível de escolaridade, idade, presença de limitações físicas ou mentais,
entre outros, possibilitando assim a adequação de levantamento de
informações ao periciado.
Ainda sobre a mesma questão, a participante 4 responde:

P4 - Não há padronização. O que existe são diretrizes no sentido de criar


protocolos e estabelecer um padrão. Não se trata tão somente de se criar
padrões e protocolos. É necessária uma melhor definição do papel do
psicólogo no que tange a temática do abuso infanto-juvenil, em específico,
na seara jurídica. Dependendo do Órgão em que atua e incluo aqui o
próprio Juizado da Infância e Juventude, esse profissional que ocupa o
cargo de - Analista Judiciário- e compõe a denominada “equipe técnica”,
nem sempre dispõe de tempo hábil para realizar uma avaliação criteriosa
submetendo-se, por vezes, ao sumário prazo legal. Nessa condição
“limitada”, seus achados, não raro, apresentam lacunas questionáveis
para quem está no outro polo, o Psicólogo Assistente técnico – de confiança
da parte envolvida no processo.

A participante 4 ressalta questões limitadoras, que vão além de


padrão de técnicas e instrumentos para a realização de uma avaliação
assertiva. O tempo insuficiente para uma avaliação meticulosa e bem
elaborada apresenta-se como um desafio ao perito. Não se pode fugir
desta limitação, afinal o trabalho do psicólogo, neste âmbito, responde
uma demanda judicial, logo possui prazos que nem sempre serão
condizentes as necessidades da mais minuciosa avaliação. Estas são
limitações internas a um sistema que devem ainda ser discutido e
problematizado, a fim de que se encontrem resoluções cabíveis e
eficazes.
165
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

Outra questão relevante são as possíveis falhas na indefinição de


papel profissional advinda do próprio psicólogo. Isto implica em
confusão geral, afinal, se o próprio psicólogo não tem definido para si
seu papel, quem então poderá entender suas atribuições? É fundamental
que o psicólogo reconheça com clareza seu papel, atribuições
peculiaridades e limitações, seja no contexto jurídico ou em qualquer
outro. (BRITO 2012).
A pesquisa de Gava (2012, p. 77), que aborda o desconhecimento
das atribuições do psicólogo por ele mesmo, quando este atua em
avaliação psicológica de casos de suspeita de abuso sexual contra a
criança e o adolescente, exemplifica o quão tal desconhecimento pode
ser danoso ao resultado final deste trabalho:

Peritos que atuam nomeados por juízes em casos de abuso sexual,


muitas vezes, não são imparciais, posicionando-se de um ou outro
lado, afirmando categoricamente a ocorrência do abuso [...] “Eles
fazem papel de investigador, delegado, promotor, juiz e perito. Mas
o que eles não são é perito, porque eles investigam, acusam e julgam
e se brincar colocam até a pena”. (GAVA, 2012, p.77)

O psicólogo perito deve ter responsabilidade de sempre


aprimorar-se em seu trabalho, conhecer o que se faz é o mínimo para a
existência de uma atuação coesa e assertiva. Já é de nosso conhecimento
que não cabe o papel julgador na avaliação psicológica forense e de como
deve ser a postura ética, pautada na imparcialidade e na condução
técnica do trabalho.

Alcances e Limites Da Avaliação

Ao analisar a existência de atribuição de relevância à avaliação


psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança e o
adolescente, pelos profissionais que a executam, estas foram as
respostas obtidas;
166
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

P1 - A avaliação permite enxergar uma dinâmica familiar mais ampliada


com observação de possíveis riscos e vulnerabilidades dessa vítima diante
de um contexto acusatório, além de agregar ao processo judicial
informações relevantes para a proteção dessa família e funcionamento
psicológico dessa vítima.

P2 - Atribuo muita relevância a este trabalho, posto que crianças e


adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes precisam ser ouvidas e
vistas como sujeito de direitos, tendo resguardado esses direitos, inclusive
o direito a se expressar sobre o que aconteceu consigo ou que tenha
testemunhado, além do direito de falar sobre seus sentimentos, medos e
pensamentos, além de expor as consequências psicológicas, físicas,
emocionais, cognitivas e relacionais que possam ocorrer advindas da
violência vivenciada ou testemunhada, e deve ser apresentada ao
magistrado por meio da avaliação psicológica.

P3 - A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual tem


extrema importância, pois pode servir de ferramenta preventiva e
protetiva. Por isso, se bem feita, pode respaldar a decisão judicial e
interromper a violência cometida.

P4 – É de extrema relevância que o psicólogo que trabalha neste contexto,


seja academicamente habilitado/capacitação continuada, assim como
possua prévia experiência clínica com o público infanto-juvenil de modo a
evitar a revitimização, segundo trauma ou vitimização secundária.

P5 - Atualmente há um protagonismo das perícias psicológicas nas


decisões judiciais, devido à perícia médica pouco comprovar a
materialidade dos fatos, da maioria dos abusos ocorrerem em lugares
privados, sem testemunhas, de envolver muito afeto (a maioria é praticado
por familiares o que complica as informações sobre o acontecimento),
além do que as pesquisas da Psicologia tomaram uma proporção alta de
confiabilidade científica nestes casos (muito estudado). Portanto, o saber
da Psicologia é significativo neste campo.

Foi possível notar que todos os participantes consideram a


avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual infanto-
juvenil importante em diferentes aspectos. Os participantes 1, 3 e 5
consideram esta avaliação eficiente ao agregar e respaldar a decisão
judicial.
Para o participante 5, parte da relevância desta avaliação reside
no protagonismo que que esta vem tomando por alcançar aspectos que a
pericia medica não alcança. Visto que a pericia médica se limita a exame
167
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

físico, seus resultados não abrangem a complexidade de alguns casos,


onde não há toque nem consumação do ato sexual, mas não deixam de
constituir-se em abuso, ou mesmo nas ocasiões, não raras, em que há
confusão, por parte da vítima entre o que seriam afetos e o que seria
violência. (PELISOLI, 2013; MIRANDA, 2016).
A perícia psicológica jurídica foi evidenciada também como
ferramenta prevenida e protetora contra possíveis abusos sexuais ou
agravo dos mesmos, pelos participantes 1, 2 e 3, devido a sua capacidade
de evidenciar aspectos da dinâmica familiar da possível vítima bem como
sinais riscos e vulnerabilidades (PELISOLI, 2013) Pela realização deste
trabalho, é possível que as vítimas e testemunhas ganhem visibilidade e
sejam amparadas como os sujeitos de direitos que são.
Conforme Arboit (2015) também é responsabilidade do psicólogo
fazer os encaminhamentos da vítima para acompanhamento na Rede de
Apoio Psicossocial, quando necessário, desta forma é possível trabalhar
a favor de amenizar os danos causados pela violência sofrida,
protegendo a vitima e assegurando-lhe a garantia do direito ao
desenvolvimento saudável.
Foi perguntado ainda aos participantes se eles consideravam que
a Avaliação Psicológica em casos de suspeita de abuso sexual infanto-
juvenil alcança completamente o que se propõe a fazer:

P4 - Não

P1 - Não. Uma vez dentro de uma instituição judicial em que se preza por
elementos de prova para a responsabilização do agressor, a avaliação
psicológica é utilizada mais para buscar circunstâncias no discurso da
vítima que corroborem as acusações alegadas no processo. Seria a busca
da verdade e da mentira no contexto da avaliação psicológica que não
cabe ao profissional psicólogo esse tipo de papel.

P5 - Há que se lembrar das limitações teóricas e técnicas que há na


Psicologia e das possíveis limitações na coleta de dados que cada caso
impõe. Há momentos que não é possível ter acesso às informações
fundamentais, complicando um parecer sobre o fato.

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CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

P3 - Se bem realizado, sim!

P2 - Em muitos casos sim, pois a avaliação psicológica permite ao


magistrado ter uma visão mais completa das situações processuais,
ampliando o seu entendimento sobre a questão. Contudo, quando o
magistrado não se coloca como parte de uma equipe e não confia ou não
dá crédito aos profissionais que trabalham com ele, possivelmente ele
desvalorizará a avaliação realizada, empobrecendo seu entendimento e
seu trabalho.

Os participantes 1 e 5 apresentam argumentos que podem


representar empecilhos para que a avaliação em questão alcance o
objetivo a que se propõe. O primeiro desses argumentos é que o
judiciário trabalha com provas concretas, e é isso que ele espera do
resultado da perícia psicológica, não obstante, não é isto que a avaliação
psicológica jurídica oferece, assim sendo, ela não alcançaria ao que se
propões.
A perícia psicológica não atende a expectativa por vezes
depositada pelo judiciário, de responder de forma categórica a
ocorrência ou não de abuso sexual, a fim de que se use tal afirmação
como prova. No entanto, este não é o papel da avaliação psicológica. Gava
(2012) afirma que o papel da avaliação psicológica em casos de suspeita
de abuso sexual contra a criança e o adolescente, não é provar a
ocorrência da violência sofrida, mas auxiliar na investigação do fato
através de levantamento de dados não visíveis a outros profissionais,
colocando esses de forma neutra, usando sempre termos probabilísticos.
Isto posto, conclui-se de fato, a perícia psicológica não atende a
expectativa de responder categoricamente as demandas do judiciário, no
entanto é importante lembrar que isso é uma expectativa, não o papel da
avaliação de fato.
O segundo argumento diz respeito a limitações teóricas e
técnicas que podem incorrem num levantamento de dados falho.
Questões de tempo, não especificidade de instrumento a constatação de
abuso sexual infanto-juvenil, distorção dos fatos apresentados pelos

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CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

entrevistados, como já citado nas observações anteriores, além de contra


tempos no dia a dia desta pratica, pode por vezes dificultar de fato a
execução desta avaliação.
As participantes 3 e 2 afirmam que a avaliação psicológica em
casos de suspeita de abuso sexual infanto-juvenil alcançam ao que se
propões fazer. A participante 3 condiciona tal afirmação à realização
adequada desta avaliação. A participante 4 acrescenta que a perícia
psicológica pode auxiliar ao magistrado a ampliar seu entendimento
sobre o fato em questão.
Em coesão a esta visão Silva (2003) afirma que, o juiz recorre a
avaliação pericial quando os argumentos ou demais provas das quais se
dispõe não são suficientes para esclarecer o caso a fim de que seja
tomada decisão sobre o mesmo. Portanto, a pericia apresenta-se útil
como auxiliar ao juiz em sua decisão acerca dos fatos que estão sendo
julgados.
Impasses, limitações, assim como, possibilidades e pontos de
eficácia são trazidos nas falas dos profissionais a respeito da avaliação
psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança e o
adolescente. Ambos os lados possuem relevância e coesão, devem assim
serem considerados. Portanto, não chegando assim a um consenso para
a resposta desta pergunta, possibilita-se abertura para reflexões.

Necessidade Dos Profissionais.

Para iniciar as considerações sobre as necessidades profissionais


deste ramo, foi indagado aos psicólogos se eles se sentiam preparados
para atuarem com avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso
sexual contra crianças e adolescentes.

P3 - Sinto-me preparada sim!

170
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

P2 - Sim, me sinto preparada para atuar nesta área. Nestes 13 anos de


atuação como psicóloga no judiciário, numa vara específica de crimes
sexuais contra crianças adolescentes, realizei e realizo muitas
capacitações profissionais relacionadas à área, com intuito de manter
uma educação continuada e aprimorar minha atuação.

P4 - Sim!

P5 - Atualmente mais seguro, mas ainda em processo de estudo de


algumas técnicas e instrumentos que podem auxiliar de modo importante.

P1 - Não. Apesar do tempo de atuação acredito que a cada processo


trabalhado existe a necessidade de aprimoramento profissional em uma
educação continuada que proporcione ao profissional habilidades para o
desenvolvimento de seu trabalho, com qualidade, nesta demanda
crescente”.

Os participantes 1, 2, 3 e 4 demonstram sentirem-se seguros em


suas práticas, enquanto que a participante 5 não se considera segura. Os
participantes 2, 5 e 1 trazem também aspectos relacionados a educação
continuada como forma de garantir uma atuação mais assertiva.
Capacitação e aprimoramento na área são destacados como caminho para
que o profissional desenvolva de forma satisfatória neste trabalho que
se mostra tão singular em cada caso, exigindo tanto da subjetividade do
psicólogo, de seus conhecimentos e forma de aplicação dos mesmos.
Por fim, aqui os psicólogos sugerem e fazem observações sobre
mudança necessárias para que os profissionais que nesta área atuam,
possam alcançar primor na realização de seu trabalho:

P1 - Mais debates sobre a demanda da violência sexual, cursos de


capacitação e qualificação profissional, integração de profissionais para
trocas de experiências.

P2 - A obrigatoriedade para que todos os profissionais envolvidos (equipe


multidisciplinar, magistrados, demais operadores do direito) realizem
capacitações lato e estrito senso visando a melhoria do trabalho e do
atendimento ao jurisdicionado. Além de um incentivo ao diálogo entre os
diferentes saberes que atuam hoje no judiciário.

P3 - Que todos os profissionais que atuam com a demanda infantil,


pudessem ser submetidos a qualificação específica em violência infanto-

171
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

juvenil, para fins de uso adequado dos instrumentos e ferramentas


avaliativas, bem como, obter o conhecimento teórico necessário para
respaldar sua prática.

P4 - Estabelecer critérios mínimos, talvez critérios éticos, para se atuar


com crianças e adolescentes afetados pelo abuso sexual. Tanto no
consultório particular, quanto na rede pública e demais Órgãos de
Proteção, é primordial que o profissional psicólogo não se coloque nesta
função como aprendiz em um processo de ensaio e erro. Vivência clínica
seria o ponto de partida, eu diria, para se pensar em ingressar nesse palco
onde não cabe empirismo, e sim profissionais dispostos a investir de
maneira permanente em estudo, supervisão e no seu próprio processo
psicoterápico [...]. É de extrema relevância que o psicólogo que trabalha
neste contexto, seja academicamente habilitado/capacitação continuada,
assim como possua prévia experiência clínica com o público infanto-
juvenil de modo a evitar a revitimização, segundo trauma ou vitimização
secundária.

P5 - Educação permanente e incluir a pesquisa e o ensino na sua prática.

Volta-se mais uma vez aqui para a necessidade de educação


continuada na área especifica, o que muito chama a atenção, por sua
retroação em mais de uma resposta. Tal retroação aponta que este de
fato é um aspecto de extrema importância, e merece atenção.

Na maioria das faculdades nem sequer é lecionada a disciplina de


Psicologia Jurídica. É aconselhável uma formação específica para
Peritos e Assistentes Técnicos. O Mestrado profissionalizante e/ou
uma especialização seriam imprescindíveis. É importante, ainda,
serem desenvolvidas pesquisas que possam referendar a
experiência prática já existente. O Tribunal de Justiça deveria
incentivar seus psicólogos a produzir mais intelectualmente: quer
financiando e autorizando pesquisas, quer incentivando-os a se
especializarem e reciclarem periodicamente”. (CASTRO 2010).

Embora os conteúdos necessários a essa pratica não encontrem-


se, na maioria das vezes, na academia, é de responsabilidade do
psicólogo dar complemento a sua formação, afim desenvolver atuações
responsáveis e coesas. Seria ideal também o engajamento desses
profissionais no desenvolvimento de pesquisas e debates
interdisciplinares sobre esta pratica, possibilitando atualização e
obtenção de ideias através da experiência com o outro. Tais diretrizes
172
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

apresentam-se como a forma mais segura para a garantia de um bom


trabalho avaliativo.

Considerações finais

Mediante essa pesquisa foi possível compreender sobre a

avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual infanto-

juvenil realizada por psicólogos jurídicos do Norte do Brasil. Muitos

dados obtidos coincidem com o referencial teórico que reflete a forma

de realização desta mesma prática no restante do Brasil. Foi possível

observar relevância e sentido atribuído pelos próprios profissionais à sua

pratica, bem como criticas e sugestões para melhorias da mesma.

Os procedimentos e instrumentos utilizados pelos psicólogos


para a apuração de dados é extremamente similar, suas variações são
mínimas, embora a maior parte dos participantes tenha afirmado não
haver padrão rígido que dite a forma ou instrumentos para a realização
da avaliação psicológica no contexto jurídico. Todos reconhecem a
importância da não centralização exclusiva da avaliação à vitima, bem
como o uso de instrumentos e estratégias que proporcione coleta de
informações complementares aos dados obtidas na entrevista, afim de
obter resultados com maior riqueza e clareza de detalhes, possibilitando
assim a melhor avaliação psicológica possivel dentro de um contexto,
por vezes, limitado. A pesquisa evidenciou ainda que e educação
continuada é uma das maiores lacunas a serem preenchidas, podendo ser
essa chave para uma atuação sensata e coerente.
Por fim há de ser feito reflexões a respeito do maior ponto de
divergência entre os entrevistados, que seria a questão da avaliação
psicológica jurídica especifica a casos de suspeita de abuso sexual contra
173
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
e ao adolescente: Uma pesquisa com psicólogos jurídicos do norte do brasil.

crianças e adolescentes, alcançar ao que se propõe. Ao analisar


possibilidades de realização da perícia psicológica jurídica em caso de
suspeita de abuso sexual infanto-juvenil, de forma teórica e pratica, é
minimamente curioso observar como um laudo, que em teoria deveria
ser objetivo e assertivo, é realizado de forma a exigir tanto da
subjetividade do perito. A limitação da avaliação psicológica neste
contexto, é uma realidade a ser aceita, esta não proporcionará com
certeza a ocorrência ou não da violência, no entanto, ainda assim, pode
fazer-se extremamente útil, talvez até indispensável, por ser o mais
próximo a ocorrência dos fatos que (por hora) é possível chegar, nestes
casos em que a violência não pode ser comprovada de forma física.

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GAVA, L. L. Perícia psicológica no contexto criminal em casos de suspeita de abuso


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175
CAPÍTULO 8 – A avaliação psicológica em casos de suspeita de abuso sexual contra a criança
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THEODORO JÚNIOR, H. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito


processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.

APÊNDICE A – MODELO DE ENTREVISTA

Dados Básicos Pessoais:


Estado e Cidade de Residência e Atuação Profissional ( ) Sexo ( ) Idade ( )

Local de atuação:
Psicólogo do Tribunal de Justiça ( )
Psicólogo de outros órgãos ( )
Psicólogo particular ( )

1 Há quanto tempo você trabalha (ou trabalhou) com Avaliação Psicológica em casos de
suspeita de abuso sexual contra criança e adolescentes?

2 Como você realiza (ou realizava) a Avaliação Psicológica em casos de suspeita de abuso
sexual contra criança e adolescentes? (Incluir procedimentos e instrumentos).

3 Existe padrão pré-determinado a seguir para a realização da Avaliação Psicológica em casos


de abuso sexual infanto-juvenil? Como você enxerga a existência ou não existência desta
padronização?

4 Você atribui relevância a este trabalho? Qual(ais) seriam estas?

5 Você considera que a Avaliação Psicológica em casos de suspeita de abuso sexual infanto-
juvenil alcança completamente o que se propõe a fazer?

6 Você se sente preparado profissionalmente para realização desta atividade? (Caso não
atue na referida área no presente momento, responder com base na época em que atuava).

7 Você sugeriria alguma mudança para que os profissionais alcançassem primor


na realização desta atividade? Se sim, qual(ais)?

176
Sobre os autores

Andreia Calçada, Psicóloga formada pela Universidade do Estado do Rio


de Janeiro, especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade Cândido
Mendes e mestranda em Sistemas de Resolução de Conflitos pela
Universidade Federal Lomas de Zamorra – Argentina.

Carmen Amorim Gaudêncio, Doutora em Psicologia pela Universidade


Complutense de Madri - Espanha. Professora Associada do Departamento
de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. Área Avaliação
Psicológica e Psicodiagnóstico. Coordenadora do Laboratório de
Avaliação e Intervenção Clínica Forense – LAICF/UFPB/CNPq. Perita Cível
de Criminal Colaboradora do Tribunal de Justiça da Paraíba. Diretora
Científica da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica – Gestão 2017-
2019. Experiência na atenção em vitimologia, especialmente, na atenção
de vítimas de todo tipo de delito [gênero, terrorismo, violência familiar]
junto ao Plantão do Juizado de Comunidade de Madri-Espanha e Serviço
de Atenção à Vítimas de Todo Tipo de Delito da Comunidade de Madri
Espanha (Oficina Judicial). Consultora Ad hoc do Sistema de Avaliação de
Testes Psicológicos do Conselho Federal de Psicologia (SATEPSI).

Dannilo Jorge Escorcio Halabe, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-SP,


2018), Mestre em Educação (UFMA, 2012), Especialista em Metodologia
do Ensino Superior (CEMES/UFMA, 2011) e Graduado em Psicologia (UFMA,
2008). Conselheiro do III Plenário do Conselho Regional de Psicologia do
Maranhão (CRP 22). Atua como professor da Universidade Federal do
Maranhão e da Universidade CEUMA. Tem experiência nas áreas de
Psicologia, com ênfase em Psicanálise (Clínica) e Metodologia de Pesquisa.

Francisca Moraes da Silveira, Pesquisadora e Professora Associada do


Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA). Professora da Universidade CEUMA. Doutora e Mestre em
177
Psicologia Universidade Federal do Pará (UFPA), Especialista em Gestão
Pública pela Fundação João Pinheiro de Minas Gerais, Especialista em
Psicologia do Trânsito pela UFMA. Graduação e Licenciatura em
Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília do Distrito Federal,
Brasília (UniCEUB-DF). Psicóloga Jurídica, Líder do Grupo de Estudo em
Psicologia Jurídica, Políticas Públicas e Desenvolvimento (GEPPJPPD)-
UFMA. Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Maranhão;
Membro do Fórum Nacional dos Conselhos Penitenciários Nacionais
(FONACOPEN); Presidente do Conselho Deliberativo da Associação de
Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) do Maranhão. Membro da
Associação Brasileira de Neuropsicologia; Vice-Líder do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Especial na Educação Básica (GEPEEEB)- UFMA.
Membro do grupo de Pesquisa em Neuropsicologia da Universidade
CEUMA. Consultora ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).

Francisco de Jesus Silva de Sousa, Possui graduação em Psicologia e


mestrado em Psicologia Socia pela Universidade Gama Filho e doutorado
em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É professor
efetivo da Universidade Federal do Maranhão, lotado no Departamento
de Psicologia.

Hellen Fonseca de Sousa da Costa Vale, Psicóloga Clínica, Mestre e


Doutora em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB), na
linha de pesquisa “Saúde Mental e Ações Terapêuticas”. Formação em
Saúde Mental. Professora nos cursos da área de saúde no Centro
Universitário ICESP de Brasília

João Carlos Alchieri, Professor titular da Universidade Federal do Rio


Grande do Norte nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
e Ciência, Tecnologia e Inovação (UFRN). Ex-presidente (2017-2019)
Diretor Científico da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ
2019-2021) e Director Cientifico Nacional para Brasil da Asociación
Latino Americana de Psicología Jurídica y Forense ALPJF (2020 - 2021).

Jonas Aguiar Alves Junior, Psicólogo formado pela Universidade Federal


do Maranhão especializando pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Atuou como gestor em empresa pública e privada.

Lívia de Tartari e Sacramento, psicóloga judiciária do Tribunal de


Justiça de São Paulo e professora do Centro Universitário Fundação Santo
André.

178
Lucas Martins Gama, Advogado, formado em direito pela Universidade
Federal do Maranhão, Mestrando em Inovação Tecnológica (UFMG) e Pós-
Graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Marta Helena de Freitas, Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia


(UnB). Pós-Doutora em Psicologia da Religião (University of Kent at
Canterbury, UK, e University of Walles Trinity University Saint David, UK)
e Psicologia Intercultural (Universidade do Porto, Portugal). Professora
pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UCB.
Coordenadora do GT Psicologia & Religião da ANPEPP. Membro da
Internacional Association for Psychology of Religion - IAPR.

Shayenne Medeiros Uchôa, discente concluinte do Curso de Graduação


em Psicologia. Pesquisadora do Laboratório de Avaliação e Intervenção
Clínica Forense – LAICF/UFPB/CNPq

Suzanne Marcelle Martins Soares, Graduada em Psicologia pela


Universidade Federal do Maranhão. Especialista em Avaliação Psicológica.
Ocupa a função de psicóloga no Programa Força Estadual de Saúde do
Maranhão desde 2016.

179
CADERNOS DE PSICOLOGIA JURÍDICA
INTERFACES EM PSICOLOGIA JURÍDICA E FORENSE

A Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ) é uma instituição científica e


profissional com o objetivo de desenvolver pesquisas, compartilhar ideias e integrar
profissionais, fomentando as relações entre psicologia, direito, justiça e lei entre
psicólogos e profissionais do âmbito jurídico.

Este é o quarto volume da coleção Cadernos de Psicologia Jurídica. Trata-se de uma


publicação seriada voltada a atualização profissional com temática referente a interface
entre Psicologia Jurídica e Forense. Editado pela ABPJ com o objetivo de informar,
atualizar, instrumentalizar e referenciar ações técnico-cientificas em psicologia,
Cadernos de Psicologia Jurídica concretizam as ações de importância quanto a
atualização e formação profissional continuada, de psicólogos e demais interessados, no
contexto jurídico.

ORGANIZADORES:
João Carlos Alchieri – Professor Titular Universidade Federal do Rio Grande do
Norte nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Ciência,
Tecnologia e Inovação (UFRN). Ex-presidente (2017-2019) Diretor Científico da
Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ 2019-2021) e Director Cientifico
Nacional para Brasil da Asociación Latino Americana de Psicología Jurídica y
Forense ALPJF (2020 - 2021).

Cândida Helena Lopes Alves – Professora Pesquisadora do Laboratório de


Neurociências e Comportamento da Universidade CEUMA, Membro do GT da
Associação Nacional de Pesquisa s Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) de
Avaliação Cognitiva e Neuropsicológica, Representante da Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia (SBNp) no Maranhão.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA JURÍDICA

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