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BIOQUÍMICA

 Um composto orgânico tem a capacidade de formar uma cadeia carbônica. (C e H).


FUNÇÕES
 Hidrocarbonetos C e H
 Oxigenadas O
 Nitrogenadas N
CARBONO
 Capaz de formar longas cadeias
 Realiza quatro ligações (covalentes - muito forte) → molécula de enzima quebra a ligação covalente.

FUNÇÕES ORGÂNICAS
 Hidrocarbonetos (C - H) → alcano, alceno, alcino.
 Álcool (OH)
o OH - hidroxila carbono saturada (R-OH)
o Todo álcool termia com "ol".
 Fenol (OH) → OH ligado ao anel aromático
 Aldeído → OH no final da cadeia.
 Cetona
 Ácido Carboxílico
o Ácidos graxos estão no grupo carboxílico
 Éster
o Triacilglicerol = triglicerídeo é o éster mais importante na bioquímica.
 Éter
 Amina
 Amida

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GLICOGÊNIO
Uma fonte constante de glicose sanguínea é uma necessidade imprescindível para a vida humana. A
glicose é a fonte preferencial de energia para o encéfalo e fornece a energia necessária para células com
poucas ou nenhuma mitocôndria, como os eritrócitos maduros. A glicose é, também, essencial como fonte
de energia para o músculo em exercício, onde é substrato para a glicólise anaeróbia. A glicose sanguínea
pode ser obtida de três fontes principais: dieta, degradação do glicogênio e gliconeogênese. A ingestão de
glicose e de seus precursores, como amido, monossacarídeos e dissacarídeos, é esporádica e, dependendo
do tipo de alimentação, nem sempre representa fonte segura de glicose para o sangue. Em contraste, a
gliconeogênese é capaz de fornecer uma síntese sustentada de glicose, embora seja um tanto lenta para
responder a uma redução no nível sanguíneo dessa substância. Sendo assim, o organismo desenvolveu
mecanismos para armazenar um suprimento de glicose em uma forma rapidamente mobilizável, o
glicogênio. Na ausência de uma fonte de glicose na alimentação, esse composto é rapidamente liberado a
partir do glicogênio hepático e renal. Da mesma forma, o glicogênio do músculo é degradado em grande
quantidade durante o exercício muscular, proporcionando uma importante fonte energética a esse tecido.
Quando os estoques de glicogênio se esgotam, deter- minados tecidos sintetizam glicose de novo, usando
aminoácidos das proteínas teciduais como principal fonte de carbonos para a via gliconeogênica.
Os principais estoques de glicogênio no corpo se encontram nos músculos esqueléticos e no fígado,
embora a maioria das demais células armazene pequenas quantidades para uso próprio. A função do
glicogênio muscular é servir como reserva de combustível para a síntese de trifosfato de adenosina (ATP)
durante a contração muscular. A função do glicogênio hepático é manter a concentração de glicose
sanguínea, especialmente durante o início do jejum.

CARBOIDRATOS
Os carboidratos são as moléculas orgânicas mais
Nomes genéricos: Exemplos:
abundantes na natureza. Eles possuem grande variedade de 3 Carbonos: trioses Gliceraldeído
4 Carbonos: tetroses Eritrose
funções, que incluem o fornecimento de fração significativa da
5 Carbonos: pentoses Ribose
energia na dieta da maioria dos organismos e a atuação como 6 Carbonos: hexoses Glicose
7 Carbonos: heptoses Sedoeptulose
forma de armazenamento de energia no corpo e como 9 Carbonos: nonoses Ácido neuramínico
componentes da membrana celular, mediando algumas formas de comunicação intercelular. Os
carboidratos também servem como componentes estruturais de muitos organismos, incluindo a parede
celular de bactérias, o exoesqueleto de muitos insetos e as fibras de celulose das plantas. A fórmula
empírica para muitos dos carboidratos mais simples é (CH2O)n, daí o nome “hidratos de carbono”.
CLASSIFICAÇÃO E ESTRUTURA DOS CARBOIDRATOS
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Os monossacarídeos (açúcares simples) podem ser classificados de
acordo com o número de átomos de carbono que contêm. Os carboidratos
com um aldeído como seu grupo funcional mais oxidado são denominados
aldoses, enquanto aqueles com um grupo cetona como seu grupo funcional
mais oxidado são chamados cetoses. Por exemplo, o gliceraldeído é uma
aldose, enquanto a di-hidroxiacetona é uma cetose. Os carboidratos que
apresentam um grupo carbonila livre recebem o sufixo “-ose”. (Nota: as
cetoses [com algumas exceções, como a fruto- se] recebem duas letras
adicionais no seu sufixo: “-ulose”, por exemplo, xilulose.) Os monossacarídeos podem se ligar por ligações
glicosídicas, criando estruturas maiores.. Os dissacarídeos contêm duas unidades de monossacarídeos, os
oligossacarídeos contêm de três até cerca de 10 unidades de monossacarídeos e os polissacarídeos contêm
mais de 10 unidades de monossacarídeos, podendo alcançar centenas de unidades de açúcares em sua
estrutura.
A.Isômeros e epímeros
Compostos que apresentam a mesma fórmula química, mas estruturas diferentes, são
denominados isômeros. Por exemplo, frutose, glicose, manose e galactose
são todos isômeros uns dos outros, com a mesma fórmula química,
C6H12O6. Os carboidratos isômeros que diferem na sua configuração ao
redor de apenas um determinado átomo de carbono (com exceção do
carbono da carbonila, veja “anômeros”, a seguir) são definidos como
epímeros um do outro. Por exemplo, a glicose e a galactose são epímeros
em C-4 – suas estruturas diferem somente na posição do grupo –OH no
átomo de carbono 4. (Nota: nos açúcares, a numeração dos carbonos
inicia na extremidade que contém o carbono da carbonila, ou seja, o
grupo aldeído ou cetona. A glicose e a manose são epímeros em C-2. A
galactose e a manose, entretanto, NÃO são epímeros – elas diferem na
posição dos grupos –OH em dois átomos de carbono (2 e 4) e são,
portanto, definidos somente como isômeros.
B. Enantiômeros
Um tipo especial de isomeria é observado em pares de estruturas
que são como imagens uma da outra no espelho. Essas imagens
especulares são denominadas enantiômeros, e os dois membros do par
são designados como D- e L-açúcares. Em seres humanos, a grande maioria dos açúcares é do tipo D-
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açúcares. Na forma isomérica D, o grupo –OH do carbono assimétrico (carbono ligado a quatro átomos ou
grupos diferentes) mais distante do carbono da carbonila está à direita, enquanto no isômero L, está à
esquerda. As enzimas denominadas racemases são capazes de interconverter isômeros D e L.
C. Ciclização de monossacarídeos
Menos de 1% dos monossacarídeos com cinco ou mais átomos de carbono ocorre na forma de
cadeia aberta (acíclica). Ao contrário, eles são encontrados predominantemente na forma de anel (cíclica),
na qual o grupo aldeído (ou cetona) reagiu com um grupo álcool do mesmo açúcar, tornando assimétrico o
carbono carbonílico (carbono 1 para uma aldose ou carbono 2 para uma cetose). (Nota: o termo piranose
refere-se a um anel de seis elementos, constituído por cinco carbonos e um oxigênio, por exemplo,
glicopiranose, enquanto o ter- mo furanose denota um anel formado por cinco elementos, com quatro
carbonos e um oxigênio.)
1.Carbono anômero. A ciclização cria um carbono anômero (o carbono que anteriormente fazia
parte da carbonila), gerando as configurações α e β dos açúcares, por exemplo, α-D-glicopiranose e
β-D- glicopiranose. Esses dois glicídeos são moléculas de glicose, mas são anômeros um do outro. As
enzimas são capazes de distinguir entre essas duas estruturas e de utilizar uma delas
preferencialmente. Por exemplo, o glicogênio é sintetizado a partir da α-D-glicopiranose, enquanto
a celulose é sintetizada a partir da β-D-glicopiranose. Os anômeros cíclicos α e β de um glicídeo em
solução estão em equilíbrio um com o outro e podem ser espontaneamente interconvertidos.
2.Glicídeos redutores. Se o grupo hidroxila ligado ao carbono anômero de um glicídeo na forma
cíclica não estiver ligado a qualquer outro composto por uma ligação glicosídica, o anel poderá ser
aberto. Esse glicídeo poderá atuar como agente redutor, sendo denominado glicídeo redutor. Ele
pode reagir com agentes cromo- gênicos (p. ex., o Reagente de Benedict ou a solução de Fehling),
causando redução e coloração do reagente, enquanto o grupo aldeído do açúcar acíclico torna-se
oxidado. (Nota: somente o esta- do do oxigênio no grupo aldeído determina se o glicídeo é redutor
ou não redutor.)

Um teste colorimétrico pode determinar se um glicídeo redutor está presente na urina. O


resultado positivo é indicativo de uma possível patologia, porque normal- mente glicídeos não
estão presentes na urina. Testes adicionais mais específicos podem ser realizados, a fim de
identificar o açúcar redutor.

D.Unindo monossacarídeos
Monossacarídeos podem ser ligados para formar dissacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos.
Dissacarídeos importantes incluem a lactose (galactose + glicose), sacarose (glicose + frutose) e maltose
(glicose + glicose). Polissacarídeos importantes incluem o glicogênio ramificado (proveniente de fontes

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animais), o amido (fontes vegetais) e a celulose não ramificada (fonte vegetal); cada um deles é um
polímero de glicose. As ligações que unem os açúcares são denomina- das ligações glicosídicas. Essas
ligações são formadas por enzimas conhecidas como glicosiltransferases, que utilizam como substrato um
nucleotídeo-açúcar, como a UDP-glicose.
1.Denominação das ligações glicosídicas. As ligações glicosídicas entre açúcares são denominadas
conforme o número dos carbonos que estabelecem a conexão e também conforme posição do
grupo hidroxila no carbono anômero do glicídeo envolvido na ligação. Se esse grupo hidroxila do
carbono anômero estiver na configuração β, a ligação é β. Se o grupo estiver na configuração α, a
ligação é α. A lactose, por exemplo, é sintetizada pela formação de uma ligação glicosídica entre o
carbono 1 de uma β-galactose e o carbono 4 da glicose. A ligação é, dessa forma, uma ligação
glicosídica β(1→4).

E. Carboidratos complexos
Os carboidratos podem unir-se por ligações glicosídicas a
estruturas que não são carboidratos, como as bases púricas e pirimídicas
(encontradas em ácidos nucleicos), anéis aromáticos (tais como as
encontradas em esteroides e na bilirrubina), proteínas (encontradas em
glicoproteínas e proteoglicanos) e lipídeos (em glicolipídeos).
1. N- e O-Glicosídeos. Se o grupo não carboidrato da molécula, ao
qual o açúcar está ligado, for um grupo –NH2, a estrutura é um N-
-glicosídeo, e a ligação é chamada de N-glicosídica. Se o grupo for
um grupo –OH, a estrutura é um O-glicosídeo, e a ligação é O-gli-
cosídica.

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OLIGOSSACARÍDEOS:
Os oligossacarídeos são carboidratos formados
por um pequeno número de monossacarídeos (n = 3 a
10) unidos por ligações glicosídicas. Entre os
oligossacarídeos, os mais comuns são os dissacarídeos
compostos por dois monossacarídeos, como a sacarose
(glicose + frutose em uma ligação α-1,2, entre C1 de
uma α-glicose e C2 da β-frutose) e a lactose (galactose +
glicose em uma ligação β-1,4, entre C1 de uma β-
galactose e C4 de glicose; como a extremidade
anomérica da glicose não está envolvida na ligação, a
lactose permanece como agente redutor. A sacarose é
derivada da beterraba e da cana-de-açúcar, sendo
altamente cariogênica, porque temos uma bactéria
Strepptococos mutans que só se alimenta de sacarose;
já a lactose é encontrada no leite. A maltose, outro
exemplo de dissacarídeo, é formada pela ligação glicosídica α-1,4 entre duas glicoses, sendo encontrada no
malte, no extrato de broto de cevada e em outros cereais, assim como é produzida pela hidrólise do amido
e do glicogênio.

POLISSACARÍDEO:
Os polissacarídeos são constituídos por centenas de resíduos de monossacarídeos, sendo a principal
forma de armazenamento de glicose nos seres vivos. Eles podem ser homopolissacarídeos ou
heteropolissacarídeos. As unidades monoméricas mais encontradas são D-glicose, D-manose, D-frutose, D-
galactose, D-xilose, D-arabinose ou D-glicosamina, D-galactosamina, ácido D-glicurônico, ácido N-
acetilmurâmico e ácido N-acetilneuramínico.
Podem formar cadeia linear, como na celulose, ou ramificada, como no amido e no glicogênio. Na
celulose, presente na parede celular do vegetal, as unidades de glicose são unidas por ligações glicosídicas
β-1,4. As moléculas de celulose estão organizadas em feixes de cadeia paralela, formando fibrilas
mecanicamente resistentes, sendo insolúveis em água, uma vez que os grupos OH interagem entre si por
meio de pontes de hidrogênio intramoleculares.

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O amido e o glicogênio (sacarídeos de armazenamento de energia) apresentam cadeias similares,
com um grau de ramificação maior no glicogênio; porém, a organização dos grânulos é totalmente
diferente entre os dois polissacarídeos.
O amido é composto por amilose e amilopectina, que correspondem a 20 e 80% do amido na
maioria das plantas, respectivamente (Figura 4.5). A amilose é composta por cadeias lineares de resíduos
de glicose unidas por ligação α-1,4; a amilopectina contém cadeias lineares mais curtas, com 24 a 30
unidades de glicose, e ramificações formadas por ligação C α-1,6. Uma das extremidades da amilopectina é
chamada redutora, sendo que suas cadeias se organizam em estruturas com grau de complexidade
crescente, formando matriz semicristalina, a qual, associada à amilose, resulta na construção de grânulos
de amido depositados nos cloroplastos e amiloplastos.
As cadeias de glicogênio se assemelham à amilopectina, pois contêm em média 13 resíduos de
glicose (ligações α-1,4) e duas ramificações por cadeia (ligações α-1,6). O glicogênio apresenta também
uma única extremidade redutora e todas as outras são não redutoras. A partir da extremidade não
redutora se dá a síntese ou a degradação dos resíduos de glicose do polímero. O glicogênio é armazenado
na forma de grânulos citosólicos na célula animal.
O amido é o carboidrato mais comum na dieta humana, na sequência vêm a sacarose e a lactose.
Consequentemente, o principal produto da digestão é a glicose, seguida pela frutose e a galactose. Já a
celulose, encontrada nas fibras alimentares, não pode ser digerida pelos seres humanos, uma vez que estes
não apresentam enzimas para a degradação das ligações β-1,4 entre glicoses. Os herbívoros e os térmitas
(cupins) podem digerir celulose com ajuda das celulases produzidas pelos microrganismos de seu sistema
digestório. Em humanos, as fibras (celulose) têm papel fisiológico importante na formação do bolo fecal
(reduzindo problemas como intestino preso e hemorroidas) e ainda modulam a absorção de glicose e
lipídios no intestino, reduzindo o aumento da glicemia (importante no controle do diabetes melito) e a
dislipidemia. Outros polissacarídeos de interesse em Odontologia são aqueles produzidos por alguns
microrganismos no biofilme dentário, como a dextrana (derivado da glicose) e o frutano (derivado da
frutose), que servem como reserva energética extracelular.

DERIVADOS:
Os carboidratos podem reagir com outras moléculas produzindo derivados, como ocorre quando
reagem com o álcool formando um glicosídeo (D-glicose + metanol = metil-a-D-glicopiranosídeo ou
simplesmente glicosídeo). Outra reação ocorre quando o grupo carbonílico dos monossacarídeos é
reduzido por H2gasoso sob atuação de catalisadores metálicos, dando origem aos açúcares-álcool
(aldotióis). A D-glicose e a L-sorbose podem formar o L-sorbitol. A D-manose pode formar o D-manitol.
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Essas reduções podem ser feitas utilizando-se enzimas. Outros aldotióis que ocorrem abundantemente na
natureza são: D-manitol e xilitol. O xilitol é um importante substituto do açúcar adicionado a diferentes
doces, como chicletes, que tem mostrado reduzir a incidência da cárie dentária, pois não é metabolizado
pelos microrganismos existentes no biofilme dentário, em comparação a outros tipos de açúcares.

Existe outro tipo de açúcar, o açúcar ácido, produzido por oxidação do grupo aldeído, como os
ácidos aldônicos (p. ex., ácido D-glucônico). O açúcar ácido também pode ser formado pela oxidação do
grupo aldeído e do C que sustenta o primeiro grupo hidroxílico; neste caso, são chamados ácidos aldáricos
(ácido D-glucárico). Os ácidos urônicos, por sua vez, são formados quando apenas o átomo de C que
sustenta o grupo hidroxílico primário é oxidado a um grupo carboxílico (p. ex., ácido D-glicurônico, ácido D-
galacturônico, D-manurônico, sendo componentes de muitos polissacarídeos). Um dos mais importantes
açúcares-ácidos é o ácido ascórbico ou vitamina C. Açúcares-fosfatos, outros açúcares modificados, são
importantes intermediários do metabolismo. Outro tipo é o desoxiaçúcar (remoção do oxigênio da OH)
como o 2-desóxi-D-ribose, encontrado nos ácidos nucleicos.
As aldoses e as cetoses podem reagir com aminas, em solvente apropriado, formando N-
glicosaminas, também chamadas N-glicosídeos. Como exemplo, dois aminoaçúcares de ampla distribuição
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são a D-glicosamina (2-amino-2-desóxi-D-glicose) e a D-galactosamina (2-amino-2-desóxi-D-galactose), em
que a hidroxila do C2 é substituída por aminogrupo.
Ácidos murâmicos e ácidos neuromuramínicos são encontrados nas paredes celulares bacterianas e
nos envoltórios celulares (glicocálice). São constituídos de um aminoaçúcar de 6C ligado ao açúcar-ácido de
3C, como por exemplo (1) o ácido N-acetilmurâmico, que consiste em N-acetil-D-glicosamina em ligação de
éter com ácido D-láctico, e (2) o ácido N-acetilneurâmico, derivado do N-acetil-D-manosina e do ácido
pirúvico. Os derivados N-acílicos do ácido neuramínico são geralmente denominados ácidos siálicos.
Os carboidratos modificados podem formar polissacarídeos. A quitina é um homopolissacarídeo de
N-acetilglicosamina (derivado da glicosamina) encontrado no esqueleto dos crustáceos e insetos, sendo o
segundo polissacarídeo mais abundante após a celulose. A quitosana é um derivado da quitina pela
desacetilação da glicosamina, sendo importante na área de saúde, pois é utilizada para induzir a
coagulação, como arcabouço para medicamentos em processos de regeneração e cicatrização em
Odontologia e Medicina assim como tem sido testada para a prevenção de erosão dentária. A quitosana
em pH fisiológico apresenta carga positiva, possibilitando interação com moléculas negativas presentes na
superfície das células e no esmalte dentário.

HETEROPOLISSACARÍDEOS:
Esses carboidratos modificados também podem formar heteropolissacarídeos (dois tipos de
monossacarídeos formando centenas de ligações). Um exemplo é o ácido hialurônico, que consiste em
resíduos de ácido D-glicurônico e N-acetil-D-glicosamina com ligações β-1,3 e β-1,4. O ácido hialurônico é o
exemplo de mucopolissacarídeo (também conhecido como polissacarídeo ácido, uma vez que o grupo
carboxila ou o grupo sulfato se encontra ionizável em pH fisiológico) mais comum, estando presente no
glicocálice e na substância fundamental amorfa extracelular dos tecidos conjuntivos, no fluido sinovial das
articulações e no humor vítreo do globo ocular. Apresenta carga negativa em pH 7,0, sendo solúvel em
água, levando à formação de soluções viscosas.
Outro mucopolissacarídeo é a condroitina (polímero linear de ácido D-glicurônico e N-acetil-D-
galactosamina, com ligações β-1,3 e β-1,4). Os seus derivados com ácido sulfúrico, como condroitina-4-
sulfato e condroitina-6-sulfato, são componentes importantes do envoltório celular das cartilagens, ossos,
córneas e tecido conjuntivo. Os dermato-sulfato e querato-sulfato são mucopolissacarídeos ácidos
encontrados na pele, córneas e tecidos ósseos. Heparina, por outro lado, é um mucopolissacarídeo que
impede a coagulação do sangue.

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CARBOIDRATOS CONJUGADOS:
Os sacarídeos podem se ligar às bases púricas e pirimídicas (encontradas nos ácidos nucleicos), aos
anéis aromáticos (esteroides, bilirrubina), às proteínas (glicoproteínas, proteoglicanas) e aos lipídios
(glicolipídios), como veremos a seguir. Os peptidoglicanos encontrados nas paredes bacterianas são
formados pela ligação de dissacarídeos (N-acetil-D-glicosamina + ácido N-acetilmurâmico) com peptídios, o
que confere certa resistência às bactérias, uma vez que enzimas não conseguem hidrolisar ligações entre
D-aminoácidos, com exceção da lisozima (enzima presente na saliva). A parede bacteriana ainda contém
ácido teicoico, polissacarídeos, polipeptídios, proteínas e lipopolissacarídeos (este último no caso das
gram-negativas).
As proteoglicanas são proteínas ligadas a sacarídeos formados por aminoaçúcares, sendo que a
maior parte da molécula é composta por carboidratos.
As glicoproteínas, por sua vez, são proteínas ligadas covalentemente (N-ligação ou O-ligação da
cadeia lateral do aminoácido asparagina ou serina/treonina, respectivamente) aos sacarídeos, que
apresentam menor porcentagem de carboidratos em sua molécula, se comparados à proteoglicana.
Enquanto as proteoglicanas são conhecidas pelo seu papel estrutural, as glicoproteínas têm função mais
versátil. As glicoproteínas são encontradas no glicocálice, no sangue, na forma de hormônios, anticorpos,
enzimas digestivas e como mucoproteínas das secreções (p. ex., ovoalbumina, Ig, mucina, colágeno, grupo
sanguíneo ABO). Por outro lado, os sacarídeos podem se ligar a proteínas, como a lectina, de maneira não
covalente. A lectina se liga ao sacarídeos, promovendo interação das células de forma específica. As
selectinas, por exemplo, são um tipo de lectina importante na resposta inflamatória.

Figura: Estrutura do heteropolissacarídeo: ácido hialurônico.

DESTINO DO CARBOIDRATO NO CORPO E CONSIDERAÇÕES FINAIS:


A digestão dos carboidratos inicia-se na boca pela atuação da α-amilase (atua nas ligações α-1,4),
porém tanto a amilopectina como o glicogênio apresentam ligações α-1,6 nas ramificações que não são
hidrolisadas por esta enzima. Portanto, o produto da digestão apresenta oligossacarídeos ramificados e
dextrina. A digestão dos carboidratos cessa temporariamente no estômago, pois a amilase é inativada e
retorna no intestino, onde há neutralização do ácido e subsequente atuação da amilase pancreática. A
digestão final ocorre por atuação de várias dissacaridases e oligossacaridases, sobretudo na porção
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ramificada do amido (amilopectina). A isomaltase rompe a ligação α-1,6, assim como a lactase rompe a
ligação β-1,4. O duodeno e o jejuno superior absorvem a maior parte dos glicídios da dieta.
Podem ocorrer defeitos na atuação das dissacaridases intestinais, causando a passagem de
carboidratos não digeridos para o intestino grosso, o que pode induzir à diarreia osmótica. Esse processo é
reforçado pela atuação de enzimas bacterianas que fermentam os carboidratos remanescentes, causando
cólicas, diarreia e flatulência. Deficiências de enzimas digestivas relatadas em bebês e crianças podem ser
de origem hereditária, ou causadas por doenças intestinais, má nutrição ou fármacos que danificam a
mucosa do intestino delgado. Grande parte da população apresenta intolerância à lactose devido à
redução na produção de lactase, principalmente com o avanço da idade. O fator causal, porém, ainda não é
completamente entendido. O tratamento se dá pela redução do consumo de leite e derivados, pelo
consumo de brócolis (fonte substituta de cálcio) e uso de lactase.

ÁGUA E SISTEMA TAMPÃO


A água, em seus diferentes estados físicos (sólido, líquido e gasoso), está relacionada com
fenômenos naturais. Em especial a forma líquida da água é associada ao principal componente que
possibilitou o surgimento dos primeiros organismos vivos no planeta Terra. Sua presença nos sistemas
biológicos é tão importante que a mesma representa quase 70% (em volume) do corpo humano. Em
algumas espécies esse percentual pode chegar a quase 90%, como nas águas-vivas, por exemplo. Apenas
pelo descrito anteriormente podemos concluir que, para entendermos algumas características e
particularidades da vida, e em detalhes alguns mecanismos biológicos (celulares e moleculares),
precisamos conhecer algumas propriedades da água.
A água não é apenas um meio inerte no organismo, também participa como reagente em reações
químicas, colabora com algumas conformações moleculares (membranas bilipídicas, enovelamento
proteico etc.), além de outras funções que discutiremos a seguir. Em determinadas condições e patologias
clínicas, a água (geralmente na forma de soro fisiológico, ou veículo de aplicação de outras moléculas) é um
dos primeiros elementos usados nas manobras de tratamento, como por exemplo, em casos de
desidratação e variação de eletrólitos no sangue (cálcio, potássio, sódio etc.).

PROPRIEDADES FÍSICAS E QUÍMICAS DA ÁGUA

A água, diferentemente de outras moléculas com peso molecular e constituição atômica


semelhantes, apresenta propriedades físicas como ponto de ebulição, fusão e calor de vaporização
bastante particulares. Outros solventes, com peso molecular parecido com o da água, apresentam todos
essas propriedades físicas praticamente incompatíveis com a vida como a conhecemos. Uma molécula
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individual de água apresenta um átomo de oxigênio (O) que faz ligação covalente com dois átomos de
hidrogênio (H), deixando dois pares de elétrons não compartilhados (forma tetraédrica). Ligações
covalentes são aquelas ligações fortes formadas pelo compartilhamento de um par de elétrons entre
átomos adjacentes.

Tabela 1.1 Pontos de fusão, ebulição e calor de vaporização de alguns solventes.


Ponto de fusão(°C) Ponto de ebulição (°C) Calor de vaporização (J/g)*

Água (H20) 0 100 2.260


Metanol (CH3OH) −98 65 1.100
Etanol (CH3CH2OH) −117 78 854
Propanol (CH3CH2CH2OC) −127 97 687
Butanol (CH3(CH2)2CH2OC) −90 117 590
Acetona (CH3COCH3) −95 56 523
Hexano (CH3(CH2)4CH3) −98 69 423
Benzeno (C6 H6) 6 80 394
Butano (CH3(CH2)2CH3) −135 −0,5 381
Clorofórmio (CHCl3) −63 61 247
*Energia na forma de calor necessária para converter 1 g de um líquido no seu ponto de ebulição e na
pressão atmosférica até seu estado gasoso na mesma temperatura. Esta é uma medida direta da energia
necessária para superar as forças de atração entre as moléculas na fase líquida.

A molécula de água (H2O) é, portanto, polar, ou seja, tem distribuição desigual (polarizada) de cargas.
O átomo de oxigênio apresenta uma carga parcial negativa e cada átomo de hidrogênio uma carga parcial
positiva; e estes elementos formam um dipolo. Dessa forma, as moléculas de água podem interagir entre si
por pontes de hidrogênio (H), também chamadas atualmente de ligações de hidrogênio. As ligações não
covalentes são classificadas em: interações eletrostáticas, pontes de H, interações de Van der Walls e
interações hidrofóbicas, diferindo em força, geometria e especificidade. Interação eletrostática ocorre
quando um grupamento carregado de uma molécula pode atrair uma de carga oposta em outra molécula,
dependendo da constante dielétrica do meio (a água apresenta alta constante dielétrica, 80, que é definida
como a força a se opor à atração eletrostática entre os íons positivos e negativos) e da distância entre os
átomos. A ponte de H é um tipo de interação eletrostática entre o H e o O ou o N (força de ligação: 4 a 20
kJ/mol ou 1 a 5 kcal/mol). O H covalentemente ligado a outro átomo eletronegativo é o doador, e o átomo
eletronegativo da mesma molécula, ou de outra, o aceptor de elétrons. Eletronegatividade é a medida de
afinidade de um átomo por elétrons.

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As interações de van der Walls se baseiam no fato de a distribuição de cargas em um átomo ser
assimétrica, o que pode induzir a uma assimetria complementar na distribuição de elétrons no átomo
vizinho. Esta atração aumenta à medida que os átomos ficam próximos até alcançarem a distância de
contato de van der Walls (força: 2 a 4 kJ/mol ou 0,5 a 1 kcal/mol). Em distâncias mais curtas, aumentam-se
as forças repulsivas. O efeito hidrofóbico ocorre quando moléculas apolares não conseguem participar das
interações anteriormente descritas com a água e se aglomeram.

Figura 1.1 Molécula de água e a ponte de hidrogênio.

Cerca de 460 kJ/mol é a força necessária para romper uma ligação covalente, e para romper a ponte
de H é de 20 kJ/mol. Outras ligações não covalentes são ainda mais fracas, como por exemplo, as
interações iônicas. As ligações nas pontes de H são mais longas (1,8 Å) e por isso mais fracas que as
covalentes (1 Å). No entanto, as ligações entre O e H não chegam a 2,7 Å, que é a soma de seus raios de
van der Waals (distância do núcleo à superfície reativa de elétrons). Portanto, a água pode formar pontes
de H não só com outras moléculas de água, mas também com uma ampla gama de outros compostos que
tenham grupamentos funcionais portadores de N, O ou S (interação dipolo-dipolo, força de atração 9
kJ/mol). Essas outras pontes de hidrogênio entre a molécula de água e compostos biológicos acontecem
com bastante frequência nos seres vivos, como por exemplo: entre o grupo hidroxila de um álcool e água;
grupos carbonil de uma cetona e água. Outras interações podem ocorrer entre a água e os compostos
polares mas sem carga elétrica (forças de van der Walls).
Cada molécula de água pode, potencialmente, participar de quatro pontes de hidrogênio, pois tem
dois átomos de hidrogênio para doar prótons e dois pares de elétrons não pareados que podem aceitar
pontes de hidrogênio. Isto é ainda mais evidente quando a água está na forma cristalina (gelo). Apesar de
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uma pequena diferença em relação ao número de pontes de H entre a água líquida e na forma de gelo, a
grande diferença está na vida média das pontes de H na água líquida (10 –11 s). Outros modelos ainda
propõem que as ligações por pontes de H são preservadas, porém, no estado líquido, as ligações
apresentam mais distorção quanto mais alta for a temperatura, causando maior instabilidade.
Devido às pontes de H, a água apresenta-se muito coesiva e com alta tensão superficial, possibilitando
que insetos andem sobre ela e que permaneça líquida à temperatura ambiente. A coesão é responsável
pelos elevados valores de ponto de fusão, ebulição, calor de vaporização, calor de fusão e tensão
superficial em comparação a outros hidretos, como por exemplo, o H 2S e NH3. Adicionalmente, a água é
considerada um bom solvente. Como a interação de água e íons é mais forte que a atração entre eles, sais
como NaCl (soluto) se dissolvem em água (solvente) (Figura 1.2). Cada íon do soluto envolvido em
moléculas de água é chamado de solvatado. Além das substâncias iônicas, existe outro grupo de moléculas
não iônicas, mas polares, que se dissolvem facilmente em água: açúcar, álcool (grupos hidroxílicos), aldeído
e cetonas (átomo de oxigênio da carbonila).
A presença de soluto causa uma mudança distinta na estrutura e nas propriedades da água, uma vez
que próximas ao soluto as moléculas de água são mais ordenadas e regulares. O efeito do soluto no
solvente é manifestado em outro conjunto de propriedades, as propriedades coligativas, que dependem do
número de soluto por unidade de volume dos solventes (p. ex., diminuição do ponto de congelamento,
elevação do ponto de ebulição e diminuição da pressão de vapor). Também conferem à solução pressão
osmótica (Figura 1.3).
Moléculas hidratáveis são chamadas hidrofílicas (ou polares); já compostos como alcano
(hidrocarboneto), que não têm grupo polar, são considerados hidrofóbicos (ou apolares). Quando uma
substância apolar como o óleo é misturada à água, formam-se duas fases, uma vez que a água fica
restringida de interagir com o soluto, representando uma perda de entropia. As moléculas apolares
tendem a se agregar, devolvendo a entropia à água, sendo este fenômeno chamado de efeito hidrófobo.
Moléculas anfipáticas ou anfifílicas experimentam tanto interações hidrofóbicas (cadeia de
hidrocarboneto) como hidrofílicas (carboxilato), formando as micelas ou bicamadas, como as membranas
biológicas (porção hidrofóbica protegida e porção hidrofílica exposta ao meio aquoso) (Figura 1.4).
Cabe ressaltar que, devido à característica polar da água, diversas condições e estruturas biológicas
foram “escolhidas” ou “selecionadas” para melhor adaptação e desenvolvimento de funções vitais, como
por exemplo: (1) membranas lipídicas – as membranas lipídicas são formadas por um interior hidrofóbico e
o exterior hidrofílico, devido ao meio aquoso (células) no qual estão inseridas; (2) mecanismos de
transporte para moléculas hidrofóbicas – algumas moléculas como os lipídios precisam ser transportadas
pelo sangue. Lembrando que o sangue é composto na sua grande maioria por água, os lipídios (moléculas
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hidrofóbicas) precisam de um transportador adequado para circularem no sistema sanguíneo de modo
eficiente. Assim, os lipídios hidrofóbicos se associam aos lípidios anfipáticos e às proteínas, formando
estruturas chamadas lipoproteínas plasmáticas.
A água não é meramente um meio inerte, mas sim um participante ativo nos processos bioquímicos.
Sua reatividade se deve à sua capacidade de se ionizar (H + ou H3O+ íon hidrônio + OH– hidroxila). A
ionização pode ser descrita por uma constante de dissociação: K = [H +][OH–]/[H2O]. Como a concentração
de H2O (55,5 M) é maior que H+ ou OH–, K é definido como Kw (constante de ionização da água ou produto
iônico): k[H2O] = [H+][OH–] = 10–14, uma vez que K = 1,8 × 10 –16 e [H2O] = 55,5 M. O produto iônico é a base
da escala de pH.

Figura 1.2 Dissolução do NaCl (soluto) em água (solvente). Notar a disposição das moléculas de H2O.

Figura 1.3 Sistema representando a pressão osmótica.

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Figura 1.4 Molécula anfipática e estruturas formadas pelas interações hidrofóbicas.

Em uma amostra de água pura, [H +] = [OH–] = 10–7 M. Como a Ka tem que ser sempre 10 –14, o [H+] e
[OH–] são inversamente relacionados. Em uma situação em que [H +] = [OH–] = 10–7 M, o pH é neutro; já uma
solução em que [H+] > [OH–] é considerada ácida (pH < 7), e outra com [H +] < [OH–] é dita básica (pH > 7).
Note que a escala de pH é logarítmica, assim uma diferença de uma unidade representa 10 vezes menos ou
mais H+. Exemplo: pH 7,4 significa [H+] = 3,9 × 10–8. O pH de uma solução pode ser alterado, se houver
adição de base ou ácido.

SISTEMA-TAMPÃO

A estrutura de muitas moléculas presentes nas células e nos espaços extracelulares é


extremamente sensível a variações de pH. Nos seres humanos, por exemplo, o pH plasmático deve ser
mantido em torno de 7,4, em uma faixa estreita de variação, uma vez que decréscimos a valores próximos
a 7 podem causar consequências drásticas. A manutenção do pH ideal pelos seres vivos se dá graças à
existência do chamado sistema-tampão.
Para definir sistema-tampão e comprender suas propriedades, é necessário conhecer a definição de
Brönsted-Lowry para ácidos e bases. Eles definiram ácidos como substâncias capazes de doar prótons e
bases como substâncias capazes de recebê-los. Um ácido (HA) em meio aquoso libera o próton (H+) e a

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base conjugada (A–). Uma simples representação disso pode ser feita por: HA = H+ + A–. A base conjugada
pode novamente receber um próton, convertendo-se novamente a ácido conjugado. Lewis definiu ácido
como um aceptor potencial de elétrons e a base, o doador potencial de par de elétrons.
Alguns ácidos são considerados fortes, uma vez que se dissociam totalmente em água, como por
exemplo: HCl e H2SO4. Outros ácidos dissociam-se parcialmente, por isso são denominados ácidos fracos.
Os ácidos fracos são caracterizados por uma constante de dissociação ou de ionização. Exemplo:
H3PO4/H2PO4– (pKa = 2,14), ácido lático/lactato (CH3CH(OH)COOH, pKa = 3,86), ácido acético/acetato
(CH3COOH, pKa = 4,76), H2CO3/HCO3– (pKa = 6,37), H2PO4–/HPO4–2 (pKa = 6,86), NH4+/NH3 (pKa = 9,25),
fenol/fenolato (pKa = 9,89), HPO4–2/PO4–3 (pKa = 12,40). Para uma substância com mais de um próton ácido
(H3PO4 com 3 H+ que podem se dissociar), há múltiplos valores de pKa (2,14; 6,86 e 12,40).
Um sistema-tampão é constituído, geralmente, por um ácido fraco e sua base conjugada. Na presença
de ácido, o sistema-tampão reage por intermédio de sua base conjugada que se associa aos prótons,
transformando-se em ácido. Dois aspectos são importantes, o H + (na forma de H3O+) adicionado reage com
a base, dessa forma o número de prótons é menor que se não houvesse base presente na solução. No
entanto, nem todo H+ reage com a base, pois se isto acontecesse manter-se-ia o número de H+ inicial, com
redução drástica de base e aumento expressivo de ácido (HA), o que alteraria o Ka (Figura 1.5).
Quando se adiciona base, o resultado é análogo ao anterior. Os íons OH – reagem com H+ (orginado do
ácido fraco), formando H2O (Figura 1.5). Haverá um consumo de H+, deslocando a reação para a dissociação
do ácido fraco que repõe parcialmente o H +. Dessa forma, reduzem-se as concentrações de HA e H + e
aumenta-se a de A–.
Portanto, o sistema-tampão previne mudanças bruscas de pH, porém a eficiência de um tampão está
restrita a uma faixa de pH, dentro da qual as concentrações de ácido (50%) e base (50%) são suficientes
para compensar a adição de álcali ou ácido. Fora do intervalo de tamponamento, como a soma de HA e A – é
constante, têm-se as seguintes situações: grande adição de álcali (HA 0%/A – 100%) e grande adição de
ácido (HA 100%/A 0%). No valor de pH em que há 50% HA e 50% A –, a eficiência do tampão é máxima; no
intervalo de 1 unidade acima ou abaixo deste valor o tampão ainda tem efeito. A determinação do pH em
que há 50% de dissociação do ácido pode ser obtida experimentalmente por titulação. A curva de titulação
apresenta uma região achatada correspondente à região de tamponamento, onde há pequenas variações
de pH (Figura 1.6). No centro desta região, temos HA = A.

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Figura 1.5 Esquema da ação tamponante de uma solução composta por ácido fraco e sua base conjugada.

Figura 1.6 Titulação e efeito tamponante do ácido acético.

Entre os ácidos fracos existe uma gradação de força ácida revelada pelo valor de Ka. Quanto maior o
valor de Ka, menor o valor de pKa, mais forte é o ácido. Quanto maior o valor de Ka, menor a afinidade por
base, e, portanto, menor o valor de pH da solução. O valor de pH em que 50% do ácido encontra-se
dissociado equivale ao valor de pKa e constitui uma medida de força ácida.
A equação de Henderson-Hasselback relaciona pH, pKa e concentrações de ácido e base conjugada:
pH = pKa + log[A]/[HA]. Um exemplo é o ácido acético (CH 3-COOH), que tem valor de pKa = 4,76. Em um
valor de pH 5,76, a relação log[A]/[HA] será 1, isto é, haverá 10 vezes mais A – que HA. No pH 3,76, haverá o
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inverso, 10–1. Nesta faixa, há tamponamento. Se o valor de pH subir para 6,76, por exemplo, a relação será
de 100, haverá uma única molécula de ácido para 100 de base, e o tamponamento estará perdido.
Portanto, o tamponamento existe até uma unidade acima ou abaixo do valor de pKa do respectivo ácido
fraco.
Além do pH da solução, o sistema-tampão depende de sua concentração para estabelecer sua
eficiência. Dessa forma, um tampão na concentração de 0,1 M é 10 vezes mais eficiente que o de 0,01 M.
Na prática, o tampão é produzido quando o ácido e seu sal solúvel são dissolvidos em concentrações iguais.
Para preparar um tampão acetato 0,1 M, pH 4,7, dissolve-se 0,05 M de ácido acético e 0,05 M de acetato
de sódio. O mesmo seria conseguido com a adição de 0,1 M de ácido acético e um álcali para aumentar o
pH para 4,76.
Como dito no início deste texto, os seres vivos mantêm constante o seu pH interno. Os principais
tampões biológicos são fosfato, proteína e bicarbonato. O sistema H 2PO4–/HPO4–2tem pKa = 6,8, dentro de
uma faixa de pH adequada, porém sua concentração no plasma é baixa, sendo de maior relevância dentro
da célula. O efeito tamponante das proteínas se deve aos grupos ionizáveis (COO – e NH3+) que se
comportam como ácidos fracos. Entretanto, os valores de pKa estão distantes de pH 7,4, tornando-os
ineficazes como tampões no plasma sanguíneo, por exemplo. Os únicos aminoácidos compatíveis com este
valor de pH são cisteína e histidina. Ainda o efeito tampão das proteínas é muito discreto no plasma, uma
vez que a concentração proteica é mais baixa, sendo mais importante no tamponamento celular.
A exceção é a hemoglobina que juntamente ao tampão bicarbonato é responsável por manter o pH
plasmático. O H2CO3/HCO3– tem valor de pKa = 3,8, incompatível com os sistemas biológicos; o grande
diferencial neste sistema é o ácido carbônico que está em equilíbrio com o CO 2 dissolvido em água segundo
reação (CO2 + H2O ↔ H2CO3) que é espontânea, mas pode ser acelerada pela anidrase carbônica produzida
especialmente pelas hemácias. Assim o CO2 produzido nos tecidos difunde-se pelo plasma e para o interior
das hemácias onde é transformado em H 2CO3, o qual se dissocia em HCO 3– e H+. Nesta situação, o pKa
eleva-se para 6,1. A constante de ionização do tampão bicarbonato é: Ka = [HCO 3][H+]/[CO2] = [HCO3–]
[H+]/0,03 mEq · ℓ–1 · mmHg–1 · PCO2, uma vez que a solubilidade do CO 2 em água é proporcional à pressão
parcial.
Neste sistema, o CO2 dissolvido no plasma está em contato com o CO 2 atmosférico, permitindo um
rápido ajuste do pH. Portanto, é um sistema aberto, muito mais eficiente que um sistema fechado. No pH
fisiológico, a proporção HCO3–/CO2 é 20:1, isto é, o sistema é muito mais efetivo para resistir à acidificação
que à alcalinização.
Além do plasma sanguíneo, a saliva é um outro bom exemplo de solução que apresenta sistema-
tampão na sua constituição. A saliva tem capacidade de ajustar o pH na presença de ácidos ou bases, pela
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ação de sistemas como proteínas, fosfato e bicarbonato. Em geral, o pH da saliva fica próximo ao neutro
(6,8). As proteínas apresentam baixa concentração salivar (concentração equivalente a 1/3 do plasma) e
por isso têm pouco efeito tampão. As proteínas são mais importantes na película adquirida, por serem
mais concentradas. O fosfato também está presente em baixa concentração na saliva e, além disso, seu
valor de pKa é menor do que o valor do pH da saliva, tendo pouco efeito tampão. A importância do fosfato
é relacionada com a supersaturação da apatita e manutenção da estrutura dentária. Em relação ao
bicarbonato, este é o sistema-tampão mais importante na saliva, especialmente quando o fluxo salivar é
alto, situação em que apresenta um aumento de concentração razoável (1 mM é encontrado no fluxo
salivar não estimulado versus 60 mM no fluxo salivar estimulado).
Portanto, o sistema bicarbonato é o mais importante tampão da saliva estimulada. Já na saliva não
estimulada, tanto o sistema bicarbonato como fosfato agem na neutralização do pH. Considerando que em
alguns momentos do dia consumimos alimentos e bebidas com pH distantes da neutralidade
(refrigerantes: pH 3,5; suco de limão: pH 2 etc.), a presença de um sistema-tampão na saliva é fundamental
para manutenção das condições de saúde dos tecidos bucais.

CONCLUSÃO

Devido à grande participação da água, seja como solvente ou reagente no organismo, é essencial
que todo profissional da saúde tenha domínio das principais características/propriedades desse líquido.
Muitas manobras clínicas (diagnóstico e tratamento) se baseiam nas propriedades da água, ou mesmo
como intervenção direta em líquidos corporais. Além disso, soluções capazes de realizarem a manutenção
do pH dentro do organismo também são importantes pois farão parte da rotina clínica de diversos
profissionais. Por isso, a compreensão do seu mecanismo de funcionamento é fundamental para os
profissionais da área da saúde.

PROTEÍNAS
As proteínas são biomoléculas que apresentam grande diversidade em formato, tamanho e função.
Neste capítulo, vamos descrever alguns detalhes da estrutura e das propriedades das proteínas. É
importante perceber que essas biomoléculas estão envolvidas no controle e na regulação de muitos
processos biológicos, realizando diferentes funções no organismo, como por exemplo: transporte (p. ex.,
hemoglobina), proteção/defesa (p. ex., imunoglobulinas), controle/regulação (p. ex., fatores de
transcrição), catálise (p. ex., enzimas), movimento (p. ex., actina e miosina) e armazenamento (albumina).

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Proteína é uma molécula formada pela polimerização de aminoácidos. Esses aminoácidos podem ser
polimerizados em uma ou mais cadeias peptídicas. São conhecidos mais de 300 tipos de aminoácidos, mas
apenas 20 tipos de aminoácidos são capazes de formar a estrutura de proteínas.
A falha na função de uma proteína, por falta, excesso ou defeito na sua estrutura, poderá ocasionar
problemas na saúde de um indivíduo e, em casos extremos, até a sua morte. Um exemplo conhecido disso
é a síndrome de Usher, caraterizada por profunda perda de audição, retinite pigmentosa (que leva à
cegueira) e, em alguns casos, problemas vestibulares (equilíbrio). Na síndrome de Usher são encontrados
diferentes tipos de mutações no gene da miosina do tipo VIIa. Essa proteína, constituída de 2.215
aminoácidos, é um dos componentes do citoesqueleto celular das células ciliadas da orelha. Na síndrome
de Usher, a falha no desenvolvimento adequado das células ciliadas se deve à mutação no gene da
proteína miosina VIIa.

AMINOÁCIDOS

Os aminoácidos são pequenas moléculas que apresentam um “padrão” na sua estrutura, uma vez
que possuem um grupo amino (–NH2) e um grupo carboxila (–COOH) ligados ao mesmo átomo de carbono
(chamado de carbono a). Além desses grupamentos, existe um grupo variável chamado de cadeia lateral ou
grupo R (radical) que está ligado ao carbono a (Figura 2.1). A única exceção a essa regra é a prolina, que
tem um grupo imino (–NH–) no lugar do amino. Em pH fisiológico (pH 7,4), esses agrupamentos estão na
forma ionizada (NH3+ e COO–).
De acordo com as características dos grupos R são definidas as propriedades dos aminoácidos. Em
geral, os aminoácidos são divididos em até cinco categorias, de acordo com seu grupo R (Figura 2.2):
 Alifáticos apolares (glicina, alanina, prolina, valina, leucina, isoleucina e metionina)
 Aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano)
 Polares não carregados (serina, treonina, cisteína, asparagina e glutamina)
 Polares carregados positivamente (lisina, histidina e arginina)
 Polares carregados negativamente (aspartato e glutamato).

Figura 2.1 Fórmula geral de um aminoácido, com os grupamentos amina e carboxila, H e R.

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Figura 2.2 Estrutura e classificação dos aminoácidos.

Os aminoácidos historicamente receberam abreviações e símbolos para facilitar sua representação


(Tabela 2.1).
Alguns aminoácidos, além de serem constituintes de proteínas, apresentam funções fisiológicas como
neurotransmissores, após modificações na sua estrutura. Alguns desses exemplos são: (1) o triptofano, que
é convertido em serotonina (entre suas funções estão controle do ritmo circadiano e humor), e (2) a
fenilalanina, que pode ser convertida em catecolaminas (em geral as catecolaminas são liberadas em
situações de estresse, regulando o metabolismo).
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Algumas doenças estão relacionadas ao incorreto metabolismo de alguns aminoácidos, gerando o
acúmulo destes ou de intermediários que prejudicam o funcionamento de um ou mais tecidos/órgãos. Um
exemplo disso é a fenilcetonúria, que consiste basicamente na deficiência da enzima fenilalanina
hidroxilase, impedindo assim o adequado metabolismo do aminoácido fenilalanina (Figura 2.3).
Essa deficiência leva à produção de outros compostos (fenilpiruvato, fenilactato e fenilacetato) que,
ao se acumularem no sangue, causam, entre outros efeitos, o retardo mental.

Atividade óptica e ionização


Devido à assimetria, os aminoácidos são moléculas quirais, ou seja, originam dois enantiômeros
distintos (L- e D-aminoácidos). Apenas a glicina não é quiral, uma vez que seu grupo R é composto de um
átomo de hidrogênio (H). Uma maneira de exemplificar essa propriedade é imaginar a molécula em frente
à sua imagem no espelho. A imagem é idêntica, mas não pode ser sobreposta, semelhante às mãos direita
e esquerda.
Os aminoácidos encontrados nas proteínas são todos do tipo L-aminoácidos, enquanto os D-
aminoácidos são encontrados, na natureza, apenas em alguns peptídios presentes em paredes celulares
bacterianas. Apesar de a diferença entre as configurações L e D ser difícil de ser notada em laboratório,
causando a falsa impressão de ser algo sem importância, na natureza os efeitos biológicos são distintos.
Um exemplo bastante interessante, e comum no cotidiano, é o caso do aspartame, adoçante
comercializado como substituto do açúcar.
O aspartame (ester metílico da L-aspartil-L-fenilalanina) é constituído pelos aminoácidos L-aspartato
e L-fenilalanina, além de um metil éster. Os dois aminoácidos presentes na estrutura do aspartame, como
já apresentado, estão na forma L.
A substituição de um ou dois aminoácidos pela configuração D (D-aminoácido) resultará em um
sabor amargo em vez de doce.

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Tabela 2.1 Nomes e abreviações dos aminoácidos comuns.
Aminoácido Abreviação de três letras Abreviação de uma letra
Alanina Ala A
Arginina Arg R
Asparagina Asn N
Aspartato Asp D
Cisteína Cys C
Fenilalanina Phe F
Glicina Gly G
Glutamato Glu E
Glutamina Gln Q
Histidina His H
Isoleucina Ile I
Leucina Leu L
Lisina Lys K
Metionina Met M
Prolina Pro P
Serina Ser S
Tirosina Tyr Y
Treonina Thr T
Triptofano Trp W
Valina Val V

Todos os 20 aminoácidos apresentam no mínimo dois grupos ionizáveis, por isso sua carga depende
do valor do pH do meio no qual estão inseridos. Resumidamente, em valores de pH muito baixos os
aminoácidos tendem a estar protonados (carga positiva), e em pH muito altos, desprotonados (carga
negativa) (Figura 2.4).

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Figura 2.3 Esquema de algumas rotas metabólicas “atingidas” na fenilcetonúria (PKU).

Figura 2.4 Diferenças de cargas dos grupamentos dos aminoácidos de acordo com o pH.

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Quando o pH está muito baixo, abaixo do valor de pK1 do grupo carboxílico (pH < 2,5), há excesso de
prótons e, portanto, tanto o grupo carboxílico como o amino estão protonados, o que confere carga
elétrica positiva. Conforme ocorre adição de base e elevação do pH, aumenta-se a dissociação do grupo
carboxila, resultando no aumento de cargas negativas que podem se igualar às cargas positivas, tornando a
molécula eletricamente neutra. Prosseguindo com a adição de base, o valor do pH continua a aumentar
acima do pK2 do grupo amino (pH > 10,7), até que se inicia a dissociação do grupo amino e aumenta-se a
concentração da forma com carga elétrica negativa (Figura 2.4).
Baseado na titulação, cada aminoácido se apresenta neutro em um determinado valor de pH. Esse
valor é definido como o ponto isoelétrico do aminoácido. O ponto isoelétrico(pI) corresponde ao valor de
pH em que a quantidade de cargas positivas e negativas da proteína/aminoácido se iguala. É calculado com
base na média dos valores de pKa (logaritmo da constante de dissociação) dos grupos ionizáveis. Quando
há três grupos ionizáveis, o ponto isoelétrico é calculado pela média aritmética dos valores de pKa dos
grupos com a mesma carga, com exceção da tirosina. O cálculo do valor de pI de um aminoácido é simples,
porém, no caso da proteína esse valor é dependente da polaridade, da existência de ligações peptídicas
(exclusão da água) e de interações iônicas. Assim, o valor de pI de uma proteína deve ser obtido
experimentalmente.

Ligações peptídicas
Na constituição das proteínas, os aminoácidos formam polímeros por meio de ligações entre seus
grupos amino e carboxila, formando as chamadas ligações peptídicas (Figura 2.5). Essas ligações implicam
perda de molécula de água, originada de hidrogênio e oxigênio contidos nos dois grupos. Assim, alguns
autores usam a nomenclatura de “resíduos de aminoácido” para os aminoácidos que fazem parte de uma
proteína, uma vez que estes apresentam diferença de átomos de hidrogênio e oxigênio do aminoácido
original (sem interação com qualquer outra molécula). Por opção, vamos manter neste capítulo a
nomenclatura de aminoácido, mesmo para aqueles que estão formando proteínas.
As ligações peptídicas são consideradas planas devido ao seu caráter parcial de dupla ligação. Assim,
esse tipo de ligação não apresenta liberdade para rotação. Os peptídios são compostos intermediários às
proteínas, pois contêm geralmente até 30 aminoácidos. Em uma sequência de peptídios, a “direção”
adotada para sua representação (tanto por extenso como por figura) é posicionar o grupo aminoterminal
do lado esquerdo e o grupo carboxiterminal do lado direito (Figura 2.5).
Alguns peptídios apresentam funções biológicas importantes, como nos casos de ocitocina e
vasopressina que são hormônios peptídicos. A ocitocina induz ao parto em gestantes, controlando a
contração do músculo uterino. A vasopressina controla o músculo liso e, assim, tem influência no controle
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da pressão sanguínea. Um exemplo de peptídio com aplicação comercial bastante difundida é o aspartame,
dipeptídio formado por aspartato e fenilalanina esterificado a um grupo metila (L-aspartil-L-fenilalanina). É
utilizado como substituto não calórico do açúcar, apresenta potencial cariogênico nulo e ainda pode ter
importante papel no menor potencial erosivo de refrigerantes do tipo light em comparação aos
convencionais.
Graças às diferenças entre os 20 tipos de aminoácidos, além das quase infinitas possibilidades de
combinações sequenciais entre eles, podem ser formadas proteínas distintas em tamanho (comprimento
de uma centena até centenas de milhares de aminoácidos), formato e função. Como exemplo, no
organismo humano temos proteínas formadas com pouco mais de cem aminoácidos (citocromo c – 104
aminoácidos) até milhares (apolipoproteína B – 4.536 aminoácidos).

PROTEÍNAS

Estruturas primária e secundária


As proteínas podem ser classificadas de acordo com a sua organização estrutural. A sequência de
aminoácidos de uma determinada proteína é classificada como a sua estrutura primária. Essa sequência é
determinada geneticamente, e como veremos adiante, influenciará decisivamente o formato final da
proteína e, consequentemente, a sua função. Exemplo disso é a doença conhecida como anemia
falciforme, caracterizada pelo formato de foice dos eritrócitos do paciente, que é resultado da substituição
do aminoácido glutamato (aminoácido com grupo R polar) pelo aminoácido valina (aminoácido com grupo
R apolar) na posição 6 da subunidade β da hemoglobina. Essa “pequena mudança” (identificada
primeiramente por Vernon Ingram em 1957), de um único aminoácido, dentro de uma sequência de 146
aminoácidos (subunidade β da hemoglobina), é capaz de alterar drasticamente o formato final da proteína,
e, como consequência final, sua função: transportar oxigênio.

Figura 2.5 Peptídio formado por dois aminoácidos; sentido aminocarboxiterminal.


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Em seguida, temos na estrutura secundária um arranjo espacial regular e repetitivo da molécula, que
forma “padrões” chamados de α-hélice e folha β-pregueada (Figura 2.6).
A α-hélice é mantida por pontes de hidrogênio entre uma unidade peptídica e a quarta unidade
subsequente; essas pontes de hidrogênio se dispõem paralelamente ao eixo da hélice (3,6 resíduos de
aminoácidos por volta = 0,54 nm). As cadeias laterais dos aminoácidos estão projetadas para fora da hélice
e não participam das pontes de hidrogênio. Portanto, a organização em α-hélice independe até certo ponto
das cadeias laterais. Queratina e mioglobulina, por exemplo, são formadas principalmente por α-hélices.
A folha β-pregueada, por outro lado, é mantida por pontes de hidrogênio que são estabelecidas entre
diferentes cadeias peptídicas ou por segmentos distantes da mesma cadeia. Exibem conformação mais
estendida e disposta lado a lado, dando o aspecto de folha de papel pregueada. As pontes de hidrogênio
são perpendiculares ao eixo das cadeias, e os grupos R se projetam para baixo ou para cima do plano. As
folhas β-pregueadas podem ser paralelas (N-terminal juntos) ou antiparalelas (N-terminal e C-terminal
alternando) (Figura 2.6).
Algumas proteínas apresentam regiões de repetições de estruturas secundárias que são chamadas de
motivos ou estruturas supersecundárias. O motivo é definido como estrutura secundária de repetição, com
comprimento de 10 a 40 aminoácidos, que ocorre em proteínas distintas. Geralmente, esses motivos
desempenham funções semelhantes em diferentes proteínas. Alguns exemplos de estruturas
supersecundárias são: unidade βaβ, meandro β e chave grega (Figura 2.7).
O domínio, por definição, é uma parte da proteína de comprimento entre 25 e 300 aminoácidos que
apresenta estabilidade ou movimentação isolada do restante da proteína, ou seja, o domínio de uma
proteína exibe certa “independência” estrutural do restante da proteína. Algumas proteínas podem
apresentar mais de um domínio na sua estrutura.
Além das estruturas secundárias regulares (α-hélice e folha β-pregueada), as proteínas apresentam
regiões da sua estrutura que não se encaixam nesses dois modelos descritos anteriormente. Geralmente,
essas regiões são compostas por “alças peptídicas” que ligam um elemento de estrutura secundária a outro
(p. ex., alça que liga duas folhas β-pregueadas).

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Figura 2.6 Representação dos modelos de estrutura secundária: α-hélice e folha β-pregueada (paralela e
antiparalela).

Figura 2.7 Exemplos de algumas estruturas supersecundárias: unidade βαβ, meandro β e chave grega.

Estrutura terciária
No próximo nível estrutural das proteínas, encontramos a proteína com o seu formato final (para
grande parte delas): a estrutura terciária. Na estrutura terciária, a proteína apresenta formato
tridimensional estabilizado por diferentes interações. As principais interações encontradas na estrutura
tridimensional de uma proteína são: interações hidrofóbicas, ligações de hidrogênio, formação de
complexos de íons metálicos e pontes dissulfeto (Figura 2.8). Duas dessas interações merecem destaque: a
primeira, as interações hidrofóbicas, são as maiores responsáveis pela conformação final da proteína. As
proteínas, na sua grande maioria, apresentam o seu interior (cerne) hidrofóbico. Para entendermos um
pouco melhor isso devemos lembrar que o principal componente dos organismos é a água;
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consequentemente, aminoácidos com características hidrofóbicas tendem a se agrupar no interior da
proteína para diminuir a área exposta ao meio aquoso. Por fim, esses aminoácidos ficam, na maioria das
vezes, no interior das proteínas, enquanto a região externa da proteína é composta na sua maioria por
regiões polares de aminoácidos. Uma exceção a essa regra é o caso de proteínas que atravessam as
membranas (lipídicas) biológicas, uma vez que a parte central das membranas é hidrofóbica. O segundo
tipo de interação que merece destaque é a ponte dissulfeto, considerada ligação covalente entre dois
grupos SH de duas cisteínas por meio da oxidação e formação da cistina.

Figura 2.8 Exemplos de algumas interações que possibilitam a formação da estrutura tridimensional da
proteína: pontes de hidrogênio, pontes dissulfeto, interações hidrofóbicas e ligações iônicas.

O enovelamento da proteína, processo pela qual a proteína é “dobrada” até o seu formato final, é
fenômeno complexo que recebe o auxílio de algumas enzimas chamadas de chaperonas (termo originado
do francês para senhoras que acompanhavam moças solteiras). O enovelamento final de uma proteína é
dado pela sequência dos aminoácidos, determinada geneticamente, uma vez que estes apresentam
características como interação com a água (polar ou apolar) e cargas (negativa ou positiva). Essas
características são decisivas para o enovelamento e, consequentemente, a conformação final da proteína.

Estrutura quaternária
Algumas proteínas podem ser formadas pela associação de mais de um tipo de cadeias de peptídios,
apresentando assim a chamada estrutura quaternária (Figura 2.9). Cada cadeia peptídica é chamada de
subunidade, as quais podem ser semelhantes ou distintas. O número de cadeias pode variar de duas até
pouco mais de dez. Essas cadeias são ligadas de modo não covalente, por meio de ligações de hidrogênio,

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interações hidrofóbicas e atrações eletrostáticas. A hemoglobina, com quatro subunidades (cadeias α e β) é
exemplo de proteína com estrutura quaternária (polipeptídica).

Proteínas conjugadas e grupos prostéticos


Algumas proteínas exibem na sua estrutura outros componentes químicos, além dos aminoácidos.
Essas proteínas são chamadas de proteínas conjugadas, e a porção não aminoácida é denominada de grupo
prostético. Em geral, o grupo prostético desempenha função importante na atividade biológica da proteína.
Normalmente, a exclusão de um grupo prostético afeta diretamente a função dessa proteína. Ainda, não
são raros os casos de proteínas que apresentam mais de um grupo prostético na sua estrutura. Os grupos
prostéticos podem ser constituídos por uma diversidade de componentes químicos, como: lipídios,
carboidratos, grupos fosfato, heme (porfirina férrica), nucleotídios de flavina e metais (ferro, zinco, cobre)
(Tabela 2.2).

Figura 2.9 Estruturas primária, secundária, terciária e quaternária de uma proteína.

Proteínas fibrosas e globulares


As proteínas podem ser classificadas de acordo com a sua conformação em proteínas:
 Fibrosas: longas fibras ou lâminas insolúveis em água e solução salina; resistentes; as quais são
elementos básicos do tecido conjuntivo (função estrutural). Exemplos: colágeno (pele, dente e
ossos), queratina (unha, cabelos) e elastina (pele, parede dos vasos, parede do pulmão). A elastina é
responsável pela elasticidade do tecido conjuntivo, e a sua degradação exacerbada pode levar ao
enfisema pulmonar e à cirrose hepática
 Globulares: cadeias polipeptídicas que se dobram, formando esferas ou glóbulos solúveis cujas
funções são dinâmicas e bastante variadas. Exemplos: anticorpos e hormônios
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 Mistas: estrutura em bastão, porém solúvel em água. Exemplos: fibrina e fibrinogênio.

Tabela 2.2 Proteínas conjugadas e seus grupos prostéticos.


Proteínas conjugadas Grupo prostético Exemplo

Cromoproteínas Pigmento Hemoglobina, hemocianina e citocromos


Fosfoproteínas Ácido fosfórico Caseína (leite)
Glicoproteínas Carboidrato Mucina (muco)
Lipoproteínas Lipídio Encontradas na membrana celular e no vitelo dos ovos
Nucleoproteínas Ácido nucleico Ribonucleoproteínas e desoxirribonucleoproteínas
Metaloproteínas Ferro, zinco, cálcio Ferritina

Em relação ao colágeno, existem doenças relacionadas à síntese defeituosa dessa proteína fibrosa
como a síndrome de Ehlers-Danlos (deficiência de enzimas que processam o colágeno ou mutações na
sequência de aminoácidos, especialmente do colágeno tipo III, causando um grupo de doenças do tecido
conjuntivo; a osteogênese imperfeita (pacientes apresentam ossos frágeis em função de mutações nos
genes das cadeias de pró-colágeno do tipo I), que pode ou não estar associada à dentinogênese
imperfeita. No ser humano, a deficiência de vitamina C causa escorbuto, devido à produção de colágeno
menos estável. Essa doença pode causar interrupção do crescimento ósseo em crianças, má cicatrização de
feridas e aumento da fragilidade dos capilares, resultando em sangramento.

Desnaturação e renaturação
Toda proteína necessita de condições adequadas para exercer sua função de maneira apropriada.
Alterações nas condições de temperatura, salinidade e pH podem promover mudanças estruturais na
proteína, tanto na estrutura terciária como secundária da proteína. Essa mudança no formato da proteína
leva, em geral, à perda da sua função, também chamada de desnaturação. Alterações na estrutura primária
de uma proteína são conseguidas apenas sob condições extremas, por isso é uma situação relativamente
rara de ser encontrada.
A desnaturação pode ser provocada por aumento da temperatura (> 60°C). Uma exceção de proteínas
com resistência térmica são aquelas oriundas de bactérias termofílicas, como a DNA polimerase
de Thermus aquaticus, a Taq polimerase, que tem sido empregada em técnicas de engenharia genética,
devido a sua estabilidade térmica. Outros agentes desnaturantes são íons oriundos de metais como
chumbo e mercúrio, e ácidos e bases fortes que podem alterar bruscamente o pH e afetar a ionização dos
grupos das proteínas. A adição de solventes orgânicos polares e de compostos com grande capacidade de
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formar pontes de hidrogênio, como a ureia, pode causar desnaturação, porque os primeiros afetam a
constante dielétrica do meio, e os últimos se ligam aos radicais das proteínas. Detergentes e sabões podem
causar desnaturação por serem anfipáticos, isto é, apresentarem uma cadeia apolar longa e um grupo
terminal carregado (polar). Assim, podem se introduzir no interior da proteína, rompendo as ligações
hidrofóbicas que mantêm a estrutura terciaria (p. ex., dodecil sulfato de sódio).
A desnaturação pode ser reversível ou irreversível. A irreversibilidade ocorre quando as proteínas
desnaturadas se tornam insolúveis (p. ex., a albumina do ovo aquecida e o leite acidificado). Nos casos em
que a desnaturação é reversível, o processo de renaturação pode ocorrer, quando as condições
desnaturantes são retiradas. O processo de “renovelamento” dentro do organismo ocorre quando há
proteínas assessoras, as chaperonas, por meio de etapas cíclicas sustentadas por hidrólise de ATP.

Proteínas homólogas
As proteínas que evoluíram de um ancestral comum são denominadas de homólogas. A
comparação das sequências de seus aminoácidos mostra semelhanças e regiões chamadas de invariáveis
(mesmo conjunto/posição de aminoácidos), mesmo quando se altera de uma espécie animal para outra.
Essa chamada homologia, entre proteínas de diferentes espécies, pode ser determinada em porcentagem
de semelhança (aminoácidos na mesma posição) e também ajudar no entendimento de diversos processos
fisiológicos e patológicos. Um exemplo bastante característico de homologia é a proteína citocromo c,
proteína com 103 ou 104 aminoácidos em vertebrados. Essa proteína apresenta função na cadeia
transportadora de elétrons, localizada na mitocôndria. Sua estrutura (sequência de aminoácidos) apresenta
diferença de alguns poucos aminoácidos (número entre 8 e 15) entre diferentes espécies, como por
exemplo: humano e coelho (9 aminoácidos), humano e ovelha (10 aminoácidos), cachorro e cavalo (6
aminoácidos).

Funções
É importante perceber que essas biomoléculas estão envolvidas no controle e na regulação de
muitos processos biológicos, realizando diferentes funções no organismo, como por exemplo: estrutural
(colágeno), transporte (p. ex., hemoglobina), proteção/defesa (p. ex., imunoglobulinas), controle/regulação
(p. ex., hormônios e fatores de transcrição), catálise (p. ex., enzimas), movimento/contrátil (p. ex., actina e
miosina) e nutritiva/armazenamento (caseína). Para se ter uma ideia da importância da função das
proteínas, podemos tomar como exemplo a via de quebra da molécula da glicose (via glicolítica). Nessa via
temos dez proteínas com atividade enzimática, responsáveis por etapas específicas da via. A ausência ou
alteração de uma delas pode inviabilizar todo o processo.
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A função de transporte pode ser exemplificada pela hemoglobina, proteína responsável pelo
transporte do oxigênio no sangue. Essa proteína apresenta a propriedade de permitir a ligação de quatro
moléculas de oxigênio, transportando-as do sangue dos pulmões para os outros tecidos.
As imunoglobulinas (Ig) apresentam a função de proteção/defesa. Essas proteínas se ligam a
moléculas exógenas, chamadas antígenos, servindo assim como marcadores indicativos da invasão
exógena. Podem ser encontradas diferentes classes de imunoglobulinas, como: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM.
Outra função bastante comum exercida pelas proteínas é a estrutural, responsável pela manuntenção
do formato e da estabilidade de células e tecidos. O colágeno é um bom exemplo, uma vez que é o
principal constituinte da matriz extracelular de tecidos conjuntivos, como ossos, tendões, dentina etc.
Algumas proteínas atuam como moléculas sinalizadoras, modulando/controlando diversos eventos,
seja disparando ou inibindo algum processo. As chamadas proteínas morfogenéticas ósseas (conhecidas
por BMPs, devido ao nome em inglês: bone morphogenetic protein) são moléculas capazes de se ligar aos
receptores celulares (também proteicos), localizados na membrana plasmática, e induzir a diferenciação
celular de células mesenquimais indiferenciadas em osteoblastos.
Uma das atividades mais fascinantes das proteínas é a catálise ou atividade enzimática. As enzimas
são fundamentais para que reações metabólicas aconteçam em um tempo compatível com a vida.
Diminuem a energia de ativação da reação e permitem aumento na velocidade das reações. Exemplo
bastante comum são as proteases (ou proteinases), que quebram as ligações peptídicas de proteínas. Uma
classe das proteases, chamadas de metaloproteinases de matriz, são responsáveis pela degradação da
matriz extracelular.
A capacidade de movimentação e deslocamento de um organismo, ou mesmo de uma célula, deve-se
à atividade coordenada de algumas proteínas, em especial da actina e da miosina. Mesmo a alteração de
formato de algumas células, com capacidade de fagocitose, deve-se à propriedade de seu citoesqueleto
(formado essencialmente de proteínas: actina, microtúbulos e filamentos intermediários) de
remodelamento.
Algumas proteínas ainda possuem capacidade nutritiva ou de armazenamento. A caseína, por
exemplo, proteína encontrada no leite materno (humano, bovino e de outras espécies), é considerada
proteína de valor nutritivo devido à sua composição variada em aminoácidos.

Estudos laboratoriais

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Como visto no decorrer do capítulo, as proteínas são biomoléculas envolvidas em diversos
processos biológicos, apresentando uma variedade de funções e propriedades. Muitas proteínas com
função enzimática são estudadas, em especial pelos problemas que podem acarretar quando não são
expressas adequadamente. São chamados erros inatos do metabolismo (EIM) os distúrbios de natureza
genética que geralmente correspondem a um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma
via metabólica. Alguns EIM são bastante conhecidos, como a fenilcetonúria, citada anteriormente neste
capítulo. Outros são considerados raros, como a hipofosfatasia: ausência ou insuficiência da enzima
fosfatase alcalina não específica de tecido. Este último EIM tem como características, entre outras, a
mineralização incompleta de tecidos como os ossos, a dentina, o cemento e o esmalte. Em casos mais
graves a hipofosfatasia pode ser fatal já no período fetal.
Devido à grande importância em relação à atividade/função de diversas proteínas, tanto em processos
fisiológicos como patológicos, essas moléculas são alvos de várias pesquisas. Consequentemente, muitas
ferramentas foram desenvolvidas para esse fim. A separação, o isolamento e a identificação de proteínas
têm sido realizados por meio de diferentes técnicas, muitas vezes associadas entre si. Na sequência,
relataremos resumidamente algumas das principais técnicas usadas no estudo das proteínas.

Isolamento de proteínas
Antes mesmo da purificação de proteínas, estas devem ser removidas dos seus tecidos e células.
Para essa liberação são necessários, incialmente, processos que promovam a desagregação e a destruição
tecidual e celular (essa primeira etapa é também chamada de homogeneização). Essa preparação dos
tecidos é feita comumente por métodos físicos, utilizando um homogeneizador com um êmbolo e tubo de
ensaio, ou por meio de um sonicador (sonicação: envolve o uso de ondas sonoras para romper células). Em
seguida, são realizados procedimentos para separação de algumas organelas e mesmo conjunto de
proteínas com pesos moleculares ou outras características diferentes. A centrifugação diferencial (ciclo de
diferentes centrifugações feitas sequencialmente) é capaz de separar os componentes celulares (organelas)
desejados em frações.

Precipitação de proteína
As proteínas apresentam alteração na solubilidade em função da concentração de sais (salting-
in e salting-out). A adição de uma quantidade pequena de sais (cloreto de magnésio e sulfato de amônio)
no meio aquoso pode aumentar a solubilidade de determinadas proteínas, sendo este processo
denominado salting-in. Íons oriundos do sal no meio aquoso podem interagir com os grupos carregados
das moléculas da proteína, atenuando a interação delas. No entanto, quando a concentração atinge valores
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muito elevados (alta força iônica), a solubilidade da proteína diminui até a sua precipitação, sendo esse
processo denominado salting-out (sais di- ou trivalentes como o sulfato de amônio – (NH 4)2SO4 –
competem com a proteína por moléculas de água para solvatação). Nesse caso, há competição entre os
íons e as proteínas por água, tornando-a insuficiente para dissolver todos os solutos. Assim, a interação
proteína-proteína se torna mais forte que a proteína-solvente, possibilitando sua agregação e precipitação.
O salting-out pode ser utilizado para separação proteica como processo inicial de purificação. O sal de
sulfato de amônio pode ser utilizado com segurança em relação à desnaturação proteica. Solventes
orgânicos solúveis em água, como a acetona e o etanol (apresentam constante dielétrica inferior à da
água), diminuem a solubilidade das proteínas, porém esses procedimentos devem ser realizados a
temperaturas baixas (faixa de 0 a 5°C), para evitar a desnaturação proteica.

Diálise
Uma amostra de proteínas é colocada em um dispositivo composto de membrana semipermeável
imersa em um sistema-tampão. A diálise é utilizada para remover ou mudar de meio pequenos
componentes moleculares de uma solução de proteínas. Esse método se baseia no fato de moléculas de
proteínas, devido a seus tamanhos, não conseguirem atravessar os poros da membrana semipermeável,
enquanto substâncias submoleculares, com o tempo, distribuem-se igualmente entre os espaços interno e
externo. Após várias trocas do sistema-tampão, as condições no interior da membrana de diálise
(concentração de sal, pH etc.) são as mesmas da solução externa (Figura 2.10)

Figura 2.10 Esquema do processo de diálise para purificação de proteínas. Depois de algum tempo, as
soluções (externa e interna da membrana de diálise) estarão equilibradas (semelhantes).

Cromatografia
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Também chamada de filtração em gel, este processo geralmente é constituído de uma matriz (gel
permeável) disposta em uma coluna, permitindo a separação de proteínas de acordo com algumas de suas
características. Na cromatografia em coluna, uma amostra da mistura de proteínas é aplicada no topo de
uma coluna formada por uma matriz hidratada constituída de diversos tipos de materiais (gel de dextrana,
celulose e agarose). A coluna é eluída com solução apropriada para a separação da proteína de interesse.
As proteínas migram pela coluna com diferentes velocidades, conforme o grau de interação com a matriz
que permite a separação. Assim, os métodos de cromatografia em coluna diferem quanto à matriz utilizada
em: tamanho (cromatografia de exclusão), carga iônica (cromatografia de carga iônica) e especificidade de
ligação (cromatografia de afinidade utilizando substrato ou um inibidor competitivo no caso de enzima,
receptor no caso de hormônio e antígeno no caso de anticorpos). Existe um outro método de
cromatografia, a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), que apresenta a matriz composta de
resinas de micropartículas, requerendo alta pressão para a eluição, mas isso resulta em separações com
maior resolução.

Eletroforese
Este método se baseia na movimentação de partículas carregadas em um campo elétrico em
direção a um eletrodo de carga oposta. As proteínas têm mobilidades distintas dependendo de suas cargas
e dimensões. As amostras de proteínas aplicadas em um gel poroso (ou uma tira de acetato de celulose)
em sistema-tampão e submetidas a um campo elétrico migram em direção ao eletrodo de carga oposta. A
eletroforese é usada tanto para a purificação quanto para a caracterização de proteínas. O padrão da
migração é geralmente obtido com o uso de corantes ou por meio da transferência para uma membrana
de nitrocelulose. A “marcação” (identificação de bandas) da membrana pode ser feita por coloração,
reação enzimática e anticorpos marcados. Um tipo bastante difundido de eletroforese é a eletroforese em
gel de poliacrilamida-SDS (SDS-PAGE).
Ainda sobre a eletroforese, existe a chamada eletroforese bidimensional em gel, também abreviada
como eletroforese 2D. Nesse modelo de separação, as proteínas são separadas em duas dimensões,
utilizando suas diferentes propriedades (ponto isoelétrico – pI e massa molecular). Em um primeiro
momento (experimento), a amostra (e consequentemente as proteínas contidas nela) é separada de
acordo com as diferenças de ponto isoelétrico entre as proteínas presentes. Para isso, a amostra é aplicada
em uma fita que possui um gradiente de pH e depois é submetida a um campo elétrico. No ponto
correspondente ao pI, a proteína cessa sua migração. Na etapa seguinte, as proteínas separadas pelo pI
serão separadas pela diferença de massa molecular. A fita gelatinosa é acoplada a um segundo gel, que irá
permitir a migração das proteínas na segunda dimensão. As proteínas maiores migrarão mais lentamente
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pelo gel, ficando retidas, e as proteínas menores se locomoverão mais aceleradamente, sendo depositadas
na região mais baixa do gel. O gel poderá ser corado para detecção das proteínas, sendo mais comumente
empregado para esse fim o nitrato de prata e o azul de Coomassie.

Difração de raios X
As proteínas apresentam estrutura terciária estável; desse modo, podem formar uma rede de cristal
que difrata os raios X para produzir mapas de densidade de elétron. Esse padrão de difração poderá ser
convertido em uma forma eletrônica e processado de maneira a produzir uma imagem 3D da estrutura
proteica.

Ressonância magnética nuclear


A ressonância magnética nuclear (RMN) é um método que, quando aplicado em tecidos, gera uma
imagem 3D das proteínas em solução, medida pelas frequências de ressonâncias dos núcleos atômicos.

Espectrometria de massa
A espectrometria de massa fornece muitas informações para a pesquisa proteômica, enzimologia e
química de proteínas. De modo geral, uma solução composta por proteína é dispersa em gotículas
altamente carregadas através de uma agulha sob a influência de um campo elétrico de alta voltagem. As
gotículas evaporam e os íons (com prótons adicionados, nesse caso) entram no espectrômetro de massa
para medição da relação entre massa e carga (m/z). A interpretação desses dados obtidos (espectro
gerado), pelo do uso de bioinformática, poderá fornecer informações sobre os constituintes da amostra,
como origem e função.

CONCLUSÃO

O conhecimento sobre composição, estrutura, função e purificação de proteínas é de suma


importância para alunos de graduação e pós-graduação nos diversos cursos da área da saúde. O
entendimento dos conceitos relacionados às proteínas é requisito para o entendimento da composição e
função de células, tecidos e órgãos, como por exemplo os ossos, o tecido conjuntivo etc. Além disso, esse
entendimento proporciona melhor compreensão das condições fisiológicas e patológicas que acometem,
por exemplo, regiões da cabeça e do pescoço (cavidade bucal, orelha etc.) e outros órgãos. Portanto, o
conhecimento sobre proteínas poderá ser aplicado em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas
laboratoriais e clínicas, no diagnóstico e na conduta clínica dos pacientes. Avanços nesse campo de
pesquisa trarão importantes contribuições no desenvolvimento de engenharia de tecidos, no
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entendimento do papel da saliva na prevenção de determinadas patologias e na identificação das
alterações moleculares da mecanotransdução do som e possíveis tratamentos da perda auditiva.

ENZIMAS
Para que haja vida é necessário que os organismos se autorrepliquem e sejam capazes de realizar
um conjunto de reações químicas com velocidade adequada e especificidade. A importância da ocorrência
de ligações químicas com a velocidade apropriada pode ser entendida a partir do exemplo a seguir. A
conversão da sacarose a CO2 e H2O na presença de oxigênio é um processo que libera energia livre, a qual
pode ser utilizada para o ato de pensar, locomover-se, enxergar e sentir. Imagine um saco plástico
contendo açúcar na prateleira de um supermercado. Apesar de haver oxigênio no interior da embalagem,
este saco pode ser armazenado durante vários anos sem ser transformado em CO 2 e H2O. Embora este
processo químico seja altamente favorável, ele é extremamente lento. Contudo, quando a sacarose é
consumida por um ser humano ou qualquer outro organismo vivo, ocorre liberação de energia em
segundos. A diferença entre estes dois exemplos é a catálise, sem a qual as reações químicas necessárias
para sustentar a vida não ocorrem em uma escala de tempo útil. Os catalisadores das reações que ocorrem
nos sistemas biológicos são as enzimas .

NATUREZA QUÍMICA DAS ENZIMAS

Com exceção de um pequeno grupo de moléculas de RNA que apresentam atividade catalítica
(ribozimas), todas as enzimas são proteínas altamente especializadas, que têm como função catalisar as
reações metabólicas que acontecem em nosso organismo, ou seja, elas aceleram as reações químicas que
normalmente demorariam mais para acontecer. Sendo proteínas, a atividade biológica das enzimas
depende da manutenção da sua conformação proteica nativa. Assim, as estruturas proteicas primária,
secundária, terciária e quaternária das enzimas são essenciais para a sua atividade catalítica. Quando uma
enzima é desnaturada ou dissociada em subunidades, a sua atividade catalítica geralmente é perdida.
Quando uma enzima é degradada nos seus aminoácidos constituintes, a sua atividade catalítica é sempre
perdida.
As enzimas, como outras proteínas, têm pesos moleculares que variam de 12.000 até mais de 1
milhão de dáltons (Da). Algumas enzimas não requerem nenhum outro grupamento químico, além de seus
resíduos de aminoácidos para exercerem sua atividade catalítica. Outras requerem um componente
químico adicional chamado de cofator, que pode ser um ou mais íons inorgânicos, como Fe +2 ou
Fe+3 (catalase, peroxidase e citocromo oxidase), Mg+2 (piruvato quinase, glicose-6-fosfatase),
Mn+2 (arginase) ou Zn+2 (anidrase carbônica, metaloproteinase da matriz). Os efeitos antimicrobianos do
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fluoreto, envolvidos no controle da cárie dentária, são atribuídos à sua habilidade, conhecida há muito
tempo, em inibir a enolase, uma enzima da via glicolítica que tem como cofator o Mg +2. Assim, ao se ligar
ao Mg+2, o fluoreto impede que ele esteja livre para atuar como cofator da enolase, o que acaba reduzindo
o metabolismo bacteriano. Algumas enzimas requerem uma molécula orgânica complexa ou uma molécula
metalorgânica chamada coenzima. A coenzima, ou íon metálico, que está firmemente ou até mesmo
covalentemente ligada à parte proteica da enzima é chamada de grupo prostético. Uma enzima completa e
cataliticamente ativa, juntamente com sua coenzima e/ou íons metálicos, é chamada
de holoenzima (“holo” é um prefixo que significa “integral”, “completo”). A parte proteica desta enzima é
chamada de apoenzima ou apoproteína. As coenzimas funcionam como transportadores transitórios de
grupos funcionais específicos. Geralmente elas são derivadas de vitaminas, nutrientes orgânicos
necessários em pequenas quantidades da alimentação diária. Dentre as coenzimas temos como exemplos a
flavina-adenina-dinucleotídio (FAD), coenzima A, coenzima B12 e nicotinamida-adenina-dinucleotídio (NAD).
Algumas enzimas requerem ambos, a coenzima e um ou mais íons metálicos para sua atividade.
Algumas enzimas são modificadas covalentemente por glicosilação, fosforilação e outros processos,
estando esta modificação relacionada à regulação da atividade enzimática.

NOMENCLATURA E CLASSIFICAÇÃO DAS ENZIMAS

De maneira simplista, uma grande quantidade de enzimas é denominada pela adição do sufixo
“ase” ao nome do seu substrato, ou ainda à descrição da sua atividade. Assim, a urease catalisa a hidrólise
da ureia, a RNA polimerase catalisa a polimerização de ribonucleotídios, formando o RNA. Algumas
enzimas, como por exemplo tripsina e pepsina, têm nome não relacionado aos seus substratos ou
atividades. Da mesma maneira, certas enzimas têm mais que um nome ou ainda duas enzimas diferentes
apresentam o mesmo nome. Para sistematizar estas inconsistências e também devido ao crescente
número de enzimas descobertas, a União Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular desenvolveu
um sistema internacional para dar nome e classificar as enzimas, chamado número E.C. (abreviatura em
inglês para Comissão de Enzimas). Por meio deste sistema, as enzimas são divididas em seis classes
principais, cada uma delas com subclasses, de acordo com a reação química catalisada. As seis classes de
enzimas são:
•Oxidorredutases: catalisam reações de transferência de elétrons. Como exemplo tem-se a lactato
desidrogenase, que atua na oxidação do lactato a piruvato, com a redução da coenzima NAD + em
NADH e liberação de um hidrogênio

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•Transferases: catalisam reações de transferência de grupos C-, N- ou P. Como exemplo tem-se a
serina hidroximetiltransferase, que transfere metileno (CH2) da serina para o tetra-hidrofolato (THF),
transformando-a em glicina
•Hidrolases: catalisam reações de hidrólise, ou seja, transferência de grupos funcionais para a água.
Um exemplo é a uréase, que transforma a ureia em gás carbônico e amônia
•Liases: catalisam a adição de grupos a ligações duplas ou a formação de ligações duplas pela remoção
de grupos. Como exemplo, tem-se a piruvato descarboxilase, que transforma piruvato em acetaldeído,
com a liberação de gás carbônico
•Isomerases: catalisam a transferência intramolecular de grupos, levando à formação de formas
isoméricas. Como exemplo tem-se a metilmalonil-CoA mutase, que transforma metilmalonil-CoA em
succinil-CoA
•Ligases: catalisam a formação de ligações C-C, C-S, C-O e C-N por reações de condensação, com gasto
de ATP. Como exemplo tem-se a piruvato carboxilase, que catalisa a interação de piruvato e gás
carbônico, a expensas de ATP, para formar o oxalacetato.
A cada enzima é atribuído um número classificatório de quatro dígitos (como se fosse seu registro
geral, RG) e um nome sistemático que identifica a reação que ela catalisa. Como exemplo, o nome
sistemático formal da enzima que catalisa a reação a seguir é ATP-glicose fosfotransferase, indicando que
ela catalisa a transferência de um grupo fosfato do ATP para a glicose.

ATP + D-glicose → ADP + D-glicose-6-fosfato

O seu número E.C. é 2.7.1.1. O primeiro dígito (2) denota o nome da classe (trata-se de uma enzima
que catalisa reação de transferência de grupos funcionais); o segundo dígito (7), a subclasse (o grupamento
transferido é o fosfato); o terceiro dígito (1) denota que um grupo hidroxila é o aceptor de fosfato; e o
quarto dígito (1) indica que a D-glicose contém o grupo hidroxila aceptor do grupo fosfato.

MECANISMO DA CATÁLISE ENZIMÁTICA

Nos sistemas biológicos, as reações não catalisadas são lentas e incompatíveis com a vida. As
enzimas permitem que as reações possam acontecer mais rapidamente, devido à catálise, caracterizada
pela aceleração da ação enzimática. Mas como as enzimas conseguem aumentar a velocidade das reações
químicas?

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A característica que distingue uma reação catalisada enzimaticamente de uma não catalisada é a sua
ocorrência no interior de uma cavidade da enzima chamada sítio ativo. A molécula que se liga ao sítio ativo
e sofre a ação da enzima é chamada substrato. Uma reação enzimática simples pode ser escrita:
E + S ↔ ES ↔ EP ↔ E + P
Em que E, S e P representam enzima, substrato e produto, respectivamente. ES e EP são os
intermediários da reação, ou complexos transitórios da enzima com o substrato e o produto,
respectivamente.
Em um diagrama de coordenadas das reações, que representa a variação de energia durante a reação,
o substrato no seu estado fundamental fornece uma certa contribuição para a energia livre do sistema
(Figura 3.1). Fornecendo-se energia a este substrato no seu estado fundamental, seu nível energético
aumenta, até que no pico energético é atingido o estado de transição, um momento molecular efêmero no
qual eventos como desenvolvimento de cargas, quebra de ligações e formação de ligações ocorrem em um
ponto preciso no qual a decomposição para formar o substrato ou o produto é igualmente provável. A
diferença entre os níveis de energia do estado fundamental e do estado de transição é chamada energia de
ativação (DG). A velocidade com que uma reação ocorre é dependente da DG. Quanto mais alta for esta
energia, mais lenta será a reação. É justamente neste ponto que as enzimas atuam. Elas aumentam a
velocidade das reações por diminuírem a energia de ativação necessária para alcançar o estado de
transição, devido à formação dos complexos enzima-substrato (ES) e enzima-produto (EP). Isto permite que
o produto seja formado com uma energia de ativação bem menor que aquela necessária para se chegar ao
estado de transição em uma reação não catalisada, acelerando a velocidade da reação (Figura 3.1 B).
Na Figura 3.1 pode-se observar que, independente da catálise, os níveis energéticos do substrato e do
produto nos seus estados fundamentais permanecem os mesmos na reação não catalisada (Figura 3.1 A) e
na reação catalisada (Figura 3.1 B), ou seja, a não há variação de energia livre no sistema. Como o
equilíbrio entre S e P reflete a diferença entre as energias livres dos seus estados fundamentais, tem-se
aqui outra importante característica do processo de catálise, que é a manutenção do equilíbrio. Em
síntese, as enzimas aceleram a velocidade das reações químicas por reduzirem a energia de ativação,
sem afetar o equilíbrio da reação. A constante de equilíbrio não é alterada pela presença da enzima, mas o
equilíbrio é alcançado muito mais rapidamente quando comparado a uma reação não catalisada. As
enzimas têm um alto poder catalítico, acelerando as reações químicas de 10 5 a 1017 vezes (Nelson e Cox,
2014). Em adição, as enzimas são também bastante específicas e podem distinguir substratos com
estruturas muito semelhantes. Estas características da catálise trazem perguntas intrigantes: Como explicar
este grande aumento, altamente específico, na velocidade das reações químicas pelas enzimas? Como é

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possível reduzir a energia de ativação, ou em outras palavras, de onde a enzima retira energia para a
catálise?
Há basicamente duas fontes para a obtenção desta energia. A primeira está relacionada aos rearranjos
das ligações covalentes durante a reação enzimática. Os grupos funcionais catalíticos das enzimas podem
formar uma ligação covalente transitória com um substrato e ativá-lo para a reação. Outra possibilidade é
algum grupo poder ser transferido transitoriamente do substrato para um grupo da enzima. Estas reações
que geralmente ocorrem no sítio ativo da enzima diminuem a energia de ativação (e, portanto, aceleram a
reação), propiciando um caminho reacional alternativo de energia mais baixa.
Outra fonte são as interações não covalentes entre a enzima e o substrato, que fornecem a maior
parte da energia necessária para diminuir a energia de ativação. O fator que de fato distingue as enzimas
da maioria dos catalisadores não enzimáticos é a formação de um complexo ES substrato específico. A
interação do substrato com a enzima neste complexo é mediada pelas mesmas forças que estabilizam a
estrutura proteica, incluindo as pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e iônicas. A formação de
cada interação fraca no complexo ES é acompanhada por uma pequena liberação de energia livre que
garante o grau de estabilidade para a interação. A energia derivada da interação ES é chamada energia de
ligação(DGB), que é a maior fonte de energia livre usada pelas enzimas para diminuir a energia de ativação.
Embora toda a molécula enzimática seja necessária para a catálise, a ligação com o substrato se dá
apenas em uma região pequena e definida da enzima, o sítio ativo, o qual forma uma cavidade, revestida
por cadeias laterais de aminoácidos. Algumas dessas cadeias de aminoácidos ajudam a estabilizar o
complexo ES no estado de transição, conferindo especificidade à catálise, enquanto outras participam
diretamente da catálise. Para que aconteça a catálise, o sítio ativo da enzima tem que ser complementar ao
estado de transição por que passa o substrato, pois interações ótimas, por meio de ligações fracas, entre
enzima e substrato ocorrem apenas no estado de transição. O somatório destas interações é a DGB, que
faz com que seja necessário menor DG para a formação do produto. Em outras palavras, podemos dizer
que a energia de ativação para uma reação não catalisada é igual à energia de ativação para a reação
catalisada somada à energia de ligação (DG não cat = DG cat + DGB) (Figura 3.2).

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Figura 3.1 Diagramas de energia para reação química não catalisada (A) e catalisada por enzima (B). Na
reação catalisada, a energia de ativação (DG cat) é bem menor que na não catalisada (DG não cat), devido à
formação dos complexos enzima-substrato (ES) e enzima-produto (EP). Tanto na reação não catalisada (A)
quanto na catalisada (B), os níveis energéticos do substrato e produto no estado fundamental são os
mesmos (DG’0), ou seja, o equilíbrio da reação não se altera.

Figura 3.2 O papel da energia de ligação (DGB) na catálise. Durante a catálise, as interações do substrato
com o sítio ativo da enzima liberam a DGB, que faz com que seja necessária menor quantidade de energia
de ativação (DG cat) para se atingir o estado de transição e haver formação do produto.

FATORES QUE AFETAM A VELOCIDADE DAS REAÇÕES | CINÉTICA ENZIMÁTICA

Alguns fatores influenciam a velocidade das reações. Entre eles podemos citar: cofatores (já
abordados anteriormente), concentração de substrato, temperatura e pH.

INIBIDORES ENZIMÁTICOS

Os inibidores enzimáticos são substâncias que interferem na atividade catalítica, reduzindo a


velocidade da reação ou interrompendo as reações enzimáticas. Alguns inibidores são constituintes

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celulares normais, cumprindo um importante papel regulatório no organismo, e outros são substâncias
estranhas ao organismo e sua presença nas células provoca importantes alterações no metabolismo. Por
conta disto, os inibidores enzimáticos são altamente empregados em Farmacologia. Este é o caso das
sulfonamidas, que inibem uma enzima bacteriana não presente em humanos. A inibição desta enzima
bloqueia uma série de reações químicas em cascata, impedindo a reprodução da célula. Por conta disto, as
sulfonamidas são utilizadas no combate a infecções bacterianas. Outro exemplo é o ácido acetilsalicílico,
que inibe a enzima que catalisa o primeiro passo na síntese das prostaglandinas, compostos envolvidos
com a dor.
Apesar de haver grande variação em relação aos mecanismos de inibição, os inibidores enzimáticos
podem ser divididos em duas grandes categorias, com base na estabilidade de sua ligação com a molécula
enzimática: os reversíveis e os irreversíveis.
Inibidores irreversíveis.
Os inibidores irreversíveis são assim chamados porque reagem quimicamente com um grupo
funcional da enzima essencial à sua atividade, dissociando-se muito lentamente. Podem ainda atuar
destruindo este grupamento. Isto provoca uma inativação praticamente definitiva da enzima.
Como exemplo tem-se o di-isopropil flúor fosfato (DIPF), que inibe irreversivelmente a ação de
acetilcolinesterase, uma enzima com papel importante na transmissão de impulsos nervosos. Este inibidor
reage com o grupamento hidroxila de um resíduo de serina do sítio ativo da enzima, formando uma di-
isopropilfosforil-enzima (Figura 3.10). Serina proteases e outras enzimas que possuem serina no sítio ativo
são inibidas da mesma maneira. O mesmo acontece para a quimotripsina, uma protease que catalisa a
hidrólise da ligação peptídica. Por esta razão, em etapas iniciais de purificação, adicionam-se compostos
como DIFP ou PMSF (fluoreto de fenilmetil sulfonila) para inibir a ação de proteases. Em adição, agentes
alquilantes, como a iodoacetamida, inibem irreversivelmente a atividade de algumas enzimas por modificar
cadeias laterais de cisteína. A iodoacetamida é bastante empregada na preparação de amostras para
análise proteômica. Estes inibidores são extremamente tóxicos para os organismos, devido à
irreversibilidade de suas ligações com as enzimas e à sua inespecificidade. Como se ligam a serina ou
cisteína, aminoácidos abundantes nas proteínas, são capazes de inativar quase todas as enzimas.
Existem ainda inibidores irreversíveis com propriedades terapêuticas, como o ácido acetilsalicílico
(princípio ativo da aspirina), que transfere irreversivelmente seu grupo acetila para o grupo hidroxila de um
resíduo de serina da ciclo-oxigenase, inativando-a. Com isto haverá inibição da síntese das prostaglandinas,
o que confere propriedades anti-inflamatórias, antipiréticas e analgésicas ao ácido acetilsalicílico.
Inibidores reversíveis

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Os inibidores reversíveis ligam-se à enzima por meio de ligações não covalentes, de modo que a
diluição do complexo enzima-inibidor resulta na dissociação do inibidor reversivelmente ligado e na
recuperação da atividade enzimática. Podem ser divididos em 4 categorias: competitivos, acompetitivos,
mistos ou não competitivos.

REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA

A regulação da velocidade das reações enzimáticas é essencial para o organismo coordenar seus
inúmeros processos metabólicos, crescimento e desenvolvimento, bem como a capacidade de responder a
mudanças no meio ambiente. A grande maioria das enzimas que participam de vias metabólicas seguem os
padrões anteriormente descritos. Entretanto, em cada via há algumas enzimas regulatórias, que
interferem bastante na velocidade das reações da via e têm a atividade catalítica diminuída ou aumentada
em resposta a alguns sinais. Assim, ajustes nestas enzimas regulatórias promovem alterações na via
metabólica inteira, de forma a atender às necessidades da célula.
Há dois mecanismos principais de regulação das vias metabólicas. A modulação alostérica atua por
meio da ligação reversível, não covalente, de compostos regulatórios chamados moduladores ou efetores
alostéricos, que geralmente são pequenos metabólitos ou cofatores. Outros mecanismos de regulação
ocorrem por modificação covalente reversível.

USO DE ENZIMAS PARA DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A dosagem de enzimas é sempre feita a partir de sua atividade, que é avaliada pela velocidade da
reação catalisada pela enzima. Dada a especificidade das enzimas, em geral esta medida é possível mesmo
na presença de outras proteínas, não sendo necessária muitas vezes a purificação. Para efetuar esta
dosagem, uma amostra de solução contendo enzima é incubada com concentrações altas de substrato. A
velocidade de reação é medida e a atividade enzimática é expressa em unidades internacionais. Uma
unidade internacional (U) é a quantidade de enzima capaz de formar 1 mmol de produto por minuto em
condições ótimas de temperatura e pH, sendo expressa em fluidos como U/mℓ ou U/ℓ.
A atividade enzimática também é útil para monitorar a purificação de uma enzima ao longo das
diferentes etapas deste processo (fracionamento com sulfato de amônio, eletroforese, cromatografia).
Neste caso, realiza-se o isolamento da enzima em questão do tecido (extrato celular) e determinam-se as
unidades presentes no volume do extrato. Para adotar um parâmetro que permita a comparação com
outras preparações ou etapas posteriores de purificação, é necessário utilizar um referencial, que é a
divisão da unidade de enzima por miligrama de proteína total da amostra. A quantidade total de proteínas
pode ser avaliada pelo método de Bradford, entre outros.
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As enzimas plasmáticas podem ser usadas para o diagnóstico clínico, podendo ser divididas em dois
grupos. O primeiro grupo, relativamente pequeno, é composto por enzimas secretadas no plasma por
determinadas células na forma inativa (zimogênios). O fígado, por exemplo, secreta zimogênios para a
coagulação sanguínea. O pepsinogênio origina a pepsina no estômago, assim como o tripsinogênio e o
quimiotripsinogênio originam a tripsina e quimiotripsina no intestino delgado, respectivamente. O
pepsinogênio é transformado em pepsina, pela ação da pepsina livre, em pH ácido, removendo 42 resíduos
de aminoácidos. Este sistema de ativação da enzima é importante para o controle da atuação da mesma
nos tecidos ou sistemas específicos. Outro exemplo são as metaloproteinases da matriz (MMPs), que são
secretadas na forma inativa (proenzimas). Elas podem ser ativadas quando o pH é reduzido, por exemplo,
e, uma vez ativas, degradam componentes da matriz extracelular, tendo implicação no desenvolvimento da
cárie e na erosão dentinária, na doença periodontal e na degradação da camada híbrida de restaurações .
Já um grande número de enzimas é liberado das células durante a renovação celular, as quais atuam
frequentemente no espaço intracelular, não tendo função fisiológica no plasma (Champe et al., 2009). Em
indivíduos saudáveis, o nível plasmático destas enzimas é razoavelmente constante, mostrando um
equilíbrio entre a velocidade de secreção e a remoção da proteína do plasma. O nível plasmático de
determinadas enzimas pode estar alterado em estados patológicos, sendo esta uma boa ferramenta não
específica para a detecção de doenças do coração, do fígado, do músculo esquelético e de outros tecidos. A
alanina-aminotransferase (ALT), por exemplo, pode estar aumentada no plasma devido a lesão hepática.
Outra ferramenta são as isoenzimas, aquelas que catalisam a mesma reação, mas diferem na
sequência de aminoácidos dependendo do tecido em que se encontram, podendo ser diferenciadas por
eletroforese. Em geral os tecidos contêm proporções características de diferentes isoenzimas. Portanto, o
padrão encontrado no plasma pode refletir lesão em um tecido específico, como é o caso da
creatinoquinase (CK, na forma da isoenzima CK2) que pode ser utilizada para o diagnóstico complementar
do infarto do miocárdio, uma vez que aparece no plasma de 4 a 8 h após o início da dor torácica, com o
pico plasmático após 24 h, retornando aos níveis basais após 48 a 72 h. Outros marcadores para o infarto
do miocárdio ou da angina instável são as proteínas troponina T e troponina I envolvidas na
contratibilidade, sendo liberadas no plasma após 4 a 8 h do dano do tecido cardíaco, tendo um pico
plasmático entre 8 e 28 h, permanecendo elevadas por até 10 dias.
Existem algumas doenças relacionadas à ausência de enzimas que podem levar a quadros clínicos de
interesse em Fonoaudiologia. A fenilcetonúria, por exemplo, ocorre pela deficiência de uma enzima que
metaboliza a fenilalanina. O acúmulo de fenilanina causa uma perturbação progressiva no
desenvolvimento do sistema nervoso, que após alguns meses se manifesta por meio de convulsões e
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. É uma doença genética (autossômica recessiva, 1:10.000) em
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que a criança apresenta mutação do gene relacionado à produção da enzima fenilalanina hidroxilase, a
qual promove o metabolismo do aminoácido fenilalanina existente nas proteínas da nossa alimentação.
Esta enzima catalisa o processo de conversão (hidroxilação) da fenilalanina em tirosina. Com isso, a
fenilalanina se acumula no sangue e em todos os tecidos. Este excesso provoca lesões graves e irreversíveis
no sistema nervoso central (inclusive o retardo mental) e o seu tratamento precoce pode prevenir estas
sequelas (Blau et al., 2010). Dentre os tratamentos, a suplementação com tetra-hidrobiopterina (cofator
para a enzima), grandes aminoácidos neutros ou glicomacropeptídios (encontrados na fração integral do
leite bovino) são frequentemente utilizados. Nos últimos anos, a terapia genética e a substituição de
enzima têm trazido resultados promissores.
Outra doença de interesse é a deficiência de biotinidase. Trata-se de doença genética na qual a
biotina, vitamina que funciona como um cofator enzimático, não é reciclada. A biotinidase é uma
importante enzima no ciclo da biotina, cadeia de reações químicas envolvidas na utilização e na reutilização
da vitamina biotina. A biotina livre é necessária para que um grupo de enzimas chamado carboxilases
funcione perfeitamente. Carboxilases são importantes no metabolismo de alguns lipídios, carboidratos e
proteínas. Quando a deficiência é grave (< 10% de atividade) a criança apresenta uma série de sintomas,
tais como convulsões, hipotonia, ataxia, atraso no desenvolvimento, problemas de visão, perda auditiva e
alterações cutâneas (p. ex., alopecia, erupção cutânea, candidíase). Na deficiência parcial, a criança
geralmente não apresenta sintomas. O diagnóstico e o tratamento precoce evitam o desenvolvimento da
doença e o seu tratamento consiste em complementações diárias de biotina.
O teste do pezinho é um exame laboratorial simples que tem o objetivo de detectar precocemente
doenças metabólicas, genéticas e/ou infeciosas que poderão causar lesões irreversíveis no bebê, dentre
estas citadas anteriormente.
Outra patologia de interesse na Fonoaudiologia é o zumbido. Sabe-se que o Zn +2 e o Cu+2 atuam como
cofatores para a atividade da enzima superóxido dismutase (SOD), que é considerada a primeira linha de
defesa contra a ação de radicais livres. O Zn +2 também tem atuação na sinapse nervosa. Pesquisas têm
mostrado que a redução dos níveis de Zn+2 e Cu+2pode levar a uma baixa atuação da enzima SOD, levando
ao acúmulo de radicais livres na cóclea e ao consequente zumbido.
Na Odontologia, uma das enzimas de grande interesse é o grupo das MMPs, com importante papel
nos eventos de remodelação que ocorrem em morfogênese normal, cicatrização, remodelação óssea,
crescimento e reabsorção uterina. Adicionalmente, estas enzimas também participam de processos
patológicos como a artrite reumatoide, osteoartrite, invasão de tumor em neoplasia, periodontite,
progressão da cárie e erosão de dentina, fluorose dentária e amelogênese imperfeita. A MMP-8, por
exemplo, é cataliticamente a proteinase mais competente para iniciar a degradação da matriz extracelular
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e do colágeno tipo I, causando a destruição dos tecidos periodontais e a peri-implantite, levando à perda
de dentes e implantes dentários.
As MMPs também desempenham um papel importante na destruição da matriz orgânica
desmineralizada da dentina por ácidos bacterianos ou ácidos relacionados à erosão dentária, e, portanto,
participam do controle e da progressão da cárie e da erosão dentária. MMPs derivadas do hospedeiro
podem se originar tanto da saliva como da dentina. Elas podem ser ativadas por um pH ácido e, uma vez
ativadas, estas enzimas são capazes de digerir a matriz de dentina desmineralizada, após a neutralização do
pH salivar por tampões.
A fluorose dentária, distúrbio na formação do esmalte dentário pela ingestão excessiva de fluoreto,
também pode estar relacionada à atividade enzimática. Apesar de não haver ainda um mecanismo preciso
que explique a patogênese da fluorose dentária, sabe-se que, para a ocorrência da mesma, há uma
degradação incompleta da matriz orgânica do esmalte durante a odontogênese e o fluoreto poderia estar
envolvido neste processo.
Além do seu papel na fluorose dentária, o fluoreto pode inibir o metabolismo microbiano pela sua
capacidade em inibir a enolase, enzima da via glicolítica, dificultando assim a produção e energia pelas
bactérias causadoras da cárie dentária. No entanto, a grande questão é que a concentração de fluoreto
necessária para que haja efeito antimicrobiano é significativamente maior que a necessária para reduzir a
solubilidade do esmalte e os efeitos antimicrobianos foram demonstrados basicamente in vitro.

CONCLUSÃO

O conhecimento sobre a função, o sítio ativo, os cofatores e a cinética enzimática, assim como
sobre a inibição e o controle enzimático, é de suma importância para alunos de graduação e pós-graduação
em Odontologia e Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de doenças metabólicas, genéticas
e/ou infeciosas que podem acometer o indivíduo, como, por exemplo, as doenças relacionadas à ausência
ou à baixa atividade enzimática (a saber, fenilcetonúria e a doença da biotinidase), que podem levar ao
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e à perda auditiva. Por outro lado, existem condições
patológicas relacionadas à superativação enzimática, como no caso das MMPs envolvidas no
desenvolvimento da doença periodontal, da cárie e da erosão na dentina, assim como no desenvolvimento
do câncer. As enzimas podem ainda ser inibidas por antibióticos e fluoreto. O fluoreto tem um papel
importante na inibição de enzimas relacionadas à amelogênese e ao metabolismo bacteriano. Portanto, o
conhecimento sobre enzimas poderá ser aplicado em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas
laboratoriais e clínicas e no diagnóstico e conduta clínica dos pacientes. Avanços neste campo de pesquisa
trarão importantes contribuições para o desenvolvimento de novas terapias, como os inibidores de MMPs,
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a saber, clorexidina e chá-verde, os quais poderão ter impacto na prevenção de cárie e doença periodontal,
por exemplo.

MEMBRANA CELULAR
A membrana celular pode ser dividida em membrana plasmática ou citoplasmática e intracelular ou
interna. A membrana plasmática é um elemento mediador da comunicação entre a célula e o meio
externo, do reconhecimento e da comunicação com as demais células. A membrana permite que o
conteúdo celular se mantenha íntegro, atuando como barreira seletiva para a entrada e a saída de
substâncias da célula. Portanto, a membrana apresenta permeabilidade seletiva. A flexibilidade da
membrana plasmática permite que a célula mude de formato ou se locomova, em um processo de
adaptação ao meio externo. Ainda por meio das membranas, as células podem formar camadas, separando
diferentes compartimentos do corpo.
A membrana intracelular está presente em algumas organelas (lisossomos, retículo endoplasmático,
mitocôndria, complexo de Golgi e núcleo) e tem como função o isolamento de vias metabólicas,
permitindo que mudanças de pH e alterações de metabólitos de determinadas organelas não prejudiquem
o restante da célula, e ainda serve como suporte para sistemas enzimáticos.
A membrana celular é composta por uma bicamada lipídica e anexos como proteínas, carboidratos e
colesterol, interconectados por ligações não covalentes.

LIPÍDIOS
Os lipídios são compostos com características hidrofóbicas (insolúveis em água) ou anfipáticas
(porção hidrofóbica + hidrofílica). São solúveis em solventes orgânicos apolares ou com baixa polaridade
(éter, clorofórmio e benzeno). Estas moléculas serão descritas neste capítulo por constituírem as
membranas biológicas, mas também atuam como isolante térmico, reserva de energia, vitaminas e
hormônios. Os lipídios podem ser classificados em complexos (quando contêm ácido graxo, saponificáveis)
ou simples (sem ácido graxo).
Os ácidos graxos, ácidos monocarboxílicos, são exemplos de lipídios compostos por uma cadeia
carbônica com número par de átomos de carbono (14-24 C) e sem ramificação, podendo ser saturados, isto
é, como todos os carbonos saturados com hidrogênio (sem duplas ligações; p. ex., gordura animal) ou
insaturados (com duplas ligações, mono- ou poli-insaturada; p. ex., óleos vegetais). Apresentam
características anfipáticas, com o grupo carboxila representando a região polar, e a cadeia carbônica, a

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apolar. Nos ácidos poli-insaturados de origem animal, as ligações duplas são geralmente separadas por
pelo menos um grupo metileno.
Para a identificação dos ácidos graxos insaturados empregam-se diferentes sistemas de
representação. Primeiramente, o C em questão deve ser identificado por numeração ou letras. A
numeração do C é estabelecida a partir do grupo carboxílico, aumentando a numeração em direção ao lado
oposto, o grupo metila. Além da numeração, existe o sistema de letras, no qual o carbono 2 é o a, o 3 é b e
o último carbono é ômega (w) ou n (CH3) (Nelson e Cox, 2014).
No sistema D, adota-se a numeração convencional dos átomos de carbono a partir da extremidade
carboxila, conforme descrito antes. A dupla ligação é representada pelo símbolo delta, seguido pelo
número do átomo de carbono mais próximo à carboxila, que participa da dupla ligação (p. ex., D9 ou D 9).
No sistema w ou n, a contagem dos átomos de carbono se inicia pelo grupo metila, cujo carbono passa a
ser o 1, e a dupla ligação mais próxima da extremidade metila recebe um número igual ao número de
átomo de carbono próximo do carbono w (p. ex., w-3 ou n-3).
O sistema D possibilita a identificação de todas as insaturações existentes (p. ex., D9,12), já o sistema
w revela apenas a posição da dupla ligação mais próxima ao grupo metila (p. ex., w-6).
Um ácido graxo costuma ser representado pelo número de átomos de carbono: o número de duplas
ligações seguido por D ou w e a posição das insaturações (p. ex., 18:2 D9,12 ou 18:2 w-6). Os ácidos graxos
mais comuns recebem nomes que derivam das fontes onde são encontrados: ácido palmítico (C16
saturado), do óleo de palma; ácido oleico (C18:1 insaturado), do óleo de oliva; e o linoleico (C18:2
insaturado), do óleo de linhaça.
O número de carbonos e a ocorrência ou não de duplas ligações determinam algumas características
dos ácidos graxos. Os ácidos graxos saturados apresentam cadeias flexíveis e distendidas (dispostas em
linha reta), com liberdade de rotação; já os insaturados têm duplas ligações, geralmente com configuração
geométrica cis, ou seja, os átomos de carbono estão dispostos do mesmo lado da dupla ligação, permitindo
uma dobra da cadeia e a formação de agregados menos estáveis. A transformação da configuração cis em
trans ocorre pelo aquecimento com certos catalisadores, como no processo de produção de gordura
semissólida e margarina, a partir de óleos vegetais.
O tamanho da cadeia também é importante: quanto maior o tamanho da cadeia, maior é o grau de
interação das moléculas de ácidos graxos. A intensidade de associação entre as moléculas se reflete no
valor de ponto de fusão (temperatura para passagem do estado cristalino para fluido). Assim, a
temperatura de fusão diminui com o aumento do número de insaturações, e quanto menor for o
comprimento da cadeia. O ácido esteárico (18:0) tem ponto de fusão de 69,6°C, enquanto o ácido oleico,
com o mesmo número de átomos de carbono, mas com insaturação (18:1 D9), apresenta ponto de fusão
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de 13,4°C. Os ácidos graxos com mais de 14 C geralmente são sólidos à temperatura ambiente e, se
apresentarem pelo menos uma dupla ligação, são líquidos. Esse conhecimento prévio é essencial para o
entendimento sobre o grau de fluidez da membrana, que é diretamente relacionado ao tipo de ácido graxo
presente.
Além da constituição da membrana, os ácidos graxos devem fazer parte da dieta, no caso específico o
ácido linoleico e g-linolênico, que são chamados ácidos graxos essenciais, uma vez que o organismo não os
produz. O ácido linoleico é precursor necessário para a produção de ácido araquidônico, o qual sofre
processo de ciclização em prostaglandina, molécula importante em várias atividades fisiológicas, como na
redução da pressão sanguínea e na contração do músculo liso.
A análise da mistura de ácidos graxos obtidos da hidrólise de lipídios pode ser realizada a partir da
cromatografia gás-líquido, sendo primeiramente convertidos em uma forma volátil (metilésteres). Um gás
carreador inerte, como o nitrogênio, é usado como fase móvel, permitindo o movimento da mistura
vaporizada pela fase líquida estacionária, de acordo com o coeficiente de partição individual gás-líquido. Os
metilésteres separados podem ser medidos por detectores de ionização de chama, resultando em um
gráfico.
Os ácidos graxos livres são pouco encontrados no organismo, estando ligados a um álcool que pode
ser o glicerol ou a esfingosina. Os lipídios resultantes no primeiro caso são os triacilgliceróis (três ácidos
graxos esterificados a uma molécula de glicerol) e glicerofosfolipídios (dois ácidos graxos esterificados a
um glicerol nas posições 1 e 2, e mais um grupo fosfato na posição 3).
O triacilglicerol é o lipídio mais abundante na natureza e é o modo de armazenamento do ácido graxo
no organismo. Podem ser classificados como simples, quando apresentam somente um tipo de ácido graxo,
ou mistos, quando apresentam diferentes tipos de ácidos graxos (estes últimos apresentam
isômeros). Podem ser separados por um processo de cromatografia da camada delgada, baseada no uso de
uma placa de vidro com material inerte e nitrato de prata imerso em um solvente com a amostra, sendo
que o solvente sobe por ação capilar. Na sequência, seca-se a placa, e as posições dos componentes são
visualizadas após a vaporização.
Os triacilgliceróis são compostos essencialmente apolares, uma vez que a porção polar é perdida
durante a esterificação (ligação da hidroxila do glicerol e a carboxila do ácido graxo)). Assim, são moléculas
hidrofóbicas que podem ser armazenadas nas células adiposas como anidra (sem acúmulo de água), e sua
oxidação produz muita energia. Nos vertebrados, o triacilglicerol pode ser depositado no tecido adiposo,
de localização visceral e subcutânea, atuando como isolante térmico e na proteção contra o trauma
mecânico.

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O triacilglicerol pode ser hidrolisado, liberando ácido graxo e glicerol. Quando esse processo ocorre
em meio alcalino, forma-se o sabão (sais de ácidos graxos – processo de saponificação). Atualmente, os
sabões estão sendo substituídos por detergentes sintéticos, que são utilizados em laboratório para a
solubilização dos lipídios encontrados na membrana, como é realizado nas aulas práticas do curso de
graduação de Fonoaudiologia e Odontologia, durante o procedimento de isolamento do DNA de frutos.
Os glicerofosfolipídios, por sua vez, são derivados do glicerol que contêm na sua estrutura um fosfato
(porção polar), por isso são denominados também fosfolipídios, sendo o exemplo mais simples o ácido
fosfatídico (fosfatidato), que contém ácido fosfórico. O fosfatidato é um intermediário importante na
síntese de outros glicerofosfolipídios. Os derivados são formados quando o fosfato está ligado a derivados
do álcool/amino, como a etanolamina (fosfotidiletanolamina, cefalinas), a colina (fosfatidilcolina, lecitina),
a serina (fosfatidilserina, cefalinas), o glicerol (fosfatidilglicerol), o inositol (fosfatidilnositol, PIP2) e o
fosfatidilglicerol (cardiolipina).
Os esfingolipídios são semelhantes aos glicerofosfolipídios, porém não contêm glicerol, mas sim um
aminoálcool com uma longa cadeia de hidrocarboneto, a esfingosina. O grupo amino da esfingosina se liga
ao ácido graxo por ligação amídica. Podem ser classificados em: esfingomielinas (uma esfingosina, um ácido
graxo e um álcool com fosfato) e glicolipídios que são os cerebrosídios e gangliosídios (uma esfingosina, um
ácido graxo e um açúcar).
Nas esfingomielinas, descobertas na bainha de mielina, a porção polar é composta por uma
fosforilcolina. Assim como os glicerofosfolipídios, também podem ser classificadas como fosfolipídios. Nos
cerebrosídios, o açúcar pode ser uma glicose, galactose, N-acetil-D-glicosamina e N-acetil-D-galactosamina
(determinam o sistema ABO encontrado na membrana das hemácias). Já os gangliosídios são mais
complexos, sendo compostos por oligossacarídios ou açúcares aminados (ácido siálico – ácido N-
acetilneuramínico). Esses dois glicolipídios são encontrados predominantemente no cérebro e parecem
participar das sinapses e na patogênese do câncer.
Os esteroides são outro grupo de lipídios que apresentam núcleo tetracíclico característico em sua
estrutura, sem ácido graxo em sua composição (lipídio simples). O colesterol é o esterol mais abundante
dos tecidos animais, podendo servir como precursor para a síntese de outros esteroides, como os
hormônios sexuais e do córtex da glândula suprarrenal, sais biliares e vitamina D. O colesterol tem caráter
fracamente anfipático, porque o grupo hidroxila é polar e o restante da molécula, os anéis esteróidicos e a
cadeia lateral, é apolar. O colesterol tem influência sobre a fluidez da membrana celular, uma vez que os
anéis formam um plano rígido.
O transporte de colesterol pelo organismo ocorre por meio das lipoproteínas plasmáticas, sendo
ligado a ácidos graxos insaturados, formando ésteres de colesterol. O grupo hidroxila do colesterol se liga
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ao carboxila do ácido graxo, sendo este também um modo de armazenamento do colesterol dentro das
células, isto é, de forma anidra (caráter hidrofóbico). Os lipídios apolares associam-se a lipídios anfipáticos
e proteínas, formando as lipoproteínas plasmáticas que transportam o lipídio para os tecidos. Já os ácidos
graxos sozinhos são transportados por albumina sérica, sendo uma porção muito pequena de ácidos graxos
associada às lipoproteínas plasmáticas. Os quilomícrons (maiores lipoproteínas), ricos em triacilgliceróis,
são sintetizados na mucosa intestinal a partir de lipídios da dieta e também são transportados aos tecidos
periféricos.
As lipoproteínas plasmáticas são partículas esféricas com um núcleo central de lipídios apolares,
ésteres de colesterol e triacilgliceróis, circundado por uma monocamada de lipídios anfipáticos, os
fosfolipídios, e colesterol, os quais estão associados às proteínas. As proteínas constituem centros de
reconhecimento que permitem a ligação das lipoproteínas a receptores da superfície celular dos tecidos
periféricos. As lipoproteínas plasmáticas são classificadas de acordo com a densidade, que é menor quanto
maior o teor de lipídios. Assim, VLDL e LDL (low-density lipoprotein) são lipoproteínas ricas em
triacilgliceróis e colesterol, sendo as principais fontes de lipídios aos tecidos, penetrando por um processo
de endocitose adsortiva. As HDL (high-density lipoprotein), ricas em proteínas, têm função oposta às LDL,
atuando na remoção do colesterol dos tecidos para o fígado.

Composição e estrutura da membrana


Os glicerofosfolípidios e os esfingolipídios, juntamente ao colesterol, compõem as membranas
celulares, uma vez que são anfipáticos. O termo anfipático nos informa que existe uma porção que é apolar
(hidrofóbica) e uma que é polar (hidrofílica). Em meio aquoso, estes se organizam de maneira a proteger a
porção apolar e expor a porção polar. O tipo de estrutura formada é determinado pela geometria da
molécula do lipídio anfipático. Quando os lipídios apresentam apenas uma cadeia carbônica, como o ácido
graxo (formato cônico), organizam-se em formato circular, protegendo a porção hidrofóbica no centro e
expondo a porção hidrofílica, ao que damos o nome de micela. A formação de micelas é etapa importante
na digestão dos lipídios da dieta.
Os lipídios que apresentam duas camadas carbônicas (formato cilíndrico), como é o caso dos lipídios
que compõem a membrana celular, organizam-se no formato de uma bicamada lipídica. As moléculas de
lipídios se alinham lado a lado, compondo duas monocamadas; as cadeias carbônicas das monocamadas
interagem frente a frente, criando um domínio hidrofóbico no meio da bicamada. Os grupos hidrofílicos se
dispõem nas superfícies das duas faces da bicamada, interagindo com a água. As interações hidrofóbicas
são a principal força impulsionadora da formação das bicamadas lipídicas.

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O colesterol pode se intercalar entre os lipídios anfipáticos que constituem as bicamadas lipídicas. As
bicamadas podem se converter a uma estrutura fechada chamada lipossomos. Os lipossomos são vesículas
esféricas sintéticas formadas por uma bicamada lipídica contínua que delimita uma cavidade preenchida
por solvente, sendo empregada frequentemente para transporte de moléculas/fármacos e como modelo
para estudo das bicamadas lipídicas e membranas biológicas.
A bicamada lipídica permite a livre difusão de moléculas apolares pela membrana, no entanto, é
impermeável aos compostos iônicos ou polares, com exceção da água. Dependendo da tonicidade do meio,
a célula pode perder ou ganhar água, alterando o seu volume.
A membrana isola o conteúdo intracelular em relação ao meio externo. Por outro lado, há grande
número de substâncias capazes de induzir a passagem de íons específicos através das membranas
biológicas, dentre elas os antibióticos. Essas substâncias são denominadas ionóforas, uma vez que
apresentam a porção externa hidrofóbica e a interna, hidrofílica, possibilitando o transporte de íons pela
membrana plasmática (p. ex., gramicidina [K+, Na+], valinomicina [K+], nigericina [K+]).
Além dos lipídios, a membrana apresenta proteínas. A proporção entre lipídios (média de 40%) e
proteínas (média de 60%), os quais se mantêm por ligações não covalentes, varia conforme a membrana
considerada. A membrana interna da mitocôndria apresenta apenas 20 a 25% de lipídios e 75 a 80% de
proteínas, enquanto a membrana mielínica contém mais de 75% de lipídios e em torno de 18% de
proteínas. Os lipídios mais comuns na membrana são os fosfolipídios (glicerofosfolipídios e
esfingomielinas), sendo os glicerofosfolipídios (em especial a fosfatidilcolina) os mais abundantes. O
colesterol é abundante nas membranas plasmáticas, porém é encontrado em pequenas quantidades nas
membranas intracelulares. A membrana interna da mitocôndria difere da externa, contendo maior
proporção de difosfatidilglicerol (cardiolipina).
A bicamada lipídica sofre mudanças de estado físico em uma temperatura de transição, análoga ao
ponto de fusão dos ácidos graxos, sendo esse valor influenciado pela natureza dos lipídios que a compõem.
A natureza da membrana é fluida, semelhante à parafina, em condições fisiológicas e à temperatura
corpórea (acima da temperatura de transição). A consistência da bicamada lipídica é também mantida
devido à existência de moléculas de colesterol, que dão rigidez à membrana; em excesso, porém, podem
aumentar a fluidez. O colesterol interage com a porção polar dos fosfolipídios por meio da hidroxila e com
a porção apolar por meio dos anéis esteroides. Como o colesterol não alcança o centro da bicamada
lipídica, a imobilização ocorre mais na região próxima aos grupos polares, resultando no aumento da
rigidez na porção periférica da membrana. No entanto, na membrana plasmática, há quantidade razoável
de colesterol, o que reduz as interações das cadeias carbônicas (apolar), contribuindo para a fluidez da
membrana.
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Esse estado fluido da membrana permite que as moléculas de lipídios se movam lateralmente dentro
da monocamada lipídica de que fazem parte (processo denominado difusão lateral), o que pode ser
observado em microscópio de fluorescência. A migração de lipídios de uma monocamada para a outra,
processo denominado Flip-Flopou fusão transversa, raramente acontece, uma vez que a porção polar teria
que atravessar a porção apolar, sendo este um processo muito endergônico, o qual pode ser medido pela
técnica de ressonância de spin de elétrons. Ainda as duas camadas lipídicas da membrana apresentam
lipídios diferentes, isto é, são assimétricas.

PROTEÍNAS
As membranas biológicas são formadas por uma bicamada lipídica entremeada de proteínas com
funções de bombas, canais, receptores, transformadores de energia e enzimas. Como dito anteriormente,
as proteínas dispõem-se na bicamada lipídica, no qual os componentes interagem por ligações não
covalentes e podem se difundir lateralmente em meio de consistência líquida.
Dentre as proteínas que se associam com a estrutura lipídica encontramos dois tipos:
•Proteínas integrais (transmembranas, > 70%): essas proteínas se associam fortemente com as
cadeias apolares dos lipídios, por meio de interações hidrofóbicas do domínio hidrofóbico
(aminoácidos apolares). Apresentam um ou dois domínios hidrofílicos terminais (aminoácidos
polares). O domínio que atravessa a membrana geralmente tem estrutura alfa-hélice. A porina é um
exemplo de proteína com estrutura de folha beta. Essas proteínas são removidas da membrana
somente por ruptura da mesma, a partir do tratamento com detergentes ou solventes orgânicos e,
ainda assim, são obtidas com lipídios aderidos e são relativamente insolúveis em água. Proteínas dos
complexos transportadores de elétrons da membrana interna da mitocôndria, com exceção do
citocromo c, são exemplos de proteínas transmembranas
•Proteínas periféricas: ligam-se à superfície da membrana por pontes de hidrogênio ou interações
iônicas estabelecidas com os grupamentos polares dos lipídios da bicamada. Essas ligações podem ser
rompidas por procedimentos simples sem perturbar a estrutura da membrana, como o tratamento
com ureia e soluções salinas de alta concentração, assim como alteração de pH. As proteínas
periféricas são solúveis em água (p. ex., citocromo c).

A extensão da cadeia polipeptídica fora e dentro da membrana está relacionada à função. Proteínas
que atuam como receptores de moléculas extracelulares ou antígenos têm a porção externa maior que a
porção inserida na bicamada lipídica. Em outros casos, a cadeia polipeptídica pode atravessar várias vezes a
bicamada lipídica, formando um canal. Técnicas como eletroforese em gel de poliacrilamida com SDS e
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cromatografia podem ser utilizadas para visualização do conteúdo proteico de diferentes membranas,
assim como a cristalografia de raios X ou microscopia eletrônica para visualização da estrutura
tridimensional das proteínas.
Assim como no caso dos lipídios, a distribuição de proteínas entre as camadas lipídicas é assimétrica. A
mobilidade lateral das proteínas pode ser restringida quando há citoesqueleto formado por
microfilamentos e microtúbulos, ou pelos componentes da matriz extracelular.
Como exemplo de proteínas encontradas na membrana temos as proteínas e glicoproteínas das
células endoteliais, como selectina e integrina, que se ligam às glicoproteínas dos leucócitos, responsáveis
pelo movimento de “rolamento” que desacelera os leucócitos e os faz parar nas proximidades da região
inflamada. Portanto, as proteínas selectina e integrina têm importante papel na migração e adesão de
leucócitos durante o processo inflamatório.

GLICOPROTEÍNAS E GLICOLIPÍDIOS
Os carboidratos, geralmente oligossacarídios, também fazem parte da membrana se associando a
proteínas e lipídios. São os componentes mais variáveis entre as células, servindo como marcadores
celulares. Os glicolipídios e as glicoproteínas ocorrem frequentemente na face externa da membrana
plasmática ou na face interna da membrana de determinadas organelas, como o retículo endoplasmático e
o complexo de Golgi.
Essas moléculas são as responsáveis pela comunicação entre as células, já que são receptores de
mediadores químicos, sendo reconhecidas por proteínas que se ligam especificamente aos carboidratos em
processos como: fusão do espermatozoide e do óvulo, crescimento e diferenciação celular (erros no
reconhecimento podem causar tumor e câncer) e reconhecimento das células do hospedeiro e de
antígenos pelo sistema imune. Os receptores de antígenos, sistema ABO sanguíneo, e os receptores
hormonais são exemplos de glicoproteínas e glicolipídios, sendo responsáveis pela especificidade celular
(marcadores de superfície celular).
Esse revestimento externo rico em carboidratos é chamado glicocálice. O glicocálice é o envoltório
responsável pelo reconhecimento celular e pelo fenômeno de inibição por contato. Os componentes
principais do envoltório celular são: glicoesfingolipídios, mucopolissacarídeos ácidos (ácido hialurônico,
condroitina) e glicoproteínas (p. ex., fibronectina e laminina, que estabelecem conexão da membrana com
a matriz extracelular). As moléculas de aderência celular (p. ex., caderinas) possibilitam a aderência das
células para formação dos tecidos.
CONCLUSÃO

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O conhecimento sobre os lipídios, sobre a composição e a estrutura da membrana celular, assim
como dos diferentes tipos de transporte, é de suma importância para alunos de graduação e pós-
graduação em Odontologia e Fonoaudiologia, como requisito para o entendimento de diversas doenças
crônicas, como diabetes melito e dislipidemia, assim como doenças infecciosas (AIDS, gripe H 1N1), do
processo de mecanotransdução do som, do desenvolvimento de tumores e do câncer, e do efeito de
anestésicos aplicados em técnicas infiltrativas e por bloqueio na Odontologia. Portanto, esse conhecimento
poderá ser aplicado em disciplinas teórico-práticas afins, nas pesquisas laboratoriais e clínicas, no
diagnóstico e na conduta clínica dos pacientes. Avanços nesse campo de pesquisa trarão importantes
contribuições para o desenvolvimento de fármacos mais específicos ou de inibidores enzimáticos, que
poderão ser usados para o tratamento de diferentes doenças, como o câncer.

BIENERGÉTICA - GLICÓLISE, CICLO DE KREBS E FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA


Os seres vivos, unicelulares e multicelulares, necessitam de energia para a realização de diversos
processos (trabalhos) celulares. Como exemplos temos: transmissão do impulso nervoso, processo de
contração muscular, transporte de íons e moléculas polares, replicação do material genético, divisão
celular, síntese de macromoléculas como proteínas, entre outros.
Assim, esses organismos lançam mão de várias maneiras para obter energia, de acordo com as suas
necessidades (demanda) e a disponibilidade de nutrientes (moléculas ricas em energia) no meio ou no
próprio organismo (tecidos de reserva, nutrientes circulantes etc.). Alguns seres vivos conseguem obter
energia da luz solar por meio de um complexo sistema de conversão de energia. Outros, como os
mamíferos, conseguem obter essa energia de nutrientes (combustíveis metabólicos) presentes nos
alimentos.
Especificamente, o ser humano pode obter a energia proveniente da alimentação por algumas vias
principais, de acordo com o nutriente em questão (carboidratos, lipídios e proteínas). São elas: via
glicolítica (ou simplesmente glicólise), β-oxidação, degradação de proteínas e oxidação dos aminoácidos,
via das pentoses, além da continuidade de algumas dessas vias pelo ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa.
Esses processos são vias do catabolismo que realizam, de modo geral, a “quebra” ou conversão de
moléculas ricas em energia (carboidratos, lipídios e proteínas) em moléculas menores, pobres em energia
(CO2, H2O e NH3), produzindo, ao final, energia ou compostos ricos em energia, para serem utilizados nas
vias anabólicas (síntese de macromoléculas). Vale ressaltar a integração dessas duas vias (catabolismo e
anabolismo) que compreendem o metabolismo, gerando e consumindo energia nas formas moleculares
de: ATP/ADP (adenosina trifosfato/adenosina difosfato), NADH/NAD+ (nicotinamida adenina dinucleotídio
na forma reduzida/nicotinamida adenina dinucleotídio), FADH2/FAD (flavina adenina dinucleótido na forma
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reduzida/flavina adenina dinucleotídio) etc. (Figura 8.1). Devido à grande rede e às conexões das vias
metabólicas, vamos abordar, neste capítulo, apenas as principais vias de obtenção de energia pelas células:
glicólise, ciclo de Krebs e cadeia transportadora de elétrons (fosforilação oxidativa). Algumas outras vias
serão citadas ou situadas no texto quando necessário.

Vias metabólicas convergentes

As vias catabólicas também são denominadas vias convergentes, uma expressão bastante usada
para caracterizá-las (Figura 8.2). Uma vez que a quebra dessas moléculas leva à produção de um
intermediário comum que é a molécula de acetilcoenzima A (acetil-CoA). Também durante os processos de
quebra de carboidratos, lipídios e proteínas, teremos a geração de CO 2 e coenzimas reduzidas (NADH,
FADH2, entre outros). Essas coenzimas reduzidas serão, em um segundo momento (fosforilação oxidativa),
regeneradas (na forma de NAD+ e FAD), permitindo a formação de moléculas de ATP (adenosina trifosfato)
e H2O (água metabólica) a partir de moléculas de ADP (adenosina difosfato) e oxigênio.

Figura 8.1 Estrutura básica das moléculas ATP, ADP, NADH, NAD+, FADH2 e FAD.
A convergência das vias acontece na geração da molécula de acetil-CoA. De modo geral, observamos
que a partir da quebra de uma molécula de carboidrato (como o glicogênio) geram-se monômeros

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(moléculas de glicose), sendo estes convertidos em duas moléculas de piruvatos (cada glicose), por meio da
glicólise, e em seguida estes produtos são convertidos em moléculas de acetil-CoA. Os ácidos graxos
(lipídios) são quebrados por meio da β-oxidação, resultando também em moléculas de acetil-CoA (Figura
8.2). As proteínas serão quebradas em seus monômeros (aminoácidos), os quais poderão entrar em
diferentes reações do ciclo de Krebs, dependendo de sua estrutura de cadeia carbônica.
Todos esses processos consecutivos, mas não obrigatoriamente dependentes, são realizados em
diversas etapas, visando ao melhor aproveitamento na obtenção de energia potencial das moléculas,
reduzindo a perda na forma de calor. Por isso são encontradas diversas etapas de “preparação” das
moléculas, visando a um melhor aproveitamento de sua energia potencial.

Figura 8.2 Via convergentes (catabólicas).

GLICÓLISE

Tomando como base uma célula eucariótica (membrana nuclear bem definida), podemos dividir o
processo de degradação completa da glicose e formação de energia (na forma de ATP) em três etapas
básicas: glicólise, ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa. Esses três eventos acontecem em diferentes
regiões da célula. A glicólise, também chamada de via glicolítica, é desenvolvida no citoplasma da célula,
visto que este apresenta todas as enzimas necessárias para a realização desse processo. Uma vez
terminada a via glicolítica com a formação de duas moléculas de piruvato, este é transportado até a
mitocôndria. Na matriz mitocondrial haverá a conversão do piruvato em acetil-CoA e início do ciclo de
Krebs. No ciclo de Krebs as coenzimas serão utilizadas para o transporte de elétrons e, então, regeneradas
na fosforilação oxidativa, processo realizado na membrana interna da mitocôndria.

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O processo completo da glicólise (Figura 8.3) pode ser descrito de acordo com as suas etapas em duas
fases, conforme descrito a seguir.

1. Fase preparatória:
a) Inicialmente, a molécula de glicose é convertida em glicose-6-fosfato, com o gasto de uma
molécula de ATP, e catalisada pela enzima hexoquinase. Essa é uma das poucas reações
irreversíveis da via glicolítica.
b) Em seguida, a molécula de glicose-6-fosfato é convertida (por meio de uma enzima
isomerase: fosfo-hexose-isomerase) em frutose-6-fosfato.
c) Essa molécula (frutose-6-fosfato) será agora convertida em frutose 1,6-bifosfato, com o
gasto de uma nova molécula de ATP, com auxílio da enzima fosfofrutoquinase-1.
d) A molécula de frutose 1,6-bifosfato será agora clivada (ação da enzima aldolase) em duas
moléculas com três átomos de carbono cada uma: gliceraldeído-3-fosfato e di-
hidroxiacetona fosfato. Essa etapa dá nome à via: “lise”. Aqui cabe um adendo interessante:
uma vez que até esse momento da via a célula fez um investimento energético de duas
moléculas de ATP, essa primeira fase da glicólise recebe o nome de fase preparatória ou de
investimento.
e) Prosseguindo com a via glicolítica: gliceraldeído-3-fosfato + di-hidroxiacetona fosfato,
temos em seguida a conversão da molécula de di-hidroxiacetona fosfato em uma molécula
de gliceraldeído-3-fosfato, por meio da enzima triosefosfato-isomerase.
f) A partir de agora a via continuará com duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato.

2. Fase de pagamento
a) A etapa de pagamento se inicia com a conversão das moléculas de gliceraldeído-3-

fosfato em duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato, por meio de processos de

oxidação e fosforilação (gasto de dois fosfatos com auxílio da enzima gliceradeído-


3-fosfato-desidrogenase). Nessa mesma reação teremos a formação duplicada de
NADH + H+.
b) As duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato serão convertidas em duas moléculas de 3-
fosfoglicerato, gerando duas moléculas de ATP (sendo a primeira reação de formação de
ATP na via). Nessa reação temos a ação da enzima fosfoglicerato-quinase.

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c) O 3-fosfoglicerato (duas moléculas) será convertido em 2-fosfoglicerato, por meio da
catálise da fosfoglicerato-mutase.
d) Em seguida, existe uma reação de desidratação (remoção de H 2O) da molécula de 2-
fosfoglicerato, formando a molécula de fosfoenolpiruvato, com auxílio da enzima enolase.
e) A conversão do fosfoenolpiruvato em piruvato, sob a presença da enzima piruvato-quinase,
permitirá a formação de duas moléculas de ATP (segunda reação de formação de ATP).
f) Essa segunda parte da via glicolítica (gliceraldeído-3-fosfato até a formação de piruvato) é
chamada de fase de pagamento, uma vez que houve formação de quatro moléculas de ATP.
Assim, o saldo final da via glicolítica será de: duas moléculas de piruvato, duas moléculas de
ATP, duas moléculas H2O e duas moléculas de NADH + H+.

Glicólise aeróbica versus glicólise anaeróbica


Podemos ainda observar que a via glicolítica, descrita anteriormente, tem a maleabilidade de ser
alterada em seus produtos finais devido à ausência de um constituinte extremamente importante nos
processos seguintes (especificamente na fosforilação oxidativa, onde acontece a regeneração das
coenzimas reduzidas): o oxigênio. A ausência de oxigênio (nas etapas posteriores), devido a uma
diminuição na sua pressão, leva a célula a adotar uma modificação na reação (produto final) da glicólise.
Enquanto existe aporte suficiente de oxigênio o piruvato é convertido em acetil-CoA, denominando esse
processo de glicólise aeróbica. No entanto, quando não existe oxigênio suficiente para as etapas de
regeneração das coenzimas, a célula realiza a chamada glicólise anaeróbica (Figura 8.4).
A glicose anaeróbica se caracteriza pela conversão do piruvato em lactato (algumas leveduras podem
ainda converter o piruvato em etanol). Na conversão do piruvato em lactato temos a regeneração do
NAD+, ou seja, conversão do NADH, que foi formado durante a reação de conversão de gliceraldeído-3-
fosfato em 1,3-bifosfoglicerato, em NAD+novamente (Figura 8.4). Essa regeneração do NAD+ é vital para o
funcionamento (manutenção da via glicolítica), uma vez que a célula possui número limitado dessas
coenzimas. Caso não houvesse regeneração dessas coenzimas, a via glicolítica seria interrompida e a célula
não teria como obter energia na forma de ATP. Células musculares em esforço intenso podem lançar mão
dessa via glicolítica anaeróbica, uma vez que o aporte sanguíneo e, consequentemente, de oxigênio, não é
suficiente para manter a demanda energética necessária. Assim, essas células utilizam essa via nesses
momentos; em seguida, com o aporte de oxigênio adequado, as células musculares voltam a utilizar a via
glicolítica aeróbica (Figura 8.4).

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Figura 8.3 Via completa de degradação da molécula de glicose.

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Figura 8.4 Vias glicolíticas aeróbica e anaeróbica.

CICLO DE KREBS

O piruvato, formado ao final da via glicolítica, poderá seguir algumas rotas. No caso do ciclo de
Krebs, o piruvato será transportado para dentro da mitocôndria e sofrerá o processo de descarboxilação,
mediado por um conjunto de cinco enzimas (complexo piruvato desidrogenase), gerando uma molécula
de acetil-CoA e CO2. Lembramos que uma molécula de glicose (seis átomos de carbono) é quebrada até a
formação de duas moléculas de piruvato (três átomos de carbono) que serão então convertidas em duas
moléculas de acetil-CoA(com dois átomos de carbono cada) (Figura 8.5). Essa molécula de acetil-
CoA poderá entrar em outra via, para continuidade do processo de obtenção de energia: ciclo de Krebs.
O ciclo de Krebs, batizado assim pelos muitos estudos de Hans Krebs (1900-1981) nesse assunto,
também é chamado de ciclo do ácido cítrico ou ciclo do ácido tricarboxílico. Suas etapas, descritas a seguir
(Figura 8.6), apresentam como objetivo geral a remoção de átomos e életrons/prótons da molécula
de acetil-CoA até sua completa eliminação:
1.Inicialmente, temos uma reação de condensação da molécula de acetil-CoA com uma molécula
de oxalacetato (reação catalisada pela enzima citrato-sintase), resultando na molécula de citrato
2.A molécula de citrato sofre processo de desidratação (perda de uma molécula de H 2O), reação essa
catalisada pela enzima aconitase, produzindo a molécula de cis-aconitato

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3.O cis-aconitato é hidratado (adição de uma molécula de água, reação catalisada pela enzima
aconitase), resultando no isocitrato
4.A molécula de isocitrato sofre processo de descarboxilação oxidativa (remoção de um átomo de
carbono na forma de CO2, reação catalisada pela enzima isocitrato desidrogenase), resultando no a-
cetoglutarato e também em um NADH + H+
5.O a-cetoglutarato sofre também processo de descarboxilação oxidativa (remoção de um átomo de
carbono na forma de CO2, reação catalisada pela enzima α-cetoglutarato desidrogenase), formando
o succinil CoA e também um NADH+ H+
6.O succinil CoA será então convertido em succinato, por meio de uma reação de fosforilação no nível
do substrato, catalisado pela enzima succinil-CoA-sintase. Em função dessa reação, será formada uma
molécula de GTP (guanina trifosfato). Essa molécula de GTP equivale energeticamente à molécula de
ATP
7.O succinato sofrerá processo de desidrogenação, formando o fumarato e também uma molécula de
FADH2, por meio da ação da enzima succinato-desidrogenase
8.À molécula de fumarato será adicionada uma molécula de H2O (hidratação), formando o malato.
Essa reação é catalisada pela enzima fumarase
9.Por último, temos a conversão do malato em oxalacetato (reação de desidrogenação catalisada pela
enzima malato-desidrogenase), resultando também em uma molécula de NADH + H+.

Figura 8.5 Algumas opções de destinos para a molécula de piruvato.

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Figura 8.6 Ciclo de Krebs.

Assim, fechamos o ciclo de Krebs, “pulverizando”, pouco a pouco, a molécula de acetil-CoA em


moléculas de CO2 e gerando coenzimas que irão transportar os elétrons/prótons até a cadeia
transportadora de elétrons, realizando a fosforilação oxidativa. Em adição, temos o “retorno” da
molécula oxalacetato, que estará disponível para uma próxima reação de volta no ciclo. Como saldo final
do ciclo temos a formação de: duas moléculas de CO 2; três moléculas de NADH, uma molécula de FADH 2 e
uma molécula de GTP. No caso da glicólise, multiplicamos este saldo por dois.
Cabe ressaltar que o ciclo de Krebs é considerado uma via cíclica, pois o mesmo pode ser usado tanto
nas vias catabólicas, como na origem de produtos para as vias anabólicas, quando necessário de acordo
com a demanda celular. Seus produtos intermediários podem ser transformados em: (1) ácidos graxos
(precursor: citrato); (2) aminoácidos (precursores: oxalacetato e α-cetoglutarato); (3) glicose (precursores

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da gliconeogênese: oxalacetato e malato). Esses intermediários estão disponíveis em pequenas
quantidades. Por outro lado, temos reações diversas que colaboram para a manutenção desses
intermediários, como, por exemplo, a degradação de aminoácidos que formam esses intermediários. Essas
reações que “reabastecem” o ciclo de Krebs são chamadas de reações anapleróticas.

CADEIA TRANSPORTADORA DE ELÉTRONS E FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA

As coenzimas NADH e FADH2 são regeneradas na cadeia transportadora de elétrons, localizada na


membrana interna da mitocôndria. A membrana interna da mitocôndria possui um sistema de complexos
proteicos denominados complexos I, II, III e IV (Figura 8.7). Esse sistema de complexos proteicos apresenta
a função de transportar os elétrons até o complexo IV, onde o oxigênio será o aceptor final desses elétrons,
além de bombear os prótons na forma de H+ para o espaço intermembranas da mitocôndria. Cabe ressaltar
que a membrana interna da mitocôndria apresenta seletividade muito grande, ou seja, poucas moléculas
conseguem atravessar essa membrana sem a ajuda de um transportador específico.
Os complexos proteicos dos tipos I, III e IV atravessam completamente a membrana interna da
mitocôndria, enquanto o complexo II se localiza apenas na região interna da membrana interna da
mitocôndria (Figura 8.7). Além desse complexo, ainda estão envolvidos nesse sistema o citocromo c e a
ubiquinona (coenzima), que irão auxiliar decisivamente no transporte de elétrons e consequentemente no
bombeamento de prótons.
O funcionamento da cadeia transportadora de elétrons foi mais bem descrito (hipótese mais aceita)
por Mitchell, sendo denominada de teoria quimiosmótica de Mitchell. Segundo essa teoria, os elétrons
advindos do NADH e do FADH2 seriam transportados por esses quatro complexos proteicos (I, II, III e IV),
até o seu aceptor final: a molécula de oxigênio localizada na região da matriz mitocondrial. Esse transporte
de elétrons é finalizado no complexo IV. Sem fazer parte do complexo ainda existem mais dois
componentes móveis na cadeia transportadora: a coenzima Q ou ubiquinona (CoQ/CoQH 2) e o citocromo c,
que contém heme. A coenzima Q conecta os complexos I e II ao complexo III, enquanto o citocromo c
transfere os elétrons do complexo III para o complexo IV.
Concomitantemente ao transporte de elétrons, existe o bombeamento de prótons para o espaço
intermembranas, graças à condição criada pelo próprio transporte de elétrons. Ou seja, são processos
dependentes: transporte de elétrons e bombeamento de prótons.
Esse bombeamento de prótons na forma de H + irá criar uma diferença de pH (interior alcalino) e
potencial elétrico (interior negativo) entre o espaço intermembranas e a matriz mitocondrial. Essa
diferença de potencial eletroquímico será utilizada como força motriz para a produção de ATP. Os prótons,
agora localizados em alta concentração no espaço intermembranas, precisam voltar para a matriz
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mitocondrial. A maneira que eles têm de atravessar essa membrana é por meio da ATP sintetase (também
chamada de complexo V), proteína localizada na membrana interna da mitocôndria que utiliza essa energia
da passagem dos prótons para sintetizar moléculas de ATP (ADP + P + energia = ATP) ( Figura 8.8). A esse
processo damos o nome de fosforilação oxidativa.
As etapas do processo completo (Figura 8.8) podem ser descritas na seguinte ordem:
1.O NADH é o primeiro a chegar à cadeia transportadora de elétrons. Assim que ele chega ao
complexo I ocorre o processo de oxidação:
NADH + H+ + FMN (complexo I) → NAD+ + FMNH2 (complexo I)
Após a oxidação do NADH há a entrada dos elétrons na membrana interna da mitocôndria. Após
passarem por outros componentes do complexo I, os centros Fe-S, os elétrons são transportados até
a coenzima Q. O complexo I não recebe prótons, por isso eles são transferidos da membrana para o
espaço intramembranoso. Também são consumidos prótons da matriz para converter CoQ em
CoQH2. Portanto, nessa fase já temos a primeira etapa de formação do gradiente de prótons (pois
são retirados prótons da matriz mitocondrial provenientes de NADH). Acredita-se que sejam
excluídos quatro prótons para cada NADH oxidado.

Figura 8.7 Constituintes da cadeia transportadora de elétrons.

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Figura 8.8 Cadeia transportadora de elétrons e seu funcionamento.

2.O complexo II (succinato-ubiquinona oxidorredutase) oxida succinato a fumarato na matriz


mitocondrial. Os elétrons e prótons do succinato são transferidos para a flavoproteína (FAD). Pelo
complexo II (centro Fe-S) passam os elétrons derivados do FADH 2. O processo de oxidação acontece da
seguinte forma (FADH2 → FAD + 2 H+), transferindo os elétrons ao CoQ, convertendo-o em CoQH 2. O
complexo II não contribui para a formação do gradiente de prótons
3.A coenzima Q (CoQ) é o ponto de convergência de elétrons provenientes de NADH e FADH 2,
procedentes dos complexos I e II, respectivamente
4.No complexo III acontece a catálise da transferência de elétrons da CoQH2 para o citocromo c,
acompanhada da movimentação de prótons. Ou seja, o complexo III, ao oxidar a coenzima Q e reduzir
o citocromo c, promove a retirada de dois prótons da matriz e o bombeamento de quatro H+ para o
exterior da membrana interna da mitocôndria
5.O citocromo c é uma proteína situada na face externa da membrana interna da mitocôndria. Este
recebe elétrons do complexo III e os transfere para o complexo IV
6.Agora no complexo IV, existe a transferência de quatro elétrons para a molécula de O 2, oriundos de
quatro citocromos c, que ligando-se a prótons da matriz, convertem-se em duas moléculas H 2O, com a
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oxidação concomitante de quatro moléculas de citocromo c. A retirada de prótons da matriz
mitocondrial contribui para o estabelecimento do gradiente. Nessa etapa ainda há o bombeamento de
mais 4 H+ para o espaço intermembranas, considerando quatro citocromos c oxidados e duas
moléculas de água (H2O) formadas.

Fosforilação oxidativa
A consequência do bombeamento é a produção de um gradiente de prótons, isto é, uma
concentração diferente no espaço intermembranas em comparação à matriz. A face da membrana interna,
voltada para a matriz, fica ainda mais negativa do que a face voltada para o espaço intramembranas, e a
diferença de cargas elétricas gera um potencial de membrana. A energia conservada é a chamada força
próton-motriz, que apresenta dois componentes: gradientes de pH e elétrico. O retorno dos prótons ao
interior da mitocôndria é processo espontâneo, a favor do gradiente eletroquímico, que libera energia, a
força próton-motriz, capaz de levar à síntese de ATP (fosforilação oxidativa), segundo a teoria quimiostática
de Mitchell. Como a membrana interna é impermeável a prótons, estes só podem voltar à matriz por meio
de sítios específicos da membrana interna, constituídos pelo complexo sintetizador de ATP (ATP sintetase).
Para cada NADH que se oxida, ou seja, para cada par de elétrons transformados pelos complexos I, III e IV,
há síntese de 2,5 ATPs, e para cada FADH2 (complexo II) formam-se 1,5 ATPs.
Inicialmente, há ligação entre ADP e Pi em um dos sítios conformacionais. A ATP sintetase contém dois
componentes: fatores de acoplamento 1 (F1, microesferas e as hastes) e F0 (embebida na membrana), que
é um canal através do qual os prótons retornam à matriz mitocondrial. O F1 é composto por três sítios
catalíticos (a3-b3) que mudam sua conformação devido à passagem de prótons (a molécula roda no
sentido anti-horário) pelo F0, possibilitando a realização de três etapas na síntese de ATP: ligação dos
substratos (ADP e Pi), formação da ligação fosfoanidrido e liberação do ATP sintetizado.

Inibidores da cadeia transportadora de elétrons


O funcionamento da cadeia transportadora de elétrons pode ser prejudicado ou mesmo inibido por
algumas moléculas que se ligam covalentemente às estruturas que compõem esse sistema. Alguns
exemplos práticos desses elementos que podem inibir a cadeia são: a rotenona, a antimicina, o cianeto e o
monóxido de carbono. Essas moléculas se ligam em regiões específicas da cadeia transportadora,
impedindo o transporte de elétrons e o bombeamento de prótons, consequentemente, a formação de ATP.

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Desacopladores da cadeia transportadora de elétrons
Um mecanismo bastante interessante desenvolvido pela natureza para utilizar a energia potencial
dos prótons bombeados é o desacoplamento da cadeia pela proteína termogenina. Essa proteína localizada
na membrana interna da mitocôndria permite a passagem dos prótons de volta para a matriz mitocondrial,
gerando calor. Alguns tecidos, como o tecido marrom encontrado na região do pescoço de recém-nascidos,
apresentam essa termogenina para se manterem aquecidos. Alguns animais (especialmente os que
hibernam) também possuem essa proteína para manutenção da temperatura corporal.
Outras moléculas, como o 2,4-dinitrofenol, podem desacoplar a cadeia transportadora. Essa molécula
é um transportador de prótons lipofílico que se difunde facilmente através da membrana mitocondrial.
Esse desacoplador impede a formação do gradiente de prótons.

SALDO FINAL DA GLICÓLISE AERÓBICA

Chegando ao final de uma via completa de degradação da glicose podemos estimar o saldo
energético correspondente à degradação completa (glicólise, ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa) de
uma molécula de glicose.
No processo da glicólise são geradas sete moléculas de ATP (2 ATP gerados diretamente e 5 ATP pela
oxidação posterior de 2 NADH, levando em consideração a geração de 2,5 ATP para cada NADH). Na
oxidação do piruvato temos mais cinco moléculas de ATP (2 NADH). A oxidação da acetil-CoA gera: 20
moléculas de ATP (6 NADH + 2 FADH 2 + 2 GTP, levando em consideração que são gerados 1,5 ATP para cada
FADH2, além de semelhança energética entre ATP e GTP). No total temos 32 moléculas de ATP formadas
(Tabela 8.1).

OUTRAS VIAS DE OBTENÇÃO DE ENERGIA

b-oxidação
Uma outra opção de geração de energia pelas células é a utilização de lipídios pela β-oxidação. Esse
processo consiste na quebra gradual de ácidos graxos de cadeia longa e número par de átomos de carbono
em moléculas de acetil-CoA. Essas moléculas de acetil-CoA poderão ser utilizadas para obtenção de energia
pela passagem no ciclo de Krebs e posteriormente na fosforilação oxidativa, como já foi descrito.
Cada ciclo da β-oxidação (Figura 8.9) pode ser dividido em quatro etapas:
1.Na primeira etapa temos a desidrogenação (produzindo uma molécula de FADH 2) da molécula de
ácido graxo pela ação da enzima acil-CoA desidrogenase
2.Em seguida, o ácido graxo sofre processo de hidratação (ação da enzima enoil-CoA hidratase)

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3.Novamente o ácido graxo sofre o processo de desidrogenação pela ação da enzima β-hidroxiacil-CoA
desidrogenase (produzindo uma molécula de NADH + H+)
4.Finalizando o ciclo, existe o processo de transferência do grupo CoA para o restante da cadeia, que
continuará no ciclo sucessivo. Essa última reação é catalisada pela enzima acil-CoA acetiltransferase,
também chamada de tiolase.

O processo de quebra completa de um ácido graxo leva à formação de moléculas de acetil-CoA. O


número de moléculas de acetil-CoA formadas depende do número de átomos de carbono na cadeia de
carbonos do ácido graxo. Podemos deduzir que um ácido graxo com 16 átomos de carbono formará, ao
final dos ciclos de β-oxidação, um total de oito moléculas de acetil-CoA + 7 FADH 2 + 7 NADH. Agora, essas
moléculas podem seguir para o ciclo de Krebs, e posteriormente as coenzimas reduzidas serão regeneradas
na cadeia transportadora de elétrons, totalizando a produção de 108 moléculas de ATP.

Tabela 8.1 Saldos parcial e total da quebra completa da molécula de glicose.


PROCESSO PRODUTO DIRETO ATP FINAL
Glicó lise 2 NADH 5
2 ATP 2
Oxidaçã o do piruvato (dois por glicose) 2 NADH 5
Oxidaçã o da acetil-CoA no ciclo de Krebs (dois por 6 NADH 15
glicose) 2 FADH2 3
2 GTP 2
Produção total por glicose 32

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Figura 8.9 Etapas do processo de β-oxidação.

A obtenção de energia pela β-oxidação é muito utilizada em animais que hibernam. Esses animais
consomem grande quantidade de nutrientes durante os períodos de verão e primavera, para aumentarem

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o “estoque” de tecido adiposo, que posteriormente será mobilizado e consumido como fonte de energia.

Oxidação de aminoácidos
Outra via de obtenção de energia é a via de oxidação de aminoácidos provenientes da quebra de
proteínas. A degradação de proteínas (tanto proteínas oriundas da alimentação como proteínas de tecidos)
leva à obtenção de seus constituintes mais simples, os aminoácidos. Esses aminoácidos terão seu grupo
NH4+ removido pelo processo de desaminação, que por sua vez levará à formação de esqueletos de
carbono que poderão ser utilizados posteriormente no ciclo de Krebs. O grupo NH 4+ será reutilizado em vias
de biossíntese de outros aminoácidos, ou poderá entrar no ciclo da ureia e ser eliminado (excreção de N 2).
Quanto aos esqueletos de carbono, gerados no processo de desaminação, esses serão convertidos em α-
cetoácidos e assim poderão entrar como intermediários no ciclo de Krebs. Alguns desses intermediários
podem ser utilizados, quando necessário, para o processo de síntese da glicose (gliconeogênese). Outros
aminoácidos só podem ser utilizados para a conversão em corpos cetônicos, sendo chamados de
cetogênicos (Figura 8.10).
Alguns aminoácidos ainda podem entrar em diferentes etapas do ciclo de Krebs. Os aminoácidos
arginina, glutamina, histidina e prolina são convertidos em glutamato e depois convertidos em α-
cetoglutarato (intermediário do ciclo de Krebs). Os aminoácidos metionina, isoleucina, treonina e valina
são convertidos em succinil-CoA (intermediário do ciclo de Krebs). A fenilalanina e a tirosina podem ser
convertidas em fumarato (interrnediário do ciclo de Krebs). Asparagina e aspartato são convertidos em
oxalacetato (intermediário do ciclo de Krebs). Alanina, cisteína, glicina, serina e triptofano são convertidos
em piruvato e posteriormente em oxalacetato. Isoleucina, leucina, triptofano, fenilalanina, lisina e tirosina
são convertidas em acetil-CoA (entrada no ciclo de Krebs pela condensação com o oxalacetato).

CONCLUSÃO

Não poderíamos deixar de ressaltar a importância do aprendizado dessas vias de obtenção de


energia, tanto pelo cirurgião-dentista como por outros profissionais da área da saúde, uma vez que os
mesmos utilizam esses conhecimentos para estratégias na prevenção ou tratamento de algumas doenças.
Alguns exemplos, entre outros, comuns na odontologia são: (1) utilização do flúor como inibidor da via
glicolítica (inibidor da enzima enolase) de bactérias presentes no biofilme dentário, levando a menor
produção de lactato (ácido lático) ao final da via; (2) a diminuição da ingestão de açúcar, solicitada pelo
cirurgião-dentista, também visa (em um dos mecanismos) reduzir a fonte energética para as bactérias
presentes na cavidade bucal; e (3) substituição do açúcar por adoçantes e outros substitutos (como xilitol)
que não podem ser utilizados como fonte energética pelas bactérias colonizadoras (presentes no biofilme
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dentário), diminuindo assim a produção de ácidos por essas bactérias e reduzindo ou prevenindo o
processo de desmineralização da superfície dentária.

Figura 8.10 Entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs.

Em suma, as vias de obtenção de energia visam ao abastecimento de energia para as vias anabólicas,
necessárias ao funcionamento adequado da célula. Essas vias apresentam pontos de convergência, o que
permite a adequação do maquinário celular à fonte de nutrientes utilizada (disponíveis em determinado
momento). Desse modo, a célula consegue abrir um leque de opções para obtenção de energia.

NUTRIÇÃO E METABOLISMO INTEGRADO


NUTRIÇÃO

A nutrição é tópico importante para os profissionais da saúde, uma vez que os alimentos ingeridos
produzem substratos importantes para a obtenção de energia e para as vias sintéticas. Uma dieta
balanceada, tanto em relação à qualidade, como à quantidade de macro- e micronutrientes, é essencial
para o funcionamento do organismo.
As proteínas estão entre os macronutrientes fundamentais da nutrição, uma vez que apresentam
funções dinâmicas e estruturais no organismo. As proteínas podem ser oriundas da dieta ou ter origem

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endógena (hidrólise de proteínas teciduais ou aminoácidos sintetizados a partir de intermediários do
metabolismo).
A ingestão de proteínas da dieta é essencial, pois o nosso organismo produz somente 11 aminoácidos
dos 20 necessários para a síntese das proteínas, e 9 deles devem ser consumidos na dieta a partir das
fontes de proteínas (os nove aminoácidos são: fenilanina, histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina,
treonina, triptofano e valina). Os aminoácidos que devemos consumir são denominados aminoácidos
essenciais, uma vez que são necessários para produção de peptídios (p. ex., neurotransmissores) e
proteínas com diferentes funções no organismo. Determinados aminoácidos são também utilizados para a
produção de compostos nitrogenados não proteicos (como creatinina, ácido úrico, bilirrubina e outros
pigmentos).
Em relação às proteínas da dieta, nós as encontramos em carnes, leites e derivados, assim como em
alguns vegetais como feijão e soja. O valor nutricional de um alimento é avaliado pela qualidade das
proteínas, isto é, pela composição em aminoácidos e digestibilidade (absorção). Os alimentos de origem
animal têm alto valor proteico em comparação aos de origem vegetal, tanto pela quantidade e variedade
de aminoácidos essenciais, como pela ausência de fibras e pelo processo de aquecimento, os quais
facilitam a absorção. Assim, a dose diária de ingestão de proteínas pode variar de acordo com a sua
origem, sendo menor para os indivíduos que ingerem alimentos derivados de animais, em comparação aos
vegetarianos. A idade e o gênero também podem ter influência sobre a dose diária de proteínas. Outro
fator determinante da dose diária de proteínas é a quantidade de carboidratos ingeridos. Apesar de não
terem como função principal a obtenção de energia, as proteínas podem ser usadas para produção de
energia alternativa (10 a 15% do total), quando há redução na ingestão de carboidratos e lipídios (períodos
de jejum).
A desnutrição proteica pode ocasionar graves problemas de saúde, uma vez que as proteínas têm
funções importantes no organismo. Por outro lado, o consumo excessivo de proteínas não possibilita o
armazenamento das mesmas; o excesso é convertido em lipídio.
A avaliação do metabolismo proteico de um indivíduo pode ser feita pelo balanço de nitrogênio, que é
a diferença entre a quantidade de nitrogênio consumido e excretado. A excreção do nitrogênio se dá
fundamentalmente pela ureia, na urina (90%) e nas fezes (10%). Como existem compostos nitrogenados
não proteicos, e devido à dificuldade de medir a excreção de nitrogênio por vias minoritárias (suor, unha,
cabelo), o balanço de nitrogênio é um método para a estimativa do balanço proteico. Em geral, o indivíduo
adulto deve estar em equilíbrio nitrogenado. O balanço de nitrogênio positivo (ingestão > excreção) pode
ocorrer durante o crescimento, gravidez e lactação. Já o balanço negativo (ingestão < excreção) ocorre

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durante o jejum, com dietas pobres em aminoácidos e carboidratos, e em diversas condições patológicas,
como diabetes, câncer, infecções, queimaduras e cirurgias.
Diferentemente das proteínas, os carboidratos, outro exemplo de macronutrientes, são utilizados
basicamente para obtenção e armazenamento de energia. Os monossacarídeos, dissacarídeos e
polissacarídeos são encontrados em frutas, mel, raízes e em alguns produtos derivados de trigo. A glicose é
um monossacarídeo muito importante para os processos de metabolismo celular, sendo o principal
substrato oxidável para a maioria dos organismos. Quase todas as células são capazes de atender às suas
demandas energéticas a partir desse açúcar, mas algumas células são estritamente dependentes desse
carboidrato, como as hemácias e as células do tecido nervoso (encéfalo). No caso das hemácias, isso se
deve ao fato de essas células não apresentarem mitocôndria para o metabolismo aeróbico; já o encéfalo
apresenta uma barreira para entrada de lipídios. A oxidação de glicose gera certa quantidade de energia
potencial, utilizada como combustível para diversas funções celulares.
As fibras, por outro lado, são carboidratos não digeríveis pelo homem, as quais retardam o
esvaziamento gástrico e a absorção de nutrientes no intestino. Fibras solúveis aumentam a viscosidade do
bolo fecal e são metabolizadas pelos microrganismos intestinais (p. ex., polpa de frutas, vegetais, feijão,
milho, aveia, cevada). Fibras não solúveis promovem aumento da massa fecal, o que estimula o
peristaltismo e acelera o trânsito intestinal. Ainda causam sensação de maior saciedade (celulose
encontrada nos cereais integrais, legumes, frutas, verduras e sementes). As fibras produzem diversos
efeitos positivos à saúde, como a redução dos níveis de colesterol plasmático e da glicemia após a
alimentação, e ainda previnem constipação intestinal. No entanto, doses exageradas reduzem a absorção
de nutrientes, por terem efeito laxativo e por interagirem com nutrientes, formando complexos insolúveis.
Os lipídios, outro nutriente importante da dieta, são ingeridos a partir dos óleos e das gorduras
vegetal e animal, fornecendo os ácidos graxos essenciais (linoleico – w-6; e α-linoleico – w-3), os quais são
importantes para o funcionamento do sistema nervoso, precursores dos eicosanoides (p. ex.,
prostaglandina) e podem atuar como mensageiros intracelulares. Além disso, os lipídios são veículos para
absorção de vitaminas lipossolúveis e são utilizados como fontes de energia, assim como os carboidratos.
Para satisfazer a necessidade de lipídios essenciais, são recomendados ácidos graxos poli-insaturados
encontrados em óleos vegetais (w-6) e peixes marinhos (w-3), mantendo adequada relação entre w-6/w-3,
uma vez que são precursores de moléculas importantes e têm efeito benéfico na saúde cardiovascular. O
óleo de peixe (w-3) apresenta ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosa-hexaenoico (DHA), que
alteram a fluidez da membrana; interagem com fatores de transcrição; são elementos reguladores de
esteróis de ligação; e substratos para as enzimas incluindo ciclo-oxigenase, lipo-oxigenase e citocromo P-
450. Como resultado, os óleos de peixe podem melhorar a saúde cardiovascular, alterando o metabolismo
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lipídico, induzindo alterações hemodinâmicas, arritmias decrescentes, modulando a função plaquetária,
melhorando a função endotelial e inibindo vias inflamatórias.
Deve-se evitar o consumo de ácidos graxos saturados e trans (p. ex., gordura hidrogenada: margarina
e óleo de fritura), com exceção do ácido esteárico, uma vez que os ácidos graxos saturados e trans
aumentam a quantidade de lipoproteínas plasmáticas ricas em colesterol (LDL e VLDL), que transportam os
lipídios do fígado para os outros tecidos (Denke, 2006). Os ácidos graxos saturados e trans reduzem os
níveis de HDL, lipoproteínas benéficas que transportam colesterol dos tecidos para o fígado, permitindo a
excreção do colesterol, e ainda alteram a viscosidade das membranas plasmáticas, sendo relacionados ao
entupimento de vasos sanguíneos, podendo aumentar o risco ao infarto agudo do miocárdio. Nosso corpo
produz colesterol, portanto, mais importante do que evitar o consumo de colesterol, é controlar a ingestão
dos ácidos graxos saturados e trans. As estatinas são usadas no tratamento de doenças cardiovasculares,
pois inibem a enzima HMG-CoA redutase (3-hidroxi-3-metil-glutaril-coenzima A redutase), relacionada à
formação de colesterol no fígado.
Por outro lado, ácidos graxos insaturados reduzem o nível plasmático de LDL e VLDL, as lipoproteínas
maléficas, sendo que os de cadeia poli-insaturada causam discreta redução do HDL (lipoproteína benéfica),
e os de cadeia monoinsaturada (óleos de soja e canola), não. As fontes mais importantes de ácidos graxos
insaturados são os peixes, óleos de soja e canola.
Os lipídios da dieta humana (triacilglicerol), uma vez absorvidos, assim como aqueles sintetizados
endogenamente, são distribuídos aos tecidos pelas lipoproteínas plasmáticas, para serem utilizados como
fonte de energia (produção de ATP) ou para armazenamento na forma anidra (triacilglicerol) nas células
adiposas. Todos os nutrientes ingeridos em excesso podem ser armazenados na forma de lipídios.
Uma vez absorvidos, os ácidos graxos são conduzidos aos tecidos extra-hepáticos, enquanto o
colesterol vai para o fígado. O triacilglicerol presente nos quilomícrons é quebrado especialmente nos
capilares do músculo esquelético e do tecido adiposo. Os ácidos graxos livres entram nas células
musculares e adiposas, onde podem ser convertidos em energia ou armazenados. O glicerol entra no
fígado, onde pode ser utilizado para a glicólise ou gliconeogênese. Os outros componentes dos
quilomícrons entram no fígado por endocitose e são aproveitados.
Dentre os micronutrientes obtidos pela dieta estão as vitaminas hidrossolúveis (B e C) e lipossolúveis
(K, A, D e E – derivadas do isopreno). As vitaminas hidrossolúveis são importantes como cofatores de
reações metabólicas e atuam na produção de proteínas (p. ex., vitamina C, na produção do colágeno). A
vitamina C, além de participar da produção do colágeno, ainda facilita a absorção do ferro no intestino. O
ácido fólico, por exemplo, tem importante papel no metabolismo e na biossíntese de compostos, sendo
sua deficiência comum e relacionada a quadros de anemia e defeitos de formação do feto. Já as
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lipossolúveis atuam como fatores antioxidantes (A, E e ainda a vitamina hidrossolúvel C), coagulantes (K),
nas reações da visão e crescimento (A) e na regulação do metabolismo do cálcio (D). A vitamina A
(retinoides) controla a expressão de queratina na maior parte das células epiteliais, assim como influencia a
reprodução, o crescimento e o ciclo visual. Já a vitamina D (esteroides), que também atua no núcleo,
interfere na transcrição de proteínas relacionadas à manutenção dos níveis plasmáticos de cálcio e fósforo,
pelo aumento na captação do cálcio no intestino, na redução da excreção e da reabsorção óssea. A
vitamina K participa na modificação pós-tradução de diferentes fatores de coagulação; já a vitamina E
previne a oxidação não enzimática dos componentes celulares. As vitaminas hidrossolúveis são facilmente
excretadas, já as lipossolúveis podem acumular-se no tecido. Portanto, estas últimas podem causar alguns
efeitos colaterais em excesso.
Em relação aos íons (nutrientes inorgânicos), destacam-se cálcio, fosfato, sódio, potássio, magnésio,
ferro e selênio. Esses micronutrientes atuam como cofatores enzimáticos, sistema antioxidante e na
manutenção dos tecidos duros, como ossos e dentes.
Com base no conhecimento dos macro e micronutrientes da dieta, o aluno deve estar atento a alguns
conceitos importantes na utilização dos mesmos. A energia metabólica basal é a quantidade de energia
necessária para a manutenção dos processos vitais básicos (@ 1.200 a 1.800 kcal/dia). Algumas atividades
essenciais à sobrevivência, como o transporte ativo, consomem 50% dessa energia. A taxa metabólica basal
é medida pela produção de calor ou consumo de oxigênio por um sujeito em repouso e acordado, 12 h
após a última refeição. O valor está intimamente relacionado à quantidade de massa magra, à idade e ao
gênero. A energia metabólica basal, somada à energia dispendida para a realização de atividades físicas,
desde leves a intensas, compõe a necessidade energética diária do indivíduo.
Já o equilíbrio energético se refere ao conceito de que a ingestão calórica (necessidade energética
diária) deve contrabalancear o gasto de energia, de modo a manter o peso corpóreo. A ingestão calórica
deve ser composta de maneira balanceada por: carboidratos (45 a 65%), lipídios (25 a 30%) e proteínas (10
a 15%) (Figura 9.2).

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A desnutrição (em especial a proteica) é bastante comum em países subdesenvolvidos por motivos
econômicos, o que pode levar ao aumento da mortalidade infantil. Por outro lado, a obesidade tem se
tornado problema de saúde pública em países desenvolvidos, tanto na infância, quanto na fase adulta. De
fato, de acordo com algumas estimativas, há no mundo mais indivíduos com sobrepeso do que
desnutridos. Uma revisão de literatura apontou que nos EUA a maioria dos indivíduos apresenta
sobrepeso, 1/3 obesidade e aproximadamente 5%, obesidade mórbida (Selassie e Sinha, 2011). No Brasil,
pesquisa do IBGE mostrou que de 1974-1975 a 2008-2009, a prevalência de sobrepeso em adultos
aumentou em quase três vezes no sexo masculino (de 18,5 para 50,1%) e em quase duas vezes no sexo
feminino (de 28,7% para 48%). No mesmo período, a prevalência de obesidade aumentou em mais de
quatro vezes para homens (de 2,8% para 12,4%) e em mais de duas vezes para mulheres (de 8% para
16,9%) (IBGE, 2010).
A quantidade de gordura corporal de um indivíduo é avaliada indiretamente pelo índice de massa
corpórea, que é igual ao peso corporal (em kg) dividido pela altura (em metros) ao quadrado. Esse índice
pode ser usado para uma avaliação do grau de obesidade: IMC < 20 – abaixo do peso; 20 a 24,9 – peso
normal; 25 a 29,9 – sobrepeso; 30 a 40 – obesidade; > 40 – obesidade mórbida. A distribuição anatômica
da gordura corporal possui grande influência sobre os riscos associados à saúde. A gordura em excesso
localizada na área central do corpo ou na região da cintura, denominada gordura androide/abdominal
(formato de maçã), está associada a maior risco de hipertensão, resistência à insulina, diabetes,
dislipidemia e doença cardíaca. É definida por uma razão cintura/quadril maior que 0,8 para mulheres e 1
para homens. Em contraste, gorduras localizadas na parte mais inferior (no formato de pera) são
comumente encontradas em mulheres. Alguns especialistas acreditam que a razão cintura:quadril é mais
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útil que o IMC para determinação do risco de problemas cardiovasculares. Além disso, as células adiposas
abdominais são maiores e apresentam taxa de renovação mais acelerada, respondendo mais rapidamente
a alterações hormonais. Já os ácidos graxos da gordura dos glúteos entram na circulação geral, sem
preferência sobre o metabolismo hepático.
A obesidade está relacionada a menor expectativa de vida, por ser fator de risco de doenças crônicas,
como diabetes e problemas cardiovasculares. É resultado de superalimentação; assim, a redução de
ingestão calórica (carboidratos e lipídios) e exercícios físicos regulares auxiliam no emagrecimento. Apesar
de a causa de obesidade ser geralmente a dieta hipercalórica, tem se tornado evidente que a saciedade e o
equilíbrio energético podem ter influência genética. Em 1994, foi identificado um gene da obesidade
(Zhang et al., 1994) em camundongos, e o homólogo em humanos, que codifica a proteína leptina,
sintetizada especialmente nos adipócitos, que age sobre o hipotálamo. A ligação tem efeito na redução do
apetite e no aumento do gasto de energia. A relação entre leptina e obesidade foi bem demonstrada em
camundongos, porém em humanos a relação entre redução dos níveis de leptina e obesidade não foi
encontrada. A hipótese considerada é que o sistema nerovso central (SNC) de obesos humanos pode ser
resistente à leptina.
As células adiposas não têm somente função de armazenamento de gordura, mas também endócrina.
Outros hormônios sintetizados no tecido adiposo, no estômago (grelina – estimula o apetite), no intestino
(colecistocinina – diminui o apetite), assim como a insulina, têm sido relacionados à manutenção do
equilíbrio energético por ação no hipotálamo. As proteínas desacopladoras mitocondriais também
interferem no controle da obesidade e poderiam ser alternativa no tratamento da obesidade. A obesidade
pode levar a alterações metabólicas, como intolerância à glicose, resistência à insulina, hiperinsulinemia,
dislipidemia (baixo HDL e altos LDL e VLDL) e hipertensão. A resistência à insulina pode estar associada à
dislipidemia, pelo aumento da atividade da lipase sensível ao hormônio e, consequentemente, aumento de
ácidos graxos circulantes (VLDL). Portanto, o conhecimento mais aprofundado sobre os fatores (ambientais
e genéticos) que têm influência sobre o desenvolvimento da obesidade é de suma importância para a sua
prevenção.

METABOLISMO

Atuação de hormônios e enzimas


Diariamente, estamos sujeitos a períodos de oferta de nutrientes (absortivo) e a períodos de
escassez (jejum). Portanto, nosso organismo, a partir da interação de hormônios e enzimas nas diferentes
células, adapta-se às situações diversas de modo que não haja prejuízo para as funções celulares. Para
início de conversa, precisamos definir alguns termos novamente. Chama-se catabolismo a etapa do
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metabolismo que se refere à assimilação e ao processamento dos macronutrientes adquiridos pelos seres
vivos para fins de obtenção de energia. Esse conjunto de processos envolve vias de degradação, ou seja, a
quebra de macromoléculas e seus derivados. Parte sempre de moléculas que contêm quantidades
importantes de energia, como os carboidratos (glicose), os lipídios (triacilgliceróis, ácidos graxos) e as
proteínas (aminoácidos). Essas substâncias são quebradas de modo que restem, ao final, moléculas
pequenas e pobres em energia (H 2O, CO2, NH3), aproveitando a liberação de energia resultante desse
processo. Essa energia normalmente é obtida nas células como compostos trifosfatados, como o ATP e o
GTP, e coenzimas reduzidas (NADH, FADH2). Por outro lado, o anabolismo é a etapa do metabolismo que se
refere à síntese de substâncias em um organismo, ou seja, a partir de molécula mais simples (p. ex.,
glicose) são criadas moléculas mais complexas (p. ex., glicogênio) à custa de energia (utilização do ATP). O
anabolismo só ocorre em alta energética (Figura 9.3).
O controle de processos catabólicos e anabólicos em escala celular é feito por (1) alteração na
concentração de enzimas, devido à modificação da expressão de genes, e por (2) alteração na atividade de
enzimas, devido à (a) ligação não covalente (efetores alostéricos) ou (b) covalente; no primeiro (1) e no
último caso (2b), sob influência dos hormônios como a insulina, glucagon e epinefrina.
As enzimas alostéricas apresentam sítios de cooperação e geralmente catalisam reações irreversíveis.
Moléculas (p. ex., produtos ou coenzimas) interagem nos sítios alostéricos destas enzimas, provocando
grande alteração em sua atividade. Essa ligação pode induzir tanto a ativação (efetores positivos), como a
inibição (efetores negativos) da enzima. Exemplo clássico é a retroinibição, ou a inibição por feedback, na
qual o produto da reação pode atuar como inibidor alostérico enquanto não for consumido por uma
próxima reação.

Figura 9.3 Vias do anabolismo e do catabolismo.


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As organelas nas células eucarióticas propiciam outro tipo de controle enzimático. Uma enzima pode
ser expressa em dois compartimentos celulares diferentes e ser deslocada de um para o outro, segundo o
estado fisiológico vigente; assim como o produto ou coenzima de uma via pode ser consumido por outra
via. Esses mecanismos são importantes para a coordenação das reações que compõem as diferentes vias
do metabolismo.
A atividade de uma enzima também pode ser alterada por ligação covalente de certos grupos às
cadeias polipeptídicas, causando alterações de conformação. O controle por modificação covalente pode
atuar tanto ativando quanto inibindo a atividade da enzima. Várias modificações são possíveis, como a
metilação, a adenilação e a acetilação, porém a mais frequente é a fosforilação. A fosforilação é catalisada
pelas proteinoquinases, que transferem um grupo fosfato terminal do ATP para resíduos específicos de
aminoácidos, como a serina, a treonina ou a tirosina, formando uma ligação éster fosfórico. As
proteinoquinases estão sujeitas à regulação mediada por cAMP, fosfolipídios, cálcio, entre outros. A
retirada do grupo fosfato, por sua vez, é feita pelas fosfoproteínas fosfatases. Essas alterações podem
ativar ou não a enzima, sendo o mecanismo de regulação por modificação covalente intimamente
associado à ação hormonal. A modificação covalente é o estágio final de uma cascata de amplificação e
permite que reações sejam rapidamente ligadas ou desligadas por sinais de disparo em baixa
concentração. Além disso, apresenta ação mais duradoura em relação ao controle alostérico.
O metabolismo (catabolismo e anabolismo) é controlado pela interação de quatro tecidos (fígado,
músculo esquelético, tecido adiposo e tecido nervoso), sob ação de hormônios que coordenam as
atividades. Os hormônios atuam nesses tecidos provocando respostas celulares específicas, mas
cooperativas, tornando lógico e harmônico o ajuste do organismo a determinada condição fisiológica.
Os principais hormônios envolvidos no metabolismo são os esteroides (cortisol, aldosterona, estradiol,
progesterona e testosterona), os tireoidianos (tiroxina, tri-iodotironina), os peptídicos (insulina e glucagon)
e as catecolaminas (epinefrina, norepinefrina). Os receptores hormonais se situam na membrana
plasmática (hormônios peptídicos e catecolaminas), no citosol (hormônios esteroides) ou no núcleo das
células (hormônios tireoidianos).
Os hormônios tireoidianos e os esteroides atuam na expressão gênica. Já os hormônios peptídicos e as
catecolaminas, por não entrarem na célula, induzem a produção de um segundo mensageiro. A quantidade
de receptores varia em função da concentração de hormônio circulante. A produção de um segundo
mensageiro é etapa importante do processo de transdução de sinal. Exemplo é o receptor ligado à proteína
G: inicialmente, há ligação do hormônio ao seu receptor, seguida da interação da proteína G (subunidade a
ligada à GTP) com uma enzima-alvo encontrada na membrana (adenilato ciclase e fosfolipase), a qual
catalisa a produção de um segundo mensageiro (p. ex., cAMP, Ca+2 e derivados de fosfolipídios).
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O cAMP, exemplo de segundo mensageiro, estimula a proteinoquinase A (PKA), por se ligar às
subunidades reguladoras, a qual, por sua vez, proporciona a fosforilação de proteínas que podem se tornar
ativadas ou não. A via da PKA é estimulada por hormônios como os da hipófise (ACTH, TSH, LH, FSH),
vasopressina (hormônio antidiurético), epinefrina e glucagon. Exemplo de proteína que sofre influência da
PKA é a fosfoproteína fosfatase 1, que regula a síntese do glicogênio. Essa enzima sofre fosforilação pela
PKA e é inativada nas células do fígado.
Os derivados de fosfolipídios de membrana e íons cálcio também atuam como segundos mensageiros
do receptor acoplado à proteína G. A formação do complexo hormônio-receptor ativa a proteína G,
seguido da interação desta (subunidade α) com uma enzima, no caso a fosfolipase C, que catalisa a
hidrólise de fosfatidilinositol 4,5-bifosfato, produzindo dois segundos mensageiros: o inositol 1,4,5-
trifosfato (IP3) e o 1,2-diacilglicerol (DG). O IP 3 aumenta a concentração de cálcio no citosol, que é liberado
dos depósitos intracelulares (retículo endoplasmático e sarcoplasmático). Nos músculos esqueléticos, o
cálcio desencadeia a contração e auxilia a degradação do glicogênio; nos músculos lisos e em outras
células, ele se liga à calmodulina, modificando uma séria de proteínas, e age como coadjuvante do DG. O
DG permanece ligado à membrana e, por atuação do cálcio, estimula uma proteinoquinase da membrana,
a proteinoquinase C (PKC), a qual catalisa a fosforilação de proteínas. Exemplos de hormônios que atuam
na via fosfolipase são a epinefrina, a vasopressina e hormônios hipotalâmicos (TRH, GnRH). O cálcio se liga
à calmodulina, a qual atua sobre diversas proteínas (glicogênio fosforilase quinase, miosina quinase). Os
processos regulados pelo Ca+2/calmodulina e o cAMP são interligados para o controle das reações
metabólicas.
Dentre os hormônios citados, os que têm papel fundamental na regulação do metabolismo são a
epinefrina, o glucagon e a insulina. A epinefrina, produzida pelas glândulas suprarrenais, é liberada em
resposta especialmente ao estresse, exercícios físicos e hipoglicemia; neste caso, o controle do
metabolismo ocorre por sua ligação ao receptor b, ativando a via PKA. O glucagon (peptídio com 29
aminoácidos produzido pelas células alfa do pâncreas) é liberado quando há hipoglicemia e níveis elevados
de epinefrina, com o objetivo de aumentar a glicemia. Em geral, esses hormônios estimulam a produção de
glicose por glicogenólise e gliconeogênese, ao mesmo tempo que inibem a produção de glicogênio e a
glicólise, aumentando a concentração de glicose no sangue. Estimulam a gliconeogênese muscular
(epinefrina e glucagon) e hepática (glucagon), e a degradação dos triacilgliceróis do tecido adiposo
(epinefrina e glucagon), isto é, o catabolismo. Atuam na produção do segundo mensageiro, o cAMP, o qual
ativa as PKAs que fosforilam outras proteínas, ativando ou desativando-as.
Já a insulina (proteína com 2 cadeias peptídicas compostas de 51 aminoácidos produzida pelas células
beta do pâncreas) é liberada em resposta à hiperglicemia, favorecendo a síntese de glicogênio pelo fígado,
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a entrada de glicose pelos tecidos insulinodependentes (com auxílio da proteína transportadora GLUT4),
como o músculo e o tecido adiposo. Por outro lado, bloqueia a glicogenólise e a gliconeogênese. A síntese
de insulina é estimulada pelo aumento nos níveis plasmáticos de glicose e aminoácidos, assim como
hormônios gastrintestinais; já a sua secreção é inibida pela epinefrina durante o estresse. Ela atua no
fígado, no músculo e no tecido adiposo estimulando o anabolismo.
Níveis altos de insulina causam diminuição do número de seus receptores, uma vez que há
degradação dos mesmos. Picos de insulina podem resultar na não recomposição completa dos receptores,
o que ao longo do tempo pode induzir ao aparecimento do diabetes melito. O receptor da insulina,
encontrado na membrana plasmática das células-alvo, é uma glicoproteína constituída por duas
subunidades alfa e beta ligadas por pontes de dissulfeto. As subunidades beta apresentam atividade de
proteinoquinase para tirosina, a qual se torna ativada fosforilando diferentes proteínas. A partir desse
evento, são acionadas diversas vias de transdução de sinais, responsáveis pelos múltiplos efeitos da
insulina (ativação de enzimas preexistentes assim como síntese de novas proteínas a partir dos processos
de transcrição e tradução).
O transporte da glicose ocorre através da membrana plasmática por transporte passivo, catalisado por
uma família de permeases GLUT (glucose transporter), sendo as mais importantes as GLUTs 1 a 4. A GLUT1
é expressa especialmente nas hemácias e no cérebro. A GLUT2 é encontrada especialmente nas células
beta do pâncreas, sendo usada como sinalizadora do aumento da glicemia. A GLUT3 é a principal
transportadora para o cérebro, com grande afinidade por glicose. Já a GLUT4 catalisa o transporte da
glicose para músculo e tecido adiposo, sendo a sua atuação aumentada em até 20 vezes, quando há
insulina. No caso da insulina, o mecanismo de transporte da GLUT4 para a membrana se dá pela ligação da
insulina ao receptor, o qual sofre autofosforilação e se liga a uma proteína IRS (substrato receptor de
insulina), fosforilando-a. A IRS, uma vez fosforilada, comporta-se como adesivo, recrutando os demais
componentes intracelulares envolvidos na cascata de sinalização. Um dos efetores é o fosfatidilinositol 3-
quinase (PI3 K), o qual se liga ao complexo e introduz um fosfato ao fosfolipídio de membrana, o
fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP-2), convertendo-o em fosfatidilinositol 3,4,5-trifosfato (PIP-3). O PIP-3
serve como ancoradouro de outras proteínas citoplasmáticas, como a proteinoquinase, dependente de
fosfoinositídio (PDK), que fosforila algumas proteínas como a proteinoquinase B (PKB). Essa quinase
interage com a GLUT4, provocando sua transferência para a membrana plasmática.
O PI3 K, além de possibilitar o transporte de glicose, ainda participa da regulação do metabolismo de
carboidratos, lipídios e proteínas, da transcrição gênica e da síntese proteica. O mecanismo se dá pela
adição de fosfato a proteínas reguladas pela PKB, modificando o funcionamento. A PKB ativa fosfoproteínas
fosfatases (PP-1) e fosfodiesterase de cAMP, diminuindo cAMP e desativando a PKA, e ainda inibe
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diretamente a própria PKA. Exemplo de enzima-alvo é a glicogênio sintase quinase-3, a qual é inativada
pela atuação da PP-1 (ativada por PKB), inibindo a ação dessa enzima no bloqueio da síntese de glicogênio.
Assim, tem efeito oposto ao glucagon e à epinefrina. A insulina também promove o controle do
metabolismo nos músculos, no tecido adiposo e no fígado, por transcrição de genes e tradução do mRNA.
Esse hormônio ainda tem efeito adicional, regulando o apetite e o metabolismo da glicose por atuação no
hipotálamo.

Vias metabólicas dos principais nutrientes:

Glicose
A glicose pode ser: (1) transportada para todos os tecidos, sendo este evento importante para
tecidos estritamente dependentes de glicose, como as hemácias e as células nervosas, para a obtenção de
energia; (2) oxidada (glicólise, aeróbica ou anaeróbica ou por via pentose fosfato); (3) armazenada como
glicogênio no fígado e no músculo; ou (4) transformada em glicerol 3 P ou em ácido graxo via acetil-CoA,
quando em excesso (Figura 9.5). A maior parte da glicose é transformada em glicogênio e ácidos graxos no
fígado (50 a 60%), e outra parte transportada pela corrente sanguínea para tecidos dependentes de glicose
e para tecido muscular e adiposo. A oxidação dos ácidos graxos fornece a maior parte de ATP necessária ao
fígado e a outros tecidos, com exceção das hemácias e do tecido nervoso (encéfalo). Portanto, pouca
glicose é oxidada no fígado, e apenas no período imediato à refeição. No tecido adiposo, a oxidação da
glicose fornece glicerol-fosfato para a produção do triacilglicerol.
Assim, o fígado ajuda na manutenção da glicemia, utilizando o excedente de glicose na produção de
glicogênio. A degradação e a síntese de glicogênio são efetuadas por vias distintas e opostas. O glicogênio é
degradado por atuação da enzima glicogênio fosforilase, que é ativada quando fosforilada por ativação
hormonal glucagon via cAMP e PKA. A glicogênio fosforilase também sofre regulação alostérica, sendo
importante efetor positivo, o AMP. O glicogênio libera várias moléculas de glicose-1-fosfato (P), que são
isomerizadas em glicose-6-P, podendo sofrer glicólise ou ser liberada no sangue para manutenção da
glicemia. Já a síntese de glicogênio ocorre por atuação da glicogênio sintase, que é ativada quando
desfosforilada, via oposta à descrita anteriormente (efeito da insulina). A glicogênio sintase sofre
principalmente regulação covalente, mas também alostérica (efetor positivo – glicose-6-P).
A regulação do metabolismo do glicogênio hepático é semelhante ao muscular. A maior diferença é
que no músculo a epinefrina é que coordena a degradação do glicogênio, via PKA, enquanto no fígado esse
efeito é guiado pelo glucagon (epinefrina tem efeito secundário no fígado). Outro mecanismo de ativação
da glicogenólise no músculo é o estímulo nervoso, por meio da ligação do cálcio à enzima. Assim, o destino
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da glicose nesses dois tecidos é diferente: enquanto a degradação do glicogênio muscular tem a finalidade
de obtenção de energia pela glicólise; no fígado, a glicose obtida é transportada para o sangue, para a
manutenção da glicemia.
A glicólise é realizada em todas as células, enquanto a gliconeogênese é via antagônica que ocorre
especialmente no fígado e com menor importância no córtex renal. A regulação diferencial entre as duas
vias ocorre com as enzimas que catalisam reações irreversíveis. No caso da glicólise, as enzimas são a
glicoquinase, fosfofrutoquinase 1 e piruvato quinase; já na gliconeogênese, a glicose-6-fosfatase, frutose
1,6-bifosfatase, fosfoenolpiruvato carboxiquinase e a piruvato carboxilase.
As propriedades da glicoquinase, aliadas às do GLUT2, capacitam o fígado a fazer ajustes na glicemia e
utilizar a glicose apenas quando ela for realmente abundante. Já as hexoquinases, encontradas nos outros
tecidos, apresentam afinidade maior pela glicose, sendo esta transportada com mais facilidade. Por outro
lado, a glicose-6-fosfatase, enzima com efeito oposto à quinase, é ativada quando há excesso de glicose-6-
P, em processos opostos a glicólise, como a glicogenólise e a gliconeogênese.

Figura 9.5 Distribuição e vias do metabolismo do carboidrato (glicose).

O segundo sítio de controle é a fosfofrutoquinase 1 (glicólise) e frutose 1,6-bifosfatase


(gliconeogênese). A fosfofrutoquinase é ativada pelos efetores positivos frutose 2,6-bifosfato e AMP, mas é
inibida pelo ATP e citrato, isto é, quando há excesso de energia. A frutose 1,6-bifosfatase sofre regulação

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negativa da frutose 2,6-bifosfato. Portanto, a frutose 2,6-bifosfato é importante para a regulação das vias
opostas, sendo sua produção regulada por controle alostérico (positivo: frutose 6-P e negativo:
fosfoenolpiruvato), assim como hormonal, por modificação covalente (positivo: insulina; negativo:
glucagon).
O terceiro sítio é a piruvato quinase (glicólise) e piruvato carboxilase + fosfoenolpiruvato
carboxiquinase (gliconeogênese). A piruvato quinase é estimulada alostericamente pela frutose 1,6-
bifosfato, mas inibida pela alanina durante o jejum (gliconeogênese). A piruvato quinase também sofre
controle por modificação covalente. No jejum, a enzima é fosforilada pelo estímulo do glucagon e se torna
inativa, sendo o oposto verdadeiro durante a hiperglicemia, pela atuação da insulina. Ainda há modulação
da concentração dessas enzimas por controle da transcrição. Portanto, o conhecimento dos mecanismos
controladores dessas vias é de suma importância para o tratamento de doenças como o diabetes.
O destino da glicose ainda pode ser a via das pentoses fosfato, importante para a síntese de lipídios e
nucleotídios. A via pentose fosfato é importante para a produção de nucleotídios e NADPH, sendo este
último utilizado para a produção de lipídios a partir da acetil-CoA, quando há excesso de glicose. Quando a
razão ATP/ADP é baixa, a glicose se destina à glicólise, sendo esta controlada como descrito anteriormente.
Não ocorre síntese de ácidos graxos e a razão NADPH/NADP + é alta, inibindo a via das pentoses fosfato. Já
quando a razão de ATP/ADP é alta, a glicose se destina à via das pentoses, possibilitando a produção de
NADPH, que é usado na síntese de ácido graxo e da ribose 5-P, sendo a última importante na síntese de
nucleotídios. As partes oxidativas e não oxidativas podem ser acionadas separadamente, em sincronia com
a glicólise, de acordo com a necessidade de NADPH e ribose 5-P.
O piruvato oriundo da glicólise pode ter vários destinos: (1) entrar no ciclo de Krebs (glicólise aeróbica)
pela sua transformação em acetil-CoA; (2) ser reduzido a lactato (glicólise anaeróbica); ou (3) ser utilizado
como precursor da síntese de lipídios (via acetil-CoA). O complexo piruvato desidrogenase proporciona a
conversão de piruvato a acetil-CoA, em uma reação irreversível, conectando a glicólise ao ciclo de Krebs e à
síntese de lipídios, e no jejum, à produção de corpos cetônicos. No período absortivo, a insulina promove a
desfosforilação da piruvato desidrogenase e, consequentemente, a ativa, permitindo que a glicólise
caminhe para o ciclo de Krebs. No jejum, a piruvato desidrogenase é inibida, poupando o uso da glicose e
possibilitando a oxidação de ácidos graxos a acetil-CoA. A acetil-CoA originada dos ácidos graxos, além de
suprimir a oxidação do piruvato, possibilita a sua conversão em oxalacetato (intermediário da
gliconeogênese). O piruvato ainda pode ser convertido a lactato, e este também pode ser usado para a
gliconeogênese.
Na sequência, temos a regulação do ciclo de Krebs, via cíclica cujo objetivo é reduzir coenzimas como
modo de armazenamento de energia, o qual sofre influência da etapa sequencial, a cadeia de transporte
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de elétrons, em que há reoxidação dessas coenzimas. O ciclo de Krebs sofre controle pela produção de
citrato e na oxidação deste a CO2 e oxalacetato. A atividade da citrato sintase depende da concentração de
oxalacetato, sendo a acetil-CoA efetuador alostérico positivo para a piruvato carboxilase. Outro sítio de
regulação é o da enzima isocitrato desidrogenase, sendo o efetor positivo o ADP, e o negativo, o NADH. A
existência de ADP e NADH é dependente da fosforilação oxidativa, que por sua vez modula o processo.
Quando há acúmulo de citrato (pelo aumento dos níveis de NADH), este é exportado para o citosol,
inibindo a fosfofrutoquinase e, consequentemente, ajustando a glicólise ao ciclo de Krebs. Além disso, o
citrato citosólico é precursor da acetil-CoA, que é utilizada na síntese de ácido graxo. O complexo α-
cetoglutarato desidrogenase constitui o terceiro sítio de atuação, sendo inibido por succinil-CoA, NADH e
ATP. Não há regulação por modificação covalente no ciclo de Krebs.
Por fim, o transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa são processos fortemente acoplados, sendo
esse acoplamento resultado do controle respiratório exercido pela disponibilidade de ADP. Portanto, o ATP
é produzido conforme é consumido. Um segundo mecanismo inibitório é a inibição alostérica do citocromo
c oxidase pelo ATP. A eficiência da fosforilação oxidativa também está relacionada ao grau de termogênese
e ao vazamento inespecífico de prótons pela membrana, o que causa o desacoplamento do processo
(redução da eficiência), promovendo a termogênese e reduzindo a produção de radicais livres. A eficiência
também pode ser reduzida pelo transporte ativo na membrana da mitocôndria.

LIPÍDIOS
Os lipídios podem ser utilizados para: (1) a produção de lipídios hepáticos e o armazenamento nas
células adiposas; (2) a distribuição aos tecidos, através de lipoproteínas plasmáticas (LDL e VLDL) e ácidos
graxos livres, e para serem oxidados (b-oxidação), para obtenção de energia; e (3) serem utilizados para a
produção de hormônios esteroides e sais biliares (a partir do colesterol via HDL) no fígado; (4) os lipídios
podem ainda ser utilizados, pelo fígado, em um período de jejum para a produção de corpos cetônicos
(Figura 9.6).
A degradação dos triacilgliceróis, o principal lipídio de reserva, é desencadeada por glucagon e
epinefrina (via cAMP/PKA que fosforila e ativa a lipase hormônio sensível), e inibida por insulina. Os ácidos
graxos são utilizados para obtenção de energia a partir da β-oxidação, por tecidos como músculos e fígado,
e o glicerol é usado para a gliconeogênese (produção de glicose a partir de moléculas que não são
carboidratos). A β-oxidação dos ácidos graxos não é submetida ao controle alostérico ou por modificação
covalente; o seu funcionamento está subordinado ao suprimento do substrato, coenzima A, NAD + e FAD
(dependentes da cadeia de transporte de elétrons).

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Já a síntese de ácidos graxos pelo fígado e tecido adiposo ocorre pela produção de malonil-CoA a
partir de acetil-CoA, catalisada pela acetil-CoA carboxilase. O citrato (razão ATP/ADP alta) é o efetor
alostérico positivo, e a palmitoil-CoA (produto da reação), o efetor negativo dessa enzima. A palmitoil-CoA
inibe a tricarboxilato translocase (transferência de citrato para o citosol), e a citrato liase (recupera acetil-
CoA a partir do citrato), reduzindo a síntese de ácidos graxos. O glicerol 3-P, no fígado, pode ser formado
pela redução da di-hidroxiacetona fosfato e pela fosforilação do glicerol pela glicerol quinase. Os
triacilgliceróis (ácido graxo + glicerol) podem ser produzidos no fígado e tecido adiposo, enquanto o ácido
graxo é produzido especialmente no fígado ou fornecido pela dieta. Quando há excesso de malonil-CoA,
esta inibe a carnitina acil-transferase I, enzima responsável pela introdução dos radicais acilas na
mitocôndria e pela β-oxidação (degradação do ácido graxo). Assim, durante a síntese de ácidos graxos, a
sua degradação é reprimida.

Figura 9.6 Distribuição e vias do metabolismo do ácido graxo.

A enzima acetil-CoA carboxilase é também regulada por modificação covalente. A insulina causa
desfosforilação, ativando-a e permitindo a síntese de ácidos graxos; no período de jejum ocorre o oposto. A
insulina ainda ativa a síntese de várias enzimas relacionadas à produção de ácidos graxos. No período de
jejum, o glucagon determina a degradação dos triacilgliceróis (ativação da lipase hormônio sensível) e

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ácidos graxos. Como não há glicólise para alimentar o ciclo de Krebs, a acetil-CoA formada a partir do ácido
graxo é direcionada à síntese de corpos cetônicos.

AMINOÁCIDOS
Os aminoácidos podem ser utilizados de várias maneiras, como por exemplo: (1) síntese de
proteínas hepáticas e nucleotídios, hormônios e porfirinas (por outros tecidos); (2) distribuição aos tecidos,
através de lipoproteínas plasmáticas e aminoácidos livres no sangue; (3) serem oxidados e utilizados para a
produção de energia pelo ciclo de Krebs, ou quando em excesso, de ácido graxo (pelo acúmulo de citrato);
e (4) são especialmente importantes no processo de gliconeogênese, quando aminoácidos glicogênicos são
transformados em piruvato ou derivados do ciclo de Krebs, levando à produção de glicose no fígado e nos
rins, a qual é transportada para o sangue para manter a glicemia (Figura 9.7).
Na hipoglicemia (diminuição da concentração de glicose no sangue), o fígado primeiramente quebra o
glicogênio (glicogenólise) para o fornecimento de glicose para tecidos estritamente dependentes. Em um
segundo momento, sintetiza a glicose a partir de moléculas que não são carboidratos, como aminoácidos,
lactato e glicerol, processo denominado gliconeogênese. A maioria dos aminoácidos é metabolizada, de
modo a produzir alanina e glutamina; a transaminase específica para aminoácidos ramificados está ativada
no músculo para a produção de alanina, a qual é transportada ao fígado. A alanina é captada
especialmente no fígado, onde seu α-cetoglutarato é transformado em piruvato, que é carboxilado a
oxalacetato na mitocôndria. O oxalacetato é então transferido ao citoplasma, formando fosfoenolpiruvato.
Assim, produz-se glicose, e o grupo amina do aminoácido dá origem à ureia (ciclo da ureia), que é
excretada. A glutamina é utilizada nos rins; enquanto seu esqueleto de carbono é usado para produção de
glicose, a amina é transformada em íon amônio. A amônia tem importante função na manutenção do pH
plasmático, que é reduzido em função da produção de corpos cetônicos.
Em período de jejum prolongado, os lipídios passam a ser oxidados, e há produção de corpos
cetônicos, os quais são importantes para os tecidos estritamente dependentes de glicose, que passam a
oxidá-los. Quando há degradação das proteínas, o balanço do nitrogênio é negativo, uma vez que o ciclo da
ureia está ativado pela ação alostérica sobre a carbamoil-P sintase I, estimulada por N-acetilglutamato,
composto produzido a partir de acetil-CoA e glutamato.

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Figura 9.7 Distribuição e vias do metabolismo da proteína (aminoácido).

Integração dos tecidos


Como visto anteriormente, a integração metabólica ocorre tanto individualmente, dentro de cada
célula, como também pela integração de diferentes células (tecidos) que se comunicam a partir dos
hormônios. O fígado é o principal centro de distribuição de nutrientes, os quais são absorvidos
especialmente pelo intestino e transportados a este órgão versátil, cujas funções são: processar e distribuir
os nutrientes que chegam e manter constante sua concentração no sangue; regular a biossíntese de
enzimas necessárias para a produção de moléculas específicas; e excretar sais biliares.
Após o fígado, o tecido adiposo é o veículo mais importante na distribuição e manutenção dos níveis
de nutrientes no sangue. Durante o período absortivo, utiliza a glicose (glicerol-P) e ácidos graxos (oriundos
dos quilomícrons, LDL/VLDL) assim como acetil-CoA e NADPH, na produção de triacilgliceróis de
armazenamento, os quais podem ser disponibilizados durante os períodos de jejum para fornecimento de
energia e produção de corpos cetônicos no fígado. O triacilglicerol é quebrado, disponibilizando o ácido
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graxo para os tecidos produzirem energia a partir da transformação do ácido graxo em acetil-CoA, o qual
entra no ciclo de Krebs, produzindo coenzimas reduzidas que serão reoxidadas no transporte de elétrons e
fosforilação oxidativa, produzindo ATP. O fornecimento de energia a partir da quebra do triacilglicerol
(ácido graxo) produz mais ATP do que a quebra do glicogênio hepático (glicose), sendo uma grande
vantagem dessa forma de armazenamento de energia. Durante o período de jejum, a acetil-CoA pode
produzir corpos cetônicos. O glicerol pode ser transformado em glicerol 3-P no fígado, possibilitando a
gliconeogênese.
O músculo esquelético, terceiro tecido importante no metabolismo integrado, armazena glicogênio
como fonte de energia própria. Assim, esse tecido não contribui para o fornecimento de glicose nos
períodos de hipoglicemia, pois não tem a enzima glicose-6-fosfatase. Por outro lado, pode contribuir no
fornecimento de aminoácidos glicogênicos, assim como lactato (oriundo da glicólise anaeróbica) para a
produção de glicose pelo fígado, no período de hipoglicemia, processo denominado gliconeogênese. Os
aminoácidos aromáticos devem passar por um processo de transaminação no músculo antes de serem
convertidos em glicose no fígado, um bom exemplo de integração metabólica dos tecidos.
Por fim, temos o sistema nervoso (encéfalo), que é dependente de glicose para o metabolismo, uma
vez que os lipídios não conseguem atravessar a barreira hematencefálica. Nos períodos de jejum
prolongado este tecido pode utilizar corpos cetônicos como fontes de energia. As hemácias também são
dependentes da glicose para obtenção de energia, uma vez que não apresentam mitocôndrias para o
metabolismo aeróbico.
Em períodos de hiperglicemia (período absortivo), a razão insulina/glucagon se eleva, e todas as
células recebem glicose, propiciando a síntese de enzimas da via biossintética, com exceção da via da
gliconeogênese, para produção de glicose. Ao mesmo tempo, a insulina inibe a mobilização de depósitos de
energia. A via da insulina PI3 K (fosfatidilinositol 3-quinase) é ativada, assim como as PKB e PP-1. No fígado,
há a desfosforilação pela PP-1 da glicogênio fosforilase quinase (inibição), glicogênio fosforilase (inibição) e
da glicogênio sintase (ativação). A PKB fosforila a GSK3 (glicogênio sintase quinase), suspendendo o
bloqueio da síntese de glicogênio.
A glicólise (quebra da glicose) é ativada, uma vez que a glicoquinase é estimulada pela insulina, assim
como a via pentose fosfato. Além da produção de energia via ciclo de Krebs e fosforilação
oxidativa/transporte de elétron, o fígado armazena o excesso de glicose (glicose-6-P se transforma em
glicose-1-P) na forma de glicogênio. O músculo é o único tecido além do fígado, que consegue armazenar
glicose assim. A gliconeogênese é inibida pela insulina, pela atuação do PI3 K sobre fosfoenolpiruvato
carboxiquinase e glicose-6-fosfatase (inibição). Ainda tem atuação indireta na frutose 2,6-bifosfato, que
inibe a frutose 1,6-bifosfatase e estimula a fosfofrutoquinase 1, a qual produz frutose 1,6-bifosfato, efetor
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positivo para a piruvato quinase. Em outras palavras, a glicólise é estimulada, assim como a ação da
piruvato desidrogenase, que transforma piruvato em acetil-CoA, a qual, por sua vez, estimula a piruvato
carboxilase, transformando também piruvato em oxalacetato. Assim, o ciclo de Krebs, a fosforilação
oxidativa e o transporte de elétrons estão ativados, com grande produção de ATP. No fígado, o excesso de
ciclo de Krebs e o acúmulo de citrato estimulam o transporte de citrato para citosol, onde é transformado
em acetil-CoA. A acetil-CoA carboxilase atua sobre a acetil-CoA citosólica, produzindo malonil-CoA,
substrato para síntese de ácidos graxos à custa de ATP. O excesso de produção de ATP oriundo da
fosforilação oxidativa ainda reduz a glicólise e estimula a via pentose fosfato, favorecendo a síntese de
lipídios pela produção de NADPH. A síntese de triacilglicerol também está estimulada no tecido adiposo
durante o período absortivo. Quando há excesso de malonil-CoA, este inibe a carnitina acil-transferase I,
enzima responsável pela introdução dos radicais acilas na mitocôndria. Assim, durante a síntese de ácidos
graxos, a sua degradação é reprimida. Portanto, o organismo tenta manter um equilíbrio entre catabolismo
e anabolismo.
Conforme há o consumo de ATP no processo de síntese de ácidos graxos, a glicólise é reativada até
atingir o máximo de produção de ATP, no qual é inibida novamente. Assim, os processos ocorrem
alternadamente. A insulina ainda favorece a entrada de aminoácidos nas células e a síntese de proteínas,
de maneira que somente o excesso de aminoácidos é usado para a produção de energia.
Portanto, durante o período absortivo (após a refeição), há aumento plasmático de glicose,
aminoácido e triacilglicerol, e prevalecem os efeitos da insulina, estimulando a entrada de glicose nas
células insulinodependentes e o anabolismo (síntese de glicogênio no músculo e triacilglicerol no tecido
adiposo). No período pós-absortivo (jejum inicial), cerca de 4 h após a refeição (80 mg de glicose/100 mℓ),
a razão insulina/glucagon se reduz, e o glucagon passa a atuar predominantemente, estimulando o
metabolismo degradativo, isto é, a glicogenólise e a gliconeogênese, com o objetivo de manter a glicemia.
Esse período tem duração de 12 h.
Neste momento, a via de sinalização cAMP/PKA do glucagon é ativada e, consequentemente, a da
insulina, reprimida. Assim, as enzimas passam a ser fosforiladas, e as enzimas reprimidas no período
absortivo são estimuladas, isto é, há predomínio do metabolismo degradativo. O consumo de glicose passa
a ser permitido somente por tecidos estritamente dependentes. No fígado, inicia-se a degradação do
glicogênio, graças à ativação da glicogênio fosforilase. A glicose-6-P não entra na glicólise, uma vez que os
níveis de frutose 2,6-bifosfato caem, inibindo a fosfofrutoquinase 1. A piruvato quinase (glicólise) é inibida
pela PKA, assim como a via da pentose fosfato. Assim, o destino da glicose-6-P é ser convertida em glicose,
que é liberada na corrente sanguínea para a manutenção da glicemia.

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No entanto, a reserva de glicogênio é insuficiente para a manutenção da glicemia por períodos
prolongados. Então, há transformação de aminoácidos glicogênicos (p. ex., alanina), oriundos de proteínas
do tecido muscular esquelético, em glicose, especialmente no fígado, a fim de disponibilizar este nutriente
às células estritamente dependentes. No jejum mais avançado, o rim responde por 50% da gliconeogênese.
Os rins captam glutamina, que sob ação da glutaminase e a glutamato desidrogenase, libera α-
cetaglutarato e amônia. A amônia capta prótons dos corpos cetônicos, sendo excretada na forma de NH 4+,
diminuindo a acidez corporal.
Os outros tecidos não dependentes de glicose captam a energia pela oxidação dos ácidos graxos
obtidos pela degradação da reserva de triacilglicerol no tecido adiposo, via atuação da PKA e do cAMP.
Conforme aumenta o tempo de jejum, os processos degradativos aumentam, com a maior disponibilidade
de ácidos graxos e a produção de corpos cetônicos no fígado a partir de acetil-CoA, uma vez que as razões
acetil-CoA/CoA e NADH/NAD+ estão altas, e o ciclo de Krebs está bloqueado (não há produção de
oxalacetato). Durante o período de jejum prolongado, o cérebro desenvolve capacidade de oxidar os
corpos cetônicos (b-hidroxibutirato), sendo que o aumento dos corpos cetônicos pode levar à acidose.
Dividindo esses períodos de jejum em dias, durante o primeiro dia, a glicose e glicogênio hepático são
a fonte de energia, seguidos pelo processo de gliconeogênese. Após vários dias, a reserva de triacilglicerol
é usada, aumentando o nível de corpos cetônicos, e há a oxidação de proteínas (gliconeogênese), que são a
grande fonte de produção de glicose no período de jejum, aumentando a excreção de nitrogênio (balanço
negativo). Após quatro a seis semanas de jejum, há redução no uso de proteínas, a fim de proteger o
organismo da morte. O cérebro passa a oxidar corpos cetônicos, em especial o β-hidroxibutirato. Na fase
avançada, a reserva de lipídio acaba e se inicia o uso final de proteínas para produção de energia, o que
pode levar à morte em semanas ou meses, dependendo do peso corpóreo (Tabela 9.1).
Tabela 9.1 Eventos que ocorrem durante o jejum inicial e o prolongado.

PERÍODO FONTE DE ENERGIA


1 dia Glicose e glicogênio hepático (glicogenólise)
Vários dias/semanas Oxidação de proteínas (gliconeogênese)
Uso da reserva de triacilgliceróis
Aumento no nível de corpos cetônicos
Aumento na excreção de nitrogênio
4 a 6 semanas de jejum Redução no uso de proteínas (capacidade do cérebro de oxidar
corpos cetônicos – 60%)
Fase avançada Fim da reserva de gordura – uso da proteína

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ALTERAÇÕES DO METABOLISMO | DIABETES MELITO

É uma doença crônica, caracterizada pela hiperglicemia em função da produção insuficiente de


insulina ou resistência à sua ação. O corpo vai se comportar como se estivesse em jejum (prevalecendo o
metabolismo degradativo), mesmo com o excesso de glicose no sangue, isto é, não há o aproveitamento de
glicose pelos tecidos insulinodependentes, prevalecendo o metabolismo degradativo, como a quebra do
glicogênio, e gliconeogênese e lipólise acentuadas (produção de corpos cetônicos/cetose e
hipertriacilglicerolemia).
Podemos classificar o diabetes melito em: diabetes tipo 1 (insulinodependente ou juvenil) e diabetes
tipo 2 (insulinoindependente ou da maturidade) (Tabela 9.2). O diagnóstico é feito pelo exame de sangue,
em que se constata nível de glicose no sangue acima de 120 mg/100 mℓ em jejum. A doença não é curável,
mas controlável. Quando o paciente não segue o tratamento, as complicações mais comuns são
retinopatia, nefropatia, neuropatia (AVC) e amputação, causadas pela glicosilação de proteínas.
Os sintomas frequentes da hiperglicemia e produção de corpos cetônicos são hálito cetônico, sede e
fome excessivas (polidipsia), poliúria (urina em excesso) e glicosúria (glicose na urina). O excesso de glicose
induz a glicosilação de proteínas (teste: glicosilação da hemoglobina, aceitável até 6%) e aumenta a
incidência de complicações cardiovasculares (degeneração das paredes dos vasos sanguíneos), o que
dificulta a cicatrização, a oxigenação de tecidos periféricos e facilita o acúmulo de lipídios nos vasos
sanguíneos. Os lipídios são acumulados, uma vez que a enzima lipase lipoproteica está inativada devido à
baixa concentração de insulina, não permitindo o transporte dos ácidos graxos das LDL e VLDL para o
tecido adiposo. Assim, há o quadro de hipertriacilglicerolemia e risco aumentado de complicações
cardiovasculares.
O diabetes tipo 1 acomete em torno de 10% dos pacientes com a doença, sendo que esta aparece
precocemente em indivíduos magros, os quais apresentam predisposição genética moderada. Esses
indivíduos apresentam reação autoimune contra as células b do pâncreas, geralmente relacionada a algum
histórico de infecção viral, levando à não produção ou à produção de quantidades mínimas de insulina,
sendo frequentes cetose e complicações como a cetoacidose. A cetose resulta da mobilização de ácidos
graxos e, consequentemente, da produção de corpos cetônicos. O tratamento nesses casos é à base de
injeções diárias de insulina.
O diabetes tipo 2 responde pela maioria dos casos, aparecendo geralmente após os 35 anos, em
indivíduos obesos e sedentários. Atualmente, esta doença tem aparecido cada vez mais precocemente,
devido aos hábitos de vida da população (dietas altamente calóricas e sedentarismo). O excesso de gordura
parece contribuir para a resistência à insulina, devido à produção de hormônios nos adipócitos, como
leptina, resistina e adiponectina (associados à síndrome metabólica: obesidade, dislipidemia e hipertensão
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arterial), e à presença de ácidos graxos livres no sangue. A predisposição genética é forte nesses casos, e o
paciente apresenta resistência à insulina associada à baixa produção compensatória deste hormônio. A
cetose não é tão comum nesses casos, sendo que o coma hiperosmolar (problemas renais) pode ocorrer
como complicação aguda. A cetose não é comum, pois a insulina produzida ainda consegue controlar a
cetogênese hepática. O tratamento é à base de dieta, exercícios físicos e uso de hipoglicemiantes (Chudyk
e Petrella, 2011). Os agentes hipoglicemiantes podem reduzir a produção de glicose no fígado, aumentar a
captação de glicose pelas células, estimular a secreção de insulina ou retardar a digestão. A insulina pode
ser administrada em casos mais graves.

Tabela 9.2 Principais diferenças entre diabetes melito tipos 1 e 2.


DIABETES TIPO 1 DIABETES TIPO 2
Idade de início Infância e puberdade Acima dos 35 anos (atualmente cada vez mais
precoce)
Estado nutricional Desnutrição Obesidade
Prevalência 10% 90%
Predisposição genética Moderada Forte
Deficiência Células beta destruídas Resistência à insulina
Frequência de cetose Comum Rara
Insulina plasmática Baixa a ausente Alta a baixa
Complicações agudas Cetoacidose Coma hiperosmolar (desidratação)
Tratamento Insulina Dieta, exercício, hipoglicemiante e insulina (em
casos mais graves)

CONCLUSÃO

Os diferentes processos de regulação integrada visam estabelecer um nível de glicose plasmático


constante, além de outros nutrientes, satisfazendo as necessidades dos diferentes tecidos.
O conhecimento sobre metabolismo é muito importante para os profissionais da saúde, uma vez que
distúrbios no controle do metabolismo podem levar ao aparecimento de doenças crônicas como diabetes e
hipertensão, que, quando não controladas, podem ter impacto direto durante a realização de
procedimentos invasivos como cirurgia e no processo de reparo. Revisões sistemáticas têm apontado que o
diabetes melito tipo 2 pode ser considerado fator de risco à periodontite, assim como o controle da doença
periodontal parece ter impacto na glicemia em pacientes com diabetes melito tipo 2.

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Em relação à fonoaudiologia, apesar da falta de validade científica, pacientes com diabetes melito
frequentemente apresentam sintomas como tontura, zumbidos, hipoacusia e perda auditiva. A angiopatia
e a neuropatia causadas pelo diabetes melito têm sido consideradas importantes fatores responsáveis
pelas manifestações vestibulococleares nesses pacientes. No entanto, existe controvérsia no que se refere
à etiopatogênese da perda auditiva, sendo que parte dos autores advoga que ela ocorra devido à
neuropatia, outra parte à angiopatia, e outra, ainda, à associação das duas. Há também os que entendem
que o diabetes melito e a perda auditiva poderiam ser partes integrantes de uma síndrome genética, e não
dependentes entre si, ressaltando a importância do conhecimento básico para o entendimento das
ocorrências clínicas.

MINERALIZAÇÃO BIOLÓGICA

Mineralização biológica é definida como uma sequência de eventos por meio dos quais células
específicas formam uma matriz orgânica, na qual sais de fosfato de cálcio insolúveis são depositados. Essa
capacidade de produzir um tecido ou estrutura mineralizada é bastante utilizada por ampla variedade de
seres vivos, desde seres unicelulares capazes de produzir pequenos cristais, passando por organismos
marinhos como ostras e corais, até os seres humanos. Percebemos que existem pontos similares usados na
síntese desses tecidos mineralizados, além de elementos comuns na sua constituição, como o cálcio e o
fosfato em suas formas iônicas. Entre suas funções, a maioria dos tecidos mineralizados é envolvida com
mecanismos de proteção/defesa, locomoção, reservatório de íons, entre outros.
Considerando os tecidos mineralizados no homem, temos quatro tipos, também chamados tecidos
duros: osso, cemento, dentina e esmalte. Neste capítulo, vamos abordar detalhes da mineralização desses
quatro tipos de tecidos. Três deles – osso, cemento e dentina – apresentam diversas semelhanças (Nanci,
2008; Nicolau, 2008). O esmalte, como veremos adiante, apresenta características peculiares, e por isso
será descrito separadamente.

COMPONENTE ORGÂNICO

Os tecidos mineralizados (esmalte, osso, cemento e dentina) são formados por células, constituintes
orgânicos produzidos por estas (Tabela 11.1) e constituintes inorgânicos, sendo os principais cálcio e o
fosfato. Primeiramente, é formada a matriz orgânica, responsável pela orientação e modulação do
processo de mineralização de cada tipo de tecido. O colágeno é a principal proteína componente da
estrutura de suporte dos tecidos conjuntivos mineralizados (com exceção do esmalte). Além do colágeno, a
matriz apresenta outras proteínas dependendo do tecido, como as proteoglicanas (disco hipofisário
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cartilaginoso), macromoléculas formadas por proteínas conjugadas, assim como lipídios (fosfolipídios) e
polissacarídeos sulfatados ou glicosaminoglicanos. A dentina, por exemplo, é rica em fosforinas (proteínas
fosforiladas).
O colágeno, a amelogenina, as proteoglicanas, as glicoproteínas e algumas enzimas, juntamente com
as células, determinam a natureza da matriz, enquanto as fosfoproteínas, os proteolipídios e os
fosfolipídios servem como nucleadores de minerais. A distribuição de cada proteína da matriz,
determinada pela presença de glicosaminoglicanos, tem influência decisiva sobre o modo como ocorrerá a
deposição dos sais de fosfato de cálcio. Por exemplo, quando o colágeno se distribui de forma circular e
paralela, tem-se a formação de osso tipo haversiano. Quando a formação do colágeno se dá em rede,
aprisionando as células durante a mineralização, tem-se a formação de cemento. Na dentina, a distribuição
da rede colágena no formato de rede entrelaçada permite que a mineralização ocorra respeitando não só o
odontoblasto, que fica fora da matriz que se mineraliza, mas também a porção de célula que percorre o
interior dessa rede, determinando a existência de canais após a mineralização, por onde passam os
prolongamentos dos odontoblastos. Já no esmalte, as moléculas de amelogenina se distribuem
paralelamente ao seu longo eixo, permitindo, após a mineralização, a formação dos chamados prismas de
esmalte.

Tabela 11.1 Constituintes celulares e orgânicos dos tecidos mineralizados.


TECIDO CÉLULA PROTEÍNAS DA MATRIZ
Osso Osteoblasto Colágeno
Cemento Cementoblasto Colágeno
Dentina Odontoblasto Colágeno
Esmalte Ameloblasto Amelogenina

COMPONENTE INORGÂNICO

Nos tecidos mineralizados, podem ser encontrados sais de carbonato de cálcio (em unicelulares e
vegetais) e sais de fosfatos de cálcio (em animais superiores). O carbonato de cálcio pode ser encontrado
também em cálculos renais e dentários, sendo estas condições patológicas de deposição de mineral. Há
diferentes tipos de sais de fosfato de cálcio: fosfato monocálcio (MCP), fosfato dicálcio (DCP), fosfato
dicálcio di-hidratado (DCPD), fosfato tricálcio (TCP), fosfato octacálcio (OCP) e as bioapatitas, que não são
puras (hidróxi, flúor, magnésio e carbonato apatita). Nos mamíferos, o principal sal de fosfato de cálcio
encontrado é a hidroxiapatita (HAP): Ca10(PO4)6(OH)2.

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O cristal de apatita tem o formato de um prisma hexagonal envolvido por uma camada de íons
adsorvidos, os quais, se positivamente carregados (cátions), poderão trocar com o cálcio (Fe +2, Na+, Mg+2,
Zn+2, Cu+2), e, se negativamente carregados (ânions), poderão trocar com a hidroxila (OH –) ou mesmo com o
fosfato (PO4–3), como é o caso do Cl–, do F– e do CO3–2. A maior parte desses íons se encontra nos fluidos
bucais ou na camada de hidratação que envolve os cristais de apatita. Assim como alguns íons
(bicarbonato, citrato, fosfato, cálcio, magnésio, potássio e sódio) podem se ligar ao cristal, algumas
proteínas também o fazem (osteocalcina, osteonectina).
Esses diferentes íons podem influenciar a formação e a estabilidade da apatita. Para que um material
cristalino insolúvel se forme, é necessário que íons estejam bem próximos e contenham energia de colisão
suficiente e orientação adequada para a formação de núcleos críticos, definidos como a menor combinação
estável de íons com a estrutura do material cristalino em solução. A esse processo de formação do núcleo
crítico de precipitação dá-se o nome de nucleação. Uma vez formado o núcleo crítico, a adição de mais íons
ou aglomerados de íons resulta no crescimento do cristal no longo eixo. A existência de um catalisador,
assim como a agitação da solução, pode acelerar o processo de crescimento do cristal. Por outro lado,
inibidores de nucleação, como magnésio, carbonato, pirofosfato inorgânico (PPi), ATP ou GDP, podem
impedir o mecanismo de mineralização.

TIPOS DE CRISTAIS
Conforme a matriz orgânica é produzida, inicia-se a deposição de sais de cálcio, havendo duas
hipóteses para explicar esse fenômeno: (1) o fosfato de cálcio já se precipita na forma de HAP diretamente
na matriz orgânica formada; ou (2) o fenômeno ocorre em várias etapas, começando com a precipitação de
fosfato de cálcio amorfo que, em seguida, é transformado em OCP, que por fim é transformado em HAP.
De acordo com a segunda hipótese, devido à ação da fosfatase alcalina, uma hexose-fosfato libera
íons fosfato para o meio, os quais se ligam ao cálcio, depositando-se na forma de TCP amorfo. As dez
unidades de TCP originam três HAP com liberação de 6 H+ e 2 PO4–3. Para que ocorra a precipitação do TCP,
as concentrações de cálcio e fosfato devem ser altas, a fim de que o TCP alcance o ponto de saturação. No
entanto, as quantidades de hexose-fosfato e fosfatase alcalina, apesar de altas, não são suficientes para
aumentar expressivamente a concentração de cálcio e fosfato. Por isso, surgiu a grande questão: qual seria
o mecanismo inicial de mineralização? Como se iniciam as primeiras precipitações de sais de cálcio
insolúvel sobre a matriz orgânica? Isso porque, após a primeira precipitação, o próprio precipitado inicial
poderia passar a ser um núcleo indutor, um catalisador, para que o processo pudesse continuar mesmo em
níveis mais baixos de concentração.

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Essa questão permanece sem resposta, devido à complexidade do fenômeno em si e ao controle que
a célula exerce sobre o mesmo. Para explicar o mecanismo de mineralização inicial, várias teorias foram
desenvolvidas, conforme descrito a seguir.

TEORIAS DA MINERALIZAÇÃO

Uma das primeiras teorias do processo de mineralização biológica, levantada há quase 100 anos,
propõe que uma enzima, a fosfatase alcalina, seria a principal responsável pelo processo, agindo sobre
ésteres-fosfato e liberando o fosfato. Desde a sua formulação, surgiram outras evidências, descobertas,
dúvidas e contrapontos (ou quase contradições).
Dentre as diferentes teorias propostas, podemos classificar duas linhas principais de raciocínio:
as vesículas de matriz (VM) e a nucleação heterogênea.
No primeiro mecanismo, a VM está relacionada ao início do processo de mineralização. A VM é uma
estrutura pequena (diâmetro de 20 a 200 nm), rodeada por membrana, que brota da célula para formar
uma unidade independente dentro da matriz orgânica dos tecidos mineralizados, previamente formada,
sendo encontrada em regiões de matriz pré-mineralizadas, como osso, cartilagem e dentina. É
frequentemente associada à formação de pequenos cristais de mineral (fosfato de cálcio) no seu interior.
As VMs foram originalmente descobertas por meio de exame ultraestrutural da cartilagem da placa de
crescimento e nos ossos, onde foram apontadas como os locais iniciais da formação mineral, antes da
mineralização da matriz. Em análises subsequentes, descobriu-se que elas são derivadas da membrana
plasmática de células formadoras de minerais (condrócitos, osteoblastos, odontoblastos), mas apresentam
composição diferente da membrana. As VMs são enriquecidas em fosfatase alcalina tecido-inespecífica
(TNAP), nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase (NPP), anexinas (ANX; principalmente anexinas II, V e VI)
e fosfatidilserina (PS), em relação às membranas das quais derivam. As VMs também contêm
metaloproteinases de matriz (MMPs). Recentemente, a análise proteômica da VM isolada de cartilagem e
osteoblastos em cultura confirmou e ampliou a lista de componentes de proteína da VM, incluindo as
proteínas de ligação de proteoglicanos e actina, uma variedade de integrinas e PHOSPHO-1, uma fosfatase
recém-descoberta, conhecida por ser expressa na VM de cartilagem hipertrófica e em osteoblastos
mineralizantes.
Atualmente, acredita-se que a VM tenha pelo menos dois papéis principais na iniciação da
mineralização: (1) enzimas da VM regulam a relação de Pi para PPi no fluido extracelular; e (2) as proteínas
e os lipídios da VM, incluindo fosfolipídios acídicos, servem como locais de nucleação para a deposição da
apatita. O PPi, derivado tanto de NPP1 catalisada pela hidrólise de NTP extracelular quanto de PPi
intracelulares transportados através de ANK (canal transportador de PPi, do inglês ankylosis), inibe a
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mineralização da matriz. Essa inibição é revertida pela ação de TNAP, que hidrolisa o PPi, removendo o
inibidor e fornecendo Pi adicional para formação de minerais (Figura 11.1).

Figura 11.1 Esquema da vesícula de matriz e seus principais componentes. Note a dinâmica do transporte
de íons cálcio e fósforo. Pi: fósforo inorgânico; PPi: pirofosfato inorgânico; TNAP: fosfatase alcalina tecido-
inespecífica; NPP1: nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase 1; PCho: fosfatidilcolina; PEA:
fosfatidiletanolamina.

Após a descoberta das vesículas da matriz, foi questionado se elas eram estruturas reais ou artefatos
da preparação do tecido, e ainda permanecem dúvidas sobre se elas estariam implicadas apenas na
iniciação da mineralização ou poderiam desempenhar papel na promoção de mineralização aposicional.
Hoje sabemos um pouco mais sobre essas estruturas que apresentam ao mesmo tempo ativadores (TNAP,
PHOSPHO-1, anexinas etc.) do processo de mineralização e inibidores (ANK, NPP1 etc.), havendo mudanças
dinâmicas na proporção desses elementos (ativadores e inibidores), o que possibilita o controle do
processo de mineralização.
No segundo mecanismo, durante a formação dos tecidos mineralizados de matriz colágena, a
deposição de cristais de apatita é catalisada por grupos atômicos específicos associados à superfície,
espaços e poros das fibrilas colágenas. Embora não tenha sido excluído um papel direto do colágeno,
acredita-se que a regulação desse processo seja feita por proteínas não colágenas, cuja função precisa e a
maneira pela qual exercem seus efeitos ainda não são completamente entendidas. No osso, de 70 a 80%
do mineral está localizado na fibrila colágena; o restante, nos espaços entre as fibras (Figura 11.2). A
nucleação mineral também pode ocorrer nesses sítios, relacionada com proteínas não colágenas.
Até o momento, foram feitos alguns questionamentos sobre a efetiva participação do colágeno no
processo de mineralização. Um deles é por que o colágeno presente na pele, no tendão e em outros

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tecidos não se mineraliza. Uma explicação é o bandeamento com distância inferior a 640 Å ou superior a
700 Å encontrado nos tecidos moles, não havendo espaço apropriado para a mineralização. As variações na
estrutura do colágeno em diferentes tecidos também podem ser responsáveis pelo fato de alguns tecidos
mineralizarem enquanto outros, não. Trabalhos demonstraram que o espaço entre as moléculas de
colágeno no osso e na dentina é, em média, de 6 Å, enquanto no tendão é de 3 Å, menor que o tamanho
do íon fosfato (4 Å), sugerindo que essas diferenças possam explicar por que íons minerais entram no
colágeno do osso e da dentina, mas não em outro lugar.
Outros trabalhos demonstraram que não ocorre deposição mineral apenas com o colágeno, sendo
obrigatório o envolvimento de outras proteínas. Por outro lado, a estrutura do colágeno é necessária para
guiar e organizar o crescimento dos cristais, propriedade que pode ser confirmada em mutações no gene
do colágeno, como acontece na osteogenesis imperfecta (condição apelidada de “ossos de vidro“),
acarretando fragilidade óssea devido às falhas na mineralização.
Nenhum desses mecanismos está envolvido na mineralização do esmalte, as vesículas da matriz estão
ausentes e o esmalte não contém colágeno. Acredita-se que a iniciação da mineralização do esmalte ocorra
pelo crescimento dos cristais a partir da dentina já mineralizada, por meio de proteínas de matriz
secretadas pelos ameloblastos ou por ambos os processos.

Figura 11.2 Deposição de cristais de hidroxiapatita (HAP) na estrutura do colágeno.

OSSO

Células ósseas
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Diferentes células são responsáveis pela formação, reabsorção e manutenção óssea. Há duas linhas
de células com funções específicas: células osteogênicas, que formam e mantêm o osso
(osteoprogenitoras, pré-osteoblastos, osteoblastos, osteócitos e células da linhagem óssea), e osteoclastos
que reabsorvem o osso.
Os osteoblastos são as células produtoras de tecido ósseo, derivadas de células mesenquimais
(esqueleto) e de células ectomesenquimais (cabeça). A diferenciação dessas células é um processo de
múltiplos passos, estimulada por citocinas, fatores de crescimento e hormônios que fazem parte de um
complexo padrão de sinalização. Alguns osteoblastos formam o tecido ósseo e se incorporam a ele.
Quando isso ocorre, os osteoblastos passam a ser chamados de osteócitos.
As células da linhagem óssea são encontradas na superfície óssea, servindo como barreira para
determinadas substâncias, bem como fazem interconexão com os osteócitos dentro do tecido, agindo na
homeostasia do tecido e assegurando a vitalidade óssea. Os osteoclastos são células grandes, de origem
hematopoética, com vesículas e vacúolos que permanecem nas depressões das superfícies ósseas,
chamadas lacunas de Howship, produzidas pelos próprios osteoclastos. Essas células aderem ao osso por
meio de vários mecanismos e criam um microambiente ácido pela ação de bombas de prótons que
desmineralizam o osso e expõem a matriz orgânica. Na sequência, degradam a matriz exposta por ação de
enzimas e realizam a endocitose dos produtos por meio da borda em escova, acondicionando-os em
vesículas de transporte e liberando-os no outro lado da membrana.

Matriz orgânica
Os osteoblastos produzem primeiramente a substância osteoide (matriz orgânica), rica em colágeno
tipo I (90%). A zona osteoide é rica em proteoglicanas ácidas, nas quais as moléculas de colágeno são
polimerizadas em fibrilas colágenas cujo bandeamento é de 68 a 70 nm. A distância entre moléculas dentro
da fibra tem sido calculada entre 1,12 e 2,21 nm. A disposição de moléculas colágenas adjacentes ao longo
do plano axial produz regiões intrafibrilares, nas quais moléculas se sobrepõem alternadamente,
produzindo zonas densas, sendo separadas por gaps, criando zonas de buraco e, consequentemente,
formando estrias e canais intrafibrilares. O arranjo das fibrilas colágenas muda conforme o tipo de osso,
tendo influência sobre a quantidade de proteínas não colágenas encontradas e na maneira como ocorrerá
a mineralização. As moléculas de colágeno são estabilizadas por ligações intra e intermoleculares, que
podem ser responsáveis pelo baixo grau de solubilidade do colágeno ósseo.
Os outros 10% da matriz orgânica são formados por proteínas não colágenas ou outras moléculas,
como glicosaminoglicanos (condroitina sulfato), proteoglicanas (Gla-proteínas), osteocalcina e
glicoproteínas fosforiladas (osteonectina, osteopontina, sialoproteína, proteínas da matriz dentinária 1),
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fosfatase alcalina, fatores de crescimento osteogênico (TGF-β e BMP), enzimas, assim como fosfolipídios.
As proteínas não colágenas apresentam alta afinidade com cálcio e ocupam espaços interfibrilares.
As proteoglicanas são produzidas a partir de pequenas moléculas (p. ex., decorin, biglican e lumican),
mas suas quantidades variam conforme o tipo de osso; dentro do mesmo osso, diminuem, conforme o
aumento do grau de mineralização do tecido. As proteoglicanas consistem em osteocalcina e proteína-Gla
da matriz, sendo a primeira encontrada em tecidos ósseos e a segunda, em tecidos duros e moles. As
glicoproteínas, além de localizadas nos espaços interfibrilares, podem ser componentes intrínsecos das
fibrilas colágenas. A maioria das glicoproteínas é fosforilada, incluindo osteonectina, osteopontina,
sialoproteína óssea, proteínas da matriz dentinária 1, fosfoglicoproteínas da matriz extracelular e alfa-2-
glicoproteína-HS (HSa2). A fosfatase alcalina é outra glicoproteína encontrada em membranas celulares,
vesículas de matriz e matriz óssea. Lipídios aparecem na matriz óssea na forma de complexos fosfolipídios-
cálcio e podem estar associados a membranas celulares. Algumas dessas proteínas não colágenas podem
tanto inibir como promover o processo de mineralização, dependendo da concentração e de estarem livres
(inibidoras) ou ligadas a um componente fixo (promotoras).

Minerais
Durante a formação da matriz os osteoblastos captam íons cálcio e fosfato a partir do contato com
vasos sanguíneos, sendo estes íons armazenados em mitocôndrias. Com o acúmulo de cálcio e fosfato nas
mitocôndrias, ocorre o brotamento de VM a partir da membrana celular, rica em fosfolipídios que atraem
cálcio. Essas vesículas também contêm enzimas, como a fosfatase alcalina e a ATPase, que podem quebrar
precursores, liberando fosfato. O nucleotídio pirofosfatase fosfodiesterase 1 (NPP1) catalisa a formação de
PPi a partir de nucleosídios trifosfatos, que são a maior fonte de PPi. Já a fosfatase alcalina é responsável
pelo aumento no suprimento de fósforo, transporte de cálcio e fosfato nas vesículas da matriz e remoção
de inibidores de formação de mineral, como o PPi (transforma PPi em 2 Pi). Portanto, o balanço da
atividade dessas duas enzimas pode regular a concentração local de PPi e, consequentemente, a proporção
de fosfato de cálcio amorfo e hidroxiapatita (HAP). Essas vesículas da matriz se acumulam na zona de
calcificação, onde se desintegram e liberam o fosfato de cálcio insolúvel.
Entre as células e a matriz mineralizada há uma camada de osteoide que possui fibras colágenas
arranjadas fraca e aleatoriamente, em comparação à zona submetida à mineralização, e não apresenta
determinadas proteínas relacionadas à mineralização. A primeira deposição do fosfato de cálcio se inicia na
zona de buraco da fibrila colágena. Tanto o fosfato de cálcio amorfo como a HAP são encontrados dentro
da vesícula, assim como na região de mineralização ao redor das fibras colágenas. É provável que a
conversão de fosfatos de cálcio amorfo em HAP tenha início nas próprias vesículas e atinja maior grau de
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desenvolvimento nas fibrilas colágenas. Portanto, o osso é formado por dois fosfatos de cálcio distintos:
fase amorfa e fase cristalina da apatita. A fase amorfa é depositada primeiramente e serve como
precursora para a formação da apatita. Há controvérsias em relação ao tipo de sal de fosfato de cálcio
presente nas vesículas, se é fosfato de cálcio amorfo ou HAP. Com base nisso, acredita-se que tanto as
vesículas de matriz como o colágeno podem agir como nucleadores de mineralização. Outros autores
acreditam que o colágeno não tem função nucleadora, e somente algumas proteínas não colágenas têm
essa capacidade, por apresentarem forma estequiométrica para tal função.
As proteínas não colágenas parecem estar envolvidas no processo de mineralização, já que aderem
aos minerais, sendo extraídas ou coradas somente depois da desmineralização. As glicoproteínas parecem
estar envolvidas no transporte extracelular de cálcio aos sítios de mineralização e podem servir como
nucleadoras ou inibidoras da cristalização, dependendo do tipo de terminal da cadeia de aminoácidos que
está exposto no meio. As glicoproteínas são ativadas quando clivadas em duas partes menores.
De acordo com o tipo de nucleador, os cristais são agregados de diferentes modos. Os nódulos de
mineralização são produzidos nas VM; em contrapartida, as ilhas de mineralização estão em conexão com
as proteínas não colágenas nos espaços interfibrilares. Os diferentes pontos de mineralização vão
crescendo até se fundirem. Entre as fibrilas colágenas existem canais que possibilitam o depósito de
minerais. Com a progressão da liberação de fosfato de cálcio na matriz orgânica, os aglomerados de
minerais coalescem dentro e ao redor das fibras colágenas. A relação do mineral apatita no colágeno
parece mais ser resultado da ação do colágeno como barreira mecânica, levando à limitação no formato e
tamanho dos cristais, do que da atuação do colágeno como agente para nucleação heterogênea, facilitando
a formação e o crescimento do cristal pela diminuição da energia de interface. A combinação do mineral
nas zonas de buraco e dos canais interconectantes corresponde a cerca de 90% do conteúdo mineral total
do osso.
A maioria dos cristais de apatita se orienta paralelamente ao longo eixo das fibrilas colágenas; no osso
maduro, no entanto, os prismas são hexágonos de 50 Å de espessura e 100 a 300 Å de comprimento. O
formato dos cristais ósseos pode ser como prisma, agulha, filamento ou ser plano. Ainda é questionável se
as bandas granulares inorgânicas são o terceiro tipo de agregação mineral ou se não são mais do que o
estágio inicial de formação dos cristais com formato de placa. A prevalência de uma das estruturas
depende do tipo de osso (esponjoso ou compacto), do grau de agregação das fibrilas colágenas (soltas ou
compactas) e do estágio de mineralização (inicial ou final). Os cristais em formato de agulha são
encontrados somente nos nódulos de mineralização no osso com colágeno solto, e muitos deles
constituem ilhas de mineralização e coexistem com bandas granulares inorgânicas dentro do osso
compacto. Os cristais em formato de placa são encontrados principalmente em osso compacto, onde
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coexistem com cristais em formato de agulha. As bandas granulares inorgânicas são relacionadas à
periodicidade das bandas colágenas (zonas de buraco), enquanto os cristais nos formatos de agulha
e filamento são localizados sobre e entre as fibras colágenas (espaço interfibrilar). Esses eventos inter e
extrafibrilares ocorrem de maneira independente.
Conforme a mineralização progride e uma quantidade suficiente de mineral é depositada, as células
osteoblásticas param de secretar tecido e se transformam em osteócitos, que vão ficar enclausurados na
matriz. Com a maturação do tecido ósseo, há perda de água e de algumas proteínas não colágenas, assim
como conversão de fosfato de cálcio amorfo em cristais de apatita, com consequente crescimento e
estabilização dos cristais. Em um osso maduro, 70% do conteúdo mineral correspondem à HAP e 30% à
fase amorfa.

DENTINA

A mineralização da dentina e do cemento é bem semelhante à do tecido ósseo. As células


responsáveis pela formação da dentina e do cemento são os odontoblastos e os cementoblastos,
respectivamente. A dentina é formada na coroa e na raiz do dente, já o cemento faz parte somente da
porção radicular. Essas células produzem matriz orgânica que contém colágeno (principal componente),
proteoglicanas, glicoproteínas, sialoproteínas dentinárias, proteínas da matriz dentinária 1, enzimas,
fatores de crescimento, fosfoproteínas e fosfolipídios. Sobre a matriz orgânica são depositados os sais de
fosfato de cálcio, na forma de cristais.
O conhecimento sobre o mecanismo de formação da dentina é importante, porque o cirurgião-
dentista pode se deparar com casos clínicos de malformação dentária, como a dentinogênese imperfeita,
caracterizada por malformação hereditária da dentina, que pode ou não estar associada à malformação de
osso (osteogênese imperfeita) causada por defeito no gene responsável pela expressão da proteína
formadora desses tecidos.

Células
A dentina é formada por odontoblastos, que são diferenciados das células ectomesenquimais da
papila dentária por influência de fatores de crescimento e moléculas sinalizadoras, liberados pelo epitélio
interno do esmalte.
São células colunares e têm características de células ativamente sintetizadoras e secretoras, com
retículo endoplasmático granular bem desenvolvido, muitas mitocôndrias, complexo de Golgi proeminente
e numerosas vesículas secretoras derivadas deste. Têm arquitetura típica, apresentando parte
citoplasmática com as organelas, assim como um prolongamento (prolongamento odontoblástico). Há
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algumas características diferenciais entre os odontoblastos (dentina) e outras células responsáveis pela
formação dos tecidos calcificados. O odontoblasto produz dentina durante toda a vida do indivíduo,
diferentemente do esmalte, que só é formado no período da odontogênese. Por outro lado, a dentina não
sofre turnover mineral em função da concentração de cálcio no sangue, como ocorre com o osso que
participa da homeostasia do cálcio no organismo.

CEMENTO

O cemento é de origem ectomesenquimal, sendo formado por células denominadas


cementoblastos, derivadas das células internas do folículo dentário ou da bainha epitelial radicular de
Hertwig. As células do folículo dentário são ativadas a cementoblastos, a partir da bainha epitelial radicular
de Hertwig e da dentina, pela ação de proteínas ósseas morfogenéticas. Durante esse processo, algumas
células da bainha de Hertwig sofrem apoptose e outras formam aglomerados denominados restos de
células epiteliais de Malassez. Se algumas células permanecem aderidas à raiz, elas podem produzir
depósitos de material semelhante a esmalte, chamado pérolas de esmalte. Algumas proteínas derivadas do
esmalte, como as amelogeninas, parecem ser indutoras da formação de cemento.
Os componentes orgânicos do cemento (colágeno tipo I, colágeno tipo III, colágeno tipo XII,
fosfoproteínas, osteocalcina, osteonectina, osteopontina, sialoproteína, fatores de crescimento e
glicosaminaglicanas) são muito semelhantes aos apresentados pelo tecido ósseo. A osteopontina está
envolvida na regulação do crescimento mineral, enquanto a sialoproteína óssea promove a formação
mineral sobre a superfície da raiz. As proteínas Gla regulam a mineralização, uma vez que se ligam ao
cálcio, impedindo a mineralização do ligamento periodontal. As proteoglicanas podem mediar a
mineralização inicial e a aderência das fibras.
O mecanismo de mineralização se dá também por meio de vesículas da matriz. O grau de
mineralização da porção acelular afibrilar é maior do que a porção fibrilar devido ao fato de haver mais
espaços disponíveis para a mineralização. Assim como ocorre no osso e na dentina, uma fina camada de
cemento não mineralizado (cementoide) separa os cementoblastos da matriz mineralizada durante a
cementogênese.

ESMALTE

O esmalte é um tecido muito estudado devido às suas particularidades, que o diferem dos outros
tecidos mineralizados. É acelular, não renovado ou remodelado, não apresenta fibras colágenas e possui o
maior grau de mineralização (aproximadamente 96% de mineral em peso).

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Células
As células responsáveis pela formação do esmalte são os ameloblastos, derivados das células do
epitélio interno do esmalte. São células alongadas, com núcleo polarizado, complexo de Golgi
desenvolvido, retículo endoplasmático largo e dois complexos juncionais, um na superfície proximal (longe
do esmalte) e outro na extremidade distal. Essa junção marca o limite entre o corpo do citoplasma e os
chamados processos de Tomes, cuja parte distal penetra na camada de esmalte parcialmente mineralizada.
Durante a amelogênese, os ameloblastos passam por diversas fases (pré-secretória, secretória, transicional
e de maturação; Figura 11.3).
Na fase pré-secretória, os ameloblastos adquirem fenótipo característico, mudam a polaridade,
desenvolvem extensivo aparelho para a síntese proteica e se preparam para secretar a matriz orgânica.
Nessa fase, surge material granular composto por proteínas precursoras de esmalte, as amelogeninas (EPs),
encontradas na lâmina basal que separa ameloblastos e odontoblastos em diferenciação. As EPs podem
estar envolvidas na redistribuição espacial das moléculas de fibronectina nesta lâmina, o que poderia
afetar a diferenciação final dos odontoblastos e a polarização das células. As EPs podem participar do
processo inicial de mineralização dentária, uma vez que foram encontradas no manto da dentina
anteriormente à mineralização, podendo-se difundir através dos dois tecidos.

Figura 11.3 Representação dos diferentes estágios de


atividades/funções dos ameloblastos em esmalte
humano: (1) estágio morfogenético; (2) estágio de
histodiferenciação; (3) estágio secretor inicial (sem
processo de Tomes); (4) estágio secretor (processo de
Tomes); (5) ameloblastos com terminação rugosa do
estágio de maturação; (6) ameloblastos com
terminação do estágio de maturação; (7) estágio
protetor.

O ameloblasto passa para a fase secretória, iniciando a formação do esmalte, após a mineralização de
um manto de dentina, devido ao rompimento da lâmina basal que possibilita o contato entre pré-
ameloblastos e o processo dos odontoblastos secretórios. O manto de dentina que está em contato com os
ameloblastos é responsável pela sinalização da primeira deposição de matriz orgânica e de mineral do
esmalte. A mineralização da dentina parece servir como feedback para induzir novos ameloblastos
diferenciados a iniciar a secreção.
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Durante a fase secretória, os ameloblastos elaboram a espessura final do esmalte, por crescimento
aposicional e simultânea organização das regiões prismáticas e interprismáticas. Nessa fase, essas células
desenvolvem uma projeção distal (superfície secretória da célula em contato com o esmalte) que é
angulada ao longo eixo da célula, denominada processo de Tomes.
A matriz orgânica formada é liberada como grânulos compostos por proteínas amelogeninas, não
amelogeninas (ameloblastina, tuftelina, glicoproteínas, enamelina, albumina, glicoproteína HSa2), enzimas
(proteases: enamelisina – MMP-20 e protease serina da matriz do esmalte 1 – EMSP1) e lipídios (oriundos
da membrana), na qual os minerais (apatitas) são depositados. A amelogenina é a proteína predominante
na matriz extracelular do esmalte (90%). Exemplo prático da importância da amelogenina para a formação
do esmalte é o defeito denominado amelogênese imperfeita, que ocorre em função de alterações no gene
do cromossomo X para a expressão de amelogenina, reduzindo ou eliminando sua expressão, o que leva à
formação de um esmalte hipoplásico (falta de matriz orgânica) e hipomineralizado (falta de minerais).
A amelogenina regula o tamanho, o formato e o padrão de crescimento do cristal, uma vez que sua
porção carboxil terminal facilita a orientação inicial dos cristalitos durante a deposição, facilitando a
interação mineral-mineral. Essa função da amelogenina se deve ao fato de essa proteína se organizar em
aglomerados supramoleculares (nanoesferas) de fundamental influência na formação de sementes de
cristais e no alongamento dos cristais durante a fase de crescimento aposicional.
As proteínas não amelogeninas do esmalte são proteínas altamente ácidas e têm função de
nucleadoras da mineralização, já que o arranjo tridimensional de cargas nas superfícies dessas moléculas
pode ser teoricamente complementar aos íons que formam os cristais, agindo como molde para a
formação do cristal. A tuftelina parece estar envolvida nos eventos indutivos que levam à mineralização da
junção amelodentinária, mas provavelmente não sustenta ou controla o crescimento volumétrico do
cristal.
Diferentemente da dentina, a deposição de matriz orgânica e mineral ocorre simultaneamente no
esmalte. A disposição da estrutura da matriz orgânica do esmalte não tem sido bem definida até o
presente momento. Estruturas com morfologia fibrilar, filamentosa, lamelar ou helicoidal, nas formas de
cristal ou tubular já foram descritas para a matriz orgânica. Assim que se inicia a secreção de matriz
orgânica, os cristalitos se originam da membrana celular interna dos ameloblastos, por transporte ativo ou
entre os espaços intercelulares. Os minerais saem do plasma e atravessam espaços intercelulares, para
serem depositados na matriz, principalmente no início, em que há grandes espaços entre os ameloblastos.
Esses primeiros cristais depositados no esmalte parecem servir como nucleadores para novos cristais. Nas
situações em que o esmalte está longe de vasos sanguíneos, os ameloblastos devem dispor de sistemas
para acumular cálcio dentro da célula e liberá-lo nos sítios de mineralização (sistema Ca-ATPase).
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Anteriormente ao aparecimento do processo de Tomes na célula ameloblástica, há deposição de uma
fina camada de esmalte (matriz orgânica e cristal), produzida por novos ameloblastos diferenciados, que
não apresenta organização estrutural, sendo denominada camada aprismática do esmalte.
Conforme a matriz do esmalte é mineralizada, os ameloblastos se afastam do tecido. Os primeiros
cristalitos são depositados próximo à junção amelodentinária como tiras de 10 a 15 nm de largura e 1 a 2
nm de espessura. Esses primeiros cristalitos apresentam tamanho suficiente para acomodar uma unidade
de OCP ou duas de HAP, sendo a distância entre cristalitos de aproximadamente 20 nm. No início, os
cristalitos não têm formato definido (esmalte aprismático), distribuindo-se paralelamente, e
perpendiculares à frente de crescimento.
Quando o processo de Tomes é formado, a matriz orgânica e os minerais passam a ser liberados a
partir de dois sítios por exocitose. As proteínas então se condensam em grânulos secretórios, sendo
armazenadas no processo de Tomes. O primeiro sítio secretório é situado cicunferencialmente ao redor da
porção proximal do processo de Tomes, dando origem ao esmalte interprismático. Já o segundo sítio é
encontrado na superfície da porção distal do processo de Tomes, o que produz os prismas (unidade
estrutural básica do esmalte). Em ambos os sítios, a exocitose se dá pelo mecanismo merocrine-like.
Os cristalitos de esmalte desenvolvem formato piramidal, estando a base da pirâmide em contato com
a junção amelodentinária e o ápice com a membrana das células ameloblásticas. Os cristais passam do
formato piramidal para o prismático, guiados pelo processo de Tomes e pela união de proteínas à
superfície do cristal, que inibe a adição de novos cristais em direção perpendicular à superfície adsorvida.
Esses cristais são organizados em prismas e separados pelo esmalte interprismático.
Os esmaltes prismático e interprismático apresentam mesmo tipo de mineral (HAP), diferenciando-se
na direção dos cristais. A morfologia dos prismas de esmalte reflete a morfologia dos ameloblastos, e seus
cristais têm orientação perpendicular à superfície secretória do processo de Tomes dos ameloblastos. Os
prismas têm 4 a 5 μm de diâmetro e apresentam ângulo agudo da junção amelodentinária à superfície
dentária. Os cristais nos prismas são paralelos ao longo eixo do prisma (eixo c – comprimento, com
variação de 2,2 graus entre os cristais), mas podem apresentar qualquer ângulo nos eixos a e β (largura e
espessura). Já a inclinação dos cristais interprismáticos desvia da direção da célula ameloblástica até a
superfície dentária em 40 a 70 graus (eixo c), mostrando padrão tortuoso. Enquanto mais de um
ameloblasto está envolvido na formação do esmalte interprismático (3:1), a proporção entre ameloblasto e
prisma de esmalte é 1:1.
Diferentemente dos outros tecidos mineralizados, no esmalte não há camada orgânica não
mineralizada entre as células e o esmalte mineralizado. Portanto, a membrana plasmática dos
ameloblastos deve ser pressionada diretamente contra os sítios de crescimento prismático e
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interprismático, nos quais os cristais são alongados. Posteriormente, o crescimento passa a ser em largura
e espessura (fase secretória e de maturação). Para tal, é necessário que as proteínas comecem a ser
reabsorvidas, gerando espaço para o crescimento dos cristais. Não é comprovado se o crescimento dos
cristais estimula a remoção das proteínas (matriz gel) ou se a remoção destas é requisito para o
crescimento em largura e espessura do cristal.
Quando o crescimento em largura é obtido, o crescimento passa a ser em espessura e continua até o
contato com o cristalito adjacente, mudando o formato de piramidal para prismático. Os cristalitos
maduros têm 26 nm de espessura, 68 nm de largura, e se estendem da junção amelodentinária até a
superfície do dente, apresentando formato hexagonal em cortes transversais. Os cristais do esmalte são
maiores e bem melhor organizados em comparação aos outros tecidos mineralizados, o que lhes confere
maior dureza. Nessa fase de crescimento dos cristais em largura e espessura, a existência ou não de
proteínas e o tipo de proteína em contato direto com os cristais podem limitar e direcionar o crescimento
dos cristais.

CONCLUSÃO

A mineralização não é simplesmente uma precipitação de substância inorgânica a partir de soluções


saturadas. Esse processo é altamente coordenado e exige, para seu início, a remoção de inibidores e a
ativação de transportadores de íons. O seu conhecimento é bastante importante para os mais variados
profissionais da saúde, em especial para o cirurgião-dentista, que irá trabalhar com todos os tipos de
tecidos mineralizados do corpo, muitas vezes guiando ou interferindo diretamente no processo de
mineralização.

ESMALTE E DENTINA
Os tecidos mineralizados do nosso organismo são: osso, dentina, cemento e esmalte, sendo o
esmalte e a dentina os dois mais mineralizados (maior quantidade de mineral em volume) e os principais
componentes da estrutura dentária, além da polpa e do cemento. Uma ressalva importante é a distinção
de maneira didática que faremos entre dentina e polpa dentária, uma vez que, durante a formação do
dente e sua manutenção/vida, as células responsáveis pela produção da dentina, chamadas odontoblastos,
estão localizadas na polpa dentária, com prolongamentos citoplasmáticos na dentina.
Outro fator importante a ser apresentado quando falamos sobre o esmalte e a dentina é o contato
íntimo entre estes dois tecidos (junção amelodentinária) no dente completamente formado. O esmalte
recobre toda a coroa do dente, ou seja, a porção dentária exposta na cavidade bucal; logo abaixo do
esmalte temos a dentina. Esse contato, estabelecido durante a formação e o desenvolvimento desses
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tecidos, determina propriedades e funções importantes do dente. Diversas propriedades,
processos/fenômenos fisiológicos e patológicos serão esclarecidos considerando essa relação muito
próxima.
Defeitos genéticos ou doenças que acometem o esmalte e/a dentina, como a cárie dentária, podem
afetar diretamente a composição/estrutura/anatomia e, consequentemente, as funções destes tecidos.
Por isso, profissionais da área da saúde que trabalhem com as diferentes funções bucais (fala, mastigação,
estética-sorriso etc.) devem conhecer alguns detalhes importantes sobre esse tema. Além disso, alterações
nesses tecidos podem auxiliar o diagnóstico de síndromes ou doenças raras associadas às manifestações
dentárias

ESMALTE

O esmalte é o tecido mais mineralizado (aproximadamente 96% de mineral em peso e 87% em


volume) e duro (350 KHN [dureza de Knoop]) do nosso organismo. É um tecido dentário acelular que
suporta muito bem as forças mastigatórias e tem alta resistência abrasiva, sendo essas propriedades
importantes, uma vez que este tecido não pode ser reparado. As células responsáveis pela produção do
esmalte, os ameloblastos, são encontradas apenas antes da erupção do dente.
Devido ao seu alto conteúdo mineral rico em hidroxiapatita – Ca10(PO4)6(OH)2 –, as propriedades do
esmalte se assemelham muito a este mineral, tais como a densidade (esmalte = 2,95 g/cm 3 e apatita = 3,16
g/cm3) e a cor (a hidroxiapatita e o esmalte são incolores). Apesar de o esmalte ter baixa resistência à
tensão e ser frágil, seu alto módulo de elasticidade, somado ao suporte flexível da dentina, minimiza a
possibilidade de fratura. A espessura do esmalte pode variar conforme o tipo de dente (cúspide do dente
decíduo – 1,3 mm; dente permanente – 2,5 mm) e de superfície (superfície mais espessa – cúspide; menos
espessa – região cervical). A espessura do esmalte determina a cor do dente, já que o esmalte é
translúcido, o que permite a reflexão da cor da dentina, que é amarelada. Portanto, quanto menor a
espessura do esmalte e maior a da dentina, mais amarelo o dente irá se apresentar. A dureza e a densidade
do esmalte podem diminuir da superfície para o interior e da região de cúspide/incisal para a região
cervical. Todas essas características estão diretamente relacionadas com a composição e a estrutura desse
tecido.

Componente inorgânico
A hidroxiapatita é o principal componente mineral do esmalte, compreendendo em média 86 a 90%
do tecido em volume, o que corresponde de 95 a 96% em peso, sendo o restante composto por proteínas e
água. O conteúdo mineral aumenta da junção amelodentinária à superfície externa, e é melhor descrito
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como hidroxiapatita carbonatada deficiente de cálcio [Ca 10-xNax(PO4)6-y(CO3)z(OH)2-uFu], também chamada de
apatita defeituosa. A hidroxiapatita se apresenta na forma de cristalitos, com 70 nm de largura, 25 nm de
espessura e grande comprimento, caracterizados por serem extremamente largos, orientados e
empacotados em prismas. A maioria dos cristalitos tem formato hexagonal em corte transversal.
O arranjo molecular de cada unidade de cristalito consiste em um grupo de hidroxila rodeado por três
íons cálcio uniformemente espaçados, que são, por sua vez, rodeados por três íons fosfatos espaçados. Seis
íons cálcio em um hexágono uniforme cercam os íons fosfato. O cristal consiste nesse arranjo molecular
repetido lado a lado em planos, empilhado em camadas. Os cristais são separados por espaços
intercristalinos.
Apesar de acelular, o esmalte é um tecido que apresenta reações dinâmicas de trocas de íons com o
meio externo, podendo variar sua constituição de acordo com as condições da cavidade bucal. Os íons
cálcio, fosfato e hidroxila que compõem a apatita podem ser trocados por diferentes tipos de íons. O
magnésio pode ocupar o lugar do cálcio, já o flúor pode substituir os íons hidroxila. As concentrações de
cálcio, fósforo, flúor e cloro diminuem da superfície até a junção amelodentinária. Por outro lado, as
concentrações de magnésio, carbonato e sódio são maiores na região interna do esmalte que na superfície.

Tabela 12.1 Possíveis trocas de íons na hidroxiapatita.


Ca+2 PO4–3 OH–
Mg+2 CO3–2 Cl–
Na+ HCO3– F–
Sr+2 HPO4–2 CO3–2
Íons-traço (Cl–, Zn+2, Na+, Sn+2, Fe+2, Pb+2).
Cloro, zinco, sódio, estrôncio, ferro e chumbo também podem substituir íons na apatita em menor
extensão. Em adição, citrato e pirofosfato podem estar adsorvidos sobre a superfície do cristalito. Todos os
íons substituintes podem estar incorporados ao cristal, ou adsorvidos à superfície ou perto dela, na camada
de hidratação. Também tem sido sugerida a existência de pequenas quantidades de mineral não apatita,
como o fosfato octacálcio, que pode ser precursor de hidroxiapatita. A incorporação de alguns íons à
hidroxiapatita, como chumbo, entre outros, coloca o esmalte dentário como tecido passível de biopsia para
análise de causa mortis em suspeita de envenenamento, ou para ser utilizado em situações de
contaminações ambientais e controle de população atingida.
A incorporação do flúor, que ocupa o lugar da hidroxila ou a substitui, é de especial interesse para a
Odontologia. O flúor é adquirido particularmente durante o período de maturação pós-eruptiva do
esmalte. A alta mudança de densidade sobre o íon flúor, associada à sua simetria, leva à maior
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aproximação com os íons cálcio, reduzindo a energia de superfície e estabilizando a estrutura do cristal.
Todas essas mudanças na conformação do cristal reduzem a solubilidade. Ocorre o oposto quando há
incorporação de carbonato, o que produz um cristal menos estável e mais solúvel em ácido. O magnésio,
quando encontrado, está localizado na superfície do cristal, tendo efeito similar ao carbonato, ou em fase
separada [CaMg(CO3)2 e Ca9 Mg(PO4)6(HPO4)].
Essas substituições e defeitos exercem profundo efeito sobre o comportamento da apatita,
especificamente em relação à sua solubilidade em pH baixo. O centro dos cristalitos difere em composição
da periferia, sendo rico em magnésio e carbonato. Portanto, o centro do cristalito é mais solúvel que a sua
periferia.

Componente orgânico e água


A água constitui 2% do peso do esmalte, o que corresponde a 5 a 10% do volume. A existência de
água está relacionada à porosidade do tecido. A água pode estar entre os cristalitos, ao redor do material
orgânico ou presa dentro de defeitos dos cristalitos, e o restante compõe a camada de hidratação que
cobre os cristais.
O esmalte também apresenta conteúdo orgânico. Durante a amelogênese, o ameloblasto secreta
várias moléculas orgânicas, divididas em proteínas amelogeninas, proteínas não amelogeninas
(ameloblastina, tuftelina, glicoproteínas, enamelina, albumina, glicoproteína HS-a2), enzimas (proteases:
enamelisina – MMP-20 e proteinase serina da matriz do esmalte 1 – EMSP1) e lipídios (oriundos da
membrana), nas quais os minerais (apatitas) são depositados. Conforme a mineralização progride,
praticamente todas as proteínas são reabsorvidas/removidas, restando apenas 1 a 2% de material orgânico
em peso no esmalte maduro, o que corresponde particularmente às proteínas não amelogeninas
(enamelina e ameloblastina). As proteínas têm alta ligação com os minerais e por isso são encontradas
principalmente nos limites das regiões prismáticas e interprismáticas do esmalte. Dentro do esmalte, a
concentração de proteínas é maior próximo à junção amelodentinária. O conteúdo lipídico do esmalte
aparece em aproximadamente 1% do peso do esmalte, podendo representar o remanescente de
membrana celular durante a formação dentária.

Estrutura
A unidade estrutural básica do esmalte é o prisma, que tem formato de cilindro e consiste em vários
milhões de cristalitos de hidroxiapatita unidos em um fino e longo prisma de 5 a 6 μm de diâmetro por 2,5
mm de comprimento. O limite do prisma reflete a mudança repentina na orientação dos cristalitos, o que
causa efeito óptico diferente do corpo prismático. No limite do prisma, os cristalitos desviam de 40 a 60°
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daqueles de dentro do prisma, o que se denomina esmalte interprismático, aumentando a porosidade da
região e permitindo que haja maior quantidade de camada orgânica.
Em uma secção transversal, o esmalte apresenta padrão mais comum, com o prisma assumindo
formato de fechadura, correspondendo sua cabeça ao esmalte no formato de bastão (prismático) e sua
cauda ao esmalte no formato de interbastão (esmalte interprismático) (Figura 12.5). A cauda se situa entre
as cabeças dos prismas adjacentes, apontando para a cervical. Na cauda, há uma mudança na orientação
dos prismas, o que resulta em diferença na refração de luz e na aparência dos limites do prisma. Na cabeça
dos prismas, os cristais têm direção paralela ao longo eixo do prisma; já na cauda, os cristais gradualmente
divergem do prisma, apresentando ângulo de 65 a 70° ao longo do eixo. A cabeça dos prismas é orientada
na direção da cúspide ou incisal, já a cauda é orientada na direção apical ou cervical.
Quando o esmalte é fraturado transversalmente, os prismas apresentam-se alinhados desde a junção
amelodentinária até a superfície, encontrando a superfície em ângulos variados, dependendo do formato
relativo da junção amelodentinária e da superfície externa. Quando o esmalte é fraturado
longitudinalmente, os prismas seguem padrão paralelo sinusoidal. As mudanças periódicas na direção dos
prismas produzem um padrão de bandeamento chamado bandas de Hunter-Schreger, cuja largura é de 50
μm (Figura 12.6). Esse complexo padrão prismático faz com que o esmalte seja resistente à fratura

Figura 12.5 Padrão da disposição dos prismas de esmalte no formato de fechadura.


Além dos esmaltes prismático e interprismático, existe o padrão de esmalte aprismático, que
corresponde à primeira e à última camadas de esmalte formadas na ausência de processo de Tomes. No
esmalte decíduo, essa camada superficial tem espessura de 20 a 100 μm; nos dentes permanentes é de 20
a 70 μm. Nessa região, os cristalitos estão alinhados paralelamente. Essa camada superficial é mais
mineralizada que o restante do esmalte, devido à ausência de limites prismáticos onde a matriz orgânica é
depositada

Linhas incrementais

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O esmalte é produzido de maneira incremental, alternando períodos de atividade com períodos de
inatividade dos ameloblastos, resultando em linhas incrementais. Quando os períodos são curtos, são
produzidas estrias cruzadas; já quando são longos, produzem-se estrias de esmalte. A periodicidade regular
dessas estruturas dá ao prisma a aparência de escada, com as estrias apresentando formato de anel. As
estrias cruzadas são vistas como linhas transversais ao longo do eixo do prisma de esmalte, representando
um ritmo de formação do esmalte (4 μm/dia). Também é sugerido que as estrias cruzadas resultem de
mudanças na natureza da matriz orgânica e ou na orientação e composição dos cristalitos.

Figura 12.6 Representação do esmalte nodoso (A) e das bandas de Hunter-Schreger (B).

Figura 12.7 Estrias de Retzius.

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Já as estrias do esmalte (estrias de Retzius) são observadas, em cortes longitudinais, como linhas
estruturais que percorrem obliquamente e atravessam os prismas da junção amelodentinária até a
superfície (Figura 12.7). Em um corte transversal, as estrias do esmalte correm circunferencialmente, como
anéis de uma árvore, e representam a deposição de esmalte a cada 5 a 10 dias. Em geral, não chegam à
superfície, com exceção de estrias acentuadas devido a distúrbios metabólicos durante a odontogênese. As
estrias de esmalte, que vencem a superfície em uma série de ranhuras finas, descrevendo circunferências
ao redor de coroa, são chamadas de periquimácias ou linhas de imbricação de Pickerill. São
particularmente proeminentes sobre a face labial dos dentes recém-formados. As periquimácias têm alto
conteúdo de carbonato, o que causa alta solubilidade dos cristais. Geralmente são formadas após o
nascimento, por isso são menos comuns nos dentes decíduos. Uma estria particularmente marcada é
formada durante o nascimento, denominada linha neonatal, refletindo as mudanças metabólicas
(nutricional e hormonal) ocorridas no nascimento, evento no qual os prismas parecem mudar sua direção e
espessura.
Outras características microscópicas associadas a ondulações do prisma de esmalte, devido a
mudanças na orientação dos mesmos, são esmalte nodoso (gnarled) e bandas de Hunter-Schreger (Figura
12.6). Esmalte nodoso está relacionado com prismas de esmalte altamente entrelaçados, que ocorrem na
junção amelodentinária, em áreas sujeitas a forças mastigatórias, como cúspides. Bandas de Hunter-
Schreger são bandas claras e escuras que representam padrões de luz refletida por grupos de prismas na
junção amelo dentinária, até a superfície, devido ao esmalte se encontrar seccionado transversal (diazonas)
e longitudinalmente (parazonas) (Figura 12.6).
Superfície
A superfície do esmalte é mais dura, menos porosa, menos solúvel e mais radiopaca que a
subsuperfície, pois a hidroxiapatita é rica em flúor e pobre em carbonato nesta região. Apresenta aparência
variável, exibindo características como esmalte aprismático, periquimácias, fissuras e elevações.

Junção amelodentinária
A junção entre esmalte e dentina tem padrão ondulado em áreas de esforço mastigatório, mas tem
padrão liso nas superfícies laterais da coroa. Nesta área podem ser encontradas lamelas, espículas
(spindles) e tufos de esmalte. As espículas penetram no esmalte, não são alinhadas aos prismas e parecem
ser resultado de alguns processos odontoblásticos que, durante a odontogênese, infiltraram-se entre os
ameloblastos. Por isso, sugere-se que as espículas sejam colágeno ou remanescentes de odontoblastos
mortos, levando à hipomineralização nas regiões em que se encontram. Podem ser responsáveis pelo
aumento da aderência entre o esmalte e a dentina.
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Tufo de esmalte é o termo dado às estruturas juncionais no terço interno do esmalte, que lembram
tufos de ervas. Parecem colunas correndo na mesma direção, como fazem os prismas, e são encontrados
no esmalte interprismático, associados à bainha prismática que envolve o prisma. São estruturas
hipomineralizadas, recorrentes em intervalos de 100 μm ao longo da junção. Devido ao alto conteúdo
orgânico, acredita-se que esses tufos sejam falhas dentro da matriz do esmalte. Também podem funcionar
como ancoragem entre dentina e esmalte.
Lamelas de esmalte são defeitos lineares orientados longitudinalmente, como placas de material
orgânico que percorrem a espessura inteira do esmalte, da região incisal à cervical. As lamelas são
hipomineralizadas e espaçadas, são mais longas e menos comuns que os tufos de esmalte. Como os tufos,
as lamelas são mais bem visualizadas em secções transversais do esmalte. As lamelas se desenvolvem
devido à incompleta maturação de grupos de prisma (que ainda conteriam proteínas de esmalte) durante a
odontogênese. Quando presente clinicamente, a lamela passa a ser denominada fenda, sendo preenchida
por conteúdo oriundo da saliva e do biofilme dentário.

Implicações clínicas
A composição e a estrutura do esmalte determinam o seu comportamento na situação clínica. O
primeiro ponto a se considerar é que se houver algum distúrbio durante a amelogênese, devido à ação de
substâncias tóxicas (ingestão excessiva de fluoreto ou uso tetraciclina), assim como febres e infecções,
poderá ocorrer má formação do dente, como hipoplasia (falha na camada orgânica) ou hipocalcificação
(redução de minerais), que alterarão as propriedades físico-químicas do esmalte, comprometendo a sua
aparência e tornando-o suscetível ao desgaste e à desmineralização.
O esmalte é transparente, o que, somado à existência de moléculas orgânicas, facilita a pigmentação
por café e fumo. Para reduzir a pigmentação são usados agentes clareadores, que removem os pigmentos
aderidos à superfície das moléculas orgânicas. No entanto, muito se debate sobre a recidiva e os efeitos
colaterais desse tratamento, como o aumento da porosidade e a suscetibilidade do dente à
desmineralização.
Após a erupção, a remoção de carbonato e a incorporação de flúor à superfície do esmalte, por meio
da aplicação tópica de agentes com alta concentração de fluoreto e acidulados, podem aumentar a
resistência do dente à desmineralização, devido aos mecanismos anteriormente descritos.
Os prismas percorrem o esmalte em curso ondulado, sendo mais inclinados em áreas de cúspide. A
direção dos prismas é importante para a preparação de restaurações. Prismas de esmalte (cúspides)
suportados por material restaurador são mais suscetíveis à fratura que os de esmalte suportado por
dentina. As estrias (fendas) podem ser áreas mais suscetíveis à desmineralização e à pigmentação devido
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ao alto conteúdo orgânico, assim como podem permitir a comunicação do complexo dentino-pulpar com o
meio externo, causando sensibilidade.
A existência de um centro de apatita rico em carbonato e uma região externa rica em flúor, assim
como o padrão estrutural do esmalte, com as regiões prismáticas (bastão) e interprismáticas (interbastão)
rodeadas por bainha rica em proteínas, determinam o padrão de desmineralização diante de um ataque
ácido, tanto devido a um processo patológico, como a procedimentos restauradores. Devido às
características descritas, a desmineralização se inicia no centro do cristal de apatita (de dentro para fora),
assim como dos cristais mais expostos ao meio. Cristais que percorrem o esmalte de maneira angulada à
superfície são mais resistentes à dissolução.
Durante a formação da cárie dentária, com a exposição ao ácido lático (pH 5), há dissolução
primeiramente da região subsuperficial, devido à superfície poder apresentar características aprismáticas
(principalmente quando o dente é jovem; com o tempo, essa superfície é desgastada) e ter alta
concentração de flúor. Já quando o ataque ácido é realizado para procedimentos restauradores por meio
da exposição ao ácido fosfórico (pH 1 a 2), há dissolução da superfície, incluindo cristais ricos em flúor,
devido ao baixo pH do gel. Esse procedimento é necessário para aumentar a área de superfície apta à
adesão ao material resinoso por meio da criação de tags de esmalte. Para tal, deve-se primeiro remover a
camada aprismática, porque nela os cristais correm na mesma direção e são atacados uniformemente.
Com a exposição dos prismas, o centro do prisma é dissolvido primeiro, retendo a região interprismática, o
que melhora o embricamento dos materiais adesivos.
DENTINA

A dentina é encontrada na coroa e na raiz do dente (Figura 12.1). Divide-se em pré-dentina (matriz
orgânica não mineralizada próxima à polpa), dentina do manto (camada de dentina mais externa)
e dentina circumpulpar (peritubular e intertubular) (Figura 12.8). Seu peso corresponde a 70% mineral,
20% matriz orgânica e 10% água; em relação ao volume, 50% correspondem ao mineral, 30% à matriz
orgânica e 20% à água. É um tecido dentário hígido, mas elástico, e consiste em largo número de pequenos
túbulos paralelos em matriz orgânica (colágeno) mineralizada. Os túbulos contêm longos processos das
células odontoblásticas, responsáveis pela formação do tecido, assim como pequeno volume de fluido
extracelular (Figura 12.8). Como o odontoblasto, nos dentes vitais, apresenta prolongamento
citoplasmático dentro dos túbulos dentinários, além de ser responsável pela produção da dentina; alguns
autores consideram a dentina e a polpa dentária como um único tecido, denominado complexo dentino-
pulpar. No entanto, neste capítulo estamos considerando apenas a dentina, para uma descrição mais
prática.

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Figura 12.8 Localização das seguintes estruturas: junção amelodentinária (JAD), dentina do manto, dentina
interglobular, dentina peritubular, dentina intertubular, processo odontoblástico, pré-dentina,
odontoblasto.
A dentina é um tecido permeável que depende do tamanho e do padrão dos túbulos. Também é
sensível, e formada não somente na odontogênese (dentina primária), como durante toda a vida do
indivíduo (dentina secundária e terciária). Esse tecido apresenta cor amarela, o que contribui para a
aparência do dente pela translucidez do esmalte. A dentina é mais dura que o osso e o cemento, mas
menos dura que o esmalte. Sua matriz orgânica, assim como sua arquitetura tubular, provê grande força de
flexão, tensão e compressão.

Componente inorgânico
O componente mineral é formado por cristais de hidroxiapatita substituíveis. Os cristais são pobres
em cálcio, fosfato e sódio, e ricos em magnésio e carbonato, em comparação à hidroxiapatita do esmalte.
Apesar de similares em formato, são menores que aqueles do esmalte. O menor tamanho apresentado
pelos cristais da dentina permite maior área de superfície, que torna este tecido mais suscetível ao ataque
ácido. A taxa de Ca/P diminui da junção amelodentinária para a polpa, e as taxas de magnésio e flúor

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aumentam. Há poucas evidências se os elementos-traço são adsorvidos sobre a superfície dos cristalitos,
incorporados dentro dos cristais ou concentrados na matriz orgânica. O gradiente de composição mineral
diminui da polpa para o esmalte e da região peritubular para a intertubular. Os cristais de hidroxiapatita na
dentina mineralizada são encontrados sobre e entre as fibrilas colágenas.

Componente orgânico
A matriz orgânica consiste em 90% de fibrilas de colágeno, sobretudo as do tipo I, sendo a maioria
paralela à superfície pulpar, e tem função de sustentar o tecido. Na dentina circumpulpar, as fibras
colágenas apresentam diâmetro largo (100 nm) e são mais fortemente empacotadas que na pré-dentina.
Os componentes não colágenos fazem parte dos 10% restantes e são compostos por fosfoproteínas da
dentina, proteoglicanas, proteínas-Gla, proteína da matriz de dentina I, sialoproteína da dentina, outras
proteínas ácidas e fatores de crescimento (tipo insulina e transformador). A fosfoproteína da dentina, que
representa 50% do componente não colágeno, é altamente fosforilada e tem capacidade de se ligar ao
cálcio. Por isso, está diretamente relacionada à mineralização, assim como as proteínas-Gla (proteínas
contendo γ-carboxiglutamato). As proteoglicanas são representadas na dentina por biglican e decorin e as
glicosaminaglicanas são primariamente condroitina-4-sulfato e condroitina-6-sulfato. Entre as importantes
funções das proteoglicanas estão o papel desempenhado na montagem das fibras colágenas e na função
celular, como adesão, migração, proliferação e diferenciação. A osteonectina e a osteopontina são as
proteínas ácidas que compõem, além do tecido ósseo, a dentina; entretanto, suas funções na dentina não
estão definidas. Os lipídios, principalmente os fosfolipídios, compõem 2% do conteúdo orgânico da dentina
e têm papel na formação e no crescimento dos cristais. Além disso, a dentina contém enzimas como as
metaloproteinases de matriz (MMPs – MMP-2, MMP-8 e MMP-9), que, quando expostas ao meio pela
desmineralização, são associadas à progressão da lesão cariosa, devido à digestão da parte orgânica da
matriz.

ESTRUTURA
I. Túbulos dentinários: Os túbulos dentinários apresentam 2,5 μm de diâmetro próximo à polpa e
menos de 1 μm perifericamente. Compõem 22% da área da dentina próxima à polpa e 2,5% da área
da dentina próxima à junção amelodentinária. Estima-se que haja 20.000 túbulos/mm2 na região
mais externa da dentina (junção amelodentinária) e 50.000 túbulos/mm2 em sua região mais
interna (polpa). Apresentam curso sigmoide e curvado, denominado curvatura primária, devido à
migração dos odontoblastos para o interior do tecido, mas também podem mudar de direção em
pequena amplitude, movimento denominado curvatura secundária, como resultado de pequenas
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ondulações em espiral do processo odontoblástico durante a formação da matriz e mineralização.
Em algumas regiões, a curvatura secundária pode coincidir em túbulos adjacentes, dando a
aparência de linhas cruzadas, denominadas linhas de contorno de Owen. Essas estruturas são
evidentes entre a dentina primária e a secundária.
Os túbulos dentinários contêm processos de odontoblastos, uma lâmina limitante na parede dos
túbulos dentinários, fluido extracelular e, em alguns casos, também terminações nervosas, cuja
extensão dentro da dentina não é conhecida. O espaço entre o processo odontoblástico e a parede
da dentina tubular é denominado bainha de Neuman. O fluido extracelular advindo da polpa exerce
força positiva para o exterior, o que pode ajudar a limitar o progresso de agentes químicos e toxinas
do exterior até a polpa.
II. Dentina circumpulpar (peritubular e intertubular): A dentina peritubular é uma fina camada de
tecido mineralizado que rodeia os túbulos dentinários, muitas vezes denominada intratubular,
devido à sua deposição levar à obliteração do túbulo dentinário, principalmente após a irrupção
pela formação da dentina secundária. Difere da dentina intertubular por não conter fibrilas de
colágeno e ser de 9 a 15% mais mineralizada. Portanto, é uma zona de alta densidade. A principal
proteína da dentina peritubular é a fosfoforina, diferentemente da dentina intertubular, formada
basicamente por colágeno. Já o componente inorgânico da dentina peritubular é composto por
apatita carbonatada, com cristalinidade diferente da dentina intertubular. Alguns cristalitos da
dentina peritubular têm formato hexagonal e aparecem como placas compactas menores ou
similares à dentina intertubular. A dentina peritubular é formada juntamente ou um pouco após a
dentina intertubular. Entre a dentina intertubular e a peritubular há uma zona com diferente
composição orgânica e mineral.
III. Variações regionais na estrutura e composição da dentina | Coroa e raiz: Na coroa, a primeira
camada formada é conhecida como manto da dentina ou dentina do manto (mais externa e
próxima à junção amelodentinária). Já na raiz, há duas zonas externas morfologicamente
conhecidas: camada hialina e camada granular (de Tomes). Há controvérsias se a camada hialina faz
parte da dentina, do cemento ou dos dois tecidos.A pré-dentina é uma camada de dentina comum
para as duas regiões do dente, sendo a mais interna e não mineralizada. Nela, novas camadas de
dentina são depositadas durante a vida do dente. Apresenta uma zona de calcificação, onde os
minerais são depositados. Entre o manto da dentina (coroa)/camada hialina e granular (raiz) e a
pré-dentina há uma grande camada de dentina circumpulpar (peritubular e intertubular) já descrita
anteriormente. A parte externa da dentina circumpulpar, abaixo da dentina do manto, em geral não
é completamente mineralizada e tem aparência característica de dentina interglobular.
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IV. Dentina do manto: A dentina do manto, presente na coroa, é a camada mais externa da dentina (20
a 150 μm de espessura). Difere da dentina circumpulpar por ser 5% menos mineralizada, por suas
fibras colágenas serem largamente orientadas perpendicularmente à junção amelodentinária, por
seus túbulos dentinários se ramificarem em abundância e por apresentar vesículas da matriz (Figura
12.8).
V. Camada granular e camada hialina: A camada granular se encontra na periferia da dentina
radicular como zona granular escura. É mais hipomineralizada, em comparação à dentina
circumpulpar, provavelmente devido à fusão incompleta dos calcosferitos. Na superfície externa da
camada granular existe uma camada hialina, cuja origem é obscura. A função da camada granular é
ancorar cemento e dentina, tendo considerável significância clínica na regeneração periodontal.
VI. Dentina interglobular: A dentina interglobular é a região que separa a dentina do manto da dentina
(coroa)/camada granular (raiz) da dentina circumpulpar (Figura 12.8). Boa parte do mineral é
depositada nesta região como glóbulos ou calcosferitos. Estes na maioria das vezes se fundem para
formar a fronte de mineralização, porém essa fusão pode ser incompleta.
VII. Pré-dentina: A pré-dentina é a camada mais interna próxima aos odontoblastos, depositada como
matriz orgânica antes da mineralização (Figura 12.8). É composta por fibrilas de colágeno com
diferente conformação em relação à dentina circumpulpar, assim como por largas proteoglicanas, o
que impede a mineralização desta camada.

LINHAS ESTRUTURAIS
Em secções de dentina, observa-se uma variedade de linhas aproximadamente perpendiculares aos
túbulos da dentina. Há linhas associadas à curvatura primária dos túbulos dentinários, conhecidas como
linhas de Schreger, assim como há linhas associadas à curvatura secundária dos túbulos dentinários,
denominadas linhas de Owen (Figura 12.9). Esta linha de Owen também é utilizada para descrever
acentuadas deficiências na mineralização. Há uma linha exagerada na borda das dentinas primária e
secundária, denominada linha neonatal, que pode incluir variações na composição da matriz e
mineralização durante o parto.
Há linhas incrementais associadas à deposição de matriz e mineralização. Períodos curtos de
deposição e descanso podem ser observados como linhas escuras e claras (distância entre linhas de 2 a 4
μm), cada par refletindo o ritmo diurno de formação da dentina. A essas linhas denominamos linhas de Von
Ebner (Figura 12.9). Já períodos de formação longos (16 a 20 μm) produzem linhas denominadas linhas
Andresen. Entre cada linha do período longo, há de seis a dez pares de linhas do período curto.
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MUDANÇAS PÓS-ERUPTIVAS | DENTINAS SECUNDÁRIA, TERCIÁRIA E TRATOS MORTOS
As dentinas secundária e terciária são formadas após a erupção dos dentes. A dentina secundária
apresenta estrutura muito similar à dentina primária, dificultando a distinção entre ambas. Entretanto, a
dentina primária e a secundária são frequentemente delineadas como resultado das mudanças na direção
dos túbulos dentinários com coincidência da curvatura secundária, produzindo pronunciada linha de
contorno de Owen. A deposição de dentina secundária é mais lenta que a de dentina primária, além de o
padrão tubular ser menos regular. Com a idade, os túbulos podem se tornar totalmente ocluídos (dentina
esclerótica), principalmente na raiz, com a dentina peritubular formando dentina translucente, comum no
ápice radicular.

Figura 12.9 Linhas de Owen e Linhas de Von Ebner.


A dentina terciária é formada em função de uma variedade de estímulos, como cárie, trauma e
restauração, e varia consideravelmente em aparência e composição. As diferenças na aparência de dentina
terciária ocorrem devido provavelmente à sua produção por odontoblastos preexistentes ou por novas
células mesenquimais diferenciadas. Estas novas células são muito semelhantes aos odontoblastos.
Quando depositam rapidamente matriz de dentina desorganizada, essas novas células mesenquimais
podem ser incorporadas à matriz, sendo este tecido denominado osteodentina.
Há dois tipos de dentina terciária. A dentina reacionária é formada por odontoblastos preexistentes
em resposta à estimulação patológica. Já a dentina reparadora é formada por novos odontoblastos
diferenciados, devido à morte das células originais. Os fatores de crescimento estimulam a proliferação
dessas novas células, a diferenciação e a secreção da matriz. Os tratos mortos são formados quando os
túbulos dentinários ficam vazios, porque os odontoblastos são mortos por estímulos externos ou são
retraídos antes de a dentina peritubular ser formada e ocluir os túbulos.

Implicações clínicas

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A composição e a estrutura da dentina determinam o seu comportamento na situação clínica. O
fato de os túbulos dentinários serem mais abertos e numerosos próximo à polpa facilita o dano aos
prolongamentos dos odontoblastos, a progressão da lesão de cárie, assim como a possibilidade de agentes
tóxicos danificarem a polpa. Por isso, em Dentística Restauradora as cavidades profundas devem ser
protegidas com materiais biocompatíveis. Tratos mortos facilitam a progressão da lesão de cárie,
ocorrendo o oposto com a formação da esclerótica.
Com a idade, há aumento no volume de dentina devido à deposição de dentinas secundária e
terciária, o que, com o tempo, torna o dente mais amarelado, assim como dificulta o acesso a testes de
sensibilidade. A deposição de dentina também reduz e muda o formato da câmara pulpar, dificultando o
acesso durante o tratamento endodôntico.
A adesão de materiais à dentina é mais difícil que ao esmalte, devido à existência de material colágeno
que, após o ataque ácido, pode sofrer colapso, fechando os poros abertos pelo condicionamento,
dificultando a penetração do material. Os tags são mais bem formados na dentina intertubular que na
intratubular, ao passo que são ainda mais difíceis de ser obtidos sobre a dentina esclerótica. A ocorrência
de smear layer sobre a superfície dentinária, assim como de smear plug dentro dos túbulos, também
dificulta a adesão de materiais restauradores à dentina. Estas camadas de restos de dentina só são
removidas com ataque ácido.
Ainda em relação à restauração da dentina, MMPs dentinárias estão relacionadas com falhas no
resultado clínico de restaurações adesivas, devido à degradação do material orgânico da dentina, levando à
formação de fendas e infiltrações. As MMPs dentinárias e salivares também estão relacionadas com maior
incidência de cárie e erosão dentinárias, uma vez que facilitam a progressão da perda tecidual devido à
destruição das proteínas colágenas. As MMPs se tornam ativas quando o pH cai, durante o metabolismo
bacteriano ou a ingestão de bebidas ácidas. A subsequente neutralização salivar permite a degradação da
matriz dentinária, uma vez que as MMPs, embora sejam ativadas em pH ácido, só conseguem degradar a
matriz orgânica dentinária quando o pH retorna à neutralidade. Indivíduos com alta concentração de
MMPs salivares têm maior incidência de cárie dentária.

CONCLUSÃO

Esmalte e dentina são dois tecidos altamente mineralizados que compõem a estrutura dentária.
Além disso, apresentam interface que permite o estabelecimento de propriedades e funções do dente. O
domínio das principais características desses dois tecidos é essencial para o cirurgião-dentista, uma vez que
grande parte dos procedimentos, tanto operatórios como preventivos, é realizada sobre estes tecidos. O

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desenvolvimento de novos materiais, novas técnicas restauradoras e propostas como a engenharia de
tecidos dentários só são possíveis graças ao entendimento amplo desses tecidos.

BIOQUÍMICA DO PERIODONTO
O periodonto é o conjunto de tecidos de suporte/sustentação e proteção aos dentes. Pode ser
dividido basicamente em dois tipos: de proteção e de sustentação. O periodonto de proteção é composto
pela gengiva (com diferentes classificações: papilar, livre, inserida e marginal); o de sustentação é
constituído por cemento, ligamento periodontal e osso alveolar. Todos esses tecidos, com ressalva ao
cemento, são remodelados (reabsorvidos e sintetizados) constantemente durante toda a vida do indivíduo,
apresentando frequentes modificações na sua estrutura. Em condições normais, o cemento é sintetizado
em velocidade menor e poucas vezes é reabsorvido.
A manutenção da homeostasia do periodonto é essencial para a função dos dentes e,
consequentemente, a qualidade de vida do indivíduo. Por isso, a compreensão das características
bioquímicas do periodonto é fundamental para o profissional de Odontologia e de outras áreas da saúde,
uma vez que condições sistêmicas como diabetes melito e obesidade podem afetar o periodonto e
comprometer a função dos dentes. Assim, neste capítulo vamos checar alguns detalhes bioquímicos do
periodonto e algumas alterações que podem comprometer suas funções.

PERIODONTO SADIO

O periodonto é constituído por diversos tecidos que apresentam, em conjunto, as funções de


sustentação e proteção dos dentes. Os tecidos que compõem o periodonto são: gengiva, ligamento
periodontal, cemento e osso alveolar.

Gengiva
A gengiva é composta por dois tipos de tecido: epitelial e conjuntivo. A camada epitelial é mais
externa, pode ser dividida em região oral, sulcular e juncional, e varia no grau de queratinização e no
número de células. As principais células do epitélio gengival são os queratinócitos, responsáveis pela
produção de uma camada de queratina (proteína fibrosa com função estrutural). Foram identificados
diferentes tipos de queratina no epitélio gengival, em geral relacionados com a função de cada uma das
regiões do epitélio (sulcular, oral e juncional). O epitélio apresenta laminina, proteína adesiva encontrada
na lâmina da membrana basal, cujo papel é mediar a adesão das células epiteliais com o colágeno tipo IV,
por meio de receptores proteicos específicos na superfície da célula. Da mesma maneira, esses receptores
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gengivais interagem com a laminina presente no cemento, promovendo a adesão do tecido epitelial
gengival ao dente, impedindo, assim, a invasão de células estranhas no ligamento periodontal. No epitélio
gengival humano também foram identificados ácido hialurônico, CD 44, decorina e sindecana.
Sob o epitélio gengival existe uma camada de tecido conjuntivo, também chamado de lâmina própria,
constituído basicamente por dois compartimentos, um celular e outro extracelular. As células que
compõem o tecido conjuntivo gengival são: fibroblastos, macrófagos, mastócitos e células inflamatórias.
Quanto ao componente extracelular, o tecido conjuntivo gengival é composto principalmente por
colágeno tipo I. O colágeno tipo III também é encontrado na gengiva, associado ao tipo I. O colágeno tipo IV
é encontrado associado a vasos sanguíneos e membranas basais, enquanto os colágenos do tipo V e VI têm
distribuição filamentosa difusa. Além do colágeno, o tecido conjuntivo apresenta várias proteoglicanas
(complexos de proteínas e carboidratos, com alto conteúdo de carboidratos) e glicoproteínas (complexos
de proteínas e carboidratos, com pequena porcentagem de carboidratos). Na proteoglicana, a porção
correspondente ao carboidrato é composta por glicosaminoglicano. No tecido conjuntivo gengival os
principais glicosaminoglicanos são: ácido hialurônico, ácido queratan sulfato, ácido condroitina-4-sulfato e
ácido condroitina-6-sulfato. Também encontramos elastina no tecido gengival, mas em menor
concentração do que na mucosa alveolar flexível. As glicoproteínas encontradas no tecido conjuntivo
gengival incluem fibronectina e integrina

Ligamento periodontal
O ligamento periodontal é um tecido conjuntivo localizado entre a raiz do dente e o osso alveolar,
formando uma articulação classificada como gonfose; é rico em matriz extracelular, constituído
principalmente por fibras e substância básica, componentes com importante papel funcional no suporte e
na erupção dentária. Os elementos fibrosos são hábeis em prover força tensional ao tecido, enquanto a
substância básica é capaz de dissipar forças de compressão. A matriz extracelular determina o movimento
de outros componentes pelo tecido, como íons e moléculas pequenas, e provê informação posicional para
elementos celulares. Além das fibras e da substância fundamental, o ligamento periodontal apresenta
várias células, como fibroblastos, células endoteliais, restos de células epiteliais de Malassez, células
associadas ao sistema sensorial, células associadas ao osso (osteoblastos), cementoblastos e células
progenitoras.

Células

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As células progenitoras têm potencial para se diferenciar em fibroblastos, cementoblastos e
osteoblastos. Vários fatores podem afetar a diferenciação em fibroblastos no ligamento periodontal, como
forças aplicadas, existência de lectinas, composição da matriz extracelular, formato das células e uma
variedade de citocinas fibrogênicas.
Os fibroblastos produzem a matriz do ligamento periodontal, além de desempenharem importante
papel na orientação das fibras do ligamento periodontal. Os restos de Malassez parecem secretar
prostaglandinas e interleucina 1α, que promovem a manutenção do espaço do ligamento e a regeneração
dos tecidos periodontais. Os cementoblastos participam do processo de manutenção e reparo do cemento.
O ligamento periodontal é o principal componente responsável por transferir forças ao osso alveolar e
permitir que este se remodele, em resposta à força aplicada. As células do sistema sensorial têm
importante papel no mecanismo de resposta às forças mecânicas, devido à ativação do sistema de
sinalização mecanossensorial, incluindo adenilato ciclase, canais iônicos e mudanças na organização do
citoesqueleto. Essas alterações produzem mensageiros intracelulares secundários que participarão da
remodelação óssea.

Substância fundamental
A substância fundamental é composta por dois tipos de glicoconjugados, denominados
glicoproteínas e proteoglicanas. As proteoglicanas nada mais são que proteínas ligadas aos
glicosaminaglicanos (Figura 13.3). Dentre os glicosaminaglicanos, são encontrados no ligamento
periodontal o ácido hialurônico (não faz parte das proteoglicanas), a condroitina-4-sulfato, a condroitina-6-
sulfato (35%), o dermatan sulfato (60%) e a heparan sulfato (5%). O ácido hialurônico (Figura 13.4) age
como absorvente biológico quando há estresse mecânico. Tem alta afinidade por água, sendo responsável
pela manutenção da hidratação da maioria dos tecidos, além de influenciar o desenvolvimento, a migração
e a proliferação celular

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Figura 13.3 Esquema estrutural das proteoglicanas com seus elementos: proteína central e
glicosaminoglicanos.

Figura 13.4 Fórmula da unidade estrutural do ácido hialurônico.

As proteoglicanas são fortemente envolvidas na manutenção da integridade estrutural dos tecidos


conjuntivos e estão relacionadas às funções biológicas, incluindo o desenvolvimento, a remodelação e o
reparo do tecido conjuntivo, mantendo alta atividade metabólica. Podem se ligar a outras macromoléculas
da matriz extracelular, promovendo interações de uma variedade de componentes, ajudando na
organização do ligamento periodontal. Além disso, estão envolvidas na inibição da mineralização no
ligamento periodontal.

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Há mudanças na proporção de glicoconjugados conforme a erupção dentária e a idade do dente. A
natureza e a distribuição de proteoglicanas no tecido são de grande importância, devido à capacidade de
impor barreiras direcionais ao movimento de certas moléculas (p. ex., procolágeno), por meio da
substância fundamental. As fibronectinas são glicoproteínas importantes no ligamento periodontal, pois
permitem a ancoragem de fibroblastos e outras células, promovendo a ligação, o espalhamento e a
migração celular.

Fibras
As fibras do ligamento periodontal são compostas por colágeno e elastina, sendo o colágeno
responsável pelo suporte dentário e a elastina (oxitalânicas) pelas propriedades de elasticidade do tecido.
O colágeno é secretado primeiramente, mas não exclusivamente, por fibroblastos. A molécula de colágeno
é composta por três cadeias de polipeptídios (cadeias α) organizadas em tripla-hélice. As cadeias são
formadas por repetições da sequência de aminoácidos G-X-Y (glicina-prolina-hidroxiprolina). As fibrilas
colágenas são definidas pela habilidade de entrar em fibrinogênese espontaneamente, resultando na
formação de fibras insolúveis com estruturas macromoleculares altamente ordenadas.
O colágeno pode ser dividido em cinco grupos. O primeiro grupo é composto por colágenos que
formam fibrilas em forma de banda nos tecidos (tipos I, II, III, V e XI). O segundo grupo está associado ao
primeiro, formando os elementos do tecido conjuntivo, entre fibrilas em banda e outros componentes.
Esse grupo é chamado colágeno associado à fibrila e inclui os tipos IX, XII, XIV, XVI e XIX. O terceiro grupo,
chamado colágeno formador de rede (proteínas de membrana), inclui os tipos IV (membrana basal), VIII e
X. O quarto grupo forma filamentos pareados e inclui os tipos VI (microfibrilas) e VII (fibrilas de
ancoragem). Os colágenos dos tipos XIII e XVII são colágenos transmembranosos.
O ligamento periodontal contém principalmente fibrilas colágenas tipo I, assim como alta proporção
de fibrilas colágenas tipo III, ordenadas em conjuntos de fibrilas com ligações cruzadas. As fibrilas colágenas
são firmemente ancoradas ao cemento e ao osso por fibras de Sharpey. A interação do colágeno com as
proteoglicanas é de reconhecida importância funcional, particularmente em relação à arquitetura e à
geometria do ligamento periodontal. A precipitação, o crescimento e a calcificação das fibrilas colágenas
são controlados pela interação de colágeno e proteoglicanas.

Metabolismo das fibrilas colágenas


O colágeno fibrilar é sujeito à fragmentação, devido ao desgaste físico e à força de tração sobre o
tecido, e à ação de radicais livres altamente reativos. Entretanto, a quebra do colágeno também está sob
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controle celular, mediado via um grupo de enzimas proteolíticas denominadas metaloproteinases de matriz
(MMPs), que podem ser liberadas pelas bactérias periodontopatogênicas ou ser produzidas pelo
hospedeiro. As MMPs representam uma família de endopeptidases dependentes de zinco, que inclui
colagenases, gelatinases e estromelisinas. Essas enzimas são secretadas como precursores inativos,
frequentemente ativados por plasmina, tripsina e outras proteases, e inibidos por inibidores teciduais de
metaloproteinases (TIMPs). As MMPs são secretadas por células do tecido conjuntivo (predominantemente
fibroblastos), mas também por alguns leucócitos (neutrófilos polimorfonucleares e macrófagos).
Outra via de metabolismo das fibrilas colágenas é a fagocitose do colágeno e sua consequente quebra,
processo que ocorre no interior das células (fibroblastos), não envolvendo metaloproteinases de matriz.
Geralmente, esse processo está relacionado com o metabolismo fisiológico das fibrilas colágenas frente a
mudanças de posição do dente ou a esforços mastigatórios.
O metabolismo do colágeno no tecido periodontal é alto, se comparado ao metabolismo do colágeno
na pele e ao tecido conjuntivo, e tem implicações importantes na etiologia da doença periodontal crônica,
já que o desequilíbrio entre síntese e degradação pode resultar em perda de colágeno.

Cemento
O cemento é um tecido mineralizado, sem vascularização e inervação, que cobre as raízes dos
dentes, ligando a dentina radicular (dente) ao ligamento periodontal (tecido de suporte) (Figura 13.1). As
fibras periodontais podem penetrar mais superficial ou profundamente, dependendo da espessura do
cemento. Este é classificado de acordo com a existência ou não de células dentro da matriz (cementócitos),
de acordo com a origem das fibrilas colágenas da matriz (intrínsecas e extrínsecas) e com a combinação dos
dois fatores, sendo denominado de cemento acelular com fibra extrínseca (AEFC) ou cemento celular com
fibras intrínsecas (CIFC).
O cemento é formado durante toda a vida do dente por cementoblastos, permitindo a reinserção de
fibras do ligamento periodontal. Sua espessura varia de acordo com o nível da raiz, sendo o cemento
espesso no ápice e no espaço inter-radicular (50 a 200 μm) e fino na região cervical (10 a 15 μm).
Apresenta fina camada não calcificada (3 a 5 μm), denominada précemento. Com a idade, o cemento se
torna mais irregular, sendo mais espesso principalmente no ápice radicular; apresenta menos aglomerados
de fibras e os cementócitos só são encontrados em lacunas na superfície do cemento, estando as lacunas
mais profundas vazias.
O cemento contém 65% de material inorgânico, 23% de material orgânico e 12% de água em peso. Em
volume, o material inorgânico compreende 45%, o material orgânico 33% e a água, 22%. O cemento
contém menos mineral que osso e dentina. O principal componente inorgânico é a hidroxiapatita
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[Ca10(PO4)6(OH)2]. O principal componente orgânico é o colágeno tipo I (90%), seguido por colágeno tipos II
e XII, fosfatase alcalina, sialoproteína óssea, proteína da matriz dentinária 1, fibronectina, osteocalcina,
osteonectina, osteopontina, proteoglicanas (condroitina sulfato, dermatan sulfato), proteolipídios,
moléculas de adesão (proteína de aderência do cemento) e vários fatores de crescimento (fator de
crescimento tipo insulina). No cemento, os fatores de crescimento exercem influência na atividade de
várias células do periodonto. Duas proteínas parecem estar envolvidas no reparo, uma vez que estimulam a
diferenciação de células progenitoras em cementoblasto. Essas proteínas são a osteopontina e a
sialoproteína óssea, sendo a última assim chamada por conta do alto conteúdo de ácido siálico.

OSSO ALVEOLAR
Os ossos são tecidos duros formados por 67% de mineral (hidroxiapatita) e 33% de material
orgânico (proteínas colágenas e moléculas não colágenas) e água em peso. O colágeno perfaz 90% do osso
(especialmente o colágeno tipo I), sendo os outros 10% compostos por moléculas não colágenas, como
glicosaminoglicanas (condroitina sulfato), proteoglicanas (Gla-proteínas), osteocalcina e glicoproteínas
fosforiladas (osteonectina, osteopontina, sialoproteina, proteínas da matriz dentinária 1, glicoproteína
ácida óssea-75), fosfatase alcalina, fatores de crescimento osteogênico (TGF e BMP) e enzimas, assim como
fosfolipídios. As proteínas não colágenas têm alta afinidade com o cálcio e ocupam espaços interfibrilares.
Diferentes células são responsáveis pela formação, reabsorção e manutenção óssea. Há duas linhas de
células com funções específicas: células osteogênicas, que formam e mantêm o osso (oesteoprogenitores,
pré-osteoblastos, osteoblastos, osteócitos e células da linhagem óssea), e osteoclastos, que reabsorvem o
osso. Várias enzimas e quimiocinas liberadas pelo hospedeiro ou por bactérias podem determinar a
atividade dessas células e o balanço entre deposição e reabsorção do osso alveolar.
Graças ao remodelamento constante das fibrilas colágenas do ligamento periodontal, descrito
anteriormente, e ao remodelamento do osso alveolar, o periodonto apresenta capacidade considerável de
se adaptar às mudanças e aos diferentes “desafios” impostos aos dentes. Inclusive, essa capacidade de
adaptação é usada no tratamento ortodôntico, uma vez que os dentes são reposicionados paulatinamente,
respeitando a velocidade de remodelamento do tecido ósseo e do ligamento periodontal.

PERIODONTO DOENTE

Em geral, doença periodontal inflamatória envolve a destruição do colágeno da matriz extracelular,


com o aparecimento de edema e inflamação tecidual, formação de bolsas (periodontais), sangramento à
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sondagem clínica e perda de suporte. Esses eventos incluem aumento do sulco gengival, do fluxo do fluido
gengival, da vascularização com infiltração de polimorfonucleares, perda de selamento epitelial e de osso
alveolar (Figura 13.5).

Figura 13.5 Principais eventos celulares e moleculares na doença periodontal.

As bactérias que compõem o biofilme subgengival relacionadas com o aparecimento e a progressão


da destruição do tecido de suporte dentário são as bactérias anaeróbicas gram-negativas (Actinobacillus
actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia, Bacteroides forsythus,
Fusobacterium nucleatum, Campylobacter rectus, Peptostreptococcus micros, Streptococcus intermedius,
Treponema denticola, Eikenella corrodens).
A etiologia dessa doença permanece obscura, porém a alta velocidade do metabolismo do colágeno
no tecido aponta para a possibilidade de a patologia estar relacionada com distúrbios no padrão de síntese
e destruição do colágeno pelo hospedeiro. Evidências recentes sugerem que a invasão do tecido gengival
por bactérias pode ocorrer em grave e avançado tipo de doença periodontal, mas observações suportam a
visão de que a invasão bacteriana não é característica da periodontite. Tem sido estipulado que a resposta
tecidual local aos produtos bacterianos (toxinas, lipopolissacarídeos, produtos metabólicos e enzimas)
poderia ser de maior significância na patogênese da doença.
Inicialmente, os produtos bacterianos do biofilme dentário sobre o epitélio induzem ao aumento nos
espaços intercelulares do epitélio juncional e à destruição parcial da membrana basal durante a
inflamação. Há mudanças vasculares no tecido conjuntivo abaixo do epitélio, com consequente exsudação
e migração de células fagocitárias, incluindo neutrófilos e monócitos/macrófagos, dentro do epitélio
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juncional, resultando em inflamação gengival inicial. A invasão dos leucócitos pode ser induzida por várias
substâncias, incluindo interleucina 1, fator de necrose tumoral e lipopolissacarídeos bacterianos. As
interleucinas, por exemplo, modificam células epiteliais, estimulam a produção de proteinases e
prostaglandinas E2. As prostaglandinas E2, por sua vez, aumentam a permeabilidade e a dilatação dos
vasos.
Entre as alterações ocorridas durante o avanço da doença periodontal, uma das mais significativas é a
perda de osso alveolar. A destruição do osso alveolar está associada, entre outros mecanismos, à regulação
do sistema RANK/RANKL/OPG. O maior mecanismo regulatório da atividade osteoclástica é dado pelos
membros da família de receptores TNF: RANK (receptor activator of nuclear factor B), osteoprotegerina
(OPG) e o ligante RANKL. RANK é expresso em precursores osteoclásticos e em osteoclastos maduros,
enquanto seu ligante, RANKL, uma proteína transmembrana, é expresso em osteoblastos em condições
homeostáticas e ativado por linfócitos T.
A interação de RANK e RANKL é requerida para diferenciação e ativação de osteoclastos, um evento
regulado pela OPG, uma proteína secretada que tem atração por RANKL, impedindo fortemente a ativação
dos osteoclastos e a consequente reabsorção óssea, por inibir a ligação entre RANK-RANKL (Figura 13.6).
OPG é produzida por osteoblastos, sob o estímulo de TGF-βe BMP-2. Quando não associado à OPG, o
RANKL promove estimulação e ativação de osteoclastos.
A expressão da RANKL e OPG é regulada por vários hormônios (glicocorticoides, vitamina D e
estrógeno), citocinas (fator de necrose tumoral α, interleucinas 1, 4, 6, 11 e 17) e vários fatores de
transcrição mesenquimal. Fibroblastos gengivais podem ter a habilidade de suprimir a osteoclastogênese
induzida por mediadores inflamatórios, incluindo IL-1 e prostaglandina E2. No entanto, se estes
mediadores inflamatórios agirem diretamente sobre fibroblastos do ligamento periodontal e osteoblastos,
poderá ocorrer extensiva reabsorção. Portanto, a largura de tecido gengival pode ser determinante da
suscetibilidade de um indivíduo à doença periodontal, já que os fibroblastos gengivais produzem OPG em
resposta às toxinas bacterianas, protegendo o osso contra a reabsorção. O aumento na proporção de
RANKL/OPG pode estar implicado na etiologia da doença periodontal, como também de outras doenças.
Por outro lado, a administração de OPG tem demonstrado prevenir esses distúrbios em animais.

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Figura 13.6 Esquema com a interação das moléculas RANK/RANKL/OPG e seus efeitos na ativação dos
osteoclastos.

ALTERNATIVAS RECENTES PARA REGENERAÇÃO DO TECIDO PERIODONTAL


Há uma variedade de novas terapias para a promoção de cicatrização e regeneração dos tecidos
periodontais, como o uso de membranas como barreiras para regeneração tecidual guiada e aplicação de
fatores de crescimento – proteínas morfogenéticas ósseas (BMPs), fator de crescimento epidermal (EGF),
fator de crescimento de fibroblasto, fator de crescimento insulina-like (IGF) – e proteínas da matriz do
esmalte sobre a superfície da raiz.
Em curso nas últimas décadas, temos presenciado o crescimento das ferramentas de estudo na
biologia celular e molecular, em congruência com o aparecimento da chamada engenharia de tecidos. A
engenharia de tecidos, em linhas gerais, é campo interdisciplinar que visa à substituição, à regeneração
parcial ou total de um órgão ou função. Dentro da engenharia tecidual temos estudos com diferentes tipos
celulares (em especial com as células-tronco) e também o desenvolvimento de novos biomateriais, com a
finalidade de servirem como arcaboço para o crescimento celular. Assim, alguns estudos têm mostrado
resultados importantes com o uso da regeneração tecidual na regeneração de tecidos periodontais. Essa
aplicação de células progenitoras que apresentam potencial de se diferenciar em fibroblastos,
cementoblastos e osteoblastos já é realidade em vários estudos laboratoriais e pré-clínicos.

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CONCLUSÃO

O conhecimento dos detalhes sobre a composição e a estrutura do periodonto é imprescindível


para o entendimento do funcionamento do mesmo, bem como para a detecção de condições de alterações
ou doenças. Em adição, propostas preventivas e terapêuticas para esses tecidos exigem do profissional da
área da saúde o domínio adequado sobre aspectos celulares e moleculares do tecido em questão.

SALIVA

A cavidade bucal é banhada por um fluido chamado saliva, produzido pelas glândulas salivares, cuja função
principal é manter a saúde bucal. Indivíduos com deficiência de secreção salivar experimentam dificuldade
para comer, falar e deglutir, tornando-se propensos a infecções de mucosa e lesões de cárie rampante.
Com base na importância da saliva para a manutenção da saúde bucal, serão descritos neste capítulo
os tipos de glândulas salivares, a maneira como a saliva é produzida e o seu papel na manutenção da saúde
bucal, de acordo com os seus componentes e propriedades.

ANATOMIA E FISIOLOGIA DAS GLÂNDULAS SALIVARES

Glândulas maiores e menores


As glândulas maiores são responsáveis por 90%
da saliva total e englobam as glândulas parótida,
submandibular e sublingual (Figura 14.1). A parótida é a
maior glândula salivar, localizada na frente da orelha,
abaixo do processo zigomático e atrás dos ramos da
mandíbula, bilateralmente. Seu ducto, com 5 cm de
comprimento, emerge na borda anterior da glândula
sobre a superfície do masseter, e sua abertura se
localiza na altura do segundo molar superior. Sua
secreção é predominantemente do tipo seroso.
A glândula submandibular tem metade do
tamanho da parótida. É localizada entre o corpo da
mandíbula e o músculo mieloide, no assoalho da boca.
A abertura de seus ductos se localiza no assoalho bucal, abaixo da parte anterior da língua, sobre o cume
da papila sublingual e lateralmente ao freio lingual. Sua secreção é serosa e mucosa.

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A glândula sublingual tem 1/5 do tamanho da submandibular, situando-se no assoalho de boca, abaixo
da dobra da membrana mucosa sublingual. O ducto principal e numerosos ductos pequenos emergem no
cume da dobra sublingual. Essa glândula é predominantemente do tipo mucoso.
As glândulas menores se localizam na borda lateral da língua, na parte posterior do palato e nas
mucosas labial e bucal. Secretam basicamente saliva mucosa, à exceção das glândulas serosas linguais
(glândulas de Ebner), e são responsáveis por aproximadamente 10% da saliva total.
Além da secreção das glândulas maiores e menores, a saliva total é composta por fluido gengival e
células descamadas.

Estrutura das glândulas salivares


As glândulas são formadas por ácinos (80%) e um sistema de ductos ramificados (20%). Os ácinos
podem conter células com características serosas, mucosas ou ambos os tipos (glândulas mistas). Nas
glândulas mistas, as células mucosas são cercadas por células serosas. As células serosas são arranjadas em
forma esférica; já as células mucosas tendem a apresentar configuração tubular. Em ambos os tipos de
ácinos, as células se organizam de modo a formar um lúmen. As células serosas liberam principalmente
íons e glicoproteínas com funções enzimáticas, antimicrobianas, quelantes de cálcio, entre outros; já as
células mucosas são ricas em mucina. A mucina também é glicoproteína, mas difere da glicoproteína serosa
na estrutura do centro da proteína, na natureza e extensão da glicolisação, e na função. Tem função
lubrificante, antimicrobiana e participa da formação da película adquirida.
A distinção entre células serosas e mucosas tem se tornado difícil, já que agora se sabe que algumas
células serosas produzem certas mucinas, assim como células mucosas produzem certas proteínas não
glicosiladas. Avanços no procedimento de preservação de tecido têm demonstrado, por meio de análises
histológicas, que as estruturas das células serosas e mucosas são similares.
Há três tipos de ductos que ligam os ácinos à cavidade bucal: intercalado, estriado e excretório. O
fluido produzido pelas células dos ácinos passa pelo ducto intercalado, que apresenta um epitélio cuboidal
e um pequeno espaço no lúmen. Na sequência, o fluido entra no ducto estriado, que é cercado por células
colunares com muitas mitocôndrias, e importante para a determinação da composição final da saliva. Por
fim, a saliva passa pelo ducto excretório, que apresenta células cuboidais, até chegar à parte terminal, que
é cercada por epitélio escamoso estratificado. Os três ductos nas glândulas parótida e submandibular são
grandes; já nas glândulas sublinguais e glândulas menores são pequenos, esparsamente distribuídos ou
mesmo ausentes. A Figura 14.2 mostra a estrutura histológica da glândula.
As células mioepiteliais ao redor dos ácinos, entre células dos ácinos e a lâmina basal, auxiliam na
propagação do líquido pelos ductos. Além disso, as células mioepiteliais proveem força isométrica e
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suportam o parênquima glandular durante a resposta secretória. Acredita-se que essas células provejam
sinais necessários para a manutenção de polaridade das células e estrutura organizacional. Evidências
sugerem ainda que elas produzam proteínas com atividade supressora de tumores (inibidores de
proteases) e fatores antiangiogênese, instaurando uma barreira contra a invasão de neoplasias epiteliais
(Figura 14.2).

Figura 14.2 Característica histológica da glândula salivar.

A glândula e os suprimentos sanguíneo e nervoso são sustentados por um estroma de tecido


conjuntivo. Este apresenta cápsulas e septos que se estendem internamente, dividindo a glândula em lobos
e lóbulos e levando vasos sanguíneos e nervos ao parênquima da glândula. O tecido conjuntivo apresenta
várias células (fibroblastos, macrófagos, células dendríticas, plasmáticas, granulócitos e linfócitos). O
colágeno e as fibras elásticas associadas às glicoproteínas e proteoglicanas constituem a matriz extracelular
do tecido conjuntivo.

MECANISMOS DE SECREÇÃO SALIVAR

Estimulação e controle neural da salivação


O principal estímulo salivar é de ordem química (sabor), por meio de quimiorreceptores
encontrados nos botões gustativos, mas também pode ser provocado mecanicamente (mastigação), por
mecanorreceptores integrantes do ligamento periodontal. O impulso aferente é direcionado ao núcleo
solitário da medula via nervos facial (VII) e glossofaríngeo (IX). A informação é transmitida por nervos
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autônomos, que são fibras parassimpáticas do nervo facial e do glossofaríngeo, e fibras simpáticas que
seguem os vasos sanguíneos. A estimulação parassimpática produz saliva mais aquosa (água e eletrólitos),
com alto fluxo e baixa concentração proteica; já a estimulação simpática produz saliva com baixo fluxo,
altamente viscosa e rica em mucina.
As fibras eferentes, que retornam a mensagem do sistema nervoso para as glândulas submandibular e
sublingual, são originadas no nervo facial/lingual; já as que retornam a mensagem para as glândulas
parótidas são oriundas do nervo glossofaríngeo/auriculotemporal. Estes nervos liberam
neurotransmissores nas superfícies dos ácinos, como acetilcolina, norepinefrina e peptídios (substância P,
polipeptídio intestinal vasoativo).
A acetilcolina, neurotransmissor parassimpático, liga-se ao receptor muscarínico da membrana dos
ácinos, regulando a secreção do fluido; já a norepinefrina, neurotransmissor simpático, regula a secreção
de macromoléculas pela ligação a receptores adrenérgicos. A ligação a estes receptores causa a ativação da
proteína G pela substituição de GDP por GTP. A ativação da subunidade a da proteína G ativa a enzima-alvo
encontrada na membrana, sendo esta a fosfolipase C, para estimulação parassimpática (Figura 14.3), e a
adenilato-ciclase, para a simpática (Figura 14.4). Além da ação das inervações simpática e parassimpática
sobre as células dos ácinos, esses nervos também controlam o fluxo sanguíneo, que é o maior fator na
regulação da taxa de fluxo salivar.
O IP3 é produto da quebra de um lipídio de membrana sob atuação da fosfolipase C (PLC, enzima-alvo
da estimulação parassimpática). O IP3 se liga aos receptores do retículo endoplasmático, liberando cálcio
armazenado nessa organela. Os receptores de IP3 são canais de cálcio que se abrem quando ligados ao IP3
(Figura 14.3). O sinal de cálcio pode ser ainda amplificado pela liberação de cálcio através de receptores
rianodine (segundo canal de cálcio). Além da mobilização do cálcio armazenado, o processo secretório
pode também utilizar cálcio extracelular, que é estimulado quando há depleção dos reservatórios de cálcio
intracelular.

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Figura 14.3 Mecanismo de secreção de eletrólitos e água: estímulo parassimpático.

Figura 14.4 Mecanismo de secreção de proteínas: estímulo simpático.

A adenilato ciclase (enzima-alvo da estimulação simpática) converte o ATP em cAMP (segundo


mensageiro). Todas as atividades do cAMP são mediadas pela proteinoquinase A (PKA), que se torna
ativada e fosforila proteínas celulares responsáveis pela síntese e secreção de saliva (Figura 14.4).

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Secreção de proteínas
As proteínas são produzidas nos ribossomos, translocadas no lúmen do retículo endoplasmático,
onde sofrem modificações (glicosilação, fosforilação, sulfonação, proteólise), transferidas para pequenas
vesículas do complexo de Golgi, onde sofrem mais modificações, seguidas pela condensação e pelo
empacotamento em grânulos secretórios. Essas fases são reguladas pela fosforilação de proteínas ativadas
por cAMP dependente de PKA. O aumento no cAMP estimula a transcrição de genes para proteínas
salivares, modificação pós-tradução, maturação, translocação de vesículas secretórias à membrana e
exocitose (Figura 14.4). As vesículas permanecem armazenadas no citoplasma apical até receberem
apropriado estímulo secretório. Para que as proteínas sejam liberadas, os endossomos ou vesículas devem
se fundir com a membrana plasmática em processo denominado exocitose.
Recentes avanços na técnica proteômica têm permitido a identificação de amplo número de
proteínas. Primeiramente, separam-se as proteínas por eletroforese ou cromatografia; na sequência,
isolam-se pequenos grupos de proteínas ou seus peptídios e identificam-se os peptídios por espectrometria
de massa. A partir de uma base de dados de peptídios e de proteínas conhecidas, as proteínas da saliva
podem ser identificadas. Mais de 309 proteínas foram identificadas na saliva, assim como mais de 130 e 50
proteínas foram identificadas na película adquirida do esmalte e da dentina, respectivamente.

Secreção de íons | Fluidos


O processo de absorção e secreção dos eletrólitos envolve transporte ativo a partir do suprimento
sanguíneo, através de uma única camada de célula (ácinos) até o lúmen. Os sistemas de transporte são
mediados por: bombas Na+/K+ ATPase; cotransporte Na+/K+/Cl–; secreção de bicarbonato dirigida por
bomba de Na+/H+; secreção de Cl– dirigida por bombas paralelas Na+/H+ e Cl–/HCO3–; canais de Cl– e
K+ regulados por Ca+2; fluxo osmótico de água; bombas K+/H+; e transporte paralelo de Na+ e água.
As células dos ácinos utilizam transporte ativo para aumentar a concentração intracelular de cloro
que, por sua vez, ativa o canal de cloro na membrana, permitindo a liberação deste íon no lúmen. O
transporte de cloro é regulado pelo aumento na concentração de cálcio devido ao estímulo parassimpático
(já abordado anteriormente), que ativa o canal de potássio; este, por sua vez, mantém o potencial de
membrana com valor negativo, preservando a força que dirige o fluxo de cloro em direção ao lúmen. Os
canais de cloro permitem também a passagem de bicarbonato. Como consequência do potencial negativo
criado pelo cloro e o bicarbonato, o sódio atravessa as células, a fim de manter a eletroneutralidade. A
concentração de sódio é aumentada pelo influxo de sódio via ativação das bombas Na +/H+ e
Na+/K+/2Cl– cotransportador. O aumento do sódio acinar ativa o mecanismo de transporte da bomba de

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Na+/K+ (ATPase), devido à saída ativa de sódio e ao influxo de potássio, restabelecendo os gradientes
iônicos originais da célula.
O movimento de sódio e cloro cria um gradiente osmótico que faz com que a água se mova através do
tecido. O movimento da água, portanto, dá-se por osmose. A água pode atravessar a célula de duas
maneiras, entre elas (paracelular) e através de canais (aquaporin) presentes nas membranas apical e
basolateral. A água é secretada até a isotonicidade ser vencida (primeira modificação).
Quando a saliva passa pelo ducto estriado se torna hipotônica, uma vez que o ducto reabsorve os
eletrólitos da saliva primária (sódio e cloro), assim como secreta outros íons (potássio e bicarbonato). No
entanto, o ducto não é permeável à água. A saliva hipotônica (segunda modificação) é importante, porque
facilita a diferenciação entre sabores (paladar). Se a saliva permanecesse isotônica seria difícil distinguir
sabores cuja concentração iônica é menor que a do plasma (Mese e Matsuo, 2007). A gustatina, proteína
salivar, auxilia esse processo, já que é necessária para o crescimento e a maturação das papilas gustativas.
O processo secretório do fluido nas células dos ácinos tem maior capacidade que o processo
reabsortivo eletrolítico nos ductos. Quando o fluxo salivar é lento (fluxo não estimulado, FNE), os ductos
conseguem modificar a saliva substancialmente. Já quando o fluxo é rápido (fluxo estimulado, FE), o ducto
tem pouca capacidade de modificar a saliva, sendo esta liberada com composição semelhante à saliva
liberada no lúmen (menos hipotônica), com concentração de sódio e cloro maior do que a saliva não
estimulada. Portanto, há diferenças de composição entre saliva estimulada e não estimulada.
O bicarbonato (HCO3–) salivar é derivado do CO2 devido à ação da anidrase carbônica encontrada nos
tecidos glandulares salivares. O processo de secreção do bicarbonato é dependente das mudanças de
Na+/H+ e do gradiente de sódio. Os canais de cloro regulam a concentração de bicarbonato na saliva. O
bicarbonato pode se mover livremente através do epitélio, na forma de CO 2, e pode ser reabsorvido no
ducto estriado, fato intimamente relacionado à reabsorção de cloro. Quando o fluxo salivar é rápido (FE),
há pouca reabsorção de bicarbonato, aumentando a capacidade tampão salivar.
O fluxo salivar é sempre unidirecional, devido à função da barreira (junções nas membranas apicais e
basolaterais) e à polaridade das células do ducto e dos ácinos. Os principais eventos de secreção ocorrem
na membrana apical em direção ao lúmen.

FATORES QUE INFLUENCIAM O FLUXO E A COMPOSIÇÃO SALIVAR

A composição da saliva varia conforme a glândula, sendo fortemente influenciada pelo ritmo
circadiano, assim como pelo fluxo (se estimulado ou não). A taxa de FNE varia normalmente entre 0,3 e 0,6
mℓ/min, sendo oriundo em 25% da parótida, 60% da submandibular, 7 a 8% da sublingual e 7 a 8% das
glândulas menores. Somente quando a taxa é menor que 0,1 mℓ/min pode-se considerar o indivíduo com
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hipossalivação. No entanto, indivíduos com baixo fluxo salivar só podem ser considerados xerostômicos
quando apresentam sintomas associados. A viscosidade da saliva não estimulada é 2 a 3 vezes maior que a
saliva estimulada.
Já a saliva estimulada tem fluxo variando de 1 a 2 mℓ/min, sendo constituída em 50% pela saliva
oriunda da parótida, 35% da submandibular, 7 a 8% da sublingual e 7 a 8% das glândulas menores. A saliva
estimulada é produzida em aproximadamente 1 h por dia, sendo o restante saliva não estimulada, o que
totaliza 0,5 a 0,6 ℓ de saliva produzida por dia. Portanto, o FNE é mais importante que o FE, porém o FE
tem papel na limpeza da boca durante as refeições. Em função da localização das glândulas e do fluxo
salivar, sítios da boca não são expostos à saliva de modo similar.
A mensuração do fluxo salivar deve ser feita de 1 a 2 h após a refeição, em ambiente tranquilo e
refrigerado, no qual o paciente coletará a saliva por tempo determinado (5 a 10 min), sob estímulo ou não
da mastigação, em recipiente volumétrico ou pesado antes e após a coleta (conversão de peso em volume
considerando a densidade de 1 mg/mℓ) (Figura 14.5).

Fluxo salivar não estimulado


O grau de hidratação afeta o FNE, já que quanto menor o volume de água corporal, menor o fluxo.
Quando o conteúdo corporal de água é reduzido em 8%, o fluxo salivar se reduz a zero aproximadamente.
Já a hiper-hidratação pode aumentá-lo. A postura corporal, as condições de iluminação e o fumo também
têm influência. Pessoas em pé têm maior FNE; pessoas deitadas apresentam menor fluxo em comparação a
pessoas sentadas. Há diminuição em 30 a 40% quando o indivíduo está no escuro. Estimulações por olfato
causam aumento temporário de FNE. O uso de medicamentos reduz o FNE, assim como bebidas alcoólicas.
A temperatura e o fluxo salivar sofrem influência dos ritmos circadianos. A temperatura e o FNE aumentam
durante a tarde, sendo que o fluxo se reduz próximo a zero durante a noite. Quando o fluxo salivar é baixo,
o paciente apresenta quadro clínico de hipossalivação (hipoptialismo). Há também casos mais raros de
hipersalivação (ptialismo ou sialorreia). A hipossalivação é de comum ocorrência em pacientes
polimedicados, com enfermidades sistêmicas e em pacientes irradiados. Já a hipersalivação é achado
frequente durante a irrupção dentária e em pacientes com problemas mentais, devido à dificuldade de
deglutição.

Fluxo salivar estimulado


O fluxo salivar pode ser estimulado principalmente por agentes químicos (ácidos > sal ~ amargo ~
doce), mas também por agentes mecânicos (mastigação). Os picos de fluxo salivar ocorrem nos horários de
refeição. Episódios de vômito aumentam o fluxo salivar momentos antes e durante o ato. Indivíduos que
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usam medicamentos apresentam diminuição expressiva da salivação, independentemente da idade. É
comum encontrarmos hipossalivação em idosos, porém uma revisão sistemática recente aponta que esta
redução do fluxo salivar com o envelhecimento independe do uso de medicamentos. Também há diferença
entre gêneros com relação ao fluxo salivar; de modo geral, mulheres produzem menor volume de saliva em
comparação aos homens. O estímulo também pode ser unilateral, quando a mastigação é mais intensa de
um lado. É importante lembrar que se há alteração no fluxo salivar, há também modificações na
composição da saliva.

Composição salivar
A saliva é composta por 99% de água e 1% de uma variedade de eletrólitos (sódio, potássio, cálcio,
cloro, magnésio, bicarbonato e fosfato), proteínas (enzimas, imunoglobulinas, glicoproteínas, traços de
albumina, polipeptídios e oligopeptídios), glicose e produtos nitrogenados, como ureia e amônia. Há
também células, microrganismos, leucócitos provenientes da mucosa e fluido gengival. Vários fatores
podem influenciar a composição salivar, como o tipo de glândula, a natureza de estímulo (gustativo e
mastigatório) e a sua duração.
O tipo de glândula tem influência na composição salivar (p. ex., a maior parte da amilase é secretada
pela parótida; substâncias provenientes do sangue e mucina vêm principalmente das glândulas menores).
As glândulas menores têm secreção altamente viscosa e com baixa capacidade tampão.
O tipo de fluxo também determina a composição, sendo que, com o aumento do fluxo, há aumento
nas concentrações de proteínas, sódio, cloro e bicarbonato, bem como diminuição de magnésio e fosfato.
O pH varia entre 6,5 e 7,4, sendo mais alto em secreções estimuladas, que apresentam alta renovação
metabólica do tecido granular. A saliva não estimulada contém alta concentração de mucina tipo I (com
alto peso molecular, MGI), enquanto a saliva estimulada apresenta alta concentração de mucina tipo II
(baixo peso molecular, MGII). A MGI é responsável pela lubrificação e aglutinação bacteriana; a MGII
também facilita a remoção bacteriana da cavidade oral e participa da formação da película adquirida.
A duração do estímulo também é determinante. A concentração de bicarbonato aumenta com o
prolongamento na duração do estímulo; já a concentração de cloro diminui com o aumento da duração do
estímulo.
A natureza do estímulo tem efeito na composição salivar, principalmente quando o sal é utilizado, pois
há maior liberação de proteínas em comparação aos outros estímulos por sabor. O estímulo ácido, por sua
vez, leva à produção de saliva mais alcalina. De acordo com o ritmo circadiano, a concentração de sódio e
cloro tem pico no início da manhã, a concentração de potássio no meio da tarde e a concentração de
proteína aumenta no final da tarde.
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A atividade física altera a composição salivar, havendo aumento nos níveis de amilase e eletrólitos
(principalmente o sódio). Algumas enfermidades, como pancreatite, diabetes, insuficiência renal, anorexia,
bulimia e doença celíaca, estão associadas ao aumento do nível de amilase. Outras condições, como
obesidade, paralisia cerebral, síndrome de Down, também parecem estar associadas às alterações na
composição da saliva. Alterações emocionais e deficiências nutricionais estão relacionadas a alterações na
composição da saliva.

SALIVA | EFEITOS PROTETORES

A saliva tem várias funções importantes na cavidade bucal, como: efeito de lavagem; solubilização
de substâncias (sabor); formação de bolo alimentar; limpeza; lubrificação de tecidos moles; mastigação,
deglutição e fonação; capacidade tampão; manutenção da concentração de cálcio e fosfato; formação da
película adquirida; defesa antimicrobiana; e funções digestivas. A seguir, serão descritas as funções mais
importantes para a manutenção da saúde bucal.

Capacidade tampão da saliva


A saliva apresenta pH neutro e tem capacidade de manter o pH em contato com ácidos ou bases,
devido à ação de sistemas tampões, como proteínas, fosfato e bicarbonato. As proteínas apresentam-se
em baixa concentração na saliva (equivalente a 1/3 de plasma) e, por isso, têm pouco efeito tampão, sendo
mais importantes na formação da película. O fosfato também é encontrado em baixa concentração na
saliva e, além disso, seu valor de pKa é menor que o valor do pH da saliva, tendo também pouco efeito
tampão. Sua importância está relacionada com a supersaturação da apatita e a manutenção da estrutura
dentária. Já o bicarbonato é o sistema-tampão mais importante na saliva, sobretudo quando o fluxo salivar
é estimulado, apresentando aumento razoável de concentração (1 mM no FNE e 60 mM no FE).

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Figura 14.6 Principais funções da saliva e a relação com a sua composição.

Portanto, o sistema bicarbonato é o mais importante tampão da saliva estimulada. Já na saliva não
estimulada, tanto o sistema bicarbonato como o fosfato agem na neutralização do pH. Além do
bicarbonato, ureia (conversão em amônia) e sialina na saliva podem aumentar o pH salivar.

Formação da película adquirida


A saliva é responsável pela formação de uma película rica em glicoproteínas sobre a superfície
dentária. Essa película é responsável pela proteção da superfície dentária contra agentes químicos e
mecânicos. Sua espessura varia conforme a superfície e é proporcional ao contato com o fluido salivar.
Siqueira et al. (2007) detectaram 130 proteínas (mucina, amilase, lisozima, cistatina, anidrase carbônica,
proteína rica em prolina – PRP, estaterina) e 78 peptídios na película adquirida do esmalte in vivo.
Recentemente, foi demonstrado haver histatina intacta na película adquirida, a qual é resistente à
degradação quando adsorvida à hidroxiapatita (HA), o que pode lhe conferir potencial para proteger o
esmalte contra os ataques ácidos. Na película adquirida da dentina (com 10 min de formação), foram

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identificadas mais de 50 proteínas, dentre elas um tipo de mucina resistente ao ataque ácido (ácido cítrico
e lático) in situ . Por outro lado, outras proteínas sofrem mudanças conformacionais quando adsorvidas à
HA, como as PRPs.
O entendimento da composição da película em diferentes sítios dentários será de grande valia na
elaboração de estratégias de modificação da película visando à proteção dos dentes contra a erosão
dentária e outras doenças relacionadas à colonização microbiana da película.

Efeito antimicrobiano
Importante papel da saliva é fazer a aglutinação microbiana e a limpeza da boca, mantendo o
equilíbrio entre potencial patógeno e cavidade bucal. Pelo contato salivar, é possível transmitir bactérias,
em especial aquelas encontradas em grande número, o que é relevante na fase de janela de infectividade,
na qual a mãe pode transmitir microrganismos ao filho nos primeiros anos de vida. No entanto, a
transmissão de microrganismos não quer dizer que há doença.
A saliva tanto inibe como suporta seletivamente o crescimento de certos tipos de bactérias (provê
nutrientes, como carboidratos e aminoácidos, às bactérias). Quando não há oferta de açúcar da dieta,
aminoácidos na saliva selecionam bactérias não cariogênicas (menos patógenas). Adicionalmente, a
maioria das proteínas tem certo efeito antimicrobiano, controlando aderência dos microrganismos ao
tecido dentário, crescimento e virulência.
A qualidade da película adquirida formada pelas proteínas salivares também influencia a composição
do biofilme dentário, formado pela aderência de bactérias à película, constituindo massa rica em
microrganismos embebidos em uma matriz extracelular.

Papel das proteínas salivares


A seguir, daremos alguns exemplos de proteínas salivares com diferentes funções.
I. Mucinas: As mucinas são secretadas principalmente pelas glândulas menores e a lingual,
apresentando grande heterogeneidade no padrão de glicosilação. São moléculas assimétricas e
hidrofílicas (lubrificação) que representam 20 a 30% das proteínas salivares. Apreendem algumas
bactérias e inibem a adesão de células bacterianas a tecidos moles por bloqueio das adesinas na
superfície bacteriana, protegendo a mucosa de infecção. As mucinas também interagem com tecido
duro, mediando a adesão de bactérias à superfície dos dentes. São responsáveis por lubrificação,
proteção contra desidratação e manutenção da viscoelasticidade. A lubrificação tem importante
papel na mastigação, fala e deglutição.

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II. Lisozimas: A lisozima é secretada pelas glândulas salivares (maiores e menores), pelo fluido gengival
e pelos leucócitos desde o nascimento. Apresenta atividade muramidase através da hidrólise da
ligação β (1 → 4) entre ácido N-acetilmurâmico e N-acetilglucosamina na camada peptidoglicana da
parede celular bacteriana. A lisozima pode ativar autolisinas bacterianas, que destroem paredes
celulares. As bactérias gram-negativas são mais resistentes à ação da lisozima por apresentarem
uma camada de lipopolissacarídeos. Já as bactérias gram-positivas podem ser protegidas pela
produção de polissacarídeos extracelulares.

III. Lactoferrina: A lactoferrina é proteína não enzimática produzida por glândulas salivares (maiores e
menores) e leucócitos. Tem alta afinidade por íons Fe+3, sendo que sua ligação aos íons ferro
provoca a privação desse metal essencial em microrganismos patogênicos. O efeito antibacteriano
continua até a lactoferrina se tornar saturada. A apo-lactoferrina (sem ferro) também pode ter
efeito bactericida irreversível, pela ligação direta às bactérias.

IV. Peroxidase: A peroxidase na saliva (sialoperoxidase) é proveniente das glândulas parótida e


submandibular. Já a mieloperoxidase é proveniente dos leucócitos. Ambos os tipos de peroxidase
catalisam a seguinte reação: H2O2 + SCN– → OSCN– + H2O (peróxido de hidrogênio)(íons tiocionato)
(hipotiocianato). A atividade antimicrobiana se dá pela produção de hipotiocianato. Esta enzima
ainda protege proteínas e células da toxicidade promovida pelo peróxido de hidrogênio.

V. α-Amilase e lipase: A amilase corresponde a 40 a 50% das proteínas produzidas pelas glândulas
salivares, sendo oriunda em 80% da parótida e 20% da submandibular. É responsável pela
degradação do amido, produzindo maltose, maltotriose e dextrina, e pela limpeza de restos
alimentares, além de modular a ligação de bactérias à película, sendo inativada no estômago
quando deglutida. A amilase se liga aos S. gordinii, S. mitis e S. oralis, o que pode contribuir para a
eliminação desses microrganismos. As glândulas de Ebner, encontradas na língua, secretam lipases
que degradam parte dos lipídios ingeridos na dieta.

VI. Proteínas ricas em prolina e estaterina: Estas proteínas se ligam ao cálcio, mantendo o estado
supersaturado sem precipitação, prevenindo a formação de cálculo. A proteína rica em prolina
(PRP) corresponde a 25 a 30% das proteínas salivares. A PRP também adere à película salivar, tem
importante papel na lubrificação e promove a adesão seletiva de algumas bactérias (S. gordini e A.
viscosus). Além disso, liga-se ao tanino, polifenol oriundo de alimentos como vinho tinto, chá,
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morango, reduzindo sua toxicidade em animais. O tanino inibe várias enzimas digestivas (tripsina) e
precipita várias proteínas. A estaterina é produzida nas glândulas parótida e submandibular. Assim
como a PRP, também inibe a precipitação de sais de cálcio e promove a adesão seletiva da
bactéria A. viscosus à película. Participa da formação da película, interferindo na adesão de S.
mutans.

VII. Cistatina e histatina: A cistatina é fosfoproteína rica em cisteína encontrada na saliva e na película
adquirida. Inibe a proteólise pela ação bacteriana e de leucócitos. Além das atividades
antibacteriana e antiviral (controle da proteólise), também afeta a precipitação de fosfato de cálcio.
A histatina pertence a uma família de peptídios ricos em histidina, com atividade antimicrobiana
(antifúngica), principalmente sobre C. albicans e S. mutans. Participa da formação da película,
interferindo na adesão de S. mutans e inibe a liberação de histamina dos mastócitos, sugerindo um
papel no controle da inflamação.

VIII. Fatores de crescimento versus reparo: São encontrados na saliva, provenientes principalmente da
glândula submandibular. Promovem crescimento e diferenciação tecidual e cicatrização.

IX. Imunoglobulinas salivares: As imunoglobulinas correspondem a 5 a 15% do total de proteínas


salivares. A IgA é a principal imunoglobulina na saliva, seguida por IgG e IgM, que são secretadas a
partir do fluido gengival. A produção de IgA ocorre em células plasmáticas subepiteliais no tecido
conjuntivo ao redor de ácinos e ductos. Essas proteínas agem principalmente na inibição da
aderência e colonização bacteriana. Não há evidências quanto ao seu efeito anticariogênico. Em
geral, as proteínas antimicrobianas têm mais efeito em bactérias transitórias.

LIPÍDIOS
Os lipídios são produzidos por glândulas salivares. Em torno de 75% dos lipídios estão na forma de
ácido graxo, colesterol e triacilglicerol; 20 a 30% são glicolipídios e 2 a 5%, fosfolipídios. Os lipídios ligados à
mucina modificam a aderência bacteriana.

UREIA
A concentração de ureia na saliva varia de 2 a 4 mM, dependendo da quantidade de proteína
ingerida ou degradada. Nas glândulas menores pode chegar a 5 mM. A ureia pode ser quebrada pela
urease bacteriana, formando amônia e CO2, aumentando o pH do biofilme.
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Cálcio, fosfato e fluoreto
O cálcio e o fosfato são importantes íons encontrados na saliva, e são responsáveis pela
manutenção da estrutura dentária, bem como pela formação de cálculo. A saliva tem menor concentração
de cálcio e maior concentração de fosfato inorgânico que o plasma.
A concentração de cálcio salivar varia entre 1 e 3 mmol/ℓ, sendo fortemente influenciada pelo fluxo
salivar e o ritmo circadiano. A concentração de cálcio é maior na saliva derivada das glândulas
submandibular e sublingual (2 vezes maior do que a parótida). O cálcio salivar pode estar ionizado ou
ligado, dependendo do pH. Quanto menor o pH, mais cálcio iônico, sendo este responsável pelo equilíbrio
de des-remineralização. O cálcio não ionizado está ligado a compostos inorgânicos, como fosfato,
bicarbonato (10 a 20%) e citrato (< 10%), e também a macromoléculas (10 a 30%), como por exemplo
estaterina, histidina e proteínas ricas em prolina, inibindo a precipitação de fosfato de cálcio. O cálcio
também atua como cofator para a amilase. A concentração de cálcio é maior no biofilme dentário do que
na saliva, devido à maior concentração de sítios de ligação para cálcio e à precipitação de sais de cálcio.
O fosfato inorgânico pode ser encontrado na saliva na forma de ácido fosfórico (H 3PO4), íons fosfato
inorgânico primário (H2PO4–), secundário (HPO4–2) e terciário (PO4–3). A concentração de fosfato inorgânico
total diminui com o aumento no fluxo, com exceção do terciário. A concentração de fosfato terciário
diminui com a redução do pH. A concentração de fosfato na saliva oriunda da glândula submandibular
corresponde a apenas 1/3 da saliva da parótida, mas é cerca de seis vezes mais alta que nas glândulas
mucosas menores. O ritmo circadiano não é importante para o fosfato. Cerca de 10 a 25% do fosfato
inorgânico estão complexados ao cálcio ou aderidos a proteínas, enquanto 10% estão na forma de ácido
pirofosfórico (H4P2O7), o qual inibe a precipitação e a formação de cálculo. O fosfato tem importante papel
na manutenção dos dentes e como nutriente da microbiota bucal.
O fluoreto é secretado pelas glândulas e pelo fluido gengival em concentração basal de 0,02 ppm.
Também pode ser encontrado na saliva por causa da contaminação com aplicações tópicas (água,
dentifrício), as quais são determinantes para sua concentração. O fluoreto pode ser armazenado em
reservatórios, sendo o mais importante o biofilme, pela ligação a bactérias e ao cálcio. O fluoreto pode
ainda ter efeito antimicrobiano, por meio da ligação com o magnésio, evitando que a enzima enolase
participe da via glicolítica.

SALIVA | LIMPEZA BUCAL E CONTROLE DE PH

A saliva faz a autolimpeza bucal, reduzindo a concentração de substâncias exógenas. Segundo


modelo Dawes, quando se ingere alguma substância, a saliva é estimulada até que se acumule o volume
máximo para a deglutição. O restante da substância permanece na saliva residual até que se acumule
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novamente o volume máximo de deglutição. Dessa maneira, o processo continua até que toda a substância
seja eliminada. Portanto, o fluxo salivar é importante para determinar o tempo de limpeza da substância.

Fatores que afetam a limpeza bucal


Há vários fatores que afetam a capacidade de a saliva realizar a limpeza bucal, como o fluxo salivar e
o volume de saliva na boca antes e após a deglutição. Quando abaixo dos valores normais, o fluxo salivar,
tanto estimulado quanto não estimulado, reduz a taxa de limpeza das substâncias na boca.
A limpeza pela saliva varia conforme o tipo de substância (consistência) e os sítios bucais. A limpeza é
mais rápida na superfície lingual do que na bucal, com exceção da vestibular dos segundos molares
superiores. A limpeza bucal devido ao açúcar proveniente de uma bebida é mais rápida do que de açúcar
proveniente de uma bolacha, pelo fato de a última aderir à superfície dentária, dificultando sua remoção.
A limpeza de açúcar e ácidos presentes no biofilme dentário determina menor desmineralização da
superfície dentária e, por isso, regiões onde a limpeza é mais rápida apresentam menor incidência de cárie
dentária. Quando se ingere o açúcar, há queda do pH salivar/biofilme por alguns minutos, e após um
período, o pH retorna à neutralidade. Isto ocorre pelo efeito benéfico da limpeza salivar devido ao
aumento na concentração de bicarbonato na saliva estimulada.
Diferentemente do açúcar, em que a limpeza salivar deve ser rápida e eficiente, quando se aplica um
agente cariostático, como o fluoreto, é interessante reduzir a velocidade de limpeza salivar, para prolongar
o efeito e aumentar a taxa de retenção nos sítios bucais.

Controle de pH
A saliva é responsável pela formação de uma película adquirida rica em glicoproteínas sobre a
superfície dentária. As bactérias iniciam a colonização sobre a película adquirida com o auxílio de adesinas
e de proteínas salivares. A colonização inicial ocorre nas primeiras 24 h, com microrganismos aeróbicos. Já
a segunda colonização ocorre em um prazo de 1 a 14 dias, com a agregação de múltiplas bactérias. As
características do biofilme dentário são determinantes para a suscetibilidade do indivíduo à formação de
lesões dentárias cariosas. O fluxo salivar, o pH e a capacidade de limpeza salivar podem ser determinantes
da qualidade e quantidade de biofilme dentário.

pH do biofilme e curva de Stephan


Esta curva mostra a mudança de pH do biofilme no decorrer do tempo, após a ingestão de açúcar.
Pode variar entre diferentes sítios na boca, assim como entre indivíduos. A queda de pH alcança o mínimo
após 5 a 20 min da ingestão do açúcar, retornando ao valor normal após 30 a 60 min.
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A queda de pH se deve ao metabolismo microbiano pelo biofilme dentário que é depositado sobre a
superfície dentária, o qual é rico em bactérias, polissacarídeos, íons, entre outros constituintes. Portanto,
quando se considera a cárie dentária, mais importante que o pH salivar é o pH do biofilme. No entanto, a
limpeza do açúcar encontrado no biofilme, proporcionada pela saliva, tem relação direta com o pH. Cada
superfície dentária tem uma curva de Stephan, determinada pela capacidade da saliva em banhar a
superfície. Quando a superfície tem pouco contato com a saliva, o pH permanece baixo por mais tempo.
Assim, precisamos conceituar o biofilme dentário tomando por base diferentes momentos do dia.
Biofilme dentário em repouso se refere àquele após 2 a 2,5 h da última ingestão de açúcar; em jejum se
refere àquele após 8 a 12 h de ingestão de açúcar. O pH de repouso varia de 6 a 7, já o de jejum é de 7 a 8.
O pH do biofilme reduz quando há ingestão de açúcar, que por sua vez é metabolizado por bactérias, as
quais produzem ácidos como o lático. A permanência do pH mínimo é determinada pelo tempo em que o
carboidrato permanece na boca, a capacidade tampão do biofilme e a limpeza da saliva. Se o pH mínimo
estiver abaixo do pH crítico para a hidroxiapatita, haverá subsaturação dos íons que a compõem no
biofilme e, consequentemente, a desmineralização do esmalte. Quando há excesso no consumo de
sacarose, há diminuição dos valores de pH mínimo e do pH de repouso, uma vez que com o excesso de
sacarose as bactérias produzem polissacarídeos extracelulares, responsáveis pela aderência das bactérias
no biofilme e úteis como reservatório de carboidrato nos períodos de jejum.
A recuperação do pH basal do biofilme após a ingestão de açúcar é determinada por vários fatores:
difusão de ácidos para a saliva; capacidade tampão salivar; produção de base (amônia a partir da ureia e
desaminação de aminoácidos; amina a partir da descarboxilação de aminoácidos) e utilização de ácidos por
outros microrganismos.

pH e espessura do biofilme
A idade e a localização do biofilme dentário determinam sua espessura, a composição química e
microbiológica. Biofilmes dentários mais espessos têm mais microrganismos anaeróbicos e maior
concentração de íons cálcio e fosfato, sendo que a penetração e a saída de substâncias são mais difíceis. As
quedas de pH são mais pronunciadas, devido à dificuldade que os constituintes salivares têm de penetrar
no biofilme mais espesso e tamponar o pH.

pH do biofilme e limpeza salivar/estimulação salivar


Como já citado anteriormente, quanto maior a limpeza salivar, mais rapidamente o pH do biofilme
retorna aos valores basais. O estímulo salivar tem importante papel, já que a mastigação de chicletes após
a refeição leva a aumento no fluxo salivar estimulado e, consequentemente, do pH e da capacidade
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tampão. A estimulação diária com chicletes após as refeições, durante 2 semanas, pode levar a aumento na
atividade das glândulas salivares, especialmente sobre o fluxo e o pH de repouso, mostrando sua influência
na função da glândula. Outros alimentos também podem estimular o fluxo salivar, como amendoim,
alimentos fibrosos e queijos. A mastigação de queijos tem efeito adicional devido à quebra de proteínas
presentes no queijo (caseína) e à alta concentração de cálcio e fosfato.

pH da placa em pacientes renais


Pacientes renais apresentam alta concentração de amônia e ureia na saliva. Esses compostos,
quando encontrados na saliva, têm relação com pH mais alto e menor concentração de bactérias
cariogênicas, o que leva o indivíduo a apresentar menor risco à cárie dentária.

SALIVA | EQUILÍBRIO MINERAL

A cárie e a erosão dentária são relacionadas com a desmineralização provocada por ácidos de
origem microbiana (presentes no biofilme) e por ácidos não bacterianos, como refrigerantes e suco
gástrico (presentes na saliva), respectivamente. A saliva tem importante papel nesses dois processos,
porque além de banhar a superfície dentária, também determina a composição da película e,
consequentemente, do biofilme dentário, no caso da cárie dentária. Portanto, baixa capacidade tampão e
diferenças no grau de saturação de íons do biofilme dentário têm sido observadas em indivíduos com alto
risco de cárie dentária. Características da saliva e da película adquirida por sua vez, estão relacionadas à
suscetibilidade a erosão dentária.
O cálculo dentário, diferentemente da cárie e da erosão dentárias, é resultado da precipitação de
minerais no biofilme dentário, causando sua calcificação. O cálculo dentário supragengival é mais comum
próximo à saída de glândulas salivares (superfície vestibular do segundo molar superior e superfície lingual
dos incisivos inferiores). Já o cálculo subgengival é formado pela atuação do exsudado do sulco gengival,
não sofrendo influência direta da saliva. As bactérias mortas servem como nucleadoras de precipitação.
Um valor de pH mais alcalino do biofilme é requisito para a formação de cálculo. A alta atividade
proteolítica e, consequentemente, o alto teor de ureia facilitam a deposição de cálcio e fosfato no biofilme
dentário.

XEROSTOMIA E HIPOSSALIVAÇÃO

Há duas condições bucais comuns principalmente em idosos (30% da população com idade acima
de 65 anos), em indivíduos que utilizam medicamentos cronicamente, em pacientes com síndrome de
Sjögren (100%) e irradiados (25 Gy, 100%): a hipossalivação e a xerostomia (síndrome da boca seca). Ambas
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são distintas, já que a hipossalivação é característica em indivíduos que apresentam FNE abaixo de 0,1
mℓ/min e FE abaixo de 0,5 a 0,7 mℓ/min, com alteração na composição salivar. A hipossalivação pode ser
assintomática.
Já a xerostomia, também chamada de síndrome da boca seca, é caracterizada pela presença de
sintomas como boca seca, ardência e halitose, e nem sempre é causada apenas por hipossalivação, mas
por haver áreas na boca com pouco contato com saliva, as quais se tornam ressecadas. É definida como
impressão subjetiva de sensação de secura na boca, o que pode significar danos às funções orais e
qualidade de vida.

Etiologia
1. Patologia das glândulas: A xerostomia e a hipofunção salivar podem estar associadas a patologias
da glândula salivar do tipo infecciosa, não infecciosa e neoplásica. A infecção das glândulas salivares
por bactérias ou vírus não é de ocorrência tão comum, sendo mais comum em pacientes
imunocomprometidos, e envolve, na maioria das vezes, a glândula parótida (p. ex., o
citomegalovírus pode acometer adultos, causando infecção fraca na parótida; o paramixovírus
acomete a parótida de crianças, causando a caxumba). A patologia não infecciosa é condição um
pouco mais comum, devido à obstrução dos ductos, podendo ser aguda (sialolitíase) e crônica
(sialodenose). A obstrução pode causar mucocele (pequeno cisto), quando acomete glândulas
menores na parte interna do lábio. Também pode levar ao aparecimento da rânula, cisto mucoso da
glândula submandibular ou sublingual. Essas obstruções geralmente são causadas por sialólitos ou
cálculos, que se desenvolvem como resultado de desidratação e inativação da glândula. Também
podem ocorrer tumores nas glândulas salivares, principalmente na parótida. Geralmente são
benignos (80% adenomas pleomórficos), unilaterais, assintomáticos, de crescimento lento, bem
delineados e encapsulados. Tumores malignos, quando aparecem, estão associados ao aumento da
idade, às glândulas submandibulares e sublinguais, e glândulas menores. O carcinoma
mucoepidermoide é o tumor maligno mais comum das glândulas salivares, seguido do carcinoma
adenoide cístico, carcinoma das células dos ácinos e adenocarcinoma.

2. Doenças sistêmicas: Várias enfermidades podem estar associadas à xerostomia e à hipossalivação.


A de maior interesse é a síndrome de Sjögren, doença autoimune que acomete com maior
frequência mulheres na quarta e quinta décadas de vida. A síndrome primária envolve xerostomia e
xeroftalmia. Já a síndrome secundária engloba também outras doenças do tecido conjuntivo como
artrite reumatoide, esclerose múltipla e lúpus eritematoso sistêmico. Esta enfermidade leva não
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somente à redução do fluxo salivar, como à alteração na qualidade da saliva, com o aumento de
determinadas moléculas e eletrólitos. Outras enfermidades também podem estar envolvidas com a
xerostomia, como diabetes, AIDS, doença de Alzheimer, de Parkinson e fibrose cística. A paralisia de
Bell ocorre pelo comprometimento da inervação (nervo facial), reduzindo o fluxo salivar. A fibrose
cística é uma doença hereditária caracterizada pela alteração no transporte eletrolítico em células
epiteliais e secreção de saliva mais mucosa, podendo haver acúmulo de glicoproteínas na saliva e
obstrução dos ductos. O estresse também tem relação com a síndrome da boca seca, mas seu
efeito está associado à inibição central e não à inibição periférica.

3. Uso de medicamentos: Os medicamentos têm efeito na quantidade e na qualidade da saliva, sendo


estes reversíveis quando o paciente para de usá-los. Em geral, o efeito dos medicamentos é
anticolinérgico, pela inibição da ligação da acetilcolina a receptores muscarínicos das células dos
ácinos. Exemplos de medicamentos com esse efeito são: antidepressivos tricíclicos, sedativos,
tranquilizantes, anti-histamínicos, anti-hipertensivos, agentes citotóxicos e agentes antiparkinson.
Os diuréticos também têm impacto na mudança da composição da saliva, devido ao efeito inibidor
do transporte eletrolítico nas glândulas salivares.

4. Radioterapia de cabeça e pescoço: As glândulas são radiosssensíveis, principalmente as formadas


por células serosas (parótida), e as alterações podem variar de degenerativas até a morte celular,
dependendo da dose e do tempo de exposição. Os danos podem estar relacionados aos vasos
sanguíneos, à interferência com transmissão nervosa e à destruição do parênquima glandular. Em
doses abaixo de 25 Gy, as alterações são reversíveis (redução transitória do fluxo salivar); já em
doses maiores que 25 Gy, pode haver destruição da glândula. A irradiação altera a composição
salivar, a viscosidade, a cor, o pH, a capacidade tampão e os conteúdos proteico e eletrolítico.

Diagnóstico
O diagnóstico é feito por meio de questionários e respostas subjetivas envolvendo: relato de
ardência; alteração de paladar; necessidade de beber água frequentemente; dificuldade para alimentação,
deglutição e uso de próteses; sensação de queimação; halitose; intolerância a ácidos e comidas
apimentadas; e estomatodinia (dor na boca).
Ao exame clínico é comum a constatação de lábios ressecados; candidíases (queilite angular);
aumento volumétrico da glândula; superfície da mucosa seca e friável; perda de papilas linguais; língua
seca e eritematosa; mucosa dorsal irritada; aumento de incidência de lesões cariosas; e baixa retenção de
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dentadura. O diagnóstico pode ainda ser complementado por testes salivares, sendo diagnosticados com
hipossalivação indivíduos que apresentam fluxo salivar não estimulado menor que 0,1 mℓ/min e fluxo
salivar estimulado menor que 0,6 mℓ/min. Outros exames, como histopatológico, por imagem e sorologia,
podem ser feitos.

Implicações clínicas
Em pacientes com xerostomia, há aumento na incidência de cárie dentária e gengivite. Também é
comum constatar aumento em infecções fungícas (candidíase), prejuízo na retenção de próteses
removíveis, alteração de paladar (disgeusia), mastigação e deglutição (disfagia), e prejuízo da qualidade de
vida.

Tratamento
Para evitar problemas decorrentes da hipossalivação, os pacientes podem receber as seguintes
orientações e tratamentos preventivos e paliativos:
•Dieta com baixo nível de açúcar; aplicação tópica de fluoreto; bochechos com antimicrobianos para
evitar infecções e lesões cariosas
•Mastigação de chicletes após as refeições, para aumentar o fluxo salivar
•Uso de saliva artificial e lubrificantes para melhorar a fala, deglutição e reduzir a ardência, sendo a
marca mais testada a Biotène
•Restaurações com cimento de ionômero de vidro, para reduzir as recidivas de cárie
•Estimulação farmacológica (uso de cloridrato de pilocarpina ou hidrocloreto de cevimelina)
•Substituição de medicamentos (quando a causa envolve seu uso e quando for possível).
O uso de estimulação parassimpaticomimética (uso de cloridrato de pilocarpina) em pacientes
sofrendo irradiação de cabeça e pescoço apresenta baixa evidência científica. Metade dos pacientes
responde à terapia, mas o risco de efeitos colaterais é alto. Portanto, é importante controlar a dose
utilizada e ficar atento às contraindicações. Outras alternativas, como acupuntura e eletroestimulação,
estão sendo estudadas, mas apresentam baixo nível de evidência para indicação clínica.

CONCLUSÕES

A saliva apresenta um importante papel na manutenção da saúde bucal e pode ser usada para
avaliar o risco de doenças bucais como a cárie dentária, por intermédio da contagem de bactérias, da
mensuração da capacidade tampão (CT), do fluxo salivar (NE e E) e da concentração de cálcio, fluoreto e

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fosfato. No entanto, os parâmetros salivares, por sofrerem influência de vários fatores e apresentarem
grandes variações, não são os melhores preditores de risco de cárie dentária.
A saliva também pode ser usada em estudos de farmacocinética, monitoramento farmacológico e
metabolismo. É usada também para estudos endocrinológicos e imunológicos. No entanto, há necessidade
de validação da saliva para ser usada em substituição ao plasma. A grande vantagem do seu uso para
diagnóstico é a fácil coleta, sendo método não invasivo.

DIETA E CÁRIE DENTÁRIA


É importante ter em mente que nutrição e dieta são termos com significados bem diferentes na
Odontologia. Nutrição tem relação com o efeito sistêmico que os diferentes alimentos têm no organismo, e
na Odontologia este efeito se reflete no período de formação dos dentes. Sabe-se que a má nutrição, com
baixa concentração de minerais e vitaminas (D e A), pode provocar malformação dos dentes, tornando-os
mais suscetíveis à cárie dentária. Além disso, acredita-se que a má nutrição possa induzir a hipofunção das
glândulas salivares.
Por outro lado, a dieta se refere ao efeito local que diferentes tipos de alimentos têm sobre os dentes,
sendo de especial interesse o seu papel na etiologia da cárie dentária, sobretudo no que se refere à
digestão de açúcares, uma vez que os microrganismos cariogênicos utilizam o açúcar como principal fonte
de energia, metabolizando-os e produzindo ácidos que desmineralizam a estrutura dentária.
Os açúcares podem ser classificados em: (1) monossacarídeos (glicose, frutose e galactose), e dentre
eles temos os açúcaresalcoóis (xilitol, sorbitol, manitol); (2) oligossacarídeos (2 a 10 unidades de
monossacarídeos), sendo os dissacarídeos (sacarose, lactose e maltose) importantes exemplos e (3)
polissacarídeos (centenas de monossacarídeos, p. ex., amido). A glicose e a frutose são encontradas nas
frutas e no mel, a lactose é encontrada no leite, e a maltose é obtida pela degradação do amido. Já a
sacarose está presente em quase todos os alimentos industrializados, pois é quimicamente estável tanto
em relação à concentração como ao formato do cristal, assim como provê alta qualidade de doçura e tem
aceitável textura, o que a torna altamente popular.
A sacarose é também encontrada em medicamentos como xaropes infantis (contêm até 70% desse
açúcar). O uso temporário de xaropes açucarados não parece aumentar o risco à cárie dentária, mas o uso
crônico pode ter relação com sua maior incidência. Nesses casos, seria interessante substituir a sacarose
nos medicamentos por adoçantes como o sorbitol, xaropes de glicose hidrogenada e sacarina.
Tem sido enfatizado o papel específico da sacarose na etiologia da cárie dentária, o que será
justificado na sequência deste capítulo. Pouco se sabe sobre o potencial cariogênico de diferentes
alimentos e a sua inter-relação com fatores protetores da saliva e a resistência do hospedeiro. Vale lembrar
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que a dieta atual contém crescente variedade de carboidratos incluídos em alimentos processados
contendo amido e novos carboidratos sintéticos (oligofrutose, xaropes de glicose e maltodextrina), bem
como adoçantes não cariogênicos e alimentos protetores que apresentam importante papel na etiologia da
cárie dentária.

PAPEL DO AÇÚCAR NA CÁRIE DENTÁRIA

As evidências da relação entre açúcar e cárie dentária são oriundas de diferentes protocolos de
pesquisa: estudos experimentais e observacionais em humanos, experimentos em animais, estudos de pH
do biofilme dentário, experimentos com bloco de esmalte e estudos com incubação de bactérias.
A estimativa do consumo de alimentos com base em dados de suprimento é questionável, pois nem
sempre considera fatores como a distribuição etária e diferenças socioeconômicas, étnicas e culturais
dentro do país, ou o tipo de açúcar de fato consumido, o que pode afetar os dados de consumo individual.
Além disso, não há consenso acerca do método mais válido para a coleta de dados de ingestão de açúcar
em humanos: relato da dieta nas últimas 24 h, diário de três dias ou questionário de frequência de ingestão
de alimentos específicos. Por outro lado, quando consideramos os estudos experimentais sobre dieta, a
maioria foi realizada antes da introdução do flúor, o que pode não refletir as tendências atuais.
Os estudos transversais também devem ser interpretados com cautela, já que o desenvolvimento da
cárie dentária é lento e, portanto, a mensuração do número de lesões associada à dieta atual pode não
refletir o papel que a dieta teve durante o desenvolvimento da lesão, já que a dieta se altera conforme a
idade dos indivíduos. Da mesma maneira, estudos de análise de pH devem ser avaliados com cautela, já
que mensuram somente a acidogenicidade e não o potencial cariogênico do alimento.

TIPOS DE AÇÚCAR VERSUS CÁRIE DENTÁRIA

Os tipos de açúcar não diferem somente quanto ao tamanho da molécula e as fontes de obtenção,
mas também em termos de acidogenicidade e cariogenicidade.

SACAROSE, GLICOSE E FRUTOSE


Parece não haver diferenças significativas entre os açúcares (sacarose, glicose e frutose) no que se
refere ao potencial de indução da produção de ácidos por bactérias, sendo todos altamente acidogênicos.
No entanto, Cury et al. (2000) mostraram que a sacarose promoveu maior perda mineral quando
comparada a misturas equimolares de concentrações de glicose e frutose. Uma das possíveis razões para
justificar essa maior cariogenicidade da sacarose é que esse carboidrato é o único que pode servir como
substrato para a enzima glicosiltransferase, induzindo a formação de polissacarídeos extracelulares (matriz
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extracelular). Os polissacarídeos extracelulares possibilitam a adesão microbiana, a entrada de açúcar em
profundidade no biofilme, e reduzem a difusão de ácidos e tampões no biofilme dentário (Paes Leme et al.,
2006).
De acordo com as considerações anteriores, Burt e Pai (2001) consideram que a troca de sacarose por
monossacarídeos poderia reduzir a formação de lesões de cárie, especialmente em superfícies lisas e
interproximais, já que a presença de polissacarídeos extracelulares é um fator que aumenta a virulência do
biofilme dentário.

LACTOSE
De acordo com Moynihan (2003), a lactose (soluções de 10 e 50%) produz menor queda de pH se
comparada a sacarose, glicose ou frutose. A galactose tem se mostrado similar à lactose, assim como a
maltose é similar a sacarose, glicose ou frutose, em análise de pH do biofilme.

AMIDO
O assunto amido versus cárie dentária é bem complexo. O amido tem diferentes origens botânicas.
É um polímero de glicose, variando de comprimento e ramificação, encontrado em alguns alimentos como
pão, bolachas e arroz.
A cariogenicidade entre os amidos não difere somente pela origem botânica, mas também pela
quantidade e frequência de consumo, assim como pelo preparo do alimento. As moléculas de amido,
localizadas dentro de grânulos, podem passar por uma série de mudanças durante o aquecimento e os
procedimentos mecânicos, em processo chamado gelatinização. Produtos com alta gelatinização são mais
suscetíveis à quebra enzimática pelas bactérias bucais, resultando em maior potencial cariogênico. O amido
é, então, metabolizado pelas amilases salivares, produzindo maltose, maltotriose e dextrina de baixo peso
molecular. A hidrólise do amido se inicia rapidamente na cavidade bucal, acumulando altos níveis de
maltose e maltotriose, que servem como substrato bacteriano. A fermentação da maltose requer a
adaptação das bactérias a certas condições, mas essa adaptação é rápida em humanos.
Em comparação aos outros açúcares, poucos estudos têm sido realizados sobre as possíveis relações
entre o amido e a cárie dentária. Em geral, estudos sobre esse açúcar demonstram que ele apresenta
potencial cariogênico similar ou menor em comparação a sacarose, glicose ou frutose. No entanto, quando
o amido está associado à sacarose, seu potencial cariogênico torna-se similar ou superior à sacarose
sozinha, devido ao seu potencial de aderir à superfície dentária, associado ao importante papel da sacarose
no metabolismo bacteriano e à produção de polissacarídeos extracelulares.

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Figura 15.2 Redução de pH do biofilme (acidogenicidade) de acordo com a exposição aos diferentes tipos
de carboidratos ao longo do tempo. HAP: hidroxiapatita.

ADOÇANTES NÃO CALÓRICOS


Os adoçantes não calóricos de origem natural ou sintética, além do pouco valor energético, são
altamente doces – muito mais doces do que a sacarose. Por isso, são adicionados em pequenas
quantidades aos alimentos, para dar doçura e não volume.
Glicirrizina, neo-hesperidina di-hidrocalcona, esteovisídeo, monelina (derivado de proteína),
taumatina (derivado de proteína) e miraculina são exemplos de adoçantes não calóricos naturais. Os
adoçantes aspartame e alitame são formados por aminoácidos ou peptídios, enquanto o acessulfame-K, o

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ciclamato, a sacarina (usados como conservantes em alimentos) e a sucralose (derivada da halogenação da
sacarose) são adoçantes quimicamente sintetizados. O aspartame contém fenilanina e ácido aspártico
(Matsukubo e Takazoe, 2006). No rótulo do produto deve ser informada a presença de fenilanina, devido
ao fato de alguns indivíduos serem incapazes de metabolizar esse aminoácido. A seguir, a descrição de
alguns desses adoçantes.
 Sacarina: substância cristalina altamente doce, com modesto gosto amargo residual. Além de não
apresentar cariogenicidade, tem mostrado inibir o crescimento e o metabolismo bacteriano, bem
como de enzimas da via glicolítica
 Ciclamato: alta doçura que demonstra estabilidade ao aquecimento e não tem gosto residual. Não
apresenta cariogenicidade, porém não há relatos de efeito cariostático
 Aspartame: apresenta alta doçura, porém o maior inconveniente é a perda de doçura em
temperaturas elevadas. Como é fragmento de proteína (ácido aspártico + fenilalanina), o aspartame
pode ser metabolizado, mas sua liberação calórica é insignificante, sendo considerado não
cariogênico. Estudos in vitro têm trazido alguma evidência de ação inibitória sobre o crescimento
bacteriano e a formação de biofilme.
 Acessulfame-K: é altamente doce, com boa estabilidade, tolerância a altas temperaturas e
documentada segurança de uso. É considerado não cariogênico, mas sem atividade cariostática
 Sucralose: é altamente doce e estável, não cariogênico.

Esses adoçantes são empregados em vários produtos, como bebidas e doces, dentifrícios e adoçantes
em pastilhas e gomas. A vantagem é que não são metabolizados pelas bactérias bucais. No entanto,
apresentam gosto ruim (amargo), pouca energia, instabilidade e falta de volume. Em geral, os adoçantes
não são cariogênicos como a sacarose, e alguns podem ter potencial anticariogênico (sacarina, estévia e
sucralose) em biofilme de S. mutans, o que precisa ser confirmado em futuros estudos.

SUBSTITUTOS DO AÇÚCAR
Dentre os substitutos nutritivos do açúcar, os açúcares-alcoóis (polióis: sorbitol, manitol, xilitol,
maltitol, lactitol, licasin e palatinite) apresentam boas propriedades tecnológicas (doçura, higroscopia e
solubilidade), segurança bem estabelecida e aceitação regulamentada. Esses açúcares podem ser
metabolizados como fonte de energia. Apresentam doçura levemente inferior à sacarose, com a
necessidade de suplementação com outros adoçantes em certos produtos. Costumam ser adicionados a
doces, gomas de mascar, chocolates, entre outros. O principal valor comercial desses açúcares é a sua
adição em doces direcionados aos diabéticos e para a prevenção de cárie. Os açúcares-alcoóis não
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estimulam a secreção de insulina, não elevam a concentração de glicose no sangue e não aumentam a
atividade da lipase-lipoproteína, ajudando no controle da diabetes e da obesidade. Além disso, suprimem a
oxidação da vitamina C. Uma das desvantagens é que são apenas parcialmente absorvidos no intestino
delgado e passam para o cólon, onde podem induzir a diarreia osmótica, principalmente quando grandes
quantidades são consumidas.
Os substitutos calóricos são considerados de baixa cariogenicidade, sendo a produção de
polissacarídeos extracelulares reduzida ou inibida pelo uso desses substitutos. A baixa acidogenicidade é
confirmada por estudos de mensuração de pH. A partir de experimentos em animais e testes intrabucais
concluiu-se que os açúcares-alcoóis são de baixa cariogenicidade, por não serem metabolizados ou por
serem lentamente metabolizados. Além disso, sugere-se que tenham importante papel na remineralização
de esmalte desmineralizado.

NOVOS CARBOIDRATOS
A produção comercial e o uso de polímeros de glicose e oligossacarídeos de glicose, frutose e
galactose estão aumentando. Xaropes de glicose e maltodextrina são coletivamente conhecidos como
polímeros de glicose. São produzidos pela hidrólise ácida do amido (milho, trigo ou batata) e compreendem
uma mistura de mono-, di-, tri-, tetra-, penta-, hexa-, heptassacarídeos e dextrina (sacarídeos de cadeias
curta com ramificação). Os polímeros de glicose são usados para aumentar o conteúdo energético dos
alimentos e não apresentam sabor e odor. São frequentemente adicionados a alimentos e bebidas para
crianças, bebidas esportivas, sobremesas, doces e suplementos energéticos.
Os polímeros de glicose têm potencial para causar cárie dentária, já que podem ser quebrados por
enzimas bacterianas em maltose e glicose. No entanto, são escassas as evidências que demonstram que
isso realmente aconteça em humanos, e a maioria delas provém de estudos em animais e da avaliação do
pH do biofilme dentário. O potencial cariogênico dos polímeros de glicose, em comparação à sacarose, é
controverso; alguns estudos mostram que o polímero de glicose é tão cariogênico quanto a sacarose,
outros apontam para menor cariogenicidade. A redução do pH do biofilme dentário foi verificada em
humanos com o uso de xaropes de glicose. No entanto, essa análise não é fortemente relacionada à
incidência de cárie dentária. Os xaropes de glicose substituem a lactose em fórmulas infantis. Embora
estudos sobre redução do pH do biofilme em voluntários não demonstrem diferença significativa entre os
dois açúcares, ensaios clínicos não têm sido conduzidos.
Vários oligossacarídeos estão sendo produzidos por indústrias não somente pelo custo, mas também
por motivos de saúde, já que beneficiam a flora intestinal (prebióticos). O isomalto-oligossacarídeo (IMO,
glicosil-oligossacarídeo) é um exemplo desses oligossacarídeos e contém monossacarídeos com ligações
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α1:6/1:4, incluindo isomaltose (glicose-α1:6-glicose), isomaltulose (glicose-α1:6-frutose) – conhecida
também como palatinose – e panose (glicose-α1:6-glicose, α1:4-glicose). Esses oligossacarídeos são
produzidos a partir da sacarose e do amido, por meio da reação de transglicosilação, utilizando enzimas
transglicosilases. Os microrganismos preferem metabolizar glicose e sacarose em vez dos IMO. Estudos
experimentais têm demonstrado que os IMO inibem a síntese de glicanos a partir da sacarose e a
consequente aderência de S. mutans às superfícies dentárias/biofilme in vitro.
Os fruto-oligossacarídeos (FOS – Profeed ® e Raftilose®) também são fabricados com a mesma
finalidade que os IMO. Estudos laboratoriais sugerem que os FOS são tão cariogênicos quanto a sacarose
(Linardi et al., 2001). Em termos de acidogenicidade, os FOS parecem ser mais danosos que a sacarose, mas
em relação à espessura do biofilme, foi constatado resultado oposto em biofilme de S. mutans. No entanto,
a determinação do potencial cariogênico dos FOS requer estudos adicionais in vivo.
Alguns isômeros estruturais da sacarose apresentam propriedades organolépticas similares à
sacarose, mas possuem baixo potencial cariogênico. Os isômeros são produzidos por meio de
transglicosilação da sacarose. A trealose, exemplo de isômero (glicose-α1:1-frutose), não é substrato para
produção de glicanos por S. mutans e, por isso, não induz à cárie em níveis significantes em ratos
superinfectados por esses microrganismos. A leucrose (glicose α1:5-frutose) também tem demonstrado
não ser cariogênica em ratos.
O xarope à base de milho com alta concentração de frutose (XMAF) é produzido principalmente por
motivos econômicos. É quimicamente similar ao açúcar invertido (50% de frutose + 50% de glicose), sendo
que ambos não induzem a produção de polissacarídeos extracelulares e apresentam cariogenicidade 20 a
25% menor que a sacarose.

ALIMENTOS PROTETORES

O leite pode ser considerado alimento favorável à saúde bucal, já que apresenta lactose como
açúcar, sendo este menos cariogênico, e também fatores de proteção (cálcio, fosfato, caseína e lipídios).
Por conter altas concentrações de minerais, proteínas e lipídios, o leite favorece a remineralização de lesão
de cárie dentária. A caseína pode ser degradada por enzimas bacterianas, resultando em produtos
(peptídios e aminoácidos) que aumentam o pH do biofilme. Comparando-se leite bovino e materno, o
último apresenta menores concentrações de minerais e maior concentração de açúcar, sendo
teoricamente mais cariogênico. Na prática, a questão de cariogenicidade a respeito do leite é complexa,
em função da possibilidade de adição de outros açúcares (sacarose) de maior cariogenicidade que a lactose
ao leite bovino. Evidências aponta que a amamentação pode proteger contra cárie quando realizada até os
12 meses de idade. No entanto, após os 12 meses há tendência para aumento do risco à cárie dentária.
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O queijo também é anticariogênico, pois estimula o fluxo salivar e aumenta a concentração de cálcio e
fosfato salivar, sendo de importância para a remineralização das lesões de cárie dentária.
O fitato encontrado em vegetais é anticariogênico, formando uma barreira física protetora contra os
ácidos do biofilme por meio da sua adsorção à superfície dentária. Entretanto, o fitato natural do alimento
não é comumente liberado de sua estrutura antes de ser ingerido. Também não é apropriado como aditivo
em alimentos, pois parece reduzir a absorção de ferro, magnésio, cálcio e zinco. Uma hipótese para
explicar o porquê de pessoas que consomem alimentos à base de planta não processada apresentarem
menor número de lesões não cariosas é o fato de a mastigação desses alimentos estimular o fluxo salivar.
O fosfato inorgânico também parece ser efetivo na prevenção de lesões cariosas, sendo o
trimetafosfato de sódio (Na-TMP) o que mais reduziu a cárie quando adicionado à goma de mascar e
utilizado por crianças 3 vezes/dia. No entanto, as concentrações requeridas desse sal para prevenir a cárie
podem ser muito altas, levando à ingestão indesejada de sódio. O Na-TMP tem sido adicionado a produtos
odontológicos, com a finalidade de prevenir a cárie dentária.
Atualmente, tem se testado a adição de íons que compõem a apatita dentária (como cálcio, fosfato,
ferro e fluoreto) para reduzir o potencial de diferentes alimentos em causar a desmineralização dentária
ou para potencializar a remineralização. A adição da fosfoproteína da caseína e do fosfato de cálcio em
chicletes sem açúcar reduziu a incidência de cárie interproximal em crianças que os utilizaram diariamente
em comparação àquelas que mascaram chicletes placebo.
As lectinas são proteínas encontradas nas plantas e têm propriedade de se ligar a determinados
grupos de carboidratos. Além disso, podem interagir com constituintes salivares, mudando a composição
da película adquirida e dificultando a adesão bacteriana. As gorduras presentes nos alimentos também
podem desempenhar papel protetor, por formarem uma barreira de proteção no esmalte.
Atualmente, há grande interesse no uso de alimentos contendo polifenóis, como cacau, café, chá e
muitas frutas. Os polifenóis podem interferir com a atividade da glicosiltranferase em S. mutans e,
consequentemente, com a formação do biofilme dentário. As maçãs contêm polifenóis e são boas
estimulantes salivares, porém contêm açúcar e são ácidas, o que causa controvérsias. O chá também
contém polifenóis, além de flúor e de flavonoides, e parece ser efetivo na redução da cárie; porém, não se
sabe se esse efeito é devido ao flúor, à ação antibacteriana de polifenóis ou a ambos. O amendoim, assim
como as gomas de mascar sem açúcar, é capaz de estimular o fluxo salivar, reduzindo a queda de pH pelo
consumo de açúcar.
O chá-verde, obtido da Cammelia sinensis, parece ter efeito inibitório sobre as colagenases
(metaloproteínases de matriz – MMP). O polifenol Epigallocatechin gallate (EGCG) é um dos princípios
ativos do chá-verde, tendo atividade inibitória potente contra MT1-MMP, resultando na diminuição da
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ativação da pró-MMP-2. Em adição, a atividade das MMP-2 e MMP-9, bem como da MMP-12 de
macrófagos e neutrófilos, também foi diretamente inibida pelo EGCG. Já que as MMPs são encontradas na
dentina e na saliva, e estão relacionadas com a progressão da desmineralização, o uso do chá-verde
poderia ter bom potencial para prevenir a progressão da erosão e da cárie dentinária.
Portanto, as pesquisas atuais têm focado na avaliação de alimentos funcionais e fitoterápicos, bem
como no impacto do açúcar no desenvolvimento de cárie ao longo da vida do indivíduo, já que a maioria
dos estudos é restrita a crianças.

INFLUÊNCIA DE DIFERENTES PADRÕES DE INGESTÃO

A importância da frequência versus quantidade total de açúcar sobre a prevalência de cárie é difícil
de ser discutida. Baixa taxa de cárie dentária em crianças tem sido associada à ingestão total de açúcar de
10 kg/pessoa/ano (em média 30 g/dia), mas o desenvolvimento de cárie dentária aumenta
acentuadamente com ingestões acima de 15 kg (Burt e Pai, 2001). Alguns autores mostram moderada
evidência na redução da cárie dentária (CPOD < 3, 12 anos) quando o consumo de açúcar é menor que 10%
da energia total, equivalente a < 15 a 20 kg de açúcar/pessoa/ano. Esse efeito se torna mais forte quando a
ingestão de açúcar é < 5% (< 10 kg/pessoa/ano), apesar de a evidência científica ser considerada fraca
(Freeman, 2014; Moynihan e Kelly, 2014). Como dito anteriormente, são necessários mais estudos não
somente focados em crianças, mas também em adultos, para que se estabeleça uma recomendação acerca
da quantidade de açúcar que deve ser ingerida, para minimizar o risco de cárie ao longo da vida.
Enquanto a concentração de açúcar parece ser mais importante que a frequência de consumo sobre a
formação da lesão cariosa (Rugg-Gunn et al., 1984; Burt et al., 1988), outros estudos apontam que a
frequência de ingestão é mais importante que o consumo total de açúcar para a ocorrência da cárie
dentária.
A carga cariogênica total é também relacionada ao formato do produto, isto é, a consistência física
dos alimentos contendo o açúcar. Alimentos pegajosos tendem a ser mais cariogênicos que alimentos
fibrosos ou líquidos. Demonstrou-se que fatores alimentares como a concentração de açúcar, a taxa de
solubilização, a taxa de degradação enzimática, a capacidade de aderência aos dentes e a capacidade de
estimular o fluxo salivar afetam a taxa de remoção do açúcar pela saliva. Carboidratos presentes nas frutas
e bebidas têm tempo de eliminação de aproximadamente 5 min. No entanto, doces podem apresentar
tempo de limpeza da cavidade bucal de até 40 min. Tanto a escovação como a estimulação salivar têm
profundo impacto sobre o tempo de remoção do alimento da boca.
A posição de um produto alimentar dentro de uma sequência da refeição também pode modificar
suas propriedades de cariogenicidade. O queijo e o amendoim podem reduzir a produção de ácidos após a
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ingestão prévia de alimentos contendo sacarose. Inversamente, os amidos podem aumentar as
propriedades cariogênicas do açúcar se forem consumidos ao mesmo tempo. A adesividade do amido
aumenta o tempo de retenção do açúcar, bem como o tempo de limpeza, resultando em redução
prolongada de pH.
Sabe-se que a frequência, a quantidade total de açúcar, a concentração e a textura têm forte
influência sobre o tempo que o açúcar permanece na boca e, consequentemente, sobre a incidência de
lesões cariosas, porém é difícil determinar valores mínimos seguros para esses fatores em relação à saúde
bucal, já que o número de outros fatores inter-relacionados é grande (p. ex., saliva, resistência do
hospedeiro, hábitos de higiene, uso do flúor).

CONCLUSÃO

Com base no exposto neste capítulo, é importante reavaliar o aconselhamento em relação à dieta
de acordo com os conceitos atuais sobre a doença. O aconselhamento dietético deve ser realista e
moldado de acordo com o comportamento dietético da família. Para indivíduos com baixo risco de cárie
dentária e com acesso à fluoretação, o aconselhamento dietético pode ter baixo impacto em termos de
saúde bucal, e para aqueles com alto risco de cárie dentária e baixo acesso ao flúor, a orientação dietética
é imprescindível.

BIOFILME DENTÁRIO
AQUISIÇÃO E COLONIZAÇÃO BACTERIANA

Os colonizadores iniciais da cavidade bucal são intitulados “espécies pioneiras” e são basicamente
do grupo Streptococcus (60 a 90%, S. salivarius, S. mitis e S. oralis) (Nyvad e Kilian, 1987). Com o tempo,
outros tipos de bactérias aparecem, como as anaeróbicas gram-negativas, incluindo Prevotella
melaninogenica, Fusobacterium nucleatum e Veillonella sp. (ten Cate, 2006). A irrupção dentária cria novos
hábitats para a colonização microbiana, já que os dentes são considerados como a única superfície da
cavidade bucal que não se renova, possibilitando a aderência da microbiota residente e,
consequentemente, o acúmulo não perturbado de grande massa de bactérias, principalmente em locais de
estagnação (faces interproximais e cicatrículas). A essa massa de bactérias denominamos placa dentária ,
exemplo de biofilme (comunidade de microrganismos aderida a uma superfície, de maneira que estes
estejam arranjados tridimensionalmente e inclusos em matriz de material extracelular derivada das
próprias células e do ambiente). Portanto, neste texto são utilizadas as duas palavras: placa dentária e
biofilme dentário.

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Há várias vantagens para os microrganismos que vivem em biofilme, tais como: amplo hábitat para
crescimento (espécies que consomem oxigênio criam ambiente favorável para as anaeróbicas), maior
eficiência metabólica (moléculas produzidas por algumas bactérias podem ser degradadas por outras),
aumento da resistência ao estresse e a agentes antimicrobianos, e aumento da virulência.

PLACA DENTÁRIA | DESENVOLVIMENTO, ESTRUTURA, COMPOSIÇÃO E PROPRIEDADES

Formação da película adquirida


A película adquirida se forma logo após a irrupção dentária ou a profilaxia, sendo composta por
glicoproteínas, fosfoproteínas, lipídios salivares e em menor proporção, por componentes do fluido
gengival. A película apresenta várias funções importantes para a estrutura dentária; sua permeabilidade
seletiva restringe o transporte de íons para dentro e para fora dos tecidos dentários, inibe a
desmineralização do esmalte e da dentina e determina a composição da microbiota inicial que adere ao
dente (Figura 16.2A).

Adesão das células bacterianas


Esta fase de formação do biofilme ocorre nas primeiras 4 h. Os mecanismos envolvidos na aderência
bacteriana à película adquirida são muito complexos e ainda não totalmente entendidos. Primeiramente,
há transporte de bactérias para a superfície dentária pela saliva (Figura 16.2B). Na sequência, as bactérias
são associadas à superfície dentária de maneira inespecífica, sob influência das forças de van der Waals,
que são forças eletrostáticas atrativas e repulsivas. Por fim, proteínas encontradas na superfície bacteriana
e na película podem favorecer a aderência firme entre as moléculas, por meio de mecanismos específicos.
Os colonizadores iniciais constituem parte altamente seletiva da microbiota bucal, composta
principalmente por S. sanguis, S. oralis e S. mitis biovar 1 (Nyvad e Kilian, 1990), que representam 95% dos
estreptococos e 56% da microbiota inicial. Por muito tempo, acreditou-se que os S. mutans eram parte
importante da microbiota inicial, devido à sua capacidade de produzir polissacarídeos extracelulares que
compõem a matriz extracelular. No entanto, estudos têm mostrado que essa espécie de estreptococo
representa apenas 2% da microbiota estreptocócica inicial, independentemente da exposição ao açúcar. S.
mutans são menos efetivos que S. sanguis na aderência à superfície dentária. A microbiota inicial é
composta ainda por Actinomyces sp. e bactérias gram-negativas (p. ex., Haemophilus sp. e Neisseria sp., em
baixas proporções).

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Formação de microcolônias distintas
O aumento do número de microrganismos e a formação de microcolônias distintas ocorre em um
período de 4 a 24 h de formação do biofilme dentário. Há vários fatores determinantes da colonização e do
crescimento da microbiota sobre a superfície dentária, alguns relacionados ao hospedeiro e outros aos
microrganismos. Em relação ao hospedeiro, o esmalte apresenta alta energia de superfície, o que facilita a
colonização quando em comparação a outros materiais, como a fita de Teflon ®. A colonização, por sua vez,
é mais rápida sobre as superfícies radiculares que sobre o esmalte, devido à topografia irregular e à maior
rugosidade da dentina.
Já em relação ao microrganismo, o potencial zeta do organismo tem grande influência sobre a
colonização, sendo determinado pela natureza e pelo número de grupos iônicos sobre a superfície das
células. É dependente do pH e da força iônica do meio ao redor. Baixa carga negativa de superfície
microbiana favorece a adesão, portanto, a existência de cátions que se liguem a receptores negativos da
membrana pode reduzir a repulsão eletrostática, facilitando a adesão e a coagregação (Jin e Yip, 2002). A
hidrofobicidade dos microrganismos também é importante fator de aderência. Microrganismos
hidrofóbicos são atraídos às superfícies sólidas pela rejeição da fase aquosa. Também podem ser
estabelecidas interações iônicas, iônicas dipolares ou hidrogênionicas.

Figura 16.2: Desenvolvimento da placa


dentária mostrando desde a fase de
formação da película adquirida (A) até a
comunidade clímax (C).

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As bactérias têm um sistema de reconhecimento nas suas superfícies que habilita componentes
específicos nela encontrados (as adesinas) a aderirem aos receptores, moléculas complementares
presentes na película adquirida dentária (Gibbons, 1989) (Figura 16.3). Alguns receptores encontrados na
estrutura central proteica das glicoproteínas da película foram identificados como oligossacarídeos. A
atividade enzimática bacteriana pode modificar constituintes da película, levando à destruição de
receptores para algumas espécies, enquanto criam novos receptores para outras, sendo essa capacidade
importante fator na regulação da colonização. Adicionalmente, componentes salivares que fazem parte da
película adquirida são essenciais para a ligação entre bactérias, como as proteínas ricas em prolina.
Em geral, a coadesão entre pares de microrganismos é considerada um dos eventos iniciais que
contribuem para o desenvolvimento da placa dentária, e depende da presença de adesinas, de cátions que
reduzem a repulsão eletrostática, e de lipoproteínas de membrana, que são responsáveis pela interação
não específica.
Outro mecanismo determinante da colonização é a liberação de surfactantes que estimulam a
remoção de alguns microrganismos na placa, reduzindo o número de microrganismos competidores, o que
contraria as vantagens metabólicas da coadesão. A coadesão e a liberação de biossurfactantes governam a
composição e a estrutura da placa dentária.

SUCESSÃO E COAGREGAÇÃO MICROBIANA


O aumento da diversidade microbiana e o crescimento do biofilme ocorrem a partir do 1 o dia até
14o dia. Uma vez formada a placa dentária, as bactérias desenvolvem um fenótipo alterado em relação
àquele que apresentavam quando estavam livres.
Nesta fase, inicia-se a produção da matriz extracelular (rica em polissacarídeos, proteínas, lipídios,
água e íons) e de moléculas que tornam os microrganismos hábeis para se comunicarem. As bactérias têm
se mostrado portadoras de complexa expressão genética, regulada quando elas coexistem em densas
populações (ten Cate, 2006). Bactérias têm sinalizadores para coordenar a produção de fatores de
virulência para a defesa mútua e fatores de colonização para interações simbióticas com o hospedeiro (ten
Cate, 2006). Proteínas, frequentemente enzimas, formadas na placa dentária são fatores de virulência para
a sobrevida e a proliferação bacteriana, como as glicosiltransferases (GTFs), que catalisam a formação de
matriz de polissacarídeo extracelular (Figura 16.3) e a lactato desidrogenase (LDH), que está envolvida na
glicólise e é responsável pela perda metabólica (liberação de ácido), o que pode causar cárie dentária.
Há vários mecanismos de comunicação entre microrganismos. As bactérias gram-positivas
comunicam-se entre si por meio de um peptídio pequeno (peptídio de competência sinalizadora – CSP). A
habilidade de transporte e transferência de DNA é essencial para a troca de material genético, que por sua
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vez pode levar à mutação no genoma da bactéria, a qual é necessária para o processo de evolução. Além
de controlar a troca de material genético, o CSP pode controlar a formação do biofilme (ten Cate, 2006) e
regular a tolerância ácida de S. mutans.
Bactérias gram-negativas estabelecem mecanismos quorum sensing semelhantes através
das homosserinas lactonas aciladas (AHLs), cuja produção acima da concentração limiar no biofilme
dispara mudanças na expressão gênica.
Com o amadurecimento da microbiota, a maioria das mudanças se caracteriza pela troca de uma placa
dominada por Streptococcus para uma dominada por Actinomyces (A. viscosus e A. naeslundii). As
bactérias Actinomyces têm atividade enzimática, podendo modificar proteínas encontradas na película,
destruindo receptores para algumas espécies e criando outros receptores para novas espécies. A
concentração de bactérias anaeróbicas, então, torna-se maior do que a de bactérias aeróbicas.

Figura 16.3 Mecanismos de adesão microbiana importantes na formação da placa dentária.

As bactérias pioneiras criam um ambiente mais atrativo para os invasores secundários ou cada vez
mais desfavorável para si mesmas, devido à falta de nutrientes e ao acúmulo de produtos metabólicos. A
troca de bactérias pioneiras por bactérias invasoras denomina-se sucessão bacteriana. Os segundos
colonizadores são os Actinomyces, Prevotella intermedia, Eubacterium spp., Treponema spp. e
Prophyromonas gingivalis. A Fusobacterium nucleatum serve como ponte entre colonizadores iniciais e
tardios. Os colonizadores secundários aderem às espécies pioneiras via interações adenosina-receptor
(coagregação ou coadesão). À medida que os depósitos bacterianos se tornam mais espessos, a
concentração de oxigênio e a disponibilidade de nutrientes são reduzidas, o que é um dos fatores
responsáveis pela sucessão microbiana e a predominância de bactérias anaeróbicas.

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Em algumas áreas, microrganismos que estão se multiplicando formam multicamadas, nas quais estão
embebidos em matriz extracelular (Figura 16.2C). No entanto, essas camadas não são uniformes em
espessura. Após 1 dia, a superfície do biofilme se encontra constituída principalmente por bactérias
cocoides com filamentos espalhados. Já no segundo dia, os depósitos bacterianos são colonizados por
múltiplos organismos filamentosos orientados perpendicularmente à superfície.
Durante os primeiros dias, o crescimento da placa nas superfícies lisas ocorre predominantemente
como resultado da divisão celular, como evidenciado pelo desenvolvimento de microcolônias em colunas
perpendiculares à superfície do dente. A contínua adsorção de microrganismos provenientes da saliva
também contribui para a expansão do depósito bacteriano. Na camada superficial, alguns microrganismos
se coagregam com outras espécies para formar estruturas semelhantes a “espigas de milho”, compostas
por um filamento central coberto por microrganismos esféricos. Essas “espigas” aparentam ter relação
direta entre as espécies, mediada pelas fibrilas de superfície. Com o passar do tempo, além das bactérias
cocoides, aparecem também as filamentosas.
Em relação à superfície oclusal, a concentração de S. mutans e S. sanguis na saliva determina a
concentração dessas bactérias nas cicatrículas e fissuras. Uma vez que a fissura se torna colonizada, as
concentrações salivares já não exercem mais efeito sobre a quantidade de bactérias nela encontradas. As
alterações qualitativas, associadas à sucessão microbiana na placa dentária de superfície lisa, não são
encontradas nas fissuras. Assim, cocos gram-positivos e bastonetes ainda predominam na microbiota da
fissura velha, e há grandes variações individuais em relação à porcentagem de distribuição das bactérias
predominantes, o que enfatiza que cada fissura compreende unidade ecológica distinta.
Na entrada da fissura, cocos e bastonetes estão arranjados em paliçada, perpendiculares à superfície
do esmalte, de maneira similar àqueles das superfícies lisas, e essa microbiota é mesclada com organismos
filamentosos. No entanto, na fissura propriamente dita há menos filamentos, e a microbiota consiste
principalmente em cocos e bastonetes. Em geral, os cocos são agrupados em microcolônias, e a matriz
extracelular varia consideravelmente em quantidade e qualidade.
Os canais entre as bactérias podem ou não ser preenchidos por matriz extracelular, o que determina a
permeabilidade da placa dentária. A existência ou não de lacunas determina a quantidade de nutriente que
pode penetrar na placa, bem como o potencial da saliva de limpar os produtos metabólicos que são
deletérios ao hospedeiro, sendo estes parâmetros importantes para a fisiologia e a sobrevida da população
microbiana. A penetrabilidade da placa dentária determinará ainda a efetividade de agentes terapêuticos
antimicrobianos.

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Comunidade clímax
Após 14 dias de crescimento não perturbado, o biofilme desenvolve uma comunidade clímax (placa
madura) que abriga inúmeras espécies microbianas envolvidas por matriz extracelular e produtos
concentrados de seu metabolismo, junto a íons e nutrientes advindos do hospedeiro (Gilbert et al., 1997).
As diferenças qualitativas e quantitativas detectadas em cada espécie são tão pronunciadas que cada
superfície dentária deve ser considerada como única, devido às propriedades físicas e biológicas de cada
sítio.
A comunidade clímax é caracterizada pela homeostasia microbiana, que tende a expulsar espécies
invasoras que não existiam previamente, e está relacionada a interações sinérgicas (cooperação) e
antagônicas (competição) entre bactérias. A estabilidade microbiológica é aumentada pelo
desenvolvimento de inter-relações nutricionais e pela necessidade de colaboração no catabolismo de
nutrientes endógenos complexos, principalmente entre bactérias localizadas nas camadas mais profundas,
que necessitam dos produtos metabólicos das bactérias mais superficiais como fonte de nutrientes, uma
vez que não têm acesso aos nutrientes advindos do hospedeiro. As bactérias adaptam seu fenótipo de
acordo com as mudanças no meio ambiente, como na fartura ou escassez de nutrientes, e durante
mudanças de temperatura e pH.
No entanto, podem ocorrer mudanças negativas na placa dentária como efeito direto ou indireto da
dieta, do hospedeiro (envelhecimento, diminuição da imunidade, uso de próteses, medicações e redução
do fluxo salivar) ou por alterações na microbiota. O desequilíbrio da placa dentária determina o
aparecimento de duas doenças bucais: a cárie dentária e a doença periodontal. A cárie dentária é
caracterizada pela desmineralização dos tecidos dentários (esmalte e dentina), com o consequente
aparecimento de mancha branca e cavitação. Já a doença periodontal acomete os tecidos de suporte do
dente, com o aparecimento de inflamação gengival e reabsorção óssea.
Por outro lado, mudanças positivas podem ocorrer quando há o controle mecânico da placa, por meio
da escovação e do uso do fio dental, que desorganizam a comunidade clímax, interrompendo
temporariamente a desmineralização do esmalte ou a agressão aos tecidos de suporte.

HIPÓTESES PARA EXPLICAR O PAPEL DA PLACA DENTÁRIA NA ETIOLOGIA DAS DOENÇAS BUCAIS

A hipótese da placa específica propõe que, fora da coleção diversa de organismos que compreende
a microbiota residente da placa, apenas algumas espécies estão realmente envolvidas na enfermidade.
A hipótese da placa inespecífica considera que a doença é resultado da atividade global da microbiota
total da placa. Assim, uma mistura heterogênea de microrganismos pode desempenhar certo papel na
doença.
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Por fim, foi proposta hipótese alternativa que reconcilia os elementos-chave das duas hipóteses
anteriores: a hipótese da placa ecológica, que sugere que os organismos associados à enfermidade podem
também ser encontrados em locais sadios, mas em níveis baixos demais para serem considerados
clinicamente relevantes. A perturbação no equilíbrio da microbiota residente, ocasionada por mudança nas
condições ambientais locais, proporciona a seleção de bactérias que causarão a enfermidade. O ambiente
do hospedeiro determina a composição e a expressão gênica da microbiota residente. Mudanças nas
condições ambientais (p. ex., pH, temperatura, atmosfera, dieta) podem prejudicar o relacionamento
simbiótico entre hospedeiro e microbiota residente, e aumentar o risco de enfermidade.
No caso da cárie dentária, repetidas condições de baixo pH na placa após frequentes ingestões de
açúcar (sacarose) e diminuição da limpeza do açúcar devido ao baixo fluxo salivar e à falta de escovação
favorecerão o crescimento de microrganismos acidogênicos e acidúricos (como S. mutans), predispondo o
local ao desenvolvimento de lesão de cárie (ten Cate, 2006) (Figura 16.4A).
No caso de doença periodontal, o aumento do biofilme subgengival induz resposta inflamatória, com
o consequente aumento da secreção do fluido gengival (sangramento, aumento de temperatura e pH,
redução da oxigenação), o que seleciona bactérias proteolíticas e anaeróbicas que poderão potencializar a
inflamação gengival e a perda óssea (Marsh e Devine, 2011) (Figura 16.4B).

Figura 16.4 Hipótese da placa ecológica para (A) cárie dentária e (B) doença periodontal.
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Assim, a placa dentária relacionada à doença periodontal apresenta maiores proporções de bactérias
anaeróbicas gram-negativas (P. intermedia) do que a placa relacionada à cárie dentária. No biofilme
relacionado à periodontite, a inflamação do tecido gengival leva à formação de bolsas que servem como
sítio para o crescimento de bactérias anaeróbicas, bem como ao aumento da produção de fluido gengival,
que serve como rico nutriente para essas bactérias.

FATORES QUE AFETAM A COMPOSIÇÃO MICROBIANA DA PLACA DENTÁRIA

Açúcares fermentáveis e baixo pH


Após alguns dias, o acúmulo de placa dentária supragengival é maior quando os indivíduos
consomem dieta rica em açúcar do que diante de dieta controlada sem adição de açúcar. A microbiota
presente no biofilme formado sobre esmalte sadio é composta por S. não mutans e Actinomyces, e a
acidificação é branda e infrequente. Conforme há exposição ao açúcar, aumentam as condições que
propiciam o acúmulo de bactérias acidôgenicas e acidúricas; assim, S. não mutans se adaptam por
mudança genotípica da microbiota (estágio acidogênico). Em lesões de cárie iniciais não cavitadas, há
predominância de S. não mutans. Sob condições ácidas graves e prolongadas (estágio acidúrico), mais
bactérias acidogênicas/acidúricas tornam-se dominantes, como os S. mutans (pH < 5), lactobacilos (pH <
4,5), além de cepas acidúricas de S. não mutans, bifidobactérias (pH < 4,0) e fungos, que estão presentes
comumente em lesões cavitadas. Há sinergismo entre S. mutans e fungos via Gtfs. No estágio acidúrico, as
bactérias iniciais param de crescer.
A resistência de algumas bactérias à queda de pH no estágio acidúrico do biofilme dentário é
determinada: (1) pela impermeabilidade da membrana ao próton; (2) por enzimas ATPases que deslocam
prótons; (3) pela capacidade de produzir amônia e arginina, que neutralizam o pH intracelular; e (4) pela
indução de proteínas que protegem ácidos nucleicos e enzimas da desnaturação. No entanto, bactérias que
permitem que o pH intracelular decline em função do pH extracelular são mais resistentes aos efeitos
tóxicos da fermentação ácida que bactérias que mantêm o pH intracelular quase neutro.
Além disso, a sacarose pode ser convertida em glicanos e em frutanos (ambos polissacarídeos
extracelulares) pela atuação da glicosiltransferase e frutosiltransferase presentes em S. mutans,
respectivamente. Os frutanos atuam como estoques extracelulares de nutrientes, enquanto os glicanos
podem consolidar a adesão da placa e contribuir para a composição da matriz extracelular, além de
facilitarem a incorporação de sacarose em camadas mais profundas da placa dentária e promoverem
adesão mais seletiva de bactérias. O excesso de carboidratos na dieta é estocado por algumas espécies na
forma de polímeros de glicose intracelulares (polissacarídeos intracelulares), que podem ser metabolizados
na ausência de substratos fermentáveis (jejum). Tanto a produção de ácidos (baixo pH) como a existência
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de polissacarídeos extracelulares determinam maior virulência para essas bactérias, o que está
diretamente relacionado à maior probabilidade de desenvolvimento da cárie dentária.
O biofilme formado pela exposição à sacarose apresenta menor concentração de cálcio, fósforo e
fluoreto, o que pode ser crucial para a ocorrência da desmineralização dos tecidos dentários, já que esses
íons mantêm o meio saturado em relação ao mineral (apatita) que compõe a hidroxiapatita dentária. Essa
redução de minerais em placas dentárias expostas à sacarose pode se dar: devido ao baixo pH, que
dissolveria os depósitos minerais na placa; à incorporação destes minerais pelos tecidos dentários; à
liberação dos reservatórios de minerais das paredes bacterianas; à baixa densidade bacteriana devido ao
maior conteúdo de polissacarídeos extracelulares, que resultaria em poucos sítios para a ligação destes
minerais; ou à baixa concentração de proteínas ligantes a minerais, que poderia resultar em poucos
reservatórios minerais na placa dentária. A última hipótese é a que melhor explica a subsaturação de
minerais quando há ingestão de sacarose.

Disponibilidade de oxigênio
A placa dentária madura tem poucas espécies verdadeiramente aeróbicas. Bactérias anaeróbicas
são mais comuns, apesar de a distribuição não ser uniforme e as proporções serem maiores quando a placa
se acumula. Quanto mais espessa for a placa ou mais protegida estiver (no sulco gengival), maior será a
dificuldade de entrada de oxigênio, o que facilita a sobrevivência das bactérias anaeróbicas. Isto é de
especial importância para o desenvolvimento da doença periodontal.

Nutrientes
As bactérias dependem quase que exclusivamente do meio ambiente para a aquisição de nutrientes
como ureia, glicoproteínas salivares, proteínas salivares e tissulares e carboidratos (dieta). A degradação
das glicoproteínas depende da interação de várias bactérias, cada qual com o perfil complementar da
atividade da glicosidase. Algumas bactérias utilizam produtos do metabolismo de outras bactérias (lactato
e succinato); outras quebram peptídios e aminoácidos produzidos durante a degradação de moléculas
complexas do hospedeiro por outros microrganismos. Os produtos mais importantes do metabolismo dos
aminoácidos são ácidos acético, propiônico, butírico, isobutírico e isovalérico, juntamente à amônia e,
ocasionalmente, CO2. Esses produtos não causam grandes alterações no pH do ambiente.
As bactérias presentes no biofilme supragengival, relacionadas à cárie dentária, utilizam
principalmente o açúcar vindo do hospedeiro (glicoproteínas salivares) ou da alimentação. Já bactérias
presentes no biofilme subgengival (especialmente as periodontopatogênicas) utilizam nutrientes
provenientes do sulco gengival, principalmente as proteínas.
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PLACA DENTÁRIA VERSUS CÁRIE DENTÁRIA

Bactérias do tipo estreptococos podem ser isoladas com alta frequência de lesões cariosas, embora
algumas lesões avançadas geralmente apresentem uma microbiota mais diversa, incluindo outras espécies
acidogênicas e também as proteolíticas. S. mutans são considerados relevantes na etiologia da cárie
dentária, pois são bactérias altamente acidôgenicas e acidúricas, capazes de produzir antígenos de
superfície I e II e polissacarídeos extracelulares responsáveis pela adesão.
Entretanto, achados mais recentes apresentam evidência consistente de que a associação entre S.
mutans e cárie dentária não é absoluta, principalmente em lesões não cavitadas. Assim, S. mutans podem
persistir em alguns locais, sem evidências de desmineralização, enquanto podem estar ausentes em certas
lesões, implicando existência de outras bactérias na etiologia da cárie dentária.
O fato de algumas superfícies dentárias se apresentarem com número elevado de S. mutans e sem
lesão de cárie pode estar relacionado à estrutura do biofilme e à localização dessas bactérias na placa, à
existência de espécies consumidoras de lactato (p. ex., Veillonella) e à produção de álcalis para aumentar o
pH (produção de amônia ou arginina por algumas bactérias).

Propriedades características dos microrganismos cariogênicos


Os microrganismos associados ao aparecimento da cárie dentária apresentam certas propriedades
características.

 Rápido transporte de açúcares fermentáveis


Os microrganismos cariogênicos diferem das espécies não cariogênicas pela capacidade de
transportar rapidamente açúcares fermentáveis, para obtenção de energia, convertendo-os em ácidos.
S. não mutans e Actinomyces apresentam várias glicosidases extracelulares, capazes de quebrar o
açúcar ou liberá-lo das glicoproteínas salivares, o que pode ser uma vantagem em relação aos S. mutans e
lactobacilos. Actinomyces ainda têm via metabólica única, utilizando compostos como polifosfato e
pirofosfato como fontes de energia, em vez do ATP; são frequentemente ureolíticos e podem utilizar o
ácido lático como fonte de carbono para o crescimento. Portanto, os microrganismos diferem em relação
às fontes de nutrientes utilizadas para obtenção de energia.
Vários tipos de açúcar podem ser encontrados no meio: monossacarídeos (glicose, frutose, manose e
galactose), dissacarídeos (sacarose, lactose e maltose) e açúcares-alcoóis (sorbitol e manitol). Os açúcares
com baixo peso molecular (monossacarídeos e dissacarídeos) são mais bem metabolizados que os açúcares
de alto peso molecular (amido), pois estes devem ser quebrados antes de serem incorporados pela
bactéria.
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Quando há açúcar no meio, ele pode ser translocado para dentro do citoplasma por intermédio de
vários sistemas de transporte. O mais importante deles é o sistema enzimático fosfotransferase (PTS)
(Figura 16.5). O PTS utiliza fosfoenolpiruvato (PEP) como fonte de energia e resulta no transporte e na
fosforilação do açúcar na superfície interna da bactéria. O PEP é formado na via glicolítica pela ação da
enolase sobre o 2-fosfoglicerato. Essa via pode ser coibida por altas concentrações de fluoreto, que inibem
a enzima enolase, reduzindo significativamente o metabolismo bacteriano.

Figura 16.5 Sistema enzimático fosfotransferase (PTS), utilizado no transporte de açúcar para o interior da
bactéria.

O PTS consiste em duas proteínas de alta energia acopladas (enzima I e proteína estável no calor –
HPr), e uma coleção de complexos da enzima II específicos para o açúcar, cada uma servindo como
permease. Iniciando-se com PEP, o PTS catalisa uma sequência de fosforilações da enzima I (EI) e da HPr,
que são requeridas para o transporte de todos os açúcares-PTS. A HPr produzida a partir do EI-P transfere o
grupo fosforil diretamente para a enzima de membrana II (EII), específica para o açúcar, que é então
fosforilado por essa enzima e, assim, pode entrar na célula (Figura 16.5). Em alguns casos, a HPr transfere o
grupo fosforil à enzima III (EIII), também específica para o açúcar, antes da interação com EII.
A via fosfotransferase é estimulada pela baixa concentração de açúcar, em pH neutro e crescimento
lento. Por outro lado, essa enzima é inibida quando há alta concentração de açúcar, baixo pH, crescimento
bacteriano acelerado e adição de sacarose. A grande quantidade de ATP produzido ao contato com altas
concentrações de açúcar induzirá a fosforilação da serina encontrada na HPr, tornando-a indisponível para

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participar do sistema fosfotransferase. Nesse caso, o açúcar passa a ser transportado pela atuação de
permeases.
O açúcar transportado é direcionado à via glicolítica, cujo objetivo é produzir energia e precursores
para a síntese de material celular e a sobrevida da bactéria. Um dos açúcares fortemente associado à lesão
de cárie é a sacarose. Além de entrar na célula, a sacarose pode ser transformada no espaço extracelular
por uma variedade de hexotransferases em polímeros que são polissacarídeos extracelulares (como será
visto na sequência do texto). Também pode ser degradada no espaço extracelular pela enzima invertase
em glicose e frutose, sendo estes açúcares então transportados para a célula; ou ser fosforilada,
produzindo sacarose-P, que sofrerá hidrólise, produzindo a frutose e glicose-6-P. A glicose-6-P entra na via
glicolítica e é degradada até um produto final, para produzir energia; a frutose ou é fosforilada de maneira
intracelular e entra na via glicolítica; ou difunde-se para fora da célula, sendo retransportada pela frutose-
PTS.
A degradação da glicose pela via glicolítica provê energia na forma de ATP para as células via
fosforilação em nível de substrato ou fosforilação através do transporte de elétron. Na fosforilação em
nível de substrato, compostos ricos em energia na trajetória são utilizados por enzimas como substratos
para a formação do ATP. Fosforilação por transporte de elétrons se caracteriza por uma série de eventos
que finalmente conservam energia na forma de gradientes de próton eletroquímicos, através da
membrana celular; essa energia é dirigida para a síntese de ATP (Figura 16.6) pela transferência de elétrons
dos substratos reduzidos na trajetória, via NAD ou flavoproteínas e moléculas carreadoras de elétrons, aos
aceptores finais de elétrons, como o oxigênio, o nitrato e o fumarato. A transferência de elétrons resulta na
extrusão de prótons das células, criando uma concentração de gradientes de prótons (interior alcalino) e
uma diferença de carga elétrica (interior negativo) através da membrana. A energia conservada, chamada
força próton-motora, pode ser usada para a produção de ATP, para movimento flagelar e para prover
energia em vários processos de transporte nas células.
A degradação de glicose a piruvato na via glicolítica resulta na formação de duas moléculas de NADH +
H+ por molécula de glicose degradada. A molécula de NADH deve ser oxidada a NAD para preservar o
balanço oxidorredutor da célula. Para tanto, quando a concentração de açúcar na célula é alta, esta
reoxidação ocorre pela formação de ácido lático a partir do piruvato sob atuação da lactato desidrogenase,
sendo esta uma importante via para bactérias dos grupos estreptococos e lactobacilos.
Quando a concentração de açúcar é baixa, há outros padrões preferíveis de reoxidação do NADH. Para
algumas bactérias, outro fator decisivo é se o ambiente é aeróbico ou anaeróbico. Quando a concentração
de açúcar é baixa, as bactérias convertem o piruvato em ácido acético, ácido fórmico e etanol, a fim de
preservar o balanço oxirredutor e maximizar o rendimento energético. Sob condições aeróbicas, S.
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mutans usam piruvato desidrogenase para converter piruvato a ácido acético e etanol, enquanto S.
mitis e S. sanguis usam piruvato oxidase, obtendo ácido acético e peróxido de hidrogênio. Já o sistema
formato-liase (desativado quando há oxigênio) é também ativado quando a concentração de açúcar é baixa
e sob condições anaeróbicas. A Figura 16.6 mostra a via glicolítica dentro da bactéria.
Por outro lado, essas bactérias sempre produzirão ácido lático quando houver excesso de açúcar,
tanto em condições aeróbicas como anaeróbicas, porque o açúcar em excesso ativa a desidrogenase lática
(que converte o piruvato a lactato) e ao mesmo tempo inibe a piruvato-formato-liase (responsável pela
conversão do piruvato a formato, acetato e etanol em anaerobiose). Já quando há carência de açúcar, os
microrganismos que conseguem produzir mais ATP por mol de açúcar levam vantagem sobre os outros.
O produto final fornecido por algumas bactérias também pode ser dependente do tipo de açúcar (p.
ex., açúcar-álcool leva à produção de mais etanol que ácido acético). O produto final pode ser degradado
por outros membros da microbiota, a exemplo da Veillonela que utiliza ácido lático para a produção de
ácido propiônico e acético, bem como H 2 e CO2. Quando esses ácidos não são degradados por bactérias ou
neutralizados, podem causar a desmineralização do esmalte, culminando com o aparecimento das lesões
de cárie.

Figura 16.6 Via glicolítica mostrando entrada de açúcar na célula, produção de energia e liberação dos
produtos finais. ADP: adenosina difosfato; ATP: adenosina trifosfato; HPr: heat-stable protein (proteína
estável no calor); EI: enzima I; EII: enzima II; NAD: nucleotídeo de nicotinamida e adenina.
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Em áreas subgengivais, carentes de açúcar, a fonte de nutrientes para os microrganismos é o fluido
gengival, sendo os aminoácidos as fontes de energia mais importantes, com a formação de vários
produtos: ácidos acético, propiônico, butírico, isobutírico e isovalérico, amônia e CO 2 (ocasionalmente).
Essa atividade metabólica não altera significativamente o pH do biofilme.
Já quando há excesso de açúcar (placa supragengival), ocorre a regulação da taxa de glicólise à
produção de polissacarídeo intracelular (estoque energético). Após a entrada de excesso de açúcar, este é
convertido em ácido lático e glicose-1-P. A glicose-1-P prossegue para a formação de glicana, um polímero
de glicose (a1:4). Para a formação de glicana utiliza-se 1 ATP. A síntese desse estoque intracelular de
glicose só é possível quando há excesso de nutriente, sendo que a glicose inserida no polímero poderá ser
reutilizada durante os períodos de redução de nutrientes, originando ATP suficiente para manter a
viabilidade celular.

 Produção de polissacarídeos extracelulares


Os microrganismos cariogênicos produzem polissacarídeos extracelulares (PECs) a partir da
sacarose. Os PECs incluem glicanos e frutanos, que contribuem para a formação da matriz da placa.
Frutanos podem ser metabolizados quando há escassez de nutrientes.
As enzimas que produzem PECs (matriz extracelular) só agem sobre sacarose (Figura 16.7). Por isso,
este açúcar é considerado o mais cariogênico. A glicosiltransferase (fator de virulência bacteriana) age
sobre a sacarose, produzindo os polímeros de glicose (glicanos): dextrana (a1:6) e mutano (a1:3). A
glicosiltransferase produzida por S. mutans pode ser encontrada na película dentária (GtfC), adsorvida à
superfície microbiana (GtfB), incluindo aqueles microrganismos que não produzem Gtfs (p.
ex., Actinomyces) quando há sacarose. A GTfD forma o polissacarídeo solúvel e age como “primer” do GtfB.
A frutose, que entra na via glicolítica, é produto secundário da glicosiltransferase. A dextrana, solúvel
em água, é formada por cadeia linear (a1:6) e por ramificações (a1:4 e a1:3), sendo degradada pelas
dextranases, quando há necessidade de reserva energética. O mutano tem cadeia linear (a1:3) e
ramificações (a1:4 e a1:6) (Figura 16.7A), é insolúvel em água e compõe 70% dos carboidratos da placa,
sendo responsável pela adesividade e redução da permeabilidade da placa (Koo et al., 2013). A adesividade
dos microrganismos aos glucanos é mediada pela existência de enzimas Gtf associadas a células e a
proteínas adesivas do tipo não Gtf (GbpC) (Banas e Vickerman, 2003).
A frutosiltransferase quebra a sacarose, produzindo polímeros de frutose (levano), e tem a glicose
como produto secundário. O levano apresenta cadeia linear (a1:6) e ramificações (a1:4) (Figura 16.7B),
podendo ser degradado por levanases, por necessidade energética.

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Figura 16.7 Produção de polissacarídeos extracelulares (PEC) – (A) glicanos e (B) frutanos – e intracelulares
(PIC). ATP: adenosina trifosfato.

Os PECs podem ser extraídos de biofilmes dentários formados in vitro e in situ, e analisados por
acetilação e ressonância magnética nuclear (RMN), e os espectros obtidos na RMN podem ser submetidos
à análise multivariada de espectros por PCA (principal component analysis), para a determinação das
proporções de ligações glicosídicas (Aires et al., 2010). Outro método para análise dos PECs é a extração
alcalina e dosagem do extrato, utilizando o método colorimétrico fenol-sulfúrico (Leitão et al., 2012).

Tolerância ácida
Os microrganismos cariogênicos apresentam também a capacidade de manter o metabolismo do açúcar,
mesmo sob condições extremas (p. ex., pH baixo, que pode ser fator de estresse para as bactérias). Para
sobreviver, as bactérias devem desenvolver mecanismos de tolerância ácida. Estreptococos e lactobacilos
não só permanecem viáveis em pH baixos, mas crescem e metabolizam preferencialmente nessas
condições. Portanto, são considerados microrganismos acidogênicos e acidúricos, características que
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dependem: da habilidade de manter o ambiente intracelular favorável e bombear prótons, mesmo sob
condições ácidas; da existência de enzimas cujo pH ótimo é ácido; e da produção de proteínas específicas
de resposta ao estresse ácido. Matsui e Cvitkovitch (2010) dividiram o mecanismo de tolerância ácida em:
produção de moléculas de reparo e proteção do DNA e de proteínas; alteração do metabolismo, para
otimizar a captura de glicose em baixo pH; indução do metabolismo secundário, no qual os prótons
derivados do piruvato são consumidos; regulação do crescimento do biofilme e da densidade microbiana
pelo mecanismo de comunicação celular quorum sensing; e aquisição de tolerância ácida (manutenção do
pH intracelular pelo aumento das bombas de prótons e alteração da composição da membrana).

PLACA DENTÁRIA E DOENÇA PERIODONTAL

As bactérias da placa subgengival (dentro do sulco gengival) vivem em condições diferentes das
bactérias na placa supragengival (coroa). São protegidas das condições de fartura e carência impostas pela
ingestão de alimentos pelo hospedeiro. Os nutrientes são providos não pela saliva, mas pelos fluidos
gengivais. O açúcar não é tão disponível nessas regiões quanto nas regiões supragengivais. O biofilme
subgengival pode depender de aminoácidos como fonte de nitrogênio e energia. O sulco gengival é hábitat
que proporciona pouco acesso ao oxigênio, principalmente quando a placa possui várias camadas (espessa)
e, conforme a bolsa gengival aumenta, propiciando o acúmulo de bactérias anaeróbicas.
Muitas bactérias da placa subgengival têm atividade proteolítica, sendo as mais
potentes Porphyromonas gingivalis e Treponema denticola. A atividade proteolítica, combinada com as
proteases liberadas pelo tecido, cria ambiente nutricional rico em peptídios. Essa alta atividade proteolítica
é responsável pelos danos aos tecidos de suporte, que culminam com a inflamação dos tecidos moles e a
reabsorção dos tecidos duros (osso).
O fluido crevicular é rico em proteínas séricas e fatores de crescimento, o que, associado ao seu alto
pH, favorece o crescimento de bactérias como Porphyromonas e Treponema, que têm relação direta com o
aparecimento da doença periodontal. As bactérias relacionadas ao aumento da bolsa gengival e à
progressão da destruição do tecido de suporte dentário são as bactérias anaeróbicas gram-negativas
(Actinobacillus actinomycetemcomitans, Porphyromonas gingivalis, Provotella intermedia, Bacteroides
forsythus, Fusobacterium nucleatum, Campylobacter rectus, Peptostreptococcus micros, Streptococcus
intermedius, Treponema denticola, Eikenella corrodens).
Além da predominância de bactérias específicas organizadas em biofilme, o aparecimento da doença
periodontal tem forte relação com a resposta do hospedeiro frente ao biofilme (resposta exacerbada ou
falta de resposta). Indivíduos que apresentam determinadas enfermidades (diabetes, AIDS, depressão),

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problemas imunológicos, são fumantes ou usuários crônicos de certos medicamentos são mais suscetíveis
a apresentar a doença.

CÁLCULO DENTÁRIO

O cálculo dentário é formado pela precipitação de minerais na placa dentária, causando sua
calcificação. Há dois tipos de cálculo: supragengival, formado a partir da saliva, e subgengival, formado pelo
exsudato do sulco gengival. Os cálculos supragengivais são mais comuns próximo à saída de glândulas
salivares (superfície vestibular do segundo molar superior e superfície lingual dos incisivos inferiores); os
cálculos subgengivais também apresentam especificidade para sítio, mas não tão acentuada quanto os
cálculos supragengivais. O nível de cálculo subgengival é maior nas superfícies linguais que nas
vestibulares, principalmente nos molares inferiores.
As bactérias mortas servem como nucleadoras de precipitação. Os ácidos fosfolipídios na membrana
bacteriana são palavra-chave na calcificação da placa dentária, pois têm alta afinidade pelo cálcio. A
formação do cálculo depende de algumas características da placa dentária: supersaturação de íons cálcio e
fosfato; ausência de inibidores (magnésio, difosfanato, pirofosfato, zinco e proteínas salivares, como
estaterina e PRP) ou existência de promotores da calcificação (fosfatases e pirofosfatases ácidas e
alcalinas); e pH alcalino. A alta atividade proteolítica e, consequentemente, a degradação das proteínas
inibidoras da calcificação, bem como a liberação de alto teor de ureia (degradada em amônia) facilitam a
deposição de cálcio e do fosfato na placa dentária. Os sais de fosfato de cálcio são depositados na forma de
fosfato octacálcio, hidroxiapatita e fosfato tricálcio β .
Não há desmineralização dentária (cárie dentária) sob cálculo, já que este meio é supersaturado em
relação à apatita, porém o cálculo pode se formar sobre uma lesão cariosa inativa. O cálculo é fator
irritante aos tecidos periodontais. Vários inibidores de precipitação foram adicionados a dentifrícios, para
reduzir a formação de cálculo dentário e evitar problemas periodontais, dentre os quais estão a triclosana
(antimicrobiano) associada a gantrez, pirofosfatos, citrato de zinco e cloreto de zinco.
O zinco pode inibir o crescimento do cristal por meio da ligação à superfície do fosfato de cálcio sólido.
No entanto, essa ligação é reversível, sendo que o zinco pode ser trocado por cálcio. O pirofosfato pode se
ligar à superfície do cristal, inibindo a adsorção de íons fosfato e, assim, pode inibir o crescimento do
cristal. Além disso, o pirofosfato atrasa a conversão de sais de fosfato de cálcio à hidroxiapatita e reduz a
formação da película adquirida, devido à sua habilidade de deslocar ânions e macromoléculas carregadas
negativamente da superfície dentária. No entanto, o pirofosfato é rapidamente hidrolisado por fosfatases
na cavidade bucal. A adição de um copolímero pode prevenir a hidrólise do pirofosfato, aumentando a
eficácia do agente anticálculo.
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CONCLUSÃO E NOVAS PERSPECTIVAS

C onsiderando a placa dentária supragengival, deve-se evitar a acidificação do biofilme mediante


controle mecânico a partir da higienização bucal, da redução da ingestão de açúcar, da estimulação salivar
e da aplicação de agentes remineralizantes. Probióticos (p. ex., L. rhamnosus) e agentes bactericidas ou
bacteriostáticos, como clorexidina ou produtos naturais (ricos em polifenóis), têm sido testados no
controle do biofilme.
Com base no impacto da acidificação do biofilme no desenvolvimento e na progressão da cárie
dentária, é interessante utilizar técnicas mais sofisticadas, como metaboloma e metagenoma, para o
entendimento da rede metabólica da microbiota, informação mais importante que o número e os tipos de
microrganismos encontrados no biofilme. O objetivo da metaboloma é identificar a rede de metabólitos
produzidos pelo biofilme, com a combinação de cromatografia, separação eletroforética e espectrometria
de massa. Já o metagenoma pode identificar genes relacionados ao metabolismo (genes que codificam
enzimas metabólicas). Essas técnicas poderiam ser de grande valia para um melhor entendimento do
biofilme dentário e da resposta do hospedeiro e na elaboração de estratégias para sustentar condições
clínicas saudáveis.

DESMINERALIZAÇÃO - REMINERALIZAÇÃO / CÁRIE E EROSÃO DENTÁRIA

Em resumo, o esmalte é constituído basicamente por mineral (apatita, 96% em peso), com um
conteúdo orgânico remanescente bastante pequeno (4% de proteínas e água); a dentina é constituída por
mineral (70% em peso), porém tem um conteúdo orgânico considerável, principalmente na forma de
colágeno do tipo I (20% em peso), e também contém água (10% em peso). Quando ácidos entram em
contato com os dentes, eles podem provocar a remoção de mineral, processo conhecido
como desmineralização (Des). A saliva tem capacidade de fazer lavagem dos ácidos e tamponamento,
propiciando que o pH retorne aos níveis próximos à neutralidade, situação na qual pode haver reposição
dos minerais anteriormente perdidos, processo chamado remineralização (Re). Entretanto, quando os
episódios de desmineralização se sobrepõem ao processo de remineralização, duas lesões dentárias podem
se desenvolver: a cárie e o desgaste dentário erosivo, mais comumente conhecido como erosão dentária.
Sabendo que a composição do esmalte e da dentina é diferente, em relação às proporções de mineral e
matéria orgânica, é de se esperar que a progressão da cárie e da erosão dentária evolua distintamente
nesses dois tecidos.
Apesar de poder ser facilmente prevenida, a cárie dentária é a doença crônica mais prevalente em
todo o mundo, constituindo-se em um importante problema de saúde pública e consumindo recursos
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consideráveis para o tratamento de suas sequelas. Na União Europeia, em 2011, os gastos anuais com
tratamento dentário foram estimados em 79 bilhões de euros, enquanto nos EUA, este custo foi de 111
bilhões de dólares em 2012. Dados estatísticos relativos aos gastos com tratamentos dentários no Brasil
não estão facilmente disponíveis, mas em função do desenvolvimento econômico e do IDH (índice de
desenvolvimento humano) de alguns países europeus e dos EUA, pode-se especular que cifras
proporcionalmente aproximadas incidam também em nosso país. Mundialmente, cerca de 60 a 90% das
crianças e quase 100% dos adultos têm ou tiveram cárie dentária, que frequentemente leva a dor ou
desconforto. Em adição, doenças, incluindo a cárie dentária, são a principal causa da ausência de crianças
na escola. Dados de prevalência de desgaste dentário erosivo são mais difíceis de serem encontrados,
especialmente em nível nacional ou global, sem contar o fato de que os distintos sistemas de registro
dificultam a comparação entre os diferentes estudos. Os poucos dados disponíveis revelam um aumento
de prevalência, variando de 1 a 79% em dentes decíduos de crianças de 2 a 5 anos, 14% nos dentes
permanentes de crianças de 5 a 9 anos, de 7 a 100% em adolescentes de 9 a 20 anos e de 4 a 100% em
adultos (18 a 88 anos). Uma revisão sistemática recente estimou a prevalência de desgaste dentário
erosivo em dentes permanentes de crianças e adolescentes em 30,4%. Deve ser considerado que o
desgaste dentário erosivo é progressivo e, se não forem instauradas medidas preventivas apropriadas em
tempo, a prevalência e a severidade tendem a aumentar com a idade (Jaeggi e Lussi, 2014). Sendo as
prevalências de cárie e desgaste dentário erosivo elevadas e suas sequelas indesejáveis, a prevenção é
altamente necessária e, para sua execução, é fundamental compreender os mecanismos envolvidos nas
reações de desmineralização e remineralização dentária.
Em linhas gerais, a principal diferença na etiologia da cárie e da erosão se deve ao fato de os ácidos
envolvidos na cárie serem produzidos por microrganismos estabelecidos em um biofilme cariogênico,
enquanto os ácidos envolvidos nas lesões erosivas provêm da dieta (extrínsecos) (Barbour e Lussi, 2014) ou
do conteúdo gástrico do hospedeiro (intrínsecos). Também o pH dos ácidos envolvidos na etiologia destas
lesões é diferente. No caso da cárie, quando o hospedeiro tem uma dieta rica em açúcares, os
microrganismos produzem ácidos, reduzindo o pH do biofilme abaixo do crítico (pH 5,5) para hidroxiapatita
(HAP), mas ficando acima do crítico para a fluorapatita (FAP; pH 4,5), o que acaba gerando uma
desmineralização de subsuperfície, caracterizada clinicamente como mancha branca (lesão não cavitada).
Durante este estágio, ainda é possível reverter o processo, evitando a cavitação e, consequentemente, a
necessidade de restauração. Já no caso da erosão, embora não exista um pH crítico característico fixo,
como no caso da cárie, o “pH crítico” corresponde a um valor de pH no qual a solução erosiva é
exatamente saturada em relação a um sólido específico, como, por exemplo, o esmalte. Isto depende tanto
da solubilidade do sólido de interesse quanto das atividades dos constituintes minerais relevantes da
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solução (cálcio, fosfato e fluoreto, em menor extensão). Na erosão existe subsaturação tanto em relação à
HAP quanto em relação à FAP, pois o pH dos agentes causadores é menor que 4,5, ocasionando
inicialmente um amolecimento da superfície dentária, seguido por dissolução contínua de camada por
camada dos cristais do esmalte, culminando em uma perda permanente de volume, com uma camada
amolecida na superfície do tecido remanescente. Nos estágios mais avançados, a dentina acaba sendo
exposta. Com a exposição dentinária, tanto a progressão da cárie quanto da erosão sofre mudança
expressiva em decorrência da composição do tecido dentinário.
Neste capítulo serão abordados os mecanismos que levam à desmineralização e à remineralização dos
tecidos dentários, fornecendo subsídios para que possa ser feito um adequado controle da cárie e da
erosão dentária.

DINÂMICA MINERAL

Os cristais minerais no esmalte e na dentina são similares à HAP, Ca 10(PO4)6(OH)2. Os cristais de HAP
têm um formato hexagonal, com os íons cálcio ocupando os vértices dos hexágonos e o interior dos
cristais, enquanto os fosfatos ocupam as laterais dos hexágonos. As hidroxilas ocupam o centro dos
hexágonos (Figura 17.1). Na verdade, os cristais de apatita dentária apresentam impurezas, sendo, por isso,
conhecidos como bioapatitas, nas quais pode haver trocas de íons. Os íons Ca +2 podem ser substituídos por
outros cátions, como Mg+2, Na+ ou Sr+2, enquanto os íons (PO4)–3 podem ser substituídos por ânions, como
(CO3)–2, (HCO3)– ou (HPO4)–2. Já os íons OH– podem ser substituídos por (HCO3)–, Cl– ou F–. Com essas
substituições, haverá alteração na cristalinidade e na solubilidade. A incorporação de Mg +2 e de (CO3)–
2
enfraquece o cristal. Já a incorporação de F –, formando a FAP, deixa o cristal mais resistente, porque o
raio do F– é menor que o da OH–. Com isso, há uma aproximação dos íons Ca+2, tornando o cristal mais
coeso, além de haver redução da energia de superfície, estabilizando a estrutura do cristal. Os cristais de
apatita do esmalte são finos (cerca de 50 nm) e longos (cerca de 100 μm), e estão altamente empacotados,
constituindo os prismas de esmalte. O espaço entre os cristais é ocupado por água (cerca de 11% em
volume) e material orgânico (2% em volume). Por conta do alto conteúdo de HAP no esmalte, suas
propriedades são similares às da HAP pura (densidade = 2,95 g/cm 3, dureza Knoop em torno de 370 KHN e
ausência de cor; a coloração amarelada do dente reflete, na verdade, a cor da dentina subjacente). Apesar
de os cristais de apatita serem incolores, o esmalte é translúcido por conta da diferença no índice de
refração da HAP (1,62) e da água que circunda os cristais (1,33)

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Figura 17.1 Cristais de hidroxiapatita.

A estrutura dentária permanece íntegra na cavidade bucal em função do equilíbrio mineral, que é
definido como a capacidade de os minerais (apatita) manterem sua estrutura inalterada em função do
ambiente que os circunda. No esmalte, os minerais em equilíbrio são mantidos na forma de cristais
organizados e na dentina são mantidos estabilizados pela matriz orgânica (colágeno). Resumidamente,
equilíbrio é a manutenção do esmalte e da dentina íntegros em função das fases fluidas que os circundam
(saliva, fluido do biofilme e fluido do esmalte). Este processo é determinado por dois fenômenos que
devem estar balanceados para que não haja perda relevante de minerais para o meio nem ganho excessivo
de minerais no tecido.
A desmineralização é conhecida como a dissolução dos cristais de apatita, que pode resultar, ao longo
do tempo, no desenvolvimento de uma lesão superficial (lesão de erosão) ou subsuperficial incipiente
(lesão de cárie inicial). Já a remineralização é o processo no qual ocorre a restauração dos cristais de
apatita parcialmente perdidos (no caso da cárie dentária apenas), em função da difusão e da precipitação
de cálcio e de fosfato provenientes do meio. Este equilíbrio só é alterado quando o meio (saliva ou fase
fluida do biofilme) se torna subsaturado ou supersaturado em relação aos íons que compõem a apatita (Ca
e P), sendo este grau de saturação dependente do pH.
A fim de facilitar o entendimento da dinâmica dos processos de desmineralização e remineralização,
convém recordar conceitos básicos envolvendo saturação. A água tem grande habilidade para dissolver
cristais inorgânicos. De maneira simplista, se adicionarmos, por exemplo, uma colher de sal de cozinha
(NaCl) a um copo de água e agitarmos, observaremos que todo o sal se dissolve. Adicionando-se mais uma
colher de sal sob agitação, ainda assim o sal se dissolve na solução. Porém, quando adicionamos uma
terceira colher de sal, perceberemos que ocorrerá uma precipitação do sal no fundo do copo. Após as duas

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primeiras colheres de sal adicionadas, a solução ainda estava subsaturada em relação ao NaCl e, por isso,
houve dissolução do sal. Porém, quando foi adicionada a terceira colher de sal, a solução tornou-se
supersaturada, levando à precipitação (Figura 17.2). Se o pH da água fosse reduzido, seria necessário
adicionar ainda mais colheres de sal antes que acontecesse a precipitação. Portanto, o grau de saturação
depende do pH da solução. Na cavidade bucal acontece algo bastante semelhante. O sal, no caso, é a
hidroxiapatita, e a água é representada pela saliva e pelo fluido do biofilme dentário. Se a fase fluida (fluido
do biofilme ou saliva) se apresentar subsaturada em relação ao cálcio, ao fosfato e à hidroxila que
compõem a apatita, a tendência é que ocorra perda de mineral do dente para o meio (desmineralização),
na tentativa de devolver o equilíbrio. O oposto também é verdadeiro, quando o meio está supersaturado
em relação ao cálcio, ao fosfato e à hidroxila, a reação é no sentido inverso (remineralização). No entanto,
essas situações (des e remineralização) dificilmente ocorrem na boca em condições fisiológicas (pH neutro),
uma vez que tanto a saliva quanto o biofilme são supersaturados em relação à HAP e apresentam
inibidores da precipitação de minerais, mantendo o equilíbrio. Assim, existe um equilíbrio químico entre o
esmalte e a fase aquosa que o circunda (Aoba, 2004).
Para melhor entendimento desse processo, é necessário definir dois conceitos básicos: produto de
atividade iônica com relação à hidroxiapatita (PAIHAP) e produto de solubilidade da hidroxiapatita (KSPHAP).
A determinação do grau de saturação de uma solução em relação à HAP depende do princípio do
produto de solubilidade. Esta teoria é derivada da Lei da Ação das Massas, que afirma que a velocidade de
uma reação é proporcional ao produto das massas das substâncias reagentes, cada uma elevada à potência
do número de moléculas que participam. Por convenção, quando uma unidade de massa de hidroxiapatita
se dissolve, 5 íons cálcio, 3 íons fosfato trivalentes e um íon hidroxila são liberados em solução (Equação 1):
Ca5(PO4)3OH ↔ 5Ca+2 + 3PO4–3 + OH– (1)
Então, o PAIHAP é determinado multiplicando-se a concentração do íon cálcio (ou melhor, sua
atividade química) elevado à 5a potência pela concentração de fosfato trivalente elevado à 3a potência pela
concentração de hidroxila, todos em mol/ℓ (Equação 2):
PAIHAP = (Ca+2)5 3 (PO4–3)3 3 OH– (2)
Em soluções muito diluídas, a atividade de um íon é similar à sua concentração, mas à medida em
que a concentração de sais solúveis aumenta, a atividade se torna significativamente menor que a
concentração, devido às interações iônicas. Assim, para o cálculo do PAI HAP, consideram-se apenas as
concentrações dos íons Ca2+, PO4–3 e OH– livres ativos na fase líquida que circunda o esmalte.
Quando uma solução contendo HAP está saturada e o mineral está em equilíbrio com os íons em
solução, o PAIHAP é igual ao KSPHAP (uma constante que tem um valor de 7,41 3 10 –60 mol9/ℓ9 a 37°C)
(Fejerskov e Kidd, 2008). Então, no equilíbrio (Equação 3):
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PAIHAP = KSPHAP = (Ca+2)5 3 (PO4–3)3 3 OH– = 7,41 3 10–60 mol9/ℓ9 (3)
Em uma linguagem bastante simples, pode-se dizer que o PAI HAP depende da concentração de íons
Ca+2, PO4–3 e OH– livres ativos na fase líquida que circunda o esmalte (quanto existe de íons livres para
formar HAP), enquanto o KSPHAP é uma constante previamente definida (quanto precisa de íons livres para
formar HAP), que muda em função do pH. Assim, toda vez que o PAI HAP for maior que o KSPHAP, isto significa
que há mais íons livres no meio do que é necessário para formar HAP, havendo, portanto, a
remineralização (supersaturação). Em uma situação inversa, na qual o PAI HAP é menor que KSPHAP, há menos
íons livres no meio do que é necessário para formar HAP, havendo, portanto a desmineralização
(subsaturação).
O produto de atividade é relativamente constante na fase fluida, já que o seu maior determinante é a
concentração salivar de Ca+2 e PO4–3, ditada pela atividade das glândulas salivares. Já o produto de
solubilidade é variável, sendo determinado em função do pH do ambiente e do tipo de apatita (pura,
carbonatada ou fluoretada). O produto de solubilidade aumenta em função da queda do pH, ou seja,
quanto mais baixo for o pH, maiores serão as concentrações de cálcio e de fosfato requeridas para formar
apatita (Figura 17.4).
Em um pH em torno de 5,5, pode-se observar que a concentração de Ca 2+ existente na fase fluida
(atividade) é exatamente igual à concentração requerida para formar apatita no esmalte (solubilidade).
Este pH é definido como pH crítico, no qual o meio é exatamente saturado em relação à HAP, ocorrendo
equilíbrio químico. Nos valores de pH acima do crítico, a concentração de Ca +2 existente na fase fluida
(atividade) é superior à requerida para formar apatita no esmalte (solubilidade). Nesta situação
existe supersaturação, ocorrendo a remineralização (formação de HAP) (Figura 17.4) ou ainda formação de
cálculo dentário. A formação de cálculo é dependente da saturação de minerais na saliva e no fluido do
biofilme, assim como da presença de componentes de semeadura no biofilme e da ausência de inibidores
de precipitação.

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Figura 17.4 Efeito do pH no produto de solubilidade da hidroxiapatita (KSPHAP), expresso em termos da
concentração de Ca+2 (Buzalaf, 2013). O produto de atividade iônica (PAIHAP) é relativamente constante
(cerca de 2 mmol/ℓ; linha verde), já que é determinado pela atividade das glândulas salivares. Já o KSPHAP,
expresso em função da concentração de Ca2+ (curva descendente em vermelho e amarelo) é maior quanto
menor for o pH. Assim, em pH < 5,5, PAIHAP < KSPHAP, ou seja, há menos Ca+2 disponível no meio do que é
necessário para formar hidroxiapatita (subsaturação), ocorrendo desmineralização. Já no pH > 5,5, PAI HAP >
KSPHAP, ou seja, há mais Ca+2 disponível no meio do que é necessário para formar hidroxiapatita
(supersaturação), ocorrendo remineralização. O pH no qual a saliva é exatamente saturada em relação à
hidroxiapatita é chamado de pH crítico (5,5), situação em que há equilíbrio mineral.

Por outro lado, em pH mais baixos, como, por exemplo, pH 4,5, seria necessário em torno de 7,5 mM
Ca+2 na fase fluida para formar HAP, concentração muito maior que a existente na saliva (em torno de 2
mM). Nesta situação, existe subsaturação, ocorrendo a desmineralização (dissolução da HAP). No pH entre
4 e 7, a solubilidade da apatita fica 10 vezes maior quando o pH é reduzido em 1 unidade.
Em resumo, em valores de pH menor que 5,5 há uma tendência para desmineralização no esmalte,
havendo dissolução de HAP; e em valores acima de 5,5 há uma tendência para ocorrência de
remineralização no esmalte (formação de HAP). Diferentemente da HAP, o pH crítico da fluorapatita (FAP)
é mais baixo (em torno de 4,5), o que confere a esse cristal maior resistência à dissolução.

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No caso da cárie dentária, quando as bactérias da cavidade bucal produzem ácidos (ácido lático,
especialmente), geralmente o pH se mantém entre 4,5 e 5,5 (Figura 17.5). Nessa situação, diferentemente
do que ocorre para a HAP, existe supersaturação para a FAP, cujo pH crítico é de 4,5 em consequência do
seu menor produto de solubilidade quando comparada à HAP. Portanto, em uma situação de pH 5 (na
presença do ácido lático), haverá a dissolução da HAP (Figura 17.5) e a deposição de FAP. Como a FAP é
depositada principalmente na região superficial, em um desafio subsequente vai haver a desmineralização
da HAP localizada na subsuperfície e formação de mais FAP na superfície. Ao longo do tempo, após
sucessivas reações de des- e remineralização, havendo predomínio da desmineralização, as alterações do
esmalte ficarão visíveis clinicamente com o aparecimento da mancha branca, o primeiro sinal da cárie
dentária (Figura 17.6). Essa lesão é caracterizada microscopicamente como subsuperficial, em que há perda
de HAP na subsuperfície e deposição de FAP na superfície. Vários outros fatores contribuem para a
manutenção da camada superficial intacta na lesão inicial de cárie: maior conteúdo mineral, vias de difusão
mais estreitas, orientação diferente dos cristais e menor conteúdo de CO3–2 e Mg+2 na região superficial.
No caso da cárie dentária, o fator que irá determinar a queda do pH é a cariogenicidade do biofilme
dentário. Entre as bactérias que compõem o biofilme dentário, têm-se os estreptococos do grupo mutans e
os lactobacilos, que são altamente acidogênicos, sendo capazes de metabolizar açúcares e produzir ácidos
(no caso, ácido lático), mesmo em condições críticas do ambiente. Isto causa uma queda de pH em torno
de 5, sendo capaz de alterar o equilíbrio mineral, se o ambiente circundante não conseguir equilibrar este
pH rapidamente. Dependendo da frequência com que esses ácidos são produzidos pelas bactérias, o
processo de desmineralização pode predominar em relação à remineralização, levando, ao longo do
tempo, à formação da lesão cariosa.

Figura 17.5 Curva de Stephan, mostrando a queda do pH no biofilme, ao longo do tempo, após consumo de
açúcar e produção de ácidos pelas bactérias do biofilme. O pH diminui rapidamente após o consumo de
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açúcares, mantendo-se entre 4,5 e 5. Nesta situação, há subsaturação em relação à hidroxiapatita, que irá
se dissolver da subsuperfície do esmalte (desmineralização; DES), mas ao mesmo tempo há supersaturação
em relação à fluorapatita, que irá se depositar na superfície do esmalte. O pH do biofilme vai sendo
lentamente restabelecido, por conta da ação salivar, e quando alcançar novamente índice superior a 5,5,
vai ocorrer remineralização (RE).

Quando os ácidos bacterianos se dissociam em água, eles liberam íons hidrogênio (quanto mais íons
hidrogênio liberados, menor o pH), os quais, por sua vez, combinam-se com os íons carbonato e/ou fosfato
presentes no meio (sistema tampão da saliva e do biofilme). Com o efeito acumulativo dessas quedas de
pH, o meio perde a sua capacidade de tamponamento, tornando-se insaturado em relação ao fosfato e ao
carbonato. Desse modo, os íons hidrogênio passam a interagir com o carbonato e o fosfato presentes no
tecido dentário, mas para isso há uma quebra da HAP, resultando em desmineralização da área de contato
(Equação 4).
Ca10-x Nax(PO4)6-Y(CO3)Z(OH)2-UFU + 3H+ → (10-x)Ca+2 + 3 Na+ + (6-y)(HPO4–2) + z(HCO3–) + H2O + uF– (4)
Para que a cárie ocorra no esmalte, o biofilme dentário deverá apresentar frequentemente um pH
inferior a 5,5 ou estar insaturado em relação aos íons da apatita. Isto pode ser extrapolado para a dentina?
Por conter mais carbonato em sua estrutura e os cristais serem menores que os do esmalte, o pH crítico
deste tecido é um pouco mais alto (em torno de 6,2), o que faz com que a dentina se desmineralize mais
facilmente quando ocorrem pequenas oscilações de pH. Durante a desmineralização, o conteúdo mineral
da dentina é primeiramente dissolvido, expondo o colágeno. Enquanto o colágeno estiver presente, ele
servirá como barreira de difusão ao ácido, diminuindo a velocidade da desmineralização. Entretanto, o
baixo pH também provoca ativação de metaloproteinases da matriz, que irão degradar a matriz orgânica
desmineralizada, permitindo que, nos próximos desafios cariogênicos, ocorra mais desmineralização e, por
esse motivo, a lesão progrida. Na lesão de dentina radicular, há invasão microbiana pela presença de um
arcabouço de colágeno, o que não acontece com o esmalte. Adicionalmente, além das fases acidogênicas e
acidúricas, há também a fase proteolítica, em que bactérias, como Prevotella intermedia, Prevotella
denticola e Propionibacteria acnes, são capazes de degradar proteínas já desnaturadas pela alteração de
pH e atuação das proteases do hospedeiro, colaborando com o avanço da lesão.
Quando a lesão chega próximo à dentina, a principal reação de defesa do complexo dentinopulpar é a
formação de minerais dentro dos túbulos. Este fenômeno é denominado esclerose dentinária. Conforme a
lesão cariosa progride dentro da dentina, também se forma a dentina reacionária no teto da câmara
pulpar. Com a progressão da lesão de cárie em dentina, as bactérias penetram nos túbulos, destroem os
processos odontoblásticos, cessando a produção de dentina esclerótica, o que pode levar, a curto prazo, à
inflamação pulpar exacerbada, e a consequente necrose pulpar, devido à liberação de metabólitos
bacterianos que estimulam a resposta do hospedeiro.
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O biofilme dentário sempre estará presente e metabolicamente ativo e flutuações de pH ocorrerão
rotineiramente. Dessa maneira, parece que a desmineralização sempre ocorrerá como um fenômeno
natural. É como se ela não pudesse ser prevenida, mas sim controlada, por meio da remineralização
subsequente. Vários fatores podem interferir neste processo, como dieta, espessura do biofilme e
presença de fluoreto, mostrando o quanto o processo é complexo. Como o fluoreto pode interferir? Como
explicado anteriormente, o pH crítico para a FAP é de 4,5, isto é, para que a mesma se dissolva, a queda do
pH tem que ser maior do que para HAP ou apatita carbonatada. A presença constante de fluoreto em
baixas concentrações reduz a desmineralização e aumenta a remineralização.
Por outro lado, no caso da erosão dentária, o pH diminui para valores muito baixos, por exemplo,
quando há ingestão de bebidas ácidas (pH 2,5 a 3,5) ou ainda retorno do conteúdo gástrico para a cavidade
bucal (pH 1,5 a 2), haverá subsaturação tanto com relação à HAP quanto com relação à FAP, fazendo com
que ambas as fases minerais sejam perdidas da superfície dentária e que uma fina camada subjacente a ela
torne-se amolecida.
A erosão dentária é uma condição multifatorial envolvendo fatores químicos relacionados ao agente
erosivo (como pH, tipo de ácido, concentração e grau de saturação), fatores biológicos relacionados ao
indivíduo (fluxo salivar, qualidade da película adquirida e do dente) e fatores comportamentais (hábitos
dietéticos, indução de vômitos). Para prevenção da erosão é essencial trabalhar com esses fatores. De
acordo com revisões sistemáticas, a bulimia aumenta o risco de erosão em 19,6 vezes. Já alguns hábitos
alimentares, como o consumo frequente de refrigerantes e de balas ácidas, podem aumentar em 1,61 vez
e 2,24 vezes, respectivamente, o risco à erosão dentária.
O processo induzido por essas fontes de ácido é chamado de desmineralização próxima à superfície,
característico da erosão dentária. Havendo novos desafios erosivos, ocorrerá dissolução camada por
camada dos cristais do esmalte, levando à perda permanente de um volume de tecido dentário, mas
sempre havendo uma camada amolecida no tecido remanescente. Essa camada amolecida é suscetível a
desafios abrasivos e, por conta disso, tem sido recomendado postergar a escovação por 30 a 60 minutos
após um desafio erosivo, a fim de que haja tempo hábil para a saliva promover um certo reendurecimento
dessa superfície amolecida, antes de a mesma ser submetida à abrasão pela escovação. Recentemente
essa recomendação tem sido questionada em virtude dos resultados de um estudo epidemiológico, que
não encontrou associação entre o grau de desgaste e o período de espera para escovar os dentes após o
café da manhã. Assim, não há um período de espera para escovação após um desafio erosivo que possa ser
generalizado para todos os indivíduos. Para indivíduos de alto risco à erosão, entretanto, até que se
tenham mais evidências, recomenda-se esperar cerca de 30 a 60 minutos para escovar os dentes após um
desafio erosivo. Nos estágios mais avançados da erosão dentária, a dentina acaba sendo exposta. Com a
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exposição dentinária, os desafios erosivos subsequentes, à semelhança do que acontece na cárie, irão
dissolver os minerais e ao mesmo tempo expor a camada orgânica desmineralizada à ação de proteases do
hospedeiro. Sabendo-se que a camada orgânica desmineralizada, quando preservada, reduz a progressão
da erosão dentinária, por atuar como uma barreira para a difusão dos ácidos, uma estratégia que vem
sendo proposta para controlar a progressão da erosão na dentina é o emprego de inibidores de proteases,
como a clorexidina e o galato de epigalocatequina (EGCG). Esses agentes têm mostrado bons resultados na
redução da erosão dentinária, especialmente quando empregados na forma de géis de aplicação tópica.
No caso da erosão dentária, o fluoreto presente na cavidade bucal não é capaz de reduzir a
desmineralização e acelerar a remineralização como ocorre na cárie dentária. Nesse caso, a sua
precipitação sobre a superfície dentária somente a protegerá mecanicamente em relação ao ácido, sendo
perdida durante o desafio erosivo e necessitando de reaplicações frequentes.

CARACTERÍSTICAS MICROSCÓPICAS E CLÍNICAS DAS LESÕES CARIOSA E EROSIVA

Quando ocorre a desmineralização do esmalte, há destruição superficial leve, alargando os espaços


intercristalinos. Conforme a porosidade aumenta, mais ácido penetra no esmalte, resultando na saída de
mais cálcio e fosfato do dente e destruição do centro dos prismas, local onde há maior concentração de
magnésio e bicarbonato, que são mais solúveis, chegando à destruição do esmalte interprismático (Frank,
1990). Esses minerais que saem da camada mais interna do tecido se depositam na superfície,
favorecendo, dessa maneira, a remineralização dos 20 a 50 μm externos da superfície, especialmente na
presença do fluoreto. Portanto, a lesão progride muito mais interna do que externamente. Além da
supersaturação superficial, proteínas salivares ricas em prolina e outros inibidores salivares, como a
estaterina, também parecem ter um papel protetor na desmineralização. Estes inibidores, particularmente
prevalentes na película, têm uma função dupla: previnem a precipitação espontânea e seletiva de fosfato
de cálcio ou o crescimento de cristais desses sais diretamente sobre a superfície do esmalte
(remineralização), além de também tenderem a inibir a desmineralização. Estas proteínas são
macromoléculas e, por isso, não conseguem penetrar em profundidade no esmalte, apresentando um
papel estabilizador limitado à superfície do esmalte. Essa perda mineral subsuperficial culmina
clinicamente com o aparecimento da mancha branca.
A mancha branca, microscopicamente em um corte longitudinal, apresenta quatro zonas: a camada
superficial intacta, rica em fluoreto e proteínas insolúveis, com um volume de poros menor que 1%
(profundidade de 20 a 50 μm); corpo da lesão, onde há maior perda mineral com volume de poros maior
que 5% (30 a 110 μm); zona escura, que recebe este nome, pois se apresenta escurecida quando
examinada em luz transmitida com embebição em quinolina e contém 2 a 4% de volume de poros, alguns
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maiores e outros menores (microporos), formada em consequência de múltiplos processos de dese
remineralização; zona translúcida, mais interna, com poucos poros grandes e conteúdo reduzido de
carbonato e magnésio em função da remineralização.
A mancha branca reflete um aumento da porosidade do esmalte, que aparece clinicamente devido a
mudanças nas propriedades ópticas do tecido. A HAP tem um índice de refração (IR) de 1,62; já o ar e a
água apresentam um IR de 1 e 1,33, respectivamente. Com o aumento da porosidade, há entrada de ar no
tecido, que preenche os poros, dando o aspecto esbranquiçado após a secagem da superfície. Nestas
situações, provavelmente a lesão está mais superficial. Se a mancha branca for visível em ambiente úmido,
reflete maior desmineralização em profundidade (maior quantidade de poros), já que a diferença entre o IR
da água e da HAP não é tão grande quanto a do IR da HAP em relação ao ar. Nessas situações, a
desmineralização geralmente já chegou até a dentina.
Outro aspecto clínico importante é que a diminuição da translucidez do esmalte (opacidade) reflete
que a mancha branca está ativa e que se nenhum tratamento for realizado, há grande chance de haver a
cavitação. Dentre os tratamentos, tem-se a aplicação tópica de fluoreto. Com a paralisação na progressão
da lesão, há remineralização, com diminuição da porosidade na superfície, e ela tende a se apresentar mais
brilhante. Em alguns casos, com a cronificação, a lesão pode se tornar escurecida pela irregularidade
superficial que favorece a pigmentação por agentes extrínsecos.
Nas lesões de cárie no estágio de mancha branca, na presença de fluoreto em um ambiente bucal com
pH acima de 4,5, há deposição de FAP na camada superficial, pois o meio se encontra saturado em relação
a este mineral. A FAP formada apresenta uma estrutura mais cristalina, o que torna a superfície mais
resistente e diminui a saída de íons da camada mais interna para o meio, assim como possibilita
remineralização mais superficial que profunda. Portanto, no estágio inicial a lesão cariosa é reversível. A
reversibilidade da lesão inicial de cárie do tipo mancha branca já é conhecida de longa data. Em 1966, em
um trabalho bastante clássico, Backer Dirks examinou 184 superfícies vestibulares de primeiros molares
permanentes superiores quando crianças tinham 8 anos, dividindo-as em 3 categorias: superfícies sadias,
com lesão de mancha branca ou com cavitação. Nesse primeiro exame, 93 superfícies se apresentavam
sadias, 72 com lesões de mancha branca e 19 com cavitação. Quando as mesmas superfícies foram
novamente examinadas após 7 anos, sem ter sido feito nenhum tipo de tratamento, das 72 superfícies que
anteriormente apresentavam manchas brancas, 37 tinham se tornado sadias. Para o entendimento desses
resultados, deve ser lembrado que, aos 8 anos, os molares não se encontram totalmente irrompidos, o que
implica que a coroa clínica dos mesmos aumentou no período entre 8 e 15 anos. Isso significa que a região
da mancha branca pode ter deixado de estar recoberta pelo biofilme ao longo do tempo, e por conta disso
foi possível a reversão espontânea da lesão. De fato, o fluoreto é um grande aliado no controle da lesão de
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cárie, entretanto, para que haja a reversão da lesão in vivo, é fundamental haver remoção mecânica do
biofilme cariogênico.
A cárie em dentina envolve invasão microbiana, desmineralização e degradação do conteúdo
orgânico, assim como resposta do tecido pulpar. Na coroa, a dentina somente é atingida com a cavitação
do esmalte, podendo se apresentar amolecida e bem amarelada (típico de lesão ativa) ou mais escurecida
e endurecida (típico de lesões crônicas). As lesões cariosas em dentina radicular têm uma particularidade,
pois são mais largas que profundas e a progressão é mais lenta, o que se deve à maior facilidade de limpeza
em comparação à lesão em coroa e ao efeito tamponante do fluido gengival.
A erosão, por outro lado, apresenta-se como desgaste dentário, como se o dente tivesse sido
desgastado por brocas ou discos. O desgaste dentário pode ser ocasionado não somente pela erosão, mas
também pelos processos de abrasão (contato de agente externo com o dente como escovação, hábitos de
palitar os dentes ou roer as unhas. No caso da escovação vigorosa, este tipo de desgaste aparece na região
cervical como linhas de desgaste associado à recessão gengival), atrição (contato dente-dente devido a
apertamento ou bruxismo, induzindo ao desgaste em áreas de contato oclusal; ou abfração (lesões em
forma de cunha na superfície vestibular de pré-molares e molares por contato oclusal patológico. Estes
processos em geral estão associados à etiologia do desgaste dentário.
As lesões erosivas são mais amplas que profundas, sendo que nas superfícies lisas, há proteção do
halo próximo à gengiva pelo fluido gengival; já nas superfícies oclusais os desgastes se assemelham ao
formato de pires, envolvendo algumas regiões que podem se coalescer, as restaurações quando presentes
se tornam proeminentes, pois não são afetadas pelo processo erosivo (formando ilhas de metal; Em geral,
a superfície se apresenta brilhante pela remoção da camada superficial mais amolecida, assim como a
dentina apresenta-se endurecida diferentemente da dentina afetada pelo processo carioso. A atividade da
lesão pode ser estimada pela idade do paciente, presença ou não de pigmentação e de sensibilidade.

CONCLUSÃO

Embora tanto as lesões de cárie e de erosão sejam causadas por ácidos, as características dos ácidos
envolvidos, bem como as condições de formação dessas lesões, são bastante distintas. Essas diferenças
têm um papel preponderante nas características clínicas e microscópicas dessas lesões. Um conhecimento
aprofundado sobre o mecanismo das reações de desmineralização e remineralização é fundamental para
que as mesmas possam ser apropriadamente controladas.

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