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Francine Ramos – Biomedicina 2016

RESUMO TERCEIRA PROVA DE BIOQUÍMICA – BIOMEDICINA (UFCSPA)


CARBOIDRATOS

Os carboidratos, também chamados de glicídeos, açúcares ou sacarídeos, são as moléculas orgânicas mais abundantes na
natureza. Estão amplamente distribuídos nos animais e vegetais, possuindo diversas funções estruturais e metabólicas
(provém uma parte significativa da energia na dieta da maioria dos organismos, atuam como forma de armazenamento de
energia, servem como componentes das membranas celulares onde possuem função sinalizadora da comunicação celular,
atuam como componentes estruturais de muitos organismos como, por exemplo, a parede celular das bactérias, o
exoesqueleto dos insetos e fibras de celulose das plantas). A fórmula empírica da maioria dos carboidratos simples é (CH2O)n
e a fórmula geral (CnH2nOn) daí o nome “hidratos de carbono”.
Importância biomédica → O conhecimento da estrutura e das propriedades dos glicídeos de importância fisiológica é
essencial para o entendimento de seu papel no funcionamento do organismo dos mamíferos. Segue exemplo do glicídeo com
maior importância biomédica:
● Glicose → monossacarídeo natural mais importante. Atua na formação de outros glicídeos e de glicídeos com
função específica, principal glicídeo da dieta, principal fonte de energia do organismo.
Doenças associadas ao metabolismo dos glicídeos → diabetes, intolerância à lactose, galactosemia, glicogenoses.
Conhecer a estrutura e o metabolismo dos glicídeos facilita o entendimento das doenças e os tratamentos.

Aula 1: Classificação e estrutura dos carboidratos


Os açúcares simples, chamados de monossacarídeos, são classificados de acordo com o número de átomos de
carbonos que contém (geralmente entre 3 e 7).

Nomes genéricos Exemplos


3 carbonos: trioses gliceraldeído
4 carbonos: tetroses eritrose
5 carbonos: pentoses ribose
6 carbonos: hexoses glicose
7 carbonos: heptoses sedoheptulose
9 carbonos: nonoses ácido neuramínico

Carboidratos com um grupo aldeído como o grupo funcional mais oxidado são chamados de aldoses, enquanto
aqueles com grupo acetona mais oxidado são chamados de cetoses. Exemplo: o gliceraldeído é uma aldose, enquanto a
dihidroxiacetona é uma cetose.

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Carboidratos que possuem um grupo carbonila livre terminam com o sufixo –OSE. (Nota: cetoses, com
algumas exceções, como a frutose, têm duas letras adicionais no sufixo como –ULOSE, exemplo: xilulose).
Os monossacarídeos podem ser ligados por ligações glicosídicas para formação de estruturas maiores →
dissacarídeos contém duas unidades de monossacarídeos, oligossacarídeos contém de 3 a 12 unidades de monossacarídeos,
enquanto polissacarídeos contém mais do que 12 até centenas de unidades de monossacarídeos.
Características dos carboidratos → são incolores, sólidos, cristalinos, solúveis em água e possuem sabor doce.

Isomeria óptica: isômeros e epímeros

Relembrando → compostos que possuem a mesma fórmula química, mas possuem estruturas diferentes são
chamados de isômeros. Carbono quiral é assimétrico → 4 ligantes diferentes.

Os monossacarídeos possuem isomeria óptica. Por exemplo → frutose, glicose, manose e galactose são todos
isômeros uns dos outros, pois todos possuem a mesma fórmula C6H12O6. Se dois monossacarídeos diferem na configuração de
apenas um átomo específico de carbono eles são definidos como epímeros um do outro e continuam sendo isômeros. Por
exemplo, a glicose e a galactose são epímeros no carbono 4, pois é somente nesse carbono que a posição do grupo –OH
difere. Já a glicose e a manose são epímeros no carbono 2, no entanto, galactose e manose não são considerados epímeros, já
que a posição do grupo –OH varia em dois carbonos, 2 e 4, sendo considerados somente como isômeros. (Nota: nos
carboidratos, os açúcares são contados começando na parte que contém o carbono pertencente ao grupo carbonila, grupo
aldeído ou cetona).

Enântiomeros: séries D e L

Um tipo especial de isomerismo é encontrado em pares de estruturas que são


“espelhadas” (imagens sobrepostas). Estas moléculas são chamadas de
enântiomeros e as moléculas são denominadas D ou L com base na configuração
dos grupos –H e –OH em torno do carbono assimétrico na molécula do
gliceraldeído. Quando o grupo –OH está à direita do carbono assimétrico, o
açúcar é da série D e quanto está à esquerda é da série L. A maioria dos
monossacarídeos nos mamíferos é da série D e as enzimas envolvidas no seu
metabolismo reconhecem essa configuração.
Glicídeos com mais de um carbono quiral → as formas D e L são baseadas na configuração em torno do carbono assimétrico
mais distante do grupo carbonila.

Ciclização de monossacarídeos

Os monossacarídeos tendem a formar estruturas cíclicas em


solução e estas são mais estáveis. O grupo aldeído ou cetona
está reagindo com um grupo álcool no mesmo açúcar para
formação de um hemiacetal ou um hemicetal. Menos de um
por cento dos monossacarídeos com cinco ou mais carbonos
existem na forma acíclica.
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Carbono anomérico → formação das formas cíclicas resulta na criação de um carbono anomérico ou anômero (carbono que
antes fazia parte da carbonila agora é quiral) no carbono 1 das aldoses e no carbono 2 das cetoses. Essas estruturas são
designadas como configurações α ou β dos açúcares, por exemplo, α-D-glicopiranose e β-D-glicopiranose. Esses dois
glicídeos são moléculas de glicose, mas são anômeros um do outro.
(Na configuração α, OH do carbono anômero fica “para baixo” e na configuração β fica “para cima” do lado do O).

Uma vez que ambas as configurações são imagens


especulares, são consideradas diasteroisômeros. As
enzimas são capazes de reconhecer as configurações
e utilizar uma delas preferencialmente. Por exemplo:
o glicogênio é sintetizado a partir da
α-D-glicopiranose, enquanto a celulose é sintetizada
a partir da β-D-glicopiranose. Os anômeros cíclicos α
e β de um glicídeo em solução estão em equilíbrio e
podem ser espontaneamente interconvertidos em um
processo chamado de mutarrotação.

Estruturas de piranose e furanose

A reação entre a hidroxila e o aldeído ou a cetona forma hemiacetais ou hemicetais,


respectivamente. As estruturas cíclicas podem ser piranoses ou furanoses.

Reações de ciclização

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Oses Monossacarídeos
Osídeos Glicídeos formados pela união de uma ou mais oses
Oligosídeos (oligossacarídeo) Pequeno número de oses
Poliosídeo (polissacarídeo) Grande número de oses
Glicosídeos

Ligação glicosídica: unindo monossacarídeos

Monossacarídeos podem ser unidos para formar dissacarídeos,


oligossacarídeos e polissacarídeos. A ligação que une açúcares é
chamada de ligação glicosídica, onde o carbono anomérico de um
açúcar reage com qualquer grupo hidroxila de outro açúcar liberando
água. Geralmente será uma ligação-O-glicosídica, mas há também a
ligação-N-glicosídica que ocorre em nucleotídeos e nucleosídeos. Essas
ligações são formadas por enzimas conhecidas como
glicosiltransferases, que utilizam como substrato um
nucleotídeo-açúcar, o UDP-glicose.

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Açúcares redutores

Se o grupo hidroxila ligado ao carbono anômero de


um glicídeo não estiver ligado a qualquer outro
composto por uma ligação glicosídica, o anel poderá
ser aberto. Esse glicídeo poderá atuar como agente
redutor, sendo portanto, um glicídeo redutor reagindo
com Reagente de Benedict ou solução de Fehling,
causando redução e coloração do reagente , enquanto
o grupo aldeído do açúcar acíclico se torna oxidado.
São redutores os monossacarídeos e a maioria dos
dissacararídeos.(Nota: somente o estado do oxigênio
no grupo aldeído determina se o glícideo é redutor ou
não.)

Açúcares não-redutores

Não apresentam carbono anômero livre. São açúcares não-redutores os polissacarídeos e a sacarose.

Um teste colorimétrico pode indicar se há presença de glicídeo redutor na urina. Um resultado positivo pode indicar uma
patologia, porque normalmente glicídeos não estão presentes na urina.

Dissacarídeos mais importantes


● Lactose → união da galactose + glicose, carboidrato do leite, redutor.

● Sacarose → união da glicose + frutose, carboidrato encontrado nos


vegetais, açúcar de mesa, não redutor.

● Maltose → união de glicose + glicose (homossacarídeo), produto da


hidrólise do amido, redutor.

Polissacarídeos
● Homopolissacarídeos → possuem estrutura
somente com um tipo de monômero. Podem
ser ramificados ou não-ramificados.

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● Heteropolissacarídeos → possuem estrutura com mais de um tipo de monômero. Podem ter: dois tipos de monômeros
sem ramificação ou múltiplos monômeros com ramificação.
Diferenças: natureza dos componentes, tamanho da cadeia, ramificações, tipo de ligação.

Funções dos polissacarídeos


● Armazenamento → amido e glicogênio.
● Papel estrutural e substâncias protetoras → quitina e
celulose.
● Reconhecimento celular (participação nos eventos de
comunicação intercelular).

Polissacarídeos homogêneos

De armazenamento
● Amido → armazenamento em plantas na forma de grânulos em cloroplastos e amiloplastos, formado por dois
polímeros (amilose e amilopectina).

● Glicogênio → armazenamento em animais, armazenado na forma de grânulos principalmente no fígado e músculo


esquelético, polímero de unidades de glicose e altamente ramificado.

Estruturais
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● Celulose → polímero natural mais abundante, constituinte da parede celular das plantas, insolúvel em água, a maioria
dos animais não pode utilizar a celulose como fonte de energia, unidades de glicose ligações β-1,4, conformação mais
estável: cadeira reta e estendida.

Polissacarídeos heterogêneos

Glicosaminoglicanos (mucopolissacarídeos) → polímeros lineares longos (unidades repetidas de dissacarídeos), geralmente


estão ligados a proteínas e formam outros complexos maiores (proteoglicanos), associação com grandes quantidades de água.

● Heparina → componente
intracelular dos mastócitos
(presentes principalmente nas
artérias do fígado, dos pulmões
e da pele), age como
anticoagulante.
● Dermatan sulfato → presente
principalmente na pele, nos
vasos sanguíneos e válvulas
cardíacas, confere maior
flexibilidade (para distensão).
● Hialuronato → lubrificante no
líquido sinovial, humor vítreo,
cartilagens e tenções (resistência
e elasticidade).
● Condroitina sulfato → presente
em cartilagens, tendões,
ligamentos e aorta (resistência à
tensão).

Glicosídeos ou heterosídeos

● Glicoproteínas → proteínas ligadas covalentemente a glícideos, relacionadas a todo tipo de função proteica.
● Proteoglicanos → proteínas associadas a glicosaminoglicanos, relacionados a morfologia tecidual.

Aula 2: Digestão dos glicídeos

Os principais sítios de digestão dos carboidratos da dieta são a boca e o lúmen intestinal. Essa digestão é rápida e é
catalisada por enzimas denominadas glicosídeo-hidrolases ou glicosidases que hidrolisam as ligações glicosídicas. Como

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há poucos monossacarídeos provenientes de dieta mista com produtos de origem animal e vegetal, a maioria das enzimas
necessárias para degradação da maioria dos carboidratos da dieta são endoglicosidades que hidrolisam poli e
oligossacarídeos e as dissacaridases que hidrolisam os tri e dissacarídeos em seus componentes redutores. Glicosidades
em geral são específicas para a estrutura e configuração do resíduo glicosila a ser removido e para o tipo de ligação a ser
hidrolisada. Os produtos finais da digestão dos carboidratos são os monossacarídeos glicose, galactose e frutose, os quais
são absorvidos pelas células do intestino delgado. A principal função da digestão é a quebra dos carboidratos complexos
em produtos mais simples, principalmente glicose, que serão usados para fornecimento de energia ou serão armazenados.
Glicídeos da dieta e locais de digestão:

Nutriente Produto gerado Enzimas Sítios de digestão


α-amilase, dissacaridases, Saliva, lúmen intestinal, borda em escova
Amigo, glicogênio Glicose
oligossacaridases (células intestinais)
Borda em escova
Maltose Glicose Glicoamilase, sacarase
(células intestinais)
Borda em escova
Sacarose Glicose + frutose Sacarase
(células intestinais)
Lactose Glicose + galactose Lactase

A digestão dos carboidratos se inicia na boca:

Os principais polissacarídeos da dieta são de origens


vegetal (amido, composto por amilose e amilopectina) e animal
(glicogênio). Durante a mastigação, a α-amilase salivar atua
brevemente sobre o amido e o glicogênio da dieta de maneira
aleatória, hidrolisando algumas ligações α(1→4) (também existem
endoglicosidases β(1→4), mas estas não são produzidas nem
secretadas em humanos, por isso não somos capazes de digerir a
celulose, que contém este tipo de ligação). Tanto a amilopectina
quanto o glicogênio quanto o glicogênio são ramificados e por isso
contém ligações do tipo α(1→6) que a α-amilase não consegue
hidrolisar. Por isso, os produtos da digestão resultantes de sua ação
contêm uma mistura de oligossacarídeos não ramificados e
ramificados conhecidos como dextrinas. (Nota: dissacarídeos
também estão presentes entre esses produtos, pois são resistentes à
amilase). A digestão dos carboidratos cessa temporariamente no
estômago, porque a elevada acidez inativa a α-amilase salivar.

A digestão subsequente dos carboidratos pelas enzimas


pancreáticas ocorre no intestino delgado:

Quando o conteúdo ácido do estômago atinge o intestino


delgado, ele é neutralizado pelo bicarbonato secretado pelo
pâncreas e a α-amilase pancreática continua o processo de digestão
do amido.

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Digestão final dos carboidratos pelas enzimas sintetizadas pelas células mucosas intestinais:

O processo final da digestão ocorre principalmente no epitélio mucoso do jejuno superior e inclui a ação de várias
dissacaridases (isomaltase → rompe a ligação α(1→6) da isomaltose, maltase → hidrolisa a maltose e a malotriose, ambas
produzindo glicose, sacarase → hidrolisa a sacarose, produzindo glicose e frutose, lactase → hidrolisa a lactose produzindo
galactose e glicose, trealase → hidrolisa a trealose, dissacarídeo de glicose α(1→1) encontrado em cogumelos e outros
fungos). Essas enzimas são secretadas pelo lado luminal da borda em escova das células da mucosa intestinal e permanecem
associadas a essa borda.

Complexos enzimáticos da borda em escova do intestino delgado:

Complexo Atividade (age como) Localização no intestino


Sacarase-isomaltase Sacarase Jejuno (onde são
Maltase e maltotriase liberados os produtos
Isomaltase da digestão do amido).
Glicoamilase Exoglicosidase α(1→4) Aumenta progressivamente ao longo
do intestino delgado com maior
atividade no íleo.
β-glicosidase ou lactase Lactase Maior atividade no jejuno
Trealase Trealase

Absorção dos monossacarídeos pelas células da mucosa intestinal:


O duodeno e o jejuno superior absorvem a maior parte dos glicídeos da dieta. Entretanto, diferentes glicídeos são
absorvidos por meio de diferentes mecanismos. A galactose e a glicose são transportadas para o interior das células mucosas
por um processo ativo, que requer energia e captação concomitante de íons sódio; sendo a proteína transportadora o
cotransportador de glicose 1 dependente de sódio (SGLT-1). A absorção de frutose requer um transportador de
monossacarídeo independente de sódio (GLUT-5 / sistema de grande afinidade). Todos os três monossacarídeos são
transportados das células mucosas intestinais para a circulação porta por outro transportador (GLUT-2 / sistema de grande
capacidade).

Absorção da glicose pelo epitélio intestinal:


Acontece de duas formas:
● Difusão facilitada → do lado mais concentrado (fora da célula) para o menos concentrado (dentro da célula)
utilizando os transportados especializados (GLUT’s).
● Transporte dependente de sódio → transporte de uma pequena concentração (lúmen intestinal) para uma maior
concentração.

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Degradação anormal de dissacarídeos:


Todo o processo de digestão e absorção dos carboidratos é tão eficiente em indivíduos saudáveis que normalmente
todo o carboidrato digerível da dieta já terá sido absorvido quando o material ingerido chegar ao baixo jejuno. Entretanto,
devido ao fato de que apenas os monossacarídeos são absorvidos, qualquer defeito na atividade de determinada dissacaridase
da mucosa intestinal causa a passagem do carboidrato não digerido para o intestino grosso. Como consequência da presença
desse material osmoticamente ativo, a água flui da mucosa para o intestino grosso, causando diarreia osmótica. Isso é
reforçado pela fermentação bacteriana dos carboidratos remanescentes, produzindo compostos de dois ou três carbonos
(também osmoticamente ativos), além de grandes volumes de gases CO2 e H2, causando cólicas abdominais, fratulência e
diarreia, sendo esses sintomas muito comuns na deficiência de lactase (intolerância à lactose), a mais comum.
A deficiência de dissacaridases tem frequência relativamente alta em humanos, podendo ser de apenas uma ou de
várias enzimas. A deficiência pode ser: primária (defeito genético ou declínio fisiológico com a progressão da idade) ou
secundária (resultante de agressões à mucosa intestinal como alcoolismo e gastroenterite).

Deficiência de enzimas digestivas:


Deficiências hereditárias de dissacaridases específicas resultam em intolerância a dissacarídeos. Deficiências
secundárias podem ser temporárias.
O diagnóstico dessas deficiências pode ser feito através de testes de tolerância
oral ao dissacarídeo em questão. A medição de gás hidrogênio no hálito também é um
meio confiável para determinação da quantidade de carboidrato ingerido e não
absorvido pelo organismo, mas metabolizado pela flora intestinal.
● Intolerância à lactose → cerca de 75% da população mundial de adultos é
intolerante à lactose, deficiência mais comum com predominância em certas
populações (asiáticos e africanos). A perda da atividade da lactase com a
progressão da idade é resultado de uma diminuição na quantidade de enzima e
não de uma modificação que torna a enzima inativa. Acredita-se que tal fato
esteja relacionado a pequenas variações na sequência do DNA na região do
cromossomo 2 que controla a expressão do gene para lactase. O tratamento
consiste na redução da ingestão de leites e derivados e aumento do consumo
de vegetais verdes, como brócolis, ou ingestão de lactase em pílulas antes das
refeições.
● Deficiência do complexo isomaltase-sacarase → essa deficiência enzimática
resulta na intolerância a sacarose ingerida. Também manifesta-se mais em
determinadas populações, o tratamento consiste na retirada de sacarose da
dieta e terapia de reposição enzimática.

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Glicídeos que consumimos, mas não digerimos:


● Celulose, hemicelulose, lignina, gomas, pectina, mucilagem.

Aula 3: Glicólise

Glicólise → via de degradação da glicose. É utilizada em todos os tecidos com o objetivo de fornecer energia na forma de
ATP e intermediários para outras vias metabólicas. A glicólise é o centro do metabolismo dos carboidratos, pois praticamente
todos os glicídeos vindos da dieta e de reações catabólicas que ocorrem no organismo, podem ser convertidos em glicose.

Funções da glicólise:
● Metabolizar a glicose formando piruvato (produto final da glicólise em células com mitocôndrias e fornecimento
adequado de oxigênio);
● Permitir a formação de ATP na presença ou ausência de oxigênio (glicólise aeróbia → O2 é utilizado para reoxidação
do NADH formado durante a oxidação do gliceraldeído-3-fosfato, prepara as condições necessárias para a
descarboxilação oxidativa do piruvato a acetil-CoA principal combustível do ciclo de Krebs. / Glicólise anaeróbia →
alternadamente, o piruvato é reduzido pelo NADH para formar lactato, reoxidando o NAD+ podendo ocorrer sem a
presença de O2 permitindo a produção de ATP em tecidos sem mitocôndrias, como as hemácias, ou em células onde o
fornecimento de O2 não esteja ocorrendo de forma adequada);
● Fornecer precursores para a biossíntese de outros compostos.

Transporte da glicose para dentro das células:

A glicose não é capaz de se difundir diretamente para dentro das células, portanto, ela utiliza um dos dois seguintes
possíveis mecanismos de transporte: um sistema de transporte por difusão facilitada, independente de Na+, ou um sistema de
cotransporte monossacarídeo- Na+.

Transporte por difusão facilitada, independente de Na+:


Sistema mediado por uma família de 14 transportadores de glicose encontrados nas membranas celulares. São designados
GLUT’s (GLUT-1 a GLUT-14 – isoformas). Esses transportadores ocorrem na membrana em dois estados conformacionais (
a glicose extracelular liga-se ao transportador que então altera sua conformação transportando a glicose através da membrana
celular). Os GLUT’s apresentam padrão de expressão com especificidade tecidual (p.ex: GLUT-3 é o principal transportador
de glicose dos neurônios, GLUT-1 das hemácias e barreira hemato-encefálica, GLUT-4 do tecido adiposo e músculo
esquelético). Na difusão facilitada o movimento da glicose segue o gradiente de concentração, ou seja, da maior para a menor
concentração. As isoformas dos GLUT’s têm funções especializadas (p.ex: GLUT-1, GLUT-3 e GLUT-4 estão envolvidos
principalmente na captação de glicose do sangue, enquanto o GLUT-2 encontrado no fígado e nos rins, pode tanto transportar
a glicose para dentro dessas células quando transportar a glicose das células para o sangue. O GLUT-5 é singular → princpal
transportador para frutose em vez de glicose no intestino delgado e testículos).

Sistema de cotransporte monossacarídeo- Na+:


Este processo requer energia por transportar a glicose contra um gradiente de concentração, ou seja, de concentrações
menores de glicose fora da célula para concentrações maiores no interior da célula. É um processo mediado por um carreador
em que o movimento da glicose está acoplado ao gradiente de concentração do Na+ que é transportado concomitantemente à
glicose para o interior da célula. O carreador é um SGLT (transportador de glicose dependente de Na+). Esse tipo de
transporte ocorre nas células epiteliais do intestino, dos túbulos renais e do plexo coroide (parte da barreira
hemato-encefálica).

Reações da glicólise:
A glicólise aeróbia é composta por uma série de 10 reações e ocorre em duas fases ou estágios:
● Fase de investimento de energia (fase preparativa) → onde ocorrem as 5 primeiras reações. As formas fosforiladas
dos intermediários são sintetizadas à custa de gasto de ATP.
● Fase de produção de energia → nas 5 reações subsequentes há a produção líquida de duas moléculas de ATP por
molécula de glicose metabolizada, por fosforilação ao nível do substrato.

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Reações:
1) Fosforilação da glicose → as moléculas de glicídeos fosforiladas não
atravessam facilmente a membrana celular, pois não há carreadores
específicos para esses compostos e, além disso, eles são muito polares
para se difundirem através da porção lipídica das membranas. A
fosforilação irreversível da glicose retém efetivamente o glicídeo na
forma de glicose-6-fosfato citosólica, assegurando assim seu posterior
metabolismo na célula. Na maior parte dos tecidos, a fostorilação da
glicose é catalisada pela enzima hexoquinase, uma das três enzimas
reguladoras da glicólise. Ela apresenta especificidade ampla quanto ao
substrato: é capaz de fosforilar diversas hexoses além da glicose, é inibida pelo produto da reação (glicose-6-fosfato),
apresenta um Km baixo (tem uma alta afinidade) para a glicose permitindo uma fosforilação eficiente e metabolismo
posterior da glicose mesmo quando suas concentrações estiverem baixas. No entanto, a hexoquinase apresenta baixa
Vmáx para a glicose, não podendo reter o fosfato celular na forma de hexoses fosforiladas tampouco fosforilar mais
açúcares do que a célula consegue utilizar. Nas células do parênquima hepático e nas células β-pancreáticas a
glicoquinase (também conhecida como hexoquinase D ou do tipo IV) é a principal enzima responsável pela
fosforilação da glicose. Nas células β a glicoquinase funciona como um sensor de glicose determinando o limiar da
secreção de insulina, já no fígado a enzima facilita a fosforilação da glicose em caso de hiperglicemia. A glicoquinase
apresenta alto Km fosforilando a glicose em altas concentrações (funciona apenas quando a concentração intracelular
de glicose no hepatócito está elevada) e alta Vmáx (permite que o fígado remova de forma eficiente o excesso de
glicose fornecido pela circulação porta, o que impede que uma grande quantidade de glicose chegue a circulação
sistêmica após uma refeição rica em carboidratos minimizando a hiperglicemia durante o período absortivo. A
atividade da glicoquinase não é inibida diretamente pelo produto da reação (glicose-6-fosfato) como as demais
hexoquinases, mas sim pela frutose-6-fosfato.
2) Isomerização (conversão) da glicose-6-fosfato em frutose-6-fosfato → reação reversível, catalisada pela enzima
fosfoglicose-isomerase.
3) Fosforilação da frutose-6-fosfato → reação irreversível, ocorre com gasto energético, catalisada pela enzima
fosfofrutoquinase-1 (PFK-1), é o principal ponto de regulação da via glicolítica (ponto de controle e passo limitante
da velocidade da via, além de ser a primeira reação comprometida com a via). A fosfofrutoquinase-1 é controlada
pelas concentrações disponíveis de seus substratos (ATP e frutose-6-fosfato) e pelas substâncias reguladoras (a PFK-1
é inibida alostericamente por altos níveis de ATP que atuam como sinal de riqueza energética indicando a presença de
compostos com alta energia, altos níveis de citrato também inibem a PFK-1. É ativada alostericamente por altos
níveis de AMP que sinalizam depleção das reservas de energia da célula. / A frutose-2,6-bisfosfato (PFK-2) é o mais
potente ativador da PFK-1, sendo capaz de ativar a enzima mesmo quando os níveis de ATP estão altos). Produto da
reação: frutose-1,6-bisfosfato.
4) Clivagem da frutose-1,6-bisfosfato → reação reversível, catalisada pela enzima aldolase que cliva a
frutose-1,6-bisfosfato a di-hidroxiacetona-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato.
5) Interconversão de trioses → reação reversível, catalisada pela enzima triose-fosfato-isomerase, ocorre interconversão
das trioses di-hidroxiacetona-fosfato e do gliceraldeído-3-fosfato. A di-hidroxiacetona-fosfato isomeriza dando
gliceraldeído-3-fosfato para posterior metabolização pela via glicolítica, resultando na produção líquida de duas
moléculas de gliceraldeído-3-fosfato pelos produtos da clivagem da frutose-1,6-bisfosfato.
6) Oxidação do gliceraldeído-3-fosfato → reação reversível, catalisada pela enzima
gliceraldeído-3-fosfato-desidrogenase, ocorre conversão do gliceraldeído-3-fosfato em 1,3-bisfosfoglicerato
(1,3-BPG) e é a primeira reação de oxidação-redução da via glicolítica, ocorre liberação de energia.
7) Síntese do 3-fosfoglicerato com produção de ATP (transferência de fosfato) → reação reversível, catalisada pela
enzima fosfoglicerato-quinase, quando 1,3-bisfosfoglicerato é convertido em 3-fosfoglicerato o grupo fosfato de alta
energia do 1,3-BPG é utilizado na síntese de ATP a partir de ADP.
8) Troca do grupo fosfato do carbono 3 para o carbono 2 (conversão de fosfoglicerato-3 em fosfoglicerato-2) → reação
reversível, catalisada pela enzima fosfoglicerato-mutase.
9) Desidratação do 2-fosfoglicerato → reação reversível, catalisada pela enzima enolase, redistribui a energia dentro da
molécula do 2-fosfoglicerato resultando na formação do fosfoenolpiruvato (PEP) que contém um enol fosfato de alta
energia.

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10) Formação de piruvato, com produção de ATP (transferência de fosfato) → reação irreversível, catalisada pela enzima
piruvato-quinase, ocorre conversão do fosfoenolpivurato em piruvato. (Nota: deficiência de piruvato-quinase: causa
de anemia hemolítica).
11) ** Redução de piruvato a lactato → o lactato, formado pela ação da enzima lactato-desidrogenase, é o produto final
da glicólise anaeróbia nas células eucarióticas. A formação do lactato é o principal destino do piruvato no cristalino e
na córnea do olho, na medula renal, nos testículos, leucócitos e hemácias, pois todos eles se apresentam pobremente
vascularizados e/ou privados de mitocôndrias.

Produção de energia com a glicólise:


Apesar da produção de certa quantidade de ATP durante a
glicólise, os produtos finais, piruvato ou lactato, ainda retêm a
maior parte da energia originalmente contida na glicose, sendo
necessário o ciclo de Krebs para liberar essa energia
completamente.
● Glicólise anaeróbia → duas moléculas de ATP são geradas
para cada molécula de glicose convertida em duas
moléculas de lactato. Não há produção ou consumo liquído
de NADH.
● Glicólise aeróbia → ganho líquido de duas moléculas de ATP por molécula de glicose. Duas moléculas de NADH são
também produzidas para cada molécula de glicose. A glicólise aeróbia requer a oxidação da maior parte desse NADH
pela cadeia transportadora de elétrons produzindo aproximadamente três ATP’s para cada molécula de NADH que
chega à cadeia respiratória. O NADH não é capaz de atravessar a membrana interna da mitocôndria sendo necessários
mecanismos de lançadeiras de elétrons (lançadeira malato-aspartato, lançadeira glicerol-3-fosfato).

Controle da via glicolítica:


● Piruvato-desidrogenase → inibição pelos produtos acetil-CoA e NADH, regulada por fosforilação (inativa a enzima),
alta relação com ATP/ADP e NADH/NAD +.

Deficiências no funcionamento da via glicolítica:

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Aula 4: Gliconeogênese

Alguns tecidos como encéfalo, hemácias, medula renal, cristalino e córnea,


testículos e músculo em exercício necessitam de suprimento contínuo de
glicose como combustível metabólico. O glicogênio hepático, fonte essencial
de glicose pós-prandial, pode satisfazer essas necessidades por apenas 10-18
horas na ausência da ingestão de carboidratos. Durante um jejum prolongado
os depósitos de glicogênio hepático são exauridos e a glicose é formada a
partir de precursores como o lactato, o piruvato, o glicerol e os α-cetoácidos
(obtidos através do catabolismo de aminoácidos glicogênicos). A formação
da glicose não ocorre por simples reversão da glicólise, pois o equilíbrio
geral da glicólise favorece a formação de piruvato, em vez disso, a glicose é
sintetizada por uma via especial, a de gliconeogênese, que requer tanto
enzimas mitocondriais quanto citosólicas. Durante o jejum de uma noite,
cerca de 90% da gliconeogênese ocorre no fígado com os rins fornecendo
10% das moléculas de glicose recém-sintetizadas e em casos de jejum
prolongado os rins podem contribuir com até 40%.

Precursores para a gliconeogênese:


São moléculas que podem ser utilizadas na produção líquida de glicose,
incluindo os intermediários da glicólise e do ciclo de Krebs.
● Glicerol → liberado durante a hidrólise dos triacilglicerois no tecido
adiposo e levado ao fígado pelo sangue. É fosforilado pela enzima glicerol-quinase, resultando em glicerol-fosfato
que é oxidado pela enzima glicerol-fosfato-desidrogenase produzindo a di-hidroxiacetona-fosfato (intermediário da
glicólise). OBS: os adipócitos não podem fosforilar o glicerol, pois não apresentam a glicerol-quinase.
● Lactato → liberado no sangue pelo músculo esquelético em exercício e pelas células que não possuem mitocôndrias,
como as hemácias (glicólise anaeróbia). No ciclo de Cori, a glicose oriunda do sangue é convertida pelo músculo em
exercício em lactato, que se difunde para o sangue. Esse lactato é captado pelo fígado e reconvertido em glicose, que
é liberada de volta a circulação.
● Aminoácidos → obtidos pela hidrólise de proteínas teciduais, são a principal fonte de glicose no jejum. Os
α-cetoácidos são produzidos pelo metabolismo de
aminoácidos glicogênicos, podendo entrar no ciclo de
Krebs e produzir oxalacetato.
● Ácidos graxos de número ímpar.

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Reações exclusivas da gliconeogênese:


O processo é constituído de sete reações glicolíticas reversíveis utilizadas na síntese de glicose a partir de piruvato ou lactato,
sendo que três reações glicolíticas são irreversíveis e devem ser contornadas pela utilização de quatro reações alternativas que
favorecem energeticamente a síntese de glicose.

1) Carboxilação do piruvato (conversão do piruvato em fosfoenolpiruvato) → o primeiro bloqueio da via a ser


contornado na síntese de glicose a partir do piruvato, é a conversão irreversível de fosfoenolpiruvato em piruvato
catalisada pela enzima piruvato-quinase na glicólise. Na gliconeogênese , o piruvato é primeiramente carboxilado
pela enzima piruvato-carboxilase produzindo oxalacetato que é então convertido em fosfoenolpiruvato pela ação da
enzima fosfoenolpiruvato-carboxiquinase. A piruvato-carboxilase requer para a sua ação a biotina, que atua como
coenzima e Mg+2. Essa reação ocorre com gasto energético e dentro da mitocôndria. Transporte do oxalacetato para o
citosol→ o oxalacetato deve ser convertido em fosfoenolpiruvato para que a gliconeogênese possa continuar. Em
humanos, as enzimas que catalisam essa conversão são encontradas tanto dentro da mitocôndria quanto no citosol. O
fosfoenolpiruvato produzido na mitocôndria é transportado para o citosol por um transportador específico, enquanto
aquele produzido no citosol requer o transporte do oxalacetato da mitocôndria para o citosol. O oxalacetato
entretanto, é incapaz de atravessar diretamente a membrana mitocondrial interna, devendo ser reduzido a malato pela
enzima malato-desidrogenase mitocondrial. O malato pode ser transportado da mitocôndria para o citosol onde é
reoxidado a oxalacetato pela malato-desidrogenase citosólica ao mesmo tempo em que o NAD+ é reduzido. O NADH
produzido é utilizado na redução do 1,3-bisfosfoglicerato a gliceraldeído 3-fosfato, um passo comum a glicólise e a
gliconeogênese. Descarboxilação do oxalacetato citosólico → o oxalacetato é descarboxilado e fosforilado no citosol
pela enzima fosfoenolpiruvato-carboxiquinase produzindo fosfoenolpiruvato que sofre as reações da glicólise
andando no sentido inverso até chegar à frutose-1,6-bisfosfato.
2) Descarboxilação da frutose-1,6-bisfosfato → a hidrólise da frutose-1,6-bisfosfato pela enzima frutose-1,6-bisfosfatase
contorna a reação irreversível da fosfofrutoquinase-1 e fornece uma via energeticamente favorável para a formação
da frutose-6-fosfato. Essa reação é um importante sítio regulatório da gliconeogênese.
3) Desfosforilação da glicose-6-fosfato → a hidrólise da glicose-6-fosfato pela enzima glicose-6-fosfatase contorna a
reação irreversível da hexoquinase e fornece uma via energeticamente favorável para a formação de glicose livre. O
fígado e os rins são os únicos órgãos que liberam glicose livre a partir da enzima glicose-6-fosfato. Esse processo, na
verdade, requer duas proteínas: a glicose-6-fosfato-translocase (transporta a glicose-6-fosfato através da membrana
do retículo endoplasmático) e a enzima do retículo endoplasmático a glicose-6-fosfatase que remove o fosfato
produzindo glicose livre. Transportadores específicos são responsáveis pela liberação de glicose livre e de fosfato de
volta ao citosol e de glicose para o sangue. (Nota: os músculos não possuem glicose-6-fosfatase, por isso o glicogênio
muscular não pode ser utilizado para a manutenção dos níveis de glicose no sangue).
4) Conversão de glicerol em glicose.

Formação de glicose a partir de piruvato:

Regulação da gliconeogênese:

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A regulação momento a momento da gliconeogênese é determinada principalmente pelos níveis circulantes de glucagon e
pela disponibilidade de substratos gliconeogênicos. Além disso, lentas mudanças adaptativas na atividade enzimática resultam
de alterações na velocidade de síntese ou degradação de enzimas, ou em ambas.
● Glucagon → esse hormônio produzido pelas células α das ilhotas pancreáticas estimula a gliconeogênese por meio de
três mecanismos: alterações em efetores alostéricos, modificação da atividade enzimática por ligação covalente e
indução da síntese de enzimas.
● Disponibilidade de substrato → a disponibilidade de precursores gliconeogênicos, especialmente de aminoácidos
gliconeogênicos, influencia de modo considerável a velocidade da síntese hepática da glicose. Sendo que ATP e
NADH, coenzimas/cossubstratos necessários para a gliconeogênese são fornecidos principalmente pelo catabolismo
de aminoácidos.
● Ativação alostérica pela acetil-CoA → durante o jejum ocorre a ativação alostérica da piruvato-carboxilase hepática
pela acetil-CoA. Como resultado da lipólise excessiva no tecido adiposo, o fígado é inundado com ácidos graxos. A
velocidade de formação da acetil-CoA pela β-oxidação desses ácidos graxos excede a capacidade do fígado de
oxidá-la a CO2 e H2O. Como resultado, a acetil-CoA se acumula levando à ativação da piruvato-carboxilase.
● Inibição alostérica pelo AMP → a frutose-1,6-bisfosfatase é inibida por AMP, composto que ativa a
fosfofrutoquinase-1. Isso resulta na regulação recíproca da glicólise e da gliconeogênese, assim como ocorre com a
frutose-2,6-bisfosfato. (Nota: aumento no AMP estimula vias de oxidação de nutrientes, fornecendo energia para a
célula).

Aula 5: Metabolismo do glicogênio (glicogênese e glicogenólise)

Glicogênese → síntese de glicogênio.


Glicogenólise → degradação de glicogênio.

Uma fonte constante de glicose sanguínea é uma necessidade fundamental para a manutenção da vida humana. A
glicose serve como fonte preferencial de energia para o tecido nervoso (encéfalo) e fornece energia necessária para células
com poucas ou nenhuma mitocôndria, como as hemácias maduras. A glicose também serve como fonte essencial de energia
para o músculo em exercício onde é substrato para a glicólise anaeróbia. Pode ser obtida de três fontes: dieta, degradação do
amido e gliconeogênese. A ingestão de glicose e/ou de seus precursores como amido, mono e dissacarídeos é esporádica e
dependendo do tipo de alimentação, nem sempre pode ser considerada como fonte segura de glicose para o sangue. Em
contraste, a gliconeogênese é capaz de fornecer uma síntese sustentada de glicose, embora seja lenta para responder a uma
redução no nível sanguíneo dessa substância. Sendo assim, o organismo possui mecanismos para armazenamento de um
suprimento de glicose em uma forma rapidamente mobilizável, o glicogênio. Na ausência de uma fonte de glicose na
alimentação, esse composto é rapidamente liberado a partir do glicogênio hepático e renal. Da mesma forma, o glicogênio
muscular é degradado em grande quantidade durante o exercício muscular proporcionando uma importante fonte energética a
esse tecido. Quando os estoques de glicogênio se esgotam, determinados tecidos sintetizam glicose de novo, usando
aminoácidos das proteínas teciduais como principal fonte de carbonos para a via glicogênica.

Estrutura e função do glicogênio:


Os principais estoques de glicogênio se
encontram nos músculos esqueléticos e
no fígado, mas a maioria das células
armazena pequenas quantidades para uso
próprio. A função do glicogênio
muscular é servir como reserva de
combustível para a síntese de ATP
durante a contração muscular, enquanto
o glicogênio hepático tem a função de
manter a concentração de glicose
sanguínea, especialmente durante o
jejum.

Estrutura: o glicogênio é um
homopolissacarídeo de cadeia ramificada formado, exclusivamente, por α-D-glicose. A ligação glicosídica primária é uma

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ligação α(1→4) e após uma média de 8 a 10 resíduos glicosila, há uma ramificação contendo uma ligação α(1→6). As
moléculas de glicogênio existem em pequenos glânulos citoplasmáticos que contêm a maioria das enzimas necessárias para a
síntese e degradação de glicogênio.

Os estoques de glicogênio hepático diminuem durante o estado alimentado e são esgotados durante o jejum. Glicogênio
muscular não é afetado por jejum de curto prazo (alguns dias), só em longos prazos. É sintetizado para repor os estoques dos
músculos após esgotamento (p.ex: exercício físico pesado).

Glicogênese:
O glicogênio é sintetizado a partir de moléculas de α-D-glicose, processo que ocorre no citosol da maioria das células, requer
energia fornecida por ATP e UTP, ocorre quando há grande quantidade de glicose livre. Segue as seguintes reações:
1) Síntese de UDP-glicose (nucleotídeo-açúcar) → a α-D-glicose ligada ao difosfato de uridina (UDP) é a fonte de todos
os resíduos glicosila que são adicionados à molécula de glicogênio em formação. A UDP-glicose é sintetizada a partir
da glicose-1-fosfato e do UTP pela enzima UDP-glicose-pirofosforilase. A glicose-6-fosfato é convertida em
glicose-1-fosfato pela fosfoglicomutase e a glicose-1,6-bisfosfato é intermediário obrigatório nessa reação.
2) Síntese de um iniciador (segmento inicial) para a síntese de glicogênio → a glicogênio-sintase é a enzima responsável
pela formação das ligações α(1→4) no glicogênio, mas não consegue iniciar a síntese da cadeia homopolissacarídica
usando a glicose livre como aceptora de uma molécula de glicose vinda da UDP-glicose. Em vez disso, ela só
consegue alongar cadeias de glicose já existentes. Sendo assim, um fragmento de glicogênio pode servir como
segmento inicial (iniciador) em células cujos estoques de glicogênio não estejam totalmente esgotados. Na ausência
desse fragmento, uma proteína chamada glicogenina pode servir como aceptora de resíduos de glicose vindos da
UDP-glicose. O grupo OH da cadeia lateral de uma tirosina específica serve como local onde a unidade glicosila
inicial é unida, sendo essa reação catalisada pela própria glicogenina (processo de autoglicosilação), ou seja, a
glicogenina pode ser considerada uma enzima. A seguir, a glicogenina catalisa a transferência das próximas
moléculas de glicose a partir de uma UDP-glicose
formando uma cadeia curta de resíduos glicosila
unidos por ligações α(1→4). Essa cadeia curta
serve como iniciador para receber futuros resíduos
de glicose, sendo alongada pelo
glicogênio-sintase.
3) Alongamento das cadeias do glicogênio pela
glicogênio-sintase → o alongamento de uma
cadeia de glicogênio envolve a transferência de
um resíduo de glicose a partir da UDP-sintase para
a extremidade não redutora da cadeia em
crescimento, formando uma nova ligação
glicosídica entre a hidroxila do carbono anômero
(C1) da glicose ativada (UDP-glicose) e a
hidroxila do carbono 4 do resíduo glicosil aceptor.
A enzima responsável pela formação das ligações
α(1→4) no glicogênio é a glicogênio-sintase.
4) Formação das ramificações no glicogênio → a
cadeia precisa da ação de uma enzima de síntese
para ser uma molécula ramificada e não linear. As
ramificações tornam o glicogênio mais solúvel,
aumentam as extremidades não redutoras às quais
se podem adicionar novos resíduos glicosila
(assim como remover esses redísuos) o que
aumenta a velocidade de síntese de glicogênio e
aumentam o tamanho da molécula. As
ramificações são formadas pela ação da enzima
glicosil-4→6-transferase que transfere uma cadeia
de 6 a 8 resíduos glicosila da extremidade não
redutora da cadeia do glicogênio (cliva uma

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ligação α(1→4) para outro resíduo (não terminal da cadeia) produzindo uma ligação α(1→6). Essa ação prepara as
extremidades livres para o alongamento pela ação da glicogênio-sintase.

Glicogenólise:
A via de degradação que mobiliza o glicogênio armazenado no fígado e no músculo esquelético não é o inverso das reações
de síntese sendo necessário um conjunto de enzimas citosólicas. Quando o glicogênio é degradado, o produto primário é a
glicose -1-fosfato obtida pela clivagem das ligações glicosídicas α(1→4). Além disso, glicose livre é liberada a partir de cada
resíduo glicosila unido por ligações α(1→6). Segue as seguintes reações:
1) Encurtamento de cadeias → a enzima
glicogênio-fosforilase cliva sequencialmente as ligações
glicosídicas α(1→4) a partir das extremidades não
redutoras das cadeias de glicogênio por meio de
fosforólise simples (produzindo glicose-1-fosfato) até
que restem quatro unidades glicosila em cada cadeia
antes do ponto de ramificação.
2) Remoção das ramificações → as ramificações são
removidas por duas atividades enzimáticas de uma única
proteína bifuncional (transferase e glicosidase α(1→6).
A enzima remove, dos quatro resíduos glicosil ligados à
ramificação, os três mais externos, e os transfere para a
extremidade não redutora de outra cadeia, alongando-a.
Dessa forma, uma ligação α(1→4) é rompida e outra é
formada. Logo após, o resíduo de glicose restante, unido
por ligação α(1→6) é hidrolisado liberando glicose livre.
A cadeia glicosídica está novamente disponível para a
degradação pela glicogênio-fosforilase, até que sejam
alcançadas outras quatro unidades glicosila da próxima
ramificação.
3) Conversão de glicose-1-fosfato em glicose-6-fosfato → a
glicose-1-fosfato produzida pela glicogênio-fosforilase é
convertida no citosol em glicose-6-fosfato pela
fosfoglicomutase. No fígado, a glicose-6-fosfato é
transposta para o retículo endoplasmático pela
glicose-6-fosfato-translocase onde é convertida em
glicose pela glicose-6-fosfatase, então a glicose
resultante é transportada para o citosol. Os hepatócitos
liberam as moléculas de glicose derivadas do glicogênio
no sangue para ajudar a manter a glicemia até que a via
gliconeogênica esteja produzindo glicose ativamente.
(OBS: no músculo, a glicose-6-fosfato não pode ser
desfosforilada pela ausência da enzima
glicose-6-fosfatase, entrando então va via glicolítica
fornecendo energia para a contração muscular).

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Síntese do glicogênio e glicogenólise.

Regulação da síntese e degradação do


glicogênio:

Devido à importância dos níveis de glicose no


sangue, esses processos são fortemente
regulados.
● Fígado → síntese acelerada no estado
alimentado, degradação acelerada no
jejum.
● Músculo esquelético → degradação
acelerada no exercício, síntese inicia
quando o músculo entra em repouso.
A regulação ocorre através de duas enzimas:
glicogênio-sintase e glicogênio fosforilase, que
primeiramente são reguladas hormonalmente
(modificação covalente) para satisfazer as
necessidades do organismo e em segundo lugar
as vias são controladas alostericamente para
satisfazer as necessidades de determinado
tecido.
● Glicogênio-sintase → ativa na forma
desfosforilada atuando na glicose-6-fosfato, insulina e glicose hepática. Inativa na forma fosforilada atuando em
glucagon e epinefrina.
● Glicogênio-fosforilase → ativa na forma fosforilada atuando em glucagon, epinefrina e cálcio muscular. Inativa na
forma desfosforilada atuando na insulina. Inibidor alostérico: glicose, ATP. Ativador alostérico: AMP.

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Doenças de armazenamento do glicogênio:


Constituem um grupo de doenças genéticas resultantes de um defeito em uma das enzimas necessárias para a síntese ou
degradação do glicogênio. Podem resultar em formas anormais do glicogênio ou no acúmulo excessivo de glicogênio normal
em tecidos específicos. As mais comuns são:

DDG tipo Ia → Doença de Von Gierke é a deficiência da enzima glicose-6-fosfatase. Tipo Ib → deficiência da enzima
glicose-6-fosfato-translocase.
DDG tipo II → Doença de Pompe é a deficiência na enzima α(1→4)-glicosidase lisossômica.
DDG tipo III → Doença de Cori é a deficiência na enzima transferase ou glicosidase.
DDG tipo IV → Doença de Andersen é a deficiência na enzima de ramificação.
DDG tipo V → Síndrome de McArdle é a deficiência na enzima glicogênio-fosforilase do músculo esquelético.

Aula 6: Interconversões de Oses (metabolismo de mono e dissacarídeos)

Além da glicose, outros monossacarídeos aparecem em quantidades significativas na


dieta (principalmente em dissacarídeos) e contribuem para o metabolismo energético,
sendo eles a frutose e a galactose.

Metabolismo da frutose:
A principal fonte de frutose é a sacarose que ao ser clivada no intestino libera
quantidades equimolares de frutose e glicose. Também pode ser encontrada como
monossacarídeo livre em frutas, mel e xarope de milho. A entrada de frutose nas
células não é dependente de insulina e ao contrário da glicose não promove a secreção
de insulina. Serve como intermediária para a glicólise. O metabolismo da frutose
ocorre principalmente no fígado, nos rins, no intestino e no tecido adiposo. Segue as
seguintes reações:
1) Fosforilação da frutose → para entrar nas vias do metabolismo intermediário,
a frutose deve antes der fosforilada, o que ocorre pela ação da enzima
hexoquinase ou frutoquinase. A hexoquinase fosforila a glicose na maioria
das células do corpo e várias outras hexoses podem servir como substrato
para essa enzima. Entretanto, ela tem uma baixa afinidade (Km alto) por
frutose. Sendo assim, a menos que a concentração intracelular de frutose se
torne extremamente alta, a presença normal de concentrações saturantes de
glicose significa que pouca quantidade de frutose está sendo convertida em

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frutose-6-fosfato pela hexoquinase. Essa enzima é encontrada no fígado, nos rins e na mucosa do intestino delgado e
converte a frutose em frutose-1-fosfato utilizando ATP como doador de fosfato.
2) Clivagem da frutose-1-fosfato → ocorre pela ação da enzima aldolase-B produzindo di-hidroxiacetona-fosfato e
gliceraldeído. OBS: nos humanos há três formas de aldolase: A (encontrada na maioria dos tecidos), B (encontrada no
fígado) e C (encontrada no encéfalo).

Conversão da glicose em frutose via sorbitol → a maioria dos carboidratos é fosforilada rapidamente após sua entrada nas
células, sendo aprisionados, pois os fosfatos orgânicos sem transportadores específicos não conseguem atravessar livremente
as membranas. Um mecanismo alternativo para metabolização de um monossacarídeo é converte-lo em um poliol (álcool
derivado de monossacarídeo) por meio da redução do grupo aldeído, produzindo assim mais um grupo hidroxila. Síntese de
sorbitol: a enzima aldolase-redutase reduz a glicose, produzindo sorbitol podendo ser encontrada em vários tecidos incluindo
o cristalino, retina, células de Schwann, fígado, rins, placenta, hemácias, células ovarianas e da vesícula seminal. Nas células
do fígado, ovário e vesícula seminal há uma segunda enzima a sorbitol-desidrogenase que é capaz de oxidar o sorbitol
produzindo frutose (serve como fonte energética para os espermatozoides). A via do sorbitol à frutose, no fígado, proporciona
um mecanismo pelo qual todo o sorbitol disponpivel é convertido em um substrato capaz de entrar na glicólise ou
gliconeogênese.

Deficiência no metabolismo da frutose:


Intolerância hereditária à frutose e frutosúria essencial:
A intolerância à frutose é causada por um defeito autossômico recessivo nogene da enzima hepática frutose-1-P aldolase
(Aldolase B). Os sintomas estãoausentes durante o aleitamento materno, no entanto a introdução de fórmulas e frutas e
vegetais na alimentação provocam o aparecimento dos sintomas devido à exposição a frutose. A deficiência de aldolase B
leva ao aumento das concentrações de frutose-1P e a depleção de Pi. O acúmulo de frutose-1P bloqueia a gliconeogênese,
devido a inibição da aldolase e da fosfoglicose isomerase reações reversas da glicolise, e a glicogenólise, devido a inibição da
glicogênio fosforilase. Ainda, a depleção de Pi e ATP provoca uma série de alterações, incluindo a inibição da síntese de
enzimas que causam dano celular hepático e diminuição da função hepática. A frutosúria essencial é praticamente
assintomática. É causada por um defeito na enzima frutoquinase, que é normalmente encontrada no fígado, rins e mucosa
intestinal. Essa desordem resulta na excreção de frutose na urina, bem como, a metabolização de frutose formando frutose-6P
pela ação da hexoquinase no tecido adiposo e muscular.

Metabolismo da galactose:
A principal fonte de galactose na alimentação é a lactose obtida do leite e seus derivados. Certa quantidade de galactose pode
ser obtida por degradação lipossomal de carboidratos complexos como glicoproteínas e glicolipídeos. Assim como a frutose,
sua entrada nas células não necessita de insulina. Segue as seguintes reações:
1) Fosforilação da galactose → a galactose precisa ser fosforilada antes de ser metabolizada pela ação da enzima
galactoquinase que produz galactose-1-fosfato com ATP como doador de fosfato.
2) Formação de UDP-galactose → a galactose-1-fosfato não pode entrar na via glicolítica sem ser convertida em
UDP-galactose. Isso ocorre em uma reação de troca na qual a UDP-glicose reage com a galactose-1-fosfato
produzindo UDP-galactose e glicose-1-fosfato. Essa reação é catalisada pela enzima galactose-1-fosfato-uridil
transferase (GALT).
3) Uso da UDP-galactose como fonte de carbono para a glicólise ou gliconeogênese → para que a UDP-galactose entre
no metabolismo da glicose, ela deve ser convertida em seu epímero C-4, a UDP-glicose, pela enzima
UDP-hexose-4-epimerase.

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Deficiências no metabolismo da galactose:
● Deficiência de galactoquinase → doença autossômica recessiva rara, causa aumento da galactose no sangue e na
urina, provoca acúmulo de galactitol o que pode causar catarata, tratamento é restrição na dieta.
● Galactosemia clássica → deficiência de galactose-1-fosfato-uridil-transferase, não ocorre a metabolização da
galactose-1-fosfato, efeitos tóxicos no tecido hepático, galactosúria, aumento na concentração de galactitol no
cristalino, retardo mental. Diagnóstico: avaliação de açúcares redutores na urina, identificação de galactose na urina,
avaliação enzimática da uridil-transferase.

Síntese de lactose:
Ocorre nas glândulas mamárias de mamíferos, é sintetiza no aparelho de Golgi pela lactose-sintase.

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