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Requisitos para desconsideração da personalidade

jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos


exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

REQUISITOS PARA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: A


ESTRUTURA ESCALONADA DOS PRESSUPOSTOS EXIGIDOS PELO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR, PELO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E
PELO CÓDIGO CIVIL
Requirements for disregarding the legal personality: a staggered structure of the assumptions
required by the Consumer Defense Code, the National Tax Code and the Civil Code
Revista de Processo | vol. 329/2022 | p. 67 - 86 | Jul / 2022
DTR\2022\9539

Guilherme Antunes da Cunha


Pós-Doutorando em Teoria Geral da Jurisdição e do Processo pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito
(Mestrado em Direitos Humanos) do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER). Advogado.
guilherme@antunesdacunha.com

Felipe Scalabrin
Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), vinculado à linha
Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos. Professor visitante do Programa de
Pós-Graduação do Centro Universitário Fadergs (FADERGS) e Centro Universitário Ritter dos Reis
(UNIRITTER). fscalabrin@gmail.com

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: O objetivo do presente ensaio é dialogar com a comunidade jurídica acerca dos limites da
responsabilidade patrimonial dos sócios, procurando delimitar os pressupostos fixados pela lei e
analisar o risco a que está exposto o patrimônio dos sócios nas execuções. Serão investigados os
requisitos para desconsideração da personalidade jurídica delineados pelo Código de Defesa do
Consumidor, pelo Código Tributário Nacional e pelo Código Civil para, a partir disso, perquirir a
existência de eventual estrutura escalonada entre os pressupostos das referidas legislações. A
adequada proteção dos bens do sócio depende da demarcação dos requisitos previstos por cada
diploma legal para a desconsideração da personalidade jurídica, fazendo-se necessário uma análise
da legislação à luz da doutrina e da jurisprudência, para que seja possível, ao final, propor-se uma
estrutura escalonada entre tais pressupostos.

Palavras-chave: Execução – Responsabilidade Patrimonial do Sócio – Desconsideração da


Personalidade Jurídica – Requisitos – Estrutura Escalonada
Abstract: The purpose of this essay is to dialogue with the legal community about the limits of
property liability of partners, seeking to delimit the requirements set by statutes and analyze the risk
to which the partners patrimony is exposed in executions. The requirements for disregarding the legal
personality outlined by the Consumer Defense Code, the National Tax Code and the Civil Code will
be investigated in order, based on that, to investigate the existence of any staggered structure
between the assumptions of the aforementioned legislation. The adequate protection of the partner's
assets depends on the demarcation of the requirements provided for by each legal instrument for the
disregard of the legal personality, making it necessary to analyze the legislation in the light of doctrine
and case law, so that it is possible, in the end, to propose if a staggered structure between such
assumptions.

Keywords: Execution – Patrimonial Responsibility of the Partner – Disregard of the Legal


Personality – Requirements – Staggered Structure
Para citar este artigo: Cunha, Guilherme Antunes da; Scalabrin, Felipe. Requisitos para
desconsideração da personalidade jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos exigidos pelo
CDC, pelo CTN e pelo CC. Revista de Processo. vol. 329. ano 47. p. 67-86. São Paulo: Ed. RT, julho
2022. Disponível em:inserir link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA.

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Sumário:

1 Considerações iniciais - 2 Responsabilidade patrimonial do sócio - 3 Pressupostos para a


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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil
desconsideração da personalidade jurídica - 4 Convergências e assimetrias entre as três legislações:
uma estrutura escalonada? - 5 Considerações finais - 6 Referências

1 Considerações iniciais

Se a efetividade da execução civil é condição para uma tutela adequada dos direitos, a
desconsideração da personalidade jurídica é um instituto decisivo para viabilizar o cumprimento e a
satisfação dos direitos do exequente. O tema é do dia a dia do foro e interessa tanto ao patrono do
credor – que buscará o acesso ao patrimônio do sócio para perseguir o adimplemento da obrigação
quando os bens da empresa forem insuficientes, como ao advogado do devedor – o qual terá o
objetivo de proteger o patrimônio do seu cliente. Dessa forma, os pressupostos legais para o
acolhimento do pedido de desconsideração precisam estar claros para que os advogados das partes
possam fazer o melhor trabalho em prol dos seus outorgantes.

Com efeito, e como a desconsideração da personalidade jurídica é um assunto indispensável de


responsabilidade patrimonial, é preciso, além da inequívoca ciência dos requisitos legais aplicáveis
às espécies de relações jurídicas, dominar as orientações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do
tema, para que se tenha mais clara a noção das possibilidades e dos limites da desconsideração da
personalidade jurídica em cada uma das três situações escolhidas nesse ensaio: relação jurídica de
consumo, relação jurídica tributária e relação jurídica cível. Afinal: há diferenças e, em caso positivo,
quais são as diferenças de requisitos para a concessão da desconsideração da personalidade
jurídica nessas três relações jurídicas?

O problema abordado neste artigo será investigar os pressupostos exigidos pelos Códigos Civil,
Tributário e de Defesa do Consumidor para a desconsideração da personalidade jurídica, analisando
convergências e assimetrias entre os requisitos estabelecidos por cada um dos três diplomas legais.
Ao mesmo tempo, será preciso se debruçar tanto em lições doutrinárias como nas posições da
jurisprudência acerca dos pressupostos da disregard em cada um dos âmbitos aqui estudados (civil,
consumerista e tributário). No final, estabelecer-se-á a existência (ou não) de uma estrutura
escalonada entre os níveis de exigência de cada uma das três esferas, em termos de pressupostos
exigidos para desconsideração da personalidade jurídica.

Diante dessa problemática e da hipótese a ser perquirida, o presente ensaio iniciará tratando da
responsabilidade patrimonial do sócio em sentido amplo; em seguida, abordará os requisitos da
desconsideração da personalidade jurídica exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil (LGL\2002\400); ato contínuo, serão analisadas as
convergências e assimetrias legais doutrinárias e jurisprudenciais existentes nas três situações; e, ao
final, serão traçadas considerações finais, respondendo à hipótese proposta de investigar e
apresentar uma estrutura escalonada entre os pressupostos para a desconsideração da
personalidade jurídica estabelecidos pelos três diplomas legais referidos.

2 Responsabilidade patrimonial do sócio

Na execução civil, a responsabilidade patrimonial do sócio da pessoa jurídica se insere no mesmo


contexto da responsabilidade do cônjuge alheio à execução, normalmente consideradas espécies de
responsabilidade secundária.1

A responsabilidade do sócio pelas dívidas da pessoa jurídica depende, em primeiro lugar, do tipo
social conferido à pessoa jurídica, quer dizer, se a espécie de sociedade escolhida traz aos sócios
responsabilidade limitada (à participação do sócio ou acionista – como nas sociedades limitadas e
nas sociedades anônimas) ou ilimitada (como na sociedade simples, sociedade em comandita e
sociedade em nome coletivo). De plano, a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais
depende, antes de tudo, do tipo social. Quando se tratar de uma das sociedades cuja
responsabilidade do sócio é ilimitada, o patrimônio pessoal do sócio também responderá pelas
obrigações da pessoa jurídica, independentemente da prática de atos abusivos pelos sócios ou
administradores.

Por sua vez, nas sociedades cuja modalidade traz aos sócios responsabilidade limitada à
participação societária, o acesso ao patrimônio pessoal do sócio normalmente exige um plus
devidamente descrito pela lei material. Esse plus se revela nos pressupostos materiais para a
desconsideração da personalidade jurídica. Na sistemática brasileira, cada legislação traz requisitos
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específicos para que se “levante o véu” da personalidade jurídica da sociedade e, assim, a partir da
propositura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 e seguintes do CPC
(LGL\2015\1656)), seja objeto de análise pelo Poder Judiciário se há ou não a presença dos
requisitos legais para que os sócios passem a responder, também, pelas dívidas sociais.

A diversidade de requisitos para a desconsideração e as múltiplas capas de sentido que informam


cada ramo do direito contribuem para uma falta de uniformidade no tratamento da matéria. Assim,
para melhor compreender o tema, é necessário avaliar os pressupostos para a desconsideração em
sentido mais amplo para que se possa, depois, incursionar em cada matéria.

3 Pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica é técnica2 que possibilita ignorar a autonomia


patrimonial da pessoa, com a extensão da responsabilidade para patrimônio alheio, quando existente
uma ofensa à ordem jurídica. Normalmente, porém, a desconsideração recebe definição mais
restrita. Como exemplo, Marlon Tomazette a toma como

“[...] a retirada episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a


fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus titulares, sócios ou administradores,
com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrados por estes.”3

Sob a ótica daquele que foi prejudicado, a desconsideração é “direito unilateral à extensão da
responsabilidade” e poder de produzir efeitos jurídicos por meio dessa declaração quando presentes
os requisitos para tanto. A desconsideração, portanto, é um direito potestativo contra a pessoa cuja
personalidade se pretende desconsiderar.4 Na perspectiva dos planos da relação jurídica, a
desconsideração afeta o plano da eficácia para ignorar alguns efeitos da personificação.5

Enquanto medida excepcional6, a desconsideração se submete aos requisitos do direito positivo.


Como a autonomia patrimonial confere segurança e estabilidade à pessoa jurídica enquanto
instrumento de desenvolvimento das relações econômicas, a desconsideração não é a regra, mas a
exceção.7 A autonomia patrimonial contribui para limitar os riscos da atividade econômica dos
integrantes da pessoa jurídica.8 Nesse contexto, discutir a extensão da desconsideração é também
avaliar quais são os direitos em jogo e em que medida a autonomia patrimonial deve ceder diante de
outros interesses juridicamente protegidos. As suas balizas remetem ao limiar do conceito de
personalidade e oscilam entre comedimento e excesso.9

A construção clássica – de Rubens Requião – considera que se a personalidade jurídica da pessoa


jurídica é uma concessão para a realização de determinados fins, é preciso “reconhecer ao Estado,
através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente
usado”.10 O abuso, portanto, era a divisória da responsabilidade dos sócios frente aos atos da
pessoa jurídica.

Posteriormente, a doutrina identificou os requisitos da desconsideração a partir de duas “teorias”: a


maior e a menor.11 A ramificação, que conta hoje com ampla aceitação jurisprudencial, recebeu
crítica do seu próprio elaborador.12 Contudo, fato é que as “teorias” contribuem para a
sistematização da matéria e para a compreensão dos institutos correlatos.

A teoria menor considera viável a desconsideração quando existir inadimplemento.13 É dizer, o


descumprimento de uma obrigação por parte da pessoa jurídica, prejudicando o titular do direito,
justifica a desconsideração. Na prática, simplifica-se com a noção de que o prejuízo ao credor é
causa suficiente para afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Desse modo, se o ente não
tiver patrimônio suficiente para honrar suas obrigações, atinge-se, mediante desconsideração, o
patrimônio dos sócios ou administradores.

A teoria menor é mencionada em diversos ramos do direito, que permitem a penetração com a mera
prova da insolvência da pessoa jurídica para pagamento de suas obrigações, dispensada qualquer
demonstração de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.14 O principal exemplo envolve o
direito do consumidor e que será mais bem detalhado adiante. A crítica central à teoria menor é que,
ao exigir apenas a insolvência, ela enfraquece sobremaneira a noção de autonomia patrimonial,
praticamente esvaziando a diferença entre pessoa jurídica e pessoa natural. Segundo os críticos,
essa aplicação da desconsideração equivale, na prática, em “eliminação do princípio da separação
entre pessoa jurídica e seus integrantes”.15
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exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
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A teoria maior, por sua vez, considera que cabe a desconsideração quando existir algo maior do que
o inadimplemento. É dizer, “não basta a simples prova da insatisfação de direito de credor da
sociedade para justificar a desconsideração”.16 O prejuízo ao credor – que decorre do
inadimplemento – não é forte o suficiente para que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica seja
rompida. O elemento adicional proposto é o abuso da personalidade jurídica. Exige-se, então, algum
desvirtuamento da função da pessoa jurídica para que “caia o véu” da personalidade. Atualmente, o
detalhamento consta no art. 50 do Código Civil (LGL\2002\400) com a redação atualizada pela Lei
13.874/19 (LGL\2019\8262) (Lei da Liberdade Econômica).

Em paralelo às teorias, a doutrina reforça que a desconsideração tem origem em atos imputáveis à
pessoa jurídica. Nesse sentido, ela não se confunde com a responsabilidade pessoal/direta de sócios
ou administradores que extrapolam seus poderes ou mesmo que violem a lei ou o contrato social.
Em tais casos, não será caso de desconsiderar a personalidade, mas sim de imputar diretamente a
responsabilidade ao causador da ofensa à ordem jurídica.17 Segundo a célebre lição de Luciano
Amaro, se a lei prevê a responsabilidade solidária, subsidiária, ou mesmo direta do sócio, por
obrigação da pessoa jurídica, ou quando a lei proíbe que algumas operações, vedadas aos sócios,
sejam praticadas pela pessoa jurídica, não é caso de desconsideração, mas de imputação ao sócio.
18
Nesses casos, a responsabilidade do sócio já decorre do preceito legal.19

O legislador, porém, não deixa clara a distinção entre imputação à pessoa jurídica e imputação ao
sócio. Não raro, a referência à teoria menor é, na realidade, situação de imputação direta da
responsabilidade ao sócio, o que dispensaria a desconsideração da personalidade jurídica. Muitas
vezes, as duas situações são tratadas pela legislação como desconsideração da pessoa jurídica.
Com acerto, Fábio Ulhoa Coelho indica que as exceções ao princípio da autonomia dispersas pelo
ordenamento jurídico acabam ignoradas.20 E, com isso, a lei acaba por autorizar a utilização da
técnica da desconsideração para estender a responsabilidade patrimonial ao sócio mesmo quando a
obrigação já seria diretamente imputável a ele.

No estudo da responsabilidade patrimonial alheia quando o primeiro direcionado é a pessoa jurídica,


devidamente absorvidas as críticas à diferença entre teoria maior, teoria menor e responsabilidade
direta, podem ser identificadas pelo menos duas situações diversas que autorizam a
desconsideração.

Na primeira situação, a pessoa cujo patrimônio se pretende atingir conta apenas com uma
responsabilidade extraordinária ou indireta. Devido ao regime de limitação de responsabilidade de
alguns tipos societários, as obrigações não se estendem de forma ilimitada aos sócios,
administradores ou outras pessoas. A regra é que o regime de limitação do tipo societário limite a
extensão da responsabilidade à pessoa jurídica. Contudo, caso se demonstre a ocorrência de abuso
da personalidade jurídica, imputa-se a responsabilidade a quem deu causa e se beneficiou do ato.
Esse cenário abrange o sentido tradicional ou “autêntico” da desconsideração da personalidade
jurídica. Corresponde à teoria maior. Aqui, levanta-se o “véu” da pessoa jurídica. Flexibiliza-se a
autonomia patrimonial dela para incursionar no patrimônio alheio em razão do abuso. Trata-se,
portanto, de uma desconsideração própria.

Na segunda situação, a pessoa cujo patrimônio se pretende atingir conta com responsabilidade
ordinária, que poderá ser direta, solidária ou subsidiária, conforme o direito material que a justificar.
Aqui, apesar do regime de limitação de alguns tipos societários, as obrigações se estendem de forma
ilimitada aos sócios, administradores ou até outras pessoas. Trata-se de uma escolha política de não
submeter certas obrigações ao regime de limitação, como reforço à proteção de quem poderia ser
lesado pelos atos praticados. Não se trata de autêntica desconsideração, pois, o objetivo não é
romper a autonomia patrimonial de ninguém, mas estender a responsabilidade para outros sujeitos
que já são obrigados e não foram inicialmente acionados. Não se exige necessariamente abuso. O
que importa é comprovar que a responsabilidade é passível de extensão conforme o regramento do
direito material justificador da medida. A providência corresponde à teoria menor e às demais
situações de extensão da responsabilidade a terceiros. Trata-se, portanto, de uma desconsideração
imprópria. Na verdade, toma-se de empréstimo a palavra “desconsideração” para visualizar a
possibilidade, o método e os efeitos da extensão da responsabilidade patrimonial contra alguém que
não figura inicialmente na relação processual. Ela não se confunde com a desconsideração inversa.
21

Apesar das críticas ao “uso indevido” do instituto da desconsideração, há também pontos positivos.
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jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

Para o exequente, a desconsideração confere uma aceleração procedimental na recuperação do


crédito. Ao invés de se exigir uma ação própria, com ampla dilação em torno do direito violado,
cria-se uma abertura para a extensão da responsabilidade via incidente processual, sem a
necessidade de cognição exauriente acerca da obrigação inadimplida. Flexibiliza-se, por exemplo, a
exigência de uma sentença condenatória decorrente de prévio e demorado procedimento comum.
Prestigia-se a tutela executiva e a satisfação do crédito. Em favor do executado, como contrapartida,
viabiliza-se o contraditório e a ampla defesa por meio do incidente de desconsideração, momento em
que poderá alegar que não é caso de extensão da responsabilidade. Além disso, os efeitos da
extensão serão menores do que aqueles oriundos de uma sentença condenatória.

Em termos diretos, significa que tanto a desconsideração própria como a desconsideração imprópria
só são permitidas quando forem comprovados os requisitos da extensão tal como previsto no direito
material. Além disso, ambas se submeterão ao regime formal do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e seus efeitos também receberão as mesmas limitações daí decorrentes.

A principal dificuldade para compreender esse enorme grupo de situações heterogêneas dentro de
um mesmo instituto parece residir na ausência de uma sistematização coesa do direito material.
Contudo, como caminhada inicial, propõe-se um exame de três ramos do direito para avaliar se é
possível identificar um denominador comum entre eles, bem como se há uma estrutura progressiva
visualizável nas múltiplas formas de desconsideração da personalidade jurídica desde a perspectiva
dos seus requisitos justificadores. Por fim, aferir quais os reflexos disso para a seara processual.

3.1 Requisitos do Código Civil

Os requisitos para a desconsideração nas relações privadas – civis e empresariais – constam no


Código Civil (LGL\2002\400) e foram aprimorados após a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19
(LGL\2019\8262)). Como já adiantado, exige-se, cumulativamente: (a) prejuízo ao credor e o (b)
abuso da personalidade jurídica em benefício, direto ou indireto, do sócio ou administrador da
pessoa jurídica.

O prejuízo ao credor se dá diante do descumprimento de uma obrigação ou da violação de algum


outro dever jurídico por parte da pessoa jurídica (inadimplemento).

O abuso da personalidade jurídica se implementa com o desvio de finalidade ou a confusão


patrimonial. Após a Lei 13.874/19 (LGL\2019\8262), a desconsideração somente pode ocorrer
quanto ao sócio ou administrador que, direta ou indiretamente, tenha se beneficiado do abuso.
Assim, por exemplo, um sócio que não teve qualquer benefício com o ato fraudulento praticado por
outro sócio não será responsabilizado. Embora a doutrina e a jurisprudência já caminhassem nesse
mesmo sentido22 , a alteração da parte final do art. 50, caput, do Código Civil (LGL\2002\400),
derruba qualquer discussão.

O desvio de finalidade “é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza” (art. 50, § 1º, CC (LGL\2002\400)). A MP 881/19
(LGL\2019\3302) exigia a “utilização dolosa” da pessoa jurídica para caracterizar o desvio. Essa
locução, caso tivesse sido aprovada, poderia causar o esvaziamento do instituto, já que, na
responsabilidade civil, o dolo está relacionado com um elemento subjetivo agravado. Felizmente, a
mudança não prosperou e a Lei 13.874/19 (LGL\2019\8262) faz alusão apenas à “utilização da
pessoa jurídica”, o que permite concluir que basta conduta culposa ou mesmo antifuncional.

O desvio de finalidade também pode estar caracterizado pelo abuso de direito. Nessa linha, o art. 50,
§ 1º, do Código Civil (LGL\2002\400) diz menos do que deveria, já que um ato lícito, mas praticado
além dos fins sociais do direito, poderá, conforme o caso, justificar a desconsideração. Em casos
tais, não há propósito de prejudicar, mas mau uso da personalidade jurídica.23

Adicione-se que a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica


específica da pessoa jurídica não caracteriza desvio de finalidade (art. 50, § 5º, CC (LGL\2002\400)).
O texto diz que a expansão ou alteração da finalidade, por si só, não justifica a desconsideração.
Sem prejuízo, no caso concreto poderá ser demonstrado o propósito de lesar credores por alguma
mudança na atividade econômica se existirem outros elementos.

A prática de algum ato fraudulento é exemplo de desvio de finalidade. A fraude consiste no “o artifício
malicioso para prejudicar terceiros”.24 A fraude, enquanto distorção intencional dos fatos para
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exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
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prejudicar alguém, se traduz em desvio de finalidade da pessoa jurídica, posto que o propósito desta
jamais será o de enganar alguém.

A confusão patrimonial, por sua vez, se implementa (a) pelo cumprimento repetitivo pela sociedade
de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; ou (b) pela transferência de ativos ou de
passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (c)
pela presença de outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial (art. 50, § 2º, CC
(LGL\2002\400)). Apesar da nova redação buscar conferir maior segurança jurídica à
desconsideração, a última hipótese deixa uma cláusula aberta (descumprimento da autonomia
patrimonial) a ser completada no caso concreto. Exemplo disso é que mesmo o cumprimento sem
repetição de obrigações do sócio pela sociedade poderá ser encarado como confusão patrimonial
(Flávio Tartuce). Na doutrina, a confusão patrimonial se implementa “pela utilização efetiva do
patrimônio da pessoa jurídica em benefício direto e exclusivo de um dos sócios”.25

Por fim, em relação ao encerramento irregular (ou dissolução irregular), a jurisprudência consagrou
que o fato, por si só, não basta para caracterizar o abuso. Exige-se mais elementos.26 Na doutrina, a
questão não é unânime. Segundo alguns, o fechamento do estabelecimento sem pagamento de
credores é um nítido caso de abuso da personalidade jurídica, pois há inúmeras exigências a ser
atendidas no encerramento regular.27 O curioso é que o mesmo Superior Tribunal de Justiça
considera legítimo o redirecionamento de execução fiscal devido à dissolução irregular (Súmula 435,
STJ).28 Sérgio Campinho, por seu turno, explica que o encerramento irregular é um ato ilícito
praticado pelos sócios e que, portanto, os torna ilimitadamente responsáveis pelas obrigações da
pessoa jurídica (art. 1080, CC (LGL\2002\400)).29 Uma vez mais ilustra-se aqui a difícil distinção, ou
sobreposição, entre responsabilidade direta do sócio por certos atos e a responsabilidade que é
estendidas ao sócio em razão do abuso da personalidade jurídica.

3.2 Requisitos do Código Tributário Nacional

Na legislação tributária, a grande celeuma está em identificar os casos em que há desconsideração


da personalidade jurídica e os casos em que há mera extensão da responsabilidade, seja essa
solidária, subsidiária ou direta/pessoal. A compreensão do tema, porém, exigiria uma análise
detalhadas das regras referentes à obrigação e à responsabilidade tributária.

Apenas para ilustrar, cabe examinar o art. 135 do CTN (LGL\1966\26). Segundo Marlon Tomazette,
este não é um é caso de desconsideração, mas sim de responsabilidade pessoal e direta de
determinados sócios ou administradores que tenham cometido abusos. A posição é compartilhada
pela maioria da doutrina especializada.30 O art. 135 do CTN (LGL\1966\26) trata de hipóteses em
que houve a prática de algum ato com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou
estatuto pelas pessoas indicadas nos incisos do dispositivo legal. Cuida-se de responsabilidade
tributária de terceiros que tenham atuado em desconformidade com o direito. A jurisprudência
consagrou que as hipóteses em tela revelam responsabilidade solidária e ilimitada das pessoas
indicadas.31

O requisito legal para a imputação de responsabilidade é a ocorrência de “atos praticados com


excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Entre as grandes divergências
em torno dessa previsão, discute-se o que seria “infração à lei” para justificar a extensão da
responsabilidade. Nesse ponto, os tribunais consideram que o inadimplemento da obrigação
tributária não é considerado, por si só, caracterizador da infração à lei (Súmula 430, STJ). Nota-se,
pois, que em matéria tributária, o prejuízo ao credor fazendário não é causa suficiente para a
“desconsideração”. O encerramento irregular, ao reverso, é considerado infração à lei que justifica o
redirecionamento da execução fiscal (Súmula 435, STJ).

Sobre a possibilidade de extensão da responsabilidade para os sócios que não estavam no exercício
da gerência no momento do fato gerador do tributo cobrado, o assunto permanece em aberto.
Embora o STJ já tenha afirmado que “consideram-se irrelevantes para a definição da
responsabilidade por dissolução irregular (ou sua presunção) a data da ocorrência do fato gerador da
obrigação tributária, bem como o momento em que vencido o prazo para pagamento do respectivo
débito” 32 , a questão foi submetida ao regime de recursos repetitivos e segue inconclusa (Tema
981/STJ).33

3.3 Requisitos do Código de Defesa do Consumidor

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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

Nas relações de consumo, a desconsideração da personalidade jurídica conta com regramento


próprio cuja origem histórica remonta à “libertação das amarras do individualismo exacerbado”,
voltando-se para o aspecto social e o “rápido e efetivo acesso à justiça”.34

A jurisprudência majoritária afirma que teria sido adotada a teoria menor, bastando a prova do
prejuízo ao consumidor. Mas não é bem isso que prevê o Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se, pois, de uma perigosa simplificação. Para melhor compreender o assunto, vejamos as três
situações previstas na codificação consumerista.

A primeira situação é assim descrita:

“[...] o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do


consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração” (art. 28, caput, CDC (LGL\1990\40)).

As primeiras condutas que justificam a desconsideração, aqui, estão todas relacionadas com o
abuso da personalidade jurídica: abuso de direito, excesso de poder, infração à lei, ato ilícito,
violação dos estatutos ou contrato social. Na sequência, prevê que a má-administração que ocasione
a falência, a insolvência ou o encerramento de atividades também justifica a desconsideração.

Sobre o excesso de poder, infração à lei, prática de algum ato ilícito e violação dos estatutos ou
contrato social, Marlon Tomazette defende que não se trata de desconsideração, mas sim de
imputação da responsabilidade diretamente ao sócio ou administrador que tenha praticado tais atos.
35
Em sentido semelhante, Fábio Ulhoa Coelho traz que a má-administração é conduta do
administrador e não da pessoa jurídica. Assim, é o administrador que deveria responder, sem
necessidade de desconsideração.36

Em síntese, seja qual for a linha adotada, parece ser incontroverso que essa primeira situação NÃO
envolve a teoria menor, posto que exige mais do que o mero descumprimento da obrigação. Não
basta, pois, o prejuízo ao consumidor (credor) no art. 28, caput, do CDC (LGL\1990\40).

A segunda situação envolve grupos societários, sociedades consorciadas e sociedades coligadas.


As regras são específicas: as sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades
controladas possuem responsabilidade subsidiária (art. 28, § 2º, CDC (LGL\1990\40)); as sociedades
consorciadas possuem responsabilidade solidária (art. 28, § 3º, CDC (LGL\1990\40)); e as
sociedades coligadas apenas respondem por culpa (art. 28, § 4º, CDC (LGL\1990\40)). Uma vez
mais não se trata de desconsideração, mas de extensão da responsabilidade nas situações
descritas.37 Assim, por exemplo, se a sociedade controladora causa prejuízo ao credor e não tem
patrimônio para ressarcir, estende-se a responsabilidade para a sociedade controlada ou para as
demais do grupo.

A terceira situação é mais delicada. Aqui, o legislador estabelece que “poderá ser desconsiderada a
pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores” (art. 28, § 5º, CDC (LGL\1990\40)). Assim, quando a
personalidade da pessoa jurídica for um obstáculo para o consumidor, admite-se a desconsideração.
É exatamente esse caso que parece justificar a adoção da teoria menor. Afinal, a insolvência é a
mais patente prova de que a personalidade jurídica é obstáculo para o ressarcimento. A redação
controversa é criticada desde longa data, afinal, cabe desconsideração quando há prejuízo com
abuso (art. 28, caput), mas também quando há prejuízo mesmo sem abuso (art. 28, § 5º).38

O fundamento central é que o risco empresarial da atividade econômica não deve ser suportado pelo
terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas sim pelos sócios ou administradores, “ainda que
demonstrem uma conduta proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar
conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica”.39 Nota-se
que essa diretriz está em plena harmonia com a proteção do consumidor: entre o sacrifício do crédito
do consumidor e a proteção patrimonial dada aos sócios por meio da pessoa jurídica (princípio da
autonomia patrimonial), a ordem jurídica cede em favor do consumidor: “o objetivo da lei é garantir o
ressarcimento do consumidor, sempre”.40

Como adiantado, é interpretação malvista por alguns. Afinal, a ruptura é excessiva e desprestigia a
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

pessoa jurídica, de sorte que não deve ser compreendida de forma isolada. Ela deve ser conectada
ao art. 28, caput, do CDC (LGL\1990\40). Assim, será necessário que a pessoa jurídica coloque
algum obstáculo ao ressarcimento – medida que na prática redunda em certo abuso da
personalidade – para justificar a desconsideração. Nesse sentido, fatos imprevistos ou alheios à
pessoa jurídica, ainda que haja prejuízo ao consumidor, não justificariam a desconsideração.41 Por
enquanto, essa postura restritiva é minoritária. Ainda prevalece que, nas relações de consumo, foi
adotada a teoria menor: basta o prejuízo ao consumidor caracterizado pelo obstáculo ao
ressarcimento para dar ensejo à “desconsideração”.42

4 Convergências e assimetrias entre as três legislações: uma estrutura escalonada?

Os requisitos materiais para a desconsideração da personalidade jurídica estabelecidos pelo Código


Civil (LGL\2002\400), pelo Código Tributário Nacional e pelo Código de Defesa do Consumidor foram
detalhados nos tópicos antecedentes. Fica bastante evidente que há diferenças bastante sensíveis
entre os pressupostos exigidos por cada legislação para a busca do patrimônio pessoal dos sócios e
administradores. O exame dos três ramos permite identificar uma estrutura escalonada dos requisitos
da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que a
intensidade dos pressupostos é variável nos âmbitos cível, tributário e consumerista. Com isso,
existe uma facilidade de acesso aos bens dos sócios e administradores variável conforme a relação
jurídica material das partes de alguma forma envolvidas, quer dizer, dependendo da legislação,
poderá haver mais ou menos exigências a serem contempladas para a concessão da
desconsideração da personalidade jurídica. Os dois lados da relação jurídica, portanto, devem estar
atentos a essa situação para estarem preparados quando o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica for proposto em juízo.

A tabela seguinte, cujo propósito é exclusivamente didático, busca demonstrar alguns dos requisitos
analisados, sinalizando-se (sublinhado e negrito) os requisitos que são particulares de apenas uma
ou duas das três legislações:

Relações de consumo Relações tributárias Relações civis/empresariais


(art. 28, caput e § 5º, CDC) (art. 135, caput e III, CTN) (art. 50, CC)
- Abuso de direito, excesso de - São pessoalmente - Abuso da personalidade
poder, infração da lei, fato ou ato responsáveis pelos créditos jurídica, caracterizado pelo
ilícito ou violação dos estatutos correspondentes a obrigações desvio de finalidade ou pela
ou contrato social; tributárias resultantes de atos confusão patrimonial;
- A desconsideração também praticados com excesso de - Bens particulares de
será efetivada quando houver poderes ou infração de lei, administradores ou de sócios da
falência, estado de insolvência, contrato social ou estatutos; pessoa jurídica beneficiados
encerramento ou inatividade da - Bens dos diretores, gerentes ou direta ou indiretamente pelo
pessoa jurídica provocados por representantes de pessoas abuso.
má administração; jurídicas de direito privado.
- Ainda poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade
for, de alguma forma, obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.

Fonte: elaborado pelos autores.

O quadro ajuda a visualizar de forma mais clara e objetiva os requisitos que são comuns entre as
três legislações e os requisitos que são exclusivos de apenas uma delas. Nota-se que entre os três
dispositivos legais existem, como pontos de convergência, o abuso da personalidade jurídica, a partir
do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial. O abuso é decorrente, segundo a doutrina vista
nos itens anteriores, de atos ilícitos de qualquer natureza, ou seja, de atos praticados em excesso de
poder (em relação ao estatuto ou contrato social da empresa) ou por infração à lei. Esses
pressupostos são comuns no art. 28, caput, do CDC (LGL\1990\40), no art. 135, caput, do CTN
(LGL\1966\26) e no art. 50 do Código Civil (LGL\2002\400).

Nessas circunstâncias, e preenchidos tais requisitos, em uma relação jurídica tributária, segundo o
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

Código Tributário Nacional, será possível desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade


empresária, alcançando os bens dos administradores, sócios e diretores. Contudo, o Código Civil
(LGL\2002\400) exige, além do abuso (por confusão patrimonial ou desvio de finalidade, mediante a
prática de atos em excesso de poder ou por infração à lei), que haja benefício direito ou indireto do
sócio ou administrador.

Nas relações de consumo, quando a personalidade jurídica da pessoa jurídica for, de alguma forma,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, sequer exige a prova do
abuso (art. 28, § 5º, CDC (LGL\1990\40)). Nesse caso, não se perquire a confusão patrimonial ou o
desvio de finalidade, não se discutindo eventual prática de atos em excesso de poder ou por infração
à lei. Quer dizer, o Código Civil (LGL\2002\400) exige mais do que os requisitos previstos no Código
Tributário Nacional; ao passo que o Código de Defesa do Consumidor apresenta situação em que
nem mesmo os requisitos comuns são exigidos. Prestigia-se a tutela da parte hipossuficiente na
relação de consumo.

Há, portanto, uma espécie de estrutura escalonada entre os requisitos das três leis analisadas, na
qual, em sentido figurativo, o Código de Defesa do Consumidor ocuparia o primeiro degrau de uma
escada; o Código Tributário Nacional estaria em um segundo degrau dessa escada; e o Código Civil
(LGL\2002\400) preencheria o espaço de um terceiro degrau dessa mesma escada, formando essa
espécie de estrutura escalonada, uma escada na qual cada degrau exige mais requisitos para
alcançar o patrimônio dos administradores e sócios da pessoa jurídica. A legislação mais rigorosa
para a quebra é o Código Civil (LGL\2002\400); seguida pelo Código Tributário Nacional e, por fim, o
Código de Defesa do Consumidor é o menos rígido na busca dos bens dos administradores e sócios
da pessoa jurídica.

Diante desses diversos cenários, resta claro que os sócios de uma sociedade empresária devem
estar adequadamente orientados, do ponto de vista jurídico, aos efeitos das operações dos seus
negócios, pois riscos de exposição patrimonial maiores ou menores poderão advir conforme cada
relação de direito material. Ora, não raro uma pessoa jurídica pode ter relação tributária com os
entes federativos dos respectivos impostos que tem o dever de recolher; relação cível paritária com
outras empresas, com as quais faz seus negócios; e ter relações de consumo, a partir dos bens e
serviços que oferece e coloca em circulação no mercado.

Portanto, por um lado, os sócios de uma pessoa jurídica devem atentar a essas circunstâncias e
efeitos das suas relações jurídicas, para fins de organização e proteção patrimonial, seja preventiva
ou contenciosa; por outro lado, os credores de pessoas jurídicas que não detenham patrimônio
suficiente devem considerar e demonstrar os requisitos específicos aplicáveis à espécie quando
pleitearem o incidente de desconsideração da personalidade jurídica43 , para que tenham
eventualmente sucesso na sua empreitada.

5 Considerações finais

O presente ensaio iniciou com uma preocupação prática. A problemática do artigo surgiu das práxis
forense e empresarial, a fim de conhecer e delimitar os pressupostos para a desconsideração da
personalidade jurídica fixados pelas diferentes legislações. Apenas assim é possível ao empresário,
sócio ou administrador de pessoa jurídica, de forma preventiva, analisar os riscos as quais está
exposto o seu patrimônio nas presentes ou futuras demandas executivas que eventualmente venham
a correr em face da empresa.

Afinal: como devem as partes de uma relação jurídica cível, consumerista ou tributária se comportar
e planejar para obter os melhores resultados? E a quais pontos devem os advogados das partes
requerente e requerida do incidente de desconsideração de personalidade jurídica atentar ao longo
do procedimento? Ao trabalhar a responsabilidade patrimonial do sócio ou administrador de pessoas
jurídicas, o presente artigo procurou delimitar claramente quais são os requisitos legais para a
desconsideração da personalidade jurídica nas relações cíveis, tributárias e de consumo.

E a conclusão foi que há, de fato, uma estrutura escalonada entre os pressupostos dos três
dispositivos legais dos códigos investigados. O Código de Defesa do Consumidor ocupa o primeiro
degrau da escada; o Código Tributário Nacional o segundo degrau; e o Código Civil (LGL\2002\400)
está no terceiro degrau dessa escada, como visto na figura trazida no item anterior. Nessa escada,
cada degrau exige mais requisitos que o anterior para alcançar o patrimônio dos administradores e
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil
sócios da pessoa jurídica, criando, assim, uma estrutura escalonada entre os requisitos previstos por
cada legislação. Como se viu, a legislação mais rigorosa para a quebra é o Código Civil
(LGL\2002\400); seguida pelo Código Tributário Nacional e, por fim, o Código de Defesa do
Consumidor é o menos rígido na busca dos bens dos administradores e sócios da pessoa jurídica.

Portanto, conclui-se que existem diferenças bastante sensíveis entre os requisitos para a concessão
da desconsideração da personalidade jurídica, a depender da natureza da relação jurídica posta em
causa. Isso deve estar no radar tanto dos sócios das empresas, para fins de planejamento e
responsabilidade patrimonial, pois as condutas dos sócios e os movimentos da sociedade podem ou
não configurar pressuposto para o alcance do patrimônio dos administradores ou sócios da empresa.
Da mesma forma, os credores devem atentar às especificidades de cada situação para elaborar de
forma assertiva os argumentos do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

6 Referências

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jul./set., 1993 (versão eletrônica).

AMARO, Luciano da Silva. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do


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consultada é republicação da Conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

Jurisprudência

BRASIL. STJ, REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004.

BRASIL. STJ, REsp 1.520.257/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em
16.06.2015, DJe 23.06.2015.

BRASIL. STJ, ProAfR no REsp 1.643.944/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção,
julgado em 09.08.2017, DJe 24.08.2017.

BRASIL. STJ, EREsp 174.532/PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em
18.06.2001, DJ 20.08.2001.

BRASIL. STJ, REsp 1.455.490/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em
26.08.2014, DJe 25.09.2014.

BRASIL. STJ, EREsp 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em
10.12.2014, DJe 12.12.2014.

BRASIL. STJ, REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004.

BRASIL. STJ, 230; AgInt no AREsp 1.575.588/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 20.02.2020, DJe 05.03.2020.

1 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 302.
Acerca da responsabilidade patrimonial do cônjuge, remete-se o leitor ao seguinte texto: ANTUNES
DA CUNHA, Guilherme; SCALABRIN, Felipe. A responsabilidade patrimonial do cônjuge na
execução civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 46, n. 322, dez. 2021.

2 AMARO, Luciano da Silva. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do


Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 5, p. 168-182, jan. 1993 (versão
eletrônica).

3 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 272.

4 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 318.

5 No caso de desconsideração, “os atos que tenham sido praticados são, em si mesmos, válidos.
São, mais ainda, atos eficazes. A decorrência jurídica da aplicação da teoria da desconsideração da
pessoa jurídica é a do afastamento dos efeitos da personificação. O que se altera é o regime jurídico
relacionado aos sujeitos envolvidos na prática do ato” (JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da
personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 89).

6 TEPEDINO, Gustavo. A excepcionalidade da desconsideração da personalidade jurídica. Soluções


práticas – Tepedino, São Paulo, v. 3, p. 63-78, nov., 2011 (versão eletrônica).

7 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 271.

8 “Muitos empreendedores poderiam ficar desmotivados em se lançar a novos e arriscados


empreendimentos se pudessem perder todo o patrimônio pessoal caso o negócio não prosperasse.
Não se pode esquecer que fatores relativamente imprevisíveis, sobre os quais os empresários não
têm nenhum controle, podem simplesmente sacrificar a empresa. A motivação jurídica se traduz pela
limitação das perdas, que não devem ultrapassar as relacionadas com os recursos já aportados na
atividade. Essa será a parte do prejuízo dos sócios da sociedade empresária falida; a parte
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

excedente será suportada pelos credores, muitos deles empresários e exercentes de atividades de
risco. A limitação das perdas, em outros termos, é fator essencial para a disciplina da atividade
econômica capitalista”. COELHO, Fábio Ulhôa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração.
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 65, p. 21-30, jul./set., 2014
(versão eletrônica).

9 Assim: “Não deixa de ser irônico que mais de um século depois da decisão da House of Lords, de
1898, no caso Aaron Salomon v. Aaron Salomon & Company Limited, no qual a tese da
desconsideração da personalidade jurídica foi rejeitada mesmo diante de uma fraude explícita do
controlador, essa doutrina goze hoje de tanto prestígio no Brasil contemporâneo. Essa preeminência
tem suscitado manifestações críticas na doutrina, que começa a se preocupar com os excessos
cometidos em face do patrimônio dos sócios. A situação é tão peculiar que Gustavo Tepedino, em
opinio iuris, defendeu que não seria possível admitir a responsabilização de administradores por atos
abusivos de um gestor de associação”. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Pessoa, personalidade,
conceito filosófico e conceito jurídico de pessoa: espécies de pessoas no direito em geral. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, v. 27, n. 118, p. 281-291, jul./ago. 2018 (versão eletrônica).

10 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard


doctrine). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 803, p. 751-764, set. 2002 (versão eletrônica). A
versão consultada, porém, é republicação da Conferência proferida na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Paraná que consta na Revista dos Tribunais n. 410/12, dez./1969.

11 COELHO, Fábio Ulhôa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 65, p. 21-30, jul./set., 2014 (versão eletrônica).

12 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 21. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. 2. p. 69.

13 COELHO, Fábio Ulhôa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 65, p. 21-30, jul./set., 2014 (versão eletrônica).

14 STJ, REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004. p. 230; AgInt no AREsp 1.575.588/RJ, Rel.
Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20.02.2020, DJe 05.03.2020.

15 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 21. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. v. 2. p. 69.

16 COELHO, Fábio Ulhôa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 65, p. 21-30, jul./set., 2014 (versão eletrônica).

17 SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da personalidade jurídica: limites para sua aplicação.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 780, p. 47-58, out. 2000 (versão eletrônica).

18 “Portanto, quando a lei cuida de responsabilidade solidária, ou subsidiária, ou pessoal dos sócios,
por obrigação da pessoa jurídica, ou quando ela proíbe que certas operações, vedadas aos sócios,
sejam praticadas pela pessoa jurídica, não é preciso desconsiderar a empresa, para imputar as
obrigações aos sócios, pois, mesmo considerada a pessoa jurídica, a implicação ou responsabilidade
do sócio já decorre do preceito legal. O mesmo se diga se a extensão de responsabilidade é
contratual”. AMARO, Luciano da Silva. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 5, p. 168-182, jan. 1993 (versão
eletrônica). Em sentido diverso, atribuindo definição mais ampla à desconsideração para os casos
tributários, vide JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito
brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 112.

19 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 286. Nesse mesmo sentido: “Não há como vincular a
autonomia da personalidade jurídica à exclusão da responsabilidade dos sócios por obrigações
assumidas pela sociedade. Nas situações em que, inobstante a existência da pessoa jurídica, há
previsão legal sobre a responsabilidade do sócio, este responde por sua conta, na posição própria de
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

sócio e não em conseqüência de qualquer ‘desconsideração’, isto é, em conseqüência de suspensão


da eficácia da personalização. O sócio ou gerente da sociedade limitada, por exemplo, assim como o
diretor da sociedade anônima podem responder direta e solidariamente pelos débitos da sociedade
ou perante a sociedade por atos praticados por culpa ou dolo em relação aos atos praticados ultra
vires, isto é, contra a lei ou contrato, estranhos aos objetivos sociais” (ALBERTON, Genacéia da
Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor: Aspectos
processuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 7, p. 07-29, jul./set., 1993 (versão
eletrônica)).

20 COELHO, Fábio Ulhôa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 65, p. 21-30, jul./set., 2014 (versão eletrônica).

21 A distinção proposta entre desconsideração própria e imprópria não se confunde com a diferença
entre desconsideração direta e indireta ou inversa. Na desconsideração inversa, a extensão da
responsabilidade passa da pessoa natural para a pessoa jurídica. O seu fundamento é que a pessoa
jurídica tenha sido utilizada abusivamente para ocultar os bens da pessoa natural. A
desconsideração inversa, superado um período de construção doutrinária, está prevista na legislação
material (art. 50, § 3º, do Código Civil).

22 Enunciado 7 da I Jornada de Direito Civil: “Só se aplica a desconsideração da personalidade


jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que
nela hajam incorrido”. No mesmo sentido: STJ, REsp 1.838.009/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro,
Terceira Turma, julgado em 19.11.2019, DJe 22.11.2019.

23 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 282. Segundo Rubens Requião, “no abuso de direito não
existe, propriamente, trama contra o direito de credor, mas surge do inadequado uso de um direito,
mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem”. REQUIÃO,
Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 803, p. 751-764, set. 2002 (versão eletrônica).

24 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 294.

25 E prossegue: “Não se trata de interferências patrimoniais pontuais, que podem ocorrer licitamente
por meio de relações obrigacionais estabelecidas entre os sócios e a sociedade, mas de efetiva
fusão prática entre as duas esferas patrimoniais em análise. Desrespeita-se, na confusão
patrimonial, a divisória que separa o conjunto de bens da pessoa jurídica do de seus membros, de tal
maneira que a desconsideração vem apenas atribuir efeitos jurídicos a uma situação que, de fato, já
se apresentava”. TEPEDINO, Gustavo. A excepcionalidade da desconsideração da personalidade
jurídica. Soluções práticas – Tepedino, São Paulo, v. 3, p. 63-78, nov., 2011 (versão eletrônica).

26 STJ, EREsp 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em
10.12.2014, DJe 12.12.2014.

27 ALVAREZ, Anselmo; SANTOS, Pablo Francisco dos. O “novo regime jurídico” da


desconsideração da personalidade na sociedade anônima, estabelecido pela Lei de Liberdade
Econômica (aspectos materiais e processuais). Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais
, São Paulo, v. 89/2020, p. 41-68, jul./set., 2020 (versão eletrônica).

28 Súmula 435, STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no
seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da
execução fiscal para o sócio-gerente”.

29 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018. p. 77.

30 Contra, porém, Marçal Justen Filho considera que “a desconsideração da personificação


societária, no direito tributário, consistirá na suspensão da eficácia da distinção entre pessoas
(decorrentes da existência de pessoa jurídica) para permitir a incidência de uma certa previsão
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

tributária” (JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro


. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 112).

31 STJ, EREsp 174.532/PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 18.06.2001, DJ
20.08.2001. p. 342; ver também: REsp 1.455.490/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 26.08.2014, DJe 25.09.2014.

32 STJ, REsp 1.520.257/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 16.06.2015,
DJe 23.06.2015.

33 STJ, ProAfR no REsp 1.643.944/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado
em 09.08.2017, DJe 24.08.2017.

34 ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do


Consumidor: Aspectos processuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 7, p. 07-29,
jul./set., 1993 (versão eletrônica). No mesmo sentido, vide: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A
proteção ao consumidor no sistema jurídico brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 108,
p. 185-211, out./dez. 2002 (versão eletrônica).

35 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 288.

36 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 289.

37 AMARO, Luciano da Silva. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do


Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 5, p. 168-182, jan. 1993 (versão
eletrônica); TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12.
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 290.

38 Confira-se a crítica de Luciano Amaro: “O referido § 5.º, c/c o caput, mostra um serviço legislativo
viciado por insanável impropriedade. É como se se dissesse: ‘Se causares prejuízo com abuso irás
preso; também irás preso se causares prejuízo por má administração; e irás preso sempre que, de
qualquer forma, causares prejuízo’. O enunciado do parágrafo é tão genérico, abrangente, ilimitado,
que, aplicado literalmente, dispensaria o caput do artigo, e tornaria inócua a própria construção
teórica da desconsideração, implicando em derrogar (independentemente de qualquer abuso ou
fraude) a limitação de responsabilidade dos sócios de todos e qualquer empresa fornecedora de
bens ou serviços no mercado de consumo”. AMARO, Luciano da Silva. Desconsideração da pessoa
jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 5, p.
168-182, jan. 1993 (versão eletrônica). Com a mesma posição, vide: ALBERTON, Genacéia da Silva.
A desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor: Aspectos processuais.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 7, p. 07-29, jul./set., 1993 (versão eletrônica). Na
doutrina recente, vide: CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: direito de empresa. 15. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 80.

39 STJ, REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004. p. 230.

40 NUNES, Rizatto. Curso de direito do consumidor. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 803.

41 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1. p. 292.

42 NUNES, Rizatto. Curso de direito do consumidor. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 803.

43 O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que a desconsideração da personalidade


jurídica de EIRELI também exige a instauração do incidente processual para averiguar a presença ou
não dos requisitos, haja vista que a EIRELI também cria uma separação de patrimônio e de
responsabilidade entre a pessoa jurídica e a pessoa natural que a titulariza. STJ, REsp
1.874.256/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17.08.2021, DJe em
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Requisitos para desconsideração da personalidade
jurídica: a estrutura escalonada dos pressupostos
exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo
Código Tributário Nacional e pelo Código Civil

19.08.2021.

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