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DEFICIÊNCIA DE BIOTINIDADE

EPIDEMIOLOGIA

A deficiência de biotinidase é uma doença rara com uma incidência que varia
entre 1:40.000 e 1:60.000 nascimentos em todo o mundo. Em 2006, a incidência de
casos profundos era de 1:80.000, e a incidência de casos parciais era de 1:31.000 a
1:40.000 nos EUA. A frequência estimada de portadores é de 1:123 indivíduos. As
taxas variam de país para país.

No Brasil, há poucos estudos sobre a prevalência da deficiência de biotinidase


(DB), e os resultados encontrados são discordantes. Um estudo em Curitiba, realizado
por Pinto et al. (1998), analisou 125.000 amostras de recém-nascidos e detectou dois
casos de deficiência profunda e um caso de deficiência parcial de biotinidase,
resultando em uma incidência de 1:41.000. Outro estudo por Camargo Neto et al.
(2004), que analisou 225.136 amostras de várias regiões do Brasil, encontrou uma
incidência de 1:9.000, sugerindo uma possível maior incidência da doença no país em
comparação com outros países. Em Minas Gerais, de 2008 a 2009, aproximadamente
180.000 amostras foram triadas, identificando 10 casos de deficiência parcial de
biotinidase, mas nenhum caso de deficiência total.

Em populações com maior consanguinidade, a incidência da deficiência de


biotinidase tende a ser mais elevada. Este fato é observado em países como a Turquia
e o Reino da Arábia Saudita. Também foi observado uma maior incidência em bebés
hispânicos nascidos no oeste dos Estados Unidos. Em contrapartida, foi registada uma
menor incidência na população afro-americana.
ETIOLOGIA

A deficiência de biotinidase é
herdada através de um padrão
autossômico recessivo através de duas
variantes patogénicas no gene BTD,
localizado no cromossomo 3p25.1. O BTD
codifica a proteína e a enzima biotinidase,
que recicla a biotina, permitindo que o
cofator fique disponível para as
carboxilases. A biotinidase converte a
biocitina em biotina livre através da
remoção de um grupo lisina,
reabastecendo assim a reserva de biotina
para outras reações. A biotina livre é necessária para as enzimas chamadas
carboxilases dependentes de biotina, que decompõem as gorduras, as proteínas e os
carboidratos. Na deficiência de biotina, as enzimas carboxilases (MCC, ACC, PCC,
PC) não conseguem catalisar corretamente as reações (as carboxilases são
importantes para a gliconeogênese, síntese de ácidos graxos e o catabolismo de
vários aminoácidos de cadeia ramificada), levando à acumulação de substratos, o que
provoca uma toxicidade significativa e sinais e sintomas de doença.
PATOFISOLIOGIA

A biotina é uma vitamina do complexo B solúvel em água. Encontra-se em várias


fontes alimentares, como o leite, a gema de ovo, carnes de órgãos (fígado, rim), a
acelga, os vegetais de folha verde e a levedura de cerveja. Além disso, a biotina
endógena é produzida pela flora do intestino grosso.

A apocarboxilase transforma-se em holocarboxilase através de uma reação catalítica


que envolve a ligação da biotina através da enzima holocarboxilase sintetase. Quando
a holocarboxilase se decompõe durante as reacções proteolíticas, libera biotinil-
peptídeos e biocitina. A biotinidase recicla então a biotina dos biotinil-peptídeos e da
biocitina, tornando-a disponível para as carboxilases, aumentando a concentração de
biotina livre. A deficiência de biotinidase torna assim a biotina indisponível para as
quatro carboxilases, levando a bloqueios nas quatro vias que envolvem estas
enzimas-chave:

 Uma piruvato carboxilase (PC) ineficiente resulta numa acumulação de ácido


lático e alanina (acidose láctica);
 A deficiência da propionil-CoA carboxilase (PCC) eleva os níveis de metabólitos
ácidos (acidemia propiônica)
 Deficiência de 3-metilcrotonil-CoA carboxilase (MCC) (“crise metabólica”)
o A apresentação clínica dessa deficiência pode ser similar a da síndrome
de Reye
 A deficiência da acetil-CoA carboxilase leva à acumulação de acetil-CoA
o NOTA DO EDUARDO: aumento de A-CoA -> Cetogênese ->
Cetoacidose metabólica
 A acumulação destes substratos leva a manifestações neurológicas e
dermatológicas variáveis da doença.

QUADRO CLÍNICO

Os sintomas da deficiência de biotinidase podem surgir entre 2 semanas e 2 anos de


idade, mas também podem se manifestar mais tarde, incluindo na adolescência ou
início da vida adulta. O fenótipo varia, mesmo dentro de uma mesma família.

Os principais órgãos e sistemas afetados e suas manifestações clínicas incluem:


- Neurológico: convulsões tônico-clônicas generalizadas, espasmos infantis, crises
mioclônicas, hipotonia e atraso no desenvolvimento. Em adultos, podem ocorrer
sonolência e parestesia.

- Dermatológico: rash cutâneo, pele seca e áspera, alopecia, infecções fúngicas.

- Audiológico: perda auditiva neurossensorial, problemas de linguagem.

- Oftalmológico: ceratite, conjuntivite, atrofia óptica, pigmentação da retina, distúrbios


da motricidade ocular.

- Gastrointestinal: dificuldade de alimentação, diarreia, hepatomegalia.

- Respiratório: hiperventilação, estridor e apneia.

- Imunológico: infecções fúngicas cutâneas e virais.

FATORES DE RISCO

A deficiência de biotinidase possui vários fatores de risco, como histórico familiar da


condição, consanguinidade, etnia específica e o uso prolongado de certos
medicamentos anticonvulsivantes. A predisposição genética desempenha um papel
importante na suscetibilidade à condição. Um estudo conduzido na China destacou a
importância de considerar a deficiência de biotinidase como uma possível causa
subjacente em pacientes com epilepsia de início precoce.

DIAGNÓSTICO + TRIAGEM

O diagnóstico neonatal pode ser feito durante a triagem neonatal, mesmo em bebês
sem sintomas. Esta triagem utiliza cartões de papel impregnados com sangue para
medir a atividade da enzima biotinidase (o substrato é biotinil-p-aminobenzoato) .

Resultados suspeitos indicam a necessidade de testes quantitativos no plasma,


possivelmente seguidos por testes moleculares para confirmação. O diagnóstico final é
confirmado através da medição da atividade enzimática no plasma usando métodos
colorimétricos ou fluorimétricos.
O diagnóstico definitivo da deficiência de biotinidase envolve a detecção da atividade
enzimática no soro, seguindo as instruções para coleta, processamento e
armazenamento do sangue. Os pacientes podem ser classificados:
 deficiência profunda (menos de 10% de atividade enzimática)
 parcial (entre 10% e 30% de atividade enzimática).

O método bioquímico pode ser complementado por estudos moleculares,


considerados padrão ouro, para identificar mutações no gene BDT. O
sequenciamento desse gene é útil para determinar o status dos pacientes,
guiar decisões de tratamento e entender melhor a correlaç ão entre genótipo e
fenótipo, além de oferecer informações sobre a variabilidade genética.

TRATAMENTO

O Programa Nacional de Triagem Neonatal indica o início do tratamento com biotina


após dois testes de triagem alterados. O teste confirmatório é realizado aos 3 meses
de idade para bebês a termo e quando bebês pré-termo atingem 37-41 semanas
corrigidas.

As necessidades diárias de biotina são variáveis: adultos e mulheres grávidas (30 µg);
lactantes (35 µg); crianças e adolescentes até os 18 anos (5 a 25 µg).

Se houver necessidade de transfusão de hemoderivados, a coleta de sangue deve ser


realizada antes ou após 3 meses. O tratamento consiste em suplementação oral de
biotina, variando de 5-10 mg/dia para deficiência parcial e 10-20 mg/dia para
deficiência profunda.

A continuidade do tratamento é crucial. Monitoramento clínico regular e


aconselhamento genético são fundamentais, pois o risco de recorrência para filhos de
casal não afetado é de 25%.

Tratamento com biotina:

- 5-10 mg/dia para deficiência parcial


- 10-20 mg/dia para deficiência profunda

Monitoramento clínico

Avaliação dos sinais e sintomas

Teste quantitativo

Ajustar dose conforme resultado do teste

PREVENÇÃO

Após o diagnóstico, o acompanhamento é mensal até remissão, trimestral no 1º ano,


semestral até os 5 anos, e anualmente depois disso. Avaliações audiológicas e
oftalmológicas ocorrem a cada 2 anos até os 16 anos para pacientes assintomáticos.
Para os sintomáticos, as avaliações são anuais até os 16 anos e depois podem ser
bianuais. A resposta terapêutica é observada clinicamente, sem necessidade de
exames laboratoriais. A dose deve ser mantida vitaliciamente após a melhora, com
aumento até 20 mg/dia se necessário, decidido por Comitê de Especialistas.
Prevenção.

REFERÊNCIAS

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