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Tratamento das doenças genéticas

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Tratamento das doenças


genéticas
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INTRODUÇÃO

As doenças genéticas podem ser tratadas em qualquer nível, desde o gene mutante até o
fenótipo clínico. O tratamento em nível de fenótipo clínico inclui todas as intervenções médicas ou
cirúrgicas que não são exclusivas ao manejo de doenças genéticas. Os tratamentos atuais não são
necessariamente mutuamente exclusivos, embora somente a terapia gênica, a edição gênica ou o
transplante celular possam potencialmente fornecer uma cura.

Apesar de avanços poderosos estarem sendo feitos, o tratamento global de doenças


monogênicas atualmente é deficiente.

O estado de melhora, mas ainda assim insatisfatório, das doenças monogênicas é devido a
vários fatores que incluem:

• Gene não identificado ou patogênese não compreendida: embora mais de 3.000 genes
tenham sido associados com doenças monogênicas, o gene afetado ainda é desconhecido
em mais da metade desses distúrbios. Entretanto, mesmo quando o gene mutante é
conhecido, o conhecimento do mecanismo fisiopatológico é frequentemente inadequado e
pode ficar bem atrás da descoberta do gene. Na fenilcetonúria (PKU), por exemplo, apesar
de décadas de estudo, os mecanismos pelos quais o aumento da fenilalanina prejudica o
desenvolvimento e a função cerebral ainda são muito pouco compreendidos.
• Dano fetal pré-diagnóstico: algumas mutações agem prematuramente no desenvolvimento
ou causam alterações patológicas irreversíveis antes de serem diagnosticadas. Às vezes,
esses problemas podem ser previstos se há um histórico familiar de doença genética ou se a
triagem de portadores identificar casais sob risco. Em alguns casos, o tratamento pré-natal
é possível.
• Fenótipos severos são menos suscetíveis à intervenção: os casos iniciais para que uma
doença seja identificada normalmente são os mais gravemente afetados, mas eles são menos
suscetíveis ao tratamento. Em tais indivíduos, a mutação frequentemente leva à ausência da
proteína codificada ou a uma proteína mutante bastante comprometida sem nenhuma
atividade residual. Por outro lado, quando a mutação é menos prejudicial, a proteína mutante
pode reter alguma função residual e pode ser possível aumentar a pequena quantidade da
função, suficientemente para ter um efeito terapêutico, conforme descrito.
• O desafio dos alelos dominantes negativos: para alguns distúrbios dominantes, a proteína
mutante interfere com a função do alelo normal. O desafio é diminuir a expressão ou o
impacto desse alelo mutante ou sua proteína mutante codificada especificamente, sem
prejudicar a expressão ou função do alelo normal ou sua proteína normal.
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TRATAMENTO ATRAVÉS DA
MANIPULAÇÃO DO METABOLISMO

Atualmente, a abordagem doença-específica mais bem-sucedida no tratamento de


doenças genéticas está direcionada para a anormalidade metabólica em erros inatos do
metabolismo. As principais estratégias utilizadas para manipular o metabolismo no tratamento
deste grupo de doenças são: a anulação, a restrição dietética, a reposição, o desvio, a inibição
enzimática, o antagonismo dos receptores e a depleção.

Redução do substrato

Estratégias para prevenir o acúmulo do substrato ofensor têm sido um dos métodos mais
eficazes no tratamento de doenças genéticas. A abordagem mais comum é reduzir a ingesta
dietética do substrato ou de um precursor deste, e atualmente várias dúzias de distúrbios — a
maioria envolvendo vias catabólicas de aminoácidos — são controladas dessa forma. A
desvantagem é que uma restrição severa da ingesta de proteínas pela dieta em longo prazo
frequentemente é necessária, requerendo uma aderência estrita a uma dieta artificial que é onerosa
para família, bem como para o paciente. Nutrientes tais como os 20 aminoácidos essenciais não
podem ser totalmente retirados, entretanto, sua ingesta deve ser suficiente para as necessidades
anabólicas, tais como a síntese de proteínas. As crianças com fenilcetonúria, por exemplo, são
normais ao nascimento porque a enzima materna as protege durante a vida pré-natal. O tratamento
é mais eficaz se iniciado imediatamente após o diagnóstico através da triagem neonatal. Sem o
tratamento, ocorre um atraso no desenvolvimento que é irreversível, e o grau de déficit intelectual
é diretamente relacionado com o atraso no início da dieta pobre em fenilalanina.

Reposição

O fornecimento de metabólitos essenciais, cofatores ou hormônios, cuja deficiência é devido


a doenças genéticas, é simples no conceito e frequentemente simples na aplicação. Alguns dos
tratamentos de defeitos monogênicos mais bem-sucedidos pertencem a essa categoria. Um
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primeiro exemplo é fornecido pelo hipotireoidismo congênito, em que 10% a 15% dos casos são
originalmente monogênicos. O hipotireoidismo congênito monogênico pode resultar de mutações
em qualquer um dos vários genes que codificam proteínas necessárias ao desenvolvimento da
glândula tireoide ou da biossíntese ou metabolismo da tiroxina. Já que o hipotireoidismo congênito
por todas as causas é comum (aproximadamente um em 4.000 neonatos), a triagem neonatal é
realizada em vários países de modo que a administração de tiroxina possa ser iniciada logo após o
nascimento, para prevenir danos intelectuais severos que, de outra forma, seriam inevitáveis.

Desvio

A Terapia de desvio é a utilização aumentada de vias metabólicas alternativas para reduzir


a concentração de um metabólito nocivo. A principal utilização dessa estratégia está no tratamento
de distúrbios do ciclo da ureia.

Interrupção no ciclo da ureia


Fonte: NUSSBAUM, 2016

A função do ciclo de ureia é converter amônia, que é neurotóxica, em ureia, um produto final
benigno do metabolismo de proteínas excretado na urina. Se o ciclo estiver interrompido por um
defeito enzimático como a deficiência de ornitina transcarbamilase, o consequente aumento da
concentração de amônia somente pode ser parcialmente controlado por uma restrição proteica na
dieta. Entretanto, os níveis sanguíneos de amônia podem ser reduzidos ao normal pelo desvio da
amônia para vias metabólicas que normalmente possuem pouca significância, levando a síntese de
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compostos menos prejudiciais. Desse modo, a administração de grandes quantidades de benzoato


de sódio a pacientes com altas concentrações de amônia força a ligação da amônia com a glicina
para formar hipurato, o qual é excretado na urina. A síntese de glicina é então aumentada, e para
cada mol de glicina formada, um mol de amônia é consumido. A estratégia da divergência
metabólica. Neste exemplo, a amônia não pode ser removida pelo ciclo da ureia por causa de um
defeito genético de uma enzima do ciclo da ureia. A administração de benzoato de sódio desvia a
amônia para a síntese de glicina, e a metade do nitrogênio é subsequentemente excretada como
hipurato.

Inibição enzimática

A inibição farmacológica de enzimas às vezes é utilizada para reduzir o impacto de


anormalidades metabólicas no tratamento de erros inatos. Esse princípio também está ilustrado
através do tratamento de heterozigotos da hipercolesterolemia familiar. Se uma estatina, uma
classe de fármacos que inibe poderosamente a 3-hidroxi-3- metilglutaril coenzima A redutase, ou
HMG CoA redutase (a enzima limitante da etapa da síntese do colesterol), é utilizada para diminuir
a síntese hepática de novo do colesterol nesses pacientes, o fígado compensa aumentando a síntese
de receptores de LDL a partir do alelo do receptor da LDL intacto remanescente. O aumento nos
níveis de receptores de LDL diminui diretamente os níveis plasmáticos de colesterol LDL de 40% a
60% nos heterozigotos com hipercolesterolemia familiar; quando utilizado juntamente com o
colesevelam, o efeito é sinérgico e podem ser alcançadas diminuições ainda maiores.

Tratamento da hipercolesterolemia familiar


Fonte: NUSSBAUM, 2016
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Antagonismo de receptores

Em alguns aspectos, a fisiopatologia de uma doença hereditária resulta do aumento e da


ativação inapropriada de vias bioquímicas ou de sinalização. Em tais casos, uma abordagem
terapêutica é antagonizar etapas críticas na via. Um poderoso exemplo é dado pelo tratamento
investigacional de um distúrbio autossômico dominante do tecido conjuntivo, a síndrome de Marfan.
A doença resulta de mutações no gene que codifica a fibrilina 1, um componente estrutural
importante da matriz extracelular. A síndrome é caracterizada por várias anormalidades do tecido
conjuntivo, tais como aneurisma aórtico, enfisema pulmonar e deslocamento das lentes oculares.
Inesperadamente, a fisiopatologia da síndrome de Marfan é explicada apenas parcialmente pelo
impacto da redução das microfibrilas da fibrilina 1 na estrutura da matriz extracelular. Foi
descoberto que a principal função das microfibrilas é a de regular a sinalização através do fator
transformador de crescimento-β (TGF-β), pela ligação deste ao grande complexo proteico latente
do TGF-β. A abundância diminuída das microfibrilas na síndrome de Marfan leva a um aumento na
abundância local de TGF-β não ligado e na ativação local da sinalização do TGF-β. Foi sugerido que
esse aumento da sinalização do TGF-β constitui a base da patogênese de vários fenótipos da
síndrome de Marfan, particularmente a dilatação progressiva da raiz aórtica, e aneurisma e
dissecção, a principal causa de morte nessa doença. Além disso, um grupo de outras vasculopatias
reconhecidas recentemente, tais como formas não sindrômicas de aneurisma aórtico torácico,
também é dirigido pela sinalização alterada do TGF-β. Asinalização da angiotensina II é conhecida
por aumentar a atividade do TGF-β, e o antagonista de receptor tipo 1 da angiotensina II, o losartan,
um agente anti-hipertensivo amplamente utilizado, demonstrou atenuar a sinalização do TGF-β
através da diminuição da transcrição de genes que codificam ligantes, subunidades de receptores
e ativadores de TGF-β. O tratamento com losartan diminui substancialmente a taxa da dilatação da
raiz aórtica em estudos clínicos iniciais em pacientes com síndrome de Marfan, um efeito que parece
ser amplamente devido à sinalização diminuída do TGF-β. A nova utilização de um fármaco
aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA), o losartan, para tratar uma rara doença
hereditária, a síndrome de Marfan, provavelmente representa um paradigma que será repetido
regulamente no futuro, à medida que triagens de pequenas moléculas químicas para identificar
compostos com potencial terapêutico — frequentemente incluindo as milhares de fármacos
aprovados pelo FDA — sejam realizadas para identificar tratamentos seguros e eficazes para outras
doenças genéticas incomuns.
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Depleção

As doenças genéticas caracterizadas pelo acúmulo de compostos prejudiciais às vezes são


tratadas pela remoção direta do composto do organismo. Esse princípio é ilustrado pelo tratamento
de homozigotos com hipercolesterolemia familiar. Nesse exemplo, para os pacientes cujos níveis de
LDL não podem ser diminuídos através de outras abordagens, um procedimento chamado de
aférese é utilizado para remover o LDL da circulação. O sangue total é removido do paciente, o LDL
é removido do plasma através de um dos vários métodos, e o plasma e as células sanguíneas são
devolvidos ao paciente. A utilização da flebotomia para diminuir o acúmulo de ferro da
hemocromatose hereditária fornece outro exemplo de terapia de depleção.

TRATAMENTO PARA AUMENTAR A


FUNÇÃO DO GENE OU DA PROTEÍNA
AFETADA

O conhecimento aumentado da fisiopatologia molecular das doenças monogênicas tem


sido acompanhado por um pequeno “porém” promissor aumento em terapias que — em nível de
DNA, RNA ou proteína — aumentam a função do gene afetado pela mutação. Alguns dos novos
tratamentos têm levado à melhoria marcante da vida de indivíduos afetados, uma consequência
que, até recentemente, pareceria fantástica. Essas terapias moleculares representam uma faceta do
importante paradigma abrangido pelo conceito de medicina de precisão ou personalizada: o
diagnóstico, prevenção e tratamento de uma doença — adaptados a pacientes individualmente —
com base em um conhecimento profundo dos mecanismos subjacentes as suas etiologia e
patogênese

Tratamento em nível de proteína

Em várias situações, se o produto de uma proteína mutante é produzido, pode ser possível
aumentar sua função. Por exemplo, a estabilidade ou função de uma proteína mutante com alguma
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função residual pode ser aumentada. Com enzimopatias, a melhora na função obtida por essa
abordagem normalmente é muito pequena, na ordem de poucos por cento, mas esse aumento é
frequentemente tudo o que é necessário para restaurar a homeostase bioquímica. O tratamento
pode ser feito a partir do aumento da função de uma proteína com terapia de pequenas moléculas,
que são compostos com pesos moleculares que variam de poucas centenas a milhares. Elas
incluem vitaminas, hormônios não peptídeos e de fato a maioria dos fármacos, se sintetizados por
químicos orgânicos ou isolados da natureza. Uma nova estratégia para identificar os fármacos em
potencial é utilizar uma triagem de alto rendimento de bibliotecas de compostos químicos
frequentemente contendo dezenas de milhares de produtos químicos conhecidos contra um
fármaco-alvo, tal como a proteína cuja função está interrompida por uma mutação. Outra
possibilidade é o aumento da proteína, que é uma abordagem terapêutica rotineira em somente
algumas doenças, todas envolvendo proteínas, cujo principal sítio de ação está no plasma ou no
líquido extracelular. O primeiro exemplo é a prevenção ou interrupção dos episódios de hemorragia
em pacientes com hemofilia pela infusão de frações de plasma enriquecidas com o fator apropriado.

Modulação da expressão gênica

Há décadas, a ideia de que se poderia tratar uma doença genética através da utilização de
fármacos que modulavam a expressão gênica teria parecido fantasiosa. O aumento do
conhecimento das bases normais e patológicas da expressão gênica, entretanto, tem feito essa
abordagem factível.

O aumento da expressão gênica a partir do Locus Selvagem ou Mutante obtém efeitos


terapêuticos pelo aumento da quantidade de RNA mensageiro (RNAm) transcrito a partir do locus
selvagem associado com uma doença dominante ou de um locus mutante, se a proteína mutante
ainda reter alguma. Uma terapia eficaz deste tipo é utilizada para controlar o angioedema
hereditário, uma condição autossômica dominante rara, porém potencialmente fatal, causada por
mutações no gene que codifica o inibidor de esterase do complemento 1 (C1).

O aumento da expressão gênica a partir de um Locus não afetado pela doença é uma
estratégia terapêutica relacionada é aumentar a expressão de um gene normal que compensa o
efeito da mutação em outro locus. Essa abordagem é extremamente promissora no controle da
anemia falciforme e da β-talassemia, para as quais fármacos que induzem a hipometilação do DNA
estão sendo utilizados para aumentar a abundância da hemoglobina fetal (Hb F), a qual
normalmente constitui menos de 1% da hemoglobina total em adultos. O aumento dos níveis de
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Hb F beneficia esses pacientes porque a HbF é uma transportadora de oxigênio perfeitamente


adequada na vida pós-natal e porque a polimerização da desoxiemoglobina S é inibida pela Hb F.

A redução da expressão de um produto de um gene mutante dominante é uma outra


proposta importante porque a patologia de algumas doenças hereditárias resulta da presença de
uma proteína mutante que é tóxica para a célula, conforme observado com proteínas em tratos
expandidos de poliglutamina, como na doença de Huntington, ou em doenças como as amilidoses
hereditárias. A doença autossômica dominante transtiretina amiloidose é o resultado de qualquer
uma das mais de 100 mutações de sentido trocado na transtiretina, uma proteína produzida
principalmente no fígado que transporta o retinol (uma forma de vitamina A) e tiroxina nos líquidos
corporais. Os principais fenótipos são a polineuropatia amiloidotica, devido à deposição de amiloide
nos nervos periféricos e a miocardiopatia amiloidótica, devido a sua deposição no coração. Ambas
as doenças encurtam bastante a expectativa de vida, e o único tratamento atual é o transplante
hepático. Entretanto, uma terapia promissora é fornecida por uma tecnologia chamada de RNA de
interferência (RNAi), a qual pode mediar a degradação de um alvo específico de RNA, tal qual o que
codifica a transtiretina. Brevemente, pequenos RNAs que correspondem a sequências específicas
do RNA- alvo — denominados de pequenos RNAs de interferência (siRNAs) — são introduzidos
nas células através de, por exemplo, nanopartículas lipídicas ou vetores virais. As fitas do RNA de
interferência, com aproximadamente 21 nucleotídeos de comprimento, se ligam ao RNA- alvo e
iniciam a sua clivagem.

O salto de éxon é à utilização de intervenções moleculares para excluir um éxon de um


préRNAm que possui uma matriz de leitura mutante, resgatando desse modo a expressão de um
gene mutante. Se o número de nucleotídeos no éxon excluído for um múltiplo de três, nenhuma
mudança da matriz (frameshift) ocorrerá, e se o polipeptídeo resultante com os aminoácidos
deletados reter alguma função suficiente, terá como resultado um benefício terapêutico. O método
mais amplamente estudado de indução de salto de éxon é através da utilização de oligonucleotídeos
antissenso (OASs), que são moléculas sintéticas de fita simples de 15 a 35 nucleotídeos que podem
se hibridizar com sequências correspondentes específicas em um pré-RNAm. O exemplo mais claro
da potência dessa estratégia é proporcionado pela distrofia muscular de Duchenne.

Por fim, a edição gênica tem sido desenvolvida para introduzir alterações de sequências
genômicas sítio-específicas no DNA de organismos intactos, incluindo primatas. A correção da
sequência de um gene mutante no seu contexto natural de DNA, em um número suficiente de
células-alvo, seria um tratamento ideal. Essa nova tecnologia, utiliza endonucleases criadas por
engenharia genética que reconhecem uma sequência específica no genoma, tal como a sequência
na qual uma mutação de sentido trocado esteja incorporada. Posteriormente, um domínio nuclease
cria uma quebra de duplafita, e mecanismos celulares para o reparo direcionado por homologia
(RDH) então reparam a quebra, introduzindo o nucleotídeo selvagem para substituir o mutante
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Modificação do genoma somático através de


transplantes

As células transplantadas conservam o genótipo do doador, e, consequentemente, o


transplante pode ser considerado como uma forma de terapia de transferência gênica porque ele
leva a modificações no genoma somático. Existem duas indicações gerais para a utilização de
transplantes no tratamento de doenças genéticas. Em primeiro lugar, células ou órgãos podem ser
transplantados para introduzir cópias selvagens do gene em um paciente com mutações neste
gene. Este é o caso, por exemplo, da hipercolesterolemia familiar homozigota, na qual o transplante
de fígado é um procedimento eficaz, porém de alto risco. A segunda e mais comum indicação é a
substituição de células, para compensar um órgão danificado pela doença genética, por exemplo,
um fígado que se tornou cirrótico na deficiência de α1 -antitripsina.

O transplante de células-tronco é definido pelas duas propriedades das células: pela


capacidade de proliferar para formar tipos celulares diferenciados de um tecido in vivo; e pela sua
capacidade de se autor-renovar — que é formar outra célula-tronco. Somente três tipos de células-
tronco estão em utilização clínica no momento: células-tronco hematopoiéticas, as quais podem
reconstituir o sistema sanguíneo após o transplante de medula óssea; células-tronco da córnea, as
quais são utilizadas para regenerar o epitélio córneo; e células-tronco da pele. Estas células são
derivadas de doadores imunologicamente compatíveis. A possibilidade de outros tipos de células-
tronco serem utilizadas clinicamente no futuro é enorme, pois a pesquisa de células-tronco é uma
das áreas mais ativas e promissoras da investigação biomédica. Embora seja fácil exagerar o
potencial de tal tratamento, o otimismo sobre o futuro em longo prazo da terapia com células-tronco
se torna justificado.

O transplante de fígado é o único tratamento conhecido que tem benefícios. Por exemplo,
a doença hepática crônica associada com fibrose cística ou a deficiência de α1AT podem ser
tratadas somente por transplante de fígado, e juntas essas duas doenças explicam uma grande
fração de todos os transplantes de fígado realizados na população pediátrica. O transplante de
fígado agora tem sido utilizado para mais de duas dúzias de doenças genéticas. Atualmente, a taxa
de sobrevida em 5 anos para todas as crianças que receberam transplantes de fígado está na faixa
de 70% a 85%. Para quase todos esses pacientes, a qualidade de vida geralmente melhora, a
anormalidade metabólica específica necessitando de transplante é corrigida, e nessas condições
nas quais o dano hepático tenha ocorrido (como a deficiência de α1AT), o fornecimento de um tecido
hepático saudável reestabelece o crescimento e o desenvolvimento púbere normal.
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Os problemas principais que limitam a utilização mais ampla do transplante para o


tratamento de doenças genéticas são: a mortalidade após o transplante, significativa, e a morbidade
da infecção sobreposta, devido à necessidade de imunossupressão e à doença enxerto versus
hospedeiro; e o suprimento finito de órgãos, sendo o sangue do cordão umbilical uma exceção
singular. Para todas as indicações, mais do que o dobro deste número é adicionado à lista de espera
a cada ano. Além disso, ainda deve ser demonstrado que os órgãos transplantados geralmente são
capazes de funcionar normalmente por toda a vida. Uma solução para essas dificuldades envolve a
combinação de células-tronco e a edição do genoma correspondente ou terapia gênica.

TERAPIA GÊNICA

A terapia gênica é a introdução de um gene biologicamente ativo em uma célula para


alcançar um benefício terapêutico. Esse sucesso recente estabelece firmemente que o tratamento
de uma doença genética em seu nível mais fundamental — o gene — será altamente possível. O
objetivo da terapia gênica é transferir o gene terapêutico o mais cedo possível na vida do paciente
para prevenir os eventos patogênicos que danificam as células. Além disso, também deve ser
possível a correção das características reversíveis das doenças genéticas para várias condições.

No tratamento de doenças hereditárias, a utilização mais comum da terapia gênica será a


introdução de cópias funcionais do gene relevante nas células-alvo apropriadas de um paciente com
uma mutação de perda de função (porque a maioria das doenças genéticas resulta de tais
mutações). Nessas circunstâncias, onde o gene transferido se insere precisamente no genoma de
uma célula deveria ser, a princípio, geralmente não importante. Se a edição gênica para tratar
doenças hereditárias se tornar possível, então a correção do defeito no gene mutante no seu
contexto genômico normal deve ser ideal para suavizar problemas, tais como a ativação de
oncogenes próximos através da atividade regulatória de um vetor viral, ou a inativação de um
supressor de tumor devido a uma mutagênese de inserção pelo vetor. A terapia gênica também
pode ser levada a inativar o produto do alelo mutante dominante, cujo produto anormal causa a
doença.

Um gene apropriadamente produzido por engenharia genética pode ser transferido para as
células-alvo através de uma de duas estratégias gerais. A primeira envolve a introdução do gene
nas células que estavam em cultura do paciente ex vivo (fora do organismo) e depois a reintrodução
das células no paciente após a transferência gênica. Na segunda abordagem, o gene é injetado
diretamente in vivo no tecido ou líquido extracelular de interesse (do qual é captado pelas células-
alvo). Em alguns casos, pode ser desejável direcionar o vetor a um tipo celular específico; isto
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normalmente é alcançado através da modificação da cobertura do vetor viral de forma que somente
as células designadas se liguem às partículas virais.

As células-alvo ideais são as células-tronco (que são autorreplicativas) ou células


progenitoras retiradas de um paciente (eliminando assim o risco de uma doença do enxerto versus
hospedeiro); ambos os tipos celulares apresentam potencial de replicação substancial. A introdução
do gene em células-tronco pode resultar na expressão do gene transferido em uma grande
população de células-filhas.

O vetor ideal para a terapia gênica deve ser seguro, prontamente desenhado e facilmente
introduzido no tecidoalvo apropriado, e deve expressar o gene de interesse para o resto da vida. De
fato, nenhum único vetor é provavelmente satisfatório no que diz respeito a todos os tipos celulares
de terapia gênica, e um repertório de vetores provavelmente será necessário. Uma das classes de
vetores mais amplamente utilizadas é derivada dos retrovírus, vírus de RNA simples que podem se
integrar no genoma do hospedeiro. Eles contêm somente três tipos de genes estruturais, os quais
podem ser removidos e substituídos pelo gene a ser transferido. A geração atual de vetores
retrovirais tem sido construída para torná-los incapazes de se replicarem. Além disso, eles não são
tóxicos para a célula, e somente uma pequena cópia do DNA viral (com o gene transferido) se
integra ao genoma do hospedeiro.

Aterapia gênica para o tratamento de doenças humanas apresenta riscos gerais de três
tipos: a resposta adversa ao vetor ou combinação doença-vetor, que entre as principais
preocupações é que o paciente terá uma reação adversa ao vetor ou ao gene transferido. Tais
problemas devem ser amplamente antecipados com estudos apropriados em animais e estudos
preliminares em humanos; mutagênese de inserção causando malignidade, ou seja, que o gene
transferido irá se integrar ao DNAdo paciente e ativar um proto-oncogene ou inativar um gene
supressor de tumor, levando a possibilidade de desenvolver câncer; e por fim, a inativação de
inserção de um gene essencial para a viabilidade, que, em geral, não terá efeito significativo porque
se espera que tais mutações letais sejam raras e destruam somente uma única célula. Embora os
vetores pareçam favorecer a inserção em genes transcritos, a chance que o mesmo gene seja
interrompido em mais de algumas poucas células é extremamente baixa.

Embora tenha sido demonstrada uma melhora em aproximadamente uma dúzia de doenças
monogênicas, um grande número de outras doenças monogênicas é candidato em potencial para
essa estratégia, incluindo degenerações da retina; condições hematopoiéticas, tais como anemia
falciforme e talassemia; e doenças que afetam as proteínas hepáticas, tais como fenilcetonúria,
distúrbios do ciclo da ureia, hipercolesterolemia familiar e deficiência de α1AT.
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MEDICINA DE PRECISÃO: O PRESENTE E O


FUTURO DO TRATAMENTO DE DOENÇAS
MENDELIANAS

O tratamento de doenças monogênicas incorpora o conceito de medicina de precisão


adaptado ao paciente de modo individual tão profundamente como qualquer outra área de
tratamento médico. O conhecimento da sequência mutante específica em um indivíduo é central
para várias das terapias-alvo descritas neste capítulo. A promessa da terapia gênica para um
indivíduo com uma doença mendeliana deve estar baseada na identificação do gene mutante em
cada indivíduo afetado e no planejamento de um vetor que irá entregar o gene terapêutico ao
tecido-alvo. De modo similar, abordagens baseadas na edição gênica requerem conhecimento da
mutação específica a ser corrigida. Além disso, entretanto, a medicina de precisão irá necessitar
frequentemente do conhecimento do alelo mutante preciso e de seu efeito específico no RNAm e
na proteína. Em vários casos, a natureza exata da mutação irá definir o fármaco que irá se ligar a
uma sequência regulatória específica para aumentar ou reduzir a expressão gênica. Em outros
casos, a mutação irá ditar a sequência de um oligonucleotídeo alelo-específico para mediar o salto
de um éxon com um códon de término prematuro, ou de um siRNA para suprimir um alelo
dominante negativo. Um manual de pequenas moléculas irá gradualmente se tornar disponível para
suprimir códons de término particulares, para agir como chaperonas que irão resgatar proteínas
mutantes do enovelamento incorreto e da degradação do proteassoma, ou potencializar a atividade
de proteínas mutantes. O tratamento genético não está somente se tornando mais e mais criativo,
está se tornando cada vez mais preciso. O futuro promete não somente uma vida mais longa para
vários pacientes, mas uma melhor qualidade de vida.

REFERÊNCIA

NUSSBAUM, Robert, MCINNES, Roderick, WILLARD, Huntington, Thompson e Thompson,


Genética Médica, Tradução da 8ª Edição, Elsevier Editora Ltda, 2016.
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