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Casos sobre ética em computação

3.1. INTRODUÇÃO

O estudo de casos é um recurso didático bastante útil


para auxiliar estudantes de computação a vivenciar
situações éticas e analisar as possíveis implicações de
cada decisão. São úteis também para mostrar como os
mandamentos dos códigos de ética podem ser usados na
prática, dentro de um contexto muito próximo da realidade
com a qual cada um pode vir a se defrontar durante a vida
profissional. Obviamente os mandamentos de um código
de ética não podem ser considerados como uma receita,
que pode ser aplicada diretamente em certas situações.
Os valores morais adquiridos no convívio com a família,
na escola e na sociedade em geral são também muito
importantes para determinar a decisão final.

É também importante ter consciência de que o


comportamento ético deve ocorrer no dia-a-dia da prática
profissional, sem necessariamente surgir como uma
situação sufocante que exige uma decisão rápida. O
comportamento ético é importante ao projetar um sistema,
por exemplo, em que o profissional tem o poder de inserir
no design elementos de seu próprio conjunto de valores,
seus preconceitos e seus viéses, sem levar em conta a
real necessidade do cliente ou do usuário final. Por isso,
os casos e sua discussão, apresentados neste capítulo,
podem auxiliar o profissional de computação, chamando a
sua atenção para as situações da prática profissional que
aparentemente parecem não ter qualquer relacionamento
com a ética em computação.

Neste capítulo é apresentado primeiramente um método


para apoio a decisões éticas, com ênfase na análise das
possíveis conseqüências de cada possível decisão. Em
seguida é apresentado um conjunto de casos que ilustram
o uso do código da ACM. Esses casos foram publicados
por Gotterbarn como parte dos esforços do grupo que
desenvolveu o código de ética da ACM, foram por mim
traduzidos e são aqui republicados com permissão da
ACM. Finalmente, são apresentados alguns casos
nacionais, resumidos e simplificados para os propósitos
deste livro. Esses casos são comentados levando-se em
conta o código da ACM e o código unificado IEEE-
CS/ACM, apresentados no capítulo 2.

2. UM MÉTODO PARA TOMADA DE DECISÃO EM


SITUAÇÕES ÉTICAS

Diante de uma situação ética complexa é importante


saber como obter e analisar racionalmente todas as
possíveis decisões e suas conseqüências com o objetivo
de escolher a melhor, se houver. O método apresentado a
seguir para tomar decisões técnicas considerando sua
dimensão ética, no momento adequado, é sintetizado aqui
com base em uma proposta de Collins e Miller (Apud
Johnson e Nissenbaum, 1996). Esses autores conduzem
a análise levando em conta os princípios éticos das éticas
deontológica e utilitária e em princípios de negociação e
acordos por consenso. Os quatro passos principais do
método são:
· Reunir os dados relevantes
· Analisar os dados
· Negociar um acordo
· Avaliar as alternativas

Para ilustrar o método vamos usar o seguinte caso:

“Marcelo é um analista de sistemas pleno que trabalha há


oito anos em um banco brasileiro e é responsável pelo
sistema de créditos. Ele é casado e sua esposa teve
recentemente o seu segundo filho. Numa certa manhã o
gerente de Marcelo o chama até sua sala e lhe pede para
fazer uma manutenção no sistema de créditos do banco.
Essa alteração permite que certas contas possam ser
bloqueadas para acesso externo, de tal forma que elas
existem e podem ser movimentadas por quem possuir a
senha das contas, mas elas não aparecem em certas
situações, como em auditorias, por exemplo.

Marcelo sabe que essa alteração contraria normas do


Banco Central e diz isso a seu gerente, que lhe responde
que a alteração é temporária, para dar segurança ao
banco para fazer movimentações que são importantes
para resolver certos problemas financeiros pelos quais o
banco está passando. Ao se retirar, o gerente lhe diz que
está pensando em sua promoção para analista de
sistemas senior e lhe pede para manter a conversa
confidencial.

Ao retornar para sua mesa Marcelo analisa mentalmente


sua situação, percebendo que o que lhe foi solicitado é
algo ilegal. Ele imagina que se não fizer o que for pedido
corre o risco de perder o emprego e, com a crise no
mercado de trabalho, tem medo de fazer sua família
passar por sofrimentos. Por outro lado, se concordar com
a solicitação, pode ter uma promoção e, afinal de contas,
pode ser que seja mesmo uma desvio temporário das
normas legais, já que o banco sempre foi muito sólido. Ele
também imagina que se não fizer o que for pedido um
outro colega de trabalho vai acabar fazendo e, nesse
caso, como ele sabe do assunto, pode vir a ser despedido
assim mesmo. Sua consciência, entretanto, lhe diz que
essa não é a melhor maneira de resolver um problema,
que pode crescer, dar prejuízo a muitos clientes, ser
descoberto pelo Banco Central e no fim das contas, ele
pode estar envolvido por ter sido o responsável pela
mudança do sistema. O que fazer?”
3.2.1 REUNIR OS DADOS RELEVANTES

Neste passo o usuário do método define as possíveis


alternativas de decisão, os envolvidos na situação e os
relacionamentos entre os envolvidos. Neste caso, nos
parece que Marcelo têm duas alternativas: aceitar a
atribuição ou recusar; em qualquer caso, ele tem também
a opção de denunciar a proposta. As alternativas
possíveis são então as quatro ilustradas na tabela de
decisão mostrada na tabela 1.

Tabela 1 - Alternativas
Aceitar Recusar
Denunciar S S
Calar-se S S

As partes envolvidas neste caso são Marcelo e sua


família – esta poderia ser representada também por
Marcelo, mas é importante manter o usuário do método
como o envolvido principal; a sociedade, que é
representada pelos clientes do banco; o governo, que é
representado pelo banco central e o próprio banco
(estamos supondo que o gerente de Marcelo, mais
diretamente envolvido no caso, representa de alguma
forma o banco). Marcelo tem o dever de ser bom
funcionário, obedecer às ordens emitidas pelos seus
superiores e ser leal para com o banco. Para com a
família Marcelo tem o dever de dar apoio e prover seu
bem-estar e para com a sociedade tem o dever de ser
honesto e evitar danos a seus membros. O Banco tem o
dever de ser um bom empregador para com Marcelo e
respeitar as leis existentes e em especial as normas
baixadas pelo Banco Central. O Banco Central (BC) deve
fiscalizar o banco para que ele cumpra as leis e se
mantenha em boa situação econômica, dessa forma
cumprindo também um dever para com a sociedade. O
relacionamento entre os envolvidos é mostrado na figura
1 por intermédio de um grafo dirigido no qual os vértices
representam os envolvidos e as arestas representam as
obrigações.

Figura 1 – Obrigações entre os envolvidos

2. ANALISAR OS DADOS

Neste passo o usuário do método, neste caso Marcelo,


avalia todas as alternativas possíveis e seus impactos
positivos (possíveis benefícios) ou negativos (possíveis
vulnerabilidades ou riscos) sobre todas as partes
envolvidas. Essa avaliação pode ser representada em
duas tabelas cujas linhas e colunas representam,
respectivamente, os envolvidos e as alternativas e cujas
entradas contêm o possível impacto (benefício ou
vulnerabilidade). Ao preparar essas tabelas é possível
que o usuário perceba que novos envolvidos ou novas
alternativas precisam ser consideradas ou então
descartadas. Nesse caso acrescentam-se novas linhas ou
colunas à tabela e refaz-se o grafo das obrigações.

Para o caso que está sendo analisado, a Tabela 2


representa os benefícios potenciais e a Tabela 3
representa os riscos de cada envolvido. Assumimos que
Marcelo é uma pessoa com bons princípios éticos e
desejoso de tomar a decisão certa e por isso ele pode ter
sua auto-estima preservada se fizer o que pensa ser
correto, como não aceitar a atribuição ou denunciar o
problema. Na situação inversa, sua auto-estima será
diminuída. O banco pode ganhar algum tempo para
resolver seus problemas financeiros, evitando má
publicidade, se Marcelo aceitar a atribuição e se mantiver
calado. Por outro lado, corre o risco de que o subterfúgio
ilegal seja descoberto e corre o risco de sanções ainda
mais severas quando isso acontecer. Se houver uma
denúncia de seus problemas, o Banco será fiscalizado
pelo Banco Central e poderá ser penalizado e, o que
talvez seja ainda pior, poderá perder a confiança de seus
clientes e sofrer uma avalanche de saques que podem
pôr em risco a sua sobrevivência.

Tabela 2 – Benefícios Potenciais


Aceitar Não Aceitar Denunciar Não denunciar
Marcelo -- auto-estima auto-estima preservada --
preservada
Banco Mais tempo para Não se envolve em -- Mantém sigilo sobre
resolver os ações ilegais suas dificuldades
problemas
BC/Gov. -- -- Obtém informações sobre --
problemas do banco
Sociedade -- -- Obtém informações sobre situação --
do banco
Família Mantém (ou -- -- --
melhora) sua
situação econômica.

Tabela 3 – Vulnerabilidades Potenciais


Aceitar Não Aceitar Denunciar Não denunciar
Marcelo Perda de auto-estima Perda do emprego Perda do emprego Perda de auto-estima
Sujeito a sanções Má reputação como delator
judiciais Sujeito a ser processado pelo
banco
Banco Sujeito a sanções do -- Perda de lucro --
BC Risco de falência
BC/Gov. Equipe de fiscalização -- -- Ignorância sobre o
percebida pela problema
sociedade como
ineficiente
Sociedade Risco futuro de perder Conviver com banco Risco imediato de perder Ignorância sobre o
investimentos "podre" investimentos feitos problema
Família -- Situação econômica Exposição pública indesejada --
pode ficar mais
difícil

A não aceitação da atribuição ou uma denuncia poderá


pôr em risco o emprego de Marcelo. A sociedade e o
Banco Central (pelo menos no curto prazo) não saberão
do problema, a menos que haja uma denuncia. A família
de Marcelo compartilha com ele os benefícios e os riscos
de sua decisão. Como o Banco já está com a situação
financeira comprometida, a sociedade corre o risco de
perder seus investimentos e a decisão de Marcelo pode
contribuir para diminuir esse risco se o Banco tiver tempo
para resolver seus problemas ou pode contribuir para
aumentar ainda mais o risco e os prejuízos se a alteração
for apenas paliativa e o Banco continuar tendo prejuízos.

Uma outra análise a ser feita é como as obrigações são


afetadas pelas decisões do usuário do método. Elas
podem ser afetadas positivamente ou negativamente ou
ainda podem ser afetadas de maneira mais complexa, em
que alguns aspectos são positivos e outros negativos e
um balanço é difícil de ser feito. Esta tabela pode ser
representada como na Tabela 4, em que os aspectos
positivos são representados pelo sinal de mais (+), os
aspectos negativos pelo sinal de menos (-) e a situação
intermediária pelo sinal de mais ou menos (+/-).

Tabela 4 – Como as obrigações são afetadas pela decisão de Marcelo


Obrigações Aceitar Não ac. Denun. Não den.
Marcelo XXXXXX XXXX XXXX XXXX XXXX
Para Marcelo Manter integridade
Manter a si próprio
Para Banco Ser bom funcionário
Obedecer ordens
Ser leal
Para BC/Gov. Respeitar leis
Para Sociedade Evitar danos
Ser honesto
Para Família Manter
Banco XXXXXX XXXX XXXX XXXX XXXX
Para Banco Obter lucros
Para BC/Gov. Respeitar leis
Banco Central XXXXXX XXXX XXXX XXXX XXXX
Para Banco Fiscalizar
Para Sociedade Manter banco em boa situação

3.2.3 NEGOCIAR UM ACORDO

Uma alternativa adicional, além daquelas explicitadas no


passo anterior, é tentar encontrar uma solução
consensual entre todos os envolvidos. Saídas
consensuais quase sempre não são consideradas pelo
usuário, que normalmente vê apenas o seu ponto de
vista. Além disso, parece que psicologicamente as
pessoas temem uma situação ruim mais do que elas
desejam uma situação boa. Como o método envolve
apenas o usuário, é necessário que ele se coloque no
lugar de cada envolvido e avalie como a solução de
consenso pode ser recebida por aquele envolvido: "Se eu
fosse este envolvido, eu poderia aceitar este acordo?".
Obviamente, se não houver acordo possível entre todos
os envolvidos o processo falha e é preciso analisar mais
detalhadamente as quatro alternativas levantadas no
passo 2.

No caso de Marcelo a dificuldade para conseguir um


acordo é muito grande, porque para os donos do banco
pode haver muito dinheiro envolvido, além de suas
reputações e carreiras e para o Banco Central há a
obrigatoriedade de respeitar as leis. Há também a
necessidade de uma negociação sigilosa, pois se o
problema do Banco vazar para a sociedade – por
intermédio da imprensa, por exemplo – haverá uma
correria para saques que poderá levar o banco à falência.

Neste caso seria possível imaginar uma reunião com as


partes envolvidas, sem que que cada um soubesse quem
é o outro envolvido, em que um acordo seria tentado.
Dependendo da gravidade da situação poder-se-ia ter um
acordo que progressivamente caminharia para ações
mais severas se a ação anterior falhasse. Assim, o Banco
Central dá um prazo para que o Banco resolva seus
problemas, o banco concorda em cortar gastos, vender
ativos, etc. e ao fim do prazo será feita uma auditoria.
Progressivamente, o acordo poderia prever o aporte de
capital por intermédio de empréstimos, de novos sócios e
até a nomeação de um interventor para sanear o Banco.
Se tudo falhar, a alternativa seria a liquidação do Banco.
Todas essas alternativas devem contar com a aprovação
dos donos e diretores do Banco, o que é incerto.
Provavelmente a sociedade concordaria com elas, pois
podem ajudar a sanear o banco, evitando prejuízos aos
clientes. Marcelo e sua família também, pois Marcelo
manteria o emprego e se livraria do problema. O Banco
Central provavelmente estaria aplicando a lei de maneira
frouxa, levando em conta o impacto social da falência do
banco, tanto em termos de empregos perdidos como de
prejuízos aos clientes do banco; teria dificuldades em
aceitar a proposta. Esta alternativa poderia ser avaliada
assim como as quatro anteriores e acrescentada à Tabela
4.

3.2.4 AVALIAR AS ALTERNATIVAS

Caso não se consiga um acordo consensual na fase 3,


nesta fase a proposta é aplicar os princípios da ética
deontológica e da ética utilitária para avaliar as
alternativas levantadas na Tabela 1. A análise das
alternativas resulta em uma classificação ordenada das
alternativas, que indicará a melhor (ou menos pior) delas.
Há também a possibilidade de que uma – ou ambas – das
teorias éticas não seja indicada para analisar o caso em
mãos e não se chegue a uma possível decisão final.

A ética deontológica sugere analisar cada alternativa


avaliando o quanto ela satisfaz às obrigações requeridas
e o quanto ela preserva os direitos de cada envolvido, ou,
ao contrário, o quanto cada obrigação deixa de ser
cumprida e cada direito é violado. Cada alternativa pode
afetar cada envolvido diferentemente ou com maior ou
menor grau de intensidade. Se houver dificuldade em
balancear os valores morais de cada alternativa então a
ética deontológica pode não ser indicada para avaliar o
problema. A ética utilitária enfatiza o resultado da decisão,
buscando aquela que maximiza os benefícios e minimiza
os riscos, isto é, fazendo uma contabilidade dos
benefícios e das vulnerabilidades.

Com base nessas análises pode ser que uma das


alternativas se mostre a mais adequada, mas isso nem
sempre acontece. Pode ocorrer também que uma
combinação de alternativas seja aceitável ou, no pior dos
casos, se nenhuma alternativa for satisfatória, o usuário
terá reunido e analisado os dados relevantes ao caso e
poderá tomar conscientemente sua decisão final.

No caso de Marcelo, a solução de consenso praticamente


satisfaz aos princípios da ética deontológica, mas ela só
poderia funcionar com a cooperação do Banco e do
Banco Central, o que parece ser difícil. Mas Marcelo pode
inicialmente tentar convencer seus superiores a procurar
uma alternativa consensual. Não havendo disposição
deles para tal, Marcelo deve analisar as demais
alternativas. Para isso é fundamental que Marcelo esteja
consciente de seu dever (e desejo) de agir honestamente.
É também fundamental que Marcelo avalie
realisticamente a sua capacidade de poder manter-se e à
sua família conseguindo um novo emprego. Se isso for
possível, esse é um fator preponderante na análise, pois
Marcelo pode recusar-se a realizar o que foi solicitado. Se
o Banco demiti-lo, Marcelo pode então decidir se mantém
silêncio sobre o problema ou o denuncia. A denúncia faz
parte de um dever para com a sociedade e depois de
demitido Marcelo não estará devendo lealdade ao Banco.
Há que se considerar também a possibilidade de
ameaças a sua integridade física ou de sua família.

Marcelo pode também recusar-se a fazer o que foi


solicitado e não denunciar o que está havendo, sem que o
Banco o demita. Neste caso não haverá problemas
financeiros imediatos e a auto-estima é preservada.
Entretanto, a sua carreira no Banco pode estar
comprometida a longo prazo. Além disso, pode ser que o
Banco procure outras maneiras de conseguir o que
pretende, até mesmo pedindo a outro colega de Marcelo
que faça a mesma coisa, e neste caso o mesmo problema
voltará com outro disfarce.

Por outro lado, se Marcelo tem dúvidas quanto a


conseguir um novo emprego do mesmo nível em caso de
demissão a decisão de não fazer o que foi solicitado
torna-se muito mais difícil. A decisão de realizar o que foi
pedido e mais tarde denunciar o problema parece ser a
pior de todas por trazer uma incoerência embutida: ao
aceitar fazer algo que sua consciência condena, Marcelo
já terá diminuída sua auto-estima e posteriormente, ao
fazer a denúncia, recuperará apenas parcialmente a auto-
estima, além de já estar envolvido no problema e ter
realizado ou contribuído para ações ilegais por parte do
Banco. A alternativa de aceitar e não denunciar satisfaz
às necessidades financeiras de Marcelo, mas
compromete sua auto-estima e o torna sujeito a
penalidades no futuro se o problema for descoberto.

A análise utilitária também requer uma certa dose de


subjetividade. Várias questões deveriam ser respondidas
antes que uma decisão pudesse ser tomada: Quão sério
é o problema do Banco? O Banco conseguirá resolver
seus problemas financeiros no curto prazo? A sociedade
vai proteger Marcelo e sua família se ele denunciar o
problema ? Como Marcelo poderá provar a denúncia ?

Se Marcelo estiver convencido que o problema não é


grave e que em curto espaço de tempo estaria resolvido,
a lealdade para com o Banco poderia prevalecer e
Marcelo poderia negociar uma solução parcial e
temporária para o que foi solicitado, ainda que sabendo
dos riscos. Se o Banco não cumprisse sua parte dentro
do prazo combinado Marcelo poderia retornar ao sistema
antigo e tomar outra decisão. Por outro lado, se Marcelo
estiver convencido de que o problema é grave e que o
Banco vai tentar uma solução fraudulenta qualquer que
seja sua decisão, provavelmente a melhor alternativa seja
recusar-se e denunciar.

A análise utilitária também leva à conclusão de que a


solução consensual parece ser a melhor alternativa, mas
no caso de sua impossibilidade, indica que recusar-se a
fazer o que foi pedido e não denunciar o problema é uma
alternativa temporariamente aceitável, dando tempo para
que as situação fique mais clara e uma decisão mais bem
fundamentada possa ser tomada no futuro.

Decisão final. Tudo indica que a solução consensual


seria a mais adequada para este caso e Marcelo deveria
tentar convencer seus superiores a procurar esse
caminho. Se isso não funcionar, Marcelo deve decidir-se
pela alternativa menos questionável dentre as outras
quatro. Certamente então a decisão de não aceitar a
incumbência é a única aceitável moralmente (e
legalmente, neste caso). As obrigações profissionais
quanto a evitar danos a terceiros, a ser honesto e a
respeitar as leis existentes são fundamentais neste caso
(mandamentos 1.2, 1.3 e 2.3, respectivamente, do código
da ACM). O dever de honestidade é independente dos
possíveis cursos do caso após a decisão tomada.

Depois de declarar sua intenção de não fazer a


manutenção solicitada, o Banco deverá reagir à decisão
de Marcelo. E essa decisão pode ser demitir Marcelo,
aceitar a sua decisão e desistir do que foi pedido ou então
continuar com o mesmo propósito e retirar de Marcelo a
responsabilidade pelo sistema e passar para outro
analista de sistemas. A alternativa seguida de demissão
já foi analisada acima; o banco aceitar a decisão de
Marcelo e desistir da fraude seria a solução ideal para
este caso; a terceira alternativa exige uma reflexão mais
aprofundada.

Como cidadão honesto e consciente, Marcelo teria então


de decidir sobre denunciar ou não o problema,
permanecendo como empregado do Banco. Se decidir
por essa ação Marcelo estará pondo em risco a si próprio,
a sua família e a parte da sociedade que possui
investimentos no Banco. Minha opinião é que Marcelo
não é obrigado a tomar essa decisão, pois mais elogiável
que ela seja. É importante salientar que a análise
realizada não descarta essa possibilidade, mas não a
requer como obrigatória, pois Marcelo estaria trocando
seu emprego, sua estabilidade e o bem-estar de sua
família por um risco potencial (mas não ainda concreto)
para com a sociedade. Além disso, de forma recorrente, a
mesma análise feita por Marcelo deveria ser feita pelo
novo analista de sistemas, que se tiver os mesmo
princípios profissionais recusaria a solicitação.

Collins e Miller (apud Johnson e Nissenbaum, 1996)


chamam essa decisão de "ação heróica". Dependendo da
gravidade das conseqüências, da dimensão do problema
e do interesse nacional, a ação heróica pode ser a melhor
decisão. Os brasileiros certamente se lembram quando
em 1992 uma secretária de uma empresa em São Paulo,
grávida, denunciou a armação que seu chefe, o dono da
empresa, estava montando para cobrir a chamada
"operação Uruguai", que pretendia explicar como o
dinheiro das contas fantasmas utilizado pelo então
Presidente Fernando Collor seria proveniente de
operações financeiras realizadas naquele país a partir de
sobras da arrecadação da campanha presidencial.

Fim

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