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ANÁLISE DOS JULGADOS Nº 573675/SC, 562045/RS E ARE 1244302 RG/SP

DO STF

Fernanda Mateus Rosa da Silva1

1. Discente do curso de Graduação em Direito ICHS / UFRRJ

1. RE 573675/SC SOBRE A ILUMINAÇÃO PÚBLICA

Trata-se de decisão do RE interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa


Catarina contra acórdão produzido pelo Tribunal de Justiça daquele Estado que, em ação
direta de inconstitucionalidade acerca da contribuição para o custeio do serviço de iluminação
pública, nos termos do artigo 149-A da CF/88, julgou improcedente o pedido.

O Ministério Público Estadual de Santa Catarina foi contra a Lei Complementar


7/2002, que instituiu a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública -
COSIP. Ela alega que o número de contribuintes não coincide com o de beneficiários do
serviço; a base de cálculo que leva em consideração o custo da iluminação pública e o
consumo de energia e a progressividade da alíquota que expressa o rateio das despesas
incorridas pelo município. Dessa forma, o MPSC argumenta que essa é uma ofensa aos
princípios da isonomia e da capacidade contributiva.

Contudo, o Recurso Extraordinário foi improvido sob a afirmação de que foram


respeitados os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade e que a LC não
padece de vício por ter sido editada em conformidade com o artigo 149-A da Constituição
Federal de 1988, acrescentado pela EC 39/2002, que exige que a contribuição seja feita nos
termos dos incisos I e III da CF/88, sem fazer alusão ao inciso II do mesmo dispositivo, que é
o chamado princípio da isonomia.

O RE foi interposto fundamentado no artigo 102, III, a, da Carta Magna, porém o


MPSC sustenta que há ofensa aos artigos 149-A e 150, II da CF, justamente pelo acórdão não
ter tido expresso a consideração ao princípio da isonomia tributária e, portanto, trata-se de um
tributo inconstitucional, mas a lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores
de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade
de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública.
O recorrente ainda aduz que a base de cálculo, por ser da categoria do ICMS, deve
demonstrar certa capacidade contributiva do sujeito passivo, fato que autoriza a aplicação de
subprincípios como o da proporcionalidade, progressividade e da seletividade, com tendência
à realização da isonomia. Mas, que o pressuposto da instituição da contribuição é o custeio de
serviço de iluminação pública, o que significa dizer que não há critério seguro de
discriminação para se conferir a determinado contribuinte carga tributária maior simplesmente
porque consome mais energia elétrica. A base de cálculo deve guardar relação com o fato
gerador, e o consumo de energia elétrica não é fato gerador da COSIP, logo o critério de
diferenciação entre contribuintes embasado no consumo de energia elétrica é inconstitucional
por ferimento à isonomia tributária.

Assevera também que a progressividade das alíquotas previstas na citada Lei


Complementar também afronta o princípio da isonomia tributária considerando que “não há
diferenciação na situação dos contribuintes que enseje a razoável discriminação da regra
impositiva”.

O Município de São José, por outro lado defende a constitucionalidade do tributo sob
o argumento de que não houve violação do princípio da isonomia tributária; que o COSIP não
se confunde com a extinta taxa de iluminação pública, bem como não se trata de um imposto
e nem de uma taxa, cuidando-se de uma contribuição de caráter especial, cuja base de cálculo
não é a mesma do ICMS, porque corresponde ao rateio do custo de iluminação pública
municipal entre os contribuintes.

Cabe ressaltar que a progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo de


iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da
capacidade contributiva, e que por esse tributo possuir um caráter sui generis, é diferente de
um imposto, porque sua receita tem uma finalidade específica, e também não é uma taxa por
não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte.

O Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, segue a mesma argumentação do


Município de São José e mantém seu voto no sentido da constitucionalidade da COSIP.

Inicialmente ele se manifesta sobre a natureza e tipologia da contribuição. A doutrina


aqui se mostra unânime sobre a natureza tributária da exação em comento, também chamada
de “contribuição” pelo constituinte. Tal pensamento não é pacificado e parte dela considera
como imposto, pois para a caracterização da contribuição social ou da taxa de serviços, não
basta a destinação específica do produto da arrecadação do tributo. Existem autores que
pensam ser uma contribuição sui generis, por conta de sua finalidade específica.

Entende o relator que a COSIP é um novo tipo de contribuição que refoge aos padrões
estabelecidos nos arts. 149 e 195 da CF. Portanto, é, com efeito, uma exação subordinada à
disciplina própria, qual seja, a do art. 149-A da CF, sujeita, todavia, aos princípios
constitucionais tributários, visto enquadrar-se inequivocamente no gênero tributo.

Quanto aos princípios tributários aplicáveis, foi considerado os princípios da


isonomia. Leandro Paulsen ao discorrer acerca do art. 149, que autoriza a União a instituir
contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias
profissionais ou econômicas, diz que é necessário considerar que a remissão feita ao art. 150,
I e III, da CF, não dispensa a observância dos incisos II, IV e V, que cuidam da isonomia
tributária, etc. A isonomia tributária é um princípio decorrente do princípio geral da isonomia.
Dessa forma, a vedação do confisco, por sua vez, impede que as ingerências tributárias
venham a comprometer o direito de propriedade e do livre exercício de profissão e de
atividade econômica que implicam o direito à manutenção da propriedade e aos frutos da
atividade profissional e econômica, sujeitas apenas à tributação que seja razoável, não
excessivamente onerosa.

Não há como ver de maneira diferente, visto a natureza tributária da contribuição de


iluminação pública.

No que tange à determinação dos contribuintes da COSIP, o art. 1o da LC 7/2002


elegeu como contribuintes da COSIP os consumidores residenciais e não residenciais de
energia elétrica (caput), situados tanto na área urbana como na área rural do Município de São
José.

Quanto à base de cálculo e alíquotas o art. 2o da Lei Complementar municipal sob


análise estabeleceu como base de cálculo da contribuição o valor da Tarifa de Iluminação
Pública, apurado de mês a mês, correspondente ao custo mensal de iluminação pública, tendo
variações nas alíquotas conforme a qualidade dos consumidores de energia elétrica e a
quantidade de seu consumo. Assim, não há dúvidas de que a LC 7/2002 estabeleceu um
sistema progressivo de alíquotas, mas o fez sem colidir com o princípio da isonomia e com
respeito à capacidade contributiva dos sujeitos passivos.
2. RE N. 562045/RS SOBRE A PROGRESSIVIDADE DO ITCD

Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra
decisão proferida que julgou inconstitucional o art. 18 da Lei Estadual de número 8.821/1989,
acerca do sistema progressivo de alíquotas para o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis
e Doações (ITCD), no qual determina que fosse aplicado a alíquota mínima ao fundamento da
progressividade prevista no art. 145, p. 1, da Constituição Federal somente se refere aos
impostos de natureza pessoal.

No recurso interposto, alega a recorrente que houve violação dos artigos 145, p. 1, e
155, p. 1, IV, da Constituição Federal e argumenta, em síntese, que não há nenhuma vedação
constitucional à progressividade do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e quando
Doação de bens ou direitos, ainda que se trate de um tributo de natureza real.

As contrarrazões, por outro lado, reiteram a inconstitucionalidade e tal tributo.

No voto do Min. Lewandowski, foi considerado a distinção entre os impostos de


natureza real e de natureza pessoal. Os primeiros são os que se toma em consideração
somente a coisa sobre a qual recai o tributo, e os segundos são aqueles em que são sopesadas
as qualidades individuais dos contribuintes para a graduação do tributo. A dosagem da
exação, nos impostos reais, dá-se com base em critérios objetivos, ao passo que, nos pessoais,
ela é determinada subjetivamente.

Os impostos, como previsto no parágrafo 1 do art. 145 da CF/88, possuem caráter


pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte, facultado à
administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
levando em conta os direitos individuais e de acordo com a lei, o patrimônio, os rendimentos
e as atividades econômicas do contribuinte.

Ocorre que a progressividade é uma das formas pelas quais a graduação dos tributos é
levada a efeito pelo Estado. Não se deve, contudo, confundir a seletividade aplicada aos
impostos reais com a progressividade, que serve para modular os impostos pessoais. Nesta, as
alíquotas aumentam em função do valor da base de cálculo, onerando mais pesadamente
aqueles que possuem maior capacidade econômica, de maneira proporcional à sua riqueza. Já
na primeira, as alíquotas variam em razão dos objetos tributados, tendo em mira a realização
de determinada política fiscal, de modo a estimular ou desestimular a produção ou o consumo
de alguns bens específicos.
A graduação dos impostos somente pode ser levada a efeito se guardar relação com a
capacidade contributiva do sujeito passivo. Tal ideia aparece melhor nos tributos de natureza
pessoal, ao menos do ponto de vista da proporcionalidade e razoabilidade da exação.
Acrescenta ainda que é impossível ter a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD e
que, embora não esteja vedada para os impostos reais como forma de graduação dos tributos.
A progressividade prevista no parágrafo 1º do artigo 145 para os impostos de natureza
pessoal, apenas seria aplicável a alguns impostos reais em hipóteses de extrafiscalidade
expressamente definidas no texto da CF.

Assim, a principal função da progressividade consiste em dar base ao princípio da


capacidade contributiva de modo a promover justiça social em matéria tributária, servindo
como importante instrumento de desconcentração de riqueza.

Desse modo, não há possibilidade de aferir a capacidade contributiva do sujeito


passivo do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações, considerando somente o
conjunto de bens ou direitos transferidos ao herdeiro, legatário ou donatário, tendo em vista
que se trata de imposto de natureza real.

Cabe ressaltar, que em nosso ordenamento jurídico só pode ser adotada a


progressividade, no caso de impostos reais, se tiver expressa previsão constitucional. Ainda
assim, ela não poderá se basear somente na contribuição econômica do contribuinte.

Por conseguinte, a vedação da progressividade no caso de impostos de natureza real,


presente no art. 145, § 1º, da CF/88, ao lado dos princípios da legalidade, irretroatividade, da
anterioridade, da isonomia e da proibição do confisco, configura garantia constitucional e
direito individual do contribuinte, que não podem ser afastados por lei ordinária estadual.

Tal decisão teve divergência nos votos do Supremo Tribunal Federal, o que fez com
que a maioria dos ministros votassem pelo provimento do recurso extraordinário. Eles
entenderam que a progressividade não é incompatível com a Constituição Federal e não fere o
princípio da capacidade contributiva.

Acompanhando o voto do Min. Lewandowski pela impossibilidade de cobrança


progressiva do ITCD, o Min. Marco Aurélio considerou que a questão deveria ser analisada
sob o ângulo do princípio da capacidade contributiva, segundo o qual o cidadão deve
contribuir para a manutenção do Estado na medida de sua capacidade, sem que prejudique sua
própria sobrevivência.
Ele considerou que a regra estabelecida pelo Estado do Rio Grande do Sul admitiu
progressão de alíquotas sem considerar a situação econômica do contribuinte - neste caso, o
destinatário da herança. Desse modo, a progressão de alíquotas poderia até forçar alguém a
renunciar à herança apenas para evitar a sujeição tributária. Em suas palavras: “A herança
vacante acaba por beneficiar o próprio Poder Público, deixando abertas as portas para a
expropriação patrimonial por vias transversas”.

A Corte aplicou o mesmo entendimento a outros nove Recursos Extraordinários —


REs 544.298, 544.438, 551.401, 552.553, 552.707, 552.862, 553.921, 555.495 e 570.849,
todos de autoria do estado do Rio Grande do Sul.

Em voto divergente, o Ministro Eros Grau salientou que todos os impostos se


submetem à capacidade contributiva, sem distinções. Impostos diretos atingem a renda
aplicada ou despendida em bens ou serviços, de modo que, se incorporam a estes elementos.
Afirmou o Ministro Eros Grau que especialmente os impostos diretos estão sujeitos à
capacidade contributiva.

Essa classificação é de suma importância, pois permite compreender que a


manifestação de riqueza se extrai do exato momento em que ocorre o fato gerador. Ou seja,
não há o que se levar em conta todos os aspectos patrimoniais e pessoais do contribuinte que
seja determinada sua capacidade econômica. Tal afirmação supera a do Lewandowski,
porque é óbvio que o herdeiro de patrimônio mais vultoso tem mais capacidade de contribuir
do que aquele que herda bens de valor irrisório, independente desses herdeiros serem
financeiramente providos ou não. A capacidade põe o seu olhar sobre o fato tributado. No
mais, a despeito dos debates jurídicos, há que se reconhecer que, no nosso país, a regra é os
menos favorecidos receberem herança menor do que os ocupantes com maior poder
aquisitivo, sendo o contrário um evento raro.

O Min. Eros Grau ao final de seu voto ressaltou que não compete ao Supremo analisar
a proporcionalidade ou razoabilidade do texto constitucional, mas controlar a correspondência
do ordenamento jurídico da Constituição Federal. Logo, o art. 145, §1º, da CF/88 deve ser
seguido e não criticado.

Por fim, entende-se que quanto à aplicação da progressividade aos impostos reais,
embora existisse doutrina no sentido da sua possibilidade, este não era o entendimento
tradicional firmado no Supremo. Houve grande mudança na jurisprudência do STF com este
Recurso Extraordinário, que foi acertada e significativa para a implementação da justiça
fiscal. Ao alinhar-se com a corrente que defende todos os impostos, independentemente de
sua classificação como de caráter pessoal ou real, podem e devem guardar relação com a
capacidade contributiva do sujeito passivo, o Supremo garantiu maior isonomia na
arrecadação fiscal.

Cabe ressaltar que a isonomia, que permeia todo o texto da Constituição, precisa
mesmo ter essa aplicação compulsória no campo do direito tributário e conduzir o olhar do
intérprete para além da compreensão literal da norma, sob pena de serem cometidas graves
injustiças arrecadatórias.

Ademais, ainda que a decisão em tela contemplou e concretizou a capacidade


contributiva real, especialmente no Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, pois
corrige eventuais distorções de riquezas entre os diversos contribuintes.
3. IMUNIDADE MUSICAL - ARE 1244302 RG/SP

Trata-se de agravo contra decisão de inadmissão de recurso extraordinário fundado na


letra a do permissivo constitucional interposto em face de acórdão da 9ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A recorrente afirma que houve ofensa ao artigo 150, VI, e, da Constituição Federal e
afirma que a demanda servirá de precedente para os demais casos relacionados à interpretação
da desoneração constitucional voltada à defesa da cultura nacional e para o combate à
pirataria.

Em seu mérito, a parte sustenta que pela teleologia da Emenda Constitucional nº


75/2013, há de se considerar o imune suporte material dos fonogramas musicais com obras de
artistas brasileiros. Pela norma não há necessidade que os suportes materiais ou arquivos
digitais que contêm as obras culturais sejam produzidos no Brasil. A única exigência é que
não sejam mídias ópticas de leitura a laser. Assim, alega que é preciso diferenciar os
fonogramas como resultado do processo de fixação dos sons do objeto que lhe serve de
suporte físico.

Salienta que no caso em si a produção dos fonogramas ocorreu exclusivamente no


Brasil e somente a reprodução foi feita no exterior, o que não afasta a imunidade.

Analisando o artigo 150, VI, e, da CF, compreende-se que a matéria possui viés
constitucional e relevância dos pontos de vista jurídico, social, político e econômico. Além
do mais, ela ultrapassa o interesse subjetivo das partes, com base no fluxo internacional de
bens e serviços a que se integra o Brasil.

Pelo âmbito jurídico, encontra-se em questão a fixação do sentido e a definição do


alcance de imunidade tributária recentemente introduzida pelo Poder Constituinte
Reformador. Assim, é uma discussão eminentemente de direito passível de resolução por
atividade hermenêutica do juiz constitucional.

No lado social, a atividade financeira do Estado está vinculada à promoção e à tutela


de bens e serviços culturais na condição de patrimônio brasileiro, nos termos do artigo 215 da
Constituição Federal. Em razão de evidentes impactos no mercado fonográfico, a diretriz
jurisprudencial a ser fixada influenciará o acesso da população à música.
Em síntese, o objetivo da atuação da jurisdição constitucional para esclarecer uma
situação jurídica é de promover a liberdade de expressão, fomentar e tornar acessível a cultura
nacional e combater a pirataria.

Já do ponto de vista econômico, observa-se que a discussão tem relação com a carga
tributária incidente sobre a Economia da Cultura e o respectivo potencial de arrecadação,
assim como a conformação do comércio internacional em relação às obras musicais. No
mesmo plano , colocam-se em xeque os tratamentos tributários distintos devidos a obras de
artistas brasileiros de acordo com a origem dos suportes materiais que os têm.

Atualmente, ainda se encontra pendente o agravo interposto com a finalidade de


imprimir trânsito ao recurso extraordinário. Por conseguinte, o Supremo deve definir se a
imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, e, da CF alcança os suportes materiais
produzidos fora do Brasil que contenham obra musical de artista brasileiro.

Considero o agravo pertinente no sentido de que a música para ter essa imunidade
precisa ser de autor brasileiro, ou que ele interprete e seja produzido no Brasil, quanto à
reprodução da alínea “e”, do inciso VI, do art. 150, da CF ainda permite que a replicação
industrial de mídias ópticas de leitura a laser. Isso ocorre justamente para o apoio da indústria
musical brasileira e o combate à contrafração.

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