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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO


TURMA 12-194 - Sthefany Souza Pereira Oliveira

Caso 2: Conceito de Tributo - Voto pró-contribuinte


Processo: Ação Declaratória de Inconstitucionalidade de Decreto Municipal
Requerente: Associação Bonitense de Turismo
Requerido: Município de Bonito/MS

VOTO: Sthefany Souza Pereira Oliveira - NUSP: 12530612. T: 12 - 194

Trata-se de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade movida pela


Associação Bonitense de Turismo contra o Município de Bonito/MS, contestando a legalidade
do Decreto nº 6.789/23, que estabeleceu uma cobrança fixa de R$ 50,00 para todos os
não-residentes que chegassem à cidade por meio de avião. A Associação alega que essa
cobrança, ao ser instituída por meio de decreto, viola o princípio da legalidade tributária, além
de ferir o princípio da isonomia tributária.

É o relatório. Decido.

Para compreender o mérito da questão, é necessário definir o conceito de


tributo. Segundo o art. 3° do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, instituída em lei, cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada e que não constitui sanção por ato ilícito1. Assim, configurar determinada cobrança
como um tributo, a submete a determinados princípios tributários inerentes a sua própria
existência.

Dito isso, cumpre-me mencionar que, conforme o art. 4° do CTN, que é o


fato gerador da obrigação que determina a natureza jurídica específica do tributo. Nesse
tocante, a taxa, espécie tributária na qual se fundamenta o pedido do requerente da presente
ação, tem seu fato gerador vinculado ao exercício do poder de polícia ou à utilização efetiva
ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis2, prestados ao contribuinte ou postos
à sua disposição (art. 77 do CTN).

Por outro lado, em complemento ao exposto anteriormente, é imperativo


destacar que a Constituição Federal, em conjunto com os dispositivos do Código Tributário
Nacional (CTN), estabelece os parâmetros e princípios que regem a tributação no país. Dentre
esses princípios, destaca-se a legalidade, segundo o qual nenhum tributo pode ser exigido ou
aumentado sem que haja previsão legal específica para tanto (art. 150, I, CF).

A análise conjunta dos dispositivos constitucionais e do CTN revela que as


taxas são espécies tributárias sujeitas a princípios próprios, devendo ser instituídas por lei e
cobradas em contraprestação à prestação de serviços públicos específicos e divisíveis, ou pela
mera disponibilidade desses serviços, quando houver utilização compulsória.

Logo, a determinação de um valor fixo, desvinculado da realidade dos danos


ambientais causados por cada voo ou passageiro, revela-se inadequada e desproporcional, haja
vista não haver como estabelecer, de forma precisa, o montante necessário para compensar os
impactos ambientais causados pela aviação sem uma avaliação criteriosa e individualizada de
tais impactos.
1
Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 3° e Constituição Federal (art. 146, I e II)
2
Tratado de Direito Tributário brasileiro. Forense, 1977. v. 7, p. 8.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
DEPARTAMENTO DE DIREITO ECONÔMICO, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO
TURMA 12-194 - Sthefany Souza Pereira Oliveira

Assim, a cobrança fixada pelo Município de Bonito, mediante decreto, viola


o princípio da legalidade tributária inscrito na Constituição Federal, pois foi instituída sem
respaldo em lei específica. Além disso, a fixação arbitrária do valor não atende aos critérios
de proporcionalidade e razoabilidade, caracterizando-se como uma medida tributária
desarrazoada e desvinculada da realidade ambiental.

Além disso, é importante destacar outro aspecto que aponta para a


inconstitucionalidade da cobrança, que se relaciona diretamente com o princípio da isonomia
tributária. De acordo com o artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, é vedado aos entes
federativos "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente (...)" Esta mesma premissa de proibir a diferenciação injusta entre contribuintes é
reafirmada na Lei Orgânica Municipal de Bonito/MS, especialmente ao tratar dos princípios
da proteção e preservação ambiental em seu artigo 173. Portanto, é claro que tanto a
legislação municipal quanto a Constituição Federal foram violadas quando o Decreto nº
6.789/23 discriminou de maneira injustificada contribuintes viajantes com base apenas na
distinção entre alguns serem bonitenses e outros serem visitantes.

Por fim, em síntese, é impossível não notar que a instituição de tributos por
meio de decreto municipal, como no caso em análise, representa uma extrapolação dos limites
impostos pela Constituição Federal. Tal prática não apenas desconsidera a competência
legislativa reservada à esfera federal, estadual e municipal, mas também compromete a
segurança jurídica e a estabilidade das relações entre o Estado e o contribuinte. Logo, a
fundamentação apresentada pelo requerente encontra amparo tanto na legislação vigente
quanto na jurisprudência consolidada, reforçando a procedência do pedido de declaração de
inconstitucionalidade da cobrança.

Diante do exposto, acolho os pedidos do requerente e voto pela


procedência da ação, declarando a inconstitucionalidade da cobrança instituída pelo
Decreto nº 6.789/23 do Município de Bonito/MS. Tal medida se faz necessária para
preservar a ordem constitucional, garantir o respeito aos princípios fundamentais do direito
tributário e assegurar a igualdade de tratamento entre os contribuintes.

É o meu voto.

Sthefany Souza Pereira Oliveira


Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo, 14 de março de 2024

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