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UNIDADE 1

Comunicação terapêutica e
relacionamento terapêutico
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir os conceitos de comunicação terapêutica e relacionamento


terapêutico.
„„ Explicar como a comunicação terapêutica pode ser aplicada na prática
com o paciente com transtornos mentais.
„„ Identificar limitações, aspectos éticos e vantagens da comunicação
terapêutica e do relacionamento terapêutico aplicados na saúde
mental.

Introdução
O papel da enfermagem ganhou notoriedade nos últimos anos e isso
se deve ao fato de que o papel do enfermeiro não se restringe a exe-
cutar técnicas e procedimentos, mas sim na proposta de cuidados mais
abrangentes.
Os cuidados de enfermagem fazem parte de um contexto maior,
chamado sistematização da assistência em enfermagem (SAE). A SAE
é um instrumento importante que subsidia um processo assistencial
que contribui para uma prática segura e de qualidade. Ela inicia com a
coleta de dados e anamnese do paciente para posterior exame físico,
levantamento de diagnósticos de enfermagem, prescrição de cuidados
e avaliação dos cuidados prescritos (TORRES et al., 2011).
Como podemos notar a primeira fase desse importante processo de
cuidar tem início com a coleta de dados e anamnese. Essa fase é fun-
damental, pois a partir dela o enfermeiro irá elaborar seus diagnósticos
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de enfermagem e, posteriormente, sua prescrição de cuidados (TORRES


et al., 2011).
Para que as informações fornecidas pelo paciente sejam claras e ricas
em conteúdo, o enfermeiro precisa ter a habilidade de técnicas efetivas
de comunicação. A comunicação é uma das ferramentas utilizadas pelo
enfermeiro para desenvolver e aperfeiçoar o saber-fazer profissional e é
a base para a oferta de seus cuidados (BROCA; FERREIRA, 2012).
Por meio da comunicação, o enfermeiro orienta, informa, apoia, con-
forta e cuida. Contudo, para que os objetivos de cuidado sejam alcança-
dos, necessitamos de um aporte teórico conceitual no qual as práticas
contenham embasamento científico.
Enfermeiros que demonstram conhecimentos e habilidades para
comunicação favorecem o relacionamento interpessoal e esse relacio-
namento pode ser um importante instrumento de cuidar. O profissional
pode fazer uso dessa relação em benefício do cliente e conseguir com
que ele modifique comportamentos e crenças negativas que poderiam
estar prejudicando sua saúde.
Formas específicas de se comunicar em benefício do paciente são
chamadas de comunicação terapêutica. Já o relacionamento estabelecido
entre enfermeiro-cliente e que tem o poder de influenciar positivamente
na saúde do assistido é chamado de relacionamento terapêutico.
Neste capítulo, ambos os conceitos e suas aplicações serão abordados
detalhadamente e será ofertado um subsídio teórico conceitual impor-
tante para mudanças na prática cotidiana do profissional enfermeiro.

A comunicação terapêutica e sua interface


com o relacionamento terapêutico
A interação entre os indivíduos é mediada pela comunicação. Comunicar é
um processo transacional entre mensagens enviadas e recebidas e a forma
como isso ocorre poderá exercer influência no comportamento das pessoas.
O objetivo fundamental da comunicação é entender e se fazer entendido. Para
que isso ocorra, todos os envolvidos nesse processo precisam estar atentos, pois
a comunicação está sendo relacionada ao que é falado, escrito ou observado
(SCHOLL, 2013).
O processo comunicativo é sempre intencional, ou seja, previamente elabo-
rado e executado com vistas a outra pessoa/pessoas. Por seu caráter relacional
e interativo, ela visa a transmitir, anunciar ou ligar ideias a fatos e sofre in-
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fluência do comportamento e da personalidade dos indivíduos interlocutores


(COWIN; EAGAR, 2013).
Cada gesto executado ou palavra referida gera uma mensagem e condições
preexistentes modificam, de maneira positiva ou negativa, a interpretação
dessa mensagem para ambos. Nesse processo de comunicação, é necessário
lembrar que emissor e receptor de mensagens não agem livremente, pois eles
são influenciados por questões socioculturais. Portanto, é preciso reconhecer
o papel daquele indivíduo no contexto social que ele se encaixa. Citamos como
exemplo dessas condições os aspectos culturais de valores, sexo, religião e
idade, nos fazendo refletir sobre a complexidade do ato de se comunicar.
Valores, atitudes e crenças geralmente são modos aprendidos de pensar e
que são internalizados na infância, podendo ou não ser modificados na vida
adulta. Eles se expressam com o comportamento e têm natureza simbólica.
Por exemplo, o indivíduo que valoriza a juventude provavelmente pode se
comportar e se vestir como uma pessoa jovem da sua cultura.
O sexo influencia em relação à forma de manifestação de sentimentos.
As regras sobre quando e de que forma homens e mulheres podem manifestar
seus pensamentos e crenças foram historicamente construídas. Em algumas
culturas, por exemplo, homens que choram em público podem ser taxados de
fracos e incapazes.
A religião pode influenciar na comunicação à medida que as pessoas seguem
padrões preestabelecidos por seus líderes espirituais e há uma imposição sobre
o que pode ou não ser dito dentro daquele contexto.
A influência da idade na comunicação é facilmente notada quando cita-
mos, por exemplo, a adolescência. Jovens em busca de estabelecerem suas
próprias identidades geram um padrão próprio de comunicação, que muda
de geração para geração. Nessa fase, geralmente, são incluídas no linguajar
expressões idiomáticas e que simbolizam para eles uma independência dos
padrões parentais impostos (BERLO, 2003).
Por meio do exercício da comunicação, há troca e confronto de ideias e
compartilhamento de pensamentos e de informações; é um meio para execução
da prática de humanização (BROCA; FERREIRA, 2012).
A comunicação é fundamental na atuação do enfermeiro, devendo esse
profissional saber ouvir, observar e falar cautelosamente. Para adentramos ao
universo do cliente e podermos compreender suas necessidades, é importante
que o profissional saiba escolher o estilo de comunicação que melhor se
adapte ao seu cliente. Ele precisa também ter plena atenção no comportamento
humano, a fim de ser específico o suficiente com o real comportamento da
comunicação. Deve haver coerência entre o que é dito e a forma para dizer,
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evitando que haja incoerência e contrariedade na mensagem emitida (RENNÓ;


CAMPOS, 2014).
Existe um tipo singular de comunicação utilizada por profissionais de saúde
a fim de apoiar, informar e educar pessoas em processos de saúde-doença que
é chamado de comunicação terapêutica. A comunicação terapêutica é um
processo consciente e deliberado, usado para a identificação de crenças que
podem influenciar negativamente na saúde do cliente assistido, para a avaliação
da percepção que o assistido tem sobre seu problema e no reconhecimento
das necessidades dele (ROSENBERG, 2015).
Quando esse tipo de comunicação ocorre, o profissional de saúde pode
ajudar o cliente no enfrentamento de seus problemas, no relacionamento entre
seus pares, no processo de ajustamento no que não pode ser mudado e no
enfrentamento de bloqueios para a autorrealização (CARDOSO et al., 2011).
Por meio do encorajamento do cliente na exploração de seus sentimentos,
o enfermeiro promove mudanças comportamentais importantes que geram
recuperação da saúde como um todo. Sendo assim, os principais objetivos da
comunicação terapêutica são:

„„ identificação de crenças que podem influenciar negativamente na saúde


do acometido por transtorno mental;
„„ avaliação da percepção que o cliente tem sobre seu problema;
„„ reconhecer necessidades do cliente assistido;
„„ estabelecer junto ao paciente planos para aquisição de mudanças em
benefício de sua saúde;
„„ orientar o cliente sobre as modificações específicas em seu padrão
comportamental e de comunicação que subsidiem melhora em seu
padrão atual de saúde.

A escolha da técnica depende do objetivo da interação e da habilidade


do cliente em seu comunicar, devendo a seleção de técnicas facilitar a inte-
ração entre ele e o cliente. As técnicas de comunicação terapêutica verbal
auxiliam o enfermeiro a interagir com o cliente e envolvem a palavra oral e
escrita. Algumas técnicas verbais irão encorajar o cliente a discutir seus pró-
prios sentimentos e preocupações em profundidade, já outras ajudam a focar
ou esclarecer o que está sendo dito. Tais técnicas incluem: uso do silêncio;
demonstração de aceitação na oferta de reconhecimento; expressão clara
de disponibilidade ao cliente para escuta e apoio; exploração dos assuntos
trazidos pelo cliente; e apresentar a realidade ao cliente, vocalizando dúvidas
e verbalizando o implícito.
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Devemos planejar atentamente as técnicas a serem utilizadas, pois é co-


mum na prática clínica que enfermeiros deixem-se levar pelo senso comum
e executem técnicas consideradas não terapêuticas. Respostas do tipo “isso é
bobagem, vai passar logo” ou “não me preocuparia se fosse você” interrompem
a comunicação e tornam mais difícil a continuidade da interação. Talvez,
nesses casos, o enfermeiro até tenha a intenção de ajudar o assistido, mas
pode transmitir a mensagem de que está desqualificando o sofrimento alheio.

Para que possamos acessar os conteúdos de pensamentos e sentimentos do cliente, há


a necessidade de reconhecermos que comunicação não se constrói somente amparada
nos elementos verbais da comunicação, há outras formas de comunicação humana que
não envolvem diretamente as palavras (não verbal) (PONTES; LEITÃO; RAMOS, 2008).

Técnicas não verbais auxiliam o profissional na transmissão de mensagens


por meio de outros recursos, como expressão facial, contato visual, vestimentas,
movimentos, postura corporal e toque. Essa forma de comunicação manifesta
o subconsciente e complementa o conteúdo a ser passado. Com ela, podemos
dar ênfase em uma frase (balançando a cabeça afirmativamente), demonstrar
impaciência (respirando profundamente) e até demonstrar desaprovação (cruzar
os braços, por exemplo).
A comunicação terapêutica é a base para uma série de interações planejadas
e sistematizadas pelo enfermeiro para com o cliente. O estabelecimento de
ações e atos específicos para com o cliente buscando uma melhora em seus
níveis de saúde físico e mental recebe o nome de relacionamento terapêutico.
O relacionamento terapêutico foi elaborado e implementado pela enfermeira
Dra. Hildegard Elizabeth Peplau, em 1948. A teoria das relações interpessoais
da autora tem como finalidade a explicar as causas e os efeitos da relação
interpessoal entre enfermeiro-cliente e tem como premissa que o comporta-
mento humano se desenvolve a partir das relações com outras pessoas. Dessa
forma, relações interpessoais podem modificar a personalidade do indivíduo
em qualquer momento de sua vida.
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A autora parte do pressuposto de que o ser humano apresenta necessidade de


satisfação e segurança e, nesse processo de cuidar, cabe ao enfermeiro ajudar
o paciente a diminuir sua insegurança, convertendo a uma ação construtiva no
relacionamento terapêutico. A teoria é estruturada por um grupo de conceitos
e constituída por um processo interpessoal com quatro fases distintas, com
objetivos a longo, médio e curto prazos, com foco na singularidade do cliente
e em suas necessidades.
As fases são chamadas de pré-interação, interação inicial, fase de trabalho
e fase de término. Pode haver sobreposição destas ou não ocorrência de uma
delas, dependendo da situação apresentada pelo cliente. Na fase de pré-
-interação, o enfermeiro obtém dados sobre o cliente e seu comportando,
construindo sua primeira impressão, que depois terá seus dados validados
com os membros da própria equipe e familiares.
A principal característica da fase de interação inicial é o conhecimento
mútuo entre enfermeiro e cliente, que pode durar de 15 a 30 minutos. Nessa
fase, o cliente será esclarecido sobre o objetivo da relação e o contrato de sigilo
e responsabilidade profissional diante do tratamento.
Com os dados já validados sobre o cliente, sua família e os diagnósticos
de enfermagem iniciais identificados, o enfermeiro adentra, então, na fase
de trabalho. Nela o enfermeiro elabora junto ao cliente e seus familiares os
resultados a serem alcançados nessa relação (lembrando sempre de utilizar as
técnicas de comunicação terapêutica) e tenta discutir, sempre que necessário,
a redefiniçao destes, caso tenham remissão ou melhora de sintomas.
Por fim, a fase de término advém quando cliente e enfermeiro vivenciam
a conclusão de metas. Percebe-se no cliente a melhora do desempenho social,
a presença de comportamentos mais adaptados às adversidades e um senso
de independência e identidade.
Peplau afirma que dentro das fases do relacionamento terapêutico, o en-
fermeiro vai desenvolvendo alguns papéis, os quais a autora conceitua em
seis diferentes tipos: papel de estranho, papel de pessoa de recurso, papel de
professor, papel de líder, papel de substituto e papel de conselheiro.
Contudo, independentemente do papel e da fase em que o enfermeiro
se encontre, há a necessidade de que ele tenha domínio dos componentes
essenciais do processo: a confiança mútua, o interesse genuíno, a empatia, a
aceitação e o uso terapêutico de si mesmo. A confiança estabelecida entre o
enfermeiro e o cliente faz com que este último explicite seus sentimentos mais
profundos, de modo que também será capaz de aceitar a assistência ofertada
e cumprir acordos de cuidado.
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O interesse genuíno do enfermeiro no caso faz com que o cliente se sinta


seguro, e o enfermeiro pode colocar isso em prática sendo autêntico e sincero
em suas respostas. A empatia é considerada uma das habilidades essenciais,
pois trata-se da capacidade do enfermeiro de se colocar no lugar do cliente.
A partir do momento que ele reflete sobre a realidade do assistido, ele com-
preende melhor os sentimentos ali trabalhados, conseguindo formular ações
mais fundamentadas na individualidade do ser. A aceitação é manifestada a
partir do momento e, que o profissional demonstra ao indivíduo que está “ao
seu lado” independentemente de seu estado emocional, o aceitando em sua
totalidade com raivas, fúrias, medos ou frustrações. Por fim, o uso terapêutico
de si mesmo fundamenta todo o processo de relacionamento terapêutico.
A forma de agir do enfermeiro, seu tom de voz, suas ações, os toques e o
amparo para com o cliente é a forma de demonstrar a ele as possibilidades
de interação que vai encontrar na sociedade. O que o cliente aprende nessa
relação poderá reproduzir no mundo exterior.
O relacionamento terapêutico deve ser desenvolvido pelos enfermeiros em
locais onde os clientes se encontram, sejam eles em atenção primária, ambu-
latórios, serviços especializados de psiquiatria, domicílio ou hospitais gerais.
Enfermeiros dotados de embasamentos técnicos e teóricos nessa temática têm
a possibilidade de executar mudanças importantes na sociedade e na qualidade
de vida de todos os clientes por eles assistidos.

Não se esqueça de que enfermeiros são pessoas e, como qualquer ser humano, podem
experimentar sentimentos de raiva, tristeza, desprezo e incapacidade. Se faz necessário
estar atento e procurar sessões de supervisão com outros profissionais da saúde, a fim
de compreender seus sentimentos e evitar reações inadequadas com o cliente (por
exemplo, alimentar a dependência do cliente nos seus cuidados).

Aplicação prática das técnicas de comunicação


no relacionamento terapêutico
Comunicação é fundamental para a prestação de cuidados em saúde e, em
especial, nos cuidados em saúde mental. Sem ela não há o estabelecimento do
relacionamento terapêutico, baseado no relacionamento mútuo entre enfer-
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meiro-cliente, pois não se estabelece o vínculo sem a condição de um sujeito


expressivo de suas necessidades e seus desejos (STEFANELLI; CARVALHO,
2012).
Para o alcance de uma comunicação competente, é necessário viabilizar
uma assistência personalizada, utilizando estratégias terapêuticas, articu-
lando saberes relacionados a formas verbais e não verbais de se comunicar.
Sendo assim, não basta que o profissional tenha apenas competência téc-
nica, ele também necessita de uma competência relacional (MARTINEZ;
TOCANTINS; SOUZA, 2013).
Nesse sentido, é necessário um novo modo de compreender o processo
de trabalho. Deve ser considerado um dever ético e uma responsabilidade
a qualquer profissional de saúde que os cuidados prestados não fiquem só
no campo procedimental, e sim também no estabelecimento de relaciona-
mentos terapêuticos que influenciarão positivamente na vida dos clientes
(VERÍSSIMO; SOUSA, 2014).
Transtornos mentais podem ser muitas vezes incapacitantes e habilidades
podem ser comprometidas. Manter o foco, a atenção e formular linhas de
pensamento podem não ser mais facilmente desenvolvidos, causando um
sofrimento muito grande no adoecido e em seus familiares.
Com a instalação da patologia psiquiátrica, a pessoa começa uma sucessão
de perdas e uma delas é a habilidade de comunicação. O simples iniciar e
manter uma conversa e o descrever de fatos em uma sequência lógica podem
ser atividades desafiadoras. Sendo assim, comumente, clientes acometidos
por transtornos mentais são reduzidos a uma patologia e repercussão de seus
sinais e sintomas.
Diante disso, para iniciar uma conversa com indivíduo adoecido men-
talmente, o enfermeiro pode utilizar para uma técnica denominada amplas
aberturas, na qual ele oferta a possibilidade de o cliente conduzir a interação
e colocá-lo como protagonista de seus cuidados. O profissional pode verbalizar
frases no sentido de: “por onde você deseja começar?” ou “gostaria que você
me contasse sua história, sobre quem você é”.
Para o início da entrevista, pode-se utilizar uma técnica denominada oferta
de informações, inferindo ao cliente sobre suas responsabilidades no serviço,
capacitação e intenção ao atender o caso. Pode-se dizer: “senhor, eu sou o
enfermeiro de referência aos seus cuidados, trabalho no atendimento em
clientes cometidos por sofrimento emocional e meu objetivo é criar junto a
você possibilidades para sua melhora”. Dessa forma, possibilitaremos que o
assistido diminua seu grau de ansiedade diante do tratamento e evite a criação
de um imaginário negativo sobre o profissional.
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O sentimento de abandono, solidão e insignificância é comum em acome-


tidos por patologias psiquiátricas. Quando o enfermeiro fala “ficarei aqui com
você por um tempo” ou “interesso-me no que você diz”, ele utiliza a técnica
de oferecimento de si mesmo, demonstrando ao cliente que existem pessoas
preocupadas com seus sentimentos, construindo um clima de acolhimento e
segurança.
Para compreender os fatos na perspectiva do cliente e encorajá-lo na
verbalização de suas ideias, pode-se utilizar uma técnica denominada en-
corajamento da descrição de uma percepção. Ela faz com que ele possa
se sentir aliviado, levando-o a se sentir com menos probabilidades de agir
ou ter ideias prejudiciais. Citamos o caso de pacientes com ideação suicida:
a possibilidade deles em falar sobre o pensamento pode impedir o ato de retirar
a própria vida. Portanto, a forma seria: “gostaria que você me contasse sobre
seus pensamentos em relação a continuidade ou não de sua vida”.
Mesmo indagando objetivamente clientes sobre determinados assuntos, eles
podem (por seus transtornos mentais) não conseguir expressar em palavras
o que sentem e, portanto, colocações como “você me parece tenso” ou “noto
que está tremendo suas pernas, está incomodado com algo?” o auxiliam na
formulação de respostas.
É importante que quando o cliente esteja contanto os fatos de sua vida,
o enfermeiro consiga visualizar uma linha cronológica. Para fazer a localização
do evento no tempo e no espaço, é possível utilizar as frases “isso foi em que
época de sua vida?” ou “isso foi antes ou depois de determinado fato?”.
Compreender exatamente o que aconteceu e de que modo aconteceu é
imprescindível na formulação de diagnósticos de enfermagem e as distorções
de realidade do cliente impossibilitam isso. Necessitamos expressar incertezas
sobre a realidade do cliente e estimulá-lo a reconsiderar ou reavaliar o que
aconteceu. Podemos usar: “essa história está confusa para mim, pode me
explicar novamente sobre?” ou “não consigo compreender a relação dos fatos,
para mim não fazem sentido na maneira que você contou”.
No caso de clientes com delírios e/ou alucinações, é importante a investi-
gação do assunto, pois tratá-los na superficialidade significa deixar de iden-
tificar possíveis planos de agressividade contra si ou terceiros. A pergunta a
ser realizada seria no sentido de: “você poderia me detalhar o que as vozes te
dizem e o que elas te mandam fazer?”.
Por fim, toda a interação necessita ser recapitulada e aspectos importantes
da discussão devem ser destacados. Esse movimento aumenta a percepção e
a compreensão de tudo que foi falado para profissional e cliente, estabelece o
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que é importante ou não naquele momento e propicia um rumo de conclusão


e fechamento de temática.
Da mesma forma que existem técnicas de comunicação verbal terapêuticas,
existem técnicas consideradas não terapêuticas e algumas situações podem
ser muito prejudiciais ao cliente acometido por transtorno mental.
Ofertar conselhos é uma dessas ações que podem repercutir negativamente.
Aconselhar é transmitir a mensagem de que o enfermeiro é o único detentor
do “melhor saber” para com o cliente, desqualificando o poder de escolhas e
julgamento do assistido.
Opiniões sobre o que é correto ou errado retiram do cliente a responsa-
bilidade sobre seus atos e a oportunidade de refletir sobre a repercussão de
suas ações. Deve-se evitar dizer que o cliente está completamente correto ou
errado em agir de determinada maneira.
O enfermeiro é visto como ponto de apoio em momentos de fragilidade
e incertezas. No momento que verbaliza “eu sei exatamente o que você está
sentindo, também estou péssimo”, ele faz com que o cliente troque o foco dos
seus problemas para os do profissional.
Com a intenção de comprovar a inexistência de delírios ou alucinações, o
enfermeiro pode demandar provas ao cliente. Perguntas do gênero “se você
morreu, como estou aqui e agora falando com você?” desafiam o cliente a
comprovar ideias irreais, abrindo a possibilidade para ele colocar sua vida
em risco.
Defender alguém de ataques verbais do cliente com frases “todos aqui são
ótimos profissionais” ou “você está proibido de falar isso aqui” gera a sensação
no de que ele não tem direito em expressar suas opiniões e isso futuramente
irá criar um bloqueio na verbalização de seus sentimentos.
Além da comunicação verbal, a transmissão de uma informação pode
também ser realizada de outra maneira, como por meio da aparência física,
da expressão facial e do comportamento ocular. Essas técnicas diferenciadas
são chamadas de comunicação não verbal e influenciam também substan-
cialmente, mas necessitamos lembrar que esses aspectos sofrem influência da
cultura e do momento histórico em que o atendimento está sendo realizado.
Cabelos e vestimentas podem ser manipulados a fim de transmitir uma
determinada mensagem ao receptor. Citamos, por exemplo, o uso de alianças
(demonstrando compromissos), anel de formatura (demonstrando o grau de
escolaridade), cor da vestimenta (podendo relacionar com o humor da pessoa)
e até cor do cabelo (podendo ser sinal de rebeldia dependendo da coloração
e corte).
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O enfermeiro, ao querer transmitir abertura e transparência de suas inten-


ções, pode fazer o uso de roupas claras, poucos acessórios e cabelos presos.
Ele deve evitar vestimentas que desviem o foco do atendimento, como roupas
justas ao corpo e decotes. Os movimentos faciais conectam-se com palavras
para exemplificar o conteúdo exposto oralmente e em razão de sua comple-
xidade, as expressões faciais são classificadas em três tipos: expressivas,
impassíveis e confusas.
Na face expressiva, como o próprio nome já diz, ela retrata com clareza os
pensamentos e as necessidades da pessoa naquele momento. A face impassiva
é uma expressão fixa sem emoção, similar a uma máscara que não transmite
qualquer informação adicional. Por fim, a face confusa é aquela que indica o
oposto do que a pessoa quer transmitir, incongruente com o conteúdo falado.
Diante disso, o enfermeiro deve saber utilizar suas expressões de forma
sábia. Elas devem ir ao encontro de sua fala, mas também não devem deixar
transpassar pensamentos e julgamentos individuais que ele tem sobre o cliente.
Clientes que manifestam sintomas psicóticos (em específico delírios perse-
cutórios) necessitam de reafirmação e segurança contínua da realidade. Para
que isso ocorra e que haja uma conectividade interpessoal, o enfermeiro deve
manter o contato visual de maneira contínua, mas evitando que, ao mesmo
tempo, isso não seja intimidador.
Tal como exposto anteriormente, é a comunicação, nas suas dimensões
verbal e não verbal, que permitirá o desenvolvimento da relação e é a co-
municação terapêutica que permite o estabelecimento do tipo singular de
relacionamento: o relacionamento terapêutico. Ser terapêutico tem o sentido
de trazer benefícios concretos na saúde das pessoas, ou seja, ofertar ajuda no
sentido de potencializar mudanças positivas.
No primeiro contato terapêutico com o cliente, o enfermeiro pode passar
pelo papel de estranho, pois ambos são desconhecidos mutuamente. A fim
de minimizar desconforto e possíveis pré-julgamentos do cliente para com
ele, o profissional deve deixar explícito seus objetivos de cuidado, limites e
responsabilidades.
Nessa relação, o enfermeiro deve ser o responsável por esclarecer dúvidas
ao cliente, explicar sobre seu tratamento e plano de cuidados, fazendo um
misto de profissional detentor de recursos e papel de professor. Entretanto,
há de se deixar claro que esse movimento de fornecimento de respostas deve
incentivar a autonomia do cliente, e não a dependência do saber único e ex-
clusivo do cliente.
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À medida que o enfermeiro promove situações para que o cliente exerça


seu livre arbítrio com segurança, ele fica na posição de líder, ou seja, não
impõe de maneira autoritária o fazer do paciente, e sim indica as melhores
possibilidades naquele momento.
Muitas vezes, o enfermeiro é associado pelo cliente a uma figura familiar e
isso faz com que haja uma modulação na forma de agir e pensar do assistido.
Cabe ao enfermeiro conduzir o cliente a identificar as semelhanças e dife-
renças com a pessoa associada, evitando uma possível ação de dependência
ou interdependência.
O adoecimento mental pode fazer com que o cliente tenha dificuldade para
reconhecer problemas e aceitá-los. Por meio de suas técnicas interpessoais,
o enfermeiro pode ajudar o cliente a reconhecer, aceitar, enfrentar e resolver
problemas, integrando experiências de maneira significativa para o receptor
de cuidados.
O relacionamento terapêutico enfermeiro-cliente é importante no processo
saúde-doença, pois influencia no aprendizado do cliente, o estimulando no
desenvolvimento da personalidade no sentido do amadurecimento e fortaleci-
mento. As experiências aprendidas e vivenciadas junto ao profissional podem
servir como base ao cliente para futuros relacionamentos. Por isso, quanto
mais experiências complexas e ricas o enfermeiro proporcionar, maiores as
possibilidades de atuação do cliente mundo a fora.
Em razão da tamanha importância da forma de cuidar, os enfermeiros
devem procurar maneiras de favorecer suas habilidades comunicativas e,
assim, desenvolver relacionamentos terapêuticos e efetivos.

Joana, 28 anos, apresenta quadro de depressão pós-parto e relata ao enfermeiro


pensamentos homicidas com o recém-nascido.
Uma resposta julgadora seria: “que horror Joana, que tipo de mãe pensa algo assim?”.
Uma resposta de aceitação seria: “que bom que a senhora sentiu confiança em me
contar isto, agora, vamos trabalhar juntos para que nada de mal ocorra ao seu bebê”.
Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico 27

A enfermeira Hildegard Elizabeth Peplau nasceu em setembro de 1909, nos Estados


Unidos, e em 1931 iniciou sua trajetória na enfermagem, graduando-se na Escola
de Enfermagem da Pensilvânia. Desde sua graduação, a enfermeira já demonstrava
interesse nas áreas de saúde mental e psiquiatria. Em 1943 formou-se em Psicologia
Interpessoal, no Bennington College. Em 1947 fez mestrado em Enfermagem Psiquiátrica
pelo Teachers College, de Nova Iorque, e em 1953 fez doutorado em Desenvolvimento
Curricular na Columbia University, onde desenvolveu seu maior livro de destaque na
área de Enfermagem Psiquiátrica, o Interpersonal Relations in Nursing. Durante 20 anos
atuou como docente na Universidade de Rutger, onde criou a primeira especialização
em Enfermagem Psiquiátrica e trabalhou no corpo editorial de revistas como Nursing
e Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing (TOMEY; ALLIGOOD, 2004).

Vantagens e limitações da comunicação e


relacionamento terapêutico
O relacionamento terapêutico é muito importante para o bem-estar do cliente,
contudo, o resultado dessa reação altamente íntima e circunscrita pode afetar
para bem ou para o mal todos os envolvidos. A transferência e contratrans-
ferência são fenômenos que podem ocorrer durante o curso de uma relação
terapêutica. O enfermeiro não permanece imune ao intercâmbio de mensagens
e os resultados dessa interação podem ter efeitos em si próprio.
Dentro de qualquer processo comunicativo, ao transmitir uma mensagem o
emissor sabe de que forma vai transmiti-la, mas não tem controle de que forma
vai se dar sua chegada. O significado expresso na mensagem não é determinado
ou controlado nem por um nem pelo outro, emerge de ações coordenadas de
ambos e para que mensagens não sejam erroneamente interpretadas, o enfer-
meiro deve fazer uso de algumas estratégias e estar atento às suas próprias
atitudes e aos seus sentimentos, impondo limites quando necessário.
Um dos limites mais básicos refere-se à distância física entre o enfermeiro
e o cliente. Distâncias demasiadamente próximas (menos de 1 metro) podem
causar desconforto pela invasão do espaço pessoal, ansiedade e sensação de
ameaça ou de envolvimento amoroso. Manter distância superior a 1 metro é
especialmente importante no contato com clientes agitados, agressivos ou
persecutórios.
28 Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico

O ideal é que o enfermeiro se posicione a uma distância entre 1,5 e 3 metros,


proporcionando a sensação de acolhimento profissional (TOWNSEND, 2014).
Vale ressaltar que tais recomendações não são absolutamente rígidas, pois
deve-se levar em conta as variações culturais sobre distância interpessoal e
as situações que irão exigir maior proximidade.
O exame físico, aferição de sinais vitais, coleta de exames e realização
de procedimentos são situações que irão requerer maior proximidade física.
Nesses casos, o enfermeiro deve avisar sobre sua intenção e solicitar permissão
para tal (“posso realizar exame físico no senhor?”). Normalmente, o contato
físico com o cliente irá ocorrer nas situações descritas e ao se cumprimentar
o cliente. O aperto de mão é socialmente aceito, respeitoso e profissional na
cultura brasileira. Já abraços e troca de beijos são demasiadamente íntimos no
relacionamento terapêutico e deverão ser evitados, inclusive quando realizados
espontaneamente pelo cliente.
Em algumas situações de sofrimento agudo, choro e dor emocional,
o enfermeiro poderá realizar contato físico buscando confortar o cliente,
por exemplo, segurando a sua mão. Tal contato pode ser confortador, ani-
mador e terapêutico para o cliente (VIDEBECK, 2012). Neste caso, pode-se
pedir permissão para realizar tal ato (“vejo que está sofrendo muito, posso
segurar a sua mão?”) e recuar caso o cliente demonstre desconforto. Toques
que demonstrem intimidade afetuosa (como abraços longos e apertados) ou
intimidade sexual não devem ser realizados em nenhuma situação e, caso o
cliente insista, cabe ao profissional repreendê-lo e relembrar que o objetivo
do contato é estritamente profissional.
A simpatia deve ser claramente diferenciada da empatia. Enquanto a última
se refere à capacidade de perceber a realidade por meio do olhar do outro, a
simpatia envolve concordar e se identificar com a percepção do cliente. Sim-
patizar com o cliente pode trazer uma percepção errônea de fortalecimento do
vínculo, quando na verdade propicia sentimentos de dependência e prejudica a
reflexão crítica e a autorresponsabilização. Deve-se manter uma postura neutra
e reflexiva, evitando emitir juízo de valor a respeito das ações do atendido.
A falha em perceber a existência de simpatia pelo cliente pode levar ao
desenvolvimento de uma relação de amizade ou, em casos graves, a erotização
da relação. Essa é uma situação de grave infração ética, a qual deve ser evitada
a qualquer custo. No outro vértice, é possível que o enfermeiro sinta raiva,
nojo ou desprezo pelo cliente. Tais sentimentos podem ocorrer em múltiplas
situações, como no contato com pessoas com características de personalidade
Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico 29

antissocial, narcisistas e borderline, usuários de drogas, criminosos, agressores


e vítimas de violência doméstica que não desejam se separar. Nesse caso,
o enfermeiro deve estar atento para não comunicar tais sentimentos (de forma
verbal ou não verbal), pois a emissão de julgamento moral ou desaprovação
irá minar a relação de respeito e confiança. Caso o enfermeiro se veja incapaz
de lidar com os próprios sentimentos negativos, deve solicitar que o contato
com o cliente seja realizado por outro colega de profissão.
O recebimento de presentes é uma situação geradora de dúvidas. Muitas
clientes, por sentimento de gratidão, irão desejar presentear o enfermeiro.
Por um lado, a não aceitação de um presente pode ser interpretada como um
insulto e levar ao comprometimento da relação com o cliente. Por outro lado,
nunca se deve aceitar compensação financeira ou presentes excessivamente
caros. É preciso utilizar o bom senso, levar em conta os princípios éticos da
enfermagem, as regras da instituição e o possível significado do presente ao
se tomar decisão da aceitação ou não. Uma opção é compartilhar o presente
com os demais membros da equipe.
A autorrevelação sobre características pessoais não é absolutamente pros-
crita, porém deve ser realizada de forma cautelosa comedida. Poderá ser
realizada caso o enfermeiro se sinta confortável e julgue que a informação
revelada será benéfica no sentido terapêutico. Entretanto, deverá ser evitada
caso for causar hostilidade ou proximidade excessiva, direcionando o rela-
cionamento interpessoal para fora do escopo profissional.

José, 22 anos, está internado na enfermaria psiquiátrica do hospital geral com diag-
nóstico de episódio maníaco agudo. Por conta do transtorno, ele se encontra hiper-
sexualizado e resistente em seguir as normas do hospital. Ele busca contato frequente
com a enfermeira, segura sua mão, coloca a mão em sua cintura, solicita que ela o
acompanhe até o quarto e expressa desejo de relacionamento íntimo.
Nessa situação é fundamental que a enfermeira estabeleça limites claros, evitando
assim o escalonamento do comportamento de José. A enfermeira deve solicitar que
ele se afaste sempre houver a invasão seu espaço íntimo, assim como o impedir de a
tocar de forma inapropriada. Deve-se reafirmar seu papel profissional e os limites da
relação enfermeira-cliente. Ainda que a privacidade seja importante, ela não deve ficar
a sós e isolada com esse cliente enquanto não ocorrer melhora clínica.
30 Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico

Transferência e contratransferência
Transferência e contratransferência são termos cunhados por Freud ao longo
do processo de desenvolvimento da psicanálise (TIMO; RIBEIRO, 2017).
Uma vez incorporados, esses conceitos se tornam ferramentas para o enfer-
meiro compreender melhor o cliente e as reações despertadas por ele.
A transferência se refere a um fenômeno quando o cliente, de forma in-
consciente, desloca para o enfermeiro um sentimento desenvolvido por outra
pessoa no passado. Normalmente, mas não obrigatoriamente, esse sentimento
foi originalmente vivenciado na infância do cliente com relação aos seus pais.
Tal sentimento pode ser das mais variadas naturezas, como: raiva, hostilidade,
afeto, desprezo, etc. Alguma característica do enfermeiro faz com que o cliente,
de forma inconsciente, se lembre da pessoa com a qual vivenciou a situação
do passado. Características de personalidade, vestimenta, o próprio papel
de autoridade ou o papel de assistente do enfermeiro irão ativar a memória
afetiva do cliente e este irá revivenciar o sentimento do passado (TIMO;
RIBEIRO, 2017).
Por exemplo, um cliente que vivenciou situações de dependência excessiva
com sua mãe pode demonstrar passividade, afeto excessivo e expectativas
irrealistas diante de uma enfermeira com timbre de voz semelhante ao de
sua mãe. Já outro cliente pode demonstrar hostilidade e resistência ao seguir
orientação de um enfermeiro cujo cabelo relembra o de seu pai que o maltra-
tava na infância. Diante de uma situação de transferência, o enfermeiro deve
realizar seu trabalho no sentido de separar o presente do passado, auxiliando
o cliente a identificar a transferência e criar um significado original para a
atual relação enfermeiro-cliente (TOWNSEND, 2014).
Já a contratransferência se refere ao sentimento desenvolvido pelo enfer-
meiro em relação aos sentimentos de transferência do cliente. O profissional de
saúde também pode ter sentimentos não resolvidos quanto a entes significativos
do passado e manifestá-los na relação profissional (TIMO; RIBEIRO, 2017).
Por exemplo, o enfermeiro pode se sentir especialmente poderoso e especial
diante de um cliente excessivamente dependente, alimentando, assim, a falta de
atenção da mãe omissa de sua própria infância. Nessa situação, o profissional
pode alimentar os sentimentos de dependência do enfermo, assumindo um
papel de conselheiro, dando atenção especial ou permitindo regalias. Esse
mesmo enfermeiro citado pode sentir raiva e ansiedade diante de um cliente
que ignora as orientações prestadas, revivenciando, assim, os momentos em
que sua mãe o ignorava.
Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico 31

Quando vivencia sentimentos inadequados e excessivos pelo cliente, sejam


estes na esfera do afeto ou do desafeto, é muito útil que o enfermeiro par-
tilhe com seus colegas de trabalho sobre a situação. A psicoterapia pessoal
também pode ser um instrumento ímpar para ajudar o profissional a identi-
ficar e compreender a própria reação diante de diferentes tipos de clientes
(TOWNSEND, 2014).

Como a contratransferência também ocorre de forma inconsciente, é válido conhecer


alguns sinais de sua ocorrência: o enfermeiro identifica-se excessivamente com os
sentimentos do cliente; o enfermeiro sente a necessidade de “salvar” o cliente; o
enfermeiro sente-se ansioso, desconfortável, entediado ou com raiva durante o contato
com o cliente.

Sinais do relacionamento terapêutico efetivo


Quando aplicados corretamente, ocorrem diversos benefícios na relação tera-
pêutica, os quais podem ser percebidos tanto na autopercepção do enfermeiro
como nas atitudes do cliente. Idealmente o enfermeiro sentirá compaixão,
empatia e desejo de ajudar sem que isso comprometa seu próprio bem-estar
psíquico. O profissional se sentirá confortável durante os contatos pessoais,
sem ter desejo de privilegiar ou preterir o cliente.
A relação terapêutica favorece o respeito, a confiança, a cordialidade,
a genuinidade e a empatia mútuos. Assim, o enfermeiro terá confiança para
questionar assuntos delicados, ser assertivo e desenvolver seu papel com
segurança. Dessa forma, o cliente terá a percepção de estar sendo aceito e
compreendido. Poderá revelar sentimentos, pensamentos e acontecimentos
normalmente resguardados. Ele sentirá um alívio ao revelar sentimentos de
raiva e rancor, pensamentos suicidas ou homicidas, situações passadas ou
presentes de abuso ou violência e não se perceber julgado ou repreendido.
32 Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico

Havendo confiança haverá maior adesão ao tratamento, maior respeito


às regras da instituição e melhores chances de resolução de problemas. Fica
claro que a comunicação e o relacionamento terapêutico são mutuamente
vantajosos, permitindo que o enfermeiro exerça um papel que vai além de
funções procedimentais e administrativas.
Muitas vezes os profissionais confundem humanização com ações de
abraçar e tocar o paciente. Ser humanizado em um atendimento não implica
necessariamente o toque ou o abraço, e sim a oferta de apoio, a compreensão
e a atenção por palavras e gestos não verbais, como um sorriso amigável.
Fique atento para sinais de proximidade excessiva e de não aceitação, que
são descritos no Quadro 1.

Quadro 1. Sinais de quebra da relação terapêutica

Sinais de proximidade excessiva Sinais de não aceitação

Cumprimento com beijos e abraços O enfermeiro não cumprimenta e


afetuosos e curta distância física. mantém distância excessiva do cliente.

O enfermeiro dá prioridade, O enfermeiro evita contato,


permite regalias e faz vista é excessivamente formal
grossa para descumprimento de ou desnecessariamente
regras por parte do cliente. rígido com o cliente.

Ocorrência de contato telefônico Ocorrência de julgamento


frequente, amizade por mídias moral, represália ou
sociais ou encontros fora do desrespeito com o cliente.
expediente de trabalho.

Troca de confidências, Pouca ou nenhuma abertura para


segredos ou intimidades. se tratar de assuntos delicados.

Transações comerciais ou troca Desejo de ministrar medicação


inadequada de presentes. sedativa ou contenção física quando
tais procedimentos não são indicados.

Fonte: Adaptado de Townsend (2014).


Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico 33

„„ A importância da comunicação. Acesse o link a seguir e veja o vídeo que explica


a importância do enfermeiro na comunicação com cliente.

https://qrgo.page.link/9eJCD

„„ Comunicação terapêutica como ferramenta no processo de humanização


do cuidado. Acesse o link a seguir e leia o artigo que explana sobre o papel da
comunicação como um processo de humanização do cuidado (p. 91-101):

https://qrgo.page.link/Z5HFv

1. Estabelecer limites e, ao mesmo em tom elevado, vira de costas


tempo, manter a comunicação e deixa o enfermo sozinho.
terapêutica é uma aptidão d) “Sr. João, por favor, retire a
particularmente importante ao mão do meu braço. Sou uma
lidar com clientes potencialmente mulher casada!” – fala em tom
agressivos ou hipersexualizados. alto enquanto retira a mão
Assinale a alternativa que descreve do enfermo de seu braço.
a fala e a atitude adequada diante e) “Por que o senhor sente
de um atendido que passou a necessidade de encostar
mão no braço da enfermeira em mim, Sr. João?” – fala
de maneira sedutora. demonstrando interesse
a) “Sr. João, estamos aqui para e não retira a mão do
auxiliar no seu tratamento e não cliente de seu braço.
tem motivo para que o senhor 2. Sendo humano antes de profissional,
fique me tocando” – fala com voz é normal que o enfermeiro se
firme e retira a mão do enfermo. depare com clientes que despertam
b) “Pode segurar o meu braço sentimentos ou pensamentos
se isso te faz sentir melhor, negativos. Por exemplo, pode
João” – fala em tom amigável ocorrer o sentimento de raiva e
e coloca a própria mão pensamento de desaprovação
sobre a mão do enfermo. diante de uma cliente vítima de
c) “Sr. João, esta conduta é violência doméstica que não
completamente inaceitável, deseja separação, de forma que o
vou pedir que outra pessoa enfermeiro deve tomar o cuidado
assuma os seus cuidados” – fala de não expressar antipatia durante
34 Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico

a entrevista. Assinale a alternativa d) O enfermeiro reponde ao cliente


com um questionamento que que o sofrimento deste deve
utiliza os preceitos da comunicação estar sendo muito grande para
terapêutica no contexto descrito. que ele pense que seja melhor
a) “Podemos conversar sobre morrer do que viver assim.
quais seriam os elementos e) Apesar de sua crença religiosa,
que te fazem optar por manter o enfermeiro não repreende
o seu relacionamento?” um cliente que realizou uma
b) "Mas, Dona Maria, não seria tentativa de suicídio.
melhor para a senhora se 4. O relacionamento terapêutico
separar do seu marido?” é composto por quatro fases,
c) “Sra. Maria, seria possível que denominadas pré-interação,
seus traumas de infância te interação inicial, fase de trabalho
façam gostar de estar em e fase de término. Assinale a
uma relação de abuso?” alternativa em que as falas do
d) “Como a senhora não deseja enfermeiro são pertinentes
separação, podemos trabalhar na fase de trabalho.
outros assuntos em que a) “Bom dia, Joana! Meu nome
eu poderia te ajudar?” é Marcelo, sou enfermeiro e
e) “Mas, Dona Maria, por que irei te acompanhar ao longo
a senhora continua com ele deste programa de cessação do
se ele a maltrata tanto?” tabagismo. Podemos começar
3. Algumas atitudes são fundamentais com algumas perguntas?”
no estabelecimento da relação b) “Com que idade começou a
terapêutica, como a empatia, fumar, Joana? E atualmente
a aceitação, a confiança, o fuma quantos cigarros ao
interesse genuíno e o uso dia em média? Quanto
terapêutico de si mesmo. Assinale tempo após acordar você
a alternativa que descreve uma fuma o primeiro cigarro?”
situação de uso terapêutico de c) “Pode ficar tranquila caso queira
si mesmo pelo enfermeiro. me confidenciar algum assunto
a) O enfermeiro diminui o seu tom particular, Joana. Tudo o que
de voz e segura a mão de um me contar estará resguardado
cliente que está chorando ao pelo sigilo profissional”
contar sobre a morte de seu filho. d) “Joana, é possível parar de fumar
b) O enfermeiro demonstra cessando o uso completamente
interesse quando o assistido em uma data marcada ou então
descreve seus planos realizando uma redução gradual.
para o próximo ano. Com qual desses métodos
c) O enfermeiro ouve o cliente você se identifica mais?”
relatando ter sentimentos e) “Parabéns Joana, você completou
de intensa angústia e seis meses sem fumar! A partir
pensamentos de suicídio. de agora você terá alta do
Comunicação terapêutica e relacionamento terapêutico 35

programa, mas se sinta à vontade a) “Percebo que isto está te


para buscar ajuda caso necessite.” afligindo muito, mas se importa
5. Delírios são crenças fixas, irreais e se eu aferir a sua pressão agora?”
não passíveis de mudança à luz b) “Pode ficar tranquilo, Marcos, aqui
de evidências conflitantes. Podem dentro do hospital os alienígenas
ocorrer em diversos transtornos não conseguem entrar.”
mentais, como na esquizofrenia, no c) “Mas, Marcos, alienígenas nem
transtorno bipolar e na depressão. existem. E por que eles iriam
Assinale a alternativa que descreve querer fazer algo com você?”
a conduta correta do enfermeiro d) “Pode confiar em mim, Marcos,
diante de um paciente que acabou não vou te julgar. Me conte por
de dizer: “moço, você precisa me que você está inventando isso.”
ajudar, eu tenho certeza que os e) “Vejo que você está muito
alienígenas podem me pegar amedrontado. O que mais tem
mesmo aqui dentro do hospital”. passado pela sua mente?”

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