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DIREITO

FALIMENTAR:
RECUPERAÇÕES
JUDICIAL E
EXTRAJUDICIAL

Eduardo Zaffari
Administrador judicial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever o papel e as responsabilidades do administrador judicial.


„„ Reconhecer como é estabelecida a remuneração do administrador
judicial e do comitê de credores.
„„ Definir as hipóteses de destituição e como se dá a prestação de contas
do administrador judicial.

Introdução
A recuperação judicial e a falência são processos complexos, que exigem
uma série de atos que permitam a realização dos ativos para a satisfa-
ção das dívidas do insolvente. Para isso, a Lei de Recuperação Judicial
e Falências prescreve que terá protagonismo o administrador judicial,
que auxiliará o juízo no procedimento. Esse profissional deverá gozar da
confiança do juízo.
Neste capítulo você estudará o papel do administrador e as suas
inúmeras responsabilidades, seja na recuperação judicial, seja na falência.
Verá como é remunerado esse profissional, assim como outro impor-
tante órgão, o comitê de credores. Ao final, você verá as hipóteses de
substituição e destituição do administrador, bem como o seu dever de
prestar contas.

1 Papel e responsabilidades do
administrador judicial
O administrador judicial ocupa o papel central na satisfação do crédito dos
credores na recuperação judicial ou na falência, dependendo o sucesso da
execução universal do bom trabalho realizado pela figura desse administrador.
Ao se tornar insolvente, o empresário ou sociedade empresária demonstram-se
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incapazes de realizar corretamente os atos necessários para o cumprimento


das obrigações assumidas, necessitando do auxílio desse profissional.
Rubens Requião, em seu clássico livro Curso de Direito Falimentar, afir-
mava que a figura do síndico (antecedente à figura do administrador judicial)
existe desde o direito romano, nas misso in bonis e na cessio bonorum. Nesses
casos, os credores se apossavam dos bens do devedor insolvente, que ficavam
sob a guarda de um credor, que serviria como “curador”. Por essa razão,
o direito italiano ainda denomina o administrador de curatore, e, na Holanda
e Bélgica, ele é chamado de curator (REQUIÃO, 1995).
Seguindo a linha da Antiguidade, o primeiro diploma brasileiro a tratar
sobre a falência foi o Código Comercial de 1850, Lei nº. 556, de 25 de junho
de 1850, que prescrevia, a partir do art. 797, sobre as quebras. Esses artigos
prescreviam que o Juiz designaria um ou mais credores que atuariam como
curadores fiscais provisórios, com o dever de arrecadar, inventariar, avaliar,
entre outros atos, para a satisfação dos créditos da massa falida ao final. Esses
curadores, que deveriam ter a capacidade técnica para o intento, praticavam
todos os atos em nome da massa de credores, sendo comissionados pela massa
falida conforme arbitramento pelo Juiz, nos termos do art. 839, que fazia
constar que “[...] o Curador fiscal e os depositários perceberão uma comissão,
que será arbitrada pelo Tribunal do Comércio, em relação à importância da
massa, e à diligência, trabalho e responsabilidade de uns e outros” (BRASIL,
1850, documento on-line).
Avaliados os bens, iniciava-se a fase de liquidação do ativo, quando se
reuniam os credores para deliberar sobre a possibilidade de deferimento de
concordata suspensiva à empresa insolvente. Se assim entendido pelos credores
e proposto pela devedora (era necessário a concordância de ambas), os bens
que eventualmente estivessem em poder de depositários desde a arrecadação
dos mesmos eram devolvidos à empresa concordatária. A partir daí o curador
era obrigado a prestar contas desde o início de sua atuação. Entretanto, acaso
os credores entendessem pela falência, escolheriam entre um dos credores
comerciantes (podia a escolha recair sobre mais de um) um administrador da
massa falida, “[...] concedendo-lhes plenos poderes para liquidar, arrecadar,
pagar, demandar ativa e passivamente, e praticar todos e quaisquer atos que
necessários sejam a bem da massa, em Juízo e fora dele” (art. 856, da Lei
nº. 556/1850) (BRASIL, 1850, documento on-line).
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Em 24 de outubro de 1890, o Decreto nº. 917 alterou profundamente a lei


falimentar então vigente, prescrevendo a alteração das figuras então existentes
de curador fiscal provisório e administrador da massa falida para os chamados
síndicos provisórios e síndicos definitivos. Estes seriam escolhidos entre os
credores do insolvente, podendo recair sobre terceiros, se assim entendesse o
Juiz, conforme prescrevia o art. 148, parágrafo único: “Todas as nomeações, que
o juiz tiver de fazer, deverão recahir em pessoas que sejam credoras do fallido,
sendo conhecidas, ou seus procuradores; só na falta dellas poderão ser nomeadas
pessoas estranhas”. Esses síndicos eram acompanhados pelo chamado curador
fiscal de massas falidas, que fazia as vezes de um fiscal da lei.

Desde o ano de 1890, quando do Decreto nº. 917/1890, diversos instrumentos legais
trataram sobre o papel do auxiliar do juízo na administração da execução universal,
como a Lei nº. 859, de 16 de agosto de 1902; a Lei nº. 2.024, de 17 de dezembro de 1908;
o Decreto nº. 5.746, de 9 de dezembro de 1929; o Decreto-Lei nº. 7.661, de 21 de junho
de 1945; e a atual Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Veja, nessa legislação, que o
Brasil já teve lista de síndicos oficiais inclusive, além de variada forma de remuneração
desses profissionais.

Fazendo-se um salto histórico do Decreto nº. 917/1890, em que se instituiu


a figura do síndico, para a atual Lei nº. 11.101/2005, temos que se renomeou
esse profissional para a figura do administrador judicial, que será um “[…]
profissional tecnicamente idôneo para o desempenho da função, sendo pessoa
da confiança do juiz” (MAMEDE, 2019, p. 77). Para Marlon Tomazette, a
importância do papel desse profissional é fundamental, pois manter o devedor
na gestão do patrimônio poderia dar novas chances para má administração
do ativo. Por essa razão, afirma Tomazette que:

Nomeia-se o administrador judicial na falência, com a grande preocupação


de tratar-se de pessoa idônea e capaz de conduzir a bom termo o processo,
impondo-se também sua imparcialidade em relação ao devedor, na medida
em que ele deverá atuar também no sentido de apurar a responsabilidade do
devedor e, eventualmente, dos sócios e dos administradores da sociedade
falida (TOMAZETTE, 2017, p. 167).
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As atribuições assumidas pelo administrador judicial serão, predominante-


mente, de fiscalização na recuperação judicial e de administração da massa falida
na falência. Como principal auxiliar do juízo no processo de execução univer-
sal, as competências do administrador judicial vêm prescritas no art. 22 da Lei
nº. 11.101/2005, dividindo-se em atribuições comuns às duas espécies de proce-
dimento (recuperação judicial e falência); atribuições específicas ao processo de
recuperação judicial; e atribuições especificas para o processo de falência.
As competências comuns às duas espécies de procedimentos, as quais
deverão ser desempenhadas pelo administrador judicial, são as seguintes:

I – na recuperação judicial e na falência:


a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o
inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do
caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação
judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação
dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores in-
teressados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de
servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;
g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos
previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada
de decisões;
h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas espe-
cializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei (BRASIL, 2005, documento
on-line).

As competências específicas do administrador judicial para a recupe-


ração judicial têm caráter, predominantemente, fiscalizatório, quais sejam:

II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recupe-
ração judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no
plano de recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades
do devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata
o inciso III do caput do art. 63 desta Lei (BRASIL, 2005, documento on-line).
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Por sua vez, as competências específicas do administrador na falência


têm caráter administrativo, como forma de liquidação do ativo e satisfação
do passivo. São elas:

III – na falência:
a) avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores
terão à sua disposição os livros e documentos do falido;
b) examinar a escrituração do devedor;
c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida;
d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o
que não for assunto de interesse da massa;
e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo
de compromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e
circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a
responsabilidade civil e penal dos envolvidos, observado o disposto no art.
186 desta Lei;
f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação,
nos termos dos arts. 108 e 110 desta Lei;
g) avaliar os bens arrecadados;
h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial,
para a avaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa;
i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos cre-
dores;
j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou
sujeitos a considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dis-
pendiosa, nos termos do art. 113 desta Lei;
l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a
cobrança de dívidas e dar a respectiva quitação;
m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens ape-
nhados, penhorados ou legalmente retidos;
n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado,
cujos honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de
Credores;
o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o cum-
primento desta Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração;
p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10º (décimo) dia do mês
seguinte ao vencido, conta demonstrativa da administração, que especifique
com clareza a receita e a despesa;
q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu
poder, sob pena de responsabilidade;
r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou
renunciar ao cargo. A grande quantidade de atribuições prescritas em Lei para
o administrador judicial, atribuem-lhe grande responsabilidade, demandando
exata prestação de cotas, sob pena de sua responsabilização pessoal civil e
penal (BRASIL, 2005, documento on-line).
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2 Remuneração do administrador judicial


e do comitê de credores
A Lei nº. 11.101/2005 prescreve que qualquer uma das classes de credores, em
assembleia, poderá deliberar sobre a constituição de um comitê específico de
credores para acompanhar o juízo universal da recuperação judicial ou falência.
Segundo o art. 26 dessa lei, esse comitê, chamado de comitê de credores, será
composto por quatro membros, quais sejam: um representante indicado pela
classe de credores trabalhistas; outro indicado pela classe de credores com
direitos reais de garantia ou privilégios especiais; um indicado pela classe de
credores quirografários e com privilégios gerais; e um indicado pela classe
de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte.
Entre os titulares, será escolhido um presidente, e cada uma dessas classes
terá, ainda, dois suplentes, em um total de quatro titulares e oito suplentes.
O comitê de credores tem uma série de atribuições, previstas no art. 27 da
Lei nº. 11.101/2005, quais sejam:

I – na recuperação judicial e na falência:


a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;
b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;
c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos in-
teresses dos credores;
d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;
e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;
f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei (BRASIL, 2005, documento
on-line).

Especialmente na recuperação judicial, exercem três atividades típicas,


constantes no mesmo artigo, em seu segundo inciso, valendo ressaltar:

II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada
30 (trinta) dias, relatório de sua situação;
b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;
c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor
nas hipóteses previstas nesta Lei, a alienação de bens do ativo permanente,
a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endivida-
mento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período
que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial (BRASIL, 2005,
documento on-line).
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As atividades atribuídas ao comitê de credores são de responsabilidade


e trabalhosas, consistindo o comitê em um importante órgão para o juízo
universal — tanto que seus representantes serão intimados a comparecer,
pessoalmente, no prazo de 48 horas, para assinar o chamado Termo de Com-
promisso, em que se comprometem a bem e fielmente desempenhar o cargo,
assumindo todas as responsabilidades da função, conforme prescreve o
art. 33 da Lei nº. 11.101/2005.
Entretanto, não obstante as responsabilidades assumidas pelos membros
do comitê, as tarefas e funções não serão remuneradas, seja pelo devedor, seja
pela massa falida. Isso não impede que os credores, em assembleia, deliberem
pela remuneração dos membros do comitê de credores, pois suas atividades
envolvem tempo e responsabilidades. Inexistindo obstáculo legal, poderão os
credores dispor de qualquer forma de remuneração destes, desde que o façam
sob suas expensas, pois o art. 29 da Lei nº. 11.101/2005 prevê o custeio apenas
de despesas previamente autorizadas pelo juízo, devidamente comprovadas
e, acaso o caixa da falida permita, in verbis:

Os membros do Comitê não terão sua remuneração custeada pelo devedor


ou pela massa falida, mas as despesas realizadas para a realização de ato
previsto nesta Lei, se devidamente comprovadas e com a autorização do
juiz, serão ressarcidas atendendo às disponibilidades de caixa (BRASIL,
2005, documento on-line).

A Lei nº. 11.101/2005 prescreve uma série de crimes falimentares, a partir do art. 168 da lei.
Os membros do comitê de credores poderão incorrer em crime se desempenharem suas
funções indevidamente, como prescreve o art. 168, em que consta o dever para todos:

Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder


a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato
fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com
o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa (BRASIL, 2005, docu-
mento on-line).
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Diferente é a situação do administrador judicial, cujas inúmeras atividades


e responsabilidades determinam que lhe seja atribuída uma remuneração.
O exercício da atividade de administrador judicial poderá ser compensatório,
embora grande parte das falências não permitam uma justa remuneração,
haja vista seja muito comum a falta de ativos para o pagamento das despesas
dos credores. Em outras palavras, boa parte das falências sequer consegue
arrecadar suficientes recursos para pagar os profissionais que nelas trabalham,
e o ganho destes costumam se dar pela soma em diversas falências distintas
(algumas acabam por compensar o trabalho em muitas outras). O art. 24 da
Lei nº. 11.101/2005 prescreve que:

[...] o juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do admi-


nistrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o
grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o
desempenho de atividades semelhantes (BRASIL, 2005, documento on-line).

À vista da complexidade da falência, o Juiz determinará o valor percentual


a ser recebido pelo administrador judicial, que encontra um limite máximo de
5% do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor
de venda dos bens na falência, conforme § 1º, do art. 24 da Lei nº. 11.101/2005.
Quando a atividade é exercida em favor de uma microempresa ou empresa
de pequeno porte, esse percentual é reduzido para 2%, conforme prescreve
§ 5º do mesmo artigo, como forma de criar a condição de possibilidade de
sobrar mais valores para a satisfação dos credores. A menor complexidade do
procedimento para essas empresas também justifica um teto de remuneração
menor. Constata-se, então, que o administrador judicial receberá a sua remu-
neração se, na realização do ativo, haja condição de se efetuarem pagamentos.

A atividade exercida pelo administrador judicial é pessoal e de confiança do juízo.


Em razão da complexidade de algumas recuperações judiciais ou falências, é possível
a nomeação de empresa especializada na área. Mesmo nesses casos, deverá um
profissional se responsabilizar pessoalmente, conforme parágrafo único do art. 21 da
Lei nº. 11.101/2005.
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Fixado o valor a ser recebido pelo administrador, seja na recuperação judi-


cial ou na falência, este receberá na medida em que for alienado o ativo para a
satisfação das dívidas, descontando-se dos valores arrecadados a remuneração
do administrador. Entretanto, o § 2º do art. 24 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve
expressamente que o valor equivalente a 40% da remuneração será retido e
pago apenas depois que o administrador apresentar as contas e estas forem
julgadas, assim como apresentado o relatório final em que conste a indicação
do valor do ativo, do produto de sua realização, o valor do passivo e o dos
pagamentos feitos aos credores. As responsabilidades do falido deverão ser
especificadas pelo administrador nesse momento, antes do recebimento de
sua remuneração.
Um ponto delicado se refere à previsão legal constante nos §§ 3º e 4º do
art. 24 da Lei nº. 11.101/2005, em que se prescreve que o administrador não
receberá a sua remuneração nas seguintes hipóteses:

„„ se renunciar sem relevante razão;


„„ se for destituído de suas funções por desídia, culpa, dolo ou descum-
primento das obrigações fixadas na lei;
„„ se tiver suas contas desaprovadas.

Se houver a destituição pelo juízo por outros motivos, receberá proporcio-


nalmente a remuneração. Gladston Mamede, com fundada razão, argumenta
em sentido contrário, afirmando que o administrador judicial tem direito,
mesmo nesses casos, à remuneração proporcional. Como argumentos, suscita
o doutrinador que a hipótese seria inconstitucional por contrariar o valor
social do trabalho, constante nos arts. 5º, XXII e XXIII (propriedade sobre o
dinheiro da remuneração), e 7º (trabalho como direito fundamental), ambos
da Constituição Federal.

Um exemplo em que a renúncia importa em remuneração proporcional do devedor


consta na decisão havida no Processo nº. 1.0024.15213098-5/001, da Comarca de Belo
Horizonte, Minas Gerais. Nessa decisão, o tribunal assentou que a remuneração vem
constante na Constituição Federal de 1988, art. 1º, IV, como forma de valorização do
trabalho.
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Ademais, vale recordar, não remunerar proporcionalmente o administrador


seria um caso de enriquecimento indevido da massa falida, pois essa teria se
valido do trabalho do administrador judicial até sua saída. Apenas seria lícita a
retenção da remuneração do administrador até a apuração de eventual prejuízo
causado pelo mesmo à massa falida, abatendo-se os prejuízos comprovados
e se remunerando o administrador pela diferença (MAMEDE, 2019). Essa
interpretação, ao que parece, atende aos fins de proteção da massa de credores
e não representa o enriquecimento da recuperanda ou falida em detrimento
do trabalho do administrador judicial retirante.

3 Hipóteses de destituição do administrador


judicial e prestação de contas
A Lei nº. 11.101/2005 apresenta, nos arts. 30 e 31, hipóteses de impedimento,
substituição e outras de destituição do administrador judicial. Há que se ve-
rificar a situação fática envolvida, haja vista que as consequências de uma e
outra são diversas. Como cargo de confiança do Juiz, poderá o administrador
ser substituído quando deixar de gozar desta confiança pelo juízo, conforme
as hipóteses legais constantes na lei.
As hipóteses de substituição por impedimento do administrador judicial,
previstas no art. 30 da lei, são:

„„ se o administrador judicial, últimos 5 anos, foi destituído, deixou de


prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas
desaprovada;
„„ se o administrador tiver relação de parentesco ou afinidade até o terceiro
grau com o devedor, seus administradores, controladores ou represen-
tantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

Essa substituição, que poderá ser requerida pelo devedor, qualquer credor
ou o Ministério Público (MP), ainda poderá ser deferida quando o adminis-
trador falecer ou for interditado; renunciar ao encargo; vier a falir ou entrar
em recuperação judicial (recorde-se que o administrador judicial poderá ser
uma pessoa jurídica); for dissolvido como sociedade; ou simplesmente perder
a confiança do juízo.
Administrador judicial 11

O pedido de substituição, quando feito por terceiros (ou seja, não por
opção do juízo em razão da perda de confiança), será decidido no prazo de
24 horas, conforme previsto no § 3º do art. 30 da Lei nº. 11.101/2005. Certa-
mente, compete sempre ao juízo oportunizar aos demais, assim como ao próprio
administrador judicial, a manifestação antes da decisão sobre a substituição.
A substituição não reveste caráter sancionatório, pois se dá pela ausência de
algum dos requisitos legais dispostos em lei ou pela perda da confiança pelo
juízo (que poderá ser perda de confiança técnica). O reflexo é que o adminis-
trador fará jus à remuneração proporcional ao período trabalhado em favor do
juízo universal, nos termos do art. 24, § 3º, do art. 30 da Lei nº. 11.101/2005.
Não se discute quanto ao fato de ser devida a remuneração proporcional em
caso de substituição.

Os auxiliares do juízo devem agir com boa-fé e lealdade no processo de recuperação


judicial e falimentar. Entretanto o Código de Processo Civil (CPP) prescreve, em seu
art. 6º, que todos têm o dever de colaborar, veja: “Todos os sujeitos do processo devem
cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e
efetiva” (BRASIL, 1941, documento on-line).

A destituição, por sua vez, está prevista no art. 31 da Lei nº. 11.101/2005,
e será realizada pelo juízo, seja de ofício, seja a requerimento de qualquer
interessando, “[…] quando [se] verificar desobediência aos preceitos desta Lei,
descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às
atividades do devedor ou a terceiros” (BRASIL, 2005, documento on-line).
O administrador judicial assume a responsabilidade de bem e fielmente de-
sempenhar o cargo e assume todas as responsabilidades a ele inerentes, por
força do art. 33 da lei. Assim, as causas de destituição do administrador estão
ligadas, como se constata, à quebra dos deveres assumidos quando este se
comprometera com o encargo, razão pela qual há nítido caráter sancionatório
na destituição.
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Dada a gravidade do ato destituidor e seu caráter sancionatório, embora a


lei não prescreva expressamente, o juízo deverá abrir vista ao administrador
judicial para que este se manifeste antes da decisão que o destitua, cabendo a
este ou a quem postulou a destituição o direito de recorrer à segunda instância
judicial para alterar a decisão. O Juiz nomeará um novo administrador judicial
no mesmo ato de substituição ou destituição, competindo ao administrador
judicial destituído prestar contas no prazo de 10 dias, quando se tratar de
processo de falência.

O administrador judicial destituído sofre duas penalidades, pois não poderá exercer o
cargo de administrador judicial pelo período de 5 anos, conforme art. 30, caput, da Lei
nº. 11.101/2005, assim como perderá o direito à remuneração, nos termos do art. 24, §3º,
da lei — embora Gladston Mamede entenda de forma contrária, como antes referido.

Entre os deveres do administrador judicial está a prestação de contas


que o mesmo deverá fazer no processo de falência. Na recuperação judicial,
ao contrário, embora possa o administrador prestar contas, em realidade deve
apresentar relatórios mensais dessas atividades do devedor e sobre a execução
do plano de recuperação judicial. Enquanto na recuperação judicial a prestação
de contas é uma opção, no processo de falência é um dever.
Concluído o ativo da falida, ou seja, vendidos os bens para a satisfação
dos créditos constantes na falência, passa-se à fase de prestação de contas
do falido pelo administrador judicial. No prazo de 30 dias, contados da rea-
lização do ativo e pagamento aos credores, conforme prescreve o art. 154 da
Lei nº. 11.101/2005, deverá o administrador judicial prestar contas ao Juiz na
forma mercantil, com todos os documentos comprobatórios, processando-se
em apartado ao processo de falência. O Juiz abrirá prazo de 10 dias, a partir
da publicação de aviso pelo juízo, para que as partes apresentem eventual
impugnação às contas prestadas.
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Após esse prazo, o Juiz abrirá o prazo de cinco dias para que o MP se
manifeste sobre as contas prestadas igualmente. A partir das impugnações
eventualmente apresentadas, o administrador judicial poderá corrigir as contas
prestadas; apenas apresentar esclarecimentos; ou, até mesmo, contestar as
alegações realizadas na impugnação. Poderá ocorrer, entretanto, que sejam
necessárias diligências ou instrução processual para se averiguar os fatos
suscitados nas impugnações e contestados pelo administrador.
Após a instrução da prestação de contas, essa será conclusa ao Juiz, que
irá julgar boas as contas prestadas ou as rejeitará, acaso essas não tenham
sido corretamente prestadas ou levantado algum prejuízo da massa falida.
Nessa hipótese, o Juiz fixará as responsabilidades do administrador judicial,
podendo, inclusive, determinar a indisponibilidade de bens do mesmo para
que estes sirvam de garantia de indenização da massa falida pelos prejuízos
ocasionados pelo administrador judicial. Dessa sentença caberá apelação.
Qualquer que seja a decisão, rejeitando ou aceitando as contas do adminis-
trador, terá o administrador o prazo de 10 dias para apresentar relatório final,
indicando o valor do ativo e o do produto de sua realização, o valor do passivo
e o dos pagamentos feitos aos credores. Também especificará justificadamente
as responsabilidades com que continuará o falido, conforme prescreve o
art. 155, da Lei nº. 11.101/2005.

BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Brasília: Presidência, 1850.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LIM/LIM556compilado.htm.
Acesso em: 8 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudi-
cial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Presidência, 2005.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.
htm. Acesso em: 8 ago. 2020.
MAMEDE, G. Falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2019.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995. 2 v.
TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 3.
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Leituras recomendadas
COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
LENZA, P. (org.). Direito Empresarial esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
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TEIXEIRA, T. Direito Empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 8. ed.
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