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1. Introdução
Interessa-nos, para este trabalho, a execução por quantia certa contra devedor
solvente, aquele cujo patrimônio apresenta ativo maior do que o passivo.
O devedor, ao assumir uma obrigação, contrai para si uma dívida e, para seu
patrimônio, uma responsabilidade. Se inadimplente, sujeita seus bens à exe·
cução forçada, cuja finalidade é a obtenção do pagamento de uma quantia
expressa em valor monetário.
No dizer de Humberto Theodoro Júnior (1976), "consiste a execução por
quantia certa em expropriar bens do devedor para apurar judicialmente recursos
necessários ao pagamento do credor. Seu objetivo é, no texto do Código, ex-
propriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor".
Os atos fundamentais da execução forçada são: a penhora, a alienação e o
pagamento, podendo, excepcionalmente, redundar na entrega ao credor dos pró-
prios bens apreendidos, em satisfação de seu direito.
Consiste a penhora no "ato inicial da expropriação do processo executivo,
para individualizar a responsabilidade processual, mediante a apreensão mate-
rial, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor" (Marques,
1976, p. 146). Sua conseqüência imediata é sujeitar os bens por ela alcançados
aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, mediante
sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é o pagamento ao
credor.
Somente os bens transmissíveis ou alienáveis podem ser penhorados.
Se a penhora recair sobre dinheiro, não havendo embargos do devedor ou
sendo estes julgados improcedentes, passar-se-á logo ao pagamento do credor.
Mas, se os bens apreendidos forem de outra natureza, a instrução da execução
deverá prosseguir para apurar-se a quantia necessária à satisfação do direito do
credor, o que se faz através da alienação forçada, ou expropriação dos bens
afetados pela penhora (Theodoro Júnior, 1976, p. 300).
E a arrematação o meio processual utilizado pelo órgão judicial para realizar
a transferência forçada dos bens do devedor a terceiro (arts. 686 e segs.). Esses
bens devem ser avaliados.
Consignado, pelo avaliador, o seu preço ou o seu valor, procede-se, imedia-
tamente, à arrematação, ato concretizador da execução forçada.
2. Conceito de arrematação
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tação, são entregues os bens penhorados que se destinarão, posteriormente, à
satisfação do direito do exeqüente.
A adjudicação e a arrematação são atos de desapropriação, mas diferem entre
si. Liebman (1980) esclarece que a "transferência da propriedade ou titulari-
dade ao exeqüente recebe o nome técnico de adjudicação; a transferência a ter-
ceiro chama-se arrematação". E prossegue: "Na adjudicação o ato de desapro-
priação tem a eficácia de satisfazer o direito do exeqüente, realizando ao mesmo
tempo o meio e o fim da execução; na arrematação, o ato de desapropriação
é apenas o meio de conseguir os bens devidos (dinheiro), que permitirão satis-
fazer o exeqüente com ato ulterior (Liebman, 1980, p. 168).
Segundo Pontes de Miranda (1976, p. 355), arrematar deriva de "a, re, macta-
re", sendo que "mactare" tanto significava imolar, sacrificar, como prover, lan-
çar. Acrescenta o eminente mestre: "Arrematar é pôr o remate, o termo, o
ponto final. Na hasta pública, é tomar último o lanço que se fez."
Ainda sobre o significado da expressão, merece transcrever, a respeito, o re-
gistro de Amílcar de Castro (1941, p. 298) ao CPC anterior: "Juridicamente,
arrematar tinha a significação de dar por vendido os bens que iam à praça,
porque era costume dizer o oficial de justiça encarregado de apregoá-los: 'Há
quem mais dê? Se não, arremato. Isto é, se não houver quem mais ofereça,
darei por finda a praça e por vendidos os bens pelo maior lanço que tenho.'
Quem arrematava a praça era o oficial de justiça. Houve, depois, mudança de
significação das palavras, e todo aquele que, oferecendo maior lanço, adquire,
passou a ser chamado arrematante; e a venda em hasta pública, arrematação."
A arrematação pode ser vista sob dois aspectos: em sentido de movimento
processual e em sentido de estática processual. No primeiro sentido, "é a sub-
missão do bem penhorado ao procedimento da alienação ao público"; no se-
gundo, "é a assinação do bem, que foi posto em hasta pública, ao lançador que
ofereceu o maior lanço - que arrematou, que pôs remate à hasta pública"
(Pontes de Miranda, 1976, p. 345).
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Tirada a faculdade de dispor da coisa, pela penhora, esta passa ao Estado
que, representado pelo juiz, realiza a venda e emite em nome e por conta do
devedor uma declaração de vontade com eficácia imediata, pró e contra o refe-
rido devedor.
De tais critérios apontados, Francesco Camelutti, citado por AmIlcar de Castro
t1941, p. 268), doutrinava que na arrematação a venda se faz por autoridade
do Poder Judiciário, em lugar de se fazer por vontade de devedor, proprietário
dos bens, mas entende que assim acontece mediante um contrato que, em lugar
do devedor, é realizado pelo juiz, "a cui la legge conferisce il potere di manifes-
tare la volontà con effetto decisivo per !'interesse di lui, o, in altri e schietti
termini, di rappresentarlo nella vendita".
Liebman (1980, p. 144) não vê analogia entre o representante de um menor
ou incapaz, que age sempre em proveito do representado e não contra seus in-
teresses, e o suposto representante do executado - o Poder Judiciário - que
age não no interesse do executado mas para satisfazer interesse público.
Pontes de Miranda (1976, p. 350) também é contra a teoria de Camelutti.
Segundo ele, Camelutti "reeditou argumentos do começo do século, tendo o
ofício executivo como de administração legal do devedor. Aludir a represen-
tação à semelhança da representação dos loucos e menores e, na esteira do seu
pensamento, o reacionário e regressivo de vera incapacità que sofre, com a pe-
nhora, o devedor. De modo que os atos executivos seriam nomine debitoris".
Outra corrente desta teoria sustenta que o órgão judicial, ao realizar a venda,
representa não o executado, mas o credor exeqüente. Rocco, citado por Lieb-
man (1980, p. 145), afirma que o credor é titular de direito geral de penhor
sobre os bens do executado. Escreve ele que quem vende é o credor, exercitan-
do direito de vender que lhe compete em virtude desse direito acessório. O juiz
não é, pois, proprietário, representante do credor, mas concorre como órgão
do Estado na realização do direito de vender do credor.
Liebman (1980, p. 145) combate este ponto de vista de Rocco. Escreve ele
que: "Mas, em primeiro lugar, mostrou-se acima que a relação obrigacional
não atribui ao credor este suposto direito de penhor; em segundo lugar, penhor
não atribui ao credor o direito de vender os bens empenhados: seus efeitos se
reduzem a assegurar a preferência em face dos outros credores e não influem
nas relações diretas entre o credor e o devedor; é por isso mesmo que o credor
deve dirigir-se ao órgão estatal. E por último, como se explicaria a adjudicação,
em que o exeqüente deveria vender a si mesmo?"
5. Da desapropriação. O ilustre mestre Chiovenda tentou explicar a natureza
da arrematação como uma desapropriação da faculdade de disposição inerente
ao direito de propriedade. Esta teoria, fundada na distinção entre direito subje-
tivo e faculdade de dispor, eliminaria a idéia de representação do devedor, e o
Estado nada mais faz que exercer a sua faculdade de venda. A atividade seria
administrativa, tomada judicial apenas pelo fim a que se coordena (Santos, 1979,
p. 302).
Resumindo a idéia de Chiovenda, José Alberto dos Reis (1940, p. 427) apre-
senta o seguinte esquema: "Quem vende? O Estado representado no órgão
executivo. A que título vende? No exercício da função jurisdicional, isto é,
como órgão ao qual incumbe a atuação da lei e portanto a aplicação de sanção
executiva. No uso de que direito? Do direito de dispor dos bens penhorados,
direito adquiri~.;) mediante expropriação. Com a sentença que ordena a venda,
o juiz, como representante do Estado, expropria o executado da faculdade de
4. Procedimento
4.1.1 Da avaliação
Neste último caso, compete ao juiz dar-lhes o valor que entender justo.
Entretanto, esta não é a opinião de um grande número de doutrinadores.
O Prof. Joaquim Munhoz de Mello escreve nas notas à obra de Liebman (1980):
"Caberia ao próprio juiz, ao dispensar a avaliação por considerar que os bens
penhorados são de pequeno valor, estimar um quantum para o registro no edi-
tal? Ou, simplesmente, valor algum seria ali consignado? Nenhuma das hipó-
teses parece razoável, a primeira porque transformaria o juiz em avaliador, e a
segunda porque faria letra morta do inciso VI citado. Parece-me que a dis-
pensa da avaliação só poderá ocorrer quando por outra forma se puder atribuir
um valor aos bens penhorados (p. ex., a exibição, pelo devedor, da nota fiscal
de compra dos bens). Fora daí, não há como escapar da avaliação, pois para
que o juiz delibere sobre o pouco valor (que a lei deixou a seu juízo), terá ele
de partir de algum elemento constante dos autos."
E óbvio que, recaindo a penhora em dinheiro, não haverá avaliação.
Outra norma que não pode ser desprezada pelo avaliador, a fim de que pos-
sa dar forma prática e realização do disposto no parágrafo único do art. 681
do CPC, é esta de avaliar em seu todo o imóvel comodamente divisível, mas
dizendo qual seja o valor de cada uma das partes separáveis.
E antiga em nosso direito a regra segundo a qual a avaliação não se repete
senão por motivos relevantes e taxativamente expressos em lei: se se provar
erro, ou dolo, dos avaliadores, ou se, após a avaliação, se descobrir que houve
diminuição de valor dos bens.
As partes são ouvidas sobre o laudo logo que se verificar sua juntada aos
autos. Poderão impugná-lo nas hipóteses referidas. "O incidente é de cognição
sumária, devendo ser decidido de plano pelo juiz. Por isso, cumpre ao interes-
sado eXIbir com a impugnação a prova do alegado" (Theodoro Júnior, 1976,
p. 304).
Nesse sentido, é excelente a lição de Affonso Fraga (1922, p. 209): "E regra
assente em direito, que a avaliação dos bens que têm de ser arrematados, mesmo
quando divergentes sejam os laudos, não se repete, princípio esse salutar, por-
que, além de obstar o acréscimo de despesas a cargo do executado, tranca a
porta a chicanas, impedindo que, por meio de louvações e avaliações sucessivas,
se protele indefinidamente a execução da sentença."
Após a avaliação, o juiz poderá, a requerimento do interessado e ouvida a
parte contrária, determinar a redução ou a ampliação da penhora, ou transferi-
la para outros bens que bastem à execução (art. 685 do CPC).
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Uma vez concluída a avaliação e não havendo providências a serem tomadas
referentemente a elas, "o juiz mandará publicar os editais de praça" (art. 685,
parágrafo único, do CPC).
Pelo CPC de 1939, era por meio do edital que o executado tomava conheci·
mento do dia da praça; pelo CPC de 1973, de acordo com o § 3.° do art. 687,
exige a nova lei processual que o devedor seja intimado, por mandado, do dia
e hora da realização da praça ou leilão.
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b) se houver concordância na transferência do imóvel mediante o pagamento
de 50% à vista e o restante a prazo, com hipoteca e mediante condições, formu-
lada a proposta até cinco dias antes da praça (art. 700).
4.2 Da licitação
4.3 Da documentação
5. Desfazimento da arrematação
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dentro de 30 dias, usá-la se quiser, pagando o preço da arrematação ou da
adjudicação" (art. 699 do CPC);
V - quando não seja intimado o senhorio, ou o credor hipotecário, pignora-
tício, anticrético, ou o usufrutuário, que não seja de qualquer modo parte na
execução (arts. 619 e 698 do CPC).
8. Carta de arrematação
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Pontes de Miranda (1976, p. 408-9), ao comentar o art. 703 referente à carta
de arrematação, escreve: "Tem os mesmos efeitos, se o bem é imóvel, que a
escritura de compra e venda ainda não transcrita no registro de imóveis. Tra-
tando-se de móveis, prova a pretensão a reclamar a coisa, à imissão de posse;
não o domínio. Esse resultado da tradição, que pode ser a assinatura do auto, ou
mediante ordem judicial de entrega, dirigida ao depositário. A carta de arre-
matação é o documento judicial hábil para a transcrição no registro de imóveis."
O art. 703 do CPC, inciso IV, diz: "O título executivo." Essa exigência,
seja título judicial ou extrajudicial, dá-nos a impressão clara da necessidade es-
tabelecida pelo atual Código de Processo Civil da carta de arrematação, quer
se trate de imóveis, de móveis ou de semoventes.
10.1 Da evicção
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2. Carnelutti, citado por Liebman (1980, p. 164), considera o executado ver-
dadeiro vendedor, e declara-o obrigado à garantia, mas nega ao arrematante
qualquer direito contra os credores, que só receberam o que lhes era devido.
3. Chiovenda, Pugliatti e outros, citados por Moacyr Amaral Santos (1979.
p. 323), não vendo no executado o vendedor, o exclui de responsabilidade. O
arrematante evicto terá, entretanto, ação contra o exeqüente, para repetição do
que lhe foi indevidamente pago.
Para Affonso Fraga (1922, p. 233), "esta doutrina aceita por Delvin-Court
e Teixeira de Freitas, parece ser a única conforme o direito".
4. Conforme Liebamn (1980, p. 164), para quem a arrematação não se con-
funde com a compra e venda, não se pode falar, quanto à coisa arrematada, em
evicção propriamente dita, que é instituto que diz respeito àquele contrato. Mas,
acrescenta: "E inegável o direito do arrematante de reaver o que pagou sem
causa. Quem se enriqueceu indevidamente com o pagamento é o executado,
que se livrou das dívidas à custa de bens alheios; ele é obrigado, pois, a inde-
nizar o arrematante. Mas, as mais das vezes, ele ,é insolvente; o arrematante
poderá, então, repetir dos credores o que receberam, porque, embora tivessem
direito ao pagamento, não o tinham a ser pagos pela alienação de bens de
terceiros. "
São do mesmo parecer Moacyr Amaral Santos, Frederico Marques, Humberto
Theodoro Júnior, entre outros.
11. Conclusão
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