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DA ARREMATAÇÁO*

NYDIA FISCHER LACERDA DE AZEVEOO**

1. Introdução; 2. Conceito de arrematação; 3. Natureza


jurídica da arrematação; 4. Procedimento; 5. Desfazi-
mento da arrematação; 6. Das despesas e tributos;
7. Modalidades especiais de arrematação de imóveis;
8. Carta de arrematação; 9. Dos efeitos da arrematação;
10. Da evicção e dos vícios redibitórios da coisa arre-
matada; 11. Conclusão.

1. Introdução

A estrutura global do processo civil é formada pelo processo de conhecimen-


to e pelo processo de execução, ambos integrantes da chamada "jurisdição con-
tenciosa". São, entretanto, autônomos. A finalidade do primeiro é a resolução
das pretensões; a do segundo, a solução dessas pretensões.
A execução apresenta-se como um ato de força realizado pelo Estado, "em
benefício do credor e contra o patrimônio do devedor" (Theodoro Júnior, 1976,
p. 20). No processo de conhecimento, basta a simples alegação de um direito
para invocar-se a prestação jurisdicional. Já o processo de execução só é "fran-
queado àquele que se apresente munido do título executivo" (Theodoro Júnior,
1976) que autoriza o credor a utilizar a ação de execução. Portanto, é o título
que define o fim da execução e que fixa os limites da execução. Daí o princí-
pio segundo o qual nulla executio sine titulo.
Estatui o art. 583 do Código de Processo Civil que "toda execução tem por
base título executivo judicial ou extrajudicial".
No primeiro caso, estão incluídas as sentenças condenatórias, o formal e a
certiqão de partilha. No segundo, documentos públicos e particulares com força
executiva (art. 585 do CPC).
A execução se realiza segundo diversos procedimentos, de acordo com a natu-
reza da prestação assegurada ao credor pelo título executivo. O CPC prevê:

a) execução para entrega de coisas, com ritos especiais para a prestação de


coisa certa - art. 621 - e de coisa incerta - art. 629; b) execução das obri-
gações de fazer - arts. 632 a 641 - e de não fazer - arts. 642 e 643;

* O presente trabalho, apresentado ao Curso de Direito Processual promovido pelo Centro


de Atividades Didáticas do INDIPO, mereceu nota máxima e está sendo publicado por
decisão do Conselho Editorial da Revista de Ciência Política.
** Advogada.

R. C. poI., Rio de Janeiro, 27(2):98-115, maio/ago. 1984


c) execução por quantia certa - arts. 646 e segs., que pode ser contra devedor
solvente e contra devedor insolvente. No caso do devedor solvente, o ato expro-
priatório executivo inicia-se pela penhora e restringe-se aos bens estritamente
necessários à solução da dívida ajuizada. No caso de devedor insolvente, há a
falência do comerciante, uma arrecadação geral de todos os bens penhoráveis
do devedor para satisfação da universalidade dos credores (Theodoro Júnior,
1976, p. 247).

Interessa-nos, para este trabalho, a execução por quantia certa contra devedor
solvente, aquele cujo patrimônio apresenta ativo maior do que o passivo.
O devedor, ao assumir uma obrigação, contrai para si uma dívida e, para seu
patrimônio, uma responsabilidade. Se inadimplente, sujeita seus bens à exe·
cução forçada, cuja finalidade é a obtenção do pagamento de uma quantia
expressa em valor monetário.
No dizer de Humberto Theodoro Júnior (1976), "consiste a execução por
quantia certa em expropriar bens do devedor para apurar judicialmente recursos
necessários ao pagamento do credor. Seu objetivo é, no texto do Código, ex-
propriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor".
Os atos fundamentais da execução forçada são: a penhora, a alienação e o
pagamento, podendo, excepcionalmente, redundar na entrega ao credor dos pró-
prios bens apreendidos, em satisfação de seu direito.
Consiste a penhora no "ato inicial da expropriação do processo executivo,
para individualizar a responsabilidade processual, mediante a apreensão mate-
rial, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor" (Marques,
1976, p. 146). Sua conseqüência imediata é sujeitar os bens por ela alcançados
aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, mediante
sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é o pagamento ao
credor.
Somente os bens transmissíveis ou alienáveis podem ser penhorados.
Se a penhora recair sobre dinheiro, não havendo embargos do devedor ou
sendo estes julgados improcedentes, passar-se-á logo ao pagamento do credor.
Mas, se os bens apreendidos forem de outra natureza, a instrução da execução
deverá prosseguir para apurar-se a quantia necessária à satisfação do direito do
credor, o que se faz através da alienação forçada, ou expropriação dos bens
afetados pela penhora (Theodoro Júnior, 1976, p. 300).
E a arrematação o meio processual utilizado pelo órgão judicial para realizar
a transferência forçada dos bens do devedor a terceiro (arts. 686 e segs.). Esses
bens devem ser avaliados.
Consignado, pelo avaliador, o seu preço ou o seu valor, procede-se, imedia-
tamente, à arrematação, ato concretizador da execução forçada.

2. Conceito de arrematação

Arrematação é ato jurídico processual. Como ato de execução, é um paga-


mento forçado. E, no dizer de Frederico Marques (1976, p. 878), a transferên-
cia coativa de bens penhorados, que se faz a um terceiro - o arrematante -
para a uiterior satisfação do exeqüente e dos demais credores do executado que
tenham ingressado na execução por quantia certa. Por intermédio da arrema-

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tação, são entregues os bens penhorados que se destinarão, posteriormente, à
satisfação do direito do exeqüente.
A adjudicação e a arrematação são atos de desapropriação, mas diferem entre
si. Liebman (1980) esclarece que a "transferência da propriedade ou titulari-
dade ao exeqüente recebe o nome técnico de adjudicação; a transferência a ter-
ceiro chama-se arrematação". E prossegue: "Na adjudicação o ato de desapro-
priação tem a eficácia de satisfazer o direito do exeqüente, realizando ao mesmo
tempo o meio e o fim da execução; na arrematação, o ato de desapropriação
é apenas o meio de conseguir os bens devidos (dinheiro), que permitirão satis-
fazer o exeqüente com ato ulterior (Liebman, 1980, p. 168).
Segundo Pontes de Miranda (1976, p. 355), arrematar deriva de "a, re, macta-
re", sendo que "mactare" tanto significava imolar, sacrificar, como prover, lan-
çar. Acrescenta o eminente mestre: "Arrematar é pôr o remate, o termo, o
ponto final. Na hasta pública, é tomar último o lanço que se fez."
Ainda sobre o significado da expressão, merece transcrever, a respeito, o re-
gistro de Amílcar de Castro (1941, p. 298) ao CPC anterior: "Juridicamente,
arrematar tinha a significação de dar por vendido os bens que iam à praça,
porque era costume dizer o oficial de justiça encarregado de apregoá-los: 'Há
quem mais dê? Se não, arremato. Isto é, se não houver quem mais ofereça,
darei por finda a praça e por vendidos os bens pelo maior lanço que tenho.'
Quem arrematava a praça era o oficial de justiça. Houve, depois, mudança de
significação das palavras, e todo aquele que, oferecendo maior lanço, adquire,
passou a ser chamado arrematante; e a venda em hasta pública, arrematação."
A arrematação pode ser vista sob dois aspectos: em sentido de movimento
processual e em sentido de estática processual. No primeiro sentido, "é a sub-
missão do bem penhorado ao procedimento da alienação ao público"; no se-
gundo, "é a assinação do bem, que foi posto em hasta pública, ao lançador que
ofereceu o maior lanço - que arrematou, que pôs remate à hasta pública"
(Pontes de Miranda, 1976, p. 345).

3. Natureza jurídica da arrematação

A natureza jurídica desse ato processual - a arrematação - ensejou acen-


tuada divergência doutrinária, embora, lentamente, o instituto tenha tomado
posição certa e definitiva na teoria geral do processo de execução. Reunindo
as teorias, temos:

1. Contrato de direito privado. Talvez a mais antiga teoria é a que considera


a arrematação como contrato de direito privado. Sobre ela escreveu Pontes de
Miranda (1976, p. 348) ser uma "concepção que inunda de direito civil o campo
processual, a ponto de quase afogar a figura do juiz". E adiante: "Estaria ele
como a homologar renúncia de direito, ou desistência, ou a homologar transação
ou, em suma, a integrar na forma contrato de direito privado a compra e venda
ocasionalmente feitas pelo juízo."
2. Compra e venda judicial. Teoria fundada em duas ficções: a primeira, a
de atribuir ao juiz o poder de suprir o consentimento do devedor; a segunda,
a de ver no juiz o representante do executado. Seria, portanto, um contrato de
compra e venda, venda essa feita pelo juiz, agindo este em nome do executado.

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Esta doutrina foi defendida pelos praxistas portugueses e também por pro-
cessualistas brasileiros, entre os quais Ramalho João Martins Fraga.
A arrematação não será compra e venda, porque, no caso, não há o consen-
timento do devedor, principal traço da compra e venda. O devedor vê sair o
bem de seu patrimônio contra sua própria vontade.
Tendo em vista considerações feitas por vários doutrinadores, a concepção
de ser a arrematação um contrato de compra e venda é "uma ficção fútil e
pueril", tal como fariam, ao fim do século, os alemães.
Acentuando a natureza publicística do ato, o eminente Prof. Paulo Baptista
assim se manifestou: "O princípio geralmente aceito, que a arrematação é ver-
dadeira venda, e se regula pelos mesmos princípios, é uma abstração sem a luz
precisa para a solução da questão, e tanto assim que todos o invocam, e as
divergências continuam. Explicar-me-ei, pondo de parte todo o receio de proli-
xidade. A arrematação assemelha-se à venda no ponto único de dar-se uma
alienação da propriedade, mediante o preço equivalente pago em moeda;
mas a venda é um contrato, efeito do livre consentimento, que exprime a vontade
dos contratantes, e a arrematação é uma desapropriação forçada, efeito da lei
que representa a justiça social no exercício de seus direitos e no uso de suas
forças para reduzir o condenado à obediência do julgado; a idéia de que a
entrega do ramo representa o consentimento do executado pela interposta pes-
soa do juiz é uma ficção fútil e pueril" (Moura Rocha, 1978, p. 388).
Por sua vez, Liebman (1980, p. 144) manifesta-se a respeito desta teoria da
seguinte maneira: "Indubitavelmente, muitos dos efeitos da arrematação se as-
semelham aos de uma venda e, do ponto de vista econômico, se dá na arrema-
tação, como na venda, alienação da coisa contra pagamento do preço; a assi-
milação, contudo, não é completa, havendo diferenças importantes." E continua
afirmando que, "do ponto de vista jurídico, é impossível admitir-se contrato de
venda onde não há manifestação de vontade por parte de quem pode legitima-
mente alienar".
3. Negotiorum gestor. Apresenta o juiz como gestor de negócio do devedor
e mandatário igual dos credores.
José Alberto dos Reis (1940, p. 414) sintetiza-a: quem vende é o credor,
"mas vende como 'gestor de negócios' do executado, no duplo interesse deste e
de todos os credores, aos quais está vinculado por um mandado legal". E pros-
segue: "A venda judicial é uma venda ordinária efetuada por um gestor de
negócios. O que sucede é que falta a ratificação do dono do negócio, do exe-
cutado, pois que a venda tem caráter coativo; esta ratificação é suprida pelo
império da autoridade judicial."
4. Da representação. Diversas teorias podem ser englobadas como sendo teo-
rias da representação do executado pelo Estado. Essas teorias consideram a arre-
matação como contrato de direito público. Vêem no órgão judiciário o repre-
sentante do devedor executado. O juiz vende na qualidade de representante do
executado.
Trazendo ensinamento de Rosemberg, citado por Moura Rocha (1978, p. 389):
"Mediante a penhora, o devedor fica privado da faculdade de dispor dos bens
penhorados. Mas a execução tem como objetivo a venda destes bens, e uma
vez que o executado está impedido de a efetuar, força é de admitir que ele
seria representado, no ato da venda, por alguém que conclua, por ele, o negócio
jurídico. Este representante é o juiz."

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Tirada a faculdade de dispor da coisa, pela penhora, esta passa ao Estado
que, representado pelo juiz, realiza a venda e emite em nome e por conta do
devedor uma declaração de vontade com eficácia imediata, pró e contra o refe-
rido devedor.
De tais critérios apontados, Francesco Camelutti, citado por AmIlcar de Castro
t1941, p. 268), doutrinava que na arrematação a venda se faz por autoridade
do Poder Judiciário, em lugar de se fazer por vontade de devedor, proprietário
dos bens, mas entende que assim acontece mediante um contrato que, em lugar
do devedor, é realizado pelo juiz, "a cui la legge conferisce il potere di manifes-
tare la volontà con effetto decisivo per !'interesse di lui, o, in altri e schietti
termini, di rappresentarlo nella vendita".
Liebman (1980, p. 144) não vê analogia entre o representante de um menor
ou incapaz, que age sempre em proveito do representado e não contra seus in-
teresses, e o suposto representante do executado - o Poder Judiciário - que
age não no interesse do executado mas para satisfazer interesse público.
Pontes de Miranda (1976, p. 350) também é contra a teoria de Camelutti.
Segundo ele, Camelutti "reeditou argumentos do começo do século, tendo o
ofício executivo como de administração legal do devedor. Aludir a represen-
tação à semelhança da representação dos loucos e menores e, na esteira do seu
pensamento, o reacionário e regressivo de vera incapacità que sofre, com a pe-
nhora, o devedor. De modo que os atos executivos seriam nomine debitoris".
Outra corrente desta teoria sustenta que o órgão judicial, ao realizar a venda,
representa não o executado, mas o credor exeqüente. Rocco, citado por Lieb-
man (1980, p. 145), afirma que o credor é titular de direito geral de penhor
sobre os bens do executado. Escreve ele que quem vende é o credor, exercitan-
do direito de vender que lhe compete em virtude desse direito acessório. O juiz
não é, pois, proprietário, representante do credor, mas concorre como órgão
do Estado na realização do direito de vender do credor.
Liebman (1980, p. 145) combate este ponto de vista de Rocco. Escreve ele
que: "Mas, em primeiro lugar, mostrou-se acima que a relação obrigacional
não atribui ao credor este suposto direito de penhor; em segundo lugar, penhor
não atribui ao credor o direito de vender os bens empenhados: seus efeitos se
reduzem a assegurar a preferência em face dos outros credores e não influem
nas relações diretas entre o credor e o devedor; é por isso mesmo que o credor
deve dirigir-se ao órgão estatal. E por último, como se explicaria a adjudicação,
em que o exeqüente deveria vender a si mesmo?"
5. Da desapropriação. O ilustre mestre Chiovenda tentou explicar a natureza
da arrematação como uma desapropriação da faculdade de disposição inerente
ao direito de propriedade. Esta teoria, fundada na distinção entre direito subje-
tivo e faculdade de dispor, eliminaria a idéia de representação do devedor, e o
Estado nada mais faz que exercer a sua faculdade de venda. A atividade seria
administrativa, tomada judicial apenas pelo fim a que se coordena (Santos, 1979,
p. 302).
Resumindo a idéia de Chiovenda, José Alberto dos Reis (1940, p. 427) apre-
senta o seguinte esquema: "Quem vende? O Estado representado no órgão
executivo. A que título vende? No exercício da função jurisdicional, isto é,
como órgão ao qual incumbe a atuação da lei e portanto a aplicação de sanção
executiva. No uso de que direito? Do direito de dispor dos bens penhorados,
direito adquiri~.;) mediante expropriação. Com a sentença que ordena a venda,
o juiz, como representante do Estado, expropria o executado da faculdade de

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disposição e fá-la sua; com a sentença de venda exerce a faculdade que ficaria
possuindo em virtude da expropriação feita ao executado."
Liebman (1980, p. 145), comentando a teoria de Chiovenda, salienta que "o
que o órgão judicial desapropria ao executado não seria seu direito sobre os
bens, mas apenas sua faculdade de dispor dos mesmos, para em seguida, usando
desta faculdade, vender os bens do executado".
O juiz, quando vende os bens do executado, age apenas como titular de uma
função pública e no interesse dela; mas o poder de vender os bens do executa-
do lhe adviria da faculdade de disposição de que o teria previamente desapro-
priado.
Conforme esta teoria, a arrematação seria uma venda judicial com as carac-
terísticas de um contrato, feito pelo Estado, que, previamente, desapropria do
executado o seu poder de dispor dos bens objeto da execução (Santos, 1979,
p. 303).
6. Da transferência coativa. Teoria exposta por Pugliatti (1935, p. 301). Este
parte da idéia de que a realização dos direitos pressupõe um meio idôneo e um
sujeito que empregue tal meio, que é o de realizar definitivamente o direito
do credor; sujeito é o devedor e meio é o adimplemento da obrigação. Escreve
o insigne mestre: "Da tutto quanto precede possiamo raccogliere gli elemente
per la definizione della natura giuridica della vendita forzata. Un primo ele-
mento negativo ma caratteristico, e questo: i1 proprietario espropriato, cioe i1
debitore, non manifesta la sua volontà nel senso di trasferire i1 diritto sulla
cosa ad altri, come avviene nella vendita volontaria; e ogni volontà implícita
di lui manca completamente, devendosi ritenere l'esistenza deI suo volere una
arbitraria funzione." Além do que, '~i1 trasferimento delIa proprietà non é fine
a se stess, ma solo i1 mezzo idoneo pel conseguimento di quello scopo. Ciõ
spiega l'efficacia deI potere estraneo alla volontà deI debitore, como 'causa tras-
missionis' dei diritti alui pertinenti. Cosi alIa idea di una esecuzione forzata,
o realizzazione coativa, serve anche, como idoneo strumento, i1 concetto di
transferimento coativo."
Liebman (1980) aderiu a esta teoria.
7. Processo de ação constitutiva. Zanzucchi (apud Neves, 1976, p. 93), depois
de combater as teorias privatísticas e publicísticas da representação e do con-
trato, quer de direito privado quer de direito público, expõe sua doutrina, as-
segurando que: "Non pone in essere. .. un negozio giuridico, ma propone una
semplice domanda giudiziale, su chi e chiamato a pronunciarsi i1 giudice... e
la domanda giudiziale, in genere ... per noi non concreta un negozio giuridico
risultante della fusione di due atti eterogenei: un provvedimento (atto giuridico
di natura pubblicistica) e um atto negoziale di natura privatistica."
8. Teoria dominante - ato de expropriação. Os autores: Pugliatti, Zanzucchi,
Goldschmidt, Rosenberg e outros e, entre nós, Lieban, Alfredo Buzaid, Frede-
rico Marques, Humberto Theodoro Júnior, Barbosa Moreira e muitos outros
repelem a natureza contratual da arrematação.
A arrematação se caracteriza por ser um ato de expropriação, que é um ato
de soberania do Estado: o órgão judicial expropria os bens do executado, trans-
ferindo-os a uma terceira pessoa. "Fá-lo no exercício do poder jurisdicional,
para satisfação do interesse público, qual o de realizar a sanção formulada no
título executório, assegurando assim a ordem jurídica. Fá-lo para conseguir o
dinheiro com que se satisfazer o direito do credor" (Santos, 1979, p. 303).
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Portanto, a arrematação é um ato executório, de índole coativa, pelo qual o
órgão judicial "no exercício de sua função, transfere a título oneroso o direito
do executado para outrem" (Liebman, 1980). ~ ato específico da execução por
quantia certa, que "tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satis-
fazer o direito do credor" (art. 646 do CPC).
Não é instituto de direito privado, pois não pode ser normalmente regulada
em seus efeitos pelo direito civil. Sendo um instituto de direito processual civil,
é regulada pelo direito público, "pouco importando que acidentalmente coin-
cida,. neste ou naquele ponto, a legislação civil com a legislação processual, ou
que a lei processual mande que para certos efeitos sejam seguidas as regras do
direito privado, ou ainda g~e o Código Civil trate da arrematação em alguns
artigos, pois, como ensinam os bons autores, não é a lei onde está encaixando
um instituto jurídico que o caracteriza, mas sim o que qualifica é a natureza
da relação regulada" (Castro, 1941, p. 272).

4. Procedimento

Stricto sensu, a arrematação é o ato de transferência coata dos bens penhora-


dos, mediante o recebimento do respectivo preço em dinheiro para satisfação
do direito do credor.
Lato sensu, é todo o procedimento expropeitário, isto é, um ato complexo,
compreendendo vários atos perfeitamente coordenados entre si.
Os momentos da arrematação, quanto aos procedimentos, são três:

- O dos atos preparatórios;


- o da licitação;
- o da documentação.

4.1 Dos atos preparatórios

São atos preparatórios da arrematação a avaliação e a publicação de editais.

4.1.1 Da avaliação

A avaliação tem a finalidade de tornar conhecido a todos os interessados o


valor aproximado dos bens penhorados para que sirva de base à arrematação,
à adjudicação, à remição ou instituição de usufruto sobre imóvel ou empresa.
Serve também de base às eventuais ampliações ou reduções da penhora.
Uma vez cientificado formalmente da penhora feita sobre os bens, o devedor
tem o prazo de 10 dias, contados da intimação da penhora, para embargar
(arts. 669 e 738, I, do CPC).
Se a penhora não for embargada, o juiz nomeará um perito para estimar os
bens penhorados (art. 680 do CPC).
Em regra, pode ser avaliador quem for capaz. São excluídos, além dos inca-
pazes, o interessado no objeto do litígio, o descendente e o ascendente, o colateral
até o terceiro grau de alguma das partes, por sangüinidade ou afinidade e os

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conJuges (art. 142 do CC). Faz-se a avaliaç_ão por um único avaliador. Entre-
tanto, é facultado às partes, a cada qual, indicar assistente técnico ao avaliador.
O avaliador deverá apresentar o laudo em 10 dias, descrevendo no laudo os
bens e indicando-Ihes o valor (art. 681 do CPC).
Conforme estatui o art. 684 do CPC, também não haverá avaliação judicial
quando:

a) o credor aceitar a estimativa feita na nomeação de bens;


b) se se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham cotação em bolsa,
comprovada por certidão ou publicação oficial;
c) os bens são de pequeno valor.

Neste último caso, compete ao juiz dar-lhes o valor que entender justo.
Entretanto, esta não é a opinião de um grande número de doutrinadores.
O Prof. Joaquim Munhoz de Mello escreve nas notas à obra de Liebman (1980):
"Caberia ao próprio juiz, ao dispensar a avaliação por considerar que os bens
penhorados são de pequeno valor, estimar um quantum para o registro no edi-
tal? Ou, simplesmente, valor algum seria ali consignado? Nenhuma das hipó-
teses parece razoável, a primeira porque transformaria o juiz em avaliador, e a
segunda porque faria letra morta do inciso VI citado. Parece-me que a dis-
pensa da avaliação só poderá ocorrer quando por outra forma se puder atribuir
um valor aos bens penhorados (p. ex., a exibição, pelo devedor, da nota fiscal
de compra dos bens). Fora daí, não há como escapar da avaliação, pois para
que o juiz delibere sobre o pouco valor (que a lei deixou a seu juízo), terá ele
de partir de algum elemento constante dos autos."
E óbvio que, recaindo a penhora em dinheiro, não haverá avaliação.
Outra norma que não pode ser desprezada pelo avaliador, a fim de que pos-
sa dar forma prática e realização do disposto no parágrafo único do art. 681
do CPC, é esta de avaliar em seu todo o imóvel comodamente divisível, mas
dizendo qual seja o valor de cada uma das partes separáveis.
E antiga em nosso direito a regra segundo a qual a avaliação não se repete
senão por motivos relevantes e taxativamente expressos em lei: se se provar
erro, ou dolo, dos avaliadores, ou se, após a avaliação, se descobrir que houve
diminuição de valor dos bens.
As partes são ouvidas sobre o laudo logo que se verificar sua juntada aos
autos. Poderão impugná-lo nas hipóteses referidas. "O incidente é de cognição
sumária, devendo ser decidido de plano pelo juiz. Por isso, cumpre ao interes-
sado eXIbir com a impugnação a prova do alegado" (Theodoro Júnior, 1976,
p. 304).
Nesse sentido, é excelente a lição de Affonso Fraga (1922, p. 209): "E regra
assente em direito, que a avaliação dos bens que têm de ser arrematados, mesmo
quando divergentes sejam os laudos, não se repete, princípio esse salutar, por-
que, além de obstar o acréscimo de despesas a cargo do executado, tranca a
porta a chicanas, impedindo que, por meio de louvações e avaliações sucessivas,
se protele indefinidamente a execução da sentença."
Após a avaliação, o juiz poderá, a requerimento do interessado e ouvida a
parte contrária, determinar a redução ou a ampliação da penhora, ou transferi-
la para outros bens que bastem à execução (art. 685 do CPC).

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Uma vez concluída a avaliação e não havendo providências a serem tomadas
referentemente a elas, "o juiz mandará publicar os editais de praça" (art. 685,
parágrafo único, do CPC).

4.1.2 Da publicação dos editais

Realizada a avaliação, ou dispensada excepcionalmente (arts. 682 e 684 do


CPC), o juiz mandará publicar os editais de praça, que se destinam a anunciar
a hasta pública e a convocar os interessados.
"A arrematação será precedida de edital", preceitua o art. 686 do CPC. a
edital é um dos elementos característicos da venda judicial, que é sempre um
ato público e publicamente anunciado com antecedência.
Nesse sentido, assinala Affonso Fraga (1922, p. 210-1): "Pelo direito pátrio,
a alienação judicial dos bens penhorados ou executados, não pode ter lugar
fora da praça, ou hasta pública, mas esta não mereceria esse nome, ou não
corresponderia aos intuitos da lei, se não fosse armada de um meio que, reves-
tindo-a de publicidade, pudesse garantir com máxima plenitude a livre con-
corrência dos pretendentes ou compradores. Esse meio, de vantagem indiscutí-
vel para garantir a tutela de todos os interesses envolvidos na execução e, par-
ticularmente no ato supremo da alienação judicial, é formado pelo edital de
praça que se pode definir: a peça judiciária que publica o dia, lugar e hora da
arrematação dos bens penhorados."
a CPC de 1939 determinava fosse o edital, nas comarcas das capitais, publi-
cado, também, uma vez, no órgão oficial. Essencial era que a publicidade ga·
rantisse, com a máxima plenitude, a livre concorrência dos pretendentes ou
compradores. a CPC atual estende essa exigência a todos os casos.
Não ocorrendo a devida publicidade, será nula a alienação. A este respeito
a jurisprudência não é vacilante:
"B, nula a alienação em praça ou leilão não precedida de adequada publici-
dade. Não basta a publicação no DO. Exegese do art. 687 e §§ do CPC. Em
não havendo jornal editado no local, os editais devem ser divulgados em jornal
de ampla circulação na comarca." (TARS, n.O 10.340, ReI. Athos Gusmão Car-
neiro, 24.6.76, JTARS 17/254.)
Com os editais, evitam-se, senão de todo, pelo menos reduzem-se bastante as
probabilidades de fraudes com prejuízos para o credor e para o devedor.
a edital exige determinados requisitos, os quais, fundamentalmente, indivi·
duam o bem e anunciam seu valor, data e local de hasta pública.
a art. 687 do CPC atende à divulgação do edital e do seu teor por dois
modos:

a) afixação do original à porta do edifício do fórum:


b) publicação pela imprensa. Faz-se esta por extrato, isto é, não se transcreve
integralmente o edi tal.

Pelo CPC de 1939, era por meio do edital que o executado tomava conheci·
mento do dia da praça; pelo CPC de 1973, de acordo com o § 3.° do art. 687,
exige a nova lei processual que o devedor seja intimado, por mandado, do dia
e hora da realização da praça ou leilão.

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í~ouri'ff61
A jurisprudência é unânime em que: ~-º Q~.. ~ ~
"Somente ao devedor cabe invocar a falta de intimação do dia e hora da
realização da praça ou leilão". (TJPR, AJ 75/75, ReI. Aran Machado, 21.5.75,
PJ 22/32.)
O termo dilatório de 10 ou 20 dias, estabelecido pelo art. 687, § 1.0 do CPC,
entre a publicação do edital e a praça ou leilão, tem por fim fazer chegar ao
conhecimento do maior número possível de interessados e, também, para que
todos os pretendentes possam examinar os bens e tomar as providências acau-
telatórias e suficientes para a aquisição do bem.

4.1.2.1 Hasta pública

A arrematação se realiza através da hasta pública. Essa denominação provém


de Roma, onde o ato de licitação se fazia em praça pública, junto a uma lança
(hasta), símbolo do império da lei.
Pelo CPC anterior, a hasta pública se dividia em praça, quando se observava
o valor da avaliação, e leilão, quando o bem poderia ser alienado por valor
inferior a esta. Outra sistemática parece ter sido imprimida pelo atual Código,
adotando-se a praça quando se trata de imóveis e o leilão em se tratando de
bens não-imóveis. Assim, teríamos primeira e segunda praças para os imóveis,
anotando que na segunda praça e no segundo leilão não se observaria a avalia-
ção, segundo entendimento hoje predominante.
No entanto, para uma segunda corrente, haveria primeira e segunda praças
para os imóveis e um só leilão para os não-imóveis (Celso Neves, 1976; Frederico
Marques, 1976).
Uma terceira corrente entende que haveria praça e leilão para os imóveis e
apenas um leilão para os não-imóveis (Mendonça Lima).
E uma quarta corrente vem aplicando a mesma sistemática do Código de
1939, pela força do hábito.
Ato processual que é, a hasta deverá realizar-se em dia útil, de 6 às 18 horas.
Não haverá nulidade, porém, se realizada excepcionalmente em outro momento,
atendidas as conveniências locais, em face do caráter instrumental da norma
processual.
Normalmente, sobrevindo a noite, deverá prosseguir no dia útil imediato, à
mesma hora em que teve início, independentemente de novo anúncio.
Sem embargo de autorizados pronunciamentos em contrário, na doutrina e na
jurisprudência, deve o juiz sustar a hasta quando for insignificante o preço
alcançado, haja vista que, segundo lição de Lopes da Costa (1946, n.O 336),
a execução deve ser necessária, útil ao credor.
De igual forma, e em atenção a outro princípio informativo do processo exe-
cutivo, segundo o qual toda execução tem por finalidade apenas a satisfação
do direito do exeqüente, não devendo ultrapassar a medida do bastante, suspen-
de-se a hasta assim que o produto alcançado bastar para o pagamento ao credor
(art. 692 do CPC).
Ocorre, ainda, a suspensão da hasta:
a) se o imóvel, pertencente a incapaz, não alcançar em praça ao menos 80%
do preço da avaliação (art. 701);

Arrematação 107
b) se houver concordância na transferência do imóvel mediante o pagamento
de 50% à vista e o restante a prazo, com hipoteca e mediante condições, formu-
lada a proposta até cinco dias antes da praça (art. 700).

4.2 Da licitação

A licitação é o oferecimento que alguém faz de um lanço superior para obter


a posse e domínio em hasta pública.

4.2.1 Legitimação para licitar

Podem lançar na hasta pública todos que estiverem na administração de seus


bens (art. 690 do CPC).
A licitação é ato jurídico e, como tal, exige capacidade jurídica, bem como
capacidade de exercício de direitos.
A aptidão para ser titular de direitos não basta; é necessário a legitimação
para o seu exercício, "que tanto pode ser própria como alheia ou co-integrada.
Esse o sentido da referência à 'livre administração de seus bens', que não im-
pede o menor, púbere ou impúbere, de licitar, desde que o faça, ou assistido,
ou representado. O essencial é que a licitação se dê pelo legitimado, segundo
as circunstâncias de cada caso" (Neves, 1976, p. 105).
Humberto Theodoro Júnior (1976, p. 308) é de parecer que: "Não podem,
assim, licitar os incapazes nem aqueles que juridicamente estejam privados da
livre administração de seus bens, como o falido e o insolvente."
Consoante o disposto no art. 690 do CPC, não é permitido participar da lici-
tação as seguintes pessoas:

I - Os tutores, os curadores, os testamenteiros, os administradores, os sín-


dicos, os liquidantes, quanto aos bens confiados à sua guarda e responsabilidade;
H - Os mandatários, quanto aos bens, de cuja administração ou alienação
estejam encarregados;
IH - O juiz, o escrivão, o depositário, o avaliador e o oficial de justiça.

São, ainda, impedidos de lançar na nova praça ou leilão o arrematante e o


fiador remissos (art. 695, § 3.°).
A este último item observa Amílcar de Castro (1941, p. 287) que "continuam
impedidos de arrematar, pois se desaparece o temor de que prejudiquem os
interesses do executado, ou do exeqüente, permanece a conveniência de salvar
o prestígio da Justiça, que é de ordem pública".

4.3 Da documentação

Ato processual complexo, a arrematação não se perfaz e nem se formaliza


sem o auto, peça que lhe é essencial, pois, como anotou Lopes da Costa (1959,
n.O 225), citando Lobão, na arrematação o a}.lto não é a simples documentação
da venda, é da sua substância.

108 R.C.P. 2/84


E ele que toma perfeita e acabada a arrematação, não só impedindo, a partir
de então, a adjudicação e a remição, quer da execução (art. 651 do CPC), quer
dos bens (art. 787 do CPC), mas também documentando a hasta, o seu proce-
dimento, os que nela participaram e os fatos na mesma desenvolvidos.
Haja ou não pluralidade de bens, lavrar-se-á um só auto. Não tendo ocorrido
lanço, deve-se lavrar, de imediato, o auto negativo, destinado a registrar o fato.
O auto positivo, entretanto, somente será lavrado e assinado, 24 horas após a
hasta, recomendando-se documentar-se nos autos, através de certidão, o ocorri-
do na hasta, logo após realizada esta.
Assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo porteiro,
ou leiloeiro, perfeita e acabada estará a arrematação, permitindo-se o seu des-
fazimento apenas nas hipóteses que a lei ressalva.

5. Desfazimento da arrematação

Conforme vimos no item anterior, uma vez assinado o auto da arrematação,


esta considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável (caput do art. 694 do CPC).
Como bem assinala Amílcar de Castro (1941, p. 305), é "uma das mais anti-
gas regras do nosso direito processual civil esta de que a arrematação válida
não se retrata". Na realidade, seria ilógico admitir-se a retratação do ato quando
se atenta para sua finalidde, que é a conversão de bens em dinheiro.
O parágrafo único do art. 694 do CPC alinha o desfazimento da arrematação
nas seguintes hipóteses:

I - por vício de nulidade.


Vício de nulidade, aí, não é apenas o da arrematação, mas o de qualquer ato
processual ou do processo, a ela antecedente e do qual dependa.
Se a arrematação se deu em processo nulo, nula será a arrematação.
Além da nulidade de caráter processual, conforme ensinamento de Celso Ne-
ves (1976, p. 111): "Se o executado foi vencido em demanda sobre a proprie-
dade dos bens penhorados, mesmo que subseqüente à penhora, a arrematação
é nula por versar sobre bens não sujeitos à execução, segundo as regras dos
arts. 591 e 592 do CPC."
A jurisprudência sustenta:

"Ocorrendo vício de nulidade, a possibilidade de desfazimento da arremata-


ção pode ser pedido até o encerramento do processo." (TJRS, AI n.O 28.079,
ReI. Emílio A. M. Gischkow, 11.5.77, in RJTJRS 64/160.)
11 - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;
111 - quando o arrematante provar, nos três dias seguintes, a existência de
ônus real não mencionado no edital.
"Compete apenas ao arrematante o direito de pedir o desfazimento da arre-
matação com fundamento na existência de 'ônus real' não mencionado no editaL"
(TASP, AC n.O 232.716, ReI. Geraldo Arruda, 15.6.77, in JTASP 47/125.)
IV - quando não for utilizada a preferência de que fala o art. 855 do Có-
digo Civil, isto é, "na execução da hipoteca de vias férreas, não se passará
carta ao maior lançador, nem ao credor adjudicatário, antes de intimar o repre-
sentante da Fazenda Nacional, ou do Estado, a que tocar a preferência, para,

Arrematação 109
dentro de 30 dias, usá-la se quiser, pagando o preço da arrematação ou da
adjudicação" (art. 699 do CPC);
V - quando não seja intimado o senhorio, ou o credor hipotecário, pignora-
tício, anticrético, ou o usufrutuário, que não seja de qualquer modo parte na
execução (arts. 619 e 698 do CPC).

6. Das despesas e tributos

São de responsabilidade do arrematante as despesas de arrematação, inclu-


sive com a extração da carta e com a comissão do leiloeiro (art. 715, IV, do
CPC).
Igualmente do arrematante são os tributos decorrentes do ato de transmissão
do imóvel, devendo constar da carta de arrematação a sua quitação (art. 703,
11 do CPC).
Não são, porém, de sua responsabilidade, os impostos incidentes sobre o imó-
vel arrematado, uma vez que, segundo o parágrafo único do art. 130 do Código
Tributário Nacional, "no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação
ocorre sobre o respectivo preço".

7. Modalidades especiais de arrematação de imóveis

A legislação prevê duas modalidades especiais de transferência de imóveis


penhorados.

7.1 Art. 700 do CPC

o interessado na arrematação do imóvel poderá, até cinco dias antes da rea-


lização da praça, formular lanço por escrito, propondo o mínimo de 50% à
vista, devendo a proposta especificar o prazo, a modalidade e as condições de
pagamento do saldo, garantido por hipoteca.
Se as partes, exeqüente e executado, e eventualmente o Ministério Público,
aceitarem a proposta, o juiz homologará o acordo e suspenderá a praça, na
inexistência de outros bens levados à hasta.
Em tal hipótese, observa Amílcar de Castro (1941, p. 451), não haverá arre-
matação, mas venda particular por escritura outorgada pelo devedor, a ser trans-
crita no registro imobiliário. Entendimento a que aderiu Frederico Marques
(1976, n.O 887).
Sob o argumento de que se trata de ato executivo preparatório da satisfação
do crédito ajuizado, e que deve ser concluído pelo juiz da execução, outro é
o procedimento recomendado por Humberto Theodoro Júnior (1976, p. 318),
para quem se deverá lavrar termo nos autos, expedindo-se, após, a "carta", a
ser levado ao Registro de Imóveis.

7.2 Art. 701 e parágrafos do CPC

A segunda modalidade especial de transferência de imóveis penhorados diz


respeito ao processamento de imóveis de incapazes.

110 R.C.P. 2/84


Como já se ressaltou, em se tratando de imóveis, a hasta se apresenta sob a
forma de primeira e segunda praças, exigindo-se na primeira lanço superior à
importância da avaliação.
Não sendo arrematado o imóvel de incapaz na primeira praça e, levado à
segun,da praça, não alcançar ao menos 80% do valor da avaliação, determina
a lei (art. 701 do CPC) que o juiz, suspendendo a praça, o confiará à guarda
e administração de depositário idôneo, adiando a alienação por prazo não su-
perior a um ano, findo o qual será designada nova data, para ser alienado a
quem mais der.
Poderá o juiz autorizar a sua locação durante o prazo do adiamento e sem
prejuízo de nova praça, a realizar-se se, durante o adiamento, surgir pretendente
que assegure o preço da avaliação, que se converteria, por decisão judicial, em
multa em favor do incapaz, em havendo arrependimento do pretendente.

8. Carta de arrematação

Uma vez arrematado o bem, expedir-se-á, oportunamente, mandado de en·


trega, se se tratar de bem móvel ou semovente, e, se se tratar de bem imóvel,
carta de arrematação.
Baseado no art. 707 do CPC, Frederico Marques (1976, p. 196) ensina-nos
que "também se expede carta de arrematação relativa a bens móveis". Na
realidade, o art. 707 estatui que: "Efetuado o leilão, levrar-se-á o auto, expe-
dindo-se a carta de arrematação."
Carta de arrematação é o título de aquisição dado ao arrematante. É a peça
escrita, documental, da transferência coativa ocorrida.
Celso Neves (1976, p. 125) estabelece o critério segundo o qual a carta de
arrematação refere-se somente a bens imóveis. Diz o citado autor que: "Nesse
sentido, é que deve conter a descrição do imóvel, tal como consta, ou do título
aquisitivo do executado, ou, à sua falta, da avaliação a que, no processo executó-
rio, se procedeu (arts. 680 e segs. do CPC), bem como a prova de quitação
dos respectivos impostos, sem a qual não se pode efetuar a sua transcrição,
segundo o disposto no Decreto n.O 22.957, de 19 de julho de 1933. Além
desses dois elementos, integra-a, também e necessariamente, o auto de arrema-
tação que marca o aperfeiçoamento da aquisição decorrente da transferência
coativa que a aceitação do lanço visa a operar." Continuando a sua afirmação de
que a carta de arrematação é documento hábil somente a imóveis, ressalta que:
"Limitando-se a esses elementos, o legislador de 1973 reduziu a carta de arre-
matação, como convém, ao essencial e bastante para servir de documento apto
à transcrição."
.Moacyr Amaral Santos (1979, p. 322) é do parecer de Frederico Marques
(1976). A carta de arrematação é para bens móveis e imóveis. Diz o concei-
tuado processualista que: "Também dos bens móveis, arrematados em leilão,
passar-se-á carta de arrematação." Mais adiante continua: "A tradição destes
ao arrematante far-se-á mediante a expedição de mandado ao depositário para
que lh'os entregue, independentemente de carta de arrematação."
Amílcar de Castro (1941, p. 318) sustenta que "( ... ) tratando-se de arrema-
tação de coisas móveis, bastará ordem escrita do juízo ao depositário para en-
tregá-los ao arrematante, mas, em se tratando de bens imóveis, além dessa or-
dem, haverá também necessidade de um documento para ser levado ao oficial
do registro de imóveis. E esse documento judicial é a carta de arrematação".

Arrematação 111
Pontes de Miranda (1976, p. 408-9), ao comentar o art. 703 referente à carta
de arrematação, escreve: "Tem os mesmos efeitos, se o bem é imóvel, que a
escritura de compra e venda ainda não transcrita no registro de imóveis. Tra-
tando-se de móveis, prova a pretensão a reclamar a coisa, à imissão de posse;
não o domínio. Esse resultado da tradição, que pode ser a assinatura do auto, ou
mediante ordem judicial de entrega, dirigida ao depositário. A carta de arre-
matação é o documento judicial hábil para a transcrição no registro de imóveis."
O art. 703 do CPC, inciso IV, diz: "O título executivo." Essa exigência,
seja título judicial ou extrajudicial, dá-nos a impressão clara da necessidade es-
tabelecida pelo atual Código de Processo Civil da carta de arrematação, quer
se trate de imóveis, de móveis ou de semoventes.

8.1 Natureza da carta de arrematação

Liebman (1980, p. 157) afirma que "(. .. ) a arrematação não é sentença e


portanto não pode ser recorrida nem atacada com ação rescisória".
Pontes de Miranda (1976, p. 409) afirma: "A arrematação e o seu auto, que
a completa, não são sentenças. Contra eles, por exemplo, não se pode propor
ação rescisória." Continua o insigne mestre: "( ... ) porém contra o elemento
mandamental, revestindo o constitutivo que há na arrematação, e, pois, no
auto que a integra, cabem embargos, dentro de cinco dias, com fundamento em
nulidade, outros, segundo o art. 746."
Resumindo: a carta de arrematação é sentença, contra a qual cabe a ação
rescisória. A sentença, nos embargos do devedor ou de terceiro, contra a arre-
matação, é suscetível de rescisão - art. 485 do CPC - o que pode ter a con-
seqüência de atingir a arrematação; mas a rescisão da carta de arrematação
não atingiria a arrematação, nem, sequer, o auto, se a prescrição se deu e não foi
res deducta (Pontes de Miranda, 1976, p. 410).

8.2 Assinatura do juiz na carta de arrematação

Controvertida entre os autores a necessidade ou não da assinatura do juiz na


carta de arrematação.
Pondera Amílcar de Castro (1941, p. 319), citando Costa Cruz, que "não
há e nunca houve lei nenhuma que exigisse, ou exija, a assinatura do juiz na
carta de arrematação". Alega que é mais racional que o juiz não a assine, por-
que já o fizera no auto da arrematação, que é a peça essencial.
Já Pontes de Miranda (1976, p. 411) afirma o contrário. Ensina-nos que a
carta de arrematação, título sentencial, tem de ser assinada pelo juiz, porque
essa carta é sentença. Prossegue: "O auto de arrematação é o negócio jurídico
de direito público, constitutivo; a carta de arrematação é a remlnIscencia do
julgamento da arrematação, mas, ainda, pelo cuidado que há de ter o juiz no
apreciar o que se negociou, a sentença."
Affonso Fraga (1922, p. 230) considera que a carta de arrematação deve ser
sempre assinada pelo juiz "que houver presidido o ato da praça ou por seu
substituto legal".

112 R.C.P. 2/84


9. Dos efeitos da arrematação

Eis, sumariamente, os principais efeitos da arrematação:


1. Transferência do domínio dos bens praceados ou leiloados ao arrematante.
Deve-se acrescentar que se o bem não pertence ao executado, o legítimo dono
poderá reivindicá-lo por embargos de terceiro, até cinco dias após a arremata-
ção (art. 1.408 do CPC), ou, decorrido esse prazo, através de ação reivindi-
catória.
Ao arrematante, por sua vez, caberá direito regressivo; em primeiro lugar,
contra o executado (devedor ou responsável) e, subsidiariamente, contra o credor.
2. Transferência ao arrematante dos frutos pendentes, ficando este, todavia,
obrigado a indenizar o executado das despesas feitas com os mesmos frutos
(Theodoro Júnior, 1976, p. 318).
3. Torna o arrematante e seu fiador devedores do preço no caso em que a
arrematação é feita a prazo (art. 690 do CPC).
4. Obriga o depositário judicial ou particular, ou eventualmente o devedor,
a transferir ao arrematante a posse dos bens arrematados (Liebman, 1980, p. 160).
5. Extingue as hipotecas inscritas sobre o imóvel arrematado, fazendo-o passar
livre para o arrematante, consoante o disposto no art. 849, VII do CPC.
6. Transfere para o preço depositado pelo arrematante o vínculo da penhora
que gravava anteriormente os bens penhorados (Liebman, 1980, p. 159).

10. Da evicção e dos vícios redibitórios da coisa arrematada

10.1 Da evicção

"A evicção consiste na perda, total ou parcial da posse de uma coisa, em


virtude de sentença que a garante a alguém que a ela tinha direito anterior"
(Bevilacqua, 1940, p. 177).
De acordo com o art. 1. 107 do Código Civil, nos contratos onerosos trans-
lativos de domínio, o alienante é obrigado a resguardar o adquirente dos riscos
de evicção. Quando ocorre a evicção, o prejudicado tem direito à restituição in-
tegral do preço, mais as indenizações previstas nos incisos I a 111 do art. 1.109
do Código Civil (Theodoro Júnior, 1976, p. 319).
Na arrematação, o executado não é vendedor, não há contrato e, nem tam·
pouco, consente ele na alienação, que, neste caso, é um ato de expropriação.
Portanto, não pode ser responsável por um ato que não praticou. Qual é, por-
tanto, o direito do arrematante evicto?
Há opiniões divergentes a respeito:

1. Para os tratadistas que consideram a arrematação um ato de compra e


venda, o devedor. que nesta conceituação é também o vendedor, responde pela
evicção, e, subsidiariamente, o exeqüente, no caso de devedor insolvente (Santos,
1979, p. 323). De acordo com Affonso Fraga (1922, p. 232), filiaram-se a esta
corrente, entre outros, Leite Velho, Aubry et Rau e Planiol.

Arrematação 113
2. Carnelutti, citado por Liebman (1980, p. 164), considera o executado ver-
dadeiro vendedor, e declara-o obrigado à garantia, mas nega ao arrematante
qualquer direito contra os credores, que só receberam o que lhes era devido.
3. Chiovenda, Pugliatti e outros, citados por Moacyr Amaral Santos (1979.
p. 323), não vendo no executado o vendedor, o exclui de responsabilidade. O
arrematante evicto terá, entretanto, ação contra o exeqüente, para repetição do
que lhe foi indevidamente pago.
Para Affonso Fraga (1922, p. 233), "esta doutrina aceita por Delvin-Court
e Teixeira de Freitas, parece ser a única conforme o direito".
4. Conforme Liebamn (1980, p. 164), para quem a arrematação não se con-
funde com a compra e venda, não se pode falar, quanto à coisa arrematada, em
evicção propriamente dita, que é instituto que diz respeito àquele contrato. Mas,
acrescenta: "E inegável o direito do arrematante de reaver o que pagou sem
causa. Quem se enriqueceu indevidamente com o pagamento é o executado,
que se livrou das dívidas à custa de bens alheios; ele é obrigado, pois, a inde-
nizar o arrematante. Mas, as mais das vezes, ele ,é insolvente; o arrematante
poderá, então, repetir dos credores o que receberam, porque, embora tivessem
direito ao pagamento, não o tinham a ser pagos pela alienação de bens de
terceiros. "
São do mesmo parecer Moacyr Amaral Santos, Frederico Marques, Humberto
Theodoro Júnior, entre outros.

10.2 Dos vícios redibitórios

"Chamam-se vícios redibitórios aqueles defeitos ocultos, que tornam a coisa


imprópria para o uso a que é destinado, ou que a tornam por tal forma frus-
trânea que o contrato se não teria realizado, se estivessem eles claros" (Bevilac-
qua, 1940, p. 176).
A arrematação é uma alienação forçada, não um contrato de compra e venda.
O art. 694 do CPC preceitua quais os casos de desfazimento da arrematação:
"O arrematante adquire a propriedade do bem praceado ou leiloado na situação
em que ele se encontra, não havendo lugar para a reclamação contra eventuais
vícios redibitórios" (Theodoro Júnior, 1976, p. 320).

11. Conclusão

A arrematação é ato de expropnaçao realizado pelo Estado com o fim de,


mediante alienação em hasta pública, conseguir dinheiro para satisfazer o di-
reito do credor.
O primeiro ato executivo é a penhora, apreensão judicial dos bens do deve-
dor. Esses bens são avaliados. Consignado pelo avaliador o seu preço ou o
seu valor, procede-se' à arrematação, ato concretizador da execução forçada.
Para que a arrematação se mostre ato perfeito, impõe a lei que várias exigên-
cias e formalidades sejam previamente atendidas. Vam delas é a da publicidade
ampla da hasta pública, objetivada pela publicação dos editais, que serão for-
mulados com os elementos que as próprias leis processuais consignam e sem
os quais a arrematação estará inquinada de nulidade insanável.

i14 R.C,P. 2/84


A arrematação faz-se. em dia, hora e lugar anunciados pelos editais, com a
presença do juiz, do escrivão e do porteiro dos auditórios.
Uma vez realizada a venda em hasta pública e obedecidos todos os requisitos
impostos por lei, será lavrado e assinado o auto de arrematação pelas pessoas
mencionadas e pelo arrematante. O auto de arrematação possui seus requisitos
próprios.
A anulação da arrematação, por haver transgredido preceitos fundamentais,
pode ser pleiteada em ação própria pelas pessoas que tenham interesse na coisa
arrematada, ou mesmo na arrematação.
A carta de arrematação que se expede a favor do arrematante é o instru-
mento hábil e fJnal por que se transfere o domínio dos bens arrematados. Mas
o direito de propriedade, se os bens arrematados são imóveis, somente se firma
depois de sua transcrição no registro de imóveis.

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cesso de execução. 3. ed. São Paulo, Livraria e Editora Universitária de Direito, 1976.
capo 21, p. 297-325.

Arrematação 115

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