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Casos práticos resolvidos sobre pessoas coletivas

- Recuperalar Lda. é contactada por Daniela para remodelações do domicílio da mesma


(cozinha e casa de banho)

- Vão lá 3 especialistas:

1. eletricidade (Agostinho)
2. canalização (Beto)
3. construção (Cláudio)

Subhipóteses

a) A provoca explosão ao mexer descuidadamente nos fusíveis e destrói todos os


aparelhos informáticos e de Hi-Fi
b) B tinha problemas com Eduarda, filha de D, e cria propositadamente um curto-circuito
que provoca incêndio na cozinha, levando à morte de E dado as suas graves
queimaduras
c) C obrigada D a dar-lhe logo a sua medalhinha de ouro que traz sempre ao peito desde
a morte da mãe, ameaçando-lhe partir todos os vidros da marquise caso não cedesse
ao seu pedido

QUID IURIS?

Resolução:

a)

➔ Caso de responsabilidade civil das pessoas coletivas (PC) por atos praticados pelos seus
agentes
➔ Regime das PC previsto no 165º e que remete para o 500º, relativo à responsabilidade
dos comitentes por atos dos seus comissários
➔ Responsabilidade atribuída à PC é objetiva (não depende da sua culpa nas instruções
dadas ao agente – culpa in instruendo – na escolha deles – culpa in eligiendo – ou na
fiscalização da sua atividade – culpa in vigilando – dependendo sim da culpa de quem
atuou em nome do ente coletivo (500º/1)
➔ Para corresponsabilizar a pessoa coletiva nos termos do art. 500º, exige-se, para além
de um vínculo necessário e óbvio entre a pessoa coletiva e o seu agente, a verificação
dos seguintes pressupostos:

✓ Que sobre o agente recaia igualmente a obrigação de indemnizar (art.


500º/1)
✓ Que tenha havido culpa da pessoa física que praticou o ato causador
do dano e que o mesmo esteja em relação de causalidade com aquele
ato
✓ É fundamental que o ato danoso tenha sido praticado pelo agente no
exercício da função que lhe tenha sido confiada (art. 500º/2)
✓ Terá que se encontrar também obrigado a ela o respetivo agente,
órgão ou mandatário (art. 500º/1)

NOTA: obrigação solidária (497º e 499º); neste caso é uma aparente obrigação solidária, já que
na circunstância de não ser determinado órgão ou agente culpado do ato danoso, motivador
de responsabilidade, a pessoa coletiva acabará por responder isoladamente

✓ A PC que tiver satisfeito a indemnização ao lesado tem o direito


de regresso sobre o agente da quantia paga, desde que tenha
havido culpa deste último no plano das relações internas
(fundamental já que pode haver responsabilidade do agente face
à vítima, mas já não no círculo interno de relações com a pessoa
coletiva)

➔ Existe vínculo laboral entre A e R


➔ Sobre A recai a obrigação de indemnizar visto ter sido o seu ato descuidado que
provocou danos patrimoniais, acrescido o facto de ter agido com culpa, ainda que de
forma negligente
➔ Indubitável que A agiu no exercício da função que lhe foi confiada
➔ Usando o 500º, D poderá demandar a R quanto à satisfação da indemnização por
danos patrimoniais e eventuais danos causados da casa onde se deu a explosão
➔ A empresa tem o direito (art. 500º/3) de pedir o reembolso desse valor a A, aplicando-
se o previsto no 497º/2, chamado à colação pelo art. 500º/3, in fine
➔ Responsabilidade da empresa é objetiva, ao passo que A responde por atos ilícitos,
designadamente por mera culpa, conforme o disposto no 483º

b)

➔ Vínculo laboral entre B e R


➔ Requisito exigido pelo art. 500º
• Obrigação de B e R estarem adstritos à indemnização em causa já que B
praticou ato com dolo
• Mas será que este ato de B foi praticado no exercício da função que lhe foi
confiada?
• Art. 500º/2 estatui que a responsabilidade se mantém, ainda que o ato do
comissário seja praticado com dolo
• Será necessário que o ato (embora intencional e de má-fé) tenha sido
praticado em função dos interesses da pessoa coletiva ou estritamente
relacionado a eles, ou haverá responsabilidade mesmo quando se buscam
única e exclusivamente interesses pessoais ou próprios do agente?
Na opinião de Luís Manso, é intolerável responsabilizar o ente coletivo se o ato em causa for
praticado com caráter intencional e para realizar um objetivo marcadamente pessoal, não
havendo qualquer conexão com os interesses da PC

Nestas condições, haverá apenas uma coincidência entre as funções do agente, órgão ou
mandatário e ato danoso, pelo que é líquido que os atos intencionais (art. 500º) que não
excluem a responsabilidade da pessoa coletiva serão os que visaram exclusiva ou
paralelamente interesses da entidade em representação

➔ TEORIA DA APARÊCIA SOCIAL: B, enquanto empregado de R, cria a convicção em D de


que os seus atos serão honradamente coniventes com o exigido na sua profissão e
pela empresa onde trabalha (estará de boa-fé)
➔ Aplicando esta doutrina, nos termos do 500º, independentemente da culpa, deve
indemnizar D por danos patrimoniais e não patrimoniais (496º)
➔ A responsabilidade é solidária entre B e R, porém o primeiro terá total direito de exigir
o segundo reembolso da quantia relativa à indemnização (497º)

c)

➔ Caso de vício na formação da vontade (perturbação no seu processo formativo, em


que a vontade, embora seja concordante com a declaração negocial, é determinada
por motivações anómalas e entendidos pelo direito como ilegítimas

NOTA: diferente é a noção de vício em que a normal relação de concordância entre a vontade e
a declaração em causa é afastada, sendo cambiada por uma relação patológica ou viciada;
haveria distonia ou divergência notória entre a vontade e a declaração

➔ O vício que altera a formação normal da vontade é a coação moral (255º)


• Nestas situações, só ocorre vício da vontade que a liberdade do lesado (coato) não
lhe foi totalmente retirada, quando forem deixadas possibilidades de escolha ou
decisão, embora a submissão à ameaça acabasse por ser a única opção consciente
• Maioria da doutrina diz que mesmo a ameaça de emprego inicial de força física
possa acelerar a consumação da declaração negocial, encerra em si a ideia de
coação moral e não ablativa quando a liberdade da vítima e do lesado é
totalmente excluída e este é utilizado como instrumento

➔ O presente caso é de coação moral; a liberdade de D está limitada mas não totalmente
excluída
➔ Uma vez doada a medalhinha (opção consciente), D poderá requerer judicialmente
que esta lhe seja devolvida, caso estejam preenchidos os requisitos de relevância que
sustentam a verificação plena da coação moral
➔ Para gerar a anulabilidade, a coação tem que revestir as características de coação
essencial (ter condicionante ou causa de emissão da declaração), firme intenção
daquele que coage em extrair a declaração negocial do coato; deve verificar-se a
ilicitude da ameaça e dos meios empregues
➔ 256º CC
➔ D tem 1 ano para cessar a ameaça para arguir a anulabilidade do negócio (287º /1 CC)
➔ Após a declaração judicial de anulabilidade, R deverá entregar a medalha a D, ou, se tal
não for possível, restituir-lhe o valor correspondente (289º/1 CC)

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