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Transtorno de Déficit de

Atenção/Hiperatividade em
mulheres

O TDAH é um transtorno heterogêneo e os sintomas variam entre os indivíduos. Além


dessa variabilidade individual, o curso dos sintomas e os prejuízos do TDAH flutuam ao
longo do tempo. Os sintomas e deficiências do TDAH tendem a piorar sob certas
condições, que incluem maiores desafios de autorregulação, presença de transtornos
psiquiátricos comórbidos e falhas na adaptação entre os indivíduos e o seu ambiente. É
comum ocorrer recorrência do TDAH em pacientes que apresentavam remissão dos
sintomas.1

Na infância, a proporção entre homens e mulheres com TDAH é de 2,4:1 na população


em geral. No entanto, a proporção é muito mais elevada de 4:1 naqueles que
procuram tratamento porque os meninos costumam ser mais sintomáticos do que
as meninas, o que aumenta a probabilidade de receberem diagnóstico. A proporção
entre os gêneros cai para 2:1 em adolescentes e, em adultos, varia de 1,9:1 a 1,2:1 em
dados de registro e 1,1:1 em inquéritos populacionais. Embora na infância haja uma
clara preponderância masculina de TDAH, em amostras de adultos as diferenças
de prevalência entre os sexos são mais modestas ou ausentes.

As taxas de mudança ao longo da vida são atribuídas a vários fatores, como:

✓ reconhecimento mais tardio do TDAH nas mulheres do que nos homens


✓ aumento no número de mulheres que procuram ajuda na idade adulta
✓ menor ênfase na hiperatividade nos diagnósticos de TDAH em adultos, o que se
alinha mais estreitamente com a apresentação de TDAH em mulheres
✓ o encaminhamento dos pais para tratamento na infância é substituído pelo
encaminhamento próprio na idade adulta, e as mulheres têm maior
probabilidade de procurar ajuda profissional para problemas de saúde
mental do que os homens.1

Esta disparidade na prevalência entre meninos e meninas pode resultar de uma


variedade de potenciais fatores:

✓ contribuição de uma maior vulnerabilidade genética


✓ fatores endócrinos
✓ fatores psicossociais
✓ meninos apresentam maior propensão para responder negativamente a certos
fatores de estresse no início da vida

Há um reconhecimento crescente de que as mulheres com TDAH apresentam um


conjunto um modificado de comportamentos, sintomas e comorbidades quando
comparadas aos homens com TDAH; é menos provável que sejam identificadas e
encaminhadas para avaliação e, portanto, é menos provável que as suas necessidades
sejam atendidas. Não se sabe com que frequência um diagnóstico de TDAH é perdido
ou mal diagnosticado em mulheres, mas tornou-se claro que é necessária uma melhor
compreensão do TDAH em meninas e mulheres para proporcionar melhorias no seu
bem-estar a longo prazo e melhores resultados funcionais e clínicos. 2

Problemas externalizantes são mais prevalentes em homens com TDAH, manifestando-


se como taxas mais altas de:

✓ transtorno desafiador de oposição (TDO)


✓ transtorno de conduta (TC)

transtornos caracterizados por comportamento de quebra de regras e brigas na escola.


2

As taxas mais baixas de problemas comportamentais externalizantes nas mulheres


podem contribuir para taxas mais baixas de encaminhamento para avaliação para TDAH.
2
Em comparação com os homens com TDAH, os sintomas e transtornos
internalizantes (por exemplo, problemas emocionais, ansiedade, depressão) são
mais frequentemente relatados nas mulheres. Traços de personalidade borderline
no TDAH tendem a estar presentes em mulheres com sintomas
hiperativos/impulsivos e associados a comportamentos de automutilação. 2

A apresentação menos evidente do TDAH em meninas e mulheres pode mascarar a


condição subjacente devido ao fato de as mulheres não atenderem aos padrões de
comportamentos esperados do TDAH. Em vez disso, as mulheres podem ter maior
probabilidade de receber diagnóstico primário de transtornos internalizantes ou
de personalidade, atrasando o diagnóstico e o tratamento adequado. 2

Alterações do comportamento alimentar tem sido associado ao TDAH em ambos os


sexos. Embora estudos individuais tenham mostrado aumento de transtornos
alimentares em meninas e mulheres com TDAH, uma meta-análise de doze estudos
identificou risco aumentado de todos os transtornos alimentares (bulimia nervosa,
anorexia nervosa e transtorno da compulsão alimentar), entre indivíduos com TDAH, com
risco semelhante para homens e mulheres. A meta-análise também confirmou aumento
da ocorrência de obesidade em crianças e adultos com TDAH, embora sem diferença
entre homens e mulheres. 2

Tanto em crianças como em adultos, o TDAH é comumente acompanhado por labilidade


emocional e problemas de desregulação emocional (irritabilidade, baixa tolerância à
frustração, alterações de humor). Dificuldades desta natureza podem ser mais
comuns ou graves em meninas e mulheres. Os problemas de desregulação emocional
estão associados a uma ampla gama de prejuízos na idade adulta, incluindo problemas
educacionais, ocupacionais, sociais, familiares, criminais, de condução e financeiros. 2

Um estudo islandês sobre o impacto dos sintomas de TDAH em estudantes


universitários, mostrou que:

✓ mau funcionamento social foi responsável por mais insatisfação na vida nos
homens

fraco controlo emocional foi o maior preditor de insatisfação com a vida em
mulheres2

Sintomas de autismo, incluindo deficiências sociais e de comunicação, são comuns tanto


em meninas quanto em meninos com TDAH e, embora se apresentem em uma taxa mais
elevada em meninos, provavelmente influenciados pela maior incidência de TEA em
meninos, juntamente com maiores dificuldades na detecção de TEA em meninas. 2

Crianças com TDAH têm maior probabilidade de sofrer rejeição e impopularidade e têm
menos amizades do que os seus pares e os problemas sociais podem persistir na idade
adulta. A interrupção do relacionamento com pais, irmãos e colegas foi relatada em
mulheres com TDAH.2

Meninas com TDAH podem aplicar uma série de estratégias ineficazes para resolver os
seus problemas de relacionamento com os pares e sofrer mais bullying do que os seus
pares, incluindo vitimização física, social, problemas de relacionamento e cyberbullying.
A vitimização pelos pares tem sido associada à redução da autoestima e autoeficácia e
ao aumento dos sintomas de ansiedade e depressão em jovens com TDAH. Resultados
adversos têm sido associados a dificuldades interpessoais em mulheres com TDAH,
incluindo menor satisfação com relacionamentos românticos e menor autoestima.2

Ao longo da adolescência e da transição para a idade adulta, há um aumento de


comportamentos de risco que podem estar associados a sintomas de hiperatividade e/ou
impulsividade, por exemplo:

✓ jovens com TDAH tornam-se sexualmente ativos mais cedo


✓ têm mais parceiros sexuais
✓ recebem tratamento com mais frequência para infecções sexualmente
transmissíveis
✓ maiores taxas de gravidez na adolescência, precoce ou não planejada
✓ mulheres grávidas com TDAH têm maior probabilidade de fumar até o terceiro
trimestre2
Condução imprudente provavelmente será aumentada proporcionalmente de forma
semelhante nas mulheres e nos homens com TDAH.2

A delinquência e a criminalidade em mulheres com TDAH são mais comuns em


comparação com seus pares sem TDAH, mas são menos graves ou prevalentes do
que relatadas em homens com TDAH.2

Com relação a apresentação clínica do TDAH em meninas e mulheres, na infância, o


comportamento hiperativo é comumente julgado como “menos aceitável socialmente” em
meninas do que em meninos, ou se manifesta de maneiras que não sejam considerados
sinais de TDAH, como:

✓ ser hiper falante


✓ apresentar alta excitação
✓ inquietação
✓ fuga de pensamentos
✓ inquietação interna

reatividade emocional

Os sintomas comuns de desatenção nas mulheres incluem:

✓ esquecimento
✓ baixa excitação
✓ sintomas de internalização
✓ devaneios e desorganização

Enquanto a impulsividade pode se manifestar como:

✓ tendência a interromper os outros


✓ dizer o que vem na mente
✓ agir de acordo com impulsos

mudar repentinamente de direção na vida 3

Nas mulheres, estes sintomas são frequentemente interpretados como sinais de


dificuldades emocionais, problemas disciplinares e dificuldades de aprendizagem
ou atenção, em vez de sintomas de TDAH. 3
Os sintomas de TDAH e as dificuldades relacionadas tendem a se tornar mais evidentes
nas meninas à medida que atingem a puberdade, em contraste com o início dos sintomas
na infância, observados com mais frequência em meninos. Este padrão ocorre pelas
diferenças de gênero na maturação cerebral, influências hormonais e as crescentes
exigências de independência e capacidades de auto estruturação que surgem no início
da adolescência.3

Embora os sintomas estejam presentes na infância, uma proporção significativa de


mulheres com TDAH recebe o diagnóstico na idade adulta. Quando o TDAH permanece
não identificado, também se perdem as perspectivas de compreensão dos
próprios problemas e de acesso a opções de tratamento adequadas. Com o tempo,
a autoestima e a autoimagem tendem a sofrer com repetidas experiências de fracasso,
alienação e inadequação. Isto aumenta o risco de desenvolver transtornos comórbidos,
e as mulheres não diagnosticadas com TDAH até a idade adulta têm maior probabilidade
de apresentar:

✓ sintomas depressivos
✓ ansiedade
✓ distúrbios do sono
✓ distúrbios alimentares
✓ uso de substâncias
✓ baixa autoestima3

Um diagnóstico tardio ou a falha no diagnóstico adequado também estão associados a:

✓ dificuldades em ser consistente como mãe


✓ problemas na gestão do trabalho e da casa
✓ conflitos em casa/escola/trabalho
✓ redução da qualidade de vida

risco aumentado de divórcio e de ser mãe solteira3

Também existe um conflito entre sintomas de TDAH e normas e expectativas esperadas


para o gênero feminino. Muitas meninas com TDAH investem esforços substanciais na
supressão de comportamentos hiperativos, impulsivos, desorganizados, pois correm o
risco de julgamento social devido à violação das normas de comportamento feminino. Na
vida adulta, as mulheres experienciam certos sintomas e aspectos do TDAH como
particularmente desafiadores com conflitos com as normas e expectativas esperadas. 3

A alta distração e as dificuldades em iniciar uma tarefa e voltar a ela após uma
interrupção tornaram-se mais evidentes para algumas mulheres depois que elas tiveram
filhos, por exemplo, demoram muito para se concentrarem em alguma coisa e as
crianças constantemente as afastam do trabalho.3

A dificuldade de gerenciamento do tempo leva a problemas em fazer planos realistas e


gerenciáveis para o dia e em chegar ao trabalho e aos eventos sociais na hora certa, o
que faz com que a mulher se sinta culpada, situação essa que leva ao ao caos e ao
estresse. Intimamente ligada ao gerenciamento do tempo está a procrastinação que está
associada ao insucesso acadêmico e profissional; sentimento de culpa; humor negativo
e estresse crônico. Pode ser difícil planejar e executar tarefas diárias devido a problemas
em obter uma visão geral e saber por onde começar, e pequenas tarefas muitas vezes
se transformam em operações aparentemente complexas e cansativas, que levam a
procrastinação e ao não cumprimento de prazos. 3

As mulheres enfrentam dificuldades motivacionais e tendem a ficar entediadas


facilmente, o simples pensamento sobre tarefas chatas e aparentemente intermináveis
pode resultar em humor negativo. Dificuldades motivacionais, intolerância ao tédio e
tendência a evitar tarefas e resistir as gratificações imediatas são descritas por vários
autores como características comuns do TDAH. As consequências da desatenção e dos
déficits de motivação incluem frequentemente problemas de envolvimento em tarefas
que não são imediatamente gratificantes, padrões de inconsistências no desempenho ao
longo do tempo e insucesso, desempenhos inconsistentes são atribuídos a falhas
pessoais percebidas, levando à auto culpa e à baixa autoestima. 3

Mulheres com TDAH descrevem dificuldades em regular emoções negativas em


particular, bem como um medo geral de perder o controlo, essas dificuldades de
regulação do humor e das emoções são intensificadas em situações de estresse, o que
muitas vezes parece ser influenciado pela distração e desorganização, por exemplo. 3
Sentimentos de imprevisibilidade e falta de controle no dia a dia, pensamento
desorganizado e o medo de quebrar as normas sociais contribuíram para sentimentos
de desempenho insatisfatório e ansiedade social.3

As adolescentes com TDAH têm maior probabilidade de enfrentar dificuldades


sociais, de atenção e organizacionais; ter um autoconceito mais pobre;
experimentar mais sofrimento e prejuízo psicológico; e relatar sentir-se menos no
controle de suas vidas, em comparação com homens com TDAH e mulheres não
diagnosticadas. Consequentemente, eles correm alto risco de vários transtornos
psiquiátricos e psicológicos. Estudos longitudinais mostram que mesmo as meninas
diagnosticadas com TDAH na infância continuam a apresentar taxas mais altas de
sintomatologia psiquiátrica generalizada e comprometimento funcional. 3

O TDAH não é o único transtorno em que as mulheres são subdiagnosticadas.


Pesquisas sobre transtorno do espectro do autismo (TEA) descobriram que as mulheres
geralmente não são diagnosticadas ou são mal diagnosticadas. Este diagnóstico
impreciso pode ser devido ao desenvolvimento de critérios diagnósticos principalmente
na apresentação comportamental do homem. O gênero impacta nos processos de
diagnóstico tanto em contextos de saúde mental como física. Receber um diagnóstico
pode ser uma parte central da identidade de um indivíduo, pois atribuir significado
ao diagnóstico pode afetar a esperança e a autoestima, ao passo que receber um
diagnóstico fornece ao indivíduo um modelo para se comparar e pode ajudá-lo a
formar sua identidade. O diagnóstico pode ajudar um indivíduo a entender seu passado
e aliviar a incerteza. 4

Pesquisadores analisaram as diferenças de gênero nos sintomas de TDAH, no


funcionamento psicológico, nos sintomas físicos e na resposta ao tratamento e
descobriram que as mulheres foram classificadas como mais prejudicadas em todas as
medidas dos sintomas de TDAH. Descobriu-se também que as mulheres obtiveram
pontuações mais altas nas escalas de ansiedade e depressão, bem como
experimentaram maior desregulação emocional em comparação aos homens. 4

Mulheres com TDAH também correm maior risco de se envolver em comportamentos


sexuais de risco, gravidez não planejada e são mais propensas a serem coagidas a fazer
sexo do que mulheres sem TDAH. O estigma social em torno do comportamento sexual
de risco, especialmente para as mulheres, pode aumentar os problemas sociais e limitar
as oportunidades profissionais. A baixa autoestima é comum entre mulheres com TDAH
e, em combinação com o estigma social e comportamentos sexuais de risco, pode deixar
as mulheres com TDAH mais vulneráveis ao assédio sexual, exploração e a
relacionamentos abusivos ou inadequados. 4

Além disso, as expectativas sociais e culturais atribuem muitas vezes a maior parte
dos deveres domésticos e parentais as mulheres e as exigências impostas pela
maternidade diferem muitas vezes das exigências impostas aos pais. O aumento
das expectativas colocadas nas mulheres e mães pode resultar em maiores
prejuízos e ansiedade em mulheres com TDAH. A baixa autoestima em combinação
com essas demandas pode resultar em crenças disfuncionais, como percepção de
fracasso, culpa e sentimentos de inadequação. 4

O TDAH é reconhecido como tendo um forte componente genético e as mães com TDAH
podem adicionalmente se envolver em comportamentos de risco à saúde que agravam
o risco para seus filhos, incluindo baixa adesão aos cuidados pré-natais e uso de
substâncias durante a gravidez, o que pode levar à prematuridade e outras complicações
no parto, como bem como dificuldades parentais subsequentes. Deixar o TDAH sem
ser detectado em meninas e mulheres tem, portanto, consequências
desagradáveis, não apenas para a própria mulher, mas também para a próxima
geração de crianças em risco de TDAH. 5

Referências Bibliográficas

1. Faraone, S.V., Bellgrove, M.A., Brikell, I. et al. Attention-deficit/hyperactivity


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2. Young S, Adamo N, Ásgeirsdóttir BB, et al. Females with ADHD: An expert


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3. Holthe, M. E. G., & Langvik, E. (2017). The Strives, Struggles, and Successes of
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5. Chronis-Tuscano A. ADHD in girls and women: a call to action - reflections on


Hinshaw et al. (2021). J Child Psychol Psychiatry. 2022;63(4):497-499.

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