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Diagnóstico do TDAH em

adultos: por que é tão difícil?


O TDAH não é um transtorno que abala apenas a infância e algumas
pessoas só descobrem o problema depois de adultos. Entenda!
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O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um transtorno comumente

associado à infância, pois é nesta idade que ocorre a grande maioria dos diagnósticos. No

entanto, trata-se de um transtorno neurológico crônico que não vai embora à medida em

que a pessoa envelhece, embora seja possível, com um tratamento adequado, minimizar

os efeitos na vida adulta.

Neste artigo, iremos explorar os motivos pelos quais o diagnóstico de TDAH pode ser tão

difícil na idade adulta, bem como o porquê este transtorno é tão diagnosticado na infância

(e, possivelmente, de forma errônea).

Por que as pessoas diagnosticadas com


TDAH são principalmente crianças?
Em geral, os primeiros sinais do TDAH são notados na escola, quando a criança tem

dificuldade para se concentrar, conversa muito com os colegas, não consegue ficar

sentada na carteira por muito tempo e precisa se levantar com frequência.

A criança com TDAH na escola frequentemente é aquela criança “bagunceira”, que não

importa quantas vezes os professores conversem e peçam colaboração, são

simplesmente incapazes de se adaptar ao modelo de sala de aula no qual é preciso ficar

sentado na carteira durante horas a fio.

Toda criança “bagunceira” tem TDAH?


Não necessariamente. Embora exista este estereótipo, nem toda criança mais ativa tem

TDAH. Neste sentido, é possível pensar que muitas crianças são desnecessariamente

diagnosticadas como crianças com déficit de atenção quando, na realidade, são apenas

crianças mais extrovertidas e energéticas que as outras.

Como este tipo de personalidade não se adapta muito bem às salas de aula, um corpo

docente desinformado pode confundir com TDAH e encaminhar a criança para uma

avaliação psiquiátrica.
Vale lembrar que, se tratando de uma criança, muitas vezes a palavra dos adultos tem

mais valor, e ao relatar os comportamentos que se assemelham ao comportamento de

uma criança com TDAH, é possível que muitas crianças sejam erroneamente

diagnosticadas.

Em geral, para diagnosticar o transtorno, é necessário uma bateria de testes para avaliar

as funções cognitivas, tanto em crianças como em adultos. Contudo, sabemos que não

vivemos em um mundo ideal no qual se seguem os protocolos de maneira correta, e

existem sim médicos que dão o diagnóstico sem ter o amparo dos testes.

Desta forma, acabamos tendo uma “epidemia” de crianças com TDAH que, ao crescerem,

deixam de apresentar estes comportamentos e de repente se tornam adultos

perfeitamente funcionais, contribuindo para o mito de que o TDAH adulto não é uma

realidade.

Toda criança que tem TDAH é “bagunceira”?


Também não. Embora o nome do transtorno seja transtorno de déficit de atenção e

hiperatividade, nem sempre este último está presente.

Nestes casos, trata-se de uma criança que não exibe tantos comportamentos hiperativos,

como a impulsividade e a necessidade de levantar com frequência da carteira, e desta

forma a única indicação que ela pode ter algum problema é o seu desempenho escolar.

Contudo, nem toda criança com TDAH tem um desempenho escolar ruim. Existem

crianças que, mesmo tendo dificuldade em prestar atenção na aula, conseguem aprender

o conteúdo por outros meios — seja fazendo o dever de casa, lendo sobre o assunto em

outros momentos, ou até mesmo pedindo ajuda para os colegas e os pais —, e assim ela

consegue manter um desempenho escolar satisfatório.

Essa criança, apesar de sofrer com o problema, pode acabar passando seus anos de

infância sem um diagnóstico, sendo frequentemente chamada de “lerda” ou “distraída”,


mas sem apresentar comportamentos problemáticos o suficiente para que alguém

desconfie de que ela pode estar sofrendo com um transtorno neurológico.

Como é o TDAH no adulto?


Um adulto que foi diagnosticado durante a infância teve a oportunidade de realizar

tratamentos que ajudassem a desenvolver técnicas de manejo dos sintomas. Por isso, em

adultos tratados, o transtorno pode até mesmo parecer invisível. No entanto, este adulto

ainda lida com uma série de sintomas e limitações que são impostas pelo TDAH.

Já em adultos que não foram diagnosticados e tratados durante a infância, o

transtorno também pode parecer invisível. Isso porque, à medida em que essa pessoa

foi amadurecendo, passou a desenvolver uma série de comportamentos para compensar

as limitações impostas pelo transtorno — comportamentos que podem ou não ser

saudáveis.

Sintomas como dificuldade de concentração, distraibilidade, dificuldade em manter a

organização, má gestão de tempo e até mesmo sensibilidade emocional se fazem

presentes diariamente no dia-a-dia destes adultos, causando diversos prejuízos em suas

atividades e até mesmo relações interpessoais.

Alguns sintomas para ficar atento em adultos que podem indiciar um TDAH não

diagnosticado na infância são:

 Desatenção;
o Falta de atenção aos detalhes;

o Dificuldade para começar ou concluir tarefas;

o Dificuldade para estabelecer prioridades;

o Dificuldade em se concentrar ou regular a atenção;

o Esquecimento;

o Má gestão de tempo;

o Desorganização;
o Dificuldade para realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo

(multitasking);
o Dificuldade para fazer planos;

 Impulsividade;
o Inquietação;

o Interromper os outros com frequência;

o Falar de forma excessiva;

 Desregulação emocional;

 Baixa tolerância à frustração.


Por que o adulto com TDAH não é
diagnosticado com frequência?
Existem vários motivos. Dentre eles estão:

 dificuldade em reconhecer o problema;

 acreditar que o problema é uma falha na personalidade;


 levar apenas queixas emocionais ao psiquiatra;

 sintomas que se sobrepõem.

Dificuldade em reconhecer o problema


Uma das maiores dificuldades causadas pelo TDAH é na função executiva, uma função

cognitiva que permite que nós percebamos e monitoremos nossas ações e necessidades.

Uma pessoa com TDAH frequentemente tem dificuldade em perceber as coisas. Não se

trata apenas de não perceber um corte de cabelo novo no parceiro, mas até coisas mais

graves como a própria fome ou sede. Dependendo do caso, a pessoa pode passar horas

com o estômago roncando sem perceber que está com fome.

Não sendo capaz de perceber até coisas simples como necessidades fisiológicas,

dificilmente essa pessoa conseguirá perceber que não consegue fazer as coisas de forma

adequada em sua vida.

Ao se deparar com consequências negativas, pode não conseguir traçar a relação de

causa e efeito entre o que fez ou deixou de fazer e essa consequência que está recebendo

no momento.

Essa pessoa muito provavelmente só irá procurar ajuda especializada por indicação de

outras pessoas, ou quando sua vida estiver tão prejudicada que acaba por desenvolver

problemas emocionais.

Acreditar que o problema é uma falha na


personalidade
Frequentemente, o adulto com TDAH é visto como “avoado”, “indisciplinado” e até mesmo

“preguiçoso”. Os amigos, familiares e empregadores todos sustentam essa narrativa, e a

própria pessoa acaba pegando estes adjetivos para si.


Ela realmente acredita que o problema dela é que ela é todos esses adjetivos pejorativos.

Ela não consegue compreender que se trata de um problema neurológico que pode ser

tratado e que é possível ter uma vida de qualidade mesmo com as limitações impostas

pelo TDAH.

Desta forma, frequentemente adultos com TDAH só procuram ajuda em saúde mental

quando o mundo ao seu redor está “caindo aos pedaços”. Quando já não consegue

manter um emprego, percebe que não consegue dar conta nem mesmo das coisas que

deseja fazer para si mesmo, tem grandes prejuízos nos relacionamentos etc.

Levar apenas queixas emocionais ao psiquiatra


Um TDAH adulto não tratado está frequentemente relacionado ao desenvolvimento de um

episódio depressivo, no qual a pessoa sente que não tem controle algum sobre sua própria

vida, tem uma autoestima rebaixada, sente-se desanimada e incapaz. Nestes casos,

frequentemente a pessoa leva ao psiquiatra uma queixa muito parecida com a trazida por

pacientes em episódios depressivos.

Assim, é frequente que o primeiro diagnóstico desta pessoa seja de um episódio

depressivo, e não de um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. A pessoa inicia

o tratamento para depressão e, embora seu humor possa melhorar, ela continua lidando

com os mesmos problemas: distraibilidade, incapacidade de iniciar ou concluir tarefas,

dificuldade em criar uma rotina disciplinada, entre outras.

Não é raro que as pessoas desistam do tratamento aí: por terem uma melhora apenas no

humor e não no problema raiz, podem acabar achando que o tratamento é ineficaz de

resolvem abandoná-lo. No entanto, um acompanhamento bem feito pode ajudar o paciente

a perceber que, talvez, exista algo a mais além do humor.

Isso quer dizer que, ao continuar indo no psiquiatra e psicólogo para dar continuidade ao

tratamento, os profissionais da saúde vão tentar compreender porque, mesmo com o

tratamento, ainda há uma série de problemas que não foram solucionados.


À medida em que a investigação avança, o psiquiatra pode perguntar sobre a rotina, sobre

sintomas de distraibilidade e impulsividade, que podem indicar um possível déficit de

atenção e hiperatividade. Neste momento, pode ser requisitada a realização de testes para

avaliação das funções cognitivas, a fim de conferir se realmente há algum problema com a

atenção ou não.

Sintomas que se sobrepõem


Como explicado anteriormente, muitas vezes a pessoa chega no psiquiatra com queixas

mais emocionais do que queixas relacionadas aos sintomas do TDAH. Contudo, além

disso, ainda há uma série de sobreposições entre os sintomas de diversos transtornos

mentais.

A função executiva, que é o principal fator prejudicado pelo TDAH, também é prejudicada

em outros transtornos, como o transtorno bipolar, transtorno de espectro autista, transtorno

depressivo, entre outros.

Algumas características de um transtorno podem ser confundidas com características de

outros, como é o caso do hiperfoco no TDAH e da mania no transtorno bipolar.

Em hiperfoco, a pessoa com TDAH consegue realmente focar em uma atividade ou

assunto específico. Inicia projetos relacionados àquele assunto, tem uma alta

produtividade que normalmente não tem, entre outros.

Isso pode ser confundido com um episódio maníaco, que é caracterizado por uma

elevação do humor, maior disponibilidade e energia para fazer as coisas, maior

produtividade etc.

A diferença é que, no hiperfoco, tudo isso está ligado a um assunto ou atividade

específica, enquanto na mania isso se manifesta de uma forma mais generalizada por um

determinado período de tempo.


Além disso, é possível que uma pessoa tenha tanto TDAH quanto transtorno bipolar

simultaneamente, e o diagnóstico de um pode acabar negligenciando o outro.

Portanto, a diferenciação entre estes transtornos que se sobrepõem pode não ser muito

fácil de primeira, e podem ser necessárias algumas sessões até que se possa chegar ao

diagnóstico mais adequado.


Exemplos de como o TDAH pode afetar a
vida adulta
O TDAH pode ter vários desdobramentos na vida adulta. Os sintomas como dificuldade de

se concentrar, dificuldade em persistir em tarefas e má gestão de tempo podem trazer

inúmeros prejuízos para uma pessoa. Aqui vão alguns exemplos:

Tarefas domésticas
A pessoa que sofre de déficit de atenção e hiperatividade pode ter dificuldade em realizar

as tarefas domésticas por vários motivos.

As tarefas domésticas são frequentemente cheias de etapas que podem facilmente ser

esquecidas por pessoas com TDAH, ou a pessoa pode ter dificuldade em iniciar essas

tarefas, ou até mesmo dificuldade em perceber quais tarefas precisam ser feitas!

Frequentemente, uma pessoa com TDAH inicia uma tarefa doméstica, se distrai, larga pela

metade e acaba não voltando para a tarefa mesmo depois de horas ou até mesmo dias.

Um exemplo bom é lavar as roupas em máquina de lavar: após colocar a roupa na


máquina, é preciso esperar um tempo para que ocorra todo o processo de lavagem para

poder tirá-la e pendurá-la, certo? Se já é comum para pessoas sem TDAH esquecerem a

roupa na máquina por horas depois de colocar a roupa para bater, para a pessoa com

TDAH isso é mais fácil ainda. Para conseguir lavar e estender as roupas no mesmo dia,

muitas pessoas com TDAH desenvolvem estratégias para lembrá-las.

Uma estratégia frequentemente usada por praticamente todo mundo é anotar o que tem

que ser feito, mas para uma pessoa com TDAH nem sempre esta estratégia funciona. Isso

porque ela pode pegar o papel e a caneta na mão e instantaneamente esquecer o que ia

anotar, ou ao conseguir anotar, esquecer de checar a lista várias vezes ao dia para ver se

está conseguindo fazer as coisas, ou até mesmo esquecer de marcar as tarefas

finalizadas como completas, etc.


Resumindo, para uma pessoa com TDAH, as tarefas domésticas podem se tornar um

“barulho de fundo” frequentemente esquecido enquanto a pessoa está hiperfocada em

outra coisa, e estas tarefas podem acabar sendo negligenciadas ao longo do tempo.

Relações interpessoais
Existem várias maneiras que o TDAH pode atrapalhar nas relações interpessoais. A

primeira e que ocorre com bastante frequência com qualquer pessoa é o esquecimento de

compromissos e datas importantes. Na pessoa com TDAH, esse esquecimento parece

mais uma regra do que uma exceção.

Além disso, a hiperatividade pode dar a impressão de que a pessoa não está ouvindo a

outra falar, a distrabilidade pode fazer o locutor se sentir falando com as paredes, e

frequentemente a pessoa com TDAH realmente precisa que os outros repitam o que

falaram pois não conseguiu prestar atenção. Ao longo do tempo, isso pode levar a

sentimentos negativos dentro da relação.

Outra coisa comum em pessoas com TDAH é a uma sensibilidade emocional que pode

levar a diversos desentendimentos nas relações interpessoais.

Vida acadêmica ou profissional


Em função de sintomas como má gestão de tempo, desorganização, tendência à

procrastinação, esquecimentos e dificuldade com detalhes, levar uma vida acadêmica ou

carreira satisfatória pode ser um desafio para pessoas com TDAH.

Mesmo aqueles que não apresentaram dificuldades escolares na infância podem

apresentar dificuldades acadêmicas na idade adulta, tendo dificuldade em cumprir prazos,

fazer trabalhos, entre outros.

Da mesma forma, a vida profissional pode ser afetada. Mesmo com um emprego em que

haja prazos flexíveis, a desatenção aos detalhes pode levar a pessoa com TDAH a
entregar resultados não muito satisfatórios, o que pode prejudicar sua carreira como um

todo.

É mais difícil para pessoas com TDAH conseguir um emprego e, quando conseguem,

também é mais difícil conseguir mantê-lo, quando comparado a pessoas sem déficit de

atenção.

Outros impactos na vida adulta


Embora o exemplos acima sejam bem comuns, nem sempre eles estão presentes na vida

de uma pessoa com TDAH — especialmente se ela aprendeu técnicas para compensar

suas limitações —, e também há outros possíveis impactos que podem ocorrer. Dentre

eles:

 Maior tendência a sofrer acidentes por conta da distraibilidade e falta de atenção

aos detalhes;

 Abuso de substâncias, tanto lícitas quanto ilícitas, é frequente em pessoas com

TDAH;

 Presença de comorbidades como transtornos ansiosos, episódios depressivos e

transtorno de abuso de substância.

O transtorno de déficit de atenção pode ser difícil de diagnosticar tanto em crianças quanto

em adultos, sendo necessária muita cautela. O médico responsável deve seguir protocolos

e, se possível, encaminhar o paciente para uma avaliação psicológica a fim de avaliar suas

funções cognitivas e checar se elas condizem com um déficit de atenção e hiperatividade

ou não.

Se você é um adulto que frequentemente se frustra por esquecer as coisas, ter

dificuldades com prazos, sente que é mais difícil para fazer dar conta de tudo que as

outras pessoas geralmente dão conta, não hesite em procurar um profissional da saúde

mental!

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