O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é identificado pelo Manual
Diagnóstico e estatístico dos Transtornos Mentais (DSM 5) como um distúrbio do neurodesenvolvimento, definido por sintomas de desatenção, desorganização ou hiperatividade e impulsividade. Os transtornos do neurodesenvolvimento são um conjunto de condições que levam a déficits no desenvolvimento e começam a se manifestar em crianças com idade pré-escolar, causando dificuldades no desempenho social, pessoal, acadêmico e profissional. SE LIGA! O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é uma condição psiquiátrica que se inicia na idade pré-escolar e é caracterizada por sintomas de desatenção ou hiperatividade e impulsividade. No TDAH, a desatenção e desorganização estão relacionados com a dificuldade de permanecer em uma tarefa, perder objetos e não perceber um chamado em nível incoerente à idade. Já a hiperatividade e impulsividade envolvem inquietação, interferência nas atividades de outras pessoas, incapacidade de aguardar sua vez ou de permanecer sentado, também de forma inadequada ao nível de desenvolvimento. Sabe-se que o TDAH é uma das condições mais estudadas em crianças com idade escolar atualmente e calcula-se que este transtorno é um dos principais motivos de encaminhamento de pacientes nesta faixa etária para o serviço de saúde, porém os dados epidemiológicos sofrem grandes variações de um local para o outro. Diversos países realizam estudos de epidemiológicos de TDAH e encontram resultados diferentes. A localização geográfica tem pouca influência nesses dados e essas divergências obtidas nas taxas de prevalência são consequência da diferença de metodologia entre os estudos, como idade, fonte de informação, critérios diagnósticos e forma de aplicação. Estudos que utilizam de forma fidedigna os critérios do DSM encontram uma taxa de prevalência em torno de 3% a 6% em crianças em idade escolar, sendo mais prevalente em meninos. A prevalência mundial é de 5,3% em crianças e adolescentes menores de 18 anos. Estima-se que metade desses pacientes permaneçam sintomáticos na idade adulta. A diferença entre os gêneros varia de 2:1 em estudos populacionais e chega até 9:1 em estudos clínicos. Dentre os subtipos, o predominantemente hiperativo/impulsivo atinge entre 2 a 9 vezes mais os meninos, e o tipo predominantemente desatento atinge ambos os sexos com frequência similar. A diferença de prevalência entre os sexos possivelmente ocorre, pois, meninas apresentam mais o subtipo predominantemente desatento que exibe menos transtornos de conduta como comorbidade e causa menos desconforto social para a escola e para a família e, por isso, são menos encaminhadas ao serviço de saúde. Faltam estudos que possibilitem uma avaliação clara da diferença de prevalência dentre os níveis sociais e as etnias. FISIOPATOLOGIA A etiologia precisa do TDAH ainda permanece desconhecida, porém sabe-se que existe uma influência genética e ambiental para seu desenvolvimento. O TDAH apresenta uma grande heterogeneidade clínica e, por isso, acredita-se que tenha também uma heterogeneidade etiológica. Semelhantemente a outros transtornos psiquiátricos, vários genes de pequeno efeito podem levar a uma suscetibilidade genética. Assim, acredita-se que o desenvolvimento do TDAH surja a partir da interação de genes suscetíveis entre si e com o ambiente. A contribuição genética do TDAH é bastante estudada. Diversos estudos de famílias indicam que há uma recorrência familiar em parentes biológicos de primeiro grau considerável no transtorno. Pais de crianças com diagnóstico de TDAH são cerca de 2 a 8 vezes mais afetados que a população geral. Estudos com filhos adotados mostram que a prevalência em pais biológicos é 3 vezes maior que em pais adotivos. Apesar de ainda não haver estudo que indique algum gene que seja suficiente para o desenvolvimento da doença, algumas pesquisas sugerem que genes codificadores dos componentes do sistema dopaminérgico, serotoninérgico e noradrenérgico estão envolvidos na sua fisiopatologia. Polimorfismos no gene transportador de dopamina (DAT1), no gene do receptor D4 de dopamina (DRD4) e no gene do receptor 2A de serotonina (HTR2A) podem estar associados as manifestações clínicas do TDAH, mas não são fatores causais necessários. A maturação e mielinização do encéfalo ocorre de maneira póstero-anterior, assim, seguindo a cronologia de desenvolvimento neurológico é considerado fisiológico algum nível de hiperatividade isolada em crianças sem acometimento até cerca de 4 anos de idade, pois a região pré-frontal (responsável pelo controle motor) só finaliza seu processo de mielinização nesse período. Estudos mais recentes sugerem que crianças com TDAH apresentam atividade reduzida, menor volume e uma lentificação na maturação do córtex pré-frontal, que entre outras coisas, está relacionado à capacidade de atenção e controle de impulsos. A menor disponibilidade de receptores D2 e D3 de dopamina está associada a sintomas de desatenção, enquanto que a hiperatividade está mais ligada ao bloqueio de receptores α2 de serotonina. Com relação aos fatores ambientais, questões psicossociais que modifiquem o funcionamento adaptativo da criança, como presença de doença mental nos pais e história de abuso infantil, podem participar do surgimento e manutenção do transtorno. Complicações da gestação também parecem aumentar o risco de desenvolvimento do TDAH, como eclampsia, estresse fetal e hemorragia pré-parto. Pacientes com muito baixo peso ao nascer tem risco amentado de 2 a 3 vezes de desenvolver o transtorno do que a população geral. A exposição intrauterina ao álcool ou tabaco também aumentam o risco. SAIBA MAIS! O córtex pré-frontal é responsável pelas funções executivas do indivíduo, que abrangem: o ajuste preparatório, que escolhe do comportamento mais adequado para cada situação social; a memória operacional, que mantem temporariamente ativa as informações necessárias para conclusão de uma atividade.; e o controle inibitório de impulsos interferências. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O diagnóstico do TDAH é clínico, realizado através de critérios operacionais de sistemas classificatórios, como o DSM. Os critérios utilizados pelo DSM abrangem uma avaliação da intensidade, frequência, contexto e duração dos sintomas. Os sintomas envolvem a desatenção e a hiperatividade/impulsividade. A desatenção é percebida pela distração durante as atividades, mudança constante de atividades, frequentes mudanças de assunto durante uma conversa e aversão a realização de atividades mais complexas que necessitam de organização. Já a hiperatividade e impulsividade são manifestadas dificuldade de ficar sentado, movimentação excessiva, agir sem pensar nas consequências e dificuldade em esperar sua vez. Para realizar o diagnóstico de desatenção pelo DSM 5, o paciente precisa preencher pelo menos 6 dos critérios listados abaixo (6 para crianças, 5 para adultos): 1. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades; 2. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; 3. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente; 4. Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho; 5. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades; 6. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado; 7. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades; 8. Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos; 9. Com frequência é esquecido em relação a atividades cotidianas. Para diagnóstico de hiperatividade e impulsividade pelo DSM 5, o paciente precisa preencher pelo menos 6 dos critérios listados abaixo (5 para adultos): 1. Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira. 2. Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado; 3. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado; 4. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades e lazer calmamente; 5. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado”; 6. Frequentemente fala demais; 7. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída; 8. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez; 9. Frequentemente interrompe ou se intromete;
Para fechar o diagnóstico, os sintomas precisam ser constantes e persistentes por um
período mínimo de 6 meses e terem um grau incoerente com a idade e o nível de desenvolvimento da criança. Devem ter surgido antes dos 12 anos de idade e influenciarem negativamente a funcionalidade das atividades sociais, diminuindo a qualidade das tarefas exercidas, estando presente em pelo menos 2 ambientes (como casa, escola, com amigos). Os sintomas não são mais bem explicados por outro transtorno mental como esquizofrenia ou outro transtorno psicótico, transtorno de ansiedade, transtorno do humor, transtorno da personalidade, intoxicação ou abstinência de substância. Por ser um transtorno dinâmico e possivelmente transitório, com possibilidade de melhora clínica conforme o desenvolvimento e a maturação neurológica, o paciente deve ser reavaliado e o diagnóstico precisar ser revisado a cada 6 meses. Na idade pré-escolar, a principal manifestação é a hiperatividade. Muitas vezes, os sintomas começam a ser percebidos pelos pais quando a criança começa a andar, porém nessa idade é muito difícil diferenciar o comportamento normal do patológico devido a maturação do encéfalo só se completar aos 4 anos de idade. Por isso, o TDAH é mais diagnosticado durante o ensino fundamental, principalmente quando o paciente apresenta desatenção, por ela ficar mais perceptível e prejudicial no ambiente escolar. Durante a adolescência, o transtorno tende a melhorar e ficar mais estável, com sintomas de hiperatividade motora menos perceptíveis. Porém, a desatenção, a impulsividade, a sensação de inquietude e os problemas de planejamento de tarefas tendem a continuar e permanecer durante a vida adulta. Apesar da presença de sintomas de desatenção, o paciente com TDAH costuma apresentar o hiperfoco que é a capacidade de se manter concentrado em uma única tarefa por várias horas. Normalmente a criança tem hiperfoco de forma inconsciente em atividades que considera prazerosa. Os sintomas podem variar de acordo com o ambiente que a criança está e com o contexto a que está sendo submetido. Os sintomas podem ficar menos perceptíveis se o paciente está sob supervisão de um adulto, está inserido em um contexto social novo, está recebendo estímulos externos, está envolvido em atividades de seu interesse ou está recebendo recompensas constantes por seguir determinado comportamento. O TDAH não é considerado um transtorno de aprendizagem, mas seus sintomas podem gerar uma dificuldade de aprendizagem, resultando em um pior rendimento escolar e sucesso acadêmico e profissional reduzido. Procuram mais serviços de emergência por lesões acidentais, como fraturas e tendem a se envolver mais em violações e acidentes de trânsito. Crianças com o diagnóstico tem risco maior do que a população geral de evoluir com transtorno de conduta na adolescência e transtorno de personalidade antissocial na vida adulta. Uma das principais comorbidades das crianças com TDAH é o transtorno opositor desafiante (TOD), podendo estar presente em até metade dos pacientes com TDAH com subtipo combinado. CLASSIFICAÇÃO O TDAH é classificado em 3 subtipos: apresentação predominantemente desatenta, apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva e apresentação combinada. O paciente é classificado em predominantemente hiperativo/impulsivo quando somente os critérios de hiperatividade/impulsividade são preenchidos, sem preencher os 6 critérios de desatenção. É considerado predominantemente desatento quando somente os critérios de desatenção são preenchidos, sem preencher os 6 critérios de hiperatividade/impulsividade. Por fim, é classificado como subtipo combinado quando preenche critérios para desatenção e hiperatividade/impulsividade. Também pode ser classificado conforme a gravidade em leve, moderado e grave. É considerado leve se o paciente apresentar poucos ou nenhum sintoma além dos necessários para o diagnóstico e tenha apenas pequenos prejuízos no âmbito social ou acadêmico/profissional. É classificado como grave se tiver muitos sintomas além dos necessários para o diagnóstico ou apresenta sintomas graves ou que resulte em grande prejuízo nas relações sociais ou na função acadêmica ou profissional. É considerado moderado quando os sintomas não se encaixam nem em leve nem em grave. EXAMES COMPLEMENTARES O diagnóstico do TDAH é eminentemente clínico e não exige exames laboratoriais ou de imagem. Não existe nenhum marcador biológico para diagnóstico de TDAH. Exames de eletroencefalograma mostram que crianças com TDAH apresentam um aumento de ondas lentas, e ressonância magnética do crânio apresenta volume encefálico total menor que crianças sem o transtorno. Porém, esses exames não são indicados para a prática clínica, ficando limitado ao uso em pesquisas. Exames de acuidade visual e auditiva, entretanto, são importantes para identificar se o déficit de atenção é proveniente de alteração nessas funções sensoriais ou se podem estar relacionadas ao TDAH. Além disso, caso o paciente apresente características que indiquem uma possível síndrome do X frágil, é necessário descartar essa hipótese antes de concluir que é TDAH. TRATAMENTO O tratamento do TDAH é multiprofissional e engloba intervenções psicossociais e farmacológicas para atingir um bom resultado. Com relação as intervenções psicossociais, o pediatra deve orientar os pais sobre intervenções comportamentais que podem ajudar a manejar os sintomas da criança, como, fornece um ambiente sem estímulos visuais e silencioso para estudar, além de conhecer técnicas de reforço positivo, que podem favorecer o comportamento adaptativo social. Deve-se indicar tratamento psicológico, sendo que a modalidade mais estudada e com maior evidência científica de benefício para esses quadros é cognitivo-comportamental. A terapia medicamentosa para o TDAH é amplamente difundida através de medicamentos estimulantes, sendo essa classe a primeira escolha para o tratamento. O metilfenidato é um dos medicamentos dessa classe, que age inibindo a recaptação da dopamina e pode ser administrado na dose inicial de 10 mg/Kg a cada 4 horas. Existem formulações de liberação lenta que permitem uma única dose diária. Outra medicação estimulante é a lisdexanfetamina que também inibe a recaptação da dopamina e pode ser administrada na dose inicial de 30mg uma vez ao dia. Por serem medicações estimulantes, só estão indicados para crianças maiores de 6 anos. Como medicações estimulantes podem apresentar efeitos colaterais como mudanças de humor, ansiedade, dificuldade para adormecer, diminuição do apetite, cefaleia e com uso prolongado pode causar desaceleração do crescimento o uso de medicação não estimulante pode ser melhor indicada. Assim, a atomoxetina, um fármaco não estimulante que inibe seletivamente a noradrenalina e está liberada para uso em maiores de 6 anos pode ser prescrita, em dose de 0,3 mg/Kg, uma vez ao dia.