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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 2ª Turma Cível

Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0005473-94.2016.8.07.0014


APELANTE(S) VILANIR GOMES DE JESUS
APELADO(S) OCT VEICULOS LTDA
Relator Desembargador HUMBERTO ULHÔA

Acórdão Nº 1260830

EMENTA

DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. VÍCIO


REDIBITÓRIO. VÍCIO OCULTO PREEXISTENTE À VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL.
SENTENÇA REFORMADA.

1. Caracterizado o vício no produto que lhe diminua o valor, aplica-se o art. 18 do CDC.

2. As revendedoras de carros usados têm o dever de verificar os veículos que negocia antes de
repassá-los a novos consumidores, de modo que possam assegurar que se trata de produto de boa
qualidade. Não pode o revendedor repassar os veículos que já sofreram colisões como se jamais
tivessem sido objeto de qualquer avaria. Quem adquire veículo usado naturalmente não espera que o
veículo esteja tão conservado quanto um novo, mas tampouco opta por adquirir bens de baixa
qualidade ou qualidade duvidosa. Assim, se o vendedor não advertir o consumidor acerca dos possíveis
defeitos pretéritos do produto viola o dever de lealdade e boa-fé inerentes às relações de consumo.

3. No presente caso, conclui-se que a autora adquiriu produto eivado de vício que resultou na
diminuição de seu valor de mercado. Assim, considerando que a autora optou pela rescisão contratual,
a compra e venda deve ser desfeita, com retorno das partes ao “ status quo ante”, com a restituição dos
valores pagos e a consequente devolução do bem à concessionária.

4. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, HUMBERTO ULHÔA - Relator, SANDRA REVES - 1º Vogal e CESAR
LOYOLA - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador JOAO EGMONT, em proferir a
seguinte decisão: CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME., de acordo com a ata do
julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 01 de Julho de 2020

Desembargador HUMBERTO ULHÔA


Relator

RELATÓRIO

Adoto o relatório constante na r. sentença (ID16157231), in verbis:

“Trata-se de ação de conhecimento proposta por VILANIR GOMES DE JESUS em face de OCT
VEICULOS LTDA, partes qualificadas nos autos.

Em suma, afirma a parte autora que, em 21/07/2016, adquiriu da requerida o veículo Chevrolet
Prisma 1.4, ano 2014, Placa PAZ 5965, Cor Prata, Chassi n. 9BGKS69LOEG367332. Relata que não
foi entregue a chave reserva. Sustenta que, no dia 05/09/2016, o veículo apresentou diversos defeitos,
tendo sido necessário o conserto. Afirma ter contatado a requerida para ressarcimento dos valores
pagos, sem êxito.

Alega ter realizado vistoria técnica no veículo, tendo sido constatadas diversas colisões.

Pleiteia a condenação da ré a ressarcir os valores gastos com conserto do veículo e vistoria deste, no
montante de R$ 1.424,00, e em caso de entendimento diverso, a rescisão do contrato e a devolução dos
valores pagos. Requer ainda compensação por danos morais no valor de R$ 15.000,00, bem como a
concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Juntou documentos.

Decisão ID n. 31993520 determinou a correção do valor da causa.

Manifestação do autor ID n. 31993523.

Decisão ID n. 31993526 deferiu o pedido de justiça gratuita.

Citada (ID n. 31993527), a ré apresentou contestação ID n. 31993528. Impugna a concessão da


gratuidade de justiça, e sustenta decadência. No mérito, alega: a) o veículo adquirido contava com
mais de 02 anos de uso; b) a vistoria deveria ser realizada no momento da aquisição; c) os serviços
executados não correspondem defeitos; d) não há indício de colisão. Requer a improcedência do pleito
autoral.

Réplica ID n. 31993544.

Em fase de especificação de provas, ambas as partes pugnaram pela produção de prova pericial (ID n.
31993556 e 31993558).
Decisão saneadora ID n. 31993562 rejeitou a preliminar e prejudicial suscitadas pela ré, e deferiu a
produção de prova pericial.

Manifestação da ré ID n. 36364869 requerendo a desistência da prova pericial, o que foi deferido (ID
n. 39806844).

Os autos foram conclusos para sentença.”

Acrescento que o MM. Juiz da 1ª Vara Cível do Guará julgou improcedentes os pedidos contidos na
inicial, bem como condenou a autora nas custas e honorários advocatícios.

Não resignada, a autora interpôs recurso de apelação.

Em suas razões, requer o provimento da apelação para reformar a r. sentença e julgar procedente todos
os pedidos da inicial. Alega que: o vendedor agiu de má-fé, pois lhe garantiu que o veículo em questão
era seminovo, sem qualquer retoque de pintura, ou qualquer avaria em sua estrutura; que não lhe foi
entregue a chave reserva; que o veículo apresentou inúmeros defeitos com menos de 60 dias após a
data da compra; e que se trata de pessoa hipossuficiente nos termos da Lei 9.099/95.

Sustenta, ainda, que foi informada pelo mecânico que seu veículo já teria colidido, e que possuía várias
peças repintadas. Que os vícios narrados foram constatados em uma vistoria técnica efetuada por
empresa especializada DEKRA, pelo qual teve um custo de R$ 200,00 (duzentos) reais. Que os
defeitos apresentados não condiziam com um veículo seminovo (pouco mais de 2 (dois) anos de uso);
que por se tratar de veículo sinistrado ocasiona grande depreciação do valor de mercado na hora da
revenda.

Em contrarrazões, a parte ré postula a manutenção da r. sentença.

É o relatório do necessário.

VOTOS

O Senhor Desembargador HUMBERTO ULHÔA - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por VILANIR GOMES DE JESUS em face de OCT
VEÍCULOS LTDA (ORCA CHEVROLET) contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível
do Guará, que julgou improcedentes os pedidos contidos na inicial.

Conforme salientado na inicial, em 21/07/2016, a requerente adquiriu o veículo Chevrolet Prisma,


ano/modelo 2014/2014, com 02 (dois) anos de uso, pelo valor de R$ 37.900,00 (trinta e sete mil e
novecentos reais), junto à requerida, conforme nota fiscal acostada no ID 16155896.

Afirma que o vendedor garantiu que o veículo era seminovo e que não teria sofrido qualquer tipo de
colisão ou dano. Portanto, sem alteração na pintura original, o que favoreceu a compra pela cliente.
Afirma, ainda, que não lhe foi entregue a chave reserva do veículo.

Esclarece que, no dia 05/09/2016, o veículo apresentou defeito no sistema de freios e amortecedores.
Todavia, o administrador da empresa apelada, Sr. Luís Bispo, afirmou que a garantia do veículo era
apenas para motor e câmbio, não se responsabilizando pelos demais defeitos.

Para evitar um possível acidente, contratou serviços mecânicos para sanar os problemas, conforme
ordem de serviço e cupom fiscal anexos. (ID 16155897)

Além disso, procurou assistência técnica especializada com o intuito de realizar uma vistoria em seu
veículo. A vistoria concluiu que mais de 50% da lataria do carro havia sofrido repintura, nas laterais
direita e esquerda, bem como o veículo não possuía etiquetas no compartimento do motor e na coluna
dianteira direita.

Em suas razões, requer o provimento da apelação para reformar a r. sentença e julgar procedentes os
seguintes pedidos:

A) A autora ficaria com o veículo sinistrado, e a ré seria condenada a ressarcir os valores gastos com o
conserto do veículo no valor de R$ 1.224.00 (um mil, duzentos e vinte e quatro reais), mais R$ 200.00
(duzentos reais) gastos com a vistoria, além de condenar a ré a pagar 20% a título de depreciação do
veículo sinistrado em cima da tabela FIPE atual, e mais R$ 400,00 (quatrocentos reais) para confecção
da chave reserva, ou a ré providenciaria outra;

B) caso assim não se entenda, requer a rescisão do contrato de compra e venda celebrado, com a
devolução de R$ 37.900,00 (trinta e sete mil e novecentos reais);

C) A condenação da empresa ré no pagamento de R$ 15.000.00 (quinze mil reais) a titulo de


indenização por danos morais. (ID16157228)

Passo à análise do mérito.

A controvérsia se restringe a definir se havia vício oculto no automóvel e se a requerida deve


responder por eles.

De início, registro que o presente caso se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor,
pois a autora é destinatária final dos produtos e serviços ofertados pela ré.

Consoante o Art. 6º do CDC, são direitos básicos do consumidor:

“(...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como
sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou


desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;


(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. (...)”
Ressalte-se, ainda, o art. 18 do CDC, que dispõe:

" Os fornecedoresde produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos
vícios de qualidadeou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se
destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a
indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas
as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes
viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir,
alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de


eventuais perdas e danos

III - o abatimento proporcional do preço.

(...)

§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em
razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade
ou características do produto, diminuir-lhe o valorou se tratar de produto essencial . (...)”

Como se vê, o código consumerista considera como vício redibitório não apenas os vícios que tornem
os produtos/serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, como também
aqueles que lhes diminuem o valor.

Na hipótese, conforme se observa do laudo efetuado pela empresa DEKRA, especialista do ramo de
vistoria e inspeção de veículos, a pintura do automóvel objeto desta ação foi reprovada, tendo o
parecer final da avaliação da pintura o resultado “VERMELHO - NÃO CONFORME”, pois
mais de 50% das peças da lataria não apresentaram pinturas originais, ou seja, a lataria do
veículo havia sido reparada e repintada(IDs 16155899 e 16155903).

Além disso, o referido laudo apontou que o veículo “não possui etiquetas no compartimento do
motor e coluna dianteira direita”, o que também nos demonstra a violação de sua originalidade.
(ID16155899)

Desse modo, evidente que o veículo em apreço encontrava-se eivado de vícios ocultos, que o “homem
médio” não consegue observar.

Assim, em que pese a estrutura do veículo não ter sido afetada, o seu valor de mercado sofre
depreciação, que não deve ser suportada pela consumidora apelante.

As revendedoras de carros usados têm o dever de verificar os veículos que negociam antes de
repassá-los a novos consumidores, de modo que possam assegurar que se trata de produto de boa
qualidade. Não pode o revendedor repassar os veículos que já sofreram colisões como se jamais
tivessem sido objeto de qualquer avaria. Ainda que o valor esteja abaixo do preço de mercado, devem
prestar as devidas informações ao consumidor para que eles saibam a realidade do bem que estão
adquirindo, pois se o consumidor souber das circunstâncias defeituosas pretéritas do veículo, talvez
optasse por não adquirir o veículo ou por não pagar o preço ofertado.
Quem adquire veículo usado naturalmente não espera que o veículo esteja tão conservado quanto um
novo, mas tampouco opta por adquirir bens de baixa qualidade ou qualidade duvidosa.

Assim, se o vendedor não advertir o consumidor acerca dos possíveis defeitos do produto viola o
dever de lealdade e boa-fé inerentes às relações de consumo.

Por outro lado, a empresa ré manifestou-se requerendo a desistência da prova pericial, abdicando de
produzir a prova especializada, o que foi deferido pelo Juiz singular. Assim, a ré não se desincumbiu
do seu ônus quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, nos
termos do art. 373, II, do CPC.

Vale lembrar que, “a responsabilidade do fornecedor de bens e serviços é objetiva, cabendo a este, a
fim de elidir sua responsabilização, comprovar a ausência de defeito ou a culpa exclusiva da vítima
ou de terceiro, nos termos do art. 14, § 3° do CDC.” (20060710062887APC, Relatora ANA MARIA
DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, DJ 10/02/2010 p. 121).

De todo o exposto, conclui-se que a autora adquiriu um produto eivado de vício, o que resulta na
diminuição de seu valor de mercado. Assim, considerando que esta optou pela rescisão contratual, a
compra e venda deve ser desfeita, com retorno das partes ao “ status quo ante”, com a restituição dos
valores pagos e a consequente devolução do bem à concessionária.

A propósito, a jurisprudência desta Corte de Justiça:

“CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REDIBITÓRIA. COMPRA E


VENDA DE VEÍCULO USADO. DEFEITO MECÂNICO PREEXISTENTE. PREJUÍZOS MATERIAIS
CONFIGURADOS. 1. Caracterizado o vício no produto que o torne inadequado para o consumo,
aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, fazendo surgir para o consumidor o
exercício de uma das seguintes prerrogativas: a substituição do produto por outro da mesma espécie,
em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço (§ 1º). (...) 3.
Recurso de apelação conhecido e não provido.” (00033719220178070005, Acórdão: 1225971, 7ª
Turma Cível, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, DJE: 19/02/2020.)

“DIREITO DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO USADO. VÍCIO REDIBITÓRIO.


SINISTRO E REPARO ANTERIOR À VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL. REDISTRIBUIÇÃO DOS
ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. I – Nos termos do art. 18 do CDC, considera-se vício redibitório os
defeitos que tornem os produtos/serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam
ou que lhes diminuam o valor. II – Na hipótese, a prova constante nos autos, revela que o veículo
adquirido pelo autor foi sinistrado em data anterior à compra, bem como que, embora não tenha
resultado impróprio ou inadequado ao uso a que se destina, sofreu diminuição de seu valor de
mercado. III – Considerando que o autor logrou êxito apenas quanto ao pedido de rescisão
contratual, sucumbindo quanto aos pedidos de reparação por danos morais e materiais, é devida a
redistribuição do ônus de sucumbência. IV – Deu-se parcial provimento ao recurso.”
(07163164820188070001, Acórdão: 1244807, 6ª Turma Cível, Relator: JOSÉ DIVINO, DJE:
08/05/2020).

Por fim, quanto ao dano moral, não vislumbro no comportamento da apelada afronta à dignidade da
autora.

Como se sabe, meros aborrecimentos ou dissabores, por si sós, não têm o potencial de gerar abalo
emocional a ponto de justificar a indenização extrapatrimonial.

Forte em tais razões, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para resolver o contrato de
compra e venda celebrado entre as partes, devendo a requerida restituir a autora o valor de R$
37.900,00 (trinta e sete mil e novecentos reais) e a autora devolver o veículo na concessionária ré.

Os valores deverão ser acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção
monetária desde a data de desembolso dos respectivos valores.

Inverto a sucumbência.

É como voto.

A Senhora Desembargadora SANDRA REVES - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador CESAR LOYOLA - 2º Vogal
Com o relator

DECISÃO

CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.

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