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COLABORADORES

COLABORADORESE
REVISORES
/REVISORES

Diego Rayan Teixeira de Sousa

Acadêmico do 5º período de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) - Campus


XII – Santarém

Presidente da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência Médica da Amazônia (LAUREM) - 2024

Matheus da Silva Ferreira

Acadêmico do 5º período de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) - Campus


XII – Santarém

Vice-Presidente e Diretor Financeiro da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência Médica


da Amazônia (LAUREM) - 2024

Paulo Henrick Gomes Monte

Acadêmico do 5º período de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) - Campus


XII – Santarém

Diretora de Pesquisa da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência Médica da Amazônia


(LAUREM) - 2024

Samuel de Oliveira Amorim

Acadêmico do 5º período de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) - Campus


XII – Santarém

Diretor de Ensino e Extensão da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência Médica da


Amazônia (LAUEP) - 2024

Felipe Henrique Lima Pereira

Acadêmico do 5º período de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) - Campus


XII – Santarém
Diretor de Estágio da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência Médica da Amazônia
(LAUREM) - 2024

Nathan Felipe Cardoso da Silva

Acadêmico do 5º período de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA) - Campus


XII – Santarém

Diretor de Marketing e Mídia da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência Médica da


Amazônia (LAUREM) -2024

O corrente manual possui como referência e inspiração o “Manual de Urgência e


Emergência da Liga Acadêmica de Urgência e Emergência do Oeste do Pará”
SUMÁRIO

SÍNDROME CORONARIANA AGUDA ............................................................................ 6

HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA .............................................................................. 18

CETOACIDOSE E ESTADO HIPEROSMOLAR ............................................................30

AVALIAÇÃO E ATENDIMENTO INICIAIS AO POLITRAUMATIZADO ..................45

CRISE HIPERTENSIVA .................................................................................................. 58


SÍNDROME CORONARIANA AGUDA

INTRODUÇÃO

As doenças isquêmicas do coração são motivos frequentes de atendimento em unidades


de emergência, sendo alvo de grandes investimentos, principalmente na área de pesquisa, no
desenvolvimento de serviços especializados no seu pronto atendimento, bem como na
elaboração de protocolos e diretrizes que dinamizam a abordagem diagnóstica e terapêutica. As
síndromes coronarianas agudas (SCA), incluídas nesse grupo de doenças, são causas
prevalentes de morbidade e mortalidade, sendo imprescindível seu pronto reconhecimento e
tratamento precoce.

A SCA é definida como um conjunto de sinais e sintomas resultantes de isquemia


miocárdica aguda. Representam quase um quinto das causas de dor torácica nas salas de
emergência. As SCA podem ser classificadas quanto a sua apresentação ao eletrocardiograma
(ECG), em SCA COM e SEM elevação do segmento ST.

As SCA sem elevação do seguimento ST são divididas em angina instável e infarto


agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST. A angina instável é caracterizada por dor
ou desconforto torácico (ou equivalente) sem aumento de marcadores de necrose do miocárdio
(MNM), e tem como critérios diagnósticos ocorrer em repouso ou aos mínimos esforços e durar
mais de 10 minutos; ou ser severa e de início recente (quatro a seis semanas); ou modelo em
―crescendo‖, ou seja, mais intensa, mais frequente e prolongada do que anteriormente.
Diferenciando-se do infarto agudo do miocárdio (IAM) sem elevação do segmento ST por
apresentar MNM elevados.

Já as SCA com elevação do segmento ST, também conhecida como infarto agudo do
miocárdio com supra desnivelamento de ST, tem como característica a elevação (nova) de ST
no ponto J (o ponto J é a junção entre o final do QRS e o ST), > 1 mm, em pelo menos duas ou
mais derivações contíguas (em todas as derivações, exceto V2-V3/ No caso de V2-V3, a
definição de supra de ST é: elevação do ST > 2mm em homens ou > 1,5 mm em mulheres).

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• ANGINA INSTÁVEL: • IAM com supra de ST:

Dor torácica de etiologia isquêmica cardíaca Dor torácica de etiologia isquêmica cardíaca
+ marcadores de necrose miocárdica normais. + marcadores de necrose miocárdica alterados
+ eletrocardiograma com supra do segmento ST.

• IAM sem supra de ST: Angina de Prinzmetal (anginavasoespática):

Dor torácica de etiologia isquêmica cardíaca Obstrução dinâmica, devido vasoespasmos


+ marcadores de necrose miocárdica alterados. + Supra Segmento ST
+ marcadores de necrose miocárdica normais.

EPIDEMIOLOGIA

As doenças cardiovasculares continuam sendo a primeira causa de morte no Brasil,


responsáveis por quase 32% de todos os óbitos. Entre elas, o Infarto Agudo do Miocárdio
(IAM), que é uma cardiopatia isquêmica que resulta na morte ou necrose da célula miocárdica,
devido à oclusão total ou quase total da artéria coronariana, ainda é responsável por grande
morbidade e mortalidade. Estima-se cerca de 300.000 a 400.000 casos/ano em nosso meio, com
algo em torno de 60.000 mortes. A taxa de mortalidade geral ainda é alta, por volta de 30%. É
importante reconhecer que cerca da metade desses óbitos (40-65%) ocorre na primeira hora
após o início do evento (sendo a maioria por fibrilação ventricular), geralmente antes de
qualquer atendimento médico.

FISIOPATOLOGIA

O termo infarto do miocárdio significa basicamente a morte de células musculares


cardíacas, causada por isquemia prolongada. As células coronarianas necessitam de um
suprimento constante de oxigênio e nutrientes para realizar a contração sistólica e o relaxamento
diastólico. Elas possuem uma baixa capacidade de gerar ATP anaerobicamente.

Dessa forma, a interrupção do suprimento sanguíneo por completo em um período


superior a 30 minutos é suficiente para lesar a célula irreversivelmente. O miocárdio para de
contrair alguns segundos após a oclusão do fluxo, durante um período variável é possível a
reversibilidade da função contrátil se houver restauração do fluxo. A duração do tempo no qual
o miocárdio isquêmico se mantém reversivelmente lesado se dá em função do balanço entre o

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suprimento de oxigênio e a necessidade metabólica. Assim, uma oclusão coronariana
incompleta ou intermitente (suprimento de oxigênio ainda que não basal) prolonga esse período,
porém, a taquicardia e aumento do tônus simpático (aumento da necessidade metabólica) o
abreviam. A restauração do fluxo não necessariamente promove a restauração da função celular
de forma imediata, é a disfunção pós-isquêmica conhecida como miocárdio atordoado.

Em geral, essa isquemia é causada por trombose e/ou vasoespasmo sobre uma placa
aterosclerótica. A maior parte dos eventos é causada por rotura súbita e formação de trombo
sobre placas vulneráveis, inflamadas, ricas em lipídios e com capa fibrosa delgada. Uma porção
menor está associada à erosão da placa aterosclerótica. Existe um padrão dinâmico de trombose
e trombólise simultaneamente, associadas à vasoespasmo, o que pode causar obstrução do fluxo
intermitente e embolização distal.

Dentro de um espectro de possibilidades relacionadas com o tempo de evolução, o


miocárdio sofre progressiva agressão representada pelas áreas de isquemia, lesão e necrose
sucessivamente. Na primeira, predominam distúrbios eletrolíticos, na segunda, alterações
morfológicas reversíveis e na última, danos definitivos. Da mesma forma, essas etapas se
correlacionam com a diversidade angina instável e infarto sem supra até o infarto com
supradesnível do segmento ST. É por isso que o manejo do infarto é baseado no rápido
diagnóstico, na desobstrução imediata da coronária culpada, manutenção do fluxo obtido,
profilaxia da embolização distal e reversão de suas complicações potencialmente fatais, como
arritmia supraventricular, arritmia ventricular, bloqueio atrioventricular, choque cardiogênico,
embolia e pericardite.

ETIOLOGIA

Os IAM são causados por oclusões agudas nas coronárias epicárdicas. As três principais
(CX, DA e CD) possuem frequência semelhante de acometimento, cada uma respondendo por
cerca de 1/3 dos casos. A oclusão no tronco da coronária esquerda, entidade quase sempre fatal,
causa menos de 5% dos IAM, e em 5-10% dos casos a coronariografia é normal.

Em >95% das vezes a causa é a aterotrombose, isto é, formação de um trombo sobre a


placa de ateroma que sofreu ruptura. Fissuras superficiais se associam mais comumente à
formação de trombos ―brancos‖ (plaquetas), gerando obstrução coronariana parcial

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(angina instável/IAMSST), ao passo que rupturas mais profundas (maior exposição dos
conteúdos fibrinogênicos intraplaca) originam os trombos―vermelhos‖ (coágulos de fibrina)
causadores do IAMST. Em <5% dos casos a oclusão coronariana aguda é secundaria a
processos patológicos outros que não à aterotrombose. As principais etiologias deste grupo são:
espasmo coronariano, dissecção coronariana, síndrome do anticorpo antifosfolipídio, síndromes
trombofílicas, trauma coronário e outros.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é feito com base no tripé: quadro clínico (anamnese e exame físico),
alterações eletrocardiográficas e elevação dos marcadores bioquímicos de necrose
miocárdica. Segundo a V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do
Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST, pode- se estabelecer o
diagnóstico de IAM se houver:

1. Aumento e/ou queda dos marcadores de necrose miocárdica, na presença de pelo


menos um dos abaixo:
• Sintomas de isquemia miocárdica;
• Desenvolvimento de onda Q patológica no ECG;
• Desnivelamento de ST (supra ou infra) ou BRE de 3º grau novo ou supostamente novo;
• Imagem nova compatível com perda de miocárdio viável (ex.: acinesia/discinesia
segmentar).
2. Evidências anatomopatológicas de IAM (necrose de coagulação).

Já o diagnóstico de infarto antigo ou curado é confirmado por qualquer um dos


seguintes:

1. Surgimento de onda Q patológica em ECGs seriados, na ausência de alterações dos


MNM (pois já houve tempo suficiente para a sua normalização). O paciente pode ou
não recordar a ocorrência dos sintomas.
2. Evidências anatomopatológicas de miocárdio cicatrizado (fibrose).

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QUADRO CLÍNICO

Embora a apresentação clínica de pacientes com isquemia miocárdica aguda possa ser
muito diversa, cerca de 85% dos pacientes apresentam dor torácica como sintoma
predominante.

A dor, usualmente prolongada (> 20 minutos) e desencadeada por exercício ou por


estresse, pode ocorrer em repouso. A dor (ou desconforto torácico) é do tipo opressiva (aperto,
peso ou pressão) ou queimação, geralmente intensa, ocorre em precórdio ou região subesternal,
podendo ser aliviada com repouso ou uso de nitratos e estar associada a alguns sintomas, como
dispnéia, sudorese fria, palidez cutânea, náuseas e vômitos. Muitas vezes, para tentar explicar
a dor, o paciente coloca o punho fechado diante do tórax, é o chamado Sinal de Levine. Alguns
pacientes podem referir uma dor mal localizada, difusa. Tipicamente a dor irradia para membro
superior esquerdo, sobretudo na face medial ou ulnar. Porém, pode também irradiar para
pescoço, mandíbula, ombro, dorso, membro superior direito e epigástro. A dor do IAM não
irradia para baixo do umbigo nem para os trapézios, neste caso a dor é compatível com
pericardite, outro importante diagnostico diferencial.

A dor precordial pode apresentar-se com intensidade leve, moderada, mas na maioria
dos pacientes, tem característica extremamente intensa e dura geralmente mais que 30 minutos.
Durante a avaliação inicial, pode-se encontrar quatro formas de apresentação. São elas:

• Tipo A: é a dor definitivamente coronariana, a dor clássica – dor no peito, em


compressão, pontada, irradiada pra membro superior esquerdo e pescoço, mandíbula,
ombro ou dorso, desencadeada por estresse ou esforço físico, por exemplo.
• Tipo B: possivelmente coronariana – corresponde ao equivalente anginoso (que se
caracteriza por mal estar, indigestão, pirose, dor epigástrica, sudorese, dispneia, síncope,
entre outras manifestações menos características, mais frequentes em idosos, mulheres
e diabéticos), associada a fatores de risco.
• Tipo C: possivelmente não coronariana – apresenta a maioria, mas não todas as
características da dor possivelmente coronariana, e mais associada a outras causas que
afastam o diagnóstico.
• Tipo D: definitivamente não coronariana –não há nenhuma característica de dor

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anginosa e há fortes indícios de outros diagnósticos.

Em pacientes com angina prévia, a mudança do caráter da dor é um indicador de


instabilização. A obtenção de história detalhada das características da dor auxilia muito no
diagnóstico, sendo de grande importância à avaliação da presença de fatores de risco para
doença arterial coronária, infarto prévio e doença aterosclerótica já documentada.

Em certos pacientes o IAM pode se manifestar com dor ―atípica‖ (não anginosa) ou
mesmo sem qualquer queixa álgica (somente ―equivalentes anginosos‖, isto é, consequências
de uma isquemia miocárdica grave). São exemplos clássicos de manifestações clinicas em tal
contexto: dor torácica em queimação (em ―facada), dispepsia (epigastralgia + náuseas e
vômitos), déficit neurológico focal (AVE ou AIT), choque cardiogênico indolor, edema agudo
de pulmão e morte súbita (geralmente por fibrilação ventricular).

O exame físico é frequentemente pobre e inespecífico. Menos de 20% dos pacientes


apresentam alterações significativas na avaliação inicial. Entretanto, a presença de estertores
pulmonares, hipotensão arterial sistêmica (pressão arterial sistólica < 110 mmHg) e taquicardia
sinusal coloca o paciente em maior risco de desenvolver eventos cardíacos nas 72 horas
seguintes. O exame físico (EF) deve incluir: pressão arterial nos dois braços; palpação de pulso
em membros superiores e inferiores; avaliar se há palidez, sudorese, ansiedade, cianose,
turgência jugular; ausculta cardíaca (verificar a presença de sopros, B3, B4); ausculta pulmonar
(verificar se há crepitações); examinar extremidades, procurando sinais de insuficiência
vascular, edema. O EF deve auxiliar no diagnóstico diferencial de dissecção da aorta e no de
complicações pulmonares ou cardíacas, como pericardite e estenose aórtica.

Em idosos, mulheres e diabéticos esses sintomas são mais brandos ou atípicos.

ELETROCARDIOGRAMA

Todo paciente que dê entrada na emergência com quadro sugestivo de SCA deve ter um
ECG de 12 derivações solicitado. O exame eletrocardiográfico deve ser realizado idealmente
em menos de 10 minutos da apresentação à emergência e é o centro do processo decisório inicial
em pacientes com suspeita de infarto agudo do miocárdio. Em pacientes com sintomas
sugestivos, a elevação do segmento ST tem especificidade de 91% e sensibilidade de 46% para

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diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. A mortalidade aumenta com o número de derivações
no eletrocardiograma (ECG) com supradesnível de ST. Como o ECG pode ser inespecífico nas
primeiras horas, é importante avaliar traçados seriados em curto período de tempo (5-10 min),
se o paciente permanecer sintomático.

O resultado do ECG é a chave da estratégica terapêutica. De modo prático, após o ECG,


os pacientes com dor torácica podem ser divididos em dois grupos: SCA com supra de ST e
SCA sem supra de ST. O reconhecimento de supradesnivelamento do segmento ST > 1,0 mm
em derivações contíguas no plano frontal, o bloqueio de ramo esquerdo novo ou o
supradesnivelamento do segmento ST > 2,0 mm em derivações precordiais sugere alta
probabilidade de IAM.

MARCADORES BIOQUÍMICOS DE LESÃO MIOCÁRDICA

O IAM reflete a morte celular secundária à isquemia miocárdica decorrente do


desbalanço entre a oferta e a demanda de oxigênio. A necrose miocárdica é acompanhada pela
liberação de macromoléculas intracelulares e proteínas estruturais no interstício cardíaco.

A creatinaquinase (CK-total) é uma importante enzima reguladora da produção e da


utilização do fosfato de alta energia nos tecidos contráteis. Embora seja um sensível indicador
de lesão muscular, não é específica para o diagnóstico de lesão miocárdica. Com o
desenvolvimento de novos marcadores mais sensíveis e específicos para o diagnóstico de lesão
miocárdica, a utilização de CK-total é uma medida de exceção, reservada para o caso de
indisponibilidade de marcadores mais modernos.

A medida da CK-MB atividade eleva-se em 4-6 horas após o início dos sintomas, com
pico em torno de 18 horas, e normaliza-se entre 48-72 horas. Possui uma sensibilidade
diagnóstica de 93% após 12 horas do início dos sintomas, porém é pouco sensível para o
diagnóstico nas primeiras 6 horas de evolução. Não se pode fazer ou afastar diagnóstico com
uma dosagem isolada, o diagnóstico é feito através da curva. Há casos de falso-positivo com
outras doenças cárdicas como miopericardite e não cardíacas como lesão muscular extensa,
sendo a CK-MB mais específica por ser encontrada predominantemente no coração.

Com o surgimento de testes mais modernos que dosam a concentração de CK-MB, a


dosagem de CK-MB massa aumentou a sensibilidade clínica e especificidade analítica. A CK-
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MB massa eleva-se entre 3-6 horas após o início dos sintomas, com pico entre 16-24 horas,
normalizando-se entre 48-72 horas. Apresenta sensibilidade diagnóstica de 50% após três horas
do início dos sintomas e de 80% em 6 horas de evolução. É o melhor teste para dosagem de
CK-MB disponível atualmente. A CK-MB pode ser útil no diagnóstico de reinfarto.

As troponinas são proteínas presentes nos filamentos finos dos músculos estriados,
formando um complexo com três polipeptídeos: a troponina C, a troponina I e a troponina T. A
troponina I e T são as mais específicas e detectam áreas menores. Elevam-se entre 4-8 horas
após o início dos sintomas, com pico entre 36-72 horas e normalização entre 5-14 dias.
Permitindo assim, o diagnóstico tardio. Apresentam a mesma sensibilidade diagnóstica do que
a CK-MB entre 12-48 horas de evolução, mas em portadores de doenças que diminuem a
especificidade da CK-MB elas são indispensáveis.

A mioglobina é uma hemoproteína citoplasmática transportadora de oxigênio de baixo


peso molecular, encontrada tanto no músculo esquelético como no músculo cardíaco. Liberada
rapidamente, começa a elevar-se entre 1-2 horas após o início dos sintomas, com pico entre 6-
9 horas e normalização entre 12-24 horas. Devido a seu elevado valor preditivo negativo, que
varia entre 83%-98%, é considerada excelente para afastar o diagnóstico de infarto agudo do
miocárdio, principalmente em pacientes que apresentam alterações eletrocardiográficas que
dificultam o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.

Em pacientes admitidos com dor precordial prolongada e apresentando supradesnível


do segmento ST ao eletrocardiograma, são dosados os marcadores bioquímicos de lesão
miocárdica. Os marcadores atualmente disponíveis começam a se elevar na circulação
sanguínea após o tempo ideal de reperfusão arterial coronária e não são essenciais para o
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. Nesses casos, deve-se iniciar rapidamente uma
estratégia de reperfusão coronária sem aguardar seus resultados.

Os marcadores de lesão miocárdica em pacientes com IAM são úteis para estimar a
extensão do infarto, prognóstico, diagnóstico de reperfusão coronária à beira do leito e para o
diagnóstico de reinfarto.

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EXAMES COMPLEMENTARES

• Hemograma: elevação de neutrófilos devido a necrose, atinge o pico em 2 a 4 dias e


retorna ao normal em uma semana. Existe tendência de hemoconcentração.

• Glicemia: pode estar elevada mesmo sem história prévia de diabetes, o qual retorna ao
normal em semanas. Em pacientes diabéticos a riscos de cetoacidose.

• Eletrólitos

• Creatinina e Uréia: costumam ser normais. Em casos de choque podem alterar


demonstrando redução da perfusão renal.

• Testes de coagulação

• Perfil lipídico: colesterol total, LDL, HDL e triglicérides devem ser solicitados na
manhã seguinte à chegada do paciente ao PS, em jejum.

• Ecocardiograma: raramente necessita ser feito de imediato. Entretanto, terá grande


utilidade na avaliação da função ventricular, já que uma fração de ejeção diminuída se
correlaciona com aumentado risco de evolução adversa.

TRATAMENTO

Tratamento Medicamentoso

• Tratamento da dor: a dor do IAMST costuma ser excruciante. Ela estimula o tônus
adrenérgico, o que aumenta a demanda miocárdica de oxigênio. Por conta disso, a dor deve ser
prontamente tratada, e o analgésico de escolha é a morfina, que, por sua vez, é útil para o alívio
da dor precordial; também pode diminuir a pré-carga, a sensação de dispneia, e tem um efeito
sedativo que é útil em pacientes com SCA. Diminui o consumo de oxigênio pelo miocárdio
isquêmico, provocado pela ativação do sistema nervoso simpático. É importante ressaltar que a
morfina NÃO está associada à redução da mortalidade. Este opióide pode ser feito EV com
dose inicial de 2 a 4 mg (EV em bolus), repetindo, se necessário, a cada 5-15 minutos (com
monitorização da PA). Cuidado especial deve ser tomado, pois a morfina pode causar depressão
respiratória, vômitos e hipotensão; por isso deve ser evitada em pacientes com hipotensão ou
hipovolemia; infarto de ventrículo direito (efeito venodilatador da morfina); confusos ou
bradipneicos. Em caso de não disponibilidade ou hipersensibilidade ao fármaco, o sulfato de

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morfina pode ser substituído pelo sulfato de meperidina, em doses fracionadas de 20-50 mg. Os
anti-inflamatórios não esteroides (AINES) não devem ser utilizados na vigência de IAM e, se
o paciente que apresentar este diagnóstico fizer uso crônico de AINES, o medicamento deve
ser suspenso.
Como possui propriedade vasodilatadora, a morfina é contraindicada nos casos de IAM
de parede inferior (D2, D3 e aVF). Há risco aumentado de IAM de VD e/ou bradicardia
reflexiva no IAM inferior. O uso de morfina pode levar ao choque cardiogênico em tais
situações (o debito de VD é diretamente dependente da pré-carga, isto é, do retorno venoso).

Administração de oxigênio (O2 a 100%, a 2-4 L/min a 100%, por meio de cateter nasal):
portadores de SCA podem ficar hipoxêmicos devido à congestão pulmonar (secundária à
disfunção sistólica e/ou diastólica do VE). Caso satO2 <90%, é mandatório fornecer oxigênio
suplementar. Nesses pacientes está indicada a dosagem seriada da gasometria arterial. A
oxigenoterapia não deve durar mais que 3-6 horas, sob pena de aumentar a resistência vascular
periferica e a pressão arterial, reduzindo o DC.

• Manejo da Dor: O controle da dor deve ser obtido através de nitrato (isordil 5mg,
sublingual; pode ser feito até 2 vezes, a cada 5min) e se não houver melhorara, pode-se iniciar
a morfina. É importante destacar que não deve ser realizada administração de nitrato em
pacientes com infarto de ventrículo direito ou em uso de inibidores da fosfodiesterase 5 (por
exemplo: taladafil)! A morfina é benéfica para o miocárdio, porque vasodilata e diminui a
resistência arterial, mas justamente por esse motivo, não pode ser realizada em pacientes
bradicárdicos, chocados ou hipotensos.

• Ácido acetilsalicílico (AAS): único anti-inflamatório não esteroide indicado


rotineiramente para todos os pacientes com suspeita de IAM, exceto nos casos de
contraindicação (alergia ou intolerância ao medicamento, sangramento ativo, hemofilia, úlcera
péptica ativa). Pacientes com maior risco de doença coronária devem ser instruídos por seus
médicos assistentes a tomar ácido acetilsalicílico não tamponado em situações emergenciais. É
o antiplaquetário de eleição a ser utilizado no infarto agudo do miocárdio, tendo sido
demonstrado pelo estudo ISIS-2 (Second International Study of Infarct Survival) que reduz a
mortalidade em 20%, isoladamente, quase tanto quanto a estreptoquinase. Além disso, tem ação
sinérgica com o próprio fibrinolítico, levando à associação de ambos os medicamentos a um

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decréscimo de 42% na mortalidade. A dose recomendada é de 160-325 mg/dia a ser utilizada
de forma mastigável quando da chegada do paciente ao hospital ou ao ser atendido por
emergência móvel, ainda antes da realização do eletrocardiograma.
• Betabloqueadores: são drogas que reduzem a FC, o inotropismo e a PA ao mesmo
tempo em que aumentam o fluxo sanguíneo na rede de colaterais e no subendocárdio. O uso
destes fármacos implica em redução da mortalidade. Formulações orais devem ser iniciadas
dentro das primeiras 24 horas, desde que não tenham contraindicações: sinais de insuficiência
cardíaca ou evidência de baixo débito cardíaco, risco elevado de desenvolver choque
cardiogênico (idade >70 anos, PAs < 120 mmHg, FC > 110 bpm na apresentação, tempo
aumentado do início dos sintomas), intervalo PR > 240 ms, asma ativa ou doença reativa das
vias aéreas. Em pacientes com hipertensão refrataria ou com isquemia persistente, utiliza-se
formulação EV. Após compensação do quadro, mesmo na ausência de IC ou HAS, a droga deve
ser mantida por três anos. Devemos evitar o pindolol, pois ele possui efeito simpaticomimético
intrínseco. O esquema padrão mais utilizado é: metoprolol 50 mg VO 6/6h no primeiro dia,
seguindo-se de 100 mg VO 12/12h daí em diante. Caso a via IV seja escolhida, a dose será
metoprolol 5 mg EV de 5-5 minutos, por até três doses, seguindo-se com a via oral daí em
diante. No uso tardio, titularemos a dose do BB até uma FC alvo de 60 bpm.
• Clopidogrel, prasugrel e ticagrelor: são inibidores do ADP plaquetário; e têm como
principais indicações: substituir o AAS em pacientes alérgicos ou fortemente intolerantes;
serem usados junto com o AAS em pacientes com SCA de alto risco ou infarto sem elevação
do segmento ST. A dose inicial de Clopidogrel é de 300mg via oral, e a de manutenção 75mg
VO, uma vez ao dia (manter por no mínimo um ano se for feito CATE).
O AAS está indicado em todas as formas de SCA, incluindo o IAMST.
Inquestionavelmente, reduz a taxa de mortalidade e complicações (ex.: reinfarto), benefício que
é potencializado pela terapia de reperfusão. Mesmo quando o diagnóstico de SCA for
considerado ―provável‖, o AAS já deve ser administrado ao paciente. Devido as
especificidades, no Brasil, recomenda-se a dose de 200-300 mg no ―ataque‖ inicial (mastigar
e engolir 2-3 comprimidos), mantendo-se 100 mg/dia (1 comprimido junto às refeições) para o
resto da vida do paciente. Atenção para as principais contraindicações ao AAS: alergia,
intolerância, hemofilia, sangramento ativo, úlcera péptica em atividade e hepatopatia grave.

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❖ TERAPIA DE REPERFUSÃO
É indicado nos casos de quadro clinico compatível com infarto agudo do miocárdio,
com eletrocardiograma com supra de ST maior 1mm em duas ou mais derivações na mesma
parede e chegada no serviço de urgência menor que 12h.

Existem 03 tipos: químico (medicações trombolíticas), mecânico (angioplastia primária)


e a cirúrgico. A escolha depende da disponibilidade para a realização de angioplastia primária
e do tempo para iniciar a terapia (tempo porta-balão, tempo porta agulha).

São indicativos de sucesso da terapia: A melhora da dor, a redução do supra


desnivelamento de ST em mais de 50%, pico precoce das enzimas e as arritmias de reperfusão.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

• Causas cardíacas: Isquêmicas: síndromes coronarianas agudas. Não-isquêmicas:


pericardite, dissecção de aorta. Valvular: estenose aórtica, cardiomiopatia hipertrófica.

• Causas pulmonares: pneumotórax, embolia pulmonar, pneumonia, pleurite,


hipertensão pulmonar.

• Causas gastroesofágicas: refluxo gastroesofágico, espasmo esofágico, úlcera,


péptica/gastrite, ruptura de esôfago.

• Dor na parede do tórax: lesões em costelas (fratura, metástase, trauma), nervos


sensitivos (herpes zoster), costocondrite (síndrome de Tietze), fibromialgia e dores
musculares inespecíficas.

• Causas psiquiátricas: transtorno do pânico, transtorno da ansiedade generalizada,


depressão, transtornos somatoformes.

• Outras causas: pancreatite, colecistite, abscesso subfrênico, câncer de pulmão.

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HEMORRAGIA
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA
DIGESTIVA ALTA

INTRODUÇÃO

Define-se como Hemorragia Digestiva Alta (HDA) qualquer sangramento do trato


gastrintestinal que se origine até o ângulo de Treitz (transição duodeno-jejunal). A HDA é uma
condição clínica que inspira cuidados médicos intensivos, com taxa de mortalidade de 10%.
Cerca de metade dos pacientes tem mais de 60 anos, e a mortalidade está relacionada com a
presença de comorbidades prévias.

A HDA é três vezes mais frequente do que a baixa, com prevalência estimada de 170
casos para 100.000 habitantes/ano nos Estados Unidos. Do ponto de vista etiológico, é possível
dividi-la como varicosa (pela presença de varizes do esôfago e fundo gástrico) e não varicosa.

Úlceras pépticas são a causa mais comum de HDA, representando aproximadamente


50% dos casos. As lacerações de Mallory-Weiss contribuem para cerca de 5-10% dos casos. A
proporção de pacientes com sangramento de varizes tem variação ampla de aproximadamente
5-40%, dependendo da população. A gastropatia hemorrágica ou erosiva (p. ex., causada por
anti-inflamatórios não esteroides [AINEs] ou álcool) e a esofagite erosiva com frequência
provocam HDA leve, mas a ocorrência de um sangramento significativo é rara.

A hemorragia varicosa responde por 20 a 30% dos casos de Hemorragia Digestiva Alta
(HDA) e é consequência da hipertensão portal. Esta última pode causar varizes, entretanto a
cirrose é o resultado mais comum. Sessenta por cento dos hepatopatas desenvolvem varizes de
esôfago, e cerca de 35% dos pacientes com hipertensão portal e varizes sangrarão, a maioria
pela rotura de varizes esofágicas. O sangramento das varizes gástricas e duodenais é um evento
menos frequente. Aproximadamente 40% dos sangramentos por varizes cessam
espontaneamente, contudo a mortalidade chega a 20% nas primeiras seis semanas após o
primeiro episódio.

18
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NÃO VARICOSA

A HDA não varicosa tem várias etiologias possíveis. As úlceras pépticas


gastroduodenais são as causas mais comuns, respondendo por 60% dos casos. O uso de AINEs
é o principal fator causal nessas situações. As úlceras duodenais sangram mais que as gástricas
por se localizarem geralmente na parede posterior e provocarem erosão em vasos, como a artéria
gastroduodenal e seus ramos.

A história natural mostra que 80% desses sangramentos cessam espontaneamente, 14%
voltam nas primeiras 24 a 72 horas após interrupção inicial e 6% sangram de forma contínua.
A magnitude do sangramento está mais relacionada à idade, às comorbidades e ao uso de
anticoagulantes do que à etiologia da hemorragia. Porém, úlceras sangrantes na parede posterior
do bulbo duodenal e na pequena curvatura do corpo proximal merecem atenção especial. Em
razão da proximidade anatômica das artérias, úlceras volumosas e mais profundas também têm
maior taxa de ressangramento e mortalidade. Isso explica, ainda, o baixo impacto do grande
avanço dos métodos de diagnóstico e hemostasia sobre a mortalidade, que persiste em 6 a 8%
dos casos.

A chamada lesão aguda da mucosa gástrica responde por 10 a 15% dos casos de HDA
não varicosa. A síndrome de Mallory-Weiss pode estar presente em 5% dos casos. Outros
eventos que podem cursar com a hemorragia são neoplasias gástricas, esofagites,
angiodisplasias, lesão de Dieulafoy, pólipos, hemobilia, hemosuccus pancreaticus e fístula
aortoduodenal.

19
❖ LACERAÇÕES DE MALLORY-WEISS

O histórico clássico inclui vômitos, ânsia de vômitos ou tosse que antecedem a


hematêmese, especialmente em um paciente alcoolista. O sangramento a partir dessas
lacerações, que em geral se localizam na porção gástrica da junção gastresofágica, estanca
espontaneamente em 80-90% dos pacientes e reincide em apenas 0-10%. A terapia endoscópica
é indicada para as lacerações de Mallory-Weiss com sangramento ativo. A terapia angiográfica
com embolização e intervenção cirúrgica com sutura da laceração raramente é necessária.

QUADRO CLÍNICO

A história é de hematêmese e melena na maioria das vezes, podendo estar associada a


repercussões hemodinâmicas nos sangramentos mais volumosos. Antecedentes de doença
péptica e de medicações em uso devem ser investigados.

É importante, já na admissão do paciente, avaliar a presença de fatores de risco para


ressangramento após as medidas iniciais de tratamento. O escore de Rockall (Tabela 1 e Quadro
1) estratifica o risco de ressangramento e mortalidade, a partir de dados clínicos, atribuindo
valores de 0 a 11 pontos. A estratificação do risco do paciente determina as condutas, como
tempo de monitorização em terapia intensiva, momento de realimentação e de alta hospitalar.

Quadro 1

20
Tabela 1

CONDUTA

A prioridade no tratamento são as estabilizações respiratória e hemodinâmica. A


reposição volêmica deve ser feita por meio de acessos venosos periféricos calibrosos.
Dependendo da estimativa da perda volêmica, pode ser necessário o uso de hemoderivados.
Sempre que possível, os pacientes devem ser monitorizados em ambiente de terapia intensiva.

O uso de Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs) deve ser precoce, assim como a
suspensão dos agentes que possam ter desencadeado o quadro. A aplicação de IBP também tem
impacto sobre o ressangramento. Alguns autores defendem a infusão contínua desse
medicamento em pacientes submetidos a procedimentos hemostáticos, entretanto estudos mais
recentes demonstram não haver vantagem quanto à infusão em bollus.

O uso de IBPs deve ser precoce, assim como a suspensão dos agentes que possam ter
desencadeado o quadro.

21
A endoscopia digestiva alta faz parte da abordagem diagnóstica e terapêutica da
hemorragia digestiva alta e deve ser feita nas primeiras 12 horas de admissão do paciente. A
EDA tem papel diagnóstico e terapêutico. É possível categorizar as úlceras pelo aspecto
endoscópico, segundo a classificação de Forrest, que tem importância por estar relacionada ao
risco de ressangramento.

Quadro 2 - Classificação de Forrest

Alguns fatores estão relacionados à falha do tratamento endoscópico. Úlceras


profundas, com mais de 2 cm de diâmetro, podem voltar a sangrar. A localização é outro fator
importante, sendo as da parede posteroinferior (artéria gastroduodenal) e da pequena curvatura
(artéria gástrica esquerda) as mais propensas à falha das medidas hemostáticas.

Os referenciados para a cirurgia de urgência geralmente são os mais graves, que já


passaram por todas as outras etapas sem que se obtivesse o controle da hemorragia.

As indicações mais comuns de cirurgia são: falha na segunda intervenção endoscópica;


persistência da hemorragia com instabilidade hemodinâmica; necessidade de hemotransfusão
maior ou igual à volemia calculada para o paciente (dentro das 24 horas iniciais após a
admissão); pacientes com mais de 60 anos, portadores de comorbidades graves e que chegam
com instabilidade hemodinâmica; e úlceras de difícil acesso com o endoscópio.

22
Em casos de úlceras gástricas que vão para cirurgia por sangramento, deve-se sempre
incluir a úlcera na ressecção, podendo ser necessário realizar gastrectomias totais ou subtotais,
dependendo de sua localização. Os resultados são melhores quando a indicação cirúrgica é
precoce.

Em casos de úlceras duodenais que precisam ser operadas por hemorragia, não se
resseca a úlcera, abre-se o duodeno e realiza-se a sutura da úlcera internamente, podendo
proceder à ligadura de ramos da artéria gastroduodenal. É possível efetuar a cirurgia definitiva
da hiperacidez com antrectomia e vagotomia troncular caso as condições clínicas do paciente o
permitam.

HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NÃO VARICOSA

As varizes do esôfago traduzem um desvio de sangue do sistema venoso portal para o


sistema cava superior, em consequência da hipertensão portal, criando, assim, o fluxo
hepatofugal. Quando o gradiente de pressão entre a veia porta e as veias supra-hepáticas é maior
do que 6 mmHg, o sangue portal flui por intermédio de circulação colateral, havendo o risco de
hemorragia. Os valores pressóricos associados ao sangramento na forma de hipertensão portal
sinusoidal e pós-sinusoidal são, respectivamente, 10 e 12 mmHg.

As varizes são constituídas, geralmente, por três ou quatro cordões verticais, de trajeto
tortuoso e calibres variáveis, localizados na submucosa esofágica. Regimes de pressão portal
maiores que 12 mmHg podem desencadear rotura das varizes e hemorragia digestiva. Cerca de
60% dos pacientes com hepatopatia crônica desenvolvem varizes do esôfago. A função
hepatocelular, medida pela classificação de Child-Pugh, o calibre das varizes e a presença de
marcas vermelhas, os chamados red spots descritos pela endoscopia, são os maiores
determinantes do risco de sangramento.

QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico típico é de hematêmese e melena, podendo haver sinais de instabilidade


hemodinâmica de acordo com o volume do sangramento. Deve-se suspeitar de hemorragia
varicosa em pacientes sabidamente hepatopatas ou com estigmas de doença hepática crônica
identificados ao exame físico de admissão (ascite, icterícia, telangiectasias, eritema palmar,

23
ginecomastia, desnutrição, circulação colateral na parede abdominal, edema). Nos demais, o
diagnóstico de hipertensão portal só é feito durante o exame endoscópico.

CONDUTA

O tratamento do paciente hepatopata com HDA constitui um desafio para toda a equipe
que conduz o caso. Além do tratamento da hemorragia, a parte clínica deve ser muito bem
equilibrada. Algumas medidas são utilizadas temporariamente até que haja condições para o
tratamento definitivo.

TRATAMENTO DA HEPATOPATIA

Neste grupo, além das complicações da volumosa hemorragia, é preciso se preocupar


com a descompensação da hepatopatia, com piora aguda da função hepática e suas
consequências, como a encefalopatia hepática, a peritonite bacteriana espontânea e a síndrome
hepatorrenal. Sempre que possível, esses pacientes devem ser internados em ambiente de
terapia intensiva, com acompanhamento de equipe especializada.

Os cirróticos têm alteração da circulação esplâncnica, sendo necessário maior volume


de cristaloides para a estabilização hemodinâmica. Além disso, podem ocorrer aumento do
fluxo e da pressão portal pela reposição volêmica, que induzem o agravamento da hemorragia
e a formação de ascite, em vez de estabilizar a pressão arterial. Por esse motivo, utilizam-se
drogas vasoativas (conforme descrito na terapia medicamentosa da HDA), que tendem a
reverter essas alterações hemodinâmicas.

A lavagem intestinal pode ser indicada aos pacientes com rebaixamento do nível de
consciência ou antecedente de encefalopatia hepática. A lactulose, que tem efeito catártico e
acidifica o cólon, reduzindo a absorção de compostos nitrogenados, está indicada e deve ser
ministrada por via oral ou sonda, em doses variáveis que permitam de duas a três evacuações.
A neomicina, administrada na dose de 1 g, por via oral (ou via enema retal), a cada 6 horas,
diminui a flora bacteriana intestinal, reduzindo a produção de substâncias nitrogenadas, mas
deve ser usada com parcimônia, pelo risco de lesão renal. Restrições proteicas são controversas
e o aporte diário não pode ser inferior a 40 g/d, por meio de aminoácidos de cadeia ramificada.
Devem-se evitar os aminoácidos de cadeias aromáticas.

24
As infecções bacterianas são documentadas em 35 a 66% dos pacientes com HDA
varicosa, e a sua ocorrência é um importante fator prognóstico. Além da peritonite bacteriana
espontânea, as infecções de vias urinárias e vias aéreas são prevalentes. Assim, a
antibioticoterapia é recomendável a todos os hepatopatas que apresentam ascite e estão
hospitalizados por HDA varicosa. As quinolonas são as mais utilizadas, como o ciprofloxacino
intravenoso ou o norfloxacino oral. A antibioticoterapia é recomendável a todos os hepatopatas
que apresentam ascite e estão hospitalizados por HDA varicosa!

TRATAMENTO DA HEMORRAGIA

A prioridade no atendimento de pacientes com HDA varicosa são as estabilidades


respiratória e hemodinâmica. A reposição deve ser feita por acessos venosos periféricos e
calibrosos. Utilizam-se, também, proporcionalmente, mais derivados do sangue, sempre
visando a pressão arterial média de 70 mmHg e evitando pressões sistólicas superiores a 100
mmHg. Também já se demonstrou que a manutenção ideal do hematócrito está entre 25 e 30%
e hemotransfusões para valores maiores do que estes induzem a maior taxa de ressangramento.

Estabilizadas as partes respiratória e hemodinâmica, está indicada a EDA para a


confirmação diagnóstica de HDA varicosa e a tomada de conduta. É importante ressaltar que,
mesmo em hepatopatas já diagnosticados, pode ocorrer HDA de origem não varicosa, como a
úlcera péptica, em até 30% dos casos.

Para tratamento medicamentoso, a terlipressina, atualmente, é a droga preferida, pois


pode ser administrada em bolus, sem a necessidade de bomba de infusão contínua, o que facilita
muito o manejo clínico, além de causar menor número de reações adversas, como isquemia
miocárdica. A dose é de 2 mg, IV, a cada 4 horas, nas primeiras 24 horas, seguida de 1 mg, IV,
a cada 4 horas, na sequência. A octreotida é um análogo sintético da somatostatina, ministrada
também por via intravenosa, na dose de 100 µg em bolus, seguida da infusão contínua de 50
µg/h. A dose da somatostatina é de 250 µg em bolus, seguida de infusão contínua de 250 a 500
µg/h. O tempo de manutenção dessas drogas varia de dois a cinco dias.

Entre as modalidades para hemostasia endoscópica, a ligadura elástica é proposta como


primeira escolha pelo fato de não ter que perfurar o vaso e poder ser realizada mesmo se houver
distúrbio de coagulação. Outra forma de tratamento é a escleroterapia, com injeção de uma

25
substância esclerosante, que, nesse caso, não deve ser feita se houver distúrbio de coagulação.
Nas varizes de fundo gástrico, prefere-se a obliteração com cianoacrilato. O tratamento
combinado farmacológico e endoscópico é superior a cada uma das modalidades terapêuticas,
devendo o tratamento farmacológico preceder o endoscópico. Entre as modalidades para
hemostasia endoscópica, a ligadura elástica é proposta como primeira escolha por sua maior
segurança e efetividade!

Até 10% dos casos não terão sucesso no controle do sangramento, ou poderão apresentar
ressangramento nas primeiras 24 horas depois da primeira endoscopia. Nesses casos, uma
segunda tentativa de hemostasia endoscópica deve ser feita, obrigatoriamente, com método de
hemostasia diferente do primeiro. Em situações eletivas de erradicação das varizes, a ligadura
é o método de escolha independentemente do tratamento inicial.

Pacientes com sangramento persistente mesmo durante as medidas iniciais são


candidatos à passagem do Balão de Sengstaken-Blakemore (Figura 1), o qual deve ser colocado
em pacientes com via aérea protegida. Inicialmente, o balão gástrico é preenchido com 300 a
400 mL de água destilada ou solução fisiológica e é tracionado para se posicionar no fundo
gástrico. Em seguida, o balão esofágico é insuflado até atingir a pressão de cerca de 30 mmHg
(valores comuns vão de 20 a 40 mmHg). Se possível, o ideal é individualizar cada caso e insuflar
até dois terços da pressão arterial média. Pelo alto risco de complicações, como necrose e
perfuração esofágicas e broncoaspiração, o balão deve ser mantido somente até a estabilização
da pressão arterial e a reposição dos fatores de coagulação. O ideal é mantê-lo locado por 24
horas e retirá-lo sob visão endoscópica

26
ALGORITMO PARA TRATAMENTO DE HDA

A prioridade é a estabilização hemodinâmica nos pacientes com sangramento agudo:

• Perda de volume < 15% não apresenta hipotensão ou taquicardia. Obs.: pacientes em
uso de betabloqueador e idosos podem não apresentar taquicardia, enquanto grávidas e
crianças podem apresentar sintomas.
• Taquicardia em repouso (> 100 bpm) e hipotensão postural, indicam uma perda de
15-30% do volume sanguíneo.
▪ Ressuscitação volêmica com cristaloides até 2L, mais do que isso pode aumentar
o sangramento ativo ou voltar a sangrar.
▪ Pacientes que não melhoram, idosos e com sinais de falência orgânica,
necessitam de concentrado de hemácias.
• PAS < 90 mmHg, agitação, confusão ou letargia, com extremidades frias, indica choque
hipovolêmico com > 40% de perda do volume sanguíneo.
▪ Transfusão sanguínea com concentrado de hemácias.
▪ Intubação orotraqueal eletiva é recomendada antes da endoscopia, em pacientes
com choque hipovolêmico, hematêmese em curso, alteração do estado mental,
comprometimento respiratório e para minimizar o risco de aspiração.
• Realizar EDA precocemente (12h a 24h após admissão) após estabilização
hemodinâmica e medidas iniciais.
• É preciso monitorizar o paciente, solicitar exames laboratoriais, como tipagem
sanguínea, prova cruzada, hemograma, coagulograma e função hepática. Aqueles com
sangramento ativo e coagulopatia (RNI > 1,5) e/ou plaquetas < 50.000/mm3, devem
receber plasma fresco congelado e/ou plaquetas. De modo geral, objetiva-se manter Hb
> 7 mg/dL.
• Hemotransfusões acima de > 10 U de concentrados de hemácia → devem ser repostos
também plasma fresco, plaquetas e cálcio.

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OBS: Estabilização hemodinâmica deve ser feita para todo paciente que chega com
sangramento (principalmente com sinais de choque hipovolêmico), porém temos o tratamento
específico para a HDA:

ÚLCERA PÉPTICA – TRATAMENTO CLÍNICO-ENDOSCÓPICO

• Medicamentos que diminuam a acidez gástrica para aumentar a estabilidade do coágulo.


❖ IBPs endovenoso: Omeprazol ou pantoprazol, 80 mg em bolus, manutenção com 8
mg/h durante 72 horas.
• Análogos da somatostatina reduzem do fluxo sanguíneo esplâncnico e diminuem a
secreção ácida, sendo útil para sangramentos ativos e estão aguardando a endoscopia ou
cirurgia e aqueles em que a cirurgia está contraindicada.
• A terapia endoscópica depende da Classificação de Forrest:
❖ Sangramento ativo:
▪ Ia – Importante em jato
▪ Ib – Menor
❖ Sem sangramento ativo:
▪ IIa – Vaso visível
▪ IIb – Úlcera com coagulo aderido
▪ IIc – Úlcera com manchas de hematina

❖ ÚLCERA COM BASE LIMPA

O tratamento endoscópico está recomendado em caso de sangramento ativo ou vaso


visível com terapia combinada de epinefrina e termocoagulação. O uso de clipe hemostático
é efetivo e pode ser utilizado combinado com os injetáveis e térmicos.

ÚLCERA PÉPTICA – TRATAMENTO CIRÚRGICO

Está indicado para pacientes que não respondem aos outros métodos, choque
hipovolêmico e aqueles que necessitam de > 6 U de concentrado de hemácias.

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VARICOSA – TRATAMENTO CLÍNICO-ENDOSCÓPICO

• Profilaxia de peritonite bacteriana espontânea, complicação comum da HDA


varicosa em pacientes cirróticos.
▪ Norfloxacina 400mg, VO, 2x ao dia, 7 dias.
▪ Ciprofloxacina ou cefalosporina de 3a geração (Ceftriaxone 1g, IV, 1x ao dia).
• Análogos da somatostatina e vasopressina:
▪ Terlipressina – está associada a redução da mortalidade – 2-4 mg IV, em bolus,
com manutenção de 1-2 mg de 4/4h, até hemostasia ou até 5 dias.
▪ Somatostatina 250 μg, IV, seguida de infusão contínua de 250 a 500 μg.
• Escleroterapia endoscópica ou ligadura elástica (preferência): interromper o fluxo
sanguíneo local.

VARICOSA – TAMPONAMENTO COM BALÃO ESOFÁGICO

Aplica pressão direta sobre a variz sangrante e pode salvar vidas na impossibilidade de
terapia endoscópica em pacientes instáveis e com sangramento volumoso.

VARICOSA – TIPS

Procedimento radiológico que cria um shunt entre a veia hepática e a veia porta intra-
hepática, desviando o fluxo sanguíneo hepático e há rápido controle do sangramento.

Possui alta mortalidade entre os pacientes com doença hepática avançada e


cardiopulmonar grave, sendo o shunt cirúrgico esplenorrenal é uma opção mais segura.

VARICOSA – PROFILAXIA

• Primária: Betabloqueadores e ligadura endoscópica nos vasos de médio a grosso


calibre.
▪ Propranolol 320 mg/d ou nadolol 80 mg/d no máximo.
• Secundária: A associação de betabloqueador e ligadura é considerada mais efetiva,
sendo preciso considerar shunt cirúrgico e TIPs nos casos de sangramento vigente.

29
CETOACIDOSE
CETOACIDOSEEEESTADO
ESTADOHIPEROSMOLAR
HIPEROSMOLAR

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus pode descompensar o seu quadro metabólico de forma exacerbada,


trazendo graves problemas para o paciente, que se apresenta com níveis glicêmicos extremos
associados a uma perda hidroeletrolítica bastante acentuada. No diabetes tipo 1, a cetoacidose
diabética é a complicação que participa da história natural desta doença, quando não tratada
adequadamente com insulina ou quando surge um grave estresse metabólico. No diabetes tipo
2, a cetoacidose ocorre somente em condições de estresse máximo, como na sepse. Entretanto,
níveis glicêmicos superiores a 1.000 mg/dl podem ocorrer, determinando por si só um quadro
neurológico potencialmente fatal por conta da hiperosmolaridade.

O tratamento precoce das complicações metabólicas agudas do DM muitas vezes pode


salvar a vida do paciente. Infelizmente, o que se ver na prática em muitas unidades de
emergência é a falta completa de organização e de interação entre o médico emergencista e o
técnico do laboratório, o que pode custar a vida desses pacientes que precisam de uma terapia
regrada e ao mesmo tempo agressiva. Dentre as complicações agudas do diabetes, quatro se
destacam pela frequência: hipoglicemia, cetoacidose alcoólica, além das que serão discutidas
neste capítulo, que são a cetoacidose diabética e o estado hiperosmolar não cetótico.

CETOACIDOSE DIABÉTICA (CAD)

É a complicação mais grave do DM tipo 1, com uma mortalidade em torno de 100% se


não tratada, e de 5% se adequadamente tratada. A cetoacidose possui alterações metabólicas
que podem ser compreendidas como uma exacerbação do que ocorre normalmente no jejum, e
é marcada por três achados clínicos:

• Hiperglicemia;
• Cetonemia;

30
• Acidose metabólica com ânion-gap elevado.

Essa complicação ocorre em cerca de 30% dos adultos e 15-67% das crianças e
adolescentes no momento do diagnóstico de DM tipo 1, sendo a principal causa de óbito em
diabéticos com menos de 24 anos. Entre alguns fatores de risco para cetoacidose, pode-se citar:
sexo feminino, doenças psiquiátricas, baixo nível socioeconômico, episódios prévios de
cetoacidose etc.

No DM tipo 2, a ocorrência de cetoacidose é mais rara, geralmente surgindo em


condições de estresse, como infecções graves. No entanto, como já mencionado anteriormente,
parece haver um fenótipo de indivíduos com DM tipo 2, especialmente afro-americanos, que
comumente abrem o quadro com cetoacidose, mas, revertido esse episódio, são controlados com
medicação oral e dieta. Cetoacidose também pode ser encontrada nos casos de diabetes
secundário, como ocorre em algumas doenças endócrinas (ex.: acromegalia, Cushing,
hipertiroidismo), pancreatite etc.

A fisiopatologia da cetoacidose pode ser entendida da seguinte forma:

I. Quando o organismo é privado de fontes energéticas exógenas (alimentos), há queda


da glicemia e dos níveis plasmáticos de insulina, com elevação concomitante dos
hormônios contrainsulínicos (glucagon, cortisol, GH e catecolaminas).

II. As reservas energéticas endógenas passam a ser utilizadas, ocorrendo consumo do


glicogênio hepático, lipólise com produção de ácidos graxos e glicerol e catabolismo
muscular, gerando aminoácidos.

III. No fígado, os ácidos graxos serão convertidos em cetonas – um processo conhecido


como cetogênese. No jejum, este processo é revertido pela alimentação, quando
ocorre aumento da secreção pancreática de insulina. No DM tipo 1, a ausência de
insulina perpetua e agrava este desarranjo metabólico, com um aumento absurdo da
produção hepática de corpos cetônicos que traz graves consequências clínicas.

1. HIPERGLICEMIA

A hiperglicemia é consequência, principalmente, do aumento de produção hepática de


glicose, mas, também, devido à diminuição relativa de sua utilização pelos tecidos, à

31
hemoconcentração resultante da diurese osmótica por ela induzida e, tardiamente, pela
diminuição da excreção de glicose na urina secundária à deterioração da função renal. A
glicemia varia em média entre 400-800 mg/ dl e, isoladamente, não serve como parâmetro de
gravidade.

2. CETONEMIA

Os corpos cetônicos são produzidos em larga escala devido à lipólise excessiva. O que
libera uma grande quantidade de ácidos graxos livres na circulação, situação que ocorre quando
os níveis de insulina encontram-se extremamente baixos. Os principais cetoácidos produzidos
na cetoacidose diabética são o ácido beta-hidroxibutírico, o ácido acetoacético e a acetona (essa
última, por ser volátil, é eliminada na respiração causado o chamado hálito cetônico), ocorrendo
seu acúmulo devido a uma produção muito maior que a capacidade de consumo e excreção. No
plasma se dissociam em cetoânions (beta-hidroxibutirato e acetoacetato) e H+.

São produzidos, em média, 500 a 1.000 mEq por dia de cetoácidos neste distúrbio
metabólico. Sua excreção pelo rim depende da função renal prévia e do grau de desidratação do
paciente. Parte dos ácidosgraxos livres resultantes da lipólise no tecido adiposo é convertida em
triglicerídeos no fígado, ocorrendo hipertrigliceridemia grave.

Fato interessante é que, como as fitas reagentes que detectam corpos cetônicos só
identificam o acetoacetato, os níveis de corpos cetônicos podem estar inicialmente baixos, pelo
excesso relativo de beta-hidroxibutirato. À medida que ocorre o tratamento da cetoacidose,
ocorre a conversão de beta-hidroxibutirato a acetoacetato, podendo paradoxalmente “piorar” a
cetonúria. Por esse motivo, não se deve usar a cetonúria como parâmetro no tratamento da
cetoacidose.

3. ACIDEMIA

A acidose metabólica, consequente ao excesso de cetoácidos, é do tipo ânion-gap


aumentado, devido ao acúmulo dos cetoânions, neste caso o beta-hidroxibutirato e o
acetoacetato. No curso da cetoacidose podem também associar-se acidose metabólica do tipo
ânion-gap normal (hiperclorêmica) e acidose lática por hipoperfusão tissular (que também cursa
com ânion-gap aumentado). A acidose com AG normal ocorrerá se os cetoânions forem

32
eliminados ou consumidos antes da correção do excesso de H+.

4. DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS

A elevação da osmolaridade sérica provoca a saída de fluido do compartimento intra


para o extracelular, carreando eletrólitos como potássio, cloro e fosfato. Uma vez no espaço
intravascular, estes elementos são eliminados em grande quantidade na urina devido à diurese
osmótica consequente à hiperglicemia. Na cetoacidose, temos uma situação paradoxal em
relação ao potássio e ao fosfato: apesar de uma grande perda urinária e grave espoliação
corporal destes elementos, os seus níveis séricos mantêm-se normais ou elevados. Tal situação
deve-se, basicamente, a três motivos:

(1) a depleção de insulina predispõe à saída de potássio e fosfato das células;

(2) a hiperosmolaridade extrai água e potássio das células; e

(3) a acidemia promove a entrada de H+ nas células em troca da saída de potássio. A


gravidade do quadro permite que se estime o deficit de água e eletrólitos, conforme é mostrado
na tabela 1.

Tabela 1. Deficit estimado de água e eletrólitos na cetoacidose diabética moderada a grave.

Água 100 ml / kg
Sódio 7 a 10 mEq/kg
Cloro 5 a 7 mEq/kg
Potássio 5 a 10 mEq/kg
Fosfato 1 mmol/kg
Magnésio 1 mmol/kg
Cálcio 1 a 2 mmol/kg

Fontes: Kitabchi AE, Wall BM. Diabetc Ketoacidoses. In: Endocrine Emergencies. Med Clin Nor Am
1995 1:9-37. e Alberti KG. Diabetic Emergencies. Br Med Bull 1989 45:242-63

5. ANAMNESE E EXAME FÍSICO

FATORES PRECIPITANTES

Em cerca de 40% dos casos o fator desencadeante da cetoacidose é infeccioso, devendo


ser pesquisado na história clínica. As infecções – como a pneumonia, ITU, gastroenterite e
diversas outras – compõema causa mais comum de cetoacidose diabética em diabéticos tipo 1.

33
Outras causas comuns de descompensação são o abuso de bebidas alcoólicas, o uso de
doses inadequadamente baixas deinsulina e a gestação, principalmente na segunda metade. Em
10% dos casos, o diagnóstico de diabetes é estabelecido por ocasião da instalação da
cetoacidose.

Em pacientes mais idosos, sempre devemos lembrar do infarto agudo do miocárdio como
fator precipitante, principalmente porque esses pacientes muitas vezes apresentam infartos
silenciosos. Entre medicações que podem desencadear cetoacidose estão: glicocorticoides,
inibidores de protease, tiazídicos, betabloqueadores, agentes simpaticomiméticos, e
antipsicóticos atípicos (entre eles, olanzapina e clozapina).

SINAIS E SINTOMAS
O paciente frequentemente refere poliúria, polidipsia ou polifagia, associados a astenia
e perda ponderal, principalmente nos dias anteriores à instalação do quadro. Náuseas e vômitos
por gastroparesia são frequentes e contribuem para a espoliação do paciente. Dor abdominal,
principalmente em crianças, por atrito ente os folhetos do peritônio desidratado e por distensão
e estase gástrica, pode estar presente e ser intensa a ponto de simular um abdome cirúrgico.

O paciente tipicamente se apresenta hipo-hidratado, taquicárdico e hiperventilando


(geralmente com uma respiração rápida e profunda lembrando o ritmo de respiratório de
Kussmaul) como resposta à acidemia. A ausência de derrame pleural ou infiltrado pulmonar no
paciente severamente hipovolêmico não exclui o diagnóstico de infecção respiratória, podendo
evidenciar-se com a reidratação. O hálito cetônico (que possui um cheiro parecido com o de
“maçã podre”) é característico. Alterações do nível de consciência, incluindo o coma, podem
ocorrer, especialmente com níveis muito elevados de glicemia. Em cerca de 10% dos casos o
indivíduo pode se apresentar em coma, ocorrendo geralmente quando acontece elevação
significativa da osmolalidade sérica > 320 mOsm/kg.

6. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico definitivo exige a presença de hiperglicemia, acidose metabólica e


cetonemia ou cetonúria significativa – ambos os valores diagnósticos podem ser consultados na
tabela 2.

34
Deve-se lembrar que o método habitualmente usado na pesquisa de corpos cetônicos na
urina e no sangue utiliza a reação do nitroprussiato, a qual detecta a presença de acetoacetato e
de cetona, mas não de beta-hidroxibutirato, o principal cetoânion produzido na cetoacidose
diabética. Por esse motivo, a não detecção de corpos cetônicos não exclui a presença destes.
Nesses casos, pode-se repetir o exame de urina da cetonúria adicionando peróxido de hidrogênio
(água oxigenada), capaz de promover a conversão não enzimática do beta-hidroxibutirato em
acetoacetato, revelando, então, o diagnóstico.

Uma forma mais confiável é a pesquisa indireta através do cálculo do ânion-gap: Ânion-
Gap = Na+ – (Cl– + HCO3–). Caso o valor encontrado esteja acima do normal, basta a exclusão
de hiperlactatemia grave (lactato arterial 5 mM/L) para inferir a presença de cetonemia.

No diagnóstico diferencial, devemos lembrar da cetose de jejum, cetoacidose alcoólica,


acidose pelo uso de medicamentos, como no caso dos salicilatos, e metformina, entre outras
causas de acidose metabólica com ânion-gap elevado, como acidose láctica e insuficiência renal
crônica.

Tabela 2. Critérios diagnósticos de cetoacidose diabética (CAD).

Fonte: Associação Americana de Diabete (ADA), 2006

7. CONDUTA

A conduta terapêutica específica tem por objetivo o restabelecimento da volemia, a

35
queda da glicemia até níveis aceitáveis, a resolução da cetoacidose e a correção dos distúrbios
eletrolíticos.

7.1 REPOSIÇÃO VOLÊMICA VIGOROSA

Deve ser prontamente iniciada, pois é a medida isolada de maior impacto no tratamento
da cetoacidose. A solução de escolha é a salina isotônica (SF a 0,9%), com um volume na
primeira hora em torno de 1.000 ml. O ringer lactato deve ser usado com cautela no início, pois
contém potássio, mas tem como vantagem a menor concentração de cloro. Em cardiopatas ou
outros pacientes de risco para a infusão de grandes quantidades de fluidos, a reposição deve ser
cuidadosamente monitorada. Os objetivos da reposição volêmica são: repor o déficit de água,
manter a pressão arterial, reduzir os níveis de glicemia e melhorar a perfusão tissular e renal, o
que contribui para a reversão da acidose.

Após a primeira hora de hidratação, o ideal é a dosagem do sódio sérico, que deve ser
corrigido pela hiperglicemia, seguindo um desses 2 possíveis cenários: (1) se o sódio corrigido
estiver normal ou elevado (> 150 mEq/l), a reposição deve continuar com salina a 0,45%; (2)
se o sódio corrigido estiver baixo, a solução continua sendo o soro fisiológico a 0,9%.Nesse
momento, a velocidade da reposição é ajustada para 4-14 ml/kg/h (200 e 800 ml/hora),
conforme as necessidades de cada paciente. As perdas hídricas na cetoacidose são, em sua
maioria, hipotônicas. Em crianças e adolescentes, a reposição hídrica inicial deve ser em média
de 20 ml/kg rápido, para a estabilidade circulatória, podendo ser repetida caso persista o choque.

Quando a glicemia atinge 250 mg/dl, a reposição de fluidos deve ser feita com solução
glicosada a 5% e com NaCl a 0,45% para prevenção de hipoglicemia e para a prevenção do
edema cerebral, que poderia ocorrer com uma queda muito rápida da glicemia. A infusão deve
variar entre 150-250 ml/h, mantendo-se a glicemia entre 150-200 mg/dl. A reposição excessiva
de líquidos, que alguns autores consideram como mais de cinco litros em um período de 8h,
pode contribuir para o surgimento de complicações da cetoacidose, como edema cerebral e
síndrome da angústia respiratória, que serão mais bem discutidos adiante.

7.2 INSULINOTERAPIA

Embora seja parte essencial do tratamento da cetoacidose diabética, a insulinoterapia só


será eficaz se as medidas para restabelecimento da volemia estiverem em curso. O início da

36
insulina antes da reposição volêmica pode agravar a hipovolemia e precipitar o choque
hipovolêmico, pois a insulina promove a captação celular de glicose, que provoca a entrada de
água nas células, espoliando o intravascular. Ademais, em casos nos quais há presença de
hipocalemia (K < 3,3), a insulina não deve ser iniciada.

No caso da insulinoterapia intravenosa, deve ser realizada, inicialmente, uma dose de


ataque de insulina regular intravenosa (0,1 a 0,15 U/kg) para sensibilizar os receptores
insulínicos, seguida de infusão venosa contínua de 0,1 U/kg/h. O objetivo é uma queda média
da glicemia de 50 a 75 mg/dl/h. A dose da infusão deve ser dobrada caso esta queda não ocorra.
Ressalta-se que a ausência de queda da glicemia pode sugerir a presença de um processo
infeccioso ou de hidratação inadequada. Além diso, deve-se evitar quedas da glicemia acima de
100 mg/dl/h, devido ao risco de hipoglicemia e de edema cerebral. Por fim, a infusão contínua
deverá ser mantida enquanto durar a cetonúria ou, preferentemente, até a normalização do pH
e bicarbonato, passando-se então para a via SC.

Quando a glicemia atinge valores ≤ 200-250 mg/ dl, a infusão de insulina deve ser
diminuída (0,02-0,05U/kg/h) e SG 5% deve ser adicionado à hidratação. O objetivo é manter
uma glicemia entre 150-200 mg/dl até que a CAD se resolva. A cetonemia pode ser
acompanhada pelo cálculo do ânion-gap, o que deve ser feito a cada duas horas inicialmente e,
posteriormente, a cada quatro horas. A normalização da acidose e da cetonemia demora,
normalmente, o dobro do tempo necessário para que a glicemia atinja 250 mg/dl. Para avaliação
do bicarbonato e do pH séricos, pode-se utilizar amostras de sangue venoso, desde que se corrija
o pH conforme a seguinte equação: pHsangue arterial = pH sangue venoso + 0,03.

Os critérios de resolução da CAD são: (1) pH > 7,3; (2) Bicarbonato > 18 mEq/l; e (3)
Glicemia < 200 mg/ dl. Quando isto é alcançado, é possível liberar a dieta e iniciar o esquema
de insulinização subcutânea conforme valores de glicemia capilar a cada 3 ou 4h. A infusão
contínua de insulina venosa só será suspensa após 1-2h da dose de insulina SC. Com o paciente
estável e se alimentando corretamente, pode-se retornar (ou iniciar) a insulina
NPH/Glargina/Detemir.

37
• ESQUEMA DE INSULINIZAÇÃO SC

No caso da insulinoterapia SC, é importante fazer doses menores antes de dormir e na


madrugada. Alguns estudos recentes têm demonstrado que, nos casos de CAD não
complicados, o uso de análogos ultrarrápidos de insulina (lispro, aspart ou glulisina) por via SC
de hora em hora ou de 2/2h podem ser utilizados. A dose inicial é de 0,3 U/kg SC, seguida de 0,2
U/kg SC. Assim como no esquema de infusão IV, se a glicemia não cair na taxa adequada, a
dose de insulina deve ser dobrada. Quando a glicemia atinge 200 mg/dl, a dose é reduzida para
0,1 U/kg SC a cada 2h, até resolução da CAD.

Tabela 3. Esquema de insulinização SC.

Valor da Glicemia Capilar Dose


≥ 160-200 mg/dl 0,1 U/kg (máximo 4 U)
≥ 200-300 mg/dl valores intermediários
≥ 300-500 mg/dl valores intermediários
≥ 500 mg/dl 0,4 U/kg (máximo 14 U).

7.3 REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO E FOSFATO

Apesar de a hiponatremia ser o distúrbio mais frequentemente visto no momento do


diagnóstico da cetoacidose diabética, são as variações do potássio sérico que carreiam maior
risco para o paciente. A acidose e a hiperosmolaridade elevam o nível deste eletrólito no sangue,
mesmo com uma importante depleção do potássio corporal total. A reposição de potássio pode
ser iniciada caso os níveis séricos estejam < 5 mEq/l, na presença de um fluxo urinário
adequado, conforme as seguintes indicações:

• Se < 3,3 mEq/l ➝ reposição com 40 mEq de potássio.

• Se ≥ 3,3 e < 5,0 mEq/l ➝ adicionar 20 a 30 mEq de potássio por soro.

• Se ≥ 5 mEq/l ➝ não administrar potássio inicialmente, mas checá-lo de 2/2h.

Não há consenso quanto à administração de cloreto ou fosfato de potássio, sendo o


primeiro mais utilizado. Se houver necessidade de reposição de fósforo, pode-se usar um terço
do total em fosfato monopotássico a 20% (1 ml = 1,48 mEq de K) e o restante em KCl a 10%
(1 ml = 1,3 mEq).

38
Vale ressaltar que a administração de insulina na presença de hiperglicemia equivale à
glicoinsulinoterapia, desviando o potássio para o interior das células e agravando a
hipopotassemia. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, o potássio é geralmente reposto
após o início da diurese.

O fósforo apresenta um aumento falso pela acidose, mas as reservas estão diminuídas.
Em geral, sua deficiência não apresenta repercussões clínicas, mas as questões teóricas
envolvidas são de que deficiência de fósforo (< 1) pode levar à queda nos níveis de 2,3-
difosfoglicerato (2,3-DPG), diminuindo a oferta de oxigênio aos tecidos. Sua reposição é
controversa e em geral deve ser avaliada somente nas seguintes situações:

(1) disfunção cardíaca;

(2) anemia;

(3) depressão respiratória; e

(4) nível sérico de fosfato < 1,0 mg/dl.

Quando necessário, 20-30 mEq/L de fosfato de potássio podem ser administrados, em


velocidade não superior a 3-4 mEq/h. A reposição pode levar à queda de Ca e Mg.

A reposição de bicarbonato ainda é controversa, pois os estudos não demonstraram


benefícios da reposição de bicarbonato em pacientes com pH entre 6,9 e 7,1. Segundo a
Associação Americana de Diabetes, somente pacientes adultos com pH < 6,9 devem receber
reposição de bicarbonato, devido aos efeitos potencialmente graves da acidose.

A dose usual é de 100 mEq/L de bicarbonato de sódio diluída em 400 ml de água


destilada, com 20 mEq de KCl (se K < 5,3) IV em duas horas. Algumas complicações da
administração de bicarbonato são: hipocalemia, arritmias cardíacas, sobrecarga de sódio,
diminuição da oxigenação tissular pelo desvio da curva de dissociação da hemoglobina e
acidose liquórica paradoxal. Para pacientes pediátricos, alguns autores recomendam o uso de
bicarbonato quando o pH for < 7,1. A dose a ser administrada pode ser calculada pela seguinte
fórmula: HCO3 oferecido (mEq) = (HCO3 desejado – HCO3 encontrado) x 0,3 x peso, sendo
que o bicarbonato desejado é 12 mEq. O bicarbonato de sódio é diluído em água destilada (1:1)

39
e administrado em duas horas.

8. COMPLICAÇÕES

As complicações podem ser divididas entre aquelas consequentes à doença ou ao


tratamento. No primeiro grupo situam-se a infecção, a hipertrigliceridemia grave (triglicerídeos
> 1.000 mg/dl) e sua decorrência, e a pancreatite aguda. Ainda nesse grupo, ressalta-se o risco
aumentado de eventos trombóticos venosos e arteriais, o que parece ser consequência da
desidratação e aumento da viscosidade e coagulabilidade do sangue. Portanto, deve-se
considerar heparina profilática para pacientes em coma, com idade > 50 anos ou fatores de
risco para trombose.

Porém, nesse capítulo será dado mais ênfases a algumas complicações da terapêutica
que merecem destaque, sendo elas: edema cerebral, Síndrome do Desconforto Respiratório
Agudo, acidose metabólica hiperclorêmica, e mucormicose.

8.1 EDEMA CEREBRAL

É observado em < 1% das crianças com cetoacidose, sendo uma complicação ainda mais
rara em adultos. Porém, quando presente, contribui para uma taxa de mortalidade que pode
exceder 70%. Alguns fatores de risco identificados para a ocorrência de edema cerebral são:
idade < 5 anos, diagnóstico recente, hiper-hidratação, acidose grave, uso de bicarbonato,
hipocapnia, hipoglicemia e aumento na concentração de sódio sérico.

A fisiopatologia por trás dessa complicação obdece ao seguinte raciocínio: (1) o estado
de hiperosmolaridade sérica leva à produção de substâncias osmoticamente ativas no interior
das células do SNC (osmoles idiogênicos), na tentativa de manter um gradiente osmótico
adequado; (2) durante a ressuscitação volêmica, há rápida queda da osmolaridade sérica
(especialmente quando a glicemia cai mais do que 100 mg/dl/h) e influxo de água e eletrólitos
para o meio intracelular, com lento desaparecimento dos osmoles idiogênicos; (3) o
consequente aumento do gradiente osmótico leva ao edema cerebral cuja intensidade é
diretamente proporcional à velocidade da reidratação e à quantidade de sódio ofertado.

Deve-se pensar nesta complicação quando há piora do nível de consciência algumas


horas após o início do tratamento, principalmente se houver rápida queda da osmolaridade

40
sérica e oferta excessiva de água e sódio. Outras manifestações que podem ser encontradas são:
cefaleia súbita de forte intensidade, incontinência esfincteriana, vômitos, agitação,
desorientação, alteração dos sinais vitais (sinais de hipertensão intracraniana, como hipertensão
arterial e bradicardia), oftalmoplegia e alterações pupilares.

Confirma-se o diagnóstico por tomografia computadorizada ou ressonância magnética


de crânio, caso a gravidade justifique tal procedimento.

A terapia consiste no suporte do paciente em depressão do sensório (que pode incluir uso
de manitol e ventilação mecânica) e na lentificação da correção do deficit hidroeletrolítico.

8.2 SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO

Em uma pequena percentagem dos pacientes pode instalar-se a Síndrome do


Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) – uma complicação marcado por uma alta
mortalidade. Sua fisiopatogenia inclui a queda da pressão coloidosmótica intravascular e o
aumento da pressão capilar pulmonar, devido à correção da volemia e ao aumento da
permeabilidade do capilar pulmonar, permitindo a fuga de fluido e proteína para o interstício e
daí para o interior do alvéolo.

Pacientes com suspeita de SDRA devem ser monitorados com cateter de Swan-Ganz
para confirmação diagnóstica e orientação terapêutica. A velocidade da ressuscitação volêmica
parece ser um fator de risco ou, ao menos, um fator desencadeante da síndrome. Embora
alterações na função de troca gasosa pulmonar sejam comuns na fase de reidratação, raramente
há repercussão clínica. Limitam-se a anormalidades detectadas pela análise da gasometria
arterial, como a queda da PaO2 e o aumento do gradiente alvéolo-arterial de O2.

8.3 ACIDOSE METABÓLICA HIPERCLORÊMICA

Com a implementação das medidas para correção das alterações metabólicas, os


cetoânions circulantes são utilizados na produção de bicarbonato pelo fígado. Entretanto, uma
grande quantidade é eliminada pelos rins devido à diurese osmótica. O déficit se evidencia pela
acidose hiperclorêmica (ânion-gap normal), que é agravada pela oferta excessiva de cloro na
fase de ressuscitação volêmica. Este tipo de acidose deve ser diferenciado da cetoacidose, pois
não justifica qualquer medida específica e, com o controle adequado do diabetes, desaparecerá

41
em poucos dias.

8.4 MUCORMICOSE

A cetoacidose diabética é um dos principais fatores de risco para esta grave micose
profunda. É causada por fungos saprófitas do gênero Rhizopus ou Mucor, que invadem o septo
nasal, o palato, atingindo os seios cavernosos e o cérebro. A forma rinocerebral da
mucormicose, caracterizada pela eliminação de uma secreção enegrecida da cavidade nasal,
fruto da extensa necrose (provocada pela formação de microtrombos vasculares). Se não
reconhecida e tratada precocemente, a mucormicose é rapidamente fatal. A terapia é feita com
anfotericina B venosa e cirurgia de extenso desbridamento. Existem outras formas de
mucormicose, como a pulmonar e a gastrointestinal.

ESTADO HIPERGLICÊMICO HIPEROSMOLAR NÃO


CETÓTICO

Até recentemente se utilizava a expressão coma hiperosmolar para definir a síndrome,


eventualmente observada em diabéticos, que associa hiperglicemia grave, hiperosmolaridade
sérica e depressão do sensório, sem cetoacidose. Entretanto, o coma só ocorre de fato em cerca
de 10% dos casos, justificando a substituição pelo termo síndrome ou estado hiperglicêmico
hiperosmolar não cetótico do diabetes mellitus (EHHNC).

Trata-se de uma forma de descompensação típica do portador de DM tipo 2 idoso e, se


comparada à cetoacidose, com mortalidade mais elevada (10 a 17%). Recentemente, a EHHNC
tem também sido descrita em crianças com DM tipo 2. Para que ocorra o EHNC é necessária a
presença de hiperglicemia e ingesta de líquidos inadequadamente baixa. Estes dois fatores
associam-se com frequência no paciente com DM tipo 2 idoso, pois há uma diminuição da
percepção de sede nesta faixa etária.

Assim como na cetoacidose diabética, o fator precipitante mais comum é infeccioso (30
a 60% dos casos), principalmente de foco pulmonar ou urinário. Dentre os fatores não
infecciosos, destacam-se os acidentes cerebrovasculares, o IAM, os quadros abdominais que
cursem com vômitos ou diarreia e as endocrinopatias (Hipertireoidismo, Cushing e

42
Acromegalia). Algumas drogas têm como para efeito a inibição da secreção ou da ação
periférica da insulina, podendo desencadear o EHHNC, inclueindo-se nesta lista os seguintes
medicamentos: betabloqueadores, fenitoína, cimetidina, tiazídicos, simpaticomiméticos e
corticosteroides. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas também pode ser um fator
precipitante, assim como a diálise peritoneal (feita com uma soluçãode glicose).

1. PATOGÊNESE

A patogênese pode ser compreendida como um progressivo aumento da osmolaridade


sérica consequente à hiperglicemia e à hipenatremia, sem uma elevação equivalente da
osmolaridade intracelular. Resulta disso o desvio de fluido do intra para o extracelular. A
diurese osmótica provocada pela hiperglicemia leva à perda de água em maior proporção que
de eletrólitos, agravando a hiperosmolaridade sérica.

Com a contração do volume intravascular adiciona-se ao comprometimento prévio da


função renal um componente pré-renal, diminuindo a eliminação de glicose e elevando mais
ainda seu nível sérico. Tais eventos só são possíveis em um estado de hipovolemia persistente,
pois a reidratação levaria à queda da osmolaridade sérica e ao aumento da eliminação da glicose
pelos rins. Portanto, o estado hiperosmolar só se desenvolve naqueles pacientes cujo mecanismo
da sede (ou o acesso a fluidos) está prejudicado.

Como se pode observar, em vários aspectos a fisiopatologia do EHHNC se assemelha à


da cetoacidose, distinguindo-se essencialmente pela ausência de acidose com cetonemia. Como
no DM tipo 2 há insulina circulante, mesmo em pequenos níveis séricos, já é suficiente para
prevenir a lipólise e a cetogênese, mas não a gliconeogênese excessiva. A inibição da
cetogênese pode ser atribuída à presença de uma quantidade residual de insulina endógena, em
níveis mais baixos de hormônios contrainsulínicos quando comparado à cetoacidose e ao
próprio estado de hiperosmolaridade sérica.

2. ANAMNESE E EXAME FÍSICO

Embora a história possa ser pobre ou ausente em alguns casos, a simples presença de
depressão do nível de consciência em um paciente idoso nos obriga a pensar no diagnóstico de
EHHNC. Em até 40% dos casos o diagnóstico de diabetes pode não ter sido ainda estabelecido.

43
Tipicamente há relato de desidratação progressiva ao longo de vários dias, associado à
pneumonia ou infecção urinária. Pacientes demenciados ou acamados estão sob maior risco de
desenvolver o EHHNC devido à incapacidade de ajustar sua ingesta hídrica às variações diárias.

O uso das drogas anteriormente citadas ou mesmo à submedicação com insulina são
fatores potencialmente desencadeantes e devem ser questionados. Sinais clínicos de
desidratação intensa estão geralmente presentes. Hipotensão e oligúria são manifestações de
hipovolemia importante, com perda de 20 a 40% da água corporal total. Infecção respiratória
ou de outro sítio pode ser evidenciada pelo exame físico cuidadoso. Distensão e dor abdominal
com náusea e vômitos são comuns devido à gastroparesia ocasionada pelo estado de
hiperosmolaridade.

Osachados do exame neurológico são extremamente variados, desde o deficit motor


focal à crise convulsiva generalizada e coma. Semelhante à cetoacidose, sonolência ou coma
profundo só devem ser atribuídos à hiperosmolaridade se está se encontrar acima de 320-350
mOsm/L, respectivamente. Convulsões focais ou generalizadas ocorrem em até 25% dos casos.

O estado de hemoconcentração e hiperviscosidade sanguínea predispõe a fenômenos


tromboembólicos, evidenciados por empastamento e edema de membros ou, na presença de
embolia pulmonar, pela dispneia e demais manifestações características.

3. DIAGNÓSTICO

Os critérios diagnósticos da Associação Americana de Diabetes para o EHHNC são:

(1) Glicose plasmática > 600 mg/dl;

(2) pH arterial > 7,3;

(3) HCO3 > 18; e

(4) Osmolaridade plasmática efetiva > 320 mOsm/kg.

A diferenciação laboratorial entre cetoacidose diabética e EHHNC vai além da presença


ou não de cetonemia. A glicemia atinge níveis mais elevados nesta última, podendo chegar a
2.00 mg/dl, assim como o sódio e a ureia séricos costumam ser mais altos. A osmolaridade
efetiva deve ser calculada pela fórmula: Osm = 2 x Na + Gl/18.

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Acidose metabólica com ânion-gap aumentado pode ocorrer devido à acidose lática ou
urêmica. Alguns pacientes apresentam um padrão laboratorial que mescla os achados da
cetoacidose e do EHNC, com discreta cetonemia, hiperosmolaridade sérica e acidose moderada.

4. CONDUTA

A avaliação clínica e laboratorial segue os mesmos passos daquela proposta para a


cetoacidose diabética. A identificação e correção dos fatores desencadeantes são feitas
paralelamente à instituição das medidas específicas. Um aspecto da conduta terapêutica merece
ser destacado: enquanto na cetoacidose, a insulinoterapia venosa sem a concomitante correção
do deficit hidroeletrolítico é simplesmente ineficaz, no EHHNC constitui medida extremamente
arriscada, podendo levar ao colapso vascular imediato.

O influxo de glicose nas células consequente à insulina ofertada desequilibra o gradiente


osmótico entre o intra e o extracelular, carreando água para o interior das células e agravando a
hipovolemia. Portanto, a insulinoterapia só deve ser instituída após generosa reposição hídrica.
Aqui é obrigatório o uso da insulina regular IV em bomba de infusão, pois os demais esquemas
não foram avaliados nos estudos.

A hidratação venosa é iniciada com solução salina isotônica mesmo na presença de


hipernatremia, pois a concentração de sódio da solução é menor do que a sérica, se esta estiver
acima de 154 mEq/L. Após infusão de 1 a 2 litros nas duas primeiras horas, deve-se substituir
a solução por salina hipotônica (salina a 0,45%), com um volume total de 6 a 8 litros nas doze
horas restantes. Com a hidratação em curso inicia-se insulinoterapia venosa contínua. A maior
sensibilidade à insulina observada nestes pacientes em comparação com aqueles com
cetoacidose, o efeito de hemodiluição e o restabelecimento da diurese concorrem levando à
rápida queda da glicemia. Nas primeiras 24 horas a glicemia deve ser mantida acima de 250
mg/dl, devido ao risco de edema cerebral. A velocidade de queda da glicemia não deve ser
maior que 50-70 mg/dl.

Esses pacientes estão depletados de potássio, embora a calemia possa estar normal ou
elevada, pelo efeito da hiperosmolaridade, porém, a reposição de potássio é a mesma da
cetoacidose.

45
O tratamento das comorbidades e dos fatores desencadeantes é simultâneo à correção
do deficit hidroeletrolítico. Antibioticoterapia deve ser iniciada imediatamente após a obtenção
de culturas, quando o quadro clínico sugerir infecção. A profilaxia da doença tromboembólica
com baixas doses de heparina subcutânea é mandatória. Devido à gastroparesia frequentemente
observada nesses pacientes, indicam-se a drenagem do conteúdo gástrico por sonda e a
utilização de enterocinéticos.

46
AVALIAÇÃO
AVALIAÇÃOE ATENDIMENTO INICIAIS
E ATENDIMENTO AO
INICIAIS POLITRAUMATIZADO
AO POLITRAUMATIZADO

INTRODUÇÃO

O tratamento de um doente vítima de trauma grave requer avaliação rápida das lesões e
instituição de medidas terapêuticas de suporte de vida. Visto que o tempo é essencial, é
desejável uma abordagem sistematizada, que possa ser facilmente revista e aplicada. Esse
processo é denominado “avaliação inicial” e inclui:

• Preparação;

• Triagem;

• Avaliação primária (ABCDE);

• Reanimação;

• Medidas auxiliares à avaliação primária e à reanimação;

• Considerar a necessidade de transferência do doente;

• Avaliação secundária (da cabeça aos pés) e história;

• Medidas auxiliares à avaliação secundária;

• Reavaliação e monitoração contínuas após a reanimação;

• Tratamento definitivo.

A avaliação primária deve ser repetida com frequência para identificar qualquer
alteração do estado clínico do doente que indique a necessidade de intervenção adicional. Essa
sequência é apresentada em sequência para fins didáticos, porque na prática elas correm em
paralelo ou até mesmo simultaneamente.

PREPARAÇÃO: A preparação ocorre em dois cenários clínicos diferentes: primeiro,


durante a fase pré-hospitalar, todos os eventos devem ser coordenados em conjunto com os
médicos do hospital que irá receber o doente. Segundo, durante a fase hospitalar, devem ser
feitos os preparativos necessários para facilitar a rápida reanimação do doente traumatizado.

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• Fase pré-hospitalar: O sistema pré-hospitalar deve ser estruturado de tal
maneira que o hospital de destino seja notificado antes de iniciar o transporte. Deve ser dada
ênfase à manutenção da via aérea, ao controle da hemorragia externa e do choque, à
imobilização do doente e ao transporte imediato ao hospital apropriado mais próximo,
preferencialmente a um centro de trauma credenciado. Além disso, deve-se dar ênfase também
à obtenção e documentação de informações necessárias à triagem ao chegar ao hospital,
incluindo hora do trauma, eventos relacionados ao trauma e história do doente. Os mecanismos
de lesão podem sugerir a intensidade das lesões, assim como alertar para a ocorrência de
traumas específicos, para os quais o doente deve ser avaliado.
• Fase hospitalar: O planejamento antecipado à chegada do doente traumatizado
é essencial. Uma área de reanimação deve estar disponível para receber os doentes
traumatizados. Equipamentos apropriados para a abordagem de via aérea (laringoscópios,
tubos, etc.) devem estar organizados, testados e imediatamente disponíveis. Soluções de
cristaloides aquecidas devem estar prontamente disponíveis para serem infundidas quando o
doente chegar. Também devem estar disponíveis equipamentos adequados de monitoração.
Devem existir normas para a convocação de mais médicos quando necessário. É imprescindível
que existam rotinas que assegurem a resposta rápida do pessoal de laboratório e de radiologia.
Todo o pessoal que está em contato com o doente deve estar protegido contra doenças
transmissíveis, com o uso de precauções padrão (máscara, proteção dos olhos, avental
impermeável, perneiras, luvas) quando em contato com fluidos orgânicos.

TRIAGEM: A triagem envolve a classificação dos doentes de acordo com o tipo de


tratamento necessário e os recursos disponíveis. O tratamento prestado deve ser baseado nas
prioridades ABC (Via aérea e proteção da coluna cervical, Ventilação, Circulação com controle
da hemorragia). Habitualmente existem dois tipos de situações de triagem: múltiplas vítimas ou
vítimas em massa.

• Múltiplas vítimas: Em incidentes com múltiplas vítimas, embora exista mais


que uma vítima, o número de doentes e a gravidade das lesões não excedem a capacidade de
atendimento do hospital. Nessa situação, os doentes com risco de vida iminente e os doentes
com traumatismos multissistêmicos serão atendidos primeiro.
• Vítimas em massa: Em eventos com vítimas em massa, o número de doentes e
48
a gravidade das lesões excedem a capacidade de atendimento da instituição e da equipe. Nessa
situação, os doentes com maiores possibilidades de sobrevida, cujo atendimento implique
menor gasto de tempo, de equipamentos, de recursos e de pessoal, serão atendidos primeiro.

AVALIAÇÃO PRIMÁRIA: Os doentes são avaliados e as prioridades de tratamento


são estabelecidas de acordo com suas lesões, seus sinais vitais e mecanismos de lesão. Nos
doentes com lesões graves, deve ser estabelecida uma sequência lógica de tratamento de acordo
com as prioridades, com base na avaliação geral do doente. As funções vitais do doente devem
ser avaliadas rápida e eficientemente. O seu tratamento deve consistir em uma avaliação
primária rápida, reanimação das funções vitais, uma avaliação secundária mais pormenorizada
e, finalmente, o início do tratamento definitivo. Esse processo constitui o ABCDE dos cuidados
do doente traumatizado e identifica as condições que implicam risco à vida através da seguinte
sequência:

A - Via aérea com proteção da coluna cervical;

B - Ventilação e respiração;

C - Circulação com controle da hemorragia;

D - Disfunção, estado neurológico;

E - Exposição/controle do ambiente: despir completamente o doente, mas prevenindo a


hipotermia.

Durante a avaliação primária, as condições que implicam risco à vida devem ser
identificadas em uma sequência de prioridades baseadas nos efeitos das lesões sobre a fisiologia
do doente, isto porque não infrequentemente não se consegue identificar inicialmente as lesões
anatômicas específicas. Logo, a sequência de prioridades é baseada no grau de ameaça à vida,
ou seja, a maior anormalidade que ameaça a vida é manejada primeiro!

Forma rápida para avaliação simples de um doente em 10 segundos: Uma rápida


avaliação do A, B, C e D no doente traumatizado podem ser obtidas quando você se apresenta,
perguntando ao doente seu nome e o que aconteceu. Uma resposta apropriada sugere que não
há comprometimento grave da via aérea (habilidade para falar claramente), a ventilação não

49
está comprometida gravemente (habilidade para gerar movimento aéreo que permita falar) e
não há maior diminuição do nível de consciência (alerta suficientemente para descrever o que
aconteceu). A falha na resposta a essas questões sugere anormalidades no A, B ou C, que
implicam avaliação e tratamento urgentes.

AIRWAY - Manutenção da via aérea com proteção da coluna cervical

Durante a avaliação inicial do doente traumatizado, a via aérea deve ser avaliada em
primeiro lugar para assegurar a sua permeabilidade. Essa rápida avaliação para identificar sinais
de obstrução da via aérea deve incluir aspiração e inspeção para a presença de corpos estranhos
e fraturas faciais, mandibulares ou traqueolaríngeas, que podem resultar em obstrução da via
aérea. As manobras para estabelecer a permeabilidade da via aérea devem ser feitas com
proteção da coluna cervical. Como medida inicial para permeabilizar a via aérea é recomendada
a manobra de elevação do mento (chin lift) ou de tração da mandíbula (jaw thrust). Se o doente
consegue comunicar-se verbalmente, é pouco provável que a obstrução da via aérea represente
um risco imediato; no entanto, é prudente que a permeabilidade da via aérea seja avaliada a
curtos intervalos de tempo. Cabe enfatizar que os doentes com trauma craniencefálico grave e
rebaixamento do nível de consciência ou portadores de um escore na escala de coma de Glasgow
(GCS) igual ou inferior a 8, habitualmente exigem o estabelecimento de uma via aéreadefinitiva
(isto é, tubo com balão insuflado, na traqueia). O achado de respostas motoras descoordenadas
sugere fortemente a necessidade de uma via aérea definitiva. Durante a avaliação e a
manipulação da via aérea, deve-se tomar muito cuidado para evitar a movimentação excessiva
da coluna cervical. A cabeça e o pescoço do doente não devem ser hiperestendidos, hiperfletidos
ou rodados com o intuito de estabelecer ou manter a via aérea. Com base na história do trauma,
deve-se presumir a perda de estabilidade da coluna cervical. Um exame neurológico isolado não
exclui lesão de coluna cervical. Inicialmente, a proteção damedula do doente deve ser feita e
mantida com uso de dispositivos apropriados de imobilização. A avaliação e o diagnóstico de
lesão específica de coluna, incluindo métodos de imagem, devemser realizados posteriormente.
Caso se faça necessária a retirada temporária do dispositivo de imobilização cervical, um dos
membros da equipe de trauma deve encarregar-se de imobilizar manualmente a cabeça e o
pescoço, mantendo-os alinhados. Podem ser feitas radiografias de

50
coluna cervical para confirmar ou excluir a presença da lesão, após o tratamento das lesões com
risco imediato ou potencial à vida, embora seja importante lembrar que uma radiografia de perfil
identifique somente 85% de todas as lesões. Considere a existência de uma lesão de coluna
cervical em todo doente com traumatismos multissistêmicos, especialmente nos doentes que
apresentem nível de consciência alterado ou traumatismo fechado acima da clavícula.

BREATHING - Ventilação e respiração

A permeabilidade da via aérea, por si só, não garante ventilação adequada. Uma troca
adequada de gases é necessária para que seja possível a oxigenação e a eliminação de dióxido
de carbono num grau máximo. Uma boa ventilação exige um funcionamento adequado dos
pulmões, da parede torácica e do diafragma. O pescoço e o tórax do doente devem ser expostos
para avaliar adequadamente a distensão de veias jugulares, a posição da traqueia e a
movimentação da parede torácica. A ausculta deve ser realizada para se confirmar o fluxo de ar
nos pulmões. A inspeção visual e a palpação poderão detectar lesões da parede do tórax capazes
de comprometer a ventilação. A percussão do tórax também pode identificar anormalidades,
mas no ambiente barulhento da reanimação, isso pode ser difícil ou levar a resultados não
confiáveis. As lesões que podem prejudicar gravemente a ventilação num curto prazo são o
pneumotórax hipertensivo, o tórax instável (retalho costal móvel) com contusão pulmonar, o
hemotórax maciço e o pneumotórax aberto. Tais lesões devem ser identificadas na avaliação
primária e podem exigir atenção imediata para que o esforço ventilatório seja efetivo. O
hemotórax ou o pneumotórax simples, as fraturas de arcos costais e a contusão pulmonar podem
comprometer a ventilação, mas em grau menor, e são habitualmente identificados na avaliação
secundária.

CIRCULATION - Circulação com controle da hemorragia

O comprometimento da circulação no traumatizado pode resultar de muitas lesões


diferentes. Os principais fatores circulatórios a considerar são volume sanguíneo, débito
cardíaco e hemorragia.

51
Volume Sanguíneo e Débito Cardíaco: A hemorragia é a principal causa de mortes
pós-traumáticas evitáveis. Por isso, a identificação e a parada da hemorragia são passos cruciais
na avaliação e tratamento desses doentes. Uma vez descartado o pneumotórax hipertensivo
como causa de choque, a hipotensão em doentes traumatizados deve ser considerada
hipovolêmica até prova em contrário. É essencial a avaliação rápida e precisa do estado
hemodinâmico do doente traumatizado. Os elementos clínicos importantes para informações
são:

Nível de consciência: Quando o volume sanguíneo está diminuído, a perfusão cerebral


pode estar criticamente prejudicada, resultando em alteração do nível de consciência. Contudo,
um doente consciente também pode ter perdido uma quantidade significativa de sangue.

Cor da pele: A cor da pele pode ser importante na avaliação de um doente traumatizado
hipovolêmico. O doente traumatizado com pele de coloração rósea, especialmente na face e nas
extremidades, raramente está criticamente hipovolêmico. Ao contrário, a coloração acinzentada
da face e a pele esbranquiçada das extremidades são sinais evidentes de hipovolemia.

Pulso: Um pulso central de fácil acesso (femoral ou carotídeo) deve ser examinado
bilateralmente para se avaliar sua qualidade, frequência e regularidade. Pulsos periféricos
cheios, lentos e regulares são, usualmente, sinais de normovolemia relativa em doente que não
esteja em uso de bloqueadores beta-adrenérgicos. Pulso rápido e filiforme é habitualmente um
sinal de hipovolemia, embora possa ter outras causas. Uma frequência normal de pulso não é
garantia de que o doente esteja normovolêmico. Mas quando irregular, o pulso costuma ser um
alerta para uma potencial disfunção cardíaca. A ausência de pulsos centrais, não relacionada a
fatores locais, significa a necessidade de uma ação imediata de reanimação para restaurar o
défice sanguíneo e um débito cardíaco adequado.

Hemorragia: Deve-se identificar se a fonte de hemorragia é externa ou interna. A


hemorragia externa deve ser identificada e controlada durante a avaliação primária. A
hemorragia externa significativa deve ser tratada por compressão manual direta sobre o
ferimento. Os torniquetes são efetivos na exsanguinação nas lesões de extremidades, mas
podem causar lesão isquêmica e devem ser utilizados quando a compressão direta não for
efetiva. O uso de pinças hemostáticas pode lesar nervos e veias. As principais áreas de
hemorragia interna são tórax, abdome, retroperitônio, bacia e ossos longos. A fonte de
52
sangramento geralmente é identificada por exame físico e de imagem (por exemplo, radiografia
de tórax, pelve ou avaliação ultrassonográfica direcionada para trauma [FAST]). O tratamento
pode incluir descompressão do tórax, compressão da pelve, uso de imobilizadores e intervenção
cirúrgica.

DISABILITY - Disfunção neurológica

No final da avaliação primária, realiza-se uma avaliação neurológica rápida. Esta


avaliação neurológica estabelece o nível de consciência do doente, o tamanho e reatividade das
pupilas, sinais de lateralização e o nível de lesão da medula espinhal.

A GCS é um método rápido e simples para determinar o nível de consciência e que


permite prever a evolução do doente (particularmente a melhor resposta motora).

https://www.glasgowcomascale.org/downloads/GCS-Assessment-Aid-Brazilian.pdf

53
Escore ECG= (O[4] + V[5] + M[6]); Melhor escore possível= 15; Pior escore possível= 3. Áreas
que não puderem ser acessadas não devem ser numeradas pelo escore, devendo ser consideradas
como “não testadas” (NT) pela escala.

O rebaixamento do nível de consciência pode representar diminuição da oxigenação


e/ou da perfusão cerebral ou ser resultado de um trauma direto ao cérebro. A alteração do nível
de consciência implica necessidade imediata de reavaliação de ventilação, oxigenação e
perfusão. Hipoglicemia, álcool, narcóticos ou outras drogas também podem alterar o nível de
consciência do doente. No entanto, se excluídos os problemas mencionados, toda alteração do
nível de consciência deve ser considerada originária de um trauma ao sistema nervoso central
até que se prove o contrário. A lesão cerebral primária resulta do efeito estrutural do trauma
sobre o cérebro. A prevenção da lesão cerebral secundária, por meio da manutenção de
oxigenação e perfusão adequadas, são os principais objetivos do atendimento inicial.

54
EXPOSITION - Exposição e controle do ambiente

O doente deve ser totalmente despido, usualmente cortando as roupas para facilitar o
exame e avaliação completos. Depois de retirar a roupa do doente e completar a avaliação, o
doente deve ser coberto com cobertores aquecidos ou algum dispositivo de aquecimento externo
para prevenir a ocorrência de hipotermia na sala de trauma. Os fluidos intravenosos devem ser
aquecidos antes de administrados e o ambiente deve ser mantido aquecido. O mais importante
é garantir a temperatura corporal do doente e não o conforto da equipe de atendimento.

REANIMAÇÃO: A reanimação e o tratamento das lesões com risco para a vida logo
que identificadas são essenciais para maximizar a sobrevivência do doente. A reanimação
também segue a sequência ABC e ocorre simultaneamente com a avaliação.

• Via aérea: A via aérea deve ser protegida em todos os doentes e garantida
quando existe a possibilidade de seu comprometimento. A elevação do mento ou a tração da
mandíbula pode ser suficiente como intervenção inicial. Se o doente estiver inconsciente e não
tiver o reflexo de vômito, a utilização de um tubo orofaríngeo pode ajudar temporariamente. Se
houver qualquer dúvida sobre a capacidade do doente manter a permeabilidade de sua via aérea,
deve-se estabelecer uma via aérea definitiva (isto é, intubação).
• Ventilação, respiração e oxigenação: O pneumotórax hipertensivocompromete
dramaticamente e de modo agudo a ventilação e a circulação. Quando suspeitado, deve ser
tratado imediatamente por descompressão torácica. Todo doente traumatizado deve receber
oxigenioterapia suplementar. Se não for intubado, o doente deve receber oxigênio por meio de
uma máscara com reservatório que garanta oxigenação máxima. O oxímetro de pulso deve ser
usado para monitorar a adequação da saturação de hemoglobina.
• Circulação e controle da hemorragia: O controle definitivo da hemorragia é
essencial em conjunto com a reposição apropriada do volume intravascular. Deve-se inserir um
mínimo de dois cateteres endovenosos (EV) calibrosos. É preferível iniciar por punções venosas
periféricas nos membros superiores. O uso de outras veias periféricas, de dissecções e punções
de veias centrais deve ser feito de acordo com as necessidades e levando-se em consideração a
habilidade do médico responsável pelo doente. Assim que a veia for puncionada ou cateterizada,
devem ser retiradas amostras de sangue para tipagem sanguínea e prova cruzada e para os
exames laboratoriais de rotina, incluindo teste de gravidez para todas as mulheres em idade
55
fértil. A gasometria e o nível de lactato devem ser obtidos para avaliar a presença e o grau do
choque. A reanimação volêmica agressiva e contínua não substitui o controle definitivo da
hemorragia. O controle definitivo da hemorragia inclui cirurgia, angioembolização e
estabilização pélvica. Deve ser iniciada a administração endovenosa de fluidos com soluções
cristaloides. O choque associado ao trauma é mais frequentemente de origem hipovolêmica. Se
o doente não responder à terapia inicial com cristaloides, pode ser necessária a transfusão
sanguínea.
A hipotermia pode estar presente quando o doente chega ao hospital ou pode ocorrer
rapidamente na sala de emergência, desde que o doente permaneça descoberto, sejam
administrados rapidamente fluidos à temperatura ambiente ou, ainda, pela administração de
sangue refrigerado. A hipotermia é uma complicação potencialmente letal nas vítimas de
traumatismo. Medidas agressivas devem ser tomadas para evitar a perda de calor corporal e
para restaurar a temperatura do doente a níveis normais. A temperatura da área de reanimação
deve ser aumentada para reduzir a perda de calor pelo doente. Recomenda-se a utilização de
aquecedores de alto fluxo ou de fornos de micro-ondas para aquecer as soluções cristaloides a
uma temperatura de 39°C. No entanto, os hemoderivados não devem ser aquecidos em forno
de micro-ondas.

Medidas auxiliares à avaliação primária e à reanimação: As medidas auxiliares


utilizadas durante as fases da avaliação primária e da reanimação incluem a monitoração
eletrocardiográfica; a cateterização urinária e gástrica; outras monitorações, como frequência
respiratória, gasometria, oximetria de pulso e pressão arterial; e exames radiológicos (tórax e
pelve).

Considerar a necessidade de transferência do doente: Durante a avaliação primária


e a fase de reanimação, o médico que está atendendo o doente costuma ter informações
suficientes para estabelecer a necessidade de transferência para outra instituição. O processo de
transferência pode ser iniciado imediatamente por um profissional administrativo sob a
orientação do médico que está atendendo, enquanto estão sendo tomados cuidados adicionais
de avaliação e reanimação. Assim que a decisão de transferir o doente for tomada, a
comunicação entre o médico atendente e o médico que irá receber o doente é essencial.

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AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA: A avaliação secundária só deve ser iniciada depois de
completar a avaliação primária (ABCDE) e quando as medidas indicadas para a reanimação
tiverem sido adotadas e o doente demonstrar tendência para normalização de suas funções
vitais. A avaliação secundária é um exame do doente traumatizado da cabeça aos pés, isto é,
uma história clínica e um exame físico completos, incluindo a reavaliação de todos os sinais
vitais. Cada região do corpo deve ser examinada por completo. A possibilidade de passar
despercebida uma lesão ou de não se dar o real valor a uma lesão é grande, principalmente em
doentes que não respondem a estímulos ou que se encontram instáveis. Na avaliação secundária
deve ser feito um exame neurológico completo, incluindo a determinação do escore na GCS.
Durante essa avaliação, devem ser feitas as radiografias indicadas. Esses estudos radiográficos
podem ser realizados em qualquer momento da avaliação secundária. Procedimentos especiais,
como exames radiológicos específicos e estudos laboratoriais, são também providenciados
durante essa fase. Uma avaliação completa do doente exige a realização de exames físicos
repetidos.

Toda avaliação médica completa deve incluir a história do mecanismo do trauma. Em


muitas ocasiões, no entanto, não se consegue obter a história do próprio doente. Nesses casos,
devem ser consultados a família e o pessoal de atendimento pré-hospitalar, com o intuito de se
obter informações que possam esclarecer melhor o estado fisiológico do doente. A utilização
do código “AMPLA” é uma fórmula mnemônica útil para alcançar essa finalidade:

• Alergia
• Medicamentos de uso habitual
• Passado médico/Prenhez
• Líquidos e alimentos ingeridos recentemente
• Ambiente e eventos relacionados ao trauma

Medidas auxiliares à avaliação secundária: Lesões despercebidas podem ser


minimizadas mantendo-se um alto índice de suspeição e monitoramento contínuo do estado
clínico do doente. Durante a avaliação secundária, podem ser realizados testes diagnósticos
especializados para identificar lesões específicas. Eles incluem radiografias adicionais da
coluna e das extremidades; TC de crânio, tórax, abdome e coluna; urografia excretora e
arteriografia; ultrassonografia transesofágica; broncoscopia; esofagoscopia e outros
57
procedimentos diagnósticos. Frequentemente, esses procedimentos requerem transporte do
doente para outras áreas do hospital onde os equipamentos e a equipe para tratar condições que
ameacem a vida não estejam imediatamente disponíveis. Por isso, esses exames especializados
não devem ser realizados até que o doente tenha sido cuidadosamente examinado e seu estado
hemodinâmico tenha sido normalizado.

Reavaliação: O doente traumatizado deve ser reavaliado constantemente para assegurar


que novos achados não sejam negligenciados e para descobrir deterioração nos achados
registrados previamente. À medida que as lesões com risco à vida são tratadas, outras lesões
igualmente ameaçadoras à vida, ainda que menos graves, podem tornar-se aparentes. Doenças
clínicas preexistentes podem também tornar-se evidentes e afetar seriamente o prognóstico do
doente. Um alto índice de suspeição corrobora o diagnóstico precoce e seu tratamento.

Tratamento definitivo: A transferência deve ser considerada toda vez que as


necessidades de tratamento do doente excederem a capacidade da instituição que o recebeu.
Essa decisão requer uma avaliação detalhada das lesões do doente e da capacidade da
instituição, incluindo equipamentos, recursos e equipe. Os critérios de triagem inter-hospitalar
ajudam a determinar o grau, o ritmo e a intensidade do tratamento inicial que devem ser
ministrados ao doente traumatizado. Esses critérios levam em consideração o estado fisiológico
do doente, a presença de lesões evidentes, os mecanismos de trauma, as doenças associadas e
fatores outros que podem alterar o prognóstico do doente. O pessoal do serviço de emergência
e dos serviços cirúrgicos deve usar esses critérios para determinar se o doente necessita ser
transferido para um centro de trauma ou para um outro hospital capaz de oferecer um tratamento
mais especializado. O hospital apropriado mais próximo deve ser escolhido com base na sua
capacidade de tratar o doente traumatizado.

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59
CRISE
CRISE HIPERTENSIVA

INTRODUÇÃO

Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença comum no Brasil, tendo prevalência
de 32,5% em adultos. A doença aumenta sua prevalência com a idade, sendo que mais de 50%
dos adultos acima de 60 anos de idade apresentam HAS. A elevação da pressão arterial (PA) é
uma queixa comum em pronto-socorro, correspondendo a 3-25% dos atendimentos e
englobando desde mau controle ambulatorial até, muito menos frequentemente, as
emergências hipertensivas. Quando, por algum motivo, essa elevação adquire um ritmo
abrupto, chegando a suplantar as alterações de forma aguda, surgem alguns sintomas
relacionados à desadaptação dos órgãos suscetíveis (chamados órgãos-alvo), que passam a
apresentar sofrimento e risco de estabelecimento de lesões definitivas.

Em relação às crises hipertensivas, define-se que essa situação é resultante da elevação


abrupta e intensa da pressão arterial que representa ameaça à vida ou estabelecimento de lesão
definitiva em órgão-alvo. Dentro dessa definição, são ainda separadas duas situações distintas:
as emergências e as urgências hipertensivas. Apesar da similaridade das palavras, são
entendidas como emergências aquelas situações em que o indivíduo apresenta risco imediato
de morte ou de lesão definitiva em órgão-alvo, necessitando de intervenção médica imediata e
intensiva. Já as urgências são consideradas aquelas condições em que o indivíduo apresenta
elevação pressórica intensa com risco potencial de órgãos-alvo que, apesar de não levar a
risco imediato de morte, poderá comprometer alterações clínicas associadas, como
insuficiência coronária ou cardíaca. A atuação sobre o controle pressórico deve ser realizada,
porém, de forma menos intensiva, podendo-se estabelecer esse controle em até 24 horas. A
quadro I demonstra diferenças no diagnóstico, prognóstico e conduta nas UH e EH.

Consideramos Urgência Hipertensiva (UH) quando há elevação acentuada da PA


sintomática, sem lesão aguda ou disfunção iminente de órgão-alvo. Em contraste, a
Emergência Hipertensiva (EH) tipicamente têm elevação acentuada da PA (PA sistólica
[PAS] > 180 mmHg e PA diastólica [PAD] > 120 mmHg), com lesão aguda ou piora de lesão
60
crônica de órgão-alvo. Algumas diretrizes utilizam o ponto de corte de 110 mmHg de PAD
para definir UH ou EH.

No Brasil, crises hipertensivas compreendem 0,4-0,6% dos atendimentos no DE,


correspondendo a 1,7% das emergências clínicas. Outras estatísticas indicam que as crises
hipertensivas representam 4,6% dos atendimentos no departamento de emergência. As mais
comuns são edema agudo de pulmão e acidente vascular encefálico. As crises hipertensivas
podem ocorrer em pacientes com e sem diagnóstico prévio de HAS, sendo mais comuns em
homens, em pacientes mal aderentes, obesos e com doença renal crônica. Além disso, há
maior incidência com o aumento da idade.

O principal diagnóstico diferencial das crises hipertensivas são as chamadas


pseudocrises hipertensivas, em que pacientes apresentam achados de níveis pressóricos
elevados associados a queixas de dor torácica atípica, estresse psicológico agudo e síndrome
de pânico, que possivelmente são a etiologia da elevação de níveis pressóricos. Muitos
pacientes apresentam a PA demasiadamente elevada simplesmente por não usarem suas
medicações ou por não saberem ser portadores de hipertensão arterial sistêmica, tratando-se
apenas de hipertensão arterial sistêmica crônica não controlada. Pacientes com pseudocrise
hipertensiva devem ser tratados com repouso, analgésicos ou tranquilizantes e não com
agentes anti-hipertensivos.

Quadro I: Diferenças no diagnóstico, prognóstico e conduta nas UH e EH.

Tipo de crise Apresentação clínica Tratamento

Início imediato,
Neurológica: encefalopatia hipertensiva, AVC preferência por drogas
isquêmico/hemorrágico, hemorragia subaracnóide. hipotensoras
Emergência
Cardiovasculares: dissecção aguda de aorta, infarto endovenosas passíveis de
hipertensiva
agudo do miocárdio, edema agudo dos pulmões, pós- titulação, visando

operatório de cirurgia cardíaca. redução rápida dos níveis


pressóricos

61
Renais: glomerulonefrite aguda, crises renais em
portadores de doenças do tecido conjuntivo, pós
operatório de transplante renal.

Hipertensão arterial sistêmica: hipertensão


acelerada/maligna.

Excesso de catecolaminas: feocromocitoma, abuso de


cocaína ou fenilefrina, rebote por suspensão de anti-
hipertensivos.

Obstétricas: pré-eclâmpsia, eclampsia.

Patologias cirúrgicas: pós-operatório de cirurgia


vascular ou de grande porte, pré-operatório de cirurgia
de emergência, queimadura extensa, epistaxe volumosa.

Início imediato,
Elevação importante da pressão arterial em possibilidade de uso de
portadores de patologias de risco (insuficiência drogas por via oral,
Urgência
coronária controle
hipertensiva
crônica estável, cardiomiopatia dilatada, insuficiência pressórico aceitável em
renal não dialítica) até
24 horas

Priorizar o tratamento
dos
A elevação pressórica, apesar de intensa, não está
sintomas que motivaram
Pseudocrise relacionada a risco de morte, desenvolvimento de
a
hipertensiva disfunção permanente em órgão-alvo ou
vinda do paciente ao
descompensação clínica
serviço
de emergência

62
A fisiopatologia da crise hipertensiva ainda não está bem elucidada. O início abrupto
sugere um mecanismo de gatilho, possivelmente relacionado a vasoconstritores séricos,
sobreposto a hipertensão preexistente. Pacientes com EH apresentam com maior frequência
HAS secundária se comparados a outros pacientes hipertensos. Causas comuns de HAS
secundária incluem hipertensão renovascular, doença renal crônica, hiperaldosteronismo
primário e feocromocitoma.

Em relação ao mecanismo de desenvolvimento de lesões nos órgãos-alvo, acredita-se


que o extravasamento de líquido para o interstício tenha responsabilidade. Os órgãos mais
afetados pela hipertensão arterial têm como característica própria a capacidade de
autorregulação de seu fluxo sanguíneo. Como mecanismo de estabelecimento de lesão de
órgão-alvo, a disfunção endotelial resultante da elevação abrupta da pressão arterial seria a
responsável pela produção preferencial de tromboxano e endotelina, substâncias
vasoconstritoras e que aumentam a adesividade plaquetária, em detrimento da produção de
prostaciclinas e óxido nítrico, potentes vasodilatadores. Esse desbalanço local leva a isquemia
e lesões definitivas nos órgãos em questão.

SEMIOLOGIA

De fundamental importância é a velocidade em que a PA se eleva. Pacientes


normotensos que não tiveram tempo para estabelecer mecanismos autorregulatórios são mais
sensíveis. Os níveis de PA isoladamente não diagnosticam emergência, urgência ou
pseudocrise. A história clínica deve ser completa, focando inclusive antecedentes mórbidos do
paciente, uso de medicações de rotina e das eventuais que possam ter sido consumidas
recentemente, abuso de drogas ilícitas e, em especial, as condições cardiovasculares,
cerebrovasculares e renais. Os sintomas que motivaram o paciente a procurar o serviço de
emergência devem ser explorados de forma adequada, sobretudo quando incluírem queixas de
dor torácica, dispneia ou alterações neurológicas.

Os pacientes devem ter sua pressão arterial aferida nos dois braços e eventualmente nos
quatro membros, de preferência em um ambiente calmo e repetidas vezes, até a estabilização
(no mínimo três medidas). Deve-se rapidamente coletar informações sobre a PA usual do
paciente e sobre situações que possam desencadear o seu aumento (ansiedade, dor, sal,

63
comorbidades, uso de fármacos anti-hipertensivos – dosagem e adesão) ou que possam
aumentar a PA (anti-inflamatórios, corticoides, simpaticomiméticos, álcool).

A ausculta cardíaca deve ser realizada de maneira criteriosa, procurando sopros


cardíacos, principalmente relacionados a disfunções da valva aórtica. Da mesma forma, a
avaliação pulmonar pela ausculta deve ser realizada, na procura de evidências de congestão
pulmonar. Cabe também a pesquisa de sopros na região do abdome, que podem sugerir a
presença de estenoses em aorta ou artérias renais. Os sinais e sintomas específicos de cada
emergência hipertensiva serão discutidos adiante. O quadro II inclui situações que devem ser
procuradas na história de pacientes com suspeita de EH ou UH e os exames físicos.

Quadro II: Achados que sugerem emergências hipertensivas (EH) ou urgências


hipertensivas (UH).

• Sintomas neurológicos generalizados, como agitação, delírio, estupor, convulsões ou distúrbios


visuais

• Traumatismo craniano agudo

• Sintomas neurológicos focais, que podem ser causados por um acidente vascular cerebral
isquêmico ou hemorrágico

• Hemorragias retinianas agudas, exsudatos ou papiledema na fundoscopia direta

• Náuseas e vômitos, que podem ser um sinal de aumento da pressão intracraniana

• Desconforto torácico (isquemia miocárdica ou dissecção da aorta)

• Dor aguda dorsal (dissecção da aorta)

• Dispneia

• Gestação (pré-eclâmpsia ou eclâmpsia)

• Moscas volantes, edema de membros inferiores, proteinúria

• Uso de drogas que podem produzir um estado hiperadrenérgico, como cocaína, anfetaminas,
fenciclidina ou inibidores da monoamina oxidase, ou descontinuação recente de clonidina ou
outros agentes simpatolíticos

64
O estado neurológico deve ser avaliado de maneira adequada, na tentativa de se
valorizar corretamente queixas como parestesias, cefaleia e tonturas, frequentes nessas
condições. Testes de consciência, orientação, sensibilidade e motricidade devem ser
realizados. A avaliação do fundo de olho é obrigatória, sobretudo para pacientes que tenham
queixas neurológicas e renais. A hipertensão do “jaleco branco” é uma entidade frequente e
reconhecida nos ambulatórios, mas esquecida das unidades de emergência, apesar de sua
frequência e associação à pior morbidade quando em frequente apresentação pré-hospitalar.
Na tabela I abaixo estão evidenciados os principais achados da anamnese e exame físico nas
principais apresentações de emergências hipertensivas:

65
LABORATORIAL

A análise da função renal, dos eletrólitos, do hematócrito e da glicemia pode dar pistas
em relação ao comprometimento renal prévio ou ao agravamento dessa condição. O
eletrocardiograma está indicado para se definir a presença de cardiopatia prévia, adaptação
por meio de hipertrofia miocárdica e isquemia cardíaca atual, e serve também, em alguns
casos, como critério de avaliação da efetividade do tratamento, principalmente quando existe
insuficiência coronária associada. Cabe também a dosagem de marcadores de necrose
miocárdica seriada (CKMB, CPK e troponina). A radiografia de tórax tem suas principais
indicações na avaliação da dor torácica e da dispneia associada a hipertensão arterial grave,
para avaliação das alterações de mediastino (dilatação da aorta) e da congestão pulmonar. A
tomografia de tórax e o ecocardiograma transesofágico são excelentes métodos para o
diagnóstico do comprometimento da aorta. A tomografia computadorizada de crânio ajuda na
definição da causa de possível comprometimento neurológico, se esse é secundário a
hemorragias intracranianas, infarto cerebral ou edema.

Comparações dos últimos resultados com exames prévios podem auxiliar na


determinação de quão aguda é a lesão em determinado órgão-alvo. Além desses exames
gerais, outros exames específicos, demonstrados no tabela II, dependerão do tipo de
emergência hipertensiva em questão.

Tabela II – Exames específicos conforme cada tipo de emergência hipertensiva

Edema agudo de pulmão

Tomografia computadorizada (para descartar AVE)


Hipertensão maligna Nada em especial

Eclampsia

66
TRATAMENTO

Quando são excluídas lesões de órgãos-alvo, trata-se de uma UH. Inicialmente, deve-se
checar se o paciente tem acompanhamento médico e verificar sua adesão ao tratamento. Na
maioria dos pacientes, não é necessário controle da PA no pronto-socorro. Pelo contrário, uma
terapia anti-hipertensiva rápida e agressiva pode levar à isquemia cerebral ou miocárdica ou à
injúria renal aguda, caso os níveis pressóricos caiam abaixo do limite da autorregulação da
perfusão desses órgãos.

Os pacientes com emergência hipertensiva devem ser hospitalizados, inicialmente


atendidos na emergência e posteriormente transferidos para UTI. Deverão ser monitorados
quanto ao traçado eletrocardiográfico, oximetria de pulso e PA e receber alguma fonte de
oxigênio. Devem ter obtido acesso venoso para administração de fármacos vasodilatadores.

Deve-se ter cuidado na velocidade de redução, limitando-se a 10 a 20% na primeira hora


de tratamento e mais 10 a 15% nas próximas 23 horas. Em termos práticos, não se deve
reduzir de imediato a PA diastólica para menos de 100 a 110mmHg, já que a hipoperfusão
pode ocorrer quando a PA for reduzida muito abruptamente. Para tanto, devem ser
empregados agentes anti-hipertensivos de uso parenteral, com monitorização constante da PA
(se possível, monitorização invasiva).

Pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares iminentes, como aqueles com
doenças da aorta ou aneurismas cerebrais, beneficiam-se de um controle de PA em horas.
Nessa situação, devem-se utilizar medicamentos por via oral e com meia-vida curta. Entre as
opções estão captopril (6,25-12,5 mg), clonidina (0,2 mg) e hidralazina (12,5-25 mg). O
objetivo é a redução de 20 a 30 mmHg na pressão sistólica em algumas horas. Uma alternativa
é o uso de medicações de efeito prolongado, como a anlodipina ou a clortalidona, com
avaliação ambulatorial em 1 ou 2 dias.

Todos os pacientes em UH devem ter retorno precoce, de modo que suas medicações
possam ser ajustadas com um objetivo de PA menor que 160 × 100 mmHg. Além disso,
devem ser encaminhados para acompanhamento ambulatorial ou reavaliação ambulatorial
precoce. Cabe ressaltar que colocar os pacientes em uma sala silenciosa e calma, o que nem
sempre é possível, pode levar a uma queda da PAS de 10 a 20 mmHg.

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Os betabloqueadores são drogas que têm espaço no tratamento de determinadas
condições relacionadas às emergências hipertensivas, principalmente nas síndromes
coronárias agudas e nos casos de dissecção aguda de aorta. Com seu efeito cronotrópico e
inotrópico negativo, essa classe de drogas garante menor consumo de oxigênio pelo miocárdio
isquêmico e diminui a tensão na parede da aorta, reduzindo a área do miocárdio sob risco de
infarto e a progressão da delaminação da aorta. As principais contraindicações ao seu uso se
relacionam com broncoespasmos em pacientes portadores de doenças pulmonares e
descompensação de cardiomiopatias dilatadas. A insuficiência vascular periférica também
pode ser agravada com o uso desses medicamentos. São drogas que têm o potencial de causar
bloqueios do sistema de condução do estímulo cardíaco, culminando com o bloqueio
atrioventricular total.

Os diuréticos de alça têm indicação no tratamento de condições que cursem com


aumento evidente da volemia, como o edema agudo de pulmão e as emergências hipertensivas
relacionadas à disfunção renal. Os efeitos colaterais dessas drogas são relacionados à depleção
de volume e à hipocalemia, devendo ser evitados nessas condições. Abaixo, no quadro III,
estão as principais drogas utilizadas no tratamento de crises hipertensivas

Quadro III - Principais drogas utilizadas no tratamento de crises hipertensivas

Início de Principais
Fármaco Classe Via Efeitos adversos
ação indicações
5-15 Edema agudo de Depleção de volume,
Furosemida Diurético EV
minutos pulmão hipocalemia
Encefalopatia
Náusea, vômito,
Nitroprussiato Vasodilatação Imediato EV hipertensiva, dissecção
convulsões
da aorta
2-5
Nitroglicerina Vasodilatação EV Insuficiência coronária Cefaleia, vômitos
minutos
10-20
Hidralazina Vasodilatação EV Eclâmpsia Taquicardia reflexa
minutos
10-15 Insuficiência
Enalaprilato IECA EV Piora da função renal
minutos ventricular esquerda

68
15 Insuficiência
Captopril IECA VO Piora da função renal
minutos ventricular esquerda
30
beta-agonista Sonolência, rebote com
Clonidina minutos- VO Urgências hipertensivas
central suspensão abrupta
2h
Bloqueio de
10-15 Urgências
Nifedipina canais de VO Taquicardia, hipotensão
minutos hipertensivas
cálcio
Bradicardia, bloqueio
beta 5-10 Insuficiência coronária,
Propranolol EV atrioventricular total,
bloqueador minutos dissecção da aorta
broncoespasmo
Insuficiência Bradicardia, bloqueio
beta 5-10
Metoprolol EV coronária, dissecção da atrioventricular total,
bloqueador minutos
aorta broncoespasmo
Bradicardia, bloqueio
Insuficiência atrioventricular total,
beta 60
Esmolol coronária, dissecção da broncoespasmo, náusea,
bloqueador segundos
aorta flushing,
dor no local da infusão

RESUMO

• As crises hipertensivas representam 3 a 25% dos atendimentos no departamento de


emergência (DE);

• As urgências hipertensivas (UH) são situações clínicas sintomáticas em que há


elevação acentuada da pressão arterial (PA), definida arbitrariamente como pressão
arterial diastólica (PAD) ≥ 120 mmHg, sem lesão de órgão-alvo (LOA) aguda;

• As emergências hipertensivas (EH) são situações clínicas sintomáticas em que há


elevação acentuada da PA, tipicamente com PAD ≥ 120 mmHg, com LOA aguda e
progressiva;

• Queixas de dor, estresse psicológico agudo e síndrome de pânico associados à PA

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elevada não caracterizam UH ou EH e sim uma pseudocrise hipertensiva. Pacientes
nessa condição devem ser tratados com repouso, analgésicos ou tranquilizantes;
• Exames laboratoriais incluem hemograma, função renal, eletrólitos, urina 1 e
marcadores de hemólise. Outros exames são dependentes da situação clínica.

• A maioria das UH não necessita de intervenção medicamentosa no DE, mas sim


reorientação e encaminhamento ambulatorial precoce.

• A encefalopatia hipertensiva é a LOA clássica das EH. Deve-se ter cuidado na


velocidade de redução, limitando-se a 10 a 20% na primeira hora de tratamento e mais
10 a 15% nas próximas 23 horas.

Figura 1 - Diagnóstico diferencial nas elevações de pressãoarterial.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSAN E COLS. Dor Torácica na Sala de Emergência. A Importância de uma


Abordagem Sistematizada. Arquivo brasileiro de cardiologia, vol 74 (n°1) 13-21, 2000.

FEITOSA-FILHO, G. S.; LOPES, R. D.; POPPI, N. T.; GUIMARÃES, H. P. Emergência


Hipertensivas. Revista Brasileira de Terapia intensiva, 2008; 20(3):305-312.

VELASCO, I. T.; BRANDÃO NETO, R. A.; SOUZA, H. P.; MARINO, L. O., Emergências
Clínicas: abordagem prática; 14ª Ed. São Paulo: Manole, 2020.

Institute of Neurological Sciences NHS Greater Glasgow and Clyde. Escala de coma de
glasgow (ECG). Disponível em: <https://www.glasgowcomascale.org/downloads/GCS-
Assessment-Aid-Brazilian.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2022.

American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Suport. 10. ed. Chicago: Copyright;
2018.

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