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PEDAGOGIA DA PRESENÇA, DO VÍNCULO E DO OPRIMIDO

Pedagogia da Presença, do Vínculo e do Oprimido

A Pedagogia da Presença representa um passo na direção do grande esforço, que se faz necessário,
para a melhoria da qualidade da relação estabelecida entre educador e educando, tendo como base
a influência construtiva, criativa e solidária favorável ao desenvolvimento pessoal e social das crian-
ças, adolescentes e jovens. A Presença Educativa diz respeito a um relacionamento onde duas pes-
soas se revelam uma para a outra. O educador tem que deixar sua vida ser penetrada pela vida do
educando. Isso requer abertura, troca, respeito mútuo, reciprocidade, ou seja, tem que haver um co-
mércio singelo entre as pessoas. Na realidade, é uma troca de “pequenos nadas”. E o que são esses
“pequenos nadas? ” Um bom dia, um olhar, um toque, uma palavra, um incentivo, um gesto, um con-
selho, um sorriso, enfim, são gestos e atitudes que não custam nada mas que podem modificar intei-
ramente nosso trabalho socioeducativo. Isso, entretanto, nunca é feito ou, então, é feito de maneira
muito aquém da necessidade. Aqui está o segredo de todo o processo educativo. É preciso comparti-
lhar momentos de alegria ou de tristeza que o educando está sentindo.

É possível construir uma unidade educativa com os melhores computadores, quadras, oficinas, biblio-
tecas, salas de música etc., mas se ali não houver Presença aquele local começa a se tornar um lu-
gar insuportável para se viver. Por outro lado, podemos ter um lugar sem sofisticação, bastante sim-
ples, mas, tendo Presença, ele pode se tornar um lugar onde é possível desfrutar de muitos momen-
tos felizes.

Podemos afirmar, portanto, que a Presença é uma necessidade básica, pois o primeiro e mais deci-
sivo passo para o educando superar suas dificuldades pessoais é a sua reconciliação consigo mesmo
e com os outros. Muito mais importante que alimentação, lugar para dormir, roupa, matrícula na es-
cola etc., esse educando precisa que suas necessidades de estima sejam satisfeitas, isto é, sua im-
periosa necessidade de sentir-se compreendido e aceito. Aquele que não se sentir compreendido e
aceito, pelo menos por uma pessoa nesse mundo, se torna um perigo para si mesmo e para os ou-
tros.

Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da ação educativa. A Presença é o


conceito central, o instrumento-chave e o objetivo maior desta pedagogia.

A capacidade de fazer-se presente, de forma construtiva, na realidade do educando não é, como mui-
tos preferem pensar, um dom, uma característica pessoal intransferível de certos indivíduos, algo de
profundo e incomunicável. Ao contrário, esta é uma aptidão possível de ser aprendida, desde que
haja, da parte de quem se propõe a aprender, a disposição interior (abertura, sensibilidade, compro-
misso), para tanto.

Esta, vale salientar, é aptidão que apenas em parte pode ser aprendida de forma conceitual “saber de
experiências feito”, a presença é uma habilidade que se adquire fundamentalmente pelo exercício do
trabalho social e educativo. Entretanto, sem uma base conceitual sólida e articulada, fica muito mais
difícil para o educador proceder à leitura, à organização e à apropriação e domínio do seu aprendi-
zado prático.

Sem ignorar as exigências e necessidades da ordem social, o educador somente não aceita a pers-
pectiva de que sua função venha a ser apenas adaptar o educando a isso que aí está. Ele vai mais
longe. Ele quer abrir espaços que permitam ao educando tornar-se fonte de iniciativa, de liberdade e
de compromisso consigo mesmo e com os outros, integrando de forma positiva as manifestações de-
sencontradas do seu querer-se.

Do ponto de vista da Pedagogia da Presença, esta desarticulação entre necessidades e ofertas vem
do fato de que, enquanto os educadores oferecem aos educandos meios para moderar-se e viabili-
zar-se, eles buscam prioritariamente as vias que lhes permitirão encontrar-se.

Explorar a sua situação, compreendê-la e agir de forma construtiva em relação a ela, a partir de con-
frontos progressivamente maduros com a sua realidade, é tarefa que na ordem de importância, ante-
cede a todas as demais. Sua realização é que permite ao educando superar o isolamento e a solidão.
Vista a situação por este ângulo, os aspectos sociais subordinam-se à perspectiva do equaciona-
mento da problemática pessoal do educando a quem dirigimos nosso trabalho social e educativo.

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Uma das grandes tarefas de nosso tempo é possibilitar ao educando com o qual trabalhamos a sen-
sação/certeza de que ele tem valor para alguém, desenvolvendo, a partir disso, o seu autoconceito, a
sua autoconfiança e a sua autoestima. Essa é a nossa grande missão.

O método da Pedagogia da Presença é super simples. O educador tem que se educar para escutar e
educar-se para observar o conjunto dos acontecimentos reais que transcorrem ante os seus olhos,
desde a hora que chega até a hora de dormir.

A observação atenta e metódica dos comportamentos que lhe são próprios tentará conhecer, entre os
ganhos e perdas de sua vida, aquilo a que dá mais importância, atenção, valor. Enfim, será necessá-
rio descobrir neste educando aptidões e capacidades que apenas um balanço criterioso e sensível
permitirá despertar e desenvolver. Só assim, ele encontrará o caminho para si mesmo e para os ou-
tros. E este é o sentido e o objetivo maior da Presença construtiva e emancipadora do educador na
vida do educando.

Quando não temos a disposição de deixar o educando penetrar a nossa vida com a sua experiência,
o veremos na sua pura exterioridade, perdendo de vista a sua interioridade. Assim, não conseguire-
mos captar as dificuldades e impasses reais do educando. A gente faz uma leitura apenas do seu
comportamento, da sua conduta. A gente vê o que sai, mas não o que está por dentro. Apenas o que
está na fachada e, não, o que está por detrás dela.

A explicação para mudanças radicais na vida de uma pessoa que estava indo para o caminho da de-
linquência ou que já estava nela, muitas vezes se dá pela identificação de uma pessoa chave na vida
do outro. Uma pessoa capaz de estabelecer com ela uma relação de reciprocidade, de abertura e de
respeito mútuo. É isso, fundamentalmente, que leva o educando “difícil” a um sucesso inesperado. A
gente ouve comentários do tipo: “Fulano mudou. O que aconteceu com ele? Todo dia tinha ocorrência
disciplinar da parte dele e agora tudo isso acabou”. Quando vamos investigar o que aconteceu cons-
tata-se que esse educando encontrou uma pessoa chave na sua vida que lhe restituiu a consciência
de que ele era compreendido e aceito, de que ele tinha valor para alguém.

O educando muda porque é compreendido e aceito e, não, é compreendido e aceito porque muda. A
compreensão e a aceitação do educando constituem um pré-requisito fundamental e indispensável
para a sua mudança. Isso tem que ser mostrado aos educandos mais pelo curso dos acontecimentos
do que pelo discurso das palavras.

O educador deve criar no cotidiano do trabalho dirigido ao educando oportunidades concretas, acon-
tecimentos estruturadores que evidenciem a importância das normas e limites para o bem de cada
um e de todos. Só assim, o educando começa a comprometer-se consigo e com os outros. É deste
compromisso que nascem as vivências generosas e o calor humano, bases do dinamismo, capaz de
enriquecer e de transformar sua vida.

Ao exercer sua função específica, guiado por uma consciência transformadora e crítica da realidade,
o educador reconhecerá que os dois pólos de sua atividade: o desenvolvimento pessoal e o desen-
volvimento social do educando são duas faces de uma mesma moeda. Ele sabe, mais do que nin-
guém, que a presença do educando em si próprio é a condição de sua presença nos outros em todos
os espaços onde se processa a sua socialização: família, escola, comunidade, trabalho e outros.

Para encontrar os outros, o educando precisa encontrar-se consigo mesmo; para encontrar se con-
sigo mesmo o educando precisa ser compreendido e aceito; ele se sentindo compreendido e aceito
ele vai aumentar sua autoestima, seu autoconceito e sua autoconfiança, porque ele vai ter a sensa-
ção de que tem valor para alguém; se ele tiver a sensação de que tem valor para alguém e de que é
compreendido e aceito, ele vai olhar o futuro sem medo; se ele olhar o futuro sem medo, ele será ca-
paz de plasmar, de construir um projeto de vida; se ele constrói um projeto de vida, sua vida passa a
ter um sentido; se a vida passa a ter um sentido, ele começa a ver com outros olhos os estudos, a
obediência, a profissionalização, o seguimento das regras, o tratamento com as pessoas etc. Tudo
isso se modifica na sua vida. Isso é a Pedagogia da Presença.

Oprimido

A Pedagogia do Oprimido é considerada a principal obra de Freire (GADOTTI, 2004) e está dividida
em quatro capítulos, antecedidos de uma apresentação de Ernani Maria Fiori e uma introdução intitu-
lada “primeiras palavras”: 1. Justificativa da Pedagogia do Oprimido; 2. A concepção ‘bancária’ de

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educação como instrumento da opressão; 3. A dialogicidade – essência da educação como prática de


liberdade; 4. Teoria da ação antidialógica. Beisiegel (2010, p. 79) faz um breve resumo de cada capí-
tulo:

O primeiro é dedicado à análise da “contradição opressor-oprimido”. Examina a situação concreta de


opressão sob a perspectiva dos opressores e dos oprimidos. Conclui afirmando que “ninguém liberta
ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. O segundo capítulo, em
geral mais lembrado pelos leitores, é dedicado ao estudo das concepções bancária e problematiza-
dora da educação. Conclui as análises observando que “ninguém educa ninguém – ninguém se
educa a si mesmo – os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” O homem é visto
como “um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão e seu permanente movimento em busca do
Ser Mais”. O terceiro capítulo discute a relação entre a dialogicidade (a essência da educação como
prática da liberdade) e o diálogo. Examina os temas geradores e o conteúdo programático da educa-
ção, trabalha a metodologia dos temas geradores e suas possibilidades conscientizadoras. Final-
mente, o quarto capítulo é dedicado ao estudo da antidialogicidade e da dialogicidade como matrizes
de teorias antagônicas da ação cultural: uma primeira, que serve à opressão e a segunda, compro-
metida com a libertação.

Medeiros (2013, p. 128-129) destaca como uma das razões que levou Freire a escrever esta obra foi
o problema da humanização/desumanização:

(Coisificação) pela qual passa a nossa sociedade, pois, as contradições aí existentes geram uma to-
talidade desumanizada e desumanizante e, nesse caso, a Pedagogia do Oprimido pode ser enten-
dida como uma Pedagogia Humanista que luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desaliena-
ção, pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”.

Torres (2008, p. 10) complementa estas breves análises em relação à Pedagogia do Oprimido: “Es-
tou convencido de que existem dois livros que marcam importantes desenvolvimentos da filosofia da
educação no século 20: um é Educação e democracia, de John Dewey, e outro é Pedagogia do opri-
mido, de Paulo Freire”. E Gadotti (2004, p. 59) pondera que a Pedagogia do Oprimido, elaborada nos
primeiros anos do exílio é “fruto de um trabalho educativo exercido em situações concretas, e não de
devaneios intelectuais ou simplesmente da leitura de livros”.

O livro Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire traz à tona a questão da relação dialética (contradi-
ção) entre opressores versus oprimidos e de como é necessário uma práxis que possa orientar uma
ação visando a superação dessas contradições.

Em seu primeiro capítulo que tem como título “Justificativa da Pedagogia do Opri-
mido”, Freire (1987, p. 16) discute o processo de desumanização causada pelo opressor a seus opri-
midos “[...] desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas
também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais”.
Freire relata que a forma de imposição que o opressor envolve o oprimido faz com estes “sejam me-
nos”, ou seja, vejam-se em condições onde ele precise do seu usurpador. Neste capítulo Paulo

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Freire desenvolve tal discussão em torno da oposição entre humanização e desumanização e de luta
para recuperar a humanidade dos oprimidos.

E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua humanidade, que é
uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores
dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos (1987, p. 16)

A compreensão de Paulo Freire sobre a Humanização do Ser Humano constrói-se como uma ontolo-
gia do ser. Ele entende que o ser humano é um ser inacabado – no mesmo sentido da filosofia exis-
tencialista sartreana (GARCIA, 2008) – e em processo constante de humanização. Em outras pala-
vras, a vocação ontológica dos seres humanos é um processo contínuo de sua humanização em
busca do “ser mais”. Mendonça (2008) considera que Freire recebeu influência de três vertentes do
humanismo: o humanismo existencialista, o humanismo cristão e o humanismo marxista.

Vale ressaltar que o humanismo existencialista de Freire não se limita apenas ao pensamento de Sar-
tre, mas igualmente ao pensamento de filósofos como Martin Heidegger, Gabriel Marcel e Karl Jas-
pers. E Medeiros (2013, p. 130) ressalta como a vocação ontológica do ser humano: “é ser sujeito e
não objeto. Ser sujeito da história, de sua própria história. Uma história que não se constrói no vazio,
mas em sociedade, em que homens e mulheres se mostram capazes de “ser mais”, mais humanos, e
de superar qualquer situação de desumanização”.

Ao assumir que o problema central da história presente da humanidade seja o de sua humanização,
Freire entende naturalmente que isto se dá em contraposição à sua desumanização, reconhecendo
assim a oposição histórica entre Humanização e Desumanização: o oposto do processo de sua voca-
ção é a desumanização dos seres humanos (MELO JÚNIOR; NOGUEIRA, 2011). Freire reconhece a
desumanização como realidade histórica e ontológica (MEDEIROS, 2013, p. 130). E o processo de
liberdade deve ser vista como uma luta pela libertação da situação de desumanização na qual os
oprimidos se encontram.

A libertação do estado de opressão é uma ação social, não podendo, portanto, acontecer isolada-
mente. O homem é um ser social e por isso, a consciência e transformação do meio deve acontecer
em sociedade. Mas como poderá o homem sair da opressão se os que nos “ensinam” são também
aqueles que nos oprimem? No desenvolver de seu livro, Paulo Freire procura conscientizar o docente
do seu papel problematizador da realidade do educando e de como a educação também tem um pa-
pel importante nesse processo de busca pela liberdade e que, por isso, Freire é levado a aprofundar
alguns pontos discutidos em sua primeira obra: Educação como prática da liberdade.

Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão (1987, p.
29)

A ação política junto aos oprimidos tem de ser uma “ação cultural” para a liberdade. É como homens
que os oprimidos têm de lutar e não como “coisas”. O processo de desumanização coisifica os ho-
mens e, portanto, lutar pela sua humanização é fazer com que estes deixem de ser “coisas”. É preci-
samente porque reduzidos a quase “coisas”, na relação de opressão em que estão, que se encon-
tram destruídos. Para reconstruir-se é importante que ultrapassem esse estado de quase “coisa”.

Essa liberdade que tanto o oprimido almeja, tem que ser conquistada por seu próprio esforço e em
comunhão com os outros, pois como afirma Freire (1987, p. 29), “ninguém liberta ninguém e ninguém
se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”, e quando o mesmo não consegue ver que
é um alienado, não é uma doação que alguém faça, e sim uma busca dolorosa para encontrar essa
liberdade, mergulhados nesse mundo que o opressor o expõe, os oprimidos têm medo dessa liber-
dade, ficam divididos em sair desse mundo o qual está preso ou livrar-se, deixa-os confusos, e conti-
nuam sofrendo interiormente. “A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que
nasce deste parto é um homem novo” (FREIRE, 1987, p. 19). É difícil, exaustivo encontrá-la, mas
quando chegar a ser na vida dos oprimidos, tornam-se seres diferentes do que se podia ver antes.

“Não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma como violenta-
dos, numa situação objetiva de opressão” (FREIRE, 1987, p.23). Os oprimidos se conformam, se aco-
modam e aceitam a violência com que são tratados, não procuram enxergar a realidade ao seu redor,
aceitam tudo com facilidade, são humilhados pelos opressores.

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“Somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores” (FREIRE, 1987, p.24). Ou seja,
no momento em que os oprimidos se libertarem, os opressores deixarão de existir, e assim ambos
encontrariam a liberdade. Opressores geram opressores, e muitos que são oprimidos almejam ser
opressores por causa do “poder” de opressão, que por muitos oprimidos é tido como objetivo. Apesar
do opressor parecer está acima de tudo, ele também não é um ser livre, porque depende do oprimido
para estar acima dos outros, precisa do “poder”.

“Para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos, ou nada
ter dos oprimidos” (FREIRE, 1987, p.25). Os opressores não medem as consequências, para conti-
nuar no seu papel de opressor, quanto mais tem, mais querem ter, torna-se uma busca sem fim, não
ligam se os oprimidos nada tem, o que querem é alcançar seus objetivos, sem com nada se importar.

Mas uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmo como
problema, descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos’’, e se inquietam por saber
mais. O problema de sua humanização, apesar de sempre dever ter sido, de um ponto de vista axio-
lógico, o seu problema central, assume, hoje, um caráter de importante preocupação.

A Pedagogia do Oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos
para esta descoberta crítica, a dos oprimidos por si mesmo e a dos opressores pelos oprimidos, como
manifestações da desumanização.

Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis’’, se volta sobre
eles e os condiciona, então transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa de homens e
mulheres. Ao fazer-se opressora, a realidade implica a existência dos que oprimem e dos que são
oprimidos. A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se na
luta por sua libertação, tem suas raízes aí. A Pedagogia do Oprimido, que busca a restauração da in-
tersubjetividade, se apresenta como pedagogia do homem.

A Pedagogia do Oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O
primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na
práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta peda-
gogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo permanente da
libertação. Segundo Medeiros (2013, p. 129) essa Pedagogia Humanista caracteriza-se ainda:

Por um movimento de liberdade que surge a partir dos oprimidos, sendo a pedagogia realizada e con-
cretizada com o povo na luta pela sua humanidade. É uma pedagogia de homens e mulheres que lu-
tam num processo permanente pela sua libertação, pelo que tem necessariamente de ser feita com o
povo através da reflexão sobre a opressão e suas causas, que gera uma ação transformadora, deno-
minada por práxis libertadora (MEDEIROS, 2013, p. 129).

No capítulo II, Paulo Freire discute “A concepção ‘bancária’ de educação como instrumento da
opressão”, e pretende mostrar as formas mais comuns de se conduzir e manter inertes uma socie-
dade. Por conseguinte, nos leva a aspirar por uma libertação dessa inércia, deste palco de fantoches
cujo manipulador está o opressor e o oprimido como manipulado. Na concepção de Paulo Freire esse
modelo de educação também apresenta formas de controle e opressão e tem na concepção “bancá-
ria” a característica da sociedade opressora: ela deposita conhecimento aos educandos de forma que
o mesmo fique limitado só ao conhecimento que lhe é imposto sem que haja diálogo e debate de opi-
niões e ideias.

Desta forma, Paulo Freire (1987, p. 33) nos conduz a pensar na necessidade de mudança, de liber-
dade e superação do atual estado de inércia, criticando e mostrando alguns caminhos que possam
seguramente nortear tais anseios. Ele traz a discussão de que é o professor quem faz o seu aluno um
mero depositário: “desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos
são os depositários e o educador o depositante”.

Uma vez conhecendo sua situação na sociedade, o educando jamais se curvará para a condição de
oprimido, pois seu lema será a igualdade e por ela buscará. A educação bancária transforma a cons-
ciência do aluno em um pensar mecânico, ou seja, em sentir como se a realidade social fosse algo
exterior a ele e de nada lhe aferisse. “Na concepção bancária, predominam relações narradoras, dis-
sertadoras. A educação torna-se um ato de depositar (como nos bancos); o ‘saber’ é uma doação,
dos que se julgam sábios, aos que nada sabem” (GADOTTI, 2004, p. 69). E Martins (2014, p. 58) res-

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salta como Freire identifica a figura do professor bancário “que atua depositando conteúdos nos alu-
nos, tidos como recipientes vazios que precisam ser preenchidos pelo professor, agente único do pro-
cesso de educação para esta concepção”.

Já a educação problematizadora gera consciência de si inserido no mundo em que vive e diz respeito
à ideia de que deve existir um intercâmbio contínuo de saber entre educadores e educandos, com a
intensão de que os últimos não se limitem a repetir mecanicamente o conhecimento transmitido pelos
primeiros. Além disso, como ressalta Beisiegel (2010, p. 89) “Para a educação problematizadora, en-
quanto trabalho humanista e libertador, a importância assenta em que os homens submetidos à domi-
nação lutem por emancipação”. A educação problematizadora assenta no diálogo através do qual
professores e alunos estabelecem possibilidades comunicativas em cuja raiz está a transformação do
educando em sujeito de sua própria história. É a superação da dicotomia educador versus educando.
Nesse processo de educação problematizadora, o professor aprende enquanto ensina pelo diálogo
de seus educandos, estimulando o ato cognoscente de ambos, ou seja, ensina e aprende a refletir
criticamente.

O processo de educação é um ato eminentemente humano, pois só os homens tem consciência de


sua incompletude e, por isso busca compreender o mundo que vive em sua finitude. Mas é no ser
que transforma que ele percebe a sua importância, portanto é na educação problematizadora que
gera história que se humaniza a sociedade.

O capítulo III tem como tema “A dialogicidade – essência da educação como prática de liber-
dade” e demostra o quanto é importante o desenvolvimento do diálogo no processo educativo em
oposição ao método bancário de transmissão de conhecimento.

Paulo Freire (1987, p. 45) fundamenta o diálogo no amor e aborda também a práxis, que tem como
dimensões: a ação, reflexão e ação transformadora. A palavra tem nesse sentido um valor de trans-
formação, transformar o mundo e aos homens. E para libertar os oprimidos de sua condição de
opressão, utiliza-se do diálogo. Sendo a palavra um direito de todos, e não um privilégio como muitos
defendem e uma ação amorosa, pois: “Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao
mundo e aos homens”.

Neste capítulo Freire (1987, p.56) descreve também alguns elementos chaves do seu “método”, como
a utilização de temas geradores para fomentar o diálogo e o aprendizado. Segundo Freire, “investigar
o ‘tema gerador’ é investigar, repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu
atuar sobre a realidade, que é sua práxis”.

Os temas geradores são importantes e devem partir sempre da realidade e não como a educação tra-
dicional que se baseia em conteúdos pré-estabelecidos. Não é possível ensinar as pessoas simples-
mente com palavras que não sejam do domínio do educando.

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É necessário que haja uma investigação e uma coleta desses temas que fazem parte do convívio so-
cial do povo que se quer ensinar. É possível vermos professores que acreditam que os conteúdos
são mais importantes do que a experiência que o aluno traz da vida, o sujeito não tem um conheci-
mento e se faz necessário inserir os conhecimentos no indivíduo sem se preocupar com a historici-
dade. E os temas geradores são propulsores para novos diálogos.

É extremamente danoso uma sociedade sem o diálogo, sem a troca de experiência, onde o “eu” é de-
tentor da verdade absoluta, e o outro não deve interferir em seus conceitos. Sem diálogo a sociedade
se divide e se torna alvo fácil dos opressores que induzem pessoas fragilizadas e egoístas, onde a
liberdade será quase que impensável.

O diálogo não anula o “eu”, pois parte das nossas próprias experiências, mas em comunhão com o
outro, que também trazendo sua experiência constrói uma nova visão nessa troca de saberes. A li-
berdade é alcançada através de uma consciência crítica na práxis, onde o eu e o outro estarão em
um constante diálogo na transformação da realidade.

Quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, se nos revela algo que já
poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do diálogo,
como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus elementos
constitutivos (FREIRE, 1987, p. 44).

Para nos libertamos das garras dos nossos opressores precisamos encontrar no diálogo a nossa
arma de defesa. A maioria das pessoas é coagida a ficarem silenciadas, não podendo expressar suas
opiniões tornando-se pessoas submissas aos detentores do poder da sociedade vigente. O diálogo é
a base da comunicação, por via dele que conhecermos o outro, suas carências e necessidades. Se
eu não escuto o outro eu não o conheço. A palavra é a chave da libertação do oprimido. E Paulo
Freire volta ao tema do amor como fundamento para o diálogo.

Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pro-
núncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que o funda. Sendo funda-
mento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que
não possa verificar-se na relação de dominação. (1987, p.45).

Somente posso ouvir a voz de quem está ao meu redor se eu tiver amor ao mundo e aos homens,
porque é praticando uma relação harmoniosa que saberei as suas necessidades. O diálogo é o en-
contro dos homens mediatizados pelo mundo. O mundo será o que me ligará aos outro homens e
mulheres, nossas leituras de mundo nos farão reconhecer a importância da comunicação entre o eu e
o tu.

A educação tem que ser pautada na conversa, na comunicação entre professor e aluno e entre os co-
legas, assim a educação se tornará uma educação para a libertação onde todos terão direito em ex-
pressar suas opiniões.

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Com isso o autor nos mostra a importância do contexto social e cultural trazido pelo aluno à sala de
aula. É a partir dessa reflexão da cotidianidade, dos elementos que compõem a realidade do aluno
que deverá ser baseado o conteúdo programático da educação, como propõe Paulo Freire. Dessa
forma a aprendizagem ocorrerá mais rápido, pois é mais fácil trabalhar com palavras que estejam no
dia a dia do povo, para explicar-lhes o sentido.

“Nosso papel não é falar ao povo sobre nossa visão de mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar
com ele sobre a sua e a nossa” (FREIRE, 1987, p. 49). O método da dialogicidade ganha importância
ao conceder aos participantes do processo de ensino e aprendizagem a liberdade de expressão. Aqui
o direito de refletir já não está restrito ao professor que repassa sua visão de mundo, sua realidade,
mas abre-se espaço para que o aluno também possa expressar sua percepção da realidade.

Vemos assim como Freire construiu um importante instrumento educativo na formação de uma cons-
ciência do povo na transformação social: uma educação do povo para o povo e com o povo.

O capítulo IV trata da “Teoria da ação antidialógica” e mostra, por assim dizer, os dois lados da mo-
eda, os quais o próprio autor visualiza o primeiro como incorreto – a Teoria da Ação Anti-Dialógica –,
e o que realmente deveria ser disseminado e seguido – sua Teoria da Ação Dialógica –, na qual des-
creve a importância do homem como ser pensante de práxis sobre o mundo. A ação transformadora
se faz pela reflexão e ação. Demonstra também que um ser que se dedique a liderança revolucioná-
ria da opressão, não deve confundir seu papel de representante do diálogo com os oprimidos, im-
pondo o seu ponto de vista. Tem que levar a verdadeira palavra daqueles que representa emergindo
o novo em meio ao velho da sociedade dominante. Além disso, o caráter revolucionário dos oprimi-
dos, em sua ação transformadora, é uma ação pedagógica, da qual emerge novas possibilidades de
renovação social. O quadro abaixo demonstra os dois lados dessa moeda.

Em sua descrição sobre o sistema de opressão antidialógico, Paulo Freire descreve que são quatro
os elementos utilizados para a realização da dominação (como visto no quadro acima): conquistar,
dividir, manipular e invasão cultural. A primeira delas é a conquista, que segundo Freire (1987, p.
78) “o antidialógico, dominador, nas suas relações com o seu contrário, o que pretende é conquistá-
lo, cada vez mais, através de mil formas”.

O primeiro caráter que nos parece poder ser surpreendido na ação antidialógica é a necessidade da
conquista [...] Todo ato de conquista implica num sujeito que conquista e num objeto conquistado. O
sujeito da conquista determina sumas finalidades ao objeto conquistado, que passa, por isto mesmo,
a ser algo possuído pelo conquistador (FREIRE, 1987, p. 78).

O segundo ponto é dividir, para manter a opressão. A divisão das massas se faz necessária para po-
der dominá-las, pois, um povo unido é sinal de perigo. Esse é o discurso de quem oprime, por isso,
evita-se trabalhar conceitos como lutas, revoltas, união, etc.

Esta é outra dimensão fundamental da teoria da ação opressora, tão velha quanto a opressão
mesma. Na medida em que as minorias, submetendo as maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi-
las e mantê-las divididas são condição indispensável à continuidade de seu poder (FREIRE, 1987, p.
79).

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Além disso, é pela manipulação que os opressores controlam e conquistam as massas oprimidas
para a realização de seus objetivos, “a manipulação, na teoria da ação antidialógica, tal como a con-
quista a que serve, tem de anestesiar as massas populares para que não pensem” (FREIRE, 1987, p.
84). Então o terceiro ponto é a manipulação da elite dominadora, que as massas populares com me-
nos conhecimento político são facilmente enganadas por pessoas que entendem um pouco mais,
usando isso para continuar seu poder sobre eles. Enquanto pessoas que estão ao lado da minoria
tentam contrariar de toda forma esse ato.

Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus
objetivos. E, quanto mais imaturas, politicamente, estejam elas (rurais ou urbanas) tanto mais facil-
mente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder
(FREIRE, 1987, p. 83).

Por fim a invasão cultural é um instrumento da conquista opressora, “neste sentido, a invasão cultu-
ral, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cul-
tura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la” (FREIRE, 1987, p. 86). A
minoria dominante impõe sua visão de mundo e todos se guiam por ele.

Finalmente, surpreendemos na teoria da ação anti-dialógica, uma outra característica fundamental, -


a invasão cultural que, como as duas anteriores, serve à conquista. Desrespeitando as potencialida-
des do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto
cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao
inibirem sua expansão (FREIRE, 1987, p. 86).

Paulo Freire encerra esse capítulo colocando os elementos da ação dialógica, que são: a colabora-
ção, a união, a organização e a síntese cultural.

A colaboração do diálogo entende o outro como o outro e respeita a sua culturalidade. A união da
massa oprimida se faz necessária, e é papel do representante dessa classe mantê-la unida para ga-
nhar força de transformação, “a organização das massas populares em classe é o processo no qual a
liderança revolucionária, tão proibida quanto este, de dizer sua palavra, instaura o aprendizado da
pronúncia do mundo, aprendizado verdadeiro, por isto, dialógico” (FREIRE, 1987, p. 103 – grifo
nosso). A síntese cultural se fundamenta na compreensão e confirmação da dialeticidade permanên-
cia-mudança, que compõem a estrutura social.

Portanto, compreendendo a tese fundamental de Paulo Freire neste livro, vemos que ele elabora con-
ceitos pedagógicos pelos quais o educador deve enveredar-se para uma transformação no contexto
social de dominação que se dá através do processo de educar.

A conscientização se dá por um processo gradual em que se busca a liberdade sem produzir novos
opressores e oprimidos. Ele coloca uma revolução na estrutura social, através da qual o homem
como sendo de fundamental importância a sua existência no mundo, é capaz de fazer sua história,
sem um futuro a priori, como este que é imposto pelas minorias dominantes.

Em virtude dos fatos, Freire, na sua Pedagogia do Oprimido, nos faz compreender sobre a prática da
liberdade com uma nova pedagogia de ação reflexiva e crítica, abrindo fronteiras para o pensar do
homem , e isso tudo se deve na comunicação com o outro, ou seja, no diálogo.

Ao analisarmos essa obra de Paulo Freire, percebemos que até hoje, em nossas escolas, o conceito
de educação problematizadora ainda não conseguiu ser implantada. O professor formador de consci-
entização vive um drama entre ensinar o que pensa ou cumprir com o currículo que lhe é imposto pe-
los órgãos educacionais. Vive pesquisando para preparar uma aula que muitas vezes os alunos nem
param para ouvir por que o conteúdo que o professor tem que cumprir não condiz com a realidade
que seus alunos vivem. Então podemos entender que o sistema educacional de hoje também conti-
nua a disseminar a opressão. Não tanto por causa do professor, mas pelas condições de trabalho
que lhes é imposto. O educador hoje é tão vítima como o oprimido, pois é meramente mais um deles.

Percebemos que esse sistema educacional atual se configura através de uma pirâmide, na qual as
unidades hierárquicas “dominantes” exercem uma forte pressão sobre os “dominados”, prevalecendo
assim, a lei do mais forte. O discurso de Paulo Freire na teoria é encantador e nos faz analisar essa
educação libertadora e dialógica que amplia o senso crítico e faz-nos acreditar como seres iguais na

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capacidade de absorver, transformar e desenvolver novos conhecimentos, porém, sabemos que a re-
alidade vivenciada é total e/ou parcialmente diferente. E que para que tal discurso possa se efetivar
de fato, na prática, é preciso colaboração, união e organização das classes populares, em diálogo
permanente para a transformação da realidade opressora em que vivemos.

Vínculo

A pedagogia do vínculo afetivo foi criada por Yusaku Soussumi a partir de suas investigações sobre o
comportamento e o psiquismo humanos e o funcionamento cerebral, fruto de sua experiência na prá-
tica clínica psicanalítica e neuropsicanalítica, de seu trabalho de desenvolvimento humano e promo-
ção social e de suas investigações no campo da biologia, biologia do cérebro, neurociência, filosofia,
educação, antropologia e sociologia.

Os pressupostos sobre os quais se assenta essa teoria baseiam-se no fato de o ser humano ser uma
espécie em pleno processo de evolução e na descoberta de fenômenos inerentes à configuração do
cérebro humano: a neurogênese e a neuroplasticidade cerebral, de um lado, e, de outro, o fato de o
ser humano ser o único animal que completa o seu desenvolvimento enquanto indivíduo de sua espé-
cie imerso no meio social, do qual depende fundamentalmente para sobreviver. Em outras palavras,
no caso do ser humano, o nascimento do bebê é prematuro, se comparado a outros mamíferos. Além
disso, o bebê humano, totalmente imaturo e dependente, nasce num meio que é produto da cultura
humana e completará seu desenvolvimento, inclusive o cerebral, imerso num meio cultural, num pro-
cesso que é mediatizado pela figura da mãe ou cuidador.

Nessa fase precoce, ocorrem experiências afetivo-emocionais decisivas na vida do bebê que ficam
inscritas para sempre nos circuitos neuronais de seu cérebro sob a forma de registros básicos de me-
mória, os quais serão determinantes, para o futuro, do comportamento predominante do indivíduo.

A fixidez ou flexibilidade de comportamento, bem como a possibilidade de comportamentos predató-


rios ou altruístas dependerão, além das determinações genéticas de cada um, dos registros dessas
experiências precoces, que podem ter se caracterizado por um atendimento pronto e satisfatório das
necessidades desse pequeno ser pela mãe (ou cuidador) — e, nesse caso, teremos um ser que se
guia pela esperança e confiança, pois sabe que a urgência de uma necessidade será atendida em
algum momento, é uma questão de tempo — ou podem ter se caracterizado por uma seqüência de
vicissitudes na relação com a mãe que levam o bebê a uma sensação de total desamparo e aniquila-
mento, responsáveis por indivíduos sem confiança, voltados para a satisfação de seus próprios inte-
resses em primeiro lugar, e predadores na sua relação com o outro e com o grupo. Tanto quanto os
demais seres vivos, o homem é produto da memória, que o leva a repetição de comportamentos ins-
critos em seus registros básicos.

Apesar de, à primeira vista, o comportamento humano parecer tratar-se de um jogo de cartas marca-
das, a neurogênese e a plasticidade neuronal e sináptica do cérebro, bem como a plasticidade ine-
rente a todo processo de aprendizagem, permitem entrever a possibilidade de estabelecimento de no-
vos circuitos que neutralizem os registros primitivos, os quais não podem jamais ser apagados ou
desfeitos. Assim, é possível, sim, operar mudança de comportamento efetiva pela via da educação
e/ou com a ajuda de um trabalho psicanalítico atuando em duas frentes: no desenvolvimento da aten-
ção e da autopercepção do indivíduo, mediado pela presença do outro significativo.

A pedagogia do vínculo afetivo parte do pressuposto de que todo e qualquer processo educacional
que promova uma construção de bases estruturais orgânicas, que ancoram modos de ser e de se
comportar duradouros, acontece por intermédio de experiências que se fazem acompanhar de afetos,
emoções e sentimentos. Esses afetos e emoções podem ser positivos ou negativos e o fato de serem
positivos ou negativos fará toda a diferença no desenvolvimento psíquico do indivíduo, como já pude-
mos analisar. Por isso, todo trabalho educacional como todo trabalho terapêutico assentam-se, em
primeiro lugar, sobre as mesmas bases afetivo-emocionais, construindo-se a partir de quatro eixos
fundamentais: a capacidade de perceber, a si e ao outro; a capacidade de compreender o sentido
que a percepção constrói a respeito de si, do outro, das coisas, dos acontecimentos e do ambiente; a
capacidade de questionar-se de forma permanente sobre esse sentido, e a capacidade de estabele-
cer trocas e trocas criativas.

Por isso, um dos pilares da pedagogia do vínculo afetivo é a maternagem substitutiva, por meio da
qual os educadores estabelecem com os educandos uma relação vincular que mimetiza a relação

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que deveria ter sido estabelecida entre mãe e bebê desde a concepção, e que é a relação afetiva por
excelência. No caso dos educadores, o vínculo afetivo se estabelece com os educandos à medida
que cada educador é capaz de vencer a barreira de seu próprio ego na tentativa de captar a realidade
do educando a partir do referencial dele, educando, sem deixar que o referencial do educador interfira
nesse processo de conhecimento. A pedra de toque desse processo é a escuta, de tal forma que é
indispensável que o educador tenha desenvolvido uma grande capacidade de escuta, base dessa e
de qualquer relação vincular afetiva. Nesse sentido, o primeiro passo do trabalho educacional é que
se estabeleça uma relação empática entre educador e educando, o que fatalmente acaba aconte-
cendo pelo contato freqüente entre ambos, inclusive com a família do educando, contato esse que
não deve limitar-se ao formalmente estabelecido no projeto educacional, mas deve estreitar-se em
encontros numerosos, não programados, de forma a aproximar afetivamente educador e educando.

O trabalho dos educadores não se refere propriamente a levar educação formal ou programas de ca-
pacitação ou formação profissional a essas pessoas. Essa abordagem não vê a educação como
transferência de informação nem o conhecimento como aquisição de informação, mas como a possi-
bilidade de construir, com cada indivíduo, caminhos de aprendizagem que sejam ao mesmo tempo
caminhos de transformação desse sujeito do conhecimento. Na base dessa atitude está a construção
de um processo eminentemente dinâmico de conhecimento e autoconhecimento, em que a participa-
ção ativa do sujeito, com as funções de atenção e percepção em alerta, faz emergir um sentido para
o seu objeto de conhecimento, emergência essa que se constrói sempre a partir de um referencial
que é o do sujeito. Assim, o caminho de aprendizagem de cada indivíduo é único, porque se constrói
a partir da sua historia filogenética, ontogenética e epigenética, o que significa dizer que cada um
constrói o seu caminho a partir da sua biografia.

É parte do trabalho dos educadores adotar uma atitude mediatizadora entre as necessidades e os de-
sejos dos educandos e as instituições ou pessoas que possam atendê-los de alguma forma na comu-
nidade local ou fora dela, após o trabalho de contato e conscientização.

O foco do trabalho dos educadores está em desenvolver com os educandos uma relação afetiva de
tal qualidade que supra justamente aquilo que lhes faltou no seu desenvolvimento precoce ou que
lhes trouxe conseqüências danosas para sua formação. A idéia é desenvolver com essas pessoas
uma relação que lhes permita restaurar ou criar um núcleo de confiança e esperança, a partir do qual
possa ser criado o núcleo de identidade de que essas pessoas carecem, para, só então, desenvolver
o desejo, o objeto do desejo e a capacidade de sonhar, que prenuncia a confiança de que, com o pró-
prio esforço, determinação e trabalho, será possível alcançar o que se almeja.

A pedagogia do vínculo afetivo permite empreender um trabalho profundo de mudança das experiên-
cias afetivo-emocionais registradas, o que redundará em mudanças nos níveis de consciência de si
mesmo e do outro, construindo ou retomando o caminho do desenvolvimento humanídeo de cada
um. É por meio do estabelecimento de um vínculo afetivo-emocional de alta qualidade em termos hu-
manísticos, perdido ou nunca vivenciado, que será possível construir a própria identidade e tudo o
mais que daí decorre em termos psíquicos.

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