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DESCRIÇÃO

Fundamentos, conceitos e teorias acerca da teoria geral do delito e do conceito analítico de crime.

PROPÓSITO
Compreender os detalhes do diploma do concurso de delitos no Direito brasileiro é uma questão fundamental para um entendimento mais amplo de todas as nuances que compõem o
concurso de crimes, o qual acarreta diversas consequências para a dosimetria da pena.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar este estudo, tenha em mãos o Código Penal.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Identificar os objetos e as concepções gerais e específicas do concurso de crimes

MÓDULO 2

Analisar as teorias e espécies de concurso de crimes

MÓDULO 3

Distinguir o cálculo de pena para cada modalidade do concurso de crimes, bem como a questão da prescrição nessas hipóteses

INTRODUÇÃO
O Direito Penal é o ramo do Direito Público que tem como atribuição principal proteger os bens jurídicos relevantes à sociedade. Além disso, possui um caráter sancionatório para
aqueles que violarem a norma penal, ligada ao cometimento de alguma infração penal.

O concurso de crimes está relacionado a casos em que há uma pluralidade de resultados previstos em um ou mais tipos penais, que podem decorrer de uma ou mais condutas
humanas. Para esses casos, há diferentes tratamentos jurídico-dogmáticos, que acarretarão diversas consequências para a dosimetria da pena. Tais detalhes serão estudados nos
módulos a seguir.

MÓDULO 1

 Identificar os objetos e as concepções gerais e específicas do concurso de crimes

No vídeo a seguir, veremos o que é o concurso de crimes e quais as suas espécies. Vamos assistir!

CONCEITO
O concurso de crimes é definido pela hipótese em que o agente, com uma ou diversas condutas, realiza uma pluralidade de delitos. Nessa perspectiva, o concurso de crimes surge
quando um sujeito, através de uma unidade ou pluralidade de comportamentos, pratica dois ou mais crimes (BITENCOURT, 2017, p. 822).

O concurso de crimes pode ocorrer ainda entre crimes e contravenções penais, bem como entre delitos de diversas espécies, podendo esses ser:

Omissivos ou comissivos

Dolosos ou culposos

Consumados ou na modalidade tentada

Simples ou qualificados

Assim sendo, considerando que não deverá ser aplicada a mesma pena para o agente que pratica mais de um crime e para outro que pratica apenas um, foram criados critérios para
aplicação da pena às diversas espécies de crimes.

TEORIAS E SISTEMAS DO CONCURSO DE CRIMES


Quanto aos sistemas penais de aplicação de pena, utilizados como critérios de aferição da conduta atinentes ao concurso de crimes, a doutrina majoritária trabalha com quatro
(BITENCOURT, 2017, p. 822-823), sendo eles:

CÚMULO MATERIAL
São somadas as penas aplicadas aos crimes isoladamente.

CÚMULO JURÍDICO
A pena a ser aplicada deverá ser maior do que a pena cominada a cada um dos crimes sem, contudo, chegar à soma delas. Aqui aplica-se uma pena não tão grave como no caso do
cúmulo material.

ABSORÇÃO
Aplica-se apenas a pena do delito mais grave, restando desprezada a pena dos crimes menos graves. Aqui, o delito mais grave “absorve” o delito menos grave.

EXASPERAÇÃO
É aplicada a pena do crime mais grave, podendo ser aumentada conforme a quantidade e prática de outros crimes.

 COMENTÁRIO

Destaca-se que o Direito brasileiro adota apenas os sistemas de cúmulo material (concurso material e concurso formal impróprio) e a exasperação (concurso formal próprio e crime
continuado).

ESPÉCIES DE CONCURSO DE CRIMES


A doutrina majoritária trabalha com três espécies de concursos de crimes, sendo elas:

Concurso material

Concurso formal

Crime continuado

Vamos estudar cada uma dessas espécies a seguir.

CONCURSO MATERIAL

O concurso material, também chamado de concurso real, é compreendido a partir da prática de duas ou mais condutas praticadas dolosa ou culposamente, que produzam dois ou mais
resultados idênticos ou não e que estão vinculadas pela identidade do agente, sendo irrelevante se os fatos delituosos foram praticados no mesmo instante ou em dias diferentes
(CAPEZ, 2012, p. 533). Tem como base legal o art. 69 do Código Penal, que diz:


ART. 69 - QUANDO O AGENTE, MEDIANTE MAIS DE UMA AÇÃO OU OMISSÃO, PRATICA DOIS OU MAIS
CRIMES, IDÊNTICOS OU NÃO, APLICAM-SE CUMULATIVAMENTE AS PENAS PRIVATIVAS DE
LIBERDADE EM QUE HAJA INCORRIDO. NO CASO DE APLICAÇÃO CUMULATIVA DE PENAS DE
RECLUSÃO E DE DETENÇÃO, EXECUTA-SE PRIMEIRO AQUELA.

(Código Penal, grifo nosso)

Assim sendo, observam-se dois requisitos imprescindíveis para sua constatação:

Pluralidade de condutas

&

Pluralidade de resultados contidos em diversos tipos penais

Além disso, o concurso real é subdivido em duas espécies (CAPEZ, 2012, p. 533), quais sejam:

HOMOGÊNEA
A espécie homogênea é constada na hipótese em que, diante da conduta delituosa, desencadeiam-se resultados idênticos (ex.: dois furtos fora do mesmo contexto fático).

HETEROGÊNEA
No caso da espécie heterogênea, os resultados podem ser diversos (ex.: ocorrência de roubo e estupro).

CONCURSO FORMAL

O concurso formal, também conhecido como concurso ideal, ocorre quando o agente, mediante apenas uma conduta delitiva (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes que
podem ser idênticos ou não. Tem seu embasamento legal no art. 70 do Código Penal, que perfaz:


ART. 70 - QUANDO O AGENTE, MEDIANTE UMA SÓ AÇÃO OU OMISSÃO, PRATICA DOIS OU MAIS
CRIMES, IDÊNTICOS OU NÃO, APLICA-SE-LHE A MAIS GRAVE DAS PENAS CABÍVEIS OU, SE IGUAIS,
SOMENTE UMA DELAS, MAS AUMENTADA, EM QUALQUER CASO, DE UM SEXTO ATÉ METADE. AS
PENAS APLICAM-SE, ENTRETANTO, CUMULATIVAMENTE, SE A AÇÃO OU OMISSÃO É DOLOSA E OS
CRIMES CONCORRENTES RESULTAM DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS, CONSOANTE O DISPOSTO NO
ARTIGO ANTERIOR.

(Código Penal, grifo nosso)

Diante disso, o concurso formal tem como requisitos (CAPEZ, 2012, p. 534-535) a conduta única, que poderá ser fracionada ou não, e a pluralidade de crimes. Além disso, diz-se que
possui quatro espécies (CAPEZ, 2012, p. 535-536):

MODALIDADE HOMOGÊNEA

Ocorre quando se pratica mais de um crime da mesma espécie com resultados idênticos (ex.: lesões corporais em várias vítimas em acidente automobilístico).

CONCURSO FORMAL HETEROGÊNEO

Ocorre quando uma única ação dá causa a vários crimes, havendo, assim, resultados diversos (ex.: durante um acidente automobilístico em que o agente lesiona duas pessoas e mata
outra pessoa, ocorre concurso entre lesões corporais e homicídio).

CONCURSO FORMAL PERFEITO OU PRÓPRIO

Dá-se quando o fato típico resulta de um único desígnio, ou seja, uma conduta dá causa a dois ou mais resultados (ex.: o sujeito dirige em alta velocidade e atropela e mata diversas
pessoas).

MODALIDADE IMPERFEITA OU IMPRÓPRIA

É o resultado de desígnios autônomos, na medida em que o agente, a priori, executa uma só ação, mas intimamente deseja que sua única conduta atinja outros resultados ou aceita o
risco de produzi-los (ex.: o sujeito incendeia uma casa de madrugada para matar seu desafeto, sabendo que a família deste encontra-se dormindo no mesmo local, morrendo todos ao
final).

Sobre os desígnios autônomos, entende-se que estão presentes quando o agente tem conhecimento e vontade de realizar mais de um resultado típico, isto é, quando há dolo
diferenciado para cada um dos resultados (SOUZA; JAPIASSÚ, 2018, p. 385). A jurisprudência inclusive considera que há concurso formal na modalidade imprópria não só no dolo
direto, mas também quando presente dolo eventual. Nesse sentido, o seguinte foi julgado do Supremo Tribunal Federal:


HABEAS CORPUS. JÚRI POPULAR. ABERRATIO ICTUS. DOLO EVENTUAL. ALEGADA NULIDADE DO
ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DO JULGAMENTO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. OCORRENDO A
FIGURA DA ABERRATIO ICTUS, MAS COM DOLO EVENTUAL, EM FACE DA PREVISIBILIDADE DO RISCO
DE LESÃO COM RELAÇÃO A TERCEIROS, CONQUANTO SE TENHA CONCURSO FORMAL DE CRIMES
DOLOSOS, AS PENAS SÃO APLICADAS CUMULATIVAMENTE, DE CONFORMIDADE COM A NORMA DO
ART. 70, PARTE FINAL, DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
HABEAS CORPUS CONHECIDO, MAS INDEFERIDO.

(STF. HC 73548/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17/05/1996)

CRIME CONTINUADO

A doutrina majoritária brasileira entende que o Código Penal determina que crime continuado tem natureza jurídica como unidade ou ficção jurídica (BITENCOURT, 2017, p. 824),
fundamentando a figura em fins de política criminal, dado que, com a figura, vários crimes distintos são punidos de maneira mais branda. Assim sendo, ocorre quando o sujeito, por
meio de mais de uma conduta delitiva (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes de mesma espécie, e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (BITENCOURT, 2017, p. 824).

Sua base legal é o art. 71 do Código Penal, que diz:

"Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em
qualquer caso, de um sexto a dois terços (perceber que no concurso formal a exasperação é de 1/6 até metade).

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo,
observadas as regras do parágrafo único do art. 70 (cúmulo material benéfico) e do art. 75 (pena não pode passar de 30 anos) deste Código.” (Código Penal, grifo nosso)

O concurso material e o formal não se confundem com o crime continuado. Vejamos:

CONCURSO MATERIAL
Ocorrerá se o agente pratica diversas condutas delitivas (ações ou omissões), em locais diferentes, executando-os de maneira também diversa e com considerável intervalo temporal.

CONCURSO FORMAL
Há apenas uma ação que poderá se desdobrar em vários atos, não condutas variadas.

 RESUMINDO

O que diferencia fundamentalmente os institutos, além da exigência de duas ou mais condutas, são os critérios trazidos pelo art. 71 do CP, como crimes da mesma espécie, condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outros semelhantes.

Crimes da mesma espécie, segundo doutrina e jurisprudência majoritárias, são aqueles que violam o mesmo bem jurídico (SOUZA, 2017, p. 224). Há antigo e superado entendimento
de que crimes da mesma espécie seriam somente aqueles descritos no mesmo tipo penal. Entretanto, conforme dito, a teoria hodiernamente dominante determina que crimes da
mesma espécie não precisam ser os do mesmo tipo penal, bastando que violem o mesmo bem jurídico. Leia com atenção o seguinte precedente:

“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça compreende que, para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva
(mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução) e subjetiva (unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos), nos termos do art. 71 do Código Penal. Exige-se,
ainda, que os delitos sejam da mesma espécie. Para tanto, não é necessário que os fatos sejam capitulados no mesmo tipo penal, sendo suficiente que tutelem o mesmo bem jurídico
e sejam perpetrados pelo mesmo modo de execução.

2. Para fins da aplicação do instituto do crime continuado, art. 71 do Código Penal, pode-se afirmar que os delitos de estupro de vulnerável e estupro, descritos nos arts. 217-A e 213 do
CP, respectivamente, são crimes da mesma espécie.” (STJ. REsp 1.767.902/RJ, Sexta Turma, Min. Rel. Sebastião Reis Júnior, DJ 04/02/2019).

Ainda sobre o tema, o informativo 493 do Superior Tribunal de Justiça expôs o entendimento da Sexta Turma do STJ, segundo o qual é possível reconhecer a continuidade delitiva
entre os delitos de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP) e os de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP). O informativo diz o seguinte:

Veja agora a ementa do seguinte julgado da Sexta Turma:

“RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ART. 337-A DO CÓDIGO PENAL.
CONTINUIDADE DELITIVA. POSSIBILIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA PRATICADA EM EMPRESAS DIVERSAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO
EMPRESARIAL. CRIME CONTINUADO. POSSIBILIDADE.
1. É possível o reconhecimento de crime continuado em relação aos delitos tipificados nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, porque se assemelham quanto aos elementos
objetivos e subjetivos e ofendem o mesmo bem jurídico tutelado, qual seja, a arrecadação previdenciária.
2. A prática de crimes de apropriação indébita previdenciária em que o agente estiver à frente de empresas distintas, mas pertencentes ao mesmo grupo empresarial, não afasta o
reconhecimento da continuidade delitiva.
3. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ. REsp 859.050/RS, Sexta Turma, Min. Rel. Rogério Schietti Cruz, DJ 13/12/2013).

Entretanto, o tema não está devidamente pacificado. Isso porque há entendimento contrário no próprio STJ, vindo da Quinta Turma, no sentido de não ser possível o reconhecimento
da continuidade delitiva entre as figuras:


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DELITOS DE ESPÉCIES
DIVERSAS. DESCRIÇÃO DE CONDUTAS DISTINTAS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE
CRIME CONTINUADO.
I - OS DELITOS DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA, PREVISTO NOS ARTS. 168-A E 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, EMBORA SEJAM
DO MESMO GÊNERO, SÃO DE ESPÉCIES DIVERSAS, PORQUANTO OS TIPOS PENAIS DESCREVEM
CONDUTAS ABSOLUTAMENTE DISTINTAS.
II - ESTA CORTE SUPERIOR TEM ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO SENTIDO DE QUE É IMPOSSÍVEL
O RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE CRIMES DE ESPÉCIES DISTINTAS.
PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(STJ. AGRG NO ARESP 1.172.428/SP, QUINTA TURMA, MIN. REL. FELIX FISCHER, DJ 20/06/2018)

Ainda com relação aos crimes da mesma espécie, o STJ firmou entendimento que não é possível o reconhecimento de crime continuado entre roubo e latrocínio porque:

Roubo

Tutela o patrimônio e a integridade física

Latrocínio

Tutela o patrimônio e a vida

Leia com atenção o importante excerto do voto do ministro Ribeiro Dantas, relator do HC 189.134/RJ, acompanhado unanimemente pelos demais ministros da Quinta Turma do STJ, in
verbis:

“No caso dos crimes de roubo majorado e latrocínio, sequer é necessário avaliar o requisito subjetivo supracitado ou o lapso temporal entre os crimes, como fizeram as instâncias
ordinárias, porquanto não há adimplemento do requisito objetivo da pluralidade de crimes da mesma espécie. São assim considerados aqueles crimes tipificados no mesmo
dispositivo legal, consumados ou tentada, na forma simples, privilegiada ou tentada, e além disso, devem tutelar os mesmos bens jurídicos, tendo, pois, a mesma estrutura jurídica.
Perceba que o roubo tutela o patrimônio e a integridade física (violência) ou o patrimônio e a liberdade individual (grave ameaça); por outro lado, o latrocínio, o patrimônio e a vida.”
(STJ. HC 189.134/RJ, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, DJ 12/08/2016).

Já sobre o chamado nexo de continuidade delitiva, isto é, as “condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes” exigidas pelo art. 71, do CP, não há
entendimento pacífico. As condições de tempo, por exemplo, não possuem marcos precisos, limitando-se a exigir certa periodicidade entre condutas.

O STJ compreende que, em regra, esse lapso temporal não pode ultrapassar 30 (trinta) dias, porém esse prazo não é absoluto, devendo-se analisar outras circunstâncias do caso
concreto, in verbis:

"3. Não há determinação expressa no art. 71, caput, do Código Penal, sobre o lapso temporal limite para o reconhecimento do crime continuado. Sem especificação legal sobre o prazo
máximo para configurar a continuidade delitiva, e sendo o entendimento majoritário da jurisprudência dos Tribunais Superiores no mesmo sentido da decisão ora impugnada (de que
as infrações devem ser praticadas no prazo de trinta dias), não prospera a revisão criminal fundada no art. 621, inciso I, do Código de Processo Penal.
4. Ad argumentandum tantum, é razoável que se afaste a continuidade delitiva nos casos em que o crime pode ser cometido a qualquer tempo - como a figura típica praticada pelo
Requerente -, mas o agente entende por bem praticá-lo mais de uma vez em ocasiões distintas, em intervalos superiores a trinta dias, porquanto é possível aferir do procedimento do
agente a habitualidade criminosa."
(STJ. RvCr 4.890/DF, Terceira Seção, Min. Rel. Laurita Vaz, DJ 02/06/2021).

Ademais, não é necessário que os atos sejam realizados no mesmo lugar, mas que tais lugares sejam compatíveis com a noção de continuidade. Se os fatos forem cometidos em
comarcas distantes, o STJ tem entendimento de que não é possível reconhecer a continuidade delitiva. Leia a seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO. COMARCAS DIVERSAS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONTINUIDADE DELITIVA. AFASTAMENTO. CONCURSO MATERIAL. RECURSO
PROVIDO.
1. Conforme entendimento consolidado neste Superior Tribunal, para a caracterização da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), é necessário que estejam preenchidos,
cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e o de ordem subjetiva, assim entendido como a
unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo havido entre os eventos delituosos.
2. Nos termos da reiterada jurisprudência desta Corte, os delitos de roubo cometidos em comarcas diversas (Belo Horizonte - MG e Matipó - MG, distantes 249 km uma da outra)
configuram a prática de atos independentes, característicos da reiteração criminosa, em que deve incidir a regra do concurso material, e não a da continuidade delitiva.
3. Recurso especial conhecido e provido, a fim de majorar a pena para 11 anos e 2 meses de reclusão mais 21 dias-multa.” (STJ. REsp 1.588.832/MG, Sexta Turma, Min. Rel. Rogério
Schietti Cruz, DJ 09/05/2016).

Quanto ao modo de execução, exige-se o mesmo modus operandi na prática dos delitos. Por fim, entende-se que a cláusula aberta de outras condições semelhantes outorga certa
discricionariedade ao intérprete, facultando-o à análise de outras circunstâncias que possam denotar a ideia de continuidade (SOUZA, 2017, p. 224).

O STF sumulou o entendimento de que, nos casos de crime continuado ou habitual e de lei posterior mais grave, esta será aplicada se a sua vigência for anterior ao fim da
continuidade ou habitualidade (Súmula 711).

Ademais, vale observar que a Reforma de 1984 da Parte Geral do Código Penal superou o antigo entendimento do STF (Súmula 605), segundo o qual não era possível a continuidade
delitiva em crimes dolosos contra a vida. Com o advento da Lei de 1984, o novo art. 71, parágrafo único, do CP, passou a prever a continuidade delitiva para crimes dolosos com
violência ou grave ameaça a diversas vítimas:


PARÁGRAFO ÚNICO - NOS CRIMES DOLOSOS, CONTRA VÍTIMAS DIFERENTES, COMETIDOS COM
VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA, PODERÁ O JUIZ, CONSIDERANDO A CULPABILIDADE, OS
ANTECEDENTES, A CONDUTA SOCIAL E A PERSONALIDADE DO AGENTE, BEM COMO OS MOTIVOS E
AS CIRCUNSTÂNCIAS, AUMENTAR A PENA DE UM SÓ DOS CRIMES, SE IDÊNTICAS, OU A MAIS GRAVE,
SE DIVERSAS, ATÉ O TRIPLO, OBSERVADAS AS REGRAS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 70 E DO
ART. 75 DESTE CÓDIGO.

(Código Penal, grifo nosso)

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Analisar as teorias e espécies de concurso de crimes

REGRAS NA FIXAÇÃO DA PENA


Tendo em vista que os institutos que compõem o concurso de crimes formam critérios para a aferição das condutas no momento de compreender a aplicação da pena, abordaremos a
partir de agora as regras de fixação da pena, considerando as circunstâncias especiais de cada caso.

REGRAS APLICÁVEIS AO CONCURSO MATERIAL


Conforme já aprendido no módulo anterior, o sistema que se aplica ao concurso material é o cúmulo material, que se caracteriza pelo somatório individualizado das penas relativas aos
crimes imputados.

No cúmulo material, o magistrado deverá fixar, separadamente, a pena correspondente a cada um dos crimes.


Em seguida, na sentença condenatória, deverá somar uma a uma (CAPEZ, 2012, p. 533).

Nesse caso, o fato de o juiz fixar individualmente cada pena alinha-se com o princípio constitucional da individualização da pena, o que não gera ilegalidade na formação da sentença
(CAPEZ, 2012, p. 533).

 EXEMPLO

Considere um caso de roubo seguido de estupro em concurso material. Aqui, em primeiro lugar, fixa-se a pena de roubo e, em seguida, seu regime inicial de cumprimento de pena
para, assim, termos a pena “X”. Em segundo lugar, tem-se a fixação da pena de estupro e do regime inicial, gerando a pena “Y”. Por fim, para a configuração do concurso material,
somamos as penas para termos a pena final (X + Y = Z).

Quanto ao somatório das penas, segundo o art. 66, inciso III, alínea a da Lei de Execução Penal, cabe ao juiz da execução o somatório/unificação das penas relativas aos delitos
julgados em concurso material em processos diferentes. O diploma legal preceitua:


ART. 66. COMPETE AO JUIZ DA EXECUÇÃO:
[...]
III - DECIDIR SOBRE:
A) SOMA OU UNIFICAÇÃO DE PENAS; [...].

(LEI Nº 7.210/1984)

Todavia, o Código Penal faz algumas ressalvas quanto ao cumprimento de pena referente a processos distintos. O art. 69 do Código Penal traz a hipótese em que existam dois ou mais
crimes, cuja pena se fixou em detenção e reclusão. Nesse caso, deverá ser executada a primeira pena e, após finda, a segunda. Nestes termos:

Além disso, o mesmo artigo, no §1º, trabalha a hipótese de concurso de crimes, para cujo primeiro delito cabe pena privativa de liberdade (PPL) e para o outro crime cabe pena
restritiva de direitos (PRD). Caso o réu seja condenado primeiro pela PPL, sem aplicação do sursis, não poderá ser aplicada PRD para os outros crimes. Assim dispõe:


ART. 69, §1º - NA HIPÓTESE DESTE ARTIGO, QUANDO AO AGENTE TIVER SIDO APLICADA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE, NÃO SUSPENSA, POR UM DOS CRIMES, PARA OS DEMAIS SERÁ
INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DE QUE TRATA O ART. 44 DESTE CÓDIGO.

(Código Penal, grifo nosso)

Ao final do art. 69, o §2º vem trazer o caso do réu condenado por diversas penas restritivas de direitos. Aqui, a aplicação da pena se dará simultaneamente para as penas que forem
compatíveis, e sucessivamente para as incompatíveis. Nestes termos: “§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que
forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais”.

Além disso, cabe mencionar a relação entre o concurso material e a suspensão condicional do processo. A Lei nº 9.099 de 1995 (Lei dos Juizados Especiais) veio com o objetivo de
simplificar algumas questões antes trazidas pelo Código Penal. Segundo a lei, nos crimes cuja pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público poderá propor
a suspensão condicional do processo por determinado período, a fim de que o acusado não seja processado, ficando obrigado a cumprir determinados requisitos.

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a
suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).” (LEI Nº 9.099/1995)

Nesse caso, quanto ao concurso de crimes, a Súmula 243 do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu limites na hipótese de concurso material. Nestes termos:


O BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO DO PROCESSO NÃO É APLICÁVEL EM RELAÇÃO ÀS INFRAÇÕES
PENAIS COMETIDAS EM CONCURSO MATERIAL, CONCURSO FORMAL OU CONTINUIDADE DELITIVA,
QUANDO A PENA MÍNIMA COMINADA, SEJA PELO SOMATÓRIO, SEJA PELA INCIDÊNCIA DA
MAJORANTE, ULTRAPASSAR O LIMITE DE UM (01) ANO.

(SÚMULA Nº 243, STJ)

Só será aplicável a suspensão condicional do processo, na hipótese de concurso material, quando a soma das penas mínimas cominadas resultar em pena não superior a um ano.

REGRAS APLICÁVEIS AO CONCURSO FORMAL


O concurso formal de crimes poderá sofrer incidência direta de dois sistemas de aplicação de pena, quais sejam:

Exasperação (concurso formal próprio)

&

Cúmulo material (concurso formal impróprio)

O primeiro que trabalharemos é o concurso formal próprio, presente no art. 70, caput, 1ª parte do Código Penal, que serve como critério que incide na terceira fase de aplicação da
pena. Considerando que para esse caso não há desígnios autônomos, haverá a exasperação de uma das penas que, por ser um sistema menos rigoroso que o cúmulo material, não
admite que se ultrapasse os limites aplicáveis a esta, por expressa vedação do art. 70, parágrafo único, do CP (ZAFFARONI; PIERANGELI, p. 727).

Nesse sentido, quanto às espécies, o concurso formal próprio pode ser (CAPEZ, 2012, p. 535):

HOMOGÊNEO
Será aplicada qualquer uma das penas, dado que os resultados e a figura típica são idênticos, pois a norma em que se enquadra a conduta típica é a mesma.

HETEROGÊNEO
Aplica-se a pena mais grave, em razão dos resultados serem diversos, e os bens jurídicos serem atingidos com intensidades diferentes.

Não se pode deixar de destacar que nos dois casos aumenta-se a pena de 1/6 até a metade de acordo com o número de infrações penais realizadas. Segundo apontam a doutrina e a
jurisprudência, o percentual de aumento segue a seguinte ordem:

2 crimes Aumenta-se 1/6

3 crimes Aumenta-se 1/5

4 crimes Aumenta-se 1/4

5 crimes Aumenta-se 1/3

6 crimes ou mais Aumenta-se 1/2

 EXEMPLO

No caso de triplo homicídio culposo (concurso formal homogêneo), na terceira fase de fixação da pena (análise das majorantes e minorantes), o magistrado majora a pena de um dos
crimes, de 1/5, para se chegar à reprimenda final.

Já no caso do concurso formal impróprio (art. 70, caput, 2ª parte do CP), tem-se a aplicação do sistema do cúmulo material, que segue a mesma linha do concurso material de crimes.
Ou seja, para a sua configuração, deverá o agente prosseguir com sua conduta alinhada com desígnios autônomos, fazendo jus ao somatório individual das penas.

É importante mencionar a possibilidade de incidência do concurso material benéfico, que surge para trazer proporcionalidade na fixação das penas a partir da regra geral da
exasperação.

Assim, o concurso material benéfico ocorre se, da aplicação da regra do concurso formal, a pena tornar-se superior à que resultaria da aplicação do concurso material (soma de
penas), deve-se seguir este último critério (art. 70, parágrafo único, CP). Impede-se, dessa forma, que, numa hipótese de aberratio ictus (homicídio doloso mais lesões culposas), se
aplique ao agente pena mais severa, em razão do concurso formal, do que a aplicável, no mesmo exemplo, pelo concurso material. Quem comete mais de um crime, com uma única
ação, não pode sofrer pena mais grave do que a imposta ao agente que reiteradamente, com mais de uma ação, comete os mesmos crimes.

Caso se aplique a exasperação da pena e ela fique superior ao resultado do concurso material, dado que a regra da exasperação veio como critério menos rigoroso de aplicação da
pena, em razão da ausência de desígnios autônomos, principalmente no caso de aberratio ictus (erro na execução), deverá seguir-se o critério do somatório das penas.

 EXEMPLO

“X” atira em “Y” para matar. A munição atravessou o corpo de “Y”, que morreu na hora, e foi parar no braço de “Z”, que estava atrás de “Y”, ocasionando lesão corporal culposa.

Esse é um caso de concurso formal heterogêneo que advém da prática de homicídio doloso (art. 121 do CP — pena de 6 a 20 anos) em concurso formal com lesão corporal culposa
(art. 129 do CP — pena de 3 meses a 1 ano). Aqui, se fosse utilizado o critério da exasperação no caso de aplicação da pena mínima de ambos, o somatório ficaria em 6 anos e 3
meses, sendo inferior ao resultado da exasperação, que seria 1/6 de 6 anos = 1 ano (pena mais grave) mais 6 anos (pena mais grave), o que resultaria em 7 anos de reprimenda.

Desse modo, considerando que o somatório das penas seria mais favorável ao réu, aplica-se o concurso material benéfico (cúmulo material benéfico). A base legal para tal feito é o art.
70, parágrafo único do CP, que dispõe: “Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 (concurso material) deste Código”.

REGRAS APLICÁVEIS AO CRIME CONTINUADO


O sistema aplicado no caso do crime continuado (simples) é o mesmo do concurso formal próprio, qual seja, a exasperação. Assim, a pena aplicada poderá ser majorada de 1/6 até
2/3 a depender do número de crimes. Desse modo, a doutrina majoritária e a jurisprudência têm adotado os seguintes critérios para a fixação da pena nos casos de crime continuado
(CAPEZ, 2012, p. 538):

2 crimes Aumenta-se 1/6

3 crimes Aumenta-se 1/5

4 crimes Aumenta-se 1/4

5 crimes Aumenta-se 1/3

6 crimes Aumenta-se 1/2

7 crimes ou mais Aumenta-se 2/3

No caso de crime continuado específico (crime doloso praticado com violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes), aplica-se a pena do crime mais grave aumentada até o triplo
(2012, p. 538). No crime continuado, também se aplica o critério do concurso material benéfico, na hipótese em que a pena for superior à resultante do cúmulo material (concurso
material benéfico).

Além disso, há a possibilidade de incidência de aumento de pena no crime continuado, dado que, diante do critério trifásico da pena, deverá o aumento incidir não sobre a pena-
base, mas sobre o resultado da pena (ultrapassada a análise das circunstâncias agravantes e atenuantes).

Por fim, destaca-se que o momento da unificação da pena poderá se dar por dois caminhos diferentes:

Primeira hipótese

Quando todos os delitos que compõem a série continuada forem objetos de um mesmo processo, o magistrado deverá unificar as penas, aplicando a regra do art. 71 do CP.

OU

Segunda hipótese

Caso os delitos tramitem processos diversos, a unificação das penas ficará a cargo do juiz da execução, que na oportunidade aplicará os critérios do art. 71 do CP.

Há que se analisar a situação do crime continuado específico contido no art. 71, parágrafo único, do CP. Para essa figura, segundo a jurisprudência, não se deve apenas analisar o
critério objetivo do número de delitos, mas também os requisitos subjetivos, consubstanciados na análise dos seguintes pontos:

Culpabilidade

Antecedentes

Conduta social

Personalidade do agente

Motivos

Circunstâncias do crime

Veja a seguir a ementa de um julgado do STJ que exemplifica esse entendimento:

“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FRAÇÃO APLICADA PELA CONTINUIDADE DELITIVA. PENA-BASE
ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. PROPORCIONALIDADE. DOIS CRIMES. FRAÇÃO DE 3⁄4 APLICADA PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. REDUÇÃO AO PATAMAR DE 1⁄6. DECISÃO MONOCRÁTICA REFORMADA. RESTABELECIMENTO DO ACÓRDÃO. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL
PROVIDO.
1. Tendo em vista as razões trazidas pelo Ministério Público Federal, a decisão monocrática agravada deve ser reformada.
2. A fração de aumento pela continuidade delitiva específica descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, pressupõe a análise de requisitos objetivos (quantidade de crimes
praticados) e subjetivos, estes consistentes na análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos e das circunstâncias do crime.
Ponderadas as circunstâncias judiciais negativas – elevado grau de culpabilidade – e a ocorrência de dois delitos, não há falar em ilegalidade na fixação do aumento de 3/4
decorrente da continuidade delitiva.
3. Agravo regimental provido para denegar o habeas corpus.” (STJ. AgRg no HC 512.498/SP, Sexta Turma, Min. Rel. Nefi Cordeiro, DJ 23/09/2019).

No vídeo a seguir, entenderemos mais sobre a fixação da pena no concurso material, formal e no crime continuado. Vamos assistir!

PENA DE MULTA
O art. 72 do Código Penal determina que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente. Esse entendimento é pacífico no que tange aos concursos
material e formal.

Todavia, não é aplicável em relação ao crime continuado, considerado crime único para fins de aplicação de pena. Assim, em caso de crime continuado, o entendimento mais recente
do STJ é no sentido em que também se aplica a exasperação do art. 71, CP, para a pena de multa, in verbis:


A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE ASSENTOU COMPREENSÃO NO SENTIDO DE QUE O ART. 72 DO
CÓDIGO PENAL É RESTRITO ÀS HIPÓTESES DE CONCURSOS FORMAL OU MATERIAL, NÃO SENDO
APLICÁVEL AOS CASOS EM QUE HÁ RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. DESSE MODO,
A PENA PECUNIÁRIA DEVE SER APLICADA CONFORME O REGRAMENTO ESTABELECIDO PARA O
CRIME CONTINUADO, E NÃO CUMULATIVAMENTE, COMO PROCEDEU A CORTE DE ORIGEM.

(STJ. AgRg no AREsp 484.057/SP, Quinta Turma, Min. Rel. Jorge Mussi, DJ 09/03/2018).

EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE CRIMES


A extinção da punibilidade no concurso de crimes se dará de forma individualizada, independentemente de qual espécie de crime for analisada no caso concreto.

Seguindo o disposto no art. 119 do Código Penal: “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”. Além disso, a mesma
regra incidirá na hipótese de prescrição, prescrevendo cada crime isoladamente.

Mesmo para o caso de crime continuado, no qual a jurisprudência entende ser crime único para fins de dosimetria da pena, aplica-se o art. 119, do CP. Dessa forma, na prática, para
fins de prescrição, entende-se que também o crime continuado é um caso de concurso de crimes. Isso ocorre em decorrência da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe:
“Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.

Exemplificativamente, o ministro Gilmar Mendes reforça o aqui exposto:

 EXEMPLO

Suponha que um agente praticou cinco homicídios dolosos em continuidade delitiva. No momento da dosimetria da pena, o magistrado decidiu por manter todos os homicídios no
mínimo legal de seis anos. Por serem delitos dolosos contra a vida de diferentes vítimas, o magistrado decidiu aplicar a exasperação nos termos do art. 71, parágrafo único, do CP,
aumentando a pena em dobro, totalizando o patamar de doze anos.
Nesse caso, a contagem do prazo prescricional não terá como base o patamar final de doze anos da pena aplicada, mas cada delito terá seu prazo prescricional contado
autonomamente. Como todos os homicídios tiveram a pena fixada em seis anos, conta-se o prazo prescricional de cada um tendo-se como parâmetro o art. 109, III, CP (“em doze anos,
se o máximo da pena é superior a quatro e não excede a oito”).

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Distinguir o cálculo de pena para cada modalidade do concurso de crimes, bem como a questão da prescrição nessas hipóteses

TEMPO DE CUMPRIMENTO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE


Desde a redação original do Código Penal, datada de 1940, o limite temporal do cumprimento da pena privativa de liberdade no Brasil era o marco de 30 anos (antigo art. 55). A
reforma da parte geral do Código Penal, ocorrida em 1984, por meio da Lei nº 7.209, manteve esse marco temporal no então novo art. 75, CP.

Entretanto, a Lei nº 13.964 de 2019, popularmente conhecida como Pacote Anticrime, alterou o art. 75, do CP, ampliando o tempo máximo de cumprimento para 40 anos, in verbis:

“Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste
artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.” (Código
Penal, grifo nosso).

Caso o cálculo de penas no concurso de crimes ultrapasse o marco-limite de 40 anos, as penas devem ser unificadas de modo a respeitar esse limite, conforme versa o §1º do art. 75,
CP.

Além disso, o §2º do art. 75, CP, estabelece uma exceção à regra limitadora do tempo de prisão: se houver condenação por fato posterior ao início do cumprimento de pena, haverá
nova unificação, desconsiderando aquele tempo de pena já cumprido. Em outras palavras, um indivíduo poderá ficar mais tempo no cárcere do que aquele determinado no caput
do art. 75, CP na hipótese de cometimento de novo delito na prisão (SOUZA, 2017, p. 231).

 ATENÇÃO

É importante observar que, por força do princípio da legalidade penal, em seu vetor
lex praevia (art. 5º, XL, CRFB/88 e art. 2º, CP), o marco temporal de 40 anos só será aplicável a fatos posteriores à vigência da Lei nº 13.964/2019. Os fatos anteriores continuarão
regulados pelo antigo art. 75, CP, que previa o marco máximo de 30 anos de privação de liberdade.

Veja a antiga redação do art. 75, caput e §1º, do Código Penal:


ART. 75 - O TEMPO DE CUMPRIMENTO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NÃO PODE SER
SUPERIOR A 30 (TRINTA) ANOS.
§ 1º - QUANDO O AGENTE FOR CONDENADO A PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE CUJA SOMA SEJA
SUPERIOR A 30 (TRINTA) ANOS, DEVEM ELAS SER UNIFICADAS PARA ATENDER AO LIMITE MÁXIMO
DESTE ARTIGO.

(Código Penal, grifo nosso)

Os exemplos a seguir podem ajudá-lo a compreender melhor essa questão.

HIPÓTESE 1:

O agente foi condenado por três homicídios qualificados em concurso material, todos no patamar mínimo estabelecido pelo art. 121, §2º, CP, de doze anos. Assim, pelo critério do
cúmulo material, chegou-se ao patamar de 36 anos de reclusão.

VARIAÇÃO 1
O fato ocorreu antes da vigência da Lei nº 13.964/2019.

Solução: como a antiga redação do art. 75 do CP determinava que o limite de cumprimento de pena era o patamar de 30 anos, apesar de o cálculo da pena ter chegado aos 36 anos
de reclusão, o agente somente cumprirá 30 anos.

VARIAÇÃO 2
O fato ocorreu após a vigência da Lei nº 13.964/2019

Solução: com a vigência da Lei nº 13.964/2019, aumentou-se o limite de cumprimento de pena para 40 anos, de modo que o agente cumprirá os 36 anos de reclusão.

HIPÓTESE 2:

O agente foi condenado por quatro homicídios qualificados em concurso material, todos no patamar mínimo estabelecido pelo art. 121, §2º, CP, de doze anos. Assim, pelo critério do
cúmulo material, chegou-se ao patamar de 48 anos de reclusão.

VARIAÇÃO 1
O fato ocorreu antes da vigência da Lei nº 13.964/2019.

Solução: como a antiga redação do art. 75 do CP determinava que o limite de cumprimento de pena era o patamar de 30 anos, apesar de o cálculo da pena ter chegado aos 48 anos
de reclusão, o agente somente cumprirá 30 anos.

VARIAÇÃO 2
O fato ocorreu após a vigência da Lei nº 13.964/2019.

Solução: com a vigência da Lei nº 13.964/2019, aumentou-se o limite de cumprimento de pena para 40 anos, de modo que o agente cumprirá 40 anos de reclusão, em vez dos 48 que
resultaram do sistema de cúmulo material.

CONCURSO MATERIAL BENÉFICO


O instituto do concurso material benéfico também representa um limite de pena no concurso de crimes, de modo que convém reanalisá-lo.

No caso do concurso formal, que é calculado pelo sistema de exasperação quando na modalidade própria, o parágrafo único do art. 70, CP, determina que a sua pena não pode
exceder aquela que seria alcançada pelo método de soma de penas do concurso material.


ART. 70 - QUANDO O AGENTE, MEDIANTE UMA SÓ AÇÃO OU OMISSÃO, PRATICA DOIS OU MAIS
CRIMES, IDÊNTICOS OU NÃO, APLICA-SE-LHE A MAIS GRAVE DAS PENAS CABÍVEIS OU, SE IGUAIS,
SOMENTE UMA DELAS, MAS AUMENTADA, EM QUALQUER CASO, DE UM SEXTO ATÉ METADE. AS
PENAS APLICAM-SE, ENTRETANTO, CUMULATIVAMENTE, SE A AÇÃO OU OMISSÃO É DOLOSA E OS
CRIMES CONCORRENTES RESULTAM DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS, CONSOANTE O DISPOSTO NO
ARTIGO ANTERIOR.
PARÁGRAFO ÚNICO - NÃO PODERÁ A PENA EXCEDER A QUE SERIA CABÍVEL PELA REGRA DO ART.
69 DESTE CÓDIGO.

(Código Penal, grifo nosso)

A doutrina costuma chamar esse fenômeno de concurso material benéfico (MARTINELLI; DE BEM, 2018, p. 838). A ideia fundamental aqui é que, como o sistema de exasperação de
pena foi pensado para ser aplicado in bonam partem, o instituto perderia seu sentido caso o cálculo ultrapassasse o que seria alcançado com o sistema de acúmulo material. Dessa
forma, o legislador decidiu por deixar positivada a limitação segundo a qual a pena do concurso formal jamais poderá ultrapassar o marco daquela que seria alcançada no concurso
material.

Há ampla gama de precedentes sobre o tema. A conferir:

“3. O concurso formal próprio ou perfeito (CP, art. 70, primeira parte), cuja regra para a aplicação da pena é a da exasperação, foi criado com intuito de favorecer o réu nas hipóteses de
pluralidade de resultados não derivados de desígnios autônomos, afastando-se, pois, os rigores do concurso material (CP, art. 69). Por esse motivo, o parágrafo único do art. 70 do
Código Penal impõe o afastamento da regra da exasperação, se esta se mostrar prejudicial ao réu, em comparação com o cúmulo material. Trata-se, portanto, da regra do concurso
material benéfico como teto do produto da exasperação da pena.” (STJ. HC 526.809, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, DJ 19/11/2019).


“Inexiste interesse de agir em relação ao reconhecimento do concurso formal entre as infrações, na medida em que a eventual aplicação deste instituto ensejaria o aumento da pena do
paciente, o que é legalmente vedado, consoante a regra do parágrafo único do art. 70 do Código Penal (concurso material benéfico).” (STJ. HC 377.073, Quinta Turma, Min. Rel.
Reynaldo Soares da Fonseca, DJ 21/02/2017).


“5. Na hipótese, constatado que o aumento decorrente da continuidade delitiva levaria a uma pena superior àquela que seria aplicada no caso de cúmulo material, necessária a
aplicação do concurso material benéfico.” (STJ. HC 228.151, Quinta Turma, Min. Rel. Laurita Vaz, DJ 10/10/2013).

Por fim, vale lembrar que no crime continuado também se aplica o critério do concurso material benéfico, na hipótese em que a pena for superior àquela resultante do cúmulo material.

Isso ocorre por uma questão de coerência: se o critério da exasperação foi pensado como alternativa mais benéfica ao agente em relação ao cúmulo material, não há sentido em
aplicá-lo nos casos em que o cúmulo material resulta, ao final, em uma pena mais branda. Logo, aplica-se o concurso material benéfico também no caso do crime continuado.

A aplicação da figura também ao crime continuado resulta de uma leitura extensiva in bonam partem do parágrafo único do art. 71, CP, que dispõe, in verbis:

“Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo,
observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.” (Código Penal, grifo nosso)

Se fosse feita uma leitura restritiva desse dispositivo legal, ter-se-ia uma estranha situação em que a figura do concurso material benéfico só seria aplicável à modalidade mais grave
do crime continuado, contida no art. 71, parágrafo único, CP. Entretanto, por uma questão de justiça material, se um benefício legal é previsto para a modalidade mais grave de uma
figura jurídica, deve-se presumir que se aplica também à menos grave. Assim, a todo crime continuado é aplicável o concurso material benéfico, nos termos do já citado art. 71,
parágrafo único, CP.

 EXEMPLO

Um indivíduo é condenado por dois homicídios qualificados em continuidade delitiva, em que o magistrado fixou a pena de cada um no patamar de 18 anos. Como no crime
continuado específico o cálculo da fração de aumento de pena depende também de requisitos subjetivos, entendeu o magistrado que deveria ser aplicado o aumento máximo, que
resulta no aumento da pena pelo triplo. Assim, chegou-se à pena de 54 anos de reclusão.

Solução: como o art. 71, parágrafo único, do CP, manda observar o disposto no parágrafo único do artigo anterior, a pena do crime continuado não pode ultrapassar o patamar que
seria obtido com o sistema de cúmulo material. Desse modo, deve-se aplicar a soma das penas, resultando na pena de reclusão pelo período de 36 anos.

No vídeo a seguir, aprenderemos mais sobre os limites das penas no concurso de crimes. Vamos assistir!

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste estudo, analisamos as espécies de concurso de crimes contidas no Código Penal. Recordando:

Concurso material Concurso formal Crime continuado

Múltiplos resultados
Múltiplas condutas com Múltiplas condutas que resultam em crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira
decorrentes de uma só
múltiplos resultados de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro
conduta

Vimos, ademais, as questões inerentes à aplicação de pena a depender da modalidade de concurso em questão:

Concurso material Sempre será aplicado o sistema de cúmulo material de penas

Concurso formal próprio Aplica-se o sistema de exasperação

Concurso formal
Aplica-se o cúmulo material
impróprio

A medida é a exasperação da pena, que será mais grave quando se tratar de crimes dolosos contra vítimas diferentes e que envolvam violência
Crime continuado
ou grave ameaça

Observamos, além disso, que as penas de multa são aplicadas no sistema de cúmulo material quando se tratar de concurso material ou formal, e no sistema de exasperação quando
ocorrer crime continuado. Quanto à prescrição, vimos que o seu prazo corre para cada crime do concurso separadamente, tendo como base as respectivas penas antes da unificação.

Vimos que, tratando-se de fatos anteriores à vigência do Pacote Anticrime, um indivíduo não pode cumprir pena superior a 30 anos. Após a vigência da citada lei, o limite passa a ser
de 40 anos.

Por fim, analisamos o instituto do concurso material benéfico, que é a aplicação do sistema de cúmulo material quando o sistema de exasperação da pena superar a pena que seria
alcançada com aquele.

 PODCAST
No podcast a seguir, vamos relembrar o que é o concurso de crimes, suas principais características e o impacto na fixação das penas.

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARTINELLI, J. P. O.; BEM, L. S. de. Lições fundamentais de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.

SOUZA, A. de B. G.; JAPIASSÚ, C. E. A. Direito Penal: volume único. São Paulo: Atlas, 2018.

SOUZA, L. A. de. Art. 59 a 82. In: REALE JÚNIOR, M. (coord.). Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2017.

ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de Direito Penal: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

EXPLORE+
Para aprimorar os seus conhecimentos no assunto estudado, recomendamos as seguintes leituras:

O livro Do concurso de crimes ao "concurso de Ilícitos" em Direito Penal, escrito pela professora Cristina Libano Monteiro e publicado pela Editora Almedina.

O livro Novas tendências do concurso formal e crime continuado, escrito pela professora Patrícia Mothé Glioche Bezé e publicado pela Editora Renovar. Trata-se de uma obra
com linguagem clara e objetiva e que traz um amplo panorama histórico do desenvolvimento da doutrina do concurso de crimes.

O livro Das penas e seus critérios de aplicação, escrito pelo professor José Antonio Paganella Boschi, publicado pela Livraria do Advogado Editora.

CONTEUDISTA
Rodrigo Amaral

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