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CONCURSO DE CRIMES / NORMAS PENAIS

CONTEXTUALIZAÇÃO______________________________________________________________________________

Coloca-se a questão de saber quando, e sob que pressupostos, se está perante um crime, ou uma pluralidade deste,
para que a partir daí possamos determinar qual a consequência jurídica adequada.

Nesta matéria importa referir o Sr. Professor Eduardo Correia que seguia uma conceção neoclássica ou normativista,
e o Sr. Professor Figueiredo Dias que ao invés seguia uma conceção teleológico-funcional e racional do factos
punível.

Eduardo Correia enquanto voz pujante da doutrina geral do crime nesta matéria, teve impacto a nível dogmático,
uma vez que o preceito que hoje consta do CP (30. CP) corresponde em grande parte ao pensamento do referido
autor, relativamente à pluralidade de infrações. Vejamos:

EDUARDO Pensamento:
CORREIA - Critica o pensamento positivista que conformava o conceito naturalístico de ação, e propõe que
vejamos a diferença entre o mundo cultural e o mundo naturalístico. Deste modo, o Direito situa-se
no domínio do mundo cultural, bem como o crime, uma vez que é resultado da associação de factos
empíricos a valores com relevância jurídica.
Isto leva-nos a pensar que a ação que está na base do crime cometido, difere-se da mera ação
mecânica porque tem uma estrutura teleológica ligada a valores.
Desta forma, o que deve decidir o número de crimes é o número de ações entendidas, não
naturalisticamente, mas teleologicamente.

Assim, pode acontecer que uma ação subsumível a um tipo legal de crime, se configure de tal forma
que o juízo de reprovação tenha de ser formulado várias vezes, ainda que apenas um bem jurídico
tenha sido violado. Neste sentido, Eduardo Correia fala em “resolução” como determinação da
vontade, e utiliza um critério de continuidade temporal para aferir em que momento o agente agiu
várias vezes motivado pelo primeiro impulso, ou se houve oportunidade de renovar a motivação da
ação.

Conclusão:
Este pensamento contribuiu até aos dias de hoje para:
- Rejeição do conceito natural de ação para efeitos de determinação de concurso efetivo ou
aparente (concurso real vs. concurso ideal).

- Para este autor existe concurso de crimes quando diversos bens jurídicos são violados e existe
uma pluralidade de resoluções criminosas aferidas pelo critério de continuidade temporal.

FIGUEIREDO Pensamento:
DIAS - Avança com um critério que põe em foco, não a mera ação, mas sim “o substrato da vida dotado
de um sentido negativo de valor jurídico-penal”, querendo dizer que, para concluir pela pluralidade
de factos puníveis, temos de analisar o comportamento global do agente de acordo com os sentidos
de ilicitude típica. Não obstante é o tipo legal que nos diz o que é proibido, e nessa medida nos
revela o sentido de desvalor jurídico-penal.
- Assim, de início o que diz é que há concurso de crimes se houver uma pluralidade de tipos legais
violados, porém o concurso pode ser efetivo ou aparente dependendo da pluralidade ou unidade
do sentido de ilicitude típica
- Sendo várias normas abstratamente aplicáveis ao caso concreto, não se pode concluir, sem mais,
estarmos perante um caso de concurso de crimes. Isto porque o aplicador de direito deverá fazer
um exercício interpretativo prévio, averiguando se entre as normas chamadas à colação não existirá
uma relação lógica que leve a que a aplicação duma exclua ou afaste a aplicação da outra.

DIFERENÇA - Ao contrário de Eduardo Correia, Figueiredo Dias limita a questão do concurso de crimes ao tipo
S ENTRE OS de ilícito, e não ao nível do tipo de culpa. Por isso Figueiredo Dias afirma que a unidade ou
DOIS pluralidade resolutiva avançada por Eduardo Correia, não deve ser tida enquanto elemento
determinante do concurso, mas sim, apenas como elemento indiciário.

- Figueiredo Dias afirma que é possível que várias normas sejam concretamente aplicáveis, mas que
um sentido de desvalor predomine sobre os restantes, porque os ilícitos se conexionam de tal
forma que punir o agente segundo as regras do concurso efetivo seria demasiado pesado e até
atentatório ao princípio non bis in idem. Aqui reside a principal diferença entre os autores, uma vez
que para Figueiredo Dias, se várias normas/tipos legais forem concretamente aplicáveis, então
haverá concurso, mas não necessariamente um concurso efetivo (pode ser concurso aparente).

Concurso Efetivo: a par de uma pluralidade de normas, existe uma pluralidade de sentidos de ilicitude do
comportamento global do agente.

Concurso Aparente: a par de uma pluralidade de normas, existe um único sentido de ilícito 1/\*/1prevalecente
relativamente aos demais.

CONCURSO EFETIVO______________________________________________________________________________

O art. 77. CP aplica-se aos casos em que existe um concurso efetivo, no qual se determina as penas concretamente
aplicáveis aos crimes concorrentes, da somas das quais resultará o limite máximo da moldura abstrata do concurso
(acumulação material). Entre o limite máximo somado e a pena mais elevada concretamente aplicável caberá ao juiz
determinar a pena do concurso.

CONCURSO APARENTE____________________________________________________________________________

Apesar de existir uma pluralidade de tipos legais violados pela conduta global, predomina só um sentido de desvalor
do ilícito.

Punir o concurso aparente com recurso ao art. 77. CP significa violar o princípio non bis in idem previsto no art. 29./5
CRP na medida em que o desvalor do comportamento dominado será tido conjuntamente em conta com o desvalor
dominante.

A solução proposta por Figueiredo Dias é a da aplicação da moldura penal respeitante ao ilícito dominante,
intervindo o “excedente” como fator de agravação na medida da pena concreta. Por outras palavras aplica-se ao caso
a norma que se demonstrou prevalecente após a análise do concurso.

Critérios de Análise:

São vários os critérios, e estes não são estanques uma vez que se relacionam entre si e podem até coexistir no
mesmo caso, ou por outro lado, podem excluir-se uns aos outros.

O Sr. Professor Figueiredo Dias avança com cinco critérios:

 Unidade de sentido do ilícito global: o autor do crime realizou apenas uma ação, mas para a alcançar serviu-
se de instrumentos também por si só puníveis.
(EX: crime que tem como elemento constitutivo do tipo subjetivo de ilícito a apropriação de coisa alheia)
 Crime de meio: o agente de um crime realiza um outro como meio de tornar efetiva a sua intenção principal.
Note-se que para que o concurso seja aparente é necessário que o crime de meio esgote o seu sentido e
efeitos na realização do crime-fim.
 Unidade do desígnio criminoso: conclui-se por uma pluralidade de comportamento ilícitos é dominada por
um sentido único e autónomo de ilicitude. Está relacionado com os dois critérios anteriores.
 Conexão espácio-temporal:

Relação Lógico Abstrata de Especialidade:

Um dos tipos legais contém todos os elementos do outro e mais algum, o que lhe confere um caráter especializador
(seja ele relativo à ilicitude ou culpa). Assim o enunciado geral subordina-se ao enunciado especial.
Esta relação é reconduzível sobretudo a três grupos de casos:

 Relação que se estabelece entre qualquer tipo legal fundamental, e o tipo legal agravado, ou privilegiado,
respetivo.
(EX: homicídio qualificado prevalece sobre o homicídio simples).

 A norma incriminadora de um crime complexo (tutelam vários bens jurídicos), será especial face a cada uma
das normas que prevê os crimes simples que o compõem.
(EX: roubo prevalece sobre o tipo de furto, ou sobre a ofensa à integridade física).

 Relação entre tipos legais pertencentes a diferentes domínios do Direito Penal


(EX: fraude fiscal (direito penal fiscal) + falsificação de documentos e burla (direito penal comum) desde que
sejam lesados, ou postos em perigo, interesses patrimoniais do fisco).

Relação Lógico Abstrata de Subsidiariedade:

A lei condiciona a aplicação de um preceito à inexistência de outro que comine uma sanção mais grave. Significa que
se um facto for punido por uma norma que comina sanção mais grave, não pode ser novamente punido por aquela
que comina uma sanção menos grave.

 Subsidiariedade Expressa: uma norma, literalmente, faz depender a sua aplicação da inexistência de outra
norma que comine pena mais grave.
(EX: 208; 230; 320 CP)
 Subsidiariedade Implícita: uma norma que prevê estádios evolutivos, intermédios ou atos preparatórios
cedem perante a punição da tentativa ou consumação dos crimes a que se reportam, bem como a punição
da tentativa pode ceder perante a consumação.
(EX: 271; 275; 344 CP)
Também haverá subsidiariedade implícita quando normas que preveem formas menos intensas de agressão
do bem jurídico, cedam perante normas que preveem formas mais intensas de agressão do mesmo bem
jurídico.
(EX: crimes de perigo abstrato cedem perante crimes de perigo concreto; crimes de perigo cedem perante
crimes de dano)
CASO CONCURSO

1. Em virtude do disposto no enunciado estamos perante um caso de Concurso de Normais Penais onde interessa
ponderar a existência de uma pluralidade ou unidade de crimes, apesar de termos uma pluralidade de danos e
atuações naturalísticas (conceção natural de concurso - real/ideal). Tendo sempre em vista respeitar as restrições
do art.º 29.º/5 CRP relativas à proibição da dupla valoração de um facto para efeitos punitivos ( princípio non bis
in idem).

2. Deste modo, consideramos a análise de vários critérios, avançados pelo Sr. Professor Figueiredo Dias, de modo a
determinar a presença de um concurso efetivo ou aparente de normas, sendo que esta análise deverá sempre
ser feita em termos concretos de modo a atender às especificidades de cada caso.
 Critério do bem jurídico: 1 conduta + vários tipos legais = concurso aparente TENDENCIALMENTE.
 Critério do desvalor global do facto:
Critério do crime instrumental (FD): um ilícito singular surge perante o ilícito principal, como meio de
o realizar, e nesta realização esgota o seu sentido ou efeitos = concurso aparente
TENDENCIALMENTE.
Deste modo, uma valoração autónoma do crime-meio representa uma violação da proibição jurídico-
constitucional presente no art.º 29.º/5 CRP.
 Critério da conexão espácio-temporal das realizações típicas: a unidade de espaço e/ou tempo pode
constituir justificação para concluir que estamos perante um concurso aparente.
 Critério da unidade de desígnio criminoso: o agente não renova a sua intenção de desobedecer à ordem
jurídica).

3. Existem várias relações lógico-abstratas entre as normas do CP que permitem concluir pela existência de um
concurso aparente:
 Relação de Especialidade: um dos tipos legais contém todos os elemento do outro, e mais algum que lhe
confira um caráter especial/especializador.
 Relação de Subsidiariedade: quando a lei condiciona a aplicação de um preceito à inexistência de outro que
comine sanção mais grave.
 Relação de Consunção: quando o conteúdo de um ilícito-típico inclui em regra o de outro facto, de tal modo
que, em perspetiva jurídico-normativa, a condenação pelo ilícito-típico mais grave exprime já, de forma
bastante, o desvalor de todo o comportamento.

4. Em suma,
 Se estamos perante um concurso aparente aplica-se a norma prevalecente.
 Se estamos perante um concurso efetivo, aplica-se o art.º 30.º/1 + 77.º CP
 Se estamos perante um crime continuado, aplica-se o art.º 30.º/2 + 79.º CP
Requisitos Positivos: ser sempre o mesmo crime (homogéneo) (30.º/2) + circunstâncias que justificam a
diminuta culpa do agente.
Requisito Negativo: bens iminentemente pessoais (30.º/3).

NOTAS:
FD: quando os bens são iminentemente pessoais e as vítimas são diferentes, o concurso tem de ser efetivo.

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