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Equiparação de vítima de acidente a consumidor

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal consiste em determinar: (i) se é correta a


aplicação da legislação consumerista à hipótese dos autos, em que o
recorrido foi lesionado por garrafas quebradas de cerveja deixadas em via
pública; e (ii) se é possível a solidariedade entre a recorrente, fabricante de
cervejas, e a interessada, então sua distribuidora, responsável por deixar as
garrafas quebras em calçada pública.

I – Dos contornos fáticos da lide

Para o correto deslinde do presente julgamento, é necessário


levar em consideração o quadro fático delineado pela sentença e pelo
acórdão recorrido. A recorrente é fabricante de cervejas e outras bebidas,
sendo a sucessora da empresa PRIMO SCHINCARIOL INDÚSTRIA DE
CERVEJAS E REFRIGERANTES S/A.

Na hipótese, o recorrido sofreu danos decorrentes de sua


queda sobre garrafas de cerveja quebradas – produzidas pela recorrente –
em via pública. Ressalte-se que a queda foi resultado da ação de um
caminhão-baú não

identificado nos autos que circulava com uma das portas aberta, bem como
que as garrafas quebradas já se encontravam sobre a calçada neste
momento.

Os cacos de vidros espalhados na calçada foram o resultado de


outro acidente, ocorrido durante o transporte das cervejas pela então
distribuidora da recorrente VBIER COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE
BEBIDAS LTDA. Consta nos autos que, ao transportar os engradados, a
VBIER amarrou a carga no caminhão com cintas que não se encontravam
em estado adequado para seu uso de forma segura, que causou o
tombamento e quebra das garrafas, após uma curva efetuada no trajeto. Por
fim, ainda consta que a VBIER, mesmo após a queda, deixou as garrafas
quebradas em via pública, onde o recorrido posteriormente se acidentou.

II – Da negativa de prestação jurisdicional

Inicialmente, constata-se que o acórdão recorrido não contém


omissão, contradição ou obscuridade. O TJ/RJ tratou suficientemente dos
temas necessários para a resolução da controvérsia, proferindo, a partir da
conjuntura então apresentada, a decisão que lhe pareceu mais coerente.

Embora tenha apreciado toda a matéria em discussão, tratou da


dos vários temas abordados no recurso de apelação sob viés diverso
daquele pretendido pelo recorrente, fato que não dá ensejo à interposição de
embargos de declaração. Dessa forma, o não acolhimento das teses contidas
no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador
cabe apreciar a questão conforme o que entender relevante à lide.

Por outro lado, encontra-se pacificado no STJ o entendimento


de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados objetivando o
prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não
ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Confiram-
se os precedentes: AgRg no Ag 680.045/MG, 5ª Turma, DJ de 03.10.2005;
EDcl no AgRg no REsp 647.747/RS, 4ª Turma, DJ de 09.05.2005; EDcl no
MS 11.038/DF, 1ª Seção, DJ de 12.02.2007.

Por essa razão, não se verifica a ofensa ao art. 535 do CPC/73.

III – Da aplicação do CDC

Feitos os contornos fáticos acima, o Tribunal de origem


confirmou sentença de 1º grau de jurisdição que compreendeu existir, nessas
circunstâncias, um acidente de consumo ou “fato do serviço”, nos termos do
art. 14 do CDC, como consta no acórdão do TJ/RJ, sendo o recorrido um
consumidor por equiparação, conforme o art. 17 do CDC.

Como é cediço, a legislação consumerista, para fins de tutela


contra acidente de consumo, amplia o conceito de consumidor para abranger
qualquer vítima, mesmo que nunca tenha contratado ou mantido qualquer
relação com o fornecedor. Conforme a doutrina sobre o assunto:

Protege-se não só o consumidor direto, aquele que adquiriu o


produto ou serviço, como ainda qualquer outra pessoa afetada
pelo bem de consumo. Aí se inclui até o bystander, ou seja, o
mero espectador que, casualmente, é atingido pelo defeito.
(Antonio H. Benjamin, Cláudia Lima Marques, Leonardo Roscoe
Bessa. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 5ª
ed., 2013, p. 183)

Esta Terceira Turma, em julgamento do REsp 1125276/RJ (DJe


07/03/2012), já se manifestou no sentido de que “o art. 17 do CDC prevê a
figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do
CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação
de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação”.

A figura do consumidor por equiparação é utilizada pela


legislação
consumerista nas situações denominadas de fato do produto ou de fato do
serviço, ou ainda – como a doutrina prefere denominar – de acidentes de
consumo (BENJAMIN, MARQUES e BESSA. Op. cit.). Torna-se, assim,
imprescindível determinar se a situação descrita nos autos pode ser
configurada como um acidente de consumo ou, de acordo com o CDC, um
fato do serviço.

IV – Do acidente de consumo

Em suas razões, a recorrente pugna pela não configuração de


um fato do serviço, nos termos do art. 14 do CDC, pois suas atividades
industriais estão restritas à fabricação de bebidas e, prossegue o argumento,
por se tratar de dano advindo da prestação do serviço de transporte de
mercadorias, não haveria relação de consumo possível entre ela e o
recorrido.

No entanto, diante do quadro fático narrado no acórdão


recorrido, não há como afastar a existência de um acidente do consumo e,
assim, o recorrido deve ser, por força do art. 17 do CDC, equiparado ao
consumidor.

Isso porque o argumento apresentado pela recorrente não


prospera, pois se é certo que ela se dedica apenas à fabricação de cervejas
e outras bebidas, também é certo que o consumo dessas bebidas não ocorre
em suas fábricas, mas em bares, clubes, restaurantes e até mesmo nos lares
dos consumidores.

Para que isso ocorra, é absolutamente necessário que os


produtos feitos pela recorrente sejam transportados até o público consumidor
e todo esse movimento – fabricação e transporte – compõe um único
movimento econômico de consumo.

A partir dessas considerações, exsurge a figura da


cadeia de
fornecimento, cuja composição não necessita ser exclusivamente de
produto ou de serviços, podendo ser verificada uma composição mista de
ambos, dentro de uma mesma atividade econômica. Na lição da doutrina
consumerista:

A cadeia de fornecimento é um fenômeno econômico de


organização do modo de produção e distribuição, do modo de
fornecimento de serviços complexos, envolvendo grande
número de atores que unem esforços e atividades para uma
finalidade comum, qual seja a de poder oferecer no mercado
produtos e serviços para os consumidores. O consumidor
muitas vezes não visualiza a presença de vários fornecedores,
diretos e indiretos, na sua relação de consumo, não tem sequer
consciência – no caso dos serviços, principalmente – de que
mantém relação contratual com todos ou de que, em matéria de
produto, pode exigir informação e garantia diretamente daquele
fabricante ou produtor com o qual não mantém contrato. (...) O
art. 3º do CDC bem especifica que o sistema de proteção do
consumidor considera como fornecedores todos os que
participam da cadeia de fornecimento de produtos (nominados
expressamente “toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos) e da cadeia de
fornecimento de serviços (o organizador da cadeia e os demais
partícipes do fornecimento direto e indireto, mencionados
genericamente como “toda pessoa física, jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de (...)
prestação de serviços”), não importando sua relação direta ou
indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor.
(Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: RT, 8ª ed., 2016).
É irrelevante considerar, nesse quadro, qual a relação jurídica
entre a distribuidora VBIER e a recorrente KIRIN, pois estão todas incluídas
dentro de uma mesma cadeia de fornecimento.
Sobre este aspecto, inclusive, veja-se que o acidente
ocasionado pela interessada VBIER – que tombou as garrafas de cerveja em
via pública – ocorreu somente porque estava atendendo a pedido de cliente,
quer dizer, estava transportando a cerveja produzida pela recorrente até um
ponto de comercialização ao consumidor final.
Portanto, é inegável a existência, na hipótese dos autos, de
uma cadeia de fornecimento e, conforme jurisprudência deste
Tribunal, a responsabilidade de todos os integrantes da cadeia
de fornecimento é objetiva e solidária, nos termos dos arts. 7º,
parágrafo único, 20 e 25 do CDC (REsp 1.099.634/RJ, Terceira
Turma, DJe 15/10/2012).

Por fim, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se


aplica à hipótese, ademais, as razões do julgamento do REsp 1157859/RS
(Terceira Turma, DJe 14/11/2012), que deixou de reconhecer a solidariedade
da própria antecessora da recorrente (PRIMO SCHINCARIOL) por danos
decorrentes de acidente de trânsito, em que estava envolvido seu
distribuidor, pois como afirmado pelo Ministro relator para o acórdão,
naquela oportunidade “não gravita a discussão em torno da
responsabilidade civil objetiva do fabricante por defeito do produto (art. 12
da Lei n° 8.078/95), pois a sujeição passiva da recorrente, segundo o julgado
recorrido, não se dá por relação de consumo”.

No recurso em julgamento, por sua vez, verifica-se uma cadeia


de fornecimento e, assim, impossível de afastar a legislação consumerista e
a correta equiparação do recorrido a consumidor, nos termos do art. 17 do
CDC, conforme julgado pelo Tribunal de origem.
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-
LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, II, do RISTJ.
Considerando que o recurso foi interposto na vigência do
CPC/73, mantêm-se os ônus sucumbenciais fixados pelo Tribunal de origem.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Atropelamento pode ser acidente de consumo

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.


RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE
CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS
DE TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO
CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre
atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de
transporte de pessoas.
2. Enquadramento do demandante atropelado por
ônibus coletivo, enquanto vítima de um acidente de
consumo, no conceito ampliado de consumidor
estabelecido pela regra do art. 17 do CDC ("bystander"),
não sendo necessário que os consumidores, usuários do
serviço, tenham sido conjuntamente vitimados.
3. A incidência do microssistema normativo do CDC
exige apenas a existência de uma relação de consumo
sendo prestada no momento do evento danoso contra
terceiro (bystander).
4. Afastamento da prescrição trienal do art. 206, §3º,
inciso V, do CCB, incidindo o prazo prescricional
quinquenal previsto no art. 27 do CDC.
5. Não implementado o lapso prescricional quinquenal,
determinação de retorno dos autos ao primeiro grau de
jurisdição para que lá se continue no exame da pretensão
indenizatória.
6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


(Relator):
Eminentes colegas. A polêmica central do presente recurso
especial situa-se em torno da incidência do microssistema normativo do
CDC, e, consequentemente, na aplicação do art. 27 do CDC, a prever
prazo prescricional quinquenal para o acidentes de consumo em relação a
terceiro, vítima de um atropelamento alegadamente causado pelo ônibus
da recorrida durante a prestação do serviço de transporte de pessoas.
Conforme o relatório constante na sentença, o recorrente ajuizou
ação de indenização contra a recorrida afirmando "que, no dia
03/08/2012, por volta de 10h50min, na Rua Alfredo Backer, bairro
Alcântara, foi vítima de atropelamento provocado pelo auto-ônibus placa
RJ/LLP 6537, de propriedade da ré, causando-lhe lesões, tendo o
motorista se evadido do local sem prestar socorro, sendo certo que o
fato se deu devido à imprudência do preposto da ré, na condução do
veículo, já que ao manobrá-lo para sair do ponto de ônibus existente no
local, atropelou o autor, que exercia a sua função de gari, e se
encontrava varrendo o meio-fio."

O juízo sentenciante e o acórdão recorrido reconheceram prescrita


a pretensão indenizatória, tendo em vista a incidência do art. 206, §3º,
inciso V, do CCB, extinguindo o feito com resolução de mérito.
Suscitada a incidência do prazo prescricional quinquenal previsto
no art.
27 do CDC, estatuto cuja aplicação já havia sido alegada desde a
petição inicial, o acórdão recorrido não o reconheceu aplicável, pois não
decorreria, o atropelamento "de qualquer relação de consumo, ainda
que indireta, entre a vítima e a empresa proprietária do veículo
atropelador ou seu condutor" (fl. 121 e-STJ).

Merece provimento o recurso especial.


Com efeito, mostra-se plenamente aplicável ao caso o
microssistema normativo do consumidor, instituído pela Lei 8078/90, em
face do disposto no art. 17 do CDC.
A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente
causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de
serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à
relação de consumo não afasta a sua condição de consumidor por
equiparação, senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC,
que ampliou o conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90.
O Código de Defesa do Consumidor, em nenhum dos seus
dispositivos exige que o consumidor, conjuntamente ao terceiro
considerado consumidor por equiparação (bystander), seja vitimado pelo
acidente de consumo para que a extensão se verifique.
A análise rigorosa das cadeias contratuais de consumo, desde a
fabricação do produto, passando pela rede de distribuição, até chegar ao
consumidor final, mostra que, frequentemente, as vítimas ocasionais de
acidentes de consumo não têm qualquer tipo de vínculo efetivo com o
fornecedor.
No rigor da regra do artigo 2º, caput, do CDC, o bystander
ficaria fora da proteção conferida pelo legislador, pois não é destinatário
final do bem ou serviço que lhe causou o dano.
Essas vítimas, porém, estão abrangidas por força da regra de
extensão do art. 17 do CDC, tendo legitimidade para acionar diretamente
o fornecedor responsável pelos danos sofridos com base no CDC.

O dispositivo encerra o alcance de terceiros isoladamente (ou


seja, quando não vitimado também o objeto de proteção por excelência da
Lei 8.078/90, o consumidor) e, inclusive, como já manifestei nesta Corte
Superior, a vítima profissional, que não se enquadra no conceito básico
de consumidor.
Os intermediários da cadeia de consumo, incluindo comerciantes,
atacadistas, varejistas, transportadores, assim como os terceiros alheios
à relação também podem ser vítimas de acidente de consumo.
Normalmente, essas pessoas não seriam consideradas consumidoras
para efeito de incidência do CDC, pois não seriam destinatárias finais
do produto ou do serviço (art. 2º do CDC). Todavia, ainda que não sejam
destinatários finais, ficam equiparados ao consumidor, caso sejam vítimas
de um acidente de consumo.
O eminente Ministro Herman Benjamin, em seus Comentários ao
Código de Proteção do Consumidor, fornece exatamente o exemplo do
dono de um supermercado que, ao inspecionar sua seção de enlatados,
sofre ferimentos pela explosão de uma lata com defeito de fabricação,
reconhecendo que ele pode pleitear, do mesmo modo que o consumidor
que está a seu lado, reparação pelos danos sofridos em decorrência do
produto defeituoso. (BENJAMIN, Antônio Hermen de Vasconcelos.
Comentários ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva,
1991. p. 81).
Ainda sob a análise do art. 17 do CDC, é necessário repetir o
magistério de Antonio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e
Leonardo Roscoe Bessa (in Manual de Direito do Consumidor, 4ª ed. em
e-book, Ed. RT, 2017, Capítulo III, item 2, subitem c):
A proteção deste terceiro, bystander, que não é
destinatário final de produtos e serviços do art. 2.º do
CDC, é complementada pela disposição do art. 17 do
CDC, que, aplicando-se somente à seção de
responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (arts.
12 a 16), dispõe: “Para os efeitos desta Seção,
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do
evento”.
Logo, basta ser “vítima” de um produto ou serviço para
ser privilegiado com a posição de consumidor legalmente
protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva
pelo fato do produto presentes no CDC – não é
necessário ser destinatário final, ser consumidor concreto,
basta o acidente de consumo oriundo deste defeito do
produto e do serviço que causa o dano.
Em nada diverge a lição de Bruno Miragem, para quem:
(...) consideram-se consumidores equiparados todas as
vítimas de um acidente de consumo, não importando se
tenham ou não realizado ato de consumo (adquirido ou
utilizado produto ou serviço). Basta para ostentar tal
qualidade, que tenha sofrido danos decorrentes de um
acidente de consumo (fato do produto ou do serviço).
Trata-se da extensão para o terceiro (bystander) que
tenha sido vítima de um dano no mercado de
consumo, e cuja causa se atribua ao fornecedor,15 da
qualidade de consumidor, da proteção indicada pelo
regime de responsabilidade civil extracontratual do
CDC.16

Assim, por exemplo, o transeunte que, passando pela


calçada é atingido pela explosão de um caminhão de gás
que realizava entregas, ou quem é ferido pelos estilhaços
de uma garrafa de refrigerante que explode em um
supermercado, mesmo não tendo uma relação de
consumo em sentido estrito com o fornecedor, equipara-
se a consumidor para efeito da aplicação das normas do
CDC.

A regra da equiparação do CDC parte do pressuposto que


a garantia de qualidade do fornecedor vincula-se ao
produto ou serviço oferecido. Neste sentido, prescinde do
contrato, de modo que o terceiro, consumidor equiparado,
deve apenas realizar a prova de que o dano sofrido
decorre de um defeito do produto. 17 Esta proteção do
terceiro foi gradativamente reconhecida no direito norte-
americano a partir do conhecido caso MacPherson vs.
Buick Co., na década de 1930, pelo qual dispensou-se a
prévia existência de contrato para que fosse atribuída
responsabilidade. Com o avanço da jurisprudência norte-
americana, a partir do caso Hennigsen vs. Bloomfield foi
então dispensada a regra da quebra da garantia
intrínseca, que ainda guardava uma certa natureza
contratual, adotando-se a partir daí a regra da
responsabilidade objetiva (strict liability products),18
decorrente do preceito geral de não causar danos.

A lição norte-americana inspirou o legislador do CDC.


Assim também a jurisprudência brasileira vem
desenvolvendo sensivelmente a abrangência desta
definição legal, permitindo, por exemplo, a tutelado
direito de moradores de área próxima à refinaria de
petróleo que venham a ser prejudicados pela poluição
dela proveniente,19 das vítimas que se encontram em
solo, no caso da queda de um avião, 20 assim como o
terceiro que sofre acidente de trânsito causado por
empresa fornecedora de transporte.21 (in Curso de
Direito do Consumidor, 4ª ed. Em e-book, Ed. RT, 2016,
Parte I, item 5, subitem 5.2.2.2)

É para ao CDC suficiente a existência de uma relação de consumo,


ou seja, que o produto seja fornecido e o serviço esteja sendo prestado
dentro do escopo do Código de Defesa do Consumidor, para que,
advindo daí um acidente de consumo a vitimar alguém, integrante ou não
da cadeia de consumo, incidam os institutos protetivos do CDC.
Haverá hipótese em que o acidente ocorrerá em contexto em que o
transporte não seja de consumidores, na forma do art. 2º do CDC, e nem
seja prestado por fornecedor, na forma do art. 3º do CDC, como, por
exemplo, no transporte de empregados pelo empregador, o que,
certamente, afastaria a incidência do CDC, por inexistir, indubitavelmente,
uma relação disciplinada pelo CDC, uma relação de consumo.
No entanto, quando a relação é de consumo e o acidente ocorre no
seu contexto, desimporta o fato de o consumidor não ter sido vitimado
para que o terceiro por ele diretamente prejudicado seja considerado
bystander.

Nesse sentido, é a jurisprudência desta Corte Superior:


CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR.
REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONFLITO
INTERTEMPORAL. CC/16 E CC/02. ACIDENTE DE
TRÂNSITO ENVOLVENDO FORNECEDOR DE SERVIÇO
DE TRANSPORTE DE PESSOAS. TERCEIRO, ALHEIO À
RELAÇÃO DE CONSUMO, ENVOLVIDO NO ACIDENTE.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. DECISÃO OMISSA. INTUITO
PROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA.
1. Em relação à regra de transição do art. 2.028 do
CC/02, dois requisitos cumulativos devem estar presentes
para viabilizar a incidência do prazo prescricional do
CC/16: i) o prazo da lei anterior deve ter sido reduzido
pelo CC/02; e ii) mais da metade do prazo
estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no
momento em que o CC/02 entrou em vigor. Precedentes.
2. Os novos prazos fixados pelo CC/02 e sujeitos à regra
de transição do art. 2.028 devem ser contados a partir da
sua entrada em vigor, isto é, 11 de janeiro de 2003.
3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por
equiparação (bystander), sujeitando à proteção do
CDC aqueles que, embora não tenham participado
diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de
evento danoso decorrente dessa relação.
4. Em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de
serviço de transporte, o terceiro vitimado em decorrência
dessa relação de consumo deve ser considerado
consumidor por equiparação. Excepciona-se essa regra
se, no momento do acidente, o fornecedor não estiver
prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relação de
consumo de onde se possa extrair, por equiparação, a
condição de consumidor do terceiro.
5. Tendo os embargos de declaração sido opostos
objetivando sanar omissão presente no julgado, não há
como reputá-los protelatórios, sendo incabível a
condenação do embargante na multa do art. 538,
parágrafo único, do CPC.6. Recurso especial
parcialmente provido. (REsp 1125276/RJ, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
28/02/2012, DJe 07/03/2012)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL.


RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE CONSUMO.
EXPLOSÃO DE GARRAFA PERFURANDO O OLHO
ESQUERDO DO CONSUMIDOR. NEXO CAUSAL.
DEFEITO DO PRODUTO. ÔNUS DA PROVA.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RESTABELECIMENTO DA
SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1 - Comerciante atingido em seu olho esquerdo pelos
estilhaços de uma garrafa de cerveja, que estourou em
suas mãos quando a colocava em um freezer, causando
graves lesões.
2 - Enquadramento do comerciante, que é vítima de
um acidente de consumo, no conceito ampliado de
consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC
("bystander").
3 - Reconhecimento do nexo causal entre as lesões
sofridas pelo consumidor e o estouro da garrafa de
cerveja.
4 - Ônus da prova da inexistência de defeito do produto
atribuído pelo legislador ao fabricante.
5 - Caracterização da violação à regra do inciso II do § 3º
do art. 12 do CDC.
6 - Recurso especial provido, julgando-se procedente a
demanda nos termos da sentença de primeiro grau.
(REsp 1288008/MG, Rel.Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 04/04/2013, DJe 11/04/2013)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.


PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE DE
AUTENTICAÇÃO. AFASTAMENTO DA SÚMULA N.
115/STJ. CIVIL E PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO.
DANOS MORAIS E MATERIAIS. RELAÇÃO DE
CONSUMO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO
ANALÍTICO. INÉPCIA DA INICIAL. INEXISTÊNCIA.
MANUTENÇÃO DA MULTA. ART. 538, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO CPC.
1. Em se tratando do agravo de instrumento disciplinado
nos artigos 522 e seguintes do CPC, é dispensável a
autenticação das peças que o instruem, tendo em vista
inexistir previsão legal que ampare tal formalismo.
2. Nos termos do que dispõe o art. 17 da Lei n.
8.078/90, equipara-se à qualidade de consumidor para
os efeitos legais, àquele que, embora não tenha
participado diretamente da relação de consumo, sofre
as consequências do evento danoso decorrente do
defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca
lesões, gerando risco à sua segurança física e
psíquica.
3. Caracterizada a relação de consumo, aplica-se ao caso
em apreço o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos
estabelecido no art. 27 da Lei n. 8.078/90.
4. Respondem solidariamente todos aqueles que
contribuíram para a causa do dano.
5. Considerando que a petição inicial da ação de
indenização por danos materiais e morais forneceu de
modo suficiente os elementos necessários ao
estabelecimento da relação jurídico-litigiosa,
apresentando os fatos que permitem a identificação da
causa de pedir, do pedido e do embasamento legal,
correto o acórdão recorrido que afastou a inépcia da
exordial.
6. Em razão do manifesto caráter protelatório dos
embargos de declaração, a multa aplicada pela instância a
quo deve ser mantida.
7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp
1000329/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/2010,
DJe 19/08/2010)

Na espécie, incidem as normas consumeristas e, assim, a


prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC.
Tendo em vista que a demanda fora ajuizada em 2016 em relação
a fato ocorrido em 03/08/2012, é de se afastar a prescrição,
impondo-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para
continuidade do exame da pretensão.

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio
Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Queda de aeronave com danos a terceiros

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AÉREO.


PESSOA EM SUPERFÍCIE QUE ALEGA ABALO MORAL
EM RAZÃO DO CENÁRIO TRÁGICO. QUEDA DE AVIÃO
NAS CERCANIAS DE SUA RESIDÊNCIA.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. ART. 17 DO CDC.
PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL DE 1916.
INAPLICABILIDADE. CONFLITO ENTRE PRAZO
PREVISTO NO CÓDIGO BRASILEIRO DE
AERONÁUTICA (CBA) E NO CDC. PREVALÊNCIA
DESTE. PRESCRIÇÃO, TODAVIA, RECONHECIDA.
1. A Segunda Seção sufragou entendimento no sentido de
descaber a aplicação do prazo prescricional geral do
Código Civil de 1916 (art. 177), em substituição ao prazo
específico do Código de Defesa do Consumidor, para danos
causados por fato do serviço ou produto (art. 27), ainda
que o deste seja mais exíguo que o daquele (Resp
489.895/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/3/2010).
2. As vítimas de acidentes aéreos localizadas em
superfície são consumidores por equiparação
(bystanders), devendo ser a elas estendidas as normas do
Código de Defesa do Consumidor relativas a danos por
fato do serviço (art. 17, CDC).
3. O conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o
Código Brasileiro de Aeronáutica - que é anterior à CF/88
e, por isso mesmo, não se harmoniza em diversos aspectos
com a diretriz constitucional protetiva do consumidor -,
deve ser solucionado com prevalência daquele (CDC),
porquanto é a norma que melhor materializa as
perspectivas do constituinte no seu desígnio de conferir
especial proteção ao polo hipossuficiente da relação
consumerista. Precedente do STF.
4. Recurso especial provido.

VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Rejeito, de saída, a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC,


pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se
dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos
expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as
razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte
de modo específico a determinados preceitos legais.
No particular, o próprio acórdão de apelação apreciou
explicitamente as teses alusivas à aplicação do prazo prescricional contido
no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), assim também aquele previsto no
Código de Defesa do Consumidor (CDC). Estando a matéria plenamente
debatida no acórdão embargado, dispensáveis se mostravam as digressões
acerca do tema ventiladas nos embargos de declaração opostos.
3. A matéria de fundo cinge-se a saber qual o prazo de
prescrição aplicável à pretensão daquele que alegadamente experimentou
danos morais em razão de acidente aéreo, ocorrido nas cercanias de sua
residência.
O acórdão recorrido afastou a incidência do CDC e do CBA
pelo seguinte fundamento:

Não há que se falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois


aqui não há relação de consumo, tendo em vista que a autora não era
usuária dos serviços prestados pela empresa TAM.
No entanto, com razão a apelante, devendo ser afastada a prescrição.
A autora ajuizou ação de responsabilidade civil baseada no direito comum,
devendo ser aplicada a prescrição vintenária prevista no Código Civil de
1916 e não a Lei 7.565/86, que prevê indenização tarifada. A autora busca
integral reparação dos danos eventualmente causados, não pretendendo a
utilização de indenização tarifada (fl. 953).

3.1. Todavia, penso que assiste razão ao recorrente ao afirmar


não se aplicar o prazo geral prescricional do Código Civil de 1916, uma vez
existirem leis específicas a regular o caso.
No confronto entre a legislação específica e a geral, de regra,
deve prevalecer aquela, como decidiram a Segunda Seção e as Turmas de
Direito Privado em diversos precedentes, contendo situações análogas.
Refiro-me, por exemplo, à celeuma envolvendo o prazo
prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória em face das indústrias
do fumo, por alegados danos causados pelo hábito tabagista. Embora o prazo
prescricional previsto no CDC (cinco anos), para a hipótese de indenização
pelo fato do serviço ou do produto, fosse mais exíguo se comparado ao prazo
geral do Código Civil de 1916 (vinte anos), a Segunda Seção afastou a
norma geral para aplicar a especial, embora mais gravosa ao consumidor
no particular relativo à prescrição.

Nesse sentido, confira-se o precedente:


RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. FATO DO
PRODUTO. TABAGISMO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. CONHECIMENTO
DO DANO.
1. A pretensão do autor, apoiada na existência de vícios de
segurança, é de informação relativa ao consumo de
cigarros - responsabilidade por fato do produto.
2. A ação de responsabilidade por fato do produto
prescreve em cinco anos, consoante dispõe o art. 27 do
Código de Defesa do Consumidor.
3. O prazo prescricional começa a correr a partir do
conhecimento do dano.
4. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 489.895/SP, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 10/03/2010, DJe 23/04/2010)

Em voto-vista proferido no mencionado precedente, o Ministro


João Otávio de Noronha arrematou a questão da seguinte forma:
[...] as normas consumeristas somente têm aplicação no
âmbito do assim chamado "microssistema" de proteção do
consumidor. A integração, a esse microssistema, de
normas oriundas de outros conjuntos normativos
(microssistemas ou sistemas jurídicos) somente se dá, de
ordinário, em duas hipóteses: (i) quando a norma
consumerista for lacunosa; ou (ii) quando a norma
consumerista expressamente exigir a integração.

No mesmo sentido, são os seguintes acórdãos da e. Terceira


Turma: AgRg no REsp 1081784/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011; REsp
1036230/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe
12/08/2009.
Com efeito, na esteira do entendimento sufragado na Segunda
Seção, não se aplica ao caso o prazo prescricional geral previsto no Código
Civil de 1916.
3.2. Remanesce, porém, a controvérsia acerca de qual lei
específica disciplina o caso ora analisado, se o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) ou se o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA, Lei n.
7.565/86).
A bem da verdade, no caso ora em exame, tanto pelo prazo
bienal previsto no CBA, quanto pelo prazo quinquenal do CDC, a pretensão
autoral está mesmo prescrita, uma vez que o acidente ocorreu em outubro de
1996 e a ação só foi intentada em maio de 2003.
Insta, nessa esteira, a solução da questão, pois a causa propicia
ocasião para solução de celeuma recorrente no âmbito forense e
doutrinário, que é a antinomia existente entre os prazos de
prescrição previstos no CDC e o CBA, para a ação de
responsabilidade do transportador por danos causados em
acidentes aéreos.
De fato, a queda do avião Fokker 100, voo n. 402 da TAM,
ocorrida em 31.10.1996, é caso típico dos chamados acidentes de consumo,
dos quais, evidentemente, podem advir danos a terceiros não pertencentes
diretamente à relação consumerista estabelecida com o fornecedor, os
chamados consumidores por equiparação (bystanders), na dicção do CDC,
quando se refere a "todas as vítimas do evento" (art. 17).
Assim, tendo a autora alegadamente sofrido danos decorrentes
do fato do serviço prestado pela recorrente, enquadra-se aquela na condição
de consumidor por equiparação, conclusão chancelada por lição de abalizada
doutrina:
A Lei 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do
Consumidor, nasce como lei especial a tratar das relações
de consumo no mercado brasileiro, relações de consumo
contratuais e extracontratuais, as quais possuem como
elemento caracterizador a presença nos pólos ativo e
passivo de um fornecedor e um consumidor ou pessoa a
ele equiparada por lei.
Seu abrangente campo de aplicação é determinado pelos
arts. 2.°, 3º e 17, que definem de maneira ampla estes
sujeitos de direito: consumidor e fornecedor. A atividade
de prestar serviços de transporte, inclusive o transporte
aéreo, inclui-se facilmente no campo de aplicação ideal.
O transportador aéreo preenche todas as características
exigidas pelo art. 3.° do CDC para defini-lo como
fornecedor de serviços. Da mesma forma, a caracterização
do passageiro, contratante ou não, como consumidor é
determinada ora pela circunstância de ser ele o
destinatário final do serviço (art. 2.°, CDC), ora pela sua
posição como vitima do dano causado pelo
fornecimento do serviço (art. 17, CDC). Por força do
art. 17 do CDC, todas as vitimas são equiparadas a
consumidores (MARQUES. Cláudia Lima. A
responsabilidade do transportador aéreo pelo fato do
serviço e o Código de Defesa do Consumidor: antinomia
entre norma do CDC e de leis especiais. in. Revista de
direito do consumidor. RDC 3/155. jul.-set./1992, p. 607).

Não obstante o terceiro vítima de acidente aéreo e o


transportador serem, respectivamente, consumidor por equiparação e
fornecedor, o fato é que o CDC não é o único diploma a disciplinar a
responsabilidade do transportador por danos causados pelo serviço prestado.
O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) disciplina também o
transporte aéreo e confere especial atenção à responsabilidade civil do
transportador por dano, tanto a passageiros (arts. 256-259) quanto a terceiros
na superfície (arts. 268-272).
As divergências entre os dois diplomas são muitas, desde
indenização "tarifada" prevista no primeiro, contra a exigência de efetiva
reparação estabelecida no
segundo, a prazo prescricional de 2 (dois) anos previsto no primeiro, e de 5
(cinco) no segundo, ambos para a ação de reparação de danos causados por
fato do serviço.
Em síntese, os dois diplomas possuem campos de aplicação
parcialmente coincidentes, mas as normas alusivas à responsabilidade do
transportador - onde coincidem
- revelam-se antinômicas entre si, inclusive uma lei permitindo o que a outra
proíbe, circunstância a exigir a solução judicial de um conflito aparente entre
normas.
Adiante-se, de logo, que a doutrina tem visto alguma dificuldade
para solucionar o mencionado conflito pelo critério da especialização. Isso
porque o CDC e o CBA, a depender da ótica, comportam-se ora como
normas gerais, ora como especiais.
Poder-se-ia afirmar que o CBA disciplina a relação do
transportador perante todos os usuários do serviço, sejam consumidores ou
não - como ocorre nos contratos de transporte de mercadorias, que amiúde
não são regidos pelo CDC -, hipótese em que aquele se afirma como norma
geral em relação a este, que somente rege as relações propriamente
consumeristas.
Por outra ótica, todavia, poder-se-ia afirmar que o CDC
disciplina todos os contratos estabelecidos entre consumidor e fornecedor -
bem como as consequências danosas causadas a terceiros -, e não somente
o contrato de transporte aéreo, hipótese em que o CDC se afirma como
norma geral em relação ao CBA, e a solução do conflito seria outra.
Não obstante isso, para além da utilização de métodos
clássicos para dirimir conflitos aparentes entre normas - como o da
especialidade e o da anterioridade -, busca-se a força normativa dada a cada
norma pelo ordenamento constitucional vigente, para afirmar-se que a
aplicação de determinada lei - e não de outra - ao caso concreto é a solução
que melhor realiza as diretrizes insculpidas na Lei Fundamental.
Por essa ótica hierarquicamente superior aos métodos
hermenêuticos comuns, o conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e
o Código Brasileiro de Aeronáutica - que é anterior à CF/88 e, por isso mesmo,
não se harmoniza em diversos aspectos com a diretriz constitucional protetiva
do consumidor -, deve ser solucionado com prevalência daquele (CDC),
porquanto é a norma que melhor materializa as perspectivas do constituinte
no seu desígnio de conferir especial proteção ao polo hipossuficiente da
relação consumerista.
Enquanto o CBA consubstancia-se como disciplina especial em
razão da modalidade do serviço prestado, o CDC é norma especial em razão
do sujeito tutelado, e, como não poderia deixar de ser, em um modelo
constitucional cujo valor orientador é a dignidade da pessoa humana,
prevalece o regime protetivo do indivíduo em detrimento do regime protetivo
do serviço (BENJAMIN, Antônio Herman V.. O transporte aéreo e o Código de
Defesa do Consumidor. in. Revista de direito do consumidor, n. 26, abril/julho,
1998, Editora Revista dos Tribunais, p. 41).
Na mesma linha, uma vez mais, é a lição de Cláudia Lima
Marques:
A ordem constitucional serve como medida normativa do
sistema e, nesse sentido, suas normas e seus princípios
atuam como limitadores na aplicação das leis e não se
submete aos critérios normais que determinam a vigência
e a eficácia das leis no tempo. A ordem constitucional,
portanto, é o primeiro dos fatores e o hierarquicamente
mais forte a ser considerado pelo aplicador da lei. A
Constituição brasileira de 1988 estabeleceu corno
princípio e direito fundamental a proteção do consumidor e
indicou a elaboração, inclusive, de um Código de Defesa
do Consumidor, em suas disposições transitórias, tendo
em vista o baixo nivel de proteção assegurado pela
legislação então existente e a necessidade de renovar o
sistema, através de nova lei de função social (MARQUES,
Cláudia Lima. Op. cit. p. 634).
_________________________

Esse foi o entendimento adotado explicitamente pelo STF em


julgamento paradigmático sobre o tema, para o caso de atraso de voo
internacional:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS
MORAIS DECORRENTES DE ATRASO OCORRIDO EM
VOO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.
1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o
capítulo constitucional da atividade econômica.
2. Afastam-se as normas especiais do Código
Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia
quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio
aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do
Consumidor.
3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a
correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou
sobre a incidência, no caso concreto, de específicas
normas de consumo veiculadas em legislação especial
sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à
Constituição de República. 4. Recurso não conhecido.
(RE 351750, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO, Primeira
Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-
2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-03 PP-
01081 RJSP v. 57, n. 384, 2009, p. 137-143)
_________________________

Ademais, a especial proteção concedida ao transportador pelo


CBA - como as limitações e tarifações de indenização conferida a
passageiros e pessoas na superfície, somadas a exíguos prazos
prescricionais -, está ancorada em justificativas sociais e econômicas que
não mais espelham a realidade, tais como:
a) analogia com o Direito Marítimo; b) necessidade de
proteção a uma indústria essencialmente frágil e em
processo de afirmação de sua viabilidade econômica e
tecnológica; c) reconhecimento de que danos dessa
magnitude não devem ser suportados apenas pelas
companhias; d) indispensabilidade de contratação de
seguro, o que é dificultado pela inexistência de teto; e)
possibilidade dos próprios consumidores contratarem
seguro pessoal; f) compensação entre, de um lado, a
limitação e, do outro, o agravamento do regime de
responsabilização (inversão do ônus da prova de culpa
ou mesmo imputação objetiva); g) eliminação de
complexos e demorados processos judiciais; h) unificação
do Direito, quanto aos valores indenizatórios pagos
(BENJAMIN, Antônio Herman V.. O transporte aéreo e o
Código de Defesa do Consumidor. in. Revista de direito
do consumidor, n. 26, abril/julho, 1998, Editora Revista
dos Tribunais, pp. 37-38).

3. Assim, para o caso concreto, deve incidir o prazo


prescricional de 5 (cinco) anos para a ação de reparação de danos causados
por fato do serviço (art. 27, CDC).
Em situações análogas, como as de extravio de bagagem e
atraso em voos, mutatis mutandis, esse tem sido o entendimento do STJ para
afastar as regras da legislação esparsa e de tratados internacionais:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE MERCADORIA.
TARIFAÇÃO AFASTADA. INCIDÊNCIA DAS NORMAS DO
CDC.
I. Pertinente a aplicação das normas do Código de Defesa
do Consumidor para afastar a antiga tarifação na
indenização por perda de mercadoria em transporte aéreo,
prevista na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro
de Aeronáutica.
[...]
(AgRg no Ag 520.732/SP, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
25/11/2003, DJ 09/02/2004, p. 188)
_________________________

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO.


EXTRAVIO DE BAGAGEM. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.
– Tratando-se de relação de consumo, prevalecem as
disposições do Código de Defesa do Consumidor em
relação à Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro
de Aeronáutica. Precedentes da Segunda Seção do STJ.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 538.685/RO, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO,
QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2003, DJ 16/02/2004,
p. 269)
_________________________

Direito do Consumidor. Lei nº 8.078/90 e Lei nº 7565/86.


Relação de consumo. Incidência da primeira. Serviço de
entrega rápida. Entrega não efetuada no prazo contratado.
Dano material. Indenização não tarifada.
I – Não prevalecem as disposições do Código Brasileiro de
Aeronáutica que conflitem com o Código de Defesa do
Consumidor.
II – As disposições do Código de Defesa do Consumidor
incidem sobre a generalidade das relações de consumo,
inclusive as integradas por empresas aéreas.
III – Quando o fornecedor faz constar de oferta ou
mensagem publicitária a notável pontualidade e eficiência
de seus serviços de entrega, assume os eventuais riscos
de sua atividade, inclusive o chamado risco aéreo,
com cuja conseqüência não deve arcar o consumidor.
IV - Recurso especial não conhecido.
(REsp 196.031/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA
RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2001, DJ
11/06/2001, p. 199)
_________________________

CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO. TRANSPORTE AÉREO


DE PESSOAS. A reparação de danos resultantes da má
prestação do serviço pode ser pleiteada no prazo de cinco
anos. Recurso especial não conhecido.
(REsp 742.447/AL, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS, Rel. p/Acórdão Ministro ARI PARGENDLER,
TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2007, DJ
16/04/2007, p. 185)
_________________________

De qualquer modo, no caso em julgamento, a pretensão da


autora está mesmo fulminada pela prescrição, ainda que se aplique o Código
de Defesa do Consumidor em detrimento do Código Brasileiro de
Aeronáutica.
É que os danos que a autora alega ter suportado ocorreram em
outubro de 1996, tendo sido a ação ajuizada somente em maio de 2003,
depois de escoado o prazo de 5 (cinco) anos a que se refere o art. 27 do
CDC.
4. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para,
reconhecendo a ocorrência da prescrição, extinguir o processo com resolução
de mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, CPC.
A cargo da recorrida, custas processuais e honorários
advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais) com fundamento no
art. 20, § 4º, CPC, observados, todavia, os benefícios conferidos pela Lei n.
1.060/50.
É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a
seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio
Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Responsabilidade da concessionária de rodovia

EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
ATROPELAMENTO FATAL. TRAVESSIA NA FAIXA DE
PEDESTRE. RODOVIA SOB CONCESSÃO.
CONSUMIDORA POR EQUIPARAÇÃO.
CONCESSIONÁRIA RODOVIÁRIA. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS USUÁRIOS E
NÃO USUÁRIOS DO SERVIÇO. ART. 37, § 6°, CF. VIA
EM MANUTENÇÃO. FALTA DE ILUMINAÇÃO E
SINALIZAÇÃO PRECÁRIA. NEXO CAUSAL
CONFIGURADO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO CONFIGURADO. CULPA EXCLUSIVA DA
VÍTIMA. INOCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo
Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a
solução da controvérsia são apreciadas, de forma
fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido
contrário ao almejado pela parte.
2. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas
relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do
Código de Defesa do Consumidor e respondem
objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço.
Precedentes.
3. No caso, a autora é consumidora por equiparação em
relação ao defeito na prestação do serviço, nos termos
do art. 17 do Código consumerista. Isso porque prevê o
dispositivo que "equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento", ou seja, estende o conceito de
consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido
consumidores diretos, acabam por sofrer as
consequências do acidente de consumo, sendo também
chamados de bystanders.
4. "A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público é objetiva
relativamente a terceiros usuários e não-usuários do
serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição
Federal" (RE 591874, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-
12-2009 PUBLIC 18-12-2009).
5. Na hipótese, a menor, filha da recorrente, faleceu ao
tentar atravessar na faixa de pedestre, em trecho da BR-
040 sob concessão da ré, tendo a sentença reconhecido a
responsabilização da concessionária, uma vez que "o
laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o local
do atropelamento é 'desprovido de iluminação pública',
'com sinalização vertical e horizontal precária devido à
manutenção da via', tendo se descurado de sua
responsabilidade na 'obrigação direta de manutenção da
rodovia'", admitindo a ré "a deficiência de seu serviço no
local, quando apressou-se depois e instalou passarela
destinada a pedestres naquele trecho", além do fato de
não haver prova da culpa exclusiva da vítima.
Caracterizado, portanto, o nexo causal, dando azo a
responsabilização civil.
6. O fato exclusivo da vítima será relevante para fins de
interrupção do nexo causal quando o comportamento dela
representar o fato decisivo do evento, for a causa única do
sinistro ou, nos dizeres de Aguiar Dias, quando "sua
intervenção no evento é tão decisiva que deixa sem
relevância outros fatos culposos porventura intervenientes
no acontecimento"(Da responsabilidade civil, vol.II, 10ª.
edição. São Paulo: Forense, 1997, p. 946). Ocorre que, ao
que se depreende dos autos, a menor, juntamente com
sua avó, atravessaram a rodovia seguindo as regras
insculpidas pelo Código de Trânsito Nacional, isto é, na
faixa destinada para tanto.
7. Não se pode olvidar que, conforme a sentença, "a
própria ré admitiu a deficiência de seu serviço no local,
quando apressou-se depois e instalou passarela destinada
a pedestres naquele trecho, como mostrado nas fotos de
fls. 299/303".
8. O direito de segurança do usuário está inserido no
serviço público concedido, havendo presunção de que a
concessionária assumiu todas as atividades e
responsabilidades inerentes ao seu mister.
9. Atento às peculiaridades do caso, em que a sentença
reconheceu a responsabilidade da concessionária, bem
como ao fato de se tratar de vítima de tenra idade,
circunstância que exaspera sobremaneira o sofrimento da
mãe, além da sólida capacidade financeira da empresa ré e
consentâneo ao escopo pedagógico que deve nortear a
condenação, considero razoável para a compensação do
sofrimento experimentado pela genitora o valor da
indenização de R$ 90.000,00 (noventa mil reais). Com
relação aos danos materiais, a pensão mensal devida
deve ser estimada em 2/3 do salário mínimo dos 14 aos 25
anos de idade da vítima e, após, reduzida para 1/3, até a
data em que a falecida completaria 65 anos.
10. Recurso especial parcialmente provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE


SALOMÃO (Relator):

2. Primeiramente não há falar em violação ao art. 535 do


Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões
pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a
uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.
Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões
jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de
modo específico a determinados preceitos legais.
3. A questão principal ora em exame é saber se o
atropelamento que resultou na morte da pequena Ibiza, ocorrido em trecho
da rodovia sob administração da concessionária, pode acarretar
responsabilidade da ré pelos danos materiais e morais sofridos diante da má
prestação do serviço.
O magistrado de piso reconheceu a responsabilidade da
empresa nos seguintes termos:
A materialidade do fato é induvidosa no processo, tendo
em vista o auto de exame cadavérico de fls. 32/33, não
havendo dúvida também de que a autoria do sinistro fora
praticada por um veículo desconhecido, que passou pelo
local em alta velocidade.
Mas como se trata de rodovia privatizada, administrada
por empresa concessionária mediante a cobrança de
pedágio, impõe-se no caso o reconhecimento da condição
de consumidora por equiparação à vítima, na forma do
estatuído nos arts. 2° e 17 do CPDC, especialmente por
ser a menor a vítima direta do evento danoso.
O laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o
local do atropelamento é "desprovido de iluminação
pública", "...com sinalização vertical e horizontal precária
devido à manutenção da via", sendo que aquele ponto
da rodovia apresentava, no dia, "...fluxo regular de trânsito
automotivo e de pedestres".
Como já decidido pelo STJ, as concessionárias de
serviços rodoviários estão subordinadas à disciplina do
CPDC, do que decorre em sua obrigação direta de
manutenção da rodovia. Portanto, se a ré descurou-se
de sua responsabilidade, ocasionando assim evento
danoso grave a terceiro, que é equiparado por lei ao
próprio consumidor, por ser ele a vítima do evento, não
há dúvida de que deve a ré arcar com as consequências
patrimoniais advindas do fato.
Repita-se que a responsabilidade da ré é objetiva, só se
eximindo assim de responsabilidade frente ao fato danoso
caso comprove culpa exclusiva da vítima, o que não
ocorreu na espécie. Aliás, a própria ré admitiu a
deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se
depois e instalou passarela destinada a pedestres
naquele trecho, como mostrado nas fotos de fls.
299/303.
A ré tinha e tem a obrigação de manutenção da rodovia
em boa condição de trafegabilidade para usuários e
terceiros indiretos, estes também alcançados, devido à
sua dependência da rodovia para deslocamento e/ou pela
proximidade de sua residência com a pista.
Assim, uma vez demonstrado o nexo causal entre o fato
lesivo e o dano, exsurge para a concessionária o dever de
indenizar o particular, mediante o restabelecimento do
patrimônio lesado, por meio da compensação pecuniária
compatível com o prejuízo. Se a vítima não deu causa ao
sinistro, configurada está a responsabilidade da ré.
(fls. 340/341)

O Tribunal de origem, contudo, entendeu pela exclusão da


responsabilidade pela ocorrência de culpa exclusiva da vítima, senão
vejamos:

O atropelamento ocorreu em rodovia de intenso


trânsito, à noite, na BR-040, que liga o Rio de Janeiro a
Juiz de Fora e outras cidades mineiras. Às margens
da rodovia instalaram-se comunidades
formadas por pessoas humildes, que se utilizam do
transporte público para sair e chegar às suas casas.
Ninguém melhor para descrever a situação da localidade
do que a ativa presidente da Associação comunitária de
uma das comunidades, Sra Zilda Damião de Freitas, cuja
dedicação e insistência resultou na construção de uma
necessária passarela, após os vários atropelamentos no
local, por determinação das autoridades públicas, sendo
certo que a Ré não estava obrigada a realizar essa obra, e
nem podia fazê-lo, sem autorização do órgão estatal,
conforme fls. 259.
Mire-se o depoimento da referida presidente da
associação, perante o Ministério Público Federal, fls.
34/35, destacando o perigo constante na travessia de
pedestres, especialmente crianças, em afronta ao Art. 69
do Código Brasileiro de Trânsito, cuja redação é a
seguinte:
[...]
No local havia faixa de pedestres, e a travessia, sempre
perigosa, obrigava a observância de total cautela aos
pedestres, o que evidentemente não foi observado pela
avó das crianças e por elas próprias, que tentaram, em
condições absolutamente impróprias, cruzar, à noite, à
frente do veículo atropelador.
Pior ainda: as vítimas estavam em um ônibus, que
enguiçou, e deveriam aguardar a chegada de outro, que
as levaria, em segurança, até a sua comunidade, a qual
ficava à esquerda da rodovia, e o acesso por veículo
necessitava de um retorno à frente, como esclarece a Sra
Zilda:
"...o ônibus Vila Rica passa do lado oposto da
comunidade, em direção a Pedro do Rio para fazer o
retorno e lá entrar na Comunidade, demorando mais
20 minutos nesse trajeto e por causa dessa demora
muitas pessoas preferem descer do ônibus no trajeto
de ida, para não ter que aguardar o retorno do ônibus e
atravessam a pista"
O depoimento em Juízo da Sra Zilda, arrolada pela parte
Autora, foi dispensado por esta, pelas razões expostas às
fls. 260.
Sem embargo da discussão nos autos sobre a relação de
consumo, parece-me evidente a culpa exclusiva das
vítimas, o que afasta a responsabilização da Ré.
(fls. 416/418)

4. Nesse passo, é bem de ver que as concessionárias de serviços rodoviários,


nas suas relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do Código de
Defesa do Consumidor e respondem objetivamente pelos defeitos na prestação
do serviço.

Nesse sentido são os reiterados precedentes desta Corte:

Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em


razão de animal morto na pista. Relação de consumo.
1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas
suas relações com os usuários da estrada, estão
subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor,
pela própria natureza do serviço. No caso, a
concessão é, exatamente, para que seja a
concessionária responsável pela manutenção da
rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a
presença de animais mortos na estrada, zelando,
portanto, para que os usuários trafeguem em
tranqüilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia
e a concessionária, há mesmo uma relação de
consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do
Código de Defesa do Consumidor.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 467.883/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em
17/06/2003, DJ 01/09/2003, p. 281)
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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
CAUSADOS A VIATURA POLICIAL QUE TRAFEGAVA
EM RODOVIA MANTIDA POR CONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇO PÚBLICO. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
ATROPELAMENTO DE ANIMAL NA PISTA. RELAÇÃO
CONSUMERISTA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA
CONCESSIONÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES.
INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTE DE
RESPONSABILIZAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1067391/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe
17/06/2010)
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RELAÇÃO
COM O USUÁRIO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. REEXAME DE
PROVA. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas
suas relações com os usuários, respondem
objetivamente por qualquer defeito na prestação do
serviço e pela manutenção da rodovia em todos os
aspectos, o que inclui objetos deixados na pista.
Precedente.
[...]
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 933.520/RS, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29/09/2009,
DJe 19/10/2009)

No caso, a autora é consumidora por equiparação em relação


ao defeito na prestação do serviço, nos termos do art. 17 do código
consumerista.

Isso porque prevê o dispositivo que "equiparam-se aos


consumidores todas as vítimas do evento", ou seja, estende o conceito de
consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos,
acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo
também chamados de bystanders.

É a posição da doutrina:

No propósito de dar maior amplitude possível à


responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o art.
17 do Código equipara ao consumidor todas as vítimas do
acidente de consumo. Esse dispositivo não repete o
requisito da destinação final, informador do conceito
geral de consumidor, importando dizer que a definição
do art. 2º é, aqui, ampliada, para estender a proteção do
Código a qualquer pessoa eventualmente atingida pelo
acidente de consumo, ainda que não tenha adquirido do
fornecedor, fabricante ou qualquer outro responsável. Não
faz qualquer sentido exigir que o fornecedor de produtos
ou serviços disponibilize no mercado de consumo
produtos ou serviços seguros apenas para o consumidor,
não se importando com terceiros que possam vir a sofrer
danos pelo fato do produto ou do serviço, dando a
essas vítimas um tratamento diferenciado, que se
justifica, repita-se, pela relevância social que atinge a
prevenção e a reparação de tais danos. (CAVALIERI
FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 262).

Portanto, caracterizando-se a autora como consumidora,


principalmente por ser a menor a vítima direta do evento danoso, há
incidência das normas protetivas do consumidor.

Nesse sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AÉREO.
PESSOA EM SUPERFÍCIE QUE ALEGA ABALO
MORAL EM RAZÃO DO CENÁRIO TRÁGICO. QUEDA
DE AVIÃO NAS CERCANIAS DE SUA RESIDÊNCIA.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. ART. 17 DO CDC.
PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL DE 1916.
INAPLICABILIDADE.
CONFLITO ENTRE PRAZO PREVISTO NO CÓDIGO
BRASILEIRO DE AERONÁUTICA (CBA) E NO CDC.
PREVALÊNCIA DESTE. PRESCRIÇÃO, TODAVIA,
RECONHECIDA.
1. A Segunda Seção sufragou entendimento no sentido
de descaber a aplicação do prazo prescricional geral do
Código Civil de 1916 (art.
177), em substituição ao prazo específico do Código de
Defesa do Consumidor, para danos causados por fato do
serviço ou produto (art.
27), ainda que o deste seja mais exíguo que o daquele
(Resp 489.895/SP, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
10/3/2010).
2. As vítimas de acidentes aéreos localizadas em
superfície são consumidores por equiparação
(bystanders), devendo ser a elas estendidas as
normas do Código de Defesa do Consumidor
relativas a danos por fato do serviço (art. 17, CDC).
3. O conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o
Código Brasileiro de Aeronáutica - que é anterior à CF/88
e, por isso mesmo, não se harmoniza em diversos
aspectos com a diretriz constitucional protetiva do
consumidor -, deve ser solucionado com prevalência
daquele (CDC), porquanto é a norma que melhor
materializa as perspectivas do constituinte no seu
desígnio de conferir especial proteção ao polo
hipossuficiente da relação consumerista. Precedente do
STF.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1281090/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 15/03/2012)
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


EXPLOSÃO DE LOJA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO.
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS.
LEGITIMIDADE ATIVA DA PROCURADORIA DE
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESPONSABILIDADE PELO
FATO DO PRODUTO. VÍTIMAS DO EVENTO.
EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDORES.
I – Procuradoria de assistência judiciária têm legitimidade
ativa para propor ação civil pública objetivando
indenização por danos materiais e morais decorrentes de
explosão de estabelecimento que explorava o comércio de
fogos de artifício e congêneres, porquanto, no que se
refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de
ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar
o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do
artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso
XXXII, da Constituição Federal, ao dispor expressamente
que incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a
defesa do consumidor”.
II – Em consonância com o artigo 17 do Código de
Defesa do Consumidor, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas que, embora não
tendo participado diretamente da relação de
consumo, vem a sofrer as conseqüências do evento
danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o
fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de
qualidade por insegurança.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 181.580/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO,
TERCEIRA TURMA,
julgado em 09/12/2003, DJ 22/03/2004 p. 292)

5. Além disso, é sabido que a delegação recebida pela


concessionária que explora a rodovia, com a transferência da titularidade para
a prestação de serviços públicos à pessoa jurídica de direito privado, lastreia-
se na demonstração de sua capacidade para o desempenho da atividade
contratada, prestando-a em seu nome e por sua conta e risco, sendo
remunerada na exata medida da exploração do serviço.

Daí decorre a responsabilidade objetiva, não só advinda da


relação de consumo e do risco inerente à atividade, mas também em razão
da previsão constitucional insculpida no art. 37, § 6°, que prevê que "as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
seviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa".

Aliás, a Corte Suprema sedimentou o entendimento, em sede


de repercussão geral, de que a locução "terceiros" prevista no referido
dispositivo alcança usuários e não usuários do serviço público para fins de
responsabilização, verbis:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO


ESTADO. ART. 37,
§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO
PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO
DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A
TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO.
RECURSO DESPROVIDO. I - A
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público é objetiva
relativamente a terceiros usuários e não-usuários do
serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da
Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo
de causalidade entre o ato administrativo e o dano
causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é
condição suficiente para estabelecer a responsabilidade
objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso
extraordinário desprovido.
(RE 591874, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC
18-12-2009)

Naquela oportunidade a Suprema Corte reconheceu a


legitimidade da companheira para ajuizar ação em face da concessionária de
transporte coletivo, cujo veículo atropelara fatalmente o homem com o qual
ela convivia.

6. Na hipótese, a menor, filha da recorrente, faleceu ao tentar


atravessar na faixa de pedestre, em trecho da BR-040 sob concessão da ré,
tendo a sentença reconhecido a responsabilização da concessionária, uma
vez que "o laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o local do
atropelamento é 'desprovido de iluminação pública', 'com sinalização vertical
e horizontal precária devido à manutenção da via', tendo se descurado de
sua responsabilidade na 'obrigação direta de manutenção da rodovia'",
admitindo a ré "a deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se
depois e instalou passarela destinada a pedestres naquele trecho", além do
fato de não haver prova da culpa exclusiva da vítima.

Caracterizado, a meu ver, o nexo causal, dando azo a


Responsabilização civil.
De fato, verifica-se uma relação direta de causa e efeito
entre a atividade (e omissão) da concessionária e o dano ocorrido, isto é, a
presente responsabilidade decorre diretamente da violação do dever de
conservação, manutenção, sinalização e iluminação da rodovia.
Isso porque "quem tem o bônus deve suportar o ônus.
Aquele que participa da Administração Pública, que presta serviços públicos,
usufruindo os benefícios dessa atividade, deve suportar os seus riscos, deve
responder em igualdade de condição com o Estado em nome de quem atua".
(CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 9.ed., São
Paulo: Atlas, 2010, p. 257).
Desde já destaco que a Terceira Turma reconheceu a
responsabilidade da mesma concessionária - Concer - pela má
sinalização da rodovia em acidente que causou a morte do motorista. O
julgado foi assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL- INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE
TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL - FALHA NA
SINALIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE DA
CONCESSIONÁRIA CONFIGURADA -
SÚMULA 7/STJ - RESPONSABILIDADE OBJETIVA -
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO -
RECURSO IMPROVIDO (AgRg no AREsp 40635/MG,
Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 06/02/2012)

A toda evidência, a segurança é inerente ao serviço de


exploração da rodovia, tenha ou não placas de advertência, tenha ou não
iluminação, esteja ou não em obras para manutenção e conservação da
estrada sob concessão.
Com efeito,
A concessão por parte do Estado para a exploração e
manutenção das rodovias pressupõe que a
concessionária assuma todas as atividades inerentes a
esse mister.
Dentre as cláusulas do contrato firmado encontra-se
previsão no sentido de que a contratada obriga-se a
realizar obras de ampliação, conservação e melhoria da
rodovia em todos os aspectos, como a camada asfáltica,
sinalização, iluminação, serviço de comunicação,
filmagem, socorro móvel, telefonia, telemetria, medidas de
segurança, defensas, faixas de delimitação de pistas,
cercas marginais, pontes, passarelas e outras.
(STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina
e jurisprudência, tomo II. 9. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013, p. 281)

Aliás, é o que estabelece o Código de Trânsito Brasileiro:


Art. 71. O órgão ou entidade com circunscrição sobre a
via manterá, obrigatoriamente, as faixas e passagens de
pedestres em boas condições de visibilidade, higiene,
segurança e sinalização.
Art. 80. Sempre que necessário, será colocada ao longo
da via, sinalização prevista neste Código e em legislação
complementar, destinada a condutores e pedestres,
vedada a utilização de qualquer outra.
§1° A sinalização será colocada em posição e condições
que a tornem perfeitamente visível e legível durante o dia
e a noite, em distância compatível com a segurança do
trânsito, vedada a utilização de qualquer outra.

Ao comentar o art. 71, a doutrina especializada assinala que:

A fixação de passagens e a pintura ou instalação de faixas


destinadas à travessia dos pedestres é critério técnico,
porém exclusivo do órgão administrador da via, que
determinará onde existirão, em que quantidade, quais
serão passagens simples e quais serão semaforizadas.
A partir da instalação, contudo, a responsabilidade do
órgão passa a ser definida por lei, cabendo ao
responsável então manter os locais onde se encontram
em boas condições de visibilidade, higiene, segurança e
sinalização.
Tal determinação legal cria um nível de responsabilidade
objetiva elevado para o órgão com circunscrição sobre a
via, já que qualquer incidente que ocorra nessas áreas, se
derivado da falta de sinalização, pintura, higiene e mesmo
segurança, pode gerar a ele a responsabilidade de
indenizar.
Assim se revela a preocupação que o legislador teve com
a segurança dos pedestres quando da elaboração do
Código.
Nunca é demais lembrar que a regra aqui prevista é
aplicável tanto nas áreas urbanas quanto nas vias rurais
(passarelas, passagens etc.), e a responsabilidade é
sempre do órgão com circunscrição sobre a via.
(ALMEIDA SOBRINHO, José. Comentários ao código de
trânsito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 244).

Deveras, é pacífico no âmbito do STJ o entendimento de que


as concessionárias de serviços públicos concernentes a rodovias
"respondem, objetivamente, por qualquer defeito na prestação do
serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos,
respondendo, inclusive, pelos acidentes provocados pela presença de animais
na pista". (REsp 647.710/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 20/06/2006, DJ 30/06/2006).

Aliás, esta Corte, por diversas vezes, reconheceu a


responsabilidade da delegatária de serviço público por acidentes causados
em razão da existência de animais na pista, configurando defeito na
prestação do serviço.
À guisa de exemplo:
CIVIL E PROCESSUAL. ACIDENTE. RODOVIA.
ANIMAIS NA PISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
SEGURANÇA. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. PRECEDENTES.
I - De acordo com os precedentes do STJ, as
concessionárias de serviços rodoviários estão
subordinadas à legislação consumerista.
II - A presença de animais na pista coloca em risco a
segurança dos usuários da rodovia, respondendo
as concessionárias pelo defeito na prestação do
serviço que lhes é outorgado pelo Poder Público
concedente.
III- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 687.799/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe
30/11/2009)
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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO
MATERIAL E MORAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
ATROPELAMENTO DE ANIMAL BOVINO NO MEIO DA
PISTA DE ROLAGEM EM RODOVIA CONSERVADA E
FISCALIZADA MEDIANTE CONCESSÃO. RELAÇÃO DE
CONSUMO. PRECEDENTE. ARTIGO 936 DO CÓDIGO
CIVIL. SÚMULA Nº 211/STJ. ARTIGO 269, INCISO X, DO
CÓDIGO DO TRÂNSITO BRASILEIRO. SÚMULA Nº
283/STF. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal
de Justiça preceitua que as concessionárias de
serviços rodoviários, nas suas relações com os
usuários, estão subordinadas à legislação
consumerista.
[...]
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 150.781/PR, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
06/08/2013, DJe 09/08/2013)
----------------------------------------------------------------------------

Esse entendimento é confirmado pela Suprema Corte:


CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DE
CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO
PÚBLICO. FALHA DE SEGURANÇA EM RODOVIA.
REPARAÇÃO DE DANOS. ART. 37, § 6º, DA
CF/88. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. O
Tribunal a quo, diante da análise do conjunto fático-
probatório da causa, concluiu pela responsabilidade
objetiva, porquanto comprovadas a falha na
segurança da pista e a causação de prejuízos ao
autor, evidenciando, portanto, o nexo causal a
ensejar o direito à reparação. Precedentes. 2.
Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa
ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal -
responsabilidade objetiva da concessionário de serviço
público. 3. Pedido recursal contido no agravo regimental
não pode, por si só, alterar aquele originariamente
deduzido no recurso extraordinário. 4. Agravo regimental
improvido.
(RE 557935 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022
DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010)
--------------------------------------------------------------------------------
--
EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE
TRÂNSITO. PRESENÇA DE OBJETOS NA PISTA POR
AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA
DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. VERIFICAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE
E CULPA ADMINISTRATIVA DEPENDENTE DA
REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA DELINEADA
NO ACÓRDÃO REGIONAL. DEBATE DE ÂMBITO
INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO
REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO
RECORRIDO PUBLICADO EM 23.3.2012. Divergir do
entendimento do acórdão recorrido quanto à
responsabilidade objetiva da concessionária de
serviço público, vez que presente o nexo causal -
evidenciado pela presença de objetos na pista, por
ausência de fiscalização contínua deixando de
cumprir bem seu dever de vigilância e manutenção
da rede viária -, que provocou o evento danoso,
acidente de trânsito que privou o ora agravado de
exercer suas atividades habituais gerando o direito
à indenização por dano moral, demandaria o
revolvimento da moldura fática delineado no acórdão de
origem, o que refoge à competência jurisdicional
extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição
Federal. A alegada violação do art. 144, V, § 5º, da
Constituição Federal não foi arguida nas razões do
recurso extraordinário, sendo vedado ao agravante inovar
no agravo regimental. Agravo regimental conhecido e não
provido. (ARE 726663 AgR, Relator(a): Min. ROSA
WEBER, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 10-12-2013
PUBLIC 11-12-2013)

7. Nessa linha, destaca Rui Stoco que:


Tanto a Administração central como a indireta têm o dever
de manter os serviços que a lei lhes cometeu.
A conservação de estradas, por exemplo, era, em regra,
entregue à administração indireta do Estado, ou seja, às
autarquias, sociedades paraestatais ou empresas
públicas, como o DER (autarquia) e a DERSA (sociedade
de economia mista).
Atualmente essas concessões estão entregues a outras
empresas de natureza exclusivamente privada ("Nova
Dutra", "Ecovias", "Autoban", "Autovias", "Intervias",
"CRT", "Ponte", "Concer", "Concepa", "Ecosul", "CLN",
"Rodosol", "Caminhos do Paraná",
"Cataratas","Econorte", "Rodonorte", "Viapar",
"Brita" e tantas outras), às quais foram concedidos
trechos de rodovias estaduais ou federais para
exploração e conservação. A má conservação de vias e
logradouros públicos, estradas, pontes, viadutos,
passarelas e outros bens públicos e de uso comum do
povo empenham a responsabilidade do Estado ou
desses órgãos acima mencionados, quando haja relação
direta entre esse descaso e os danos que ocorram.
Uma ponte ou passarela mal conservada pode trazer
gravíssimas consequências aos usuários, razão pela qual
exige vigilância e manutenção constantes.
[...]
Desse modo, nada justifica que as vias de trânsito, de
acesso e seus complementos (pontes, túneis, viadutos,
alças de ligação, acessos etc.) desmereçam cuidados e
se mostrem deterioradas, mal conservadas e com
defeitos.
Trata-se de comportamento omissivo grave da
Administração, que, em caso de dano pelo fato da coisa,
conduz à responsabilização do Poder Público. [...]
As concessionárias de serviços públicos, ainda que sejam
empresas privadas, desde que exercendo atividade
privativa do Estado, a ele se equiparam para efeito de
reparação, respondendo tal como o Poder Público
responderia, seja por culpa (faute du service), seja
objetivamente, como decorrência do preceito constante do
art. 37, § 6°, da CF/88.
(STOCO, Rui. Op.cit, p. 299)

7.1. Saliente-se, ainda, que a jurisprudência do STJ vem


reconhecendo a responsabilidade do Estado em situações similares, de
modo que seria conferir tratamento diferenciado à concessionária o fato de
não reconhecer sua responsabilidade, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE
DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. BURACO NA
PISTA. MORTE DO MOTORISTA. VIOLAÇÃO DO ART.
535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA. OMISSÃO. OCORRÊNCIA DE CULPA.
DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO.
PROPORCIONALIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS
DE MORA. SÚMULA 54/STJ. PENSÃO
PREVIDENCIÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
SÚMULA 284/STF.
1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal
de origem analisa adequada e suficientemente a
controvérsia objeto do recurso especial.
2. Na hipótese dos autos, restaram assentados no
acórdão os pressupostos da responsabilidade
subjetiva, inclusive a conduta culposa, traduzida na
negligência do Poder Público na conservação das
rodovias federais. O acolhimento da tese do recorrente,
de existir culpa exclusiva da vítima, demandaria a
incursão no conjunto fático-probatório dos autos,
providência obstada pela Súmula 7/STJ.
3. Manutenção do valor fixado nas instâncias ordinárias
por dano moral (R$ 100.000,00 - cem mil reais), por não
se revelar nem irrisório, nem exorbitante.
4. Tratando-se de reparação por danos morais, nas
hipóteses em que a responsabilidade é extracontratual, os
juros são devidos desde o evento danoso, na forma da
Súmula 54/STJ.
5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é possível a
cumulação de pensão previdenciária com outra de
natureza indenizatória.
6. Apresentadas alegações genéricas no que respeita à
fixação dos honorários advocatícios, aplica-se no ponto a
Súmula 284/STF.
7. Recurso especial conhecido em parte e não provido.
(REsp 1356978/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA,
julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013)
--------------------------------------------------------------------------------
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PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MÁ
CONSERVAÇÃO DE RODOVIAS ESTADUAIS.
ACIDENTE. FALECIMENTO DA VÍTIMA. REVISÃO DO
QUANTUM ARBITRADO PELA INSTÂNCIA A QUO.
SÚMULA 07. IMPOSSIBILIDADE IN CASU.
1. Ação de reparação de danos materiais e morais em
razão de acidente de veículo em decorrência da má
conservação de rodovia estadual.
[...]
8. In casu, o Departamento de Estradas de Rodagem
do Estado foi condenado ao pagamento de
indenização ao autor, a título de danos morais no
valor de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais),
devido ao falecimento da vítima em razão do acidente
ocorrido pela falta de conservação da via estadual.
[...]
11. Recursos especiais não conhecidos.
(REsp 1047986/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 03/03/2009, DJe 26/03/2009)
-----------------------------------------------------------------------------

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO


RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO. DANO MORAL.
MORTE. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA
DAS SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. NEXO
DE CAUSALIDADE RECONHECIDO PELO TRIBUNAL
DE ORIGEM. REVISÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO
E DA VERBA HONORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.
REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.
PRECEDENTES DO STJ. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. NÃO-
COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO
REGIMENTAL.
1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos
legais tidos como violados torna inadmissível o recurso
especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
2. O Tribunal de origem concluiu pela existência de
nexo de causalidade entre a morte do marido e filhos
da ora agravada e a omissão do ora agravante acerca
da manutenção da rodovia onde ocorreu o fato, o que
impede a análise da pretensão recursal que objetiva o
afastamento do nexo causal, pois exige, necessariamente,
o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado
ao Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso
especial, conforme a orientação da Súmula 7/STJ.
[...]
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 421.042/SC, Rel. Ministra DENISE
ARRUDA, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 20/04/2006, DJ 11/05/2006, p. 143)

É que, como adverte Cahali:


Desde que exigível a atuação estatal, seja na execução
de obras, seja na prestação de serviço, a conduta
omissiva da Administração na implantação das obras
necessárias para evitar o dano, ou na execução do
serviço devido, autoriza a responsabilidade civil do Estado
pelo dano sofrido pelo particular, identificada a sua causa
naquela omissão das obras ou dos serviços devidos;
ainda que, para tanto, tenham concorrido fatores
estranhos, como fatos da natureza, de terceiro ou do
próprio ofendido, quando, então, a conduta omissiva da
Administração atuará como simples concausa da
verificação do evento danoso, induzindo, daí, a
proporcionalização da responsabilidade indenizatória. [...]
A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias
e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres
jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis,
cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de
segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que
transitam pelas mesmas. A omissão no cumprimento
desse dever jurídico, quando razoavelmente exigível, e
identificada como causa do evento danoso sofrido pelo
particular, induz, em princípio, a responsabilidade
indenizatória do Estado.
E, por outro lado, é certo que o homem, em sociedade,
necessita de segurança, como condição de seu
desenvolvimento.
Essas noções fundamentais comportam ser estendidas às
funções ativas do Estado em sede de conservação e
fiscalização das vias públicas de circulação, cumprindo o
dever jurídico de proceder de forma a assegurar a
segurança e incolumidade pessoal e material de seus
usuários.
Daí a reiterada jurisprudência no sentido de reconhecer a
responsabilidade civil da Administração pelos acidentes de
trânsito que tenha como causa via pública mal conservada
ou não fiscalizada na sua manutenção.
[...]
Efetivamente, a falta de sinalização, ou mesmo a
sinalização deficiente, da existência de imperfeições nas
pistas de rolamento, vias e rodovias públicas (buracos,
valetas, depressões, escavações, saliências, pistas
derrapantes etc.) pode determinar a responsabilidade civil
do Estado pelos acidentes verificados em razão daquela.
A própria sinalização inadequada poderá representar
causa provocadora do evento danoso.
(CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 220-
231)

Nessa linha de intelecção, como as concessionárias,


permissionárias e autorizatárias de serviços públicos estão sujeitas a regime
similar ao da administração pública no tocante à responsabilidade civil, deve-se
aplicar as regras de hermenêutica jurídica segundo as quais: Ubi eadem ratio
ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e
Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser,
deve prevalecer a mesma razão de decidir).
7.2. Outrossim, não vejo como reconhecer a culpa exclusiva
da vítima para afastar a responsabilização nos moldes conferidos pelo
acórdão recorrido, não havendo sequer culpa concorrente.
Deveras, analisando com bastante vagar o julgado, verifica-
se que o fundamento para a constatação da culpa exclusiva da vítima foi o
fato de existir um depoimento de líder comunitária prestado no Ministério
Público, em que foi enfatizado o constante perigo na travessia naquela
rodovia, haja vista que, para não aguardar o trajeto de retorno dos ônibus,
que demora uns 20 minutos, os transeuntes desciam e atravessavam a
rodovia para ganhar tempo.
Daí concluiu o acórdão que a mera travessia da vítima à
noite - em hipótese bastante diferente da relatada no depoimento invocado,
pois aqui o ônibus estava quebrado -, sem a devida cautela, além do fato de
não ter aguardado dentro do ônibus a chegada de outro para resgatá-la,
seriam condições aptas, por si só, a afastar a responsabilização pela culpa
exclusiva da vítima.
Segundo a doutrina, o fato exclusivo da vítima será relevante
para fins de interrupção do nexo causal quando o comportamento dela
representar o fato decisivo do evento, for a causa única do sinistro ou, nos
dizeres de Aguiar Dias, quando "sua intervenção no evento é tão decisiva que
deixa sem relevância outros fatos culposos porventura intervenientes no
acontecimento" (Da responsabilidade civil, vol.II, 10ª. edição. São Paulo:
Forense, 1997, p. 946).
Ocorre que, ao que se depreende dos autos, a menor,
juntamente com sua avó, atravessaram a rodovia seguindo as regras
insculpidas pelo Código de Trânsito Nacional, isto é, na faixa destinada para
tanto.
Além disso, não se pode esquecer que a norma
expressamente adverte que os pedestres sempre terão prioridade de
passagem, senão vejamos:
Art. 69. Para cruzar a pista de rolamento o pedestre
tomará precauções de segurança, levando em conta,
principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidades
dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a
ele destinadas sempre que estas existirem numa distância
de até cinquenta metros dele, observadas as seguintes
disposições: [...]

Art. 70. Os pedestres que estiverem atravessando a via


sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade
de passagem, exceto nos locais com sinalização
semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições
deste Código.

Nessa ordem de ideias, entendo que não há cogitar de culpa


exclusiva da vítima ou concorrência de causas - diante da moldura fática
produzida pelas instâncias ordinárias e reproduzida na sentença e no
acórdão -, haja vista que a conduta da menor, filha da recorrente, foi
justamente dentro dos ditames da lei, não sendo causa determinante do
evento danoso.
Aliás, em situação similar, já decidiu o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO DE
MANUTENÇÃO DE ESTRADA. DEVER DE INDENIZAR.
SÚMULA N.º 07 DO STJ.
1. Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais e
materiais contra Município em razão de acidente de
bicicleta causado por saliências existentes na pista em
face da omissão estatal na conservação da rodovia.
2. In casu, assentou o Tribunal de origem que não
se pode acolher a alegação de que o ciclista tinha
conhecimento dos percalços da via, sendo,
portanto, vitimado pela sua própria desatenção ao
conduzir, de forma imprudente, a sua bicicleta, à
noite, por uma descida acentuada e em alta
velocidade, vez que, como bem decidiu o eminente
Juiz a quo às fls. 119/120, "Como já anotado, a
velocidade desenvolvida pelo ciclista,
natural em pista excessivamente inclinada -
e não pode ser considerada excessiva por falta de
prova cabal -, não concorreu para a causação do
dano, e, por isto, não pode ser conhecida a culpa
concorrente.E não há dúvida da existência do fato
danoso e das suas circunstâncias. A inicial veio
acompanhada da certidão de atendimento à vítima,
expedida pelo Corpo de Bombeiros. É irrelevante o fato
de ter sido expedida mais de três meses depois dos
acontecimentos. Além do que, o fato foi
testemunhado por mais de uma pessoa, e não há
motivo para negá-lo.A força probante dos
documentos de despesas de
tratamento médico-dentário não foi ilidida
durante a instrução. Assim, estão
satisfatoriamente comprovados os danos sofridos pelo
autor em razão das más condições de tráfego de ciclistas
no período noturno em via municipal. [...]
5. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no REsp 862.876/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA,
julgado em 13/11/2007, DJ 29/11/2007, p. 200)

Deveras, a travessia da vítima na faixa de pedestres, em uma


via em manutenção, mal sinalizada e precariamente iluminada, não
concorreu para o resultado, diferentemente da conduta da recorrida,
concessionária, que tinha o dever legal de bem prestar o serviço público
concedido, pautando-se pela segurança dos usuários e não usuários da
rodovia, não havendo falar, portanto, em concorrência adequada e direta
para o evento, mas sim que a conduta da pedestre foi causa inócua ou sem
relevância direta para o evento danoso.
Com efeito, como bem assevera a doutrina de Cavalieri, "não
basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do
prejuízo. É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa
adequada do dano". (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de
responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 49)

Esse também é o escólio de Aguiar Dias:


Consideramos em culpa quem teve não a last chance,
mas a melhor oportunidade, e não a utilizou. Isso é
exatamente uma consagração da causalidade
adequada, porque, se alguém tem a melhor
oportunidade de evitar o evento e não a aproveita,
torna o fato do outro protagonista irrelevante para a
sua produção.
[...]
Em lugar de se apurar quem teve a última oportunidade
(como sustenta a teoria americana - the last clear chance),
o que se deve verificar é quem teve a melhor ou mais
eficiente, isto é, quem estava em melhores condições
de evitar o dano; de quem foi o ato que
decisivamente influiu para o dano. Isso, aliado à
indagação da idoneidade da culpa, na produção do
dano, dará critério seguro para a solução exata ao
tormentoso problema da concorrência de culpas ou
concorrência de atos produtores do dano.
(Op.cit., p. 695)

Nesse sentido, são os precedentes desta Corte:


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO.
TENTATIVA. NEGLIGÊNCIA. POSSIBILIDADE
CONCRETA. DEVER DE VIGILÂNCIA. DIREITO À
PROTEÇÃO DA VIDA PRÓPRIA E DE TERCEIROS.
NEXO CAUSAL. SÚMULA 7/STJ.
1. O nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa
de suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à
possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas,
colocando em risco não apenas a sua própria
existência, mas a vida de terceiros.
2. Ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a
embriaguez afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado
o tratamento do alcoolismo, reconhecida patologia que
acarreta distúrbios psicológicos e mentais, podendo
evoluir para quadro grave, como a tentativa de suicídio.
Precedente: RMS 18.017/SP, DJ 02/05/2006.
[...]
8. A definição dos níveis de participação da vítima
nem sempre é muito clara, de modos que, na prática,
têm-se admitido a mesma como excludente apenas
nos casos de completa eliminação de conduta
estatal. Nos casos em que existam dúvidas sobre tal
inexistência, resolve-se pela responsabilização
exclusiva do Estado." (grifou-se) (Heleno Taveira
Tôrres, in "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do
Estado e a Teoria do Risco Administrativo", Revista de
Informação Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126 -
Senado Federal - abril/junho - 1995, páginas 239/240)
9. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal
de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre
a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não
está obrigado a rebater, um a um, os argumentos
trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados
tenham sido suficientes para embasar a decisão.
10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, desprovido. (REsp 1014520/DF, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ
FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe
01/07/2009)
------------------------------------------------------------------------

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCARGA ELÉTRICA.
AUSÊNCIA DE CORTE DAS ÁRVORES. CONTATO COM
OS FIOS DE ALTA TENSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE
RECONHECIDO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.
INOCORRÊNCIA.Em nenhum momento a decisão
agravada cogitou da falta de prequestionamento dos
artigos apontados como violados, ressentindo-se de
plausibilidade a alegação nesse sentido.
1. O ato ilícito praticado pela concessionária,
consubstanciado na ausência de corte das árvores
localizadas junto aos fios de alta tensão, possui a
capacidade em abstrato de causar danos aos
consumidores, restando configurado o nexo de
causalidade ainda que adotada a teoria da
causalidade adequada.
2. O acolhimento da tese de culpa exclusiva da vítima
só seria viável em contexto fático diverso do
analisado.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 682.599/RS, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, QUARTA
TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ 14/11/2005, p. 334)

7.3. Não se pode olvidar que, conforme a sentença, "a própria


ré admitiu a deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se depois e
instalou passarela destinada a pedestres naquele trecho, como mostrado nas
fotos de fls. 299/303".
Não prospera a alegação da recorrida de que não estaria
obrigada a realizar a passarela por falta de autorização contratual para tanto.
É que o direito de segurança do usuário está inserido no
serviço público concedido, havendo presunção de que a concessionária
assumiu todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister.
Como bem adverte mais uma vez Rui Stoco:
Esta concessionária, no relacionamento com o poder
concedente, obriga-se à exploração, manutenção e
conservação da rodovia, nos termos do edital e dos limites
estabelecidos no contrato firmado, razão pela qual, não
cumprindo sua parte e inadimplindo a obrigação
assumida, poderá perder a concessão e, ainda, responder
por perdas e danos.
A questão, portanto, se insere na teoria dos contratos,
refugindo ao campo específico da responsabilidade civil.
Mas, tendo em vista o crescimento populacional e do
número de veículos em circulação, o adensamento de
algumas regiões e o crescimento populacional às margens
ou no entorno das rodovias, pode ocorrer de tais
circunstâncias exigirem o implemento de sistemas de
segurança e melhor trafegabilidade, não previstas no
contrato de concessão.
A indagação que se faz é se a concessionária pode, ainda
que não haja previsão contratual, realizar tais obras,
visando maior segurança, máxime em locais em que
recrudesce o número de acidentes. Seria ela responsável
perante os acidentados pelo só fato das obras e
considerada inadimplente ou ofensora da avença firmada
com o ente estatal?
A nós parece que a resposta é negativa.
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23.09.97)
dispõe que 'o trânsito, em condições seguras, é um direito
de todos e dever dos órgãos e entidades componentens
do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no
âmbito das respectivas competências, adotar as medidas
destinadas a assegurar esse direito' (art. 1°, §2°).
Ademais, ganha força, de lege lata, a teoria da função
social dos contratos, ainda que se esteja no âmbito do
Direito Público.
Portanto, é obrigação primeira do Estado delegante
assegurar o direito à segurança e à vida de todos que
transitam em suas rodovias, ainda que concessionadas.
Havendo necessidade comprovada e indiscutível de
realização de determinada obra de segurança, sob pena
de alto risco aos usuários e terceiros, a omissão ou a
inércia da concessionária conduzirá à sua
responsabilização e não o contrário.
Tal providência não poderá ser considerada infração
contratual, cabendo a esta que realizou as obras
acrescidas ser ressarcida pelo poder concedente,
desde que justificadas.
Nenhuma das partes poderá, portanto, insurgir-se contra a
pretensão da outra de aditar o contrato de concessão
para nele incluir serviços necessários e fundamentais,
concernentes à segurança da rodovia e daqueles que
nela trafegam, revendo-se, se for o caso, o equilíbrio da
equação econômica que o acréscimo de melhoramentos
impuser.
(STOCO, Rui. Op. cit. p. 282)

Ademais, analisar os termos do contrato de concessão


demandaria o revolvimento das cláusulas contratuais, o que encontra óbice na
súmula 5 do STJ.
8. Quanto aos danos morais, o magistrado de piso arbitrou-os
em R$ 90.000,00 (noventa mil reais), em harmonia com os precedentes
desta Corte.
Em casos semelhantes, em que os pais pleiteiam indenização
em decorrência da morte de filho menor, este Tribunal tem fixado o valor em
um patamar de até 500 salários mínimos.
Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:
AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL -
FALECIMENTO DE PACIENTE APÓS QUEDA SOFRIDA
NAS DEPENDÊNCIAS DO HOSPITAL - TRAUMATISMO
CRANIANO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
NOSOCÔMIO - FORTUITO INTERNO RELATIVO À
HOSPEDAGEM DA VÍTIMA - DANOS MORAIS -
FIXAÇÃO - RAZOABILIDADE - REEXAME DO
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE
- SÚMULA 7/STJ - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA -
IMPROVIMENTO.
1.- Ultrapassar os fundamentos do Acórdão e acolher a
tese sustentada pela Agravante, afastando a culpa do
corpo clínico do Agravante reconhecida pelo Tribunal a
quo, demandaria inevitavelmente, o reexame de provas,
incidindo, à espécie, o óbice da Súmula 7 desta Corte.
2.- A intervenção do STJ, Corte de caráter nacional,
destinada a firmar interpretação geral do Direito Federal
para todo o país e não para a revisão de questões de
interesse individual, no caso de questionamento do valor
fixado para o dano moral, somente é admissível quando o
valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo
grau de jurisdição, se mostre teratólogico, por irrisório ou
abusivo.
3.- Inocorrência de teratologia no caso concreto, em
que, em razão de má prestação de serviço
hospitalar que ocasionou o falecimento do filho e
genitor das Agravadas, foi fixado o valor de
indenização de R$ 70.000,00 (setenta mil reais)
devido pela ora Agravante ao autor, a título de
danos morais.
4.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 292.607/MT, Rel. Ministro SIDNEI
BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe
02/05/2013)

No mesmo sentido são os seguintes precedentes: REsp


745.710/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Rel. p/ Acórdão Ministro
JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA - 500 salários mínimos; REsp
714.869/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA - R$
175.000,00, equivalente a 500 salários mínimos da época; REsp
703.878/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA - R$
150.000,00, equivalente a 500 salários mínimos da época.

Atento às peculiaridades do caso, em que a sentença


reconheceu a responsabilidade da concessionária, bem como ao fato de se
tratar de vítima de tenra idade, circunstância que exaspera sobremaneira o
sofrimento da mãe, além da sólida capacidade financeira da empresa ré e
consentâneo ao escopo pedagógico que deve nortear a condenação,
considero razoável para a compensação do sofrimento experimentado pela
genitora o valor da indenização de R$ 90.000,00 (noventa mil).
Com efeito, o valor relativo à indenização por danos morais deve
ser mantido.
9. No tocante aos danos materiais, a sentença arbitrou-os em
forma de pensionamento "no montante de um salário mínimo mensal, verba
essa que terá como termo a quo a idade de 14 anos da vítima, e como termo
ad quem a idade de 70 anos, devendo a ré incluir a autora em sua folha de
pagamento".
Contudo, é pacífico no STJ o entendimento de que, como regra,
a pensão mensal devida aos pais, pela morte de filho, deve ser estimada em
2/3 do salário mínimo até os 25 anos de idade da vítima e, após, reduzida
para 1/3, haja vista a presunção de que aquele constituiria seu próprio
núcleo familiar, até a data em que o de cujus completaria 65 anos.
À guisa de exemplo:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRABALHO. CULPA DO EMPREGADOR.
DESVIO DE FUNÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS
CONFIGURADOS. ANÁLISE DOS ELEMENTOS FÁTICO-
PROBATÓRIOS DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA
7/STJ. LIMITE TEMPORAL DO PENSIONAMENTO.
[...]
4. O STJ sedimentou o entendimento de que, como
regra, a pensão mensal devida aos pais, pela morte
do filho, deve ser estimada em 2/3 do salário mínimo
até os 25 anos de idade da vítima e, após, reduzida
para 1/3, haja vista a presunção de que o empregado
constituiria seu próprio núcleo familiar, até a data em
que o de cujus completaria 65 anos. Precedentes.
5. Agravo regimental parcialmente provido.
(AgRg no Ag 1132842/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe
20/06/2012)

10. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso


especial para julgar procedente o pedido indenizatório deduzido na inicial,
arbitrando os danos morais em R$ 90.000,00 (noventa mil reais).
Com relação aos danos materiais, a pensão mensal devida
deve ser estimada em 2/3 do salário mínimo dos 14 aos 25 anos de idade da
vítima e, após, reduzida para 1/3, até a data em que a falecida completaria
65 anos.
Os valores estabelecidos deverão ser atualizados
monetariamente a contar desta data, contados os juros da citação. Mantidos
os ônus sucumbenciais fixados na sentença.
É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a
seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Vencido o Ministro Marco Buzzi, que negava provimento ao recurso.
Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e
Antonio Carlos
Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dano ambiental e prejuízo para a pesca

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA


(Relator):
A agravante não trouxe nenhum argumento capaz de afastar
os termos da decisão agravada, razão pela qual deve ser
mantida por seus próprios fundamentos (e-STJ fls. 20/22):
"Trata-se de conflito negativo de competência em que é
suscitante o JUÍZO DE DIREITO DA 19ª VARA CÍVEL DO
RIO DE JANEIRO – RJ e suscitado o JUÍZO DE
DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE ITAPEMIRIM – ES, nos
autos da ação reparatória ajuizada pelos PESCADORES
ARTESANAIS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
contra CHEVRON BRASIL, envolvendo danos ambientais.
O suscitado declinou de sua competência para a Justiça do
Rio de Janeiro, aduzindo, em resumo, que, "a ação de
reparação de dano tem por foro o lugar onde ocorreu o ato
ou o fato" (e-STJ fl. 13).
O suscitante, por sua vez, considerou, em síntese, que os
autores equiparam-se a consumidores, podendo interpor a
ação no foro de seus domicílios, nos termo do art. 101, I,
do CDC (e-STJ fls. 2/5).
Parecer do Ministério Público Federal pela competência do
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE ITAPEMIRIM –
ES, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 15):
'CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL
QUE ATINGIU OS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO
E DO ESPÍRITO SANTO. REPARAÇÃO DO DANO.
PESCADORES ARTESANAIS. COMPETÊNCIA DO
LOCAL EM QUE O ACIDENTE PRODUZ SEUS
EFEITOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1. O juízo competente para conhecer e apreciar ação
de reparação do dano é o do local em que emergem
os danos suscitados na pretensão inicial, ainda que a
respectiva causa primária tenha ocorrido em lugar
diverso.
2. Na espécie, o dano para os autores – pescadores
artesanais – materializou-se no lugar em que
exerciam a atividade da pesca, ou seja, o do foro
em que a ação foi ajuizada. Art. 100, V, a, do
Código de Processo Civil.
3. Parecer pelo conhecimento do conflito, para que
seja declarada a competência do Juízo de Direito da
1ª Vara Cível de Itapemirim - para processar e julgar
a ação que deu origem ao presente feito.'

É o Relatório.
Decido.
Inicialmente, discute-se a competência para apreciar ação
indenizatória decorrente de suposto dano ambiental,
ajuizada por pescadores artesanais.
Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, definida em
caso semelhante ao dos autos, na presente hipótese, os
autores são equiparáveis a consumidores, configurando-se o
vazamento de petróleo como acidente de consumo, o qual,
supostamente, teria prejudicado a atividade pesqueira dos
interessados. Confira-se:
'CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE
REPARAÇÃO DE DANOS. DERRAMAMENTO DE
ÓLEO. PESCADORES ARTESANAIS
PREJUDICADOS. ACIDENTE DE CONSUMO.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. FORO.
DOMICÍLIO DOS AUTORES.
1. Trata-se de ação ordinária ajuizada por
pescadores artesanais visando a reparação de
danos materiais e morais decorrentes de dano
ambiental.
2. Os autores foram vítimas de acidente de
consumo, visto que suas atividades pesqueiras
foram supostamente prejudicadas pelo
derramamento de óleo ocorrido no Estado do Rio de
Janeiro. Aplica-se à espécie o disposto no art. 17 do
Código de Defesa do Consumidor.
3. As regras consumeristas contidas no artigo 101,
I, da Lei n. 8.078/1990 devem incidir no caso,
sendo facultada ao consumidor a propositura da
ação no foro do seu domicílio.
4. Conflito conhecido para declarar competente o
Juízo de Direito da Vara Cível de Marataízes/(e-STJ
fl. ), o suscitado.'
(CC n. 143.204/RJ, Relator Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2016,
pendente de publicação).

Nesses termos, aplicam-se, in casu, as regras de


competência fixadas no art. 101, I, do Código de Defesa do
Consumidor, sendo permitido ao hipossuficiente ajuizar a
ação indenizatória no foro do seu domicílio.
Ademais, ainda nos termos do entendimento deste Superior
Tribunal, é 'competente para o julgamento da ação de
reparação de danos o foro do lugar onde ocorrido o fato,
regra especial prevista no artigo 100, inciso V, 'a', do Código
de Processo Civil que prevalece sobre a geral do artigo 94 do
mesmo diploma, não havendo distinguir, na hipótese, o ilícito
contratual do extracontratual' (CC n. 55.826/PR, Relator
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 11/10/2006, DJ 9/11/2006, p. 248.)
Nesse sentido, apesar de o acidente ter ocorrido no litoral do
Rio de Janeiro, seus reflexos danosos se estenderam para
outras localidades, entre as quais o território pesqueiro onde
os autores da ação laboravam, que deve ser considerado o
local do fato, para fins de incidência do art. 100, V, 'a', do
CPC/1973 (art. 53, IV, 'a', do CPC/2015).
Diante do exposto, CONHEÇO do presente conflito negativo
de competência para DECLARAR COMPETENTE o JUÍZO
DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE
ITAPEMIRIM –
ES, o suscitado.
Publique-se e
intimem-se."

Na presente hipótese, trata-se de ação indenizatória, por danos


morais e materiais, ajuizada por pescadores do Estado do Espírito Santo em
desfavor de CHEVRON BRASIL e TRANSOCEAN BRASIL LTDA., em função
de acidente ambiental ocorrido em 7/11/2011 em alto mar, no Campo do
Frade, costa norte do Estado do Rio de Janeiro.

Informa o Juízo suscitante que a interessada, TRANSOCEAN,


apresentou na origem exceção de incompetência, alegando que o foro
competente seria o local do ato ou fato, no caso, onde ocorreu o vazamento
de óleo, nos termos do art. 100, V, "a", do CPC (e-STJ fl. 2). Alegou ainda que
haveria conexão entre a ação dos pescadores capixabas e outras ajuizadas
contra as mesmas rés, envolvendo o referido derramamento.
Segundo o juízo suscitante, os excetuados, autores da ação
indenizatória, se manifestaram no sentido de que o derramamento de óleo se
espalhou e causou prejuízo à pesca dos Estados do Espírito Santo e de
São Paulo, e que a área de pesca dos requerentes não se encontra no
Município do Rio de Janeiro (e-STJ fl. 2).
O juízo suscitado acolheu a tese do excipiente, e remeteu os
autos à Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro (e-STJ fl. 3).
O juízo fluminense, contudo, suscitou o presente conflito,
afastando a tese de conexão, pois a controvérsia das demandas relacionadas
ao acidente ambiental dizem respeito apenas aos reflexos do dano natural,
com instrução limitada às especificidades de cada demandante. Argumentou
ainda que os pescadores supostamente prejudicados caracterizam-se como
consumidores por equiparação, o que atrai a incidência do art. 101 do CDC,
permitindo-lhes litigar no lugar do ato ou fato, do seu domicílio ou do
domicílio dos réus (e-STJ fl. 4).
Nesse sentido, aduziu também que "a competência definida em
razão da pessoa vulnerável é absoluta, não podendo nem seu próprio
advogado e nem o juízo contrariar o interesse da parte à luz das opções que
a lei lhe faculta" (e-STJ fl. 5).
A agravante argui, em síntese, que, na presente hipótese,
discute-se competência relativa, a qual não poderia ser reconhecida de ofício
pelo juízo, além de haver exceção de incompetência decidida definitivamente
(e-STJ fls. 81/83).
Entretanto, conforme explicado na decisão agravada e
confirmado pela Segunda Seção do STJ, em hipótese semelhante à dos
autos, "os autores foram vítimas de acidente de consumo, visto que suas
atividades pesqueiras foram supostamente prejudicadas pelo derramamento
de óleo ocorrido no Estado do Rio de Janeiro. Aplica-se à espécie o
disposto no art. 17 do Código de Defesa do Consumidor" (CC 143.204/RJ,
Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 13/4/2016, DJe 18/4/2016).
Nesse contexto, também segundo a jurisprudência desta Corte
Superior, havendo incidência das regras consumeristas, a competência é
absoluta, podendo ser conhecida de ofício pelo juízo. A propósito:
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO DO
CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO
REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO
AUTOMOTIVO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. DOMICÍLIO
DO CONSUMIDOR.
- Em se tratando de relação de consumo, a competência é
absoluta, razão pela qual pode ser conhecida até mesmo de
ofício e deve ser fixada no domicílio do consumidor.
- Agravo não provido."
(AgRg no CC 127.626/DF, Relatora Ministra NANCY
ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013,
DJe 17/06/2013.)

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE
CONSUMO. CONFIGURAÇÃO. DOMICÍLIO DO
CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.
PRECEDENTES. IMPROVIMENTO.
1. Claro no acórdão recorrido que se trata de relação de
consumo. Dessa forma, conforme jurisprudência recente
desta Corte, a competência é absoluta e deve ser fixada no
domicílio do consumidor.
2. Agravo regimental a que se nega provimento."
(AgRg no AREsp 687.562/DF, Relatora Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
19/5/2015, DJe 1/6/2015.)

Tratando-se de competência absoluta, fica afastada a


possibilidade de prorrogação, sobretudo quando tal prorrogabilidade for
desfavorável à parte mais frágil. Sobre o tema, confiram-se os seguintes
julgados:
"PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETENCIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER
FAMILIAR. ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO DA CRIANÇA E
DAQUELES QUE DETÉM SUA GUARDA. ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA
PERPETUATIO JURISDICTIONES X JUIZ IMEDIATO.
PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO NA HIPÓTESE
CONCRETA.
1. Conforme estabelece o art. 87 do CPC, a competência
determina-se no momento da propositura da ação e, em se
tratando de hipótese de competência relativa, não é possível
de ser modificada ex officio. Esse mencionado preceito de
lei institui, com a finalidade de proteger a parte, a regra da
estabilização da competência (perpetuatio jurisdictionis).
2. O princípio do juiz imediato vem estabelecido no art. 147, I
e II, do ECA, segundo o qual o foro competente para
apreciar e julgar as medidas, ações e procedimentos que
tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA, é
determinado pelo lugar onde a criança ou o adolescente
exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e
comunitária.
3. Embora seja compreendido como regra de competência
territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta natureza de
competência absoluta, nomeadamente porque expressa
norma cogente que, em certa medida, não admite
prorrogação.
4. A jurisprudência do STJ, ao ser chamada a graduar a
aplicação subsidiária do art. 87 do CPC frente à incidência
do art. 147, I e II, do ECA, manifestou-se no sentido de que
deve prevalecer a regra especial em face da geral, sempre
guardadas as peculiaridades de cada processo.
5. Conflito de competência conhecido para declarar a
competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Infância e da
Juventude do Distrito Federal-DF."
(CC 119.318/DF, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/4/2012, DJe de
2/5/2012.)

"CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO


REVISIONAL DE ALIMENTOS. PROTEÇÃO DO
INTERESSE DO MENOR. ART. 147, I, DO ECA.
COMPETÊNCIA ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE
PRORROGAÇÃO.
1 - A Segunda Seção entende que a regra de competência
insculpida no art. 147, I, do ECA, que visa a proteger o
interesse da criança, é absoluta, ou seja, deve ser
declarada de ofício, não sendo admissível sua prorrogação.
2 - Em discussões como a que ora se trava, prepondera o
interesse do menor hipossuficiente, devendo prevalecer o
foro do alimentando e de sua representante legal como o
competente tanto para a ação de alimentos como para
aquelas que lhe sucedam ou que lhe sejam conexas.
3 - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de
Direito de Arneiroz, o suscitante."
(CC 102.849/CE, Relator Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 27/5/2009, DJe de 3/6/2009.)

Por fim, ainda nos termos da decisão agravada, o acidente


ocorreu no litoral do Rio de Janeiro, mas seus reflexos danosos se
estenderam para outras localidades, entre as quais o território pesqueiro
onde os autores da ação trabalhavam, que deve ser considerado o local do
fato, para fins de fixação da competência prevista no art. 100, V, "a", do
CPC/1973 (art. 53, IV, "a", do CPC/2015).
Assim, não procedem as razões recursais, incapazes de alterar
os fundamentos da decisão impugnada.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao
agravo interno. É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo
em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco
Aurélio Bellizze, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso
Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Moura Ribeiro e Maria Isabel
Gallotti.

Comentários ofensivos em portal de notícias

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO


SANSEVERINO
(Relator):

Eminentes colegas, o recurso especial não merece provimento.


A controvérsia diz respeito a responsabilidade civil dos provedores
de internet por mensagens postadas por terceiros em seu "site".
Inicialmente, cabe relembrar a classificação dos provedores de
serviços na internet, assim apresentada pela Min.ª NANCY ANDRIGHI no
REsp 1.381.610/RS, litteris:

(i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm


estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de
informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet,
oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos
usuários finais acesso à rede;
(ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos
provedores backbone e revendem aos usuários finais,
possibilitando a estes conexão com a Internet;
(iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de
terceiros, conferindo-lhes acesso remoto;
(iv) provedores de informação, que produzem as informações
divulgadas na Internet; e
(v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as
informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de
informação.

No caso em tela, a empresa jornalística ora recorrida enquadra-


se na classificação provedora de informação, no que tange à matéria
jornalística divulgada no site, e provedora de conteúdo, no que tange
às postagens dos usuários.
Essa classificação é importante porque tem reflexos diretos na
responsabilidade civil do provedor.

A propósito, merece transcrição a seguinte passagem da obra de


DEMÓCRITO RAMOS REINALDO FILHO sobre essa questão, litteris:

O problema da responsabilidade por publicações difamatórias em páginas


eletrônicas envolve outros complicadores, porque a veiculação de informações
on-line pode se dar de formas variadas.

Em alguns casos, o operador edita o conteúdo da página, atuando como


'content provider', enquanto que em outros simplesmente permite que as
mensagens sejam postadas instantaneamente, e ainda em outros se limita a
fornecer espaço em seu sistema para que o usuário por sua própria conta e
iniciativa edite sua 'home page'.

Entendemos que a chave para resolver essa matéria está justamente em se


examinar, em cada caso, a presença (ou não) de controle editorial.
Dependendo de uma ou outra situação, vai ficar caracterizada a
responsabilidade do provedor, à semelhança do que ocorre com o editor da
mídia tradicional.

O controle editorial em geral se manifesta quando o provedor exercita as


funções do editor tradicional, caracterizadas pelo poder de decidir se publica,
se retira, se retarda ou se altera o conteúdo da notícia ou informação. Assim,
por exemplo, se o provedor mantém portal onde divulga notícias e
informações, é totalmente responsável pelo conteúdo delas, da mesma
maneira que o editor de um jornal comum. Mas, se no seu site disponibiliza
serviço de chat room ou de fórum eletrônico, a situação já se altera, porque
nesses casos a publicação das mensagens é feita instantaneamente, sem
interferência do operador humano.

Nos casos em que a publicação das mensagens não é feita


instantaneamente, posto que são recebidas pelo operador e publicadas em
oportunidade posterior, fica revelado o controle editorial que tem sobre a
publicação. Onde o operador recebe as mensagens e publica em momento
posterior, ao retardá-la aufere uma oportunidade para publicar ou recusar o
material, passando a ser o senhor da decisão de sua divulgação ou não.

O critério utilizado para caracterizar o controle editorial foi a noção de 'fixação


prévia da comunicação ao público'. Sempre que é o próprio operador
(webmaster) que fixa previamente a mensagem no espaço de comunicação
(na interface) do site, acessível e visível aos usuários, tal situação revela seu
controle sobre a informação. Por exemplo, se o operador recebe a informação
da fonte original por e-mail, redesenha o texto na forma de HTML, e a coloca
no site à disposição dos usuários em geral, ele é quem está previamente
fixando a mensagem para o público. Em situação diferente, quando a
informação é colocada pelo próprio usuário (internauta) dos serviços do site -
o que pode ser feito se for dotado (o site) de pequenos programas que
permitem a realização dessa função automática -, o webmaster não tem
nenhum controle editorial sobre ela. Outra pessoa, que não ele, é quem fixa a
mensagem para o público, desaparecendo sua responsabilidade em relação
às consequências danosas que ela possa produzir, já que ausente, nesse
caso, o controle sobre a informação. (Responsabilidade civil por publicações
na internet. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 173 s.)

Conforme se verifica no trecho acima transcrito, a responsabilidade


civil por ofensas publicadas na internet é daquele que ''fixa a mensagem
para o público'', podendo ser o provedor ou o próprio usuário de um site.
No caso dos autos, as mensagens ofensivas foram postadas
diretamente pelos usuários do site 'www.tudonahora.com.br'.

Assim, na linha desse entendimento, cabe a responsabilização


apenas dos autores das ofensas, não da empresa titular do site.

Esse também é o entendimento de THAITA CAMPOS TREVISAN,


que assim se manifestou em sede doutrinária:

Da mesma forma, conteúdos ilícitos não geram imediata condenação do


provedor, que somente se vê condenado solidariamente caso não promova a
retirada do conteúdo do ar uma vez notificado. Isso porque entende-se que a
divulgação de conteúdos ilícitos na rede mundial não é um risco inerente à
atividade do provedor a fim de dar ensejo à responsabilidade objetiva prevista
no art. 927 do CC. (A tutela da imagem da pessoa humana na internet na
experiência jurisprudencial brasileira. in: Direito privado e internet. Guilherme
Magallhães Martins (coord.). São Paulo: Atlas, 2014, p. 189)

No mesmo sentido, aponta a jurisprudência desta Corte Superior,


que tem-se manifestado pela ausência de responsabilidade dos
provedores de conteúdo pelas mensagens postadas diretamente pelos
usuários, e, de outra parte, pela responsabilidade dos provedores de
informação pelas matérias por ele divulgadas.

A propósito, confiram-se os seguintes julgados:


DIREITO CIVIL. INTERNET. BLOGS. NATUREZA DA ATIVIDADE.
INSERÇÃO DE MATÉRIA OFENSIVA. RESPONSABILIDADE DE QUE
MANTÉM E EDITA O BLOG. EXISTÊNCIA. ENUNCIADO Nº 221 DA
SÚMULA/STJ. APLICABILIDADE.
1. A atividade desenvolvida em um blog pode assumir
duas naturezas distintas: (i) provedoria de informação, no
que tange às matérias e artigos disponibilizados no blog
por aquele que o mantém e o edita;
e (ii) provedoria de conteúdo, em relação aos posts dos seguidores do blog.
2. Nos termos do enunciado nº 221 da Súmula/STJ, são
civilmente responsáveis pela reparação de dano derivado
de publicação pela imprensa, tanto o autor da matéria
quanto o proprietário do respectivo veículo de divulgação.
3. O enunciado nº 221 da Súmula/STJ incide sobre todas
as formas de imprensa, alcançado, assim, também os serviços
de provedoria de informação, cabendo àquele que mantém blog
exercer o seu controle editorial, de modo a evitar a inserção no
site de matérias ou artigos potencialmente danosos.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, desprovido. (REsp 1.381.610/RS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
03/09/2013, DJe 12/09/2013)

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO.


INCIDÊNCIA DO CDC. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO
PRÉVIA DO CONTEÚDO POSTADO NO SITE PELOS USUÁRIOS.
DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CUNHO OFENSIVO. DANO MORAL.
RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA
EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA DO AR EM 24 HORAS.
DEVER. SUBMISSÃO DO LITÍGIO DIRETAMENTE AO PODER JUDICIÁRIO.
CONSEQUÊNCIAS. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 14 DO
CDC E 927 DO CC/02.
............................................................
2. Recurso especial em que se discute os limites da
responsabilidade de provedor de rede social de
relacionamento via Internet pelo conteúdo das
informações veiculadas no respectivo site.
3. A exploração comercial da internet sujeita as relações
de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.

4. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor


das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca
ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos
do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele
inseridos.
5. O dano moral decorrente de mensagens com
conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não
constitui risco inerente à atividade dos provedores de
conteúdo, de modo que não se lhes aplica a
responsabilidade objetiva prevista no art. 927,
parágrafo único, do CC/02.
6. Ao ser comunicado de que determinada postagem
possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, "deve
o provedor removê-la preventivamente no prazo de 24
horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a
veracidade das alegações do denunciante, de modo a
que, confirmando-as, exclua definitivamente o vídeo ou,
tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso,
sob pena de responder solidariamente com o autor direto
do dano em virtude da omissão praticada.
7. Embora o provedor esteja obrigado a remover
conteúdo potencialmente ofensivo assim que tomar
conhecimento do fato (mesmo que por via extrajudicial), ao
optar por submeter a controvérsia diretamente ao Poder
Judiciário, a parte induz a judicialização do litígio,
sujeitando-o, a partir daí, ao que for deliberado pela
autoridade competente. A partir do momento em que o
conflito se torna judicial, deve a parte agir de acordo com
as determinações que estiverem vigentes no processo,
ainda que, posteriormente, haja decisão em sentido
contrário, implicando a adoção de comportamento diverso.
Do contrário, surgiria para as partes uma situação de
absoluta insegurança jurídica, uma incerteza sobre como
se conduzir na pendência de trânsito em julgado na ação.
8. Recurso especial provido. (REsp 1.338.214/MT, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe
02/12/2013)
No caso dos autos, a empresa recorrente excluiu as mensagens
ofensivas tão logo os fatos lhe foram comunicados por meio da citação
para responder a presente demanda.

Assim, na linha da jurisprudência desta Corte, não seria possível,


em princípio, a responsabilização da empresa recorrente pelos
comentários feitos pelos seus usuários.

Não obstante o entendimento doutrinário e jurisprudencial contrário


à responsabilização dos provedores de conteúdo pelas mensagens
postadas pelos usuários, o caso em tela traz a particularidade de o
provedor ser um portal de notícias, ou seja, uma empresa cuja atividade
é precisamente o fornecimento de informações a um vasto público
consumidor.

Essa particularidade diferencia o presente caso daqueles outros


julgados por esta Corte, em que o provedor de conteúdo era empresa da
área da informática, como a Google, a Microsoft, etc.

Efetivamente, não seria razoável exigir que empresas de informática


controlassem o conteúdo das postagens efetuadas pelos usuários de seus
serviços ou aplicativos.
Contudo, tratando-se de uma empresa jornalística, o controle do
potencial ofensivo dos comentários não apenas é viável, como
necessário, por ser atividade inerente ao objeto da empresa.

Mais, é fato notório, nos dias de hoje, que as redes sociais contem
um verdadeiro inconsciente coletivo que faz com que as pessoas
escrevam mensagens, sem a necessária reflexão prévia, falando coisas
que normalmente não diriam.

Isso exige um controle por parte de quem é profissional da área de


comunicação, que tem o dever de zelar para que o direito de crítica não
ultrapasse o limite legal consistente respeito a honra, privacidade e a
intimidadeda pessoa criticada.

Assim, a ausência de qualquer controle, prévio ou posterior,


configura defeito do serviço, uma vez que se trata de relação de consumo.

Ressalte-se que o ponto nodal não é apenas a efetiva


existência de controle editorial, mas a viabilidade de ele ser exercido.

Sobre esse ponto, merece referência o entendimento de


Shandor Portella Lourenço, verbis:

Destacamos, por fim, os provedores de informação ou, como são mais


conhecidos, provedores de conteúdo. Trata-se, na espécie, dos famosos
portais de notícias.

A análise da responsabilização de um provedor de conteúdo passa,


necessariamente, pelo exame da real possibilidade, ou não, de controle
editorial sobre o conteúdo publicado.

Verificada a viabilidade do webdesigner ou o responsável


pelo site ter ciência prévia das informações contidas no
portal, exigir-se-á controle efetivo quanto à publicação de
conteúdo prejudicial a terceiros. Também nessa hipótese,
a omissão seria, a princípio, juridicamente relevante sob o
ângulo reparatório de eventuais danos causados. (A
responsabilidade civil extracontraual dos provedores
pelos danos causados através da internet. Revista de
Direito de Informática e Telecomunicações - RDIT, ano 7,
n. 13, jul./dez. 2012, Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 177)
Consequentemente, a empresa deve responder solidariamente
pelos danos causados à vítima das ofensas morais, que, em última
análise, é um bystander, por força do disposto no 17 do Código de Defesa
do Consumidor - CDC.

Ressalte-se que, tratando-se de uma empresa jornalística, não se


pode admitir a ausência de qualquer controle sobre as mensagens e
comentários divulgados, porque mesclam-se com a própria informação,
que é o objeto central da sua atividade econômica, devendo oferecer a
segurança que dela legitimamente se espera (cf. art. 14, § 1º, do CDC).

Decidiu acertadamente o Tribunal a quo, portanto, ao condenar a


empresa jornalística à reparação dos danos causados ao recorrido.

No que tange ao quantum indenizatório (sessenta mil reais), o


acórdão recorrido também não merece reforma por não se mostrar
exagerado o valor arbitrado, não se submetendo ao controle desta Corte
(Súmula 07/STJ).

Cabe esclarecer que o marco civil da internet (Lei 12.965/14) não se


aplica à hipótese dos autos, porque os fatos ocorreram antes da entrada
em vigor dessa lei, além de não se tratar da responsabilidade dos
provedores de conteúdo.

Consigne-se, finalmente, que a matéria poderia também ter sido


analisada na perspectiva do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que
estatuiu uma cláusula geral de responsabilidade objetiva pelo risco,
chegando-se a solução semelhante a alcançada mediante a utilização do
Código de Defesa do Consumidor.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao


recurso especial.

É o voto.

Consumo intermediário não é protegido pelo CDC


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Pela


leitura do v. aresto recorrido, constata-se que foram dois os fundamentos
adotados para afastar-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à
espécie, quais sejam: o de que a ora recorrente não seria destinatária final,
não se caracterizando como consumidora, nos termos do art. 2º da Lei
8.078/90; e o de que ela não poderia ser havida como hipossuficiente
vulnerável, conforme o art. 4º, I, do mesmo diploma legal.

Confira-se o seguinte trecho do voto proferido na col. Corte de


origem, verbis:

"Vejo que aceitável, em princípio, a incidência das


regras contidas nesse diploma consumerista aos
contratos como o da espécie, pois não pode ele ser
havido como de locação de bem móvel puro, ao
expressamente contemplar, também, o fornecimento de
materiais de consumo pelo equipamento, além da
prestação de serviços de assistência técnica. Assim, é
contrato de natureza mista ou complexa. Nos termos do
artigo 2º da Lei n. 8.078/90, aquele citado código,
consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto, como destinatária final, podendo este
ser qualquer bem móvel ou imóvel (art. 3º, par. 1º).
Envolvendo a avença sob foco, como dito, também
fornecimento de material e serviços, poderá ficar
submetida às regras da lei consumerista.
Todavia, para que os preceitos contidos nesse
código tenham aplicação, imperioso que atendidos
todos os requisitos impostos nessa lei especial, dentre
eles, nos termos do citado artigo 2º, "caput", o
comparecimento do consumidor, a saber, qualquer
pessoa física ou jurídica que tenha adquirido ou
utilizado produto, como destinatária final. Tratando-se,
na espécie, de empresa e destinando-se o
equipamento locado, os materiais e serviços,
segundo evidente, a integrar sua cadeia produtiva
ou como instrumento da geração de seus ganhos,
bem assim não podendo ela ser havida como
hipossuficiente vulnerável, alvo maior do diploma
em foco (art. 4º, inc. I), não se amolda ao conceito
legal de destinatária última daqueles, para consumo
próprio, fazendo inaplicáveis ao negócio que
celebrou as regras daquele." (fl. 144) Em termos
gerais, o v. aresto recorrido não destoa do entendimento
desta Corte, que, por tantas vezes, já se pronunciou no
sentido de não ser possível a incidência do Código de
Defesa do Consumidor quando uma das partes não se
enquadrar no conceito de consumidor, como
destinatário final.
Na hipótese, a recorrente era locatária de máquina copiadora
produzida e alugada pela locadora, ora recorrida, utilizando tal equipamento
para incrementar suas atividades comerciais, vendendo cópias à sua clientela.

Como se sabe, a caracterização da figura do consumidor


merecedor da proteção assegurada pelo ordenamento jurídico depende da
adoção das teorias minimalista (finalista) ou maximalista.

Pela primeira, considera-se consumidor, de acordo com o


critério do artigo 2° do CDC, o destinatário final fático e econômico de um
produto ou serviço, ou seja, quem adquire ou utiliza produto ou serviço de
modo a exaurir a função econômica através da sua retirada do mercado de
consumo. Não existe aqui obtenção de lucro em razão do ato de consumo,
nem implemento de uma atividade negocial.

Já a teoria maximalista abre a possibilidade de aplicação


extensiva das normas do CDC a outros contratos que não os de consumo
próprio, interpretando a definição de consumidor de forma ampliada. Nesse
contexto, considera consumidor o destinatário fático do produto ou serviço,
ainda que não seja o destinatário econômico final, não sendo preciso que a
partir do ato de consumo impróprio seja retirado o produto ou serviço,
necessariamente, do mercado.

A teoria finalista veio a ser adotada, no Brasil, pelo Código de


Defesa do Consumidor, comportando, porém, certa mitigação em hipóteses
especiais, como destacado nos precedentes jurisprudenciais desta Corte
Superior, a seguir exemplificados:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO


AGRAVO REGIMENTAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO
EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO
AGRAVO, MANTENDO HÍGIDA A DECISÃO DE
INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL.
IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA.
1. Expediente manejado com nítido e exclusivo
intuito infringencial. Recebimento do reclamo como
agravo regimental.
2. É vedado a este Tribunal apreciar violação
de dispositivos constitucionais, ainda que para fins de
prequestionamento.
3. Incidência dos óbices das súmulas 5 e 7/STJ, no
tocante às teses de inexigibilidade da cédulas de
crédito, vulnerabilidade e hipossuficiência da
recorrente e ocorrência de fraude na operação de
transferência dos títulos. Tribunal local que, com
amparo nos elementos de convicção dos autos e
nas cláusulas contratuais, entendeu não existir
circunstâncias capazes de ensejar a ineficácia,
anulação ou invalidade da cédula de crédito,
tampouco de provas aptas a corroborar a alegação
de que tenha ocorrido cessão de créditos, fraude ou
conduta capaz de gerar prejuízos à ora insurgente e
demonstração da vulnerabilidade e hipossuficiência da
insurgente. Impossibilidade de reexame de fatos,
provas e cláusulas contratuais.
4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o
Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que
o produto ou serviço é contratado para implementação de
atividade econômica, já que não estaria configurado o
destinatário final da relação de consumo, podendo no entanto ser
mitigada a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada
a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da
pessoa jurídica. O Tribunal de origem asseverou não ser a
insurgente destinatária final do serviço, tampouco
hipossuficiente. Inviabilidade de reenfrentamento do acervo
fático-probatório para concluir em sentido diverso, aplicando-se o
óbice da súmula 7/STJ. Precedentes.
5. Agravo regimental não provido.
(EDcl no AREsp 265.845/SP, Rel. Ministro MARCO
BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/6/2013, DJe
de 1º/8/2013)

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR.


TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE
CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO.
CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada
no sentido de que a determinação da qualidade de
consumidor deve, em regra, ser feita mediante
aplicação da teoria finalista, que, numa exegese
restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final
tão somente o destinatário fático e econômico do bem
ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC
o consumo intermediário, assim entendido como aquele
cujo produto retorna para as cadeias de produção e
distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final)
de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser
considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº
8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem
ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de
consumo.
3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte
tem mitigado os rigores da teoria finalista, para
autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que
a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja
tecnicamente a destinatária final do produto ou
serviço, se apresenta em situação de
vulnerabilidade.
4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo
panorama fáticodelineado pelas instâncias
ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao
longo do processo, não é possível identificar
nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de
modo que a aplicação do CDC deve ser afastada,
devendo ser preservada a aplicação da teoria
finalista na relação jurídica estabelecida entre as
partes.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1.358.231/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 28/5/2013, DJe de
17/6/2013)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.


CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE. VIOLAÇÃO DO
ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA
Nº 284/STF. CERCEAMENTO DE DEFESA.
CONDIÇÃO DE DESTINATÁRIO FINAL.
VULNERABILIDADE TÉCNICA DA PESSOA
JURÍDICA. REVISÃO DO JULGADO. REEXAME DE
PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
CONTRATO FIRMADO ENTRE A CAIXA DE
ASSISTÊNCIA DOS SERVIDORES E A
SEGURADORA. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. CLÁUSULA DE
REAJUSTE COM BASE NA SINISTRALIDADE. NÃO
ABUSIVIDADE. PERCENTUAL. LAUDO PERICIAL.
REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.
(...)
4. Se a pessoa jurídica não ostenta a condição de consumidor final nem se
apresenta em situação de vulnerabilidade, não incidem as regras do Direito do
Consumidor.
(...)
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1.297.956/RJ, Terceira Turma, Rel. Min.
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 27/2/2013)

Da leitura dos julgados transcritos, também se extrai a


possibilidade de equiparação à figura do consumidor de pessoa, física ou
jurídica, que comprove ter sido envolvida em situação de vulnerabilidade na
relação com fornecedor, quando este viole determinadas disposições do CDC.

Trata-se de aplicação da norma do art. 29 do Código de


Defesa do Consumidor, verbis:

"Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos


consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às
práticas nele previstas."

Este dispositivo está inserido nas disposições gerais do


Capítulo V, referente às Práticas Comerciais, e faz menção também ao
Capítulo VI, que trata da Proteção Contratual.

Na doutrina, acerca da equiparação disciplinada no artigo


transcrito, esclarece Cláudia Lima Marques que: “pode ser
importante para as nossas conclusões saber que as normas do
CDC são aplicáveis, por lei, a pessoas que em princípio não
poderiam ser qualificadas como consumidores stricto sensu” (in
Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 5ª ed.,
2006, pág. 318).
Por sua vez, Antonio Hermann V. Benjamin, Cláudia Lima
Marques e Bruno Miragem, discorrendo sobre a ideia básica do art. 29 do
CDC, aduzem tratar-se de “imposição de um patamar mínimo de lealdade e
boa-fé objetiva”, acrescentando:
"O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da
definição jurídica de consumidor para imprimir uma
definição de política legislativa. Para harmonizar os
interesses presentes no mercado de consumo, para
reprimir eficazmente os abusos do poder econômico,
para proteger os interesses econômicos dos
consumidores finais, o legislador colocou um poderoso
instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo
agentes econômicos) expostas às práticas abusivas.
Estas, mesmo não sendo consumidores stricto
sensu, poderão utilizar as normas especiais do CDC,
seus princípios, sua ética de responsabilidade social no
mercado, sua nova ordem pública, para combater as
práticas comerciais abusivas." (in Código de Defesa do
Consumidor Comentado, RT, pág. 397).
Assim, no caso sob exame, não se pode afastar de todo a
aplicabilidade do CDC à relação jurídica em debate, pois a promovida, ora
recorrente, alega ter atrasado o aluguel da máquina do mês de abril de 1998,
em virtude dos altos preços cobrados pela locação, tendo ficado a partir de
então impossibilitada de utilizar o equipamento por ter a promovente locadora,
de imediato, cessado o fornecimento de material e assistência técnica, além
de negar-se a retirar o equipamento, mesmo após a notificação da sociedade
ré comunicando não ter mais condições de manter o contrato (cf. fl. 51).

Com isso, estaria a ora recorrente alegando ter sido envolvida


por seu fornecedor em situação de vulnerabilidade, o que renderia ensejo à
aplicação da regra de equiparação prevista no mencionado art. 29, desde
que alguma das práticas previstas nos Capítulos V e VI do CDC fosse
constatada como ocorrente no caso, em prejuízo da promovida, ora
recorrente.

Sendo a autora da ação sociedade empresária de grande porte,


integrante de um conglomerado internacional, detentora da técnica avançada
e específica utilizada em suas máquinas, materiais e serviços, de alta
tecnologia, poderia, em tese, ter imposto um contrato de adesão repleto de
cláusulas abusivas na locação ajustada com a ré, sociedade empresária de
pequeno porte, que utilizava a máquina xerox copiadora como um serviço a
mais comercializado em seu estabelecimento.

Dada a desproporção entre as contratantes, é incontestável a


natural posição de inferioridade da ré frente à autora e de supremacia desta
ante aquela, o que, entretanto, por si só, não possibilita o reconhecimento de
situação de vulnerabilidade provocada, a atrair a incidência da referida
equiparação tratada no multicitado art. 29. É que tal norma não prescinde da
indicação de que, na hipótese sob exame, tenha sido constatada violação a
um dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 dos Capítulos V e VI do
Código de Defesa do Consumidor. A norma do art. 29 não se aplica
isoladamente.

Contudo, na espécie, as instâncias ordinárias, após analisarem as


provas documentais e testemunhais produzidas, recusaram a incidência do
Código do Consumidor, por não haverem constatado a ocorrência de prática
abusiva ou situação de vulnerabilidade na relação contratual examinada.

Nesse contexto, mostra-se inviável o reexame do acervo fático-


probatório para eventualmente chegar-se a conclusão inversa, ante a
incidência do óbice da Súmula 7/STJ.

Por fim, pela alínea "c" também não prospera a inconformação,


pois a recorrente não demonstrou a similitude entre os julgados confrontados,
os quais, além de provenientes também de tribunais paulistas, tratam de
casos em que as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de
práticas contratuais abusivas, o que não sucede na espécie.

Pelo exposto, conheço do recurso especial para

negar-lhe provimento. É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo
em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, conheceu do recurso
especial e negou-lhe provimento , nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator.
Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e
Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
Banco não é responsável por cheque roubado

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO


BELLIZZE(RELATOR):

Controverte-se no presente recurso especial se a instituição


financeira responde, ou não, pelos prejuízos percebidos por comerciante, no
desenvolvimento de sua atividade empresarial, em decorrência do recebimento
de cheques, como forma de pagamento, que, ao serem apresentados para
desconto, foram devolvidos pelo Motivo n. 25 (cancelamento de talonário, no
caso dos autos, decorrente de roubo ), conforme Resolução n. 1.631/89 do
Banco Central.
Debate-se, outrossim, se, em tal circunstância, ao comerciante
poderia ser atribuído a qualidade de consumidor por equiparação, nos termos
do artigo 17 do CDC, respondendo o banco objetivamente pelos danos
alegados, em virtude do risco de sua atividade profissional.
De início, convém esclarecer que a hipótese tratada nos
presentes autos não se subsume àquela em que se discute a
responsabilidade da instituição financeira pelos prejuízos causados ao
correntista que, em virtude do extravio/roubo/furto do talonário a ele enviado,
tem numerário indevidamente debitado de sua conta e, inclusive, pela falta de
provisão de fundos, é inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, decorrente
da utilização por terceiros/estelionatários do cheque. Tampouco se refere à
situação em que o terceiro, a despeito de não possuir relação jurídica com a
instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque
falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir
daí, obtêm a liberação de empréstimos, utilização de cheques, cartões, etc.

Em tais circunstâncias fáticas, esta Corte de Justiça, por ocasião


do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, sob o rito do art. 543-C,
do CPC, firmou a tese de que "as instituições bancárias respondem
objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por
terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento
de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -,
porquanto ta responsabilidade decorre do risco do empreendimento,
caracterizando-se como fortuito interno".

Na espécie, diversamente, está-se a apurar a responsabilidade


da instituição financeira por prejuízos suportados por sociedade empresária
que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, ao aceitar
cheque (roubado/furtado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário,
como forma de pagamento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, pelo
Motivo n. 25 (cancelamento de talonário).

Nessa medida, reputou-se relevante submeter o presente recurso


especial à deliberação deste Colegiado, para bem divisar a questão acima
delineada daquelas que serviram de base para a formulação da tese firmada
no Recurso Especial n. 1.199.782/PR, que, conforme se demonstrará ao longo
do presente voto, não tem aplicação à hipótese dos autos.

A justificar, ainda, o enfrentamento da tese por este Órgão


fracionário, em pesquisa à jurisprudência desta Corte de Justiça, identificou-
se a existência de decisões monocráticas, em situação similar a tratada nos
autos (comerciante, objetivando a reparação dos prejuízos decorrentes do
recebimento de cheques devolvidos pela alínea 25), que, ante a aplicação do
enunciado n. 7 da Súmula do STJ (do que não se tece qualquer juízo de
valor, já que este óbice sumular relaciona-se diretamente com o modo
pelo qual as razões recursais são veiculadas pela parte), mantiveram o
desfecho conferido à causa na origem, com conclusões diversas.

Destaca-se, a título exemplificativo: Aresp 413.491/SP, Relator


Ministro João Otávio de Noronha, Dje 9/2/2015; Aresp 245.098/SP, Relatora
Ministra Maria Isabel Gallotti, Dje 11/3/2015; Aresp 200.058/SP, Relator Ministro
João Otávio de Noronha, Dje 24/3/24; Aresp 451.883/SP, Relatora Ministra
Nancy Andrighi, Dje 19/12/2013; e Ag 105.115, Relator Ministro Vasco Della
Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS).
Delineada a controvérsia e feito tais esclarecimentos, tem-se não
se afigurar adequado imputar à instituição financeira a responsabilidade pelos
prejuízos suportados por sociedade empresária que, no desenvolvimento
de sua atividade empresarial, ao aceitar cheque
(roubado/furtado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário como
forma de pagamento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, sob o Motivo n.
25 (cancelamento de talonário).

De plano, afasta-se peremptoriamente a pretendida aplicação do


Código de Defesa do Consumidor à espécie, a pretexto de à demandante,
Companhia Brasileira de Distribuição, ser atribuída a condição de
consumidora por equiparação, com esteio no artigo 17 da legislação
consumerista.
Preceitua o dispositivo legal sob comento, in verbis: “Para os
efeitos dessa Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do
evento”.
Efetivamente, a legislação consumerista estende a qualidade de
consumidor àquele que, a despeito de não integrar diretamente a relação de
consumo, sofre consequências negativas provenientes do acidente de
consumo.
Há que se proceder, todavia, a um responsável juízo de
ponderação, para que se possa identificar corretamente o terceiro a que a lei
equipara ao consumidor, conferindo-se-lhe, por conseguinte, as benesses da
legislação consumerista.
Para tanto, sem adentrar nas divergências doutrinárias quanto à
definição de consumidor (teoria maximalista x teoria finalista) e à
caracterização da pessoa jurídica como tal, especificamente em relação ao
requisito da vulnerabilidade, vale ponderar que as normas protetivas do CDC
têm por propósito minorar, senão extirpar, o inerente desequilíbrio existente
entre os protagonistas da relação de consumo.
Mesmo em relação aos consumidores por equiparação (arts. 2º,
parágrafo único, 17 e 29), que, pela própria definição, não integram a relação
consumerista, estar-se-ia, segundo parte da doutrina nacional, diante de uma
vulnerabilidade fática, a justificar a incidência do CDC. Destaca-se, nesse
sentido, o escólio de Cláudia Lima Marques, que, ao dispor sobre os agentes
equiparados a consumidores, de modo a superar, em seus dizeres, o status
de terceiro, afirma:

O ponto de partida desta extensão do campo de


aplicação do CDC é a observação de que muitas
pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto
sensu, podem ser atingidas ou prejudicadas pelas
atividades dos fornecedores no mercado. Estas
pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir
nas relações de consumo de outra forma, a ocupar
uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não
preenchendo as características de um consumidor
stricto sensu, a posição preponderante (Machposition)
do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas
pessoas sensibilizaram o legislador e, agora, os
aplicadores da lei. [...]
Mesmo não sendo destinatário final (fático ou
econômico) do produto ou serviço, pode o agente
econômico ou profissional liberal vir a ser beneficiado
pelas normas tutelares do CDC como
consumidor-equiparado. Isso porque, concentrado
talvez nesta vulnerabilidade fáticas, instituiu o legislador
brasileiro três normas de extensão do campo de
aplicação pessoal do CDC, três disposições legais
conceituando os agentes que considera equiparados a
consumidores (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29)
(Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de
Defesa do Consumidor - O novo regime das relações
contratuais. 5ª Edição. 2005. Editora Revista dos
Tribunais. p. 354-357)

Na espécie, não se antevê qualquer vulnerabilidade fática por


parte da Companhia Brasileira de Distribuição, que, no desenvolvimento de
sua atividade empresarial, tal como qualquer outro empresário, detém todas
as condições de aferir a idoneidade do cheque apresentado e, ao seu
exclusivo alvedrio, aceitá-lo, ou não, como forma de pagamento.

Ressalta-se, no ponto, que o comerciante, independente do


ramo de atividade desenvolvida, não é obrigado a aceitar o cheque
apresentado por seu cliente como forma de pagamento, devendo, caso
assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as cautelas e
diligências destinadas a aferir a idoneidade do título, assim como de seu
apresentante (e suposto emitente).

Não obstante, para além da existência ou não de


vulnerabilidade fática – requisito, é certo, que boa parte da doutrina reputa
irrelevante para efeito de definição de consumidor (inclusive) stricto sensu,
seja pessoa física ou jurídica (por todos, Zelmo Denari, in Código Brasileiro
de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores Do Anteprojeto. Volume
I. 10ª edição. 2011. Rio de Janeiro. Editora Renovar. p. 218-220) –, constata-
se que os prejuízos alegados pela recorrente não decorrem, como
desdobramento lógico e imediato, do defeito do serviço prestado pela
instituição financeira aos seus clientes (roubo de talonário, quando do
envio aos seus correntistas), não se podendo, pois, atribuir-lhe a
qualidade de consumidor por equiparação.

Como assinalado, interpretando-se o artigo 17 do CDC, reputa-


se consumidor por equiparação o terceiro, estranho à relação de consumo, que
experimenta prejuízos ocasionados diretamente pelo acidente de consumo.

Efetivamente, ainda que se afigure possível, segundo a doutrina


majoritária nacional, que pessoa jurídica e, mesmo, intermediários da cadeia
de consumo, venham a ser considerados vítimas de um acidente de consumo,
enquadrando-se, pois, na qualidade de onsumidor por equiparação (com
destaque, nesse sentido, da obra: Responsabilidade Civil no Código do
Consumidor, do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, 3ª edição. 2010.
Editora Saraiva. p. 228-230), é imprescindível, para tanto, que os danos
suportados possuam relação direta (e não meramente reflexa) de causalidade
com o acidente de consumo.

Nessa medida, eventuais danos suportados pela pessoa jurídica,


no estrito desenvolvimento de sua atividade empresarial, causados
diretamente por terceiros (falsários/estelionatários), não podem ser
atribuídos à instituição financeira que procedeu em conformidade com a Lei
n. 7.357/85 e com a Resolução n. 1.682/90 do Banco Central do Brasil,
regente à hipótese dos autos, sob pena de se admitir indevida
transferência dos riscos profissionais assumidos por cada qual.

Veja-se que a Lei de cheques (Lei n. 7.357/85), em seu art. 39,


parágrafo único, reputa ser indevido o pagamento/desconto de cheque falso,
falsificado ou alterado, pela instituição financeira, sob pena de sua
responsabilização perante o correntista (salvo a comprovação dolo ou culpa do
próprio correntista).

Pela pertinência, transcreve-se o dispositivo legal sob comento:

Art . 39 O sacado que paga cheque ‘’à ordem’’ é


obrigado a verificar a regularidade da série de
endossos, mas não a autenticidade das assinaturas dos
endossantes. A mesma obrigação incumbe ao banco
apresentante do cheque a câmara de compensação.
Parágrafo único. Ressalvada a responsabilidade
do apresentante, no caso da parte final deste
artigo, o banco sacado responde pelo pagamento
do cheque falso, falsificado ou alterado, salvo
dolo ou culpa do correntista, do endossante ou do
beneficiário, dos quais poderá o sacado, no todo ou
em parte, reaver a que pagou.

O dispositivo legal sob comento, portanto, não alberga a


interpretação pretendida pela parte recorrente, porquanto preceitua
expressamente a responsabilidade da instituição financeira perante o
correntista (e não ao comerciante que recebe o título como forma de
pagamento), por proceder justamente ao indevido desconto de cheque falso.

Com o mesmo norte, conforme inicialmente destacado no


presente voto, esta Corte de Justiça reputa ser objetiva a responsabilidade do
banco que procede ao

pagamento de cheque roubado/furtado/extraviado pelos prejuízos suportados


pelo correntista ou por terceiro que, a despeito de não possuir relação jurídica
com a instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral,
porque falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes,
e, partir daí, utilizam cheques.

Releva anotar, no ponto, que, tal como devidamente reconhecido


por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, sob o rito do
art. 543-C, a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos
quais resultam danos diretos aos correntistas ou a terceiros (equiparados ao
consumidor), consubstanciam fortuito interno, já que previsíveis e inerentes ao
risco da atividade bancária.

De modo algum se dissuade de tal orientação.

Todavia, in casu, o defeito do serviço prestado pela instituição


financeira (roubo por ocasião do envio do talonário aos clientes) foi
devidamente contornado mediante o cancelamento do talonário (sob o Motivo
n. 25, conforme Resolução n. 1.631/89 do Banco Central), a observância das
providências insertas na Resolução n. 1.682/90 do Banco Central do Brasil,
regente à hipótese dos autos, e, principalmente, o não pagamento/desconto
do cheque apresentado, impedindo-se, assim, que os correntistas ou terceiros
a eles equiparados, sofressem prejuízos ocasionados diretamente por aquele
(defeito do serviço). Desse modo, obstou-se a própria ocorrência do acidente
de consumo.
Nesse contexto, incoerente, senão antijurídico, impor à instituição
financeira que, em observância às normas de regência, procedeu ao
cancelamento e à devolução dos cheques, sob o motivo n. 25, responda, de
todo modo, agora, pelos prejuízos suportados por comerciante que, no
desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a
ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento.
Como assinalado, a aceitação de cheques como forma de
pagamento pelo comerciante não decorre de qualquer imposição legal,
devendo, caso assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as
cautelas e diligências destinadas a aferir a idoneidade do título, assim como de
seu apresentante (e suposto emitente).
No ponto, afigura-se relevante sopesar a argumentação
expendida pela recorrente, consistente na alegação de que tomou as
cautelas devidas, tais como a consulta aos órgãos de proteção ao crédito
(especificamente, o Serasa), não constando qualquer apontamento, o que
evidenciaria, a seu juízo, que a instituição financeira não informou o
cancelamento dos cheques a tais órgãos, como seria de rigor.

A tese, que guarda relevância para efeito de responsabilização


civil (mas sem a aplicação da legislação consumerista, ressalta-se), não
prospera, na específica hipótese dos autos.
Ressalta-se, em princípio, que a consulta ao Serasa, em si,
afigura-se absolutamente inócua para o efeito de se apurar se os cheques
apresentados teriam ou não alguma restrição, já que o mencionado órgão de
proteção ao crédito, diversamente, destina-se a concentrar informações sobre
a existência ou não de restrição ao crédito de pessoa física ou jurídica.
Segundo a Resolução n. 1.682 do Banco Central do Brasil,
regente à hipótese dos autos (e-STJ, fls 164-171), não havia qualquer
imposição às instituições financeiras para informar o cancelamento de
cheques ao mencionado serviço de proteção ao crédito. Inclusive, como
bem acentuado pelas instâncias ordinárias, a aludida resolução preceitua que
os bancos são responsáveis pela inclusão do correntista no cadastro de
emitentes de cheques sem fundos (CCF) nas devoluções pelos Motivos 12
a 14, tão somente.

Há que se deixar assente, porque relevante, que, a partir da


Resolução n. 3.972, de 28 de abril de 2011, do Banco Central do Brasil
(posterior aos fatos dos autos), impôs-se às instituições financeiras
mantenedoras de contas de depósito à vista, no prazo de doze meses
contados da publicação, o dever de disponibilizar informações aos
interessados sobre a ocorrência de cheque cancelado pela instituição
financeira sacada (arts. 9 e 10).

De todo modo, não há qualquer alegação, tampouco


demonstração, de que o banco demandado foi instado pela autora para
prestar informação acerca dos cheques a ela então apresentados, ou
que, provocado para tanto, recusou-se a presta-la ou a concedeu de
modo equivocado.

Assim, por todos aspectos que se analise a questão, não se


identifica conduta indevida do banco demandado, apta a ensejar sua
responsabilização civil.

Por fim, quanto à demonstração de dissenso jurisprudencial,


melhor sorte não assiste ao recorrente.
Apontou, para tanto, como acórdão paradigma, o Recurso
Especial n. 241.771/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, J.
27/8/2002, DJU 2/12/2002, que, com esteio na já então pacífica jurisprudência
desta Corte de Justiça, reconheceu a responsabilidade da instituição
financeira perante o correntista, que teve talonário de cheque furtado e
indevidamente pago pela instituição financeira. Como se constata, inexiste
similitude fática com a hipótese tratada nos presentes autos.
Em relação ao AgRg no Ag n. 938.452/SP, Relator Ministro Aldir
Passarinho Junior, DJ. 31/10/2007, também apontado como acórdão
paradigmático, não se pode deixar de reconhecer que a hipótese assemelha-
se com a presente, na medida em que um comerciante (a própria recorrente,
aliás) pretendia a responsabilidade do banco pelo não pagamento/desconto
do cheque devolvido sob o motivo n. 28 (cheque sustado ou revogado em
virtude de roubo, furto ou extravio). Nesse caso, de fato, reconheceu-se,
primeiro monocraticamente, e, após, em julgamento colegiado (no âmbito de
AgRg), a responsabilidade do banco, valendo-se, todavia, de precedentes
desta Corte de Justiça que se referiam à relação banco x correntista (Resp
302.653/MG e Resp 241.771/SP).
De todo modo, pelas razões delineadas ao longo do presente
voto, não se identifica a responsabilidade da instituição financeira pelos
prejuízos suportados por sociedade empresária, no estrito desenvovimento de
sua atividade empresarial.

Em conclusão, na esteira dos fundamentos expendidos, NEGO


PROVIMENTO ao presente recurso especial.
É o voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha
(Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva. Presidiu o julgamento o Sr.
Ministro João Otávio de Noronha.

Cheque sem fundos emitido por correntista

EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE
CHEQUE. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS. BANCO
SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE.
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEFEITO. INEXISTÊNCIA. ART.
17 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INAPLICABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados
Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação indenizatória promovida por beneficiário de cheque
emitido por empresa de factoring com o propósito de ver
responsabilizado civilmente apenas o banco sacado por prejuízos
materiais alegadamente suportados em virtude da devolução dos
referidos títulos por ausência de provisão de fundos.
3. Acórdão recorrido que, atribuindo ao beneficiário do cheque
devolvido a condição de consumidor por equiparação, reconheceu
a procedência do pedido inicial ao fundamento de que o banco
sacado não teria agido com suficiente cautela ao fornecer
quantidade excessiva de talonários para sua correntista.
4. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem material
eventualmente causados a terceiros beneficiários de cheques
emitidos por seus correntistas e devolvidos por falta de provisão
de fundos.
5. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou de
ser recente a relação havida entre o banco sacado e seu cliente,
emitente dos referidos títulos, não revela a ocorrência de defeito
na prestação dos serviços bancários e, consequentemente,
afasta a possibilidade de que, por tais motivos, seja o eventual
benefíciário das cártulas elevado à condição de consumidor por
equiparação. Inaplicáveis ao caso, portanto, as normas protetivas
do Código de Defesa do Consumidor.
6. Recurso especial provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA


(Relator):
O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência
do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos
nºs 2 e 3/STJ).
Prequestionada a matéria federal inserta nos dispositivos legais
apontados pelo banco recorrente como malferidos e preenchidos os demais
pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do apelo
nobre.
Cinge-se a controvérsia a definir se (i) a instituição financeira ora
recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda
indenizatória e (ii) se pode ser civilmente responsabilizada por prejuízos materiais
suportados por portadores de cheques sem provisão de fundos que foram
emitidos por uma de suas correntistas (a empresa de factoring THS
FOMENTOMERCANTIL LTDA.) em virtude de suposta falha na prestação do
serviço de fornecimento de talonários de cheques.

A partir das afirmações insertas na petição inicial e à luz da teoria


da asserção, revela-se inequívoco que o banco ora recorrente é, sim, parte legítima
para figurar no polo passivo da demanda indenizatória. O que não quer dizer, no
entanto, que está configurado seu dever de indenizar.

Isso porque, diferentemente do que concluiu a Corte de origem, não se


vislumbra, no caso, a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários
oferecidos pelo recorrente, o que por si só afasta a possibilidade de se emprestar
a terceiro - estranho à relação de consumo havida entre o banco e seus
correntistas - o tratamento de consumidores por equiparação (art. 17 do CDC).

Na hipótese vertente, existem duas relações jurídicas completamente


distintas, a primeira, de natureza consumerista, que se estabeleceu entre o banco
ora recorrente e sua cliente, e a segunda, de natureza civil/comercial,
estabelecida entre a cliente, na condição de emitente de cheque, e o autor da
presente demanda, beneficiário de tal título de crédito.

Nesse cenário, impõe-se esclarecer que ao receber cheque emitido


por um de seus correntistas para saque ou depósito, cumpre ao banco sacado, em um
primeiro momento, apenas aferir a existência de motivos para devolução da
referida ordem de pagamento (art. 6º da Resolução do BACEN 1.682/1990).

Verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao


saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco
devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12).

Desse modo, a prestação de serviços bancários, no tocante aos


terceiros portadores do título de crédito em questão, limita-se a essa rotina de
conferência e posterior pagamento ou eventual devolução.

Assim, inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não


há falar em defeito na prestação do serviço e, consequentemente, não se revela
plausível imputar ao banco prática de conduta ilícita ou a criação de risco social
inerente à atividade econômica por ele desenvolvida capaz de justificar sua
responsabilização pelos prejuízos materiais suportados por beneficiários dos
cheques resultantes única e exclusivamente da ausência de saldo em conta dos
emitentes suficiente para sua compensação.

O fato de a empresa emitente do cheque ser cliente do banco há


poucos meses ou mesmo de haver grande número de cheques em
circulação, não leva à conclusão de existência de irregularidade na abertura da
conta, no fornecimento dos talonários ou de qualquer outro defeito na prestação de
seus serviços, notadamente porque, no caso, a emitente é empresa que se
dedicava à atividade de fomento mercantil (factoring), que, como consabido, por
sua própria natureza, movimenta grande volume de recursos e,
consequentemente, utiliza-se de quantidade significativa de cheques, que são
emitidos como forma de dar garantia a seus investidores.

Em síntese, impõe-se reconhecer que não há, na hipótese vertente,


falha na prestação do serviço bancário e que a pretensão do ora recorrido, por tal
motivo, apesar de todo o esforço argumentativo expendido desde sua petição
inicial, está assentada no fato de ter sido surpreendido pela devolução de cheque
desprovido de fundos.

O prejuízo por ele sofrido, portanto, decorreu apenas da


conduta da empresa emitente, única responsável pelo efetivo pagamento
da dívida, não havendo nexo de causalidade direto e imediato a ligar tal
dano ao fornecimento de talonário pela instituição financeira.

Impõe-se anotar, ainda, que o Superior Tribunal de J ustiça vem


decidindo nesse mesmo sentido em todas as oportunidades que teve - e não foram
poucas - de se debruçar sobre a questão jurídica ora controvertida, merecendo
especial destaque o fato de que em quase todas essas oportunidades foram
apreciadas pretensões articuladas em condições idênticas às que deram ensejo à
presente demanda (ações indenizatórias promovidas em desfavor ora do próprio
BANCO SAFRA S.A., ora do BANCO BRADESCO S.A., por outros beneficiários
de cheques emitidos pela empresa THS FOMENTO MERCANTILLTDA.).

A propósito, vale mencionar que a controvérsia ora em apreço foi


dirimida com extrema precisão pela Quarta Turma desta Corte Superior no
julgamento do REsp nº 1.538.064/SC, que versava a respeito de ação idêntica à
presente (ajuizada por outros portadores de cheques emitidos pela própria THS
FOMENTO MERCANTIL LTDA.).

Na oportunidade, prevaleceu o bem lançado voto da Ministra


Gallotti, irrepreensível e perfeitamente aplicável ao caso em apreço, ora
transcrito na parte que interessa:

"(...) Assim delimitada a controvérsia, observo que


é pacífica a jurisprudência desta Corte que aplica o Código de
Defesa do Consumidor às relações entre instituições
financeiras e seus clientes. Isso, no entanto, não permite
estender a responsabilidade do banco para a relação entre
correntista e o beneficiário do cheque.
Para que sejam equiparadas a consumidor as
vítimas do evento, é preciso uma conduta que
se relacione a um dano suportado pelo
terceiro por um nexo direto de causalidade,
que, como será visto, não existe. A
responsabilidade objetiva, ínsita às relações de
consumo,
dispensa apenas a comprovação do elemento volitivo, mas
ainda é preciso identificar os demais requisitos da
responsabilidade civil. Ao receber um cheque para saque ou
depósito, é dever do banco conferir se está presente
algum dos motivos para devolução do cheque, conforme
previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN 1.682/90.
Caso o valor do título seja superior ao saldo ou
ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco
devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12).
Por isso, a prestação de serviços referente ao portador do
título de crédito se limita a este procedimento. Não
havendo nenhuma mácula nessa conferência, não há
defeito na prestação do serviço e, portanto, não cabe
imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à
atividade econômica que implique responsabilização por
fato do serviço. Por isso, não há a responsabilidade da
instituição financeira pelas atividades de seus correntistas na
utilização de cheques com má gestão de seus recursos
financeiros.
Os arts. 2º, 7º e 10 da Resolução n. 2.025/93 do
BACEN não têm o alcance que lhes emprestou a Corte de
origem, em seu esforço interpretativo. Esses dispositivos
apenas estabelecem regras para a elaboração da ficha-
proposta a ser preenchida pelo cliente e procedimento para
entrega de talonário de cheques, regras essas que não se
demonstrou terem sido descumpridas, seja no momento da
abertura da conta, seja quando fornecidos os específicos
cheques em questão nos presentes autos.
Em nenhum momento essas regras impõem o
ônus da fiscalização constante do saldo em conta, nem
transformam as instituições financeiras em garantes da
solvibilidade de seus clientes.
Não é jurídico, a partir de invocação do Código de
Defesa do Consumidor, alterar a regência de título de crédito,
disciplinado por lei própria, a saber, a Lei 7.357/85, a qual
claramente distingue as responsabilidades do emitente do
cheque e da instituição financeira sacada em relação ao
portador. A propósito, a lição de JOÃO EUNÁPIO BORGES:
'Como a letra de câmbio, é o cheque
título formal e abstrato, não se refletindo nele a
causa determinante de sua emissão - pagamento,
empréstimo, doação etc. E, na emissão e no
pagamento do cheque concorrem, permanecendo
inconfundíveis, duas séries de relações. As
relações entre emitente e beneficiário do cheque
e as que existem entre o emitente e o sacado.
Efetuando o pagamento do cheque, isto é,
cumprindo a ordem de seu emitente, o sacado
extingue simultaneamente as duas obrigações
que nele confluem: a sua para com o emitente e a
deste em relação ao tomador. Fique bem claro,
porém, que o sacado não se prende por nenhum
vínculo ao portador do cheque que ele pagará ou
deixará de pagar, tendo em vista exclusivamente a
sua relação pessoal com o emitente. E, do mesmo
modo que o portador de uma letra de câmbio nada
pode exigir, com base nela, do sacado que não
aceitou, o portador do cheque, em face da recusa
de seu pagamento, deverá voltar-se
imediatamente contra o emitente que é - ele e
não sacado - o seu devedor. É assim o emitente
o vértice comum, o ponto de convergência da
dupla relação emergente do cheque; é ele quem
responde perante o portador pelo pagamento do
cheque, justa ou injustamente recusado pelo
sacado; é a ele que responde o sacado pelo
imotivado descumprimento de sua ordem.
Nenhuma relação resultante do cheque existe
entre o portador e o sacado.'
- sublinhei. (in Títulos de Crédito, 2ª ed.7ª tiragem.
Rio de Janeiro: Forense, 1.977, p. 162).
Assim, o portador do cheque, diante da devolução por insuficiência de
fundos, deve voltar-se contra o emitente, não tendo título para cobrar o valor
respectivo da instituição financeira, apenas mudando o rótulo da ação para
responsabilidade civil baseada no Código de Defesa do Consumidor.
Elucidativa a doutrina de FÁBIO ULHOA COELHO:
'O sacado de um cheque não tem,
em nenhuma hipótese, qualquer obrigação
cambial. O credor do cheque não pode
responsabilizar o banco sacado pela
inexistência ou insuficiência de fundos
disponíveis. O sacado não garante o
pagamento do cheque, nem pode garanti-lo,
posto que a lei proíbe o aceite do título (art.
6º), bem como o endosso (art. 18,
§1º) e o aval de sua parte (art. 29). A instituição
financeira sacada só responde pelo
descumprimento de algum dever legal, como o
pagamento indevido de cheque, a falta de reserva
de numerário para a liquidação no prazo de
apresentação do cheque visado, o pagamento de
cheque cruzado diretamente ao portador não
cliente, o pagamento em dinheiro de cheque para
se levar em conta etc. Ou seja, o banco
responde por ato ilícito que venha a praticar,
mas não pode assumir qualquer obrigação
cambial referente a cheques sacados por seus
correntistas.' (in Manual de Direito Comercial,
26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.014, p 314/315).
Não se tratando de cheque administrativo ou
cheque visado, a partir do momento em que o cheque é
colocado à disposição do correntista não é possível fazer um
controle do valor de emissão do título. Com efeito, na forma do
disposto no art. 4º da Lei 7.387/85 'a existência de fundos
disponíveis é verificada no momento da apresentação do
cheque para pagamento'. É insustentável pensar que as
instituições bancárias só poderiam fornecer talonários aos
clientes com grande potencial de pagamento, presumindo a
falta de idoneidade dos correntistas.
A responsabilidade por verificar a capacidade de
pagamento do
cliente em relação a determinado valor é de quem contrata,
que deve se cercar dos meios necessários para saber se,
em caso de falta de provisão de fundos, terá como cobrar a
quantia por outras formas.
Além do mais, o credor pode se negar a receber
cheques, caso não que irá correr o risco da devolução por falta
de fundos. Ou até mesmo pode transferir o risco da falta de
pagamento a outra pessoa, com custo por esse serviço, como
nas taxas pela utilização do cartão de crédito, em que a
ausência de pagamento não é sentida pelo credor, ou no
deságio dos contratos de factoring, nos quais a ausência de
fundos é suportada pelo faturizador.
O título de crédito é apenas uma forma de facilitar
as relações comerciais posta à disposição daqueles que
contratam, mas não representa a criação de responsabilidade
solidária com o sacado, até porque a solidariedade no direito
brasileiro não se presume, já que depende de lei. No caso,
como visto, a pretendida solidariedade contraria a norma de
regência do título de crédito em
questão" (grifou-se).

O acórdão supramencionado recebeu a seguinte ementa:


"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS
MATERIAIS. CHEQUE DEVOLVIDO SEM PROVISÃO DE
FUNDOS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
CONSUMIDOR EQUIPARADO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir
se está presente algum dos motivos para devolução do cheque,
conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN
1.682/90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao
eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o
cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não havendo
mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do
serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa
do Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social
inerente à atividade econômica que implique responsabilização
por fato do serviço.
2. Na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387/85 'a existência
de fundos disponíveis é verificada no momento da
apresentação do cheque para pagamento'.
3. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento
é de quem contrata. Ademais, o credor pode se negar a receber
cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta
de fundos.
4. Recurso especial provido." (REsp nº 1.538.064/SC, Rel. Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
18/2/2016, Dje de 2/3/2016).

Na mesma esteira, oportuno apontar os seguintes precedentes, que


bem demonstram a uniformidade da jurisprudência de ambas as Turmas
integrantes da Segunda Seção a respeito do tema em debate:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE
CHEQUES. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS. BANCO
SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. DEFEITO
NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. ART. 17 DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INAPLICABILIDADE.
1. Ação indenizatória promovida por beneficiários de cheques
emitidos por empresa de factoring com o propósito de ver
responsabilizado civilmente apenas o banco sacado por
prejuízos materiais alegadamente suportados em virtude da
devolução dos referidos títulos por ausência de provisão de
fundos.
2. Acórdão recorrido que, atribuindo aos beneficiários dos
cheques devolvidos a condição de consumidores por
equiparação, reconheceu a procedência do pedido inicial sob
o fundamento de que o banco sacado não teria agido com
suficiente cautela ao fornecer quantidade excessiva de
talonários para sua correntista.
3. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem
material eventualmente causados a terceiros beneficiários de
cheques emitidos por seus correntistas e devolvidos por falta
de provisão de fundos.
4. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou
de ser recente a relação havida entre o banco sacado e seu
cliente, emitente dos referidos títulos, não revela a ocorrência
de defeito na prestação dos serviços bancários e,
consequentemente, afasta a possibilidade de que, por tais
motivos, seja o eventual benefíciário das cártulas elevado à
condição de consumidor por equiparação.Inaplicáveis ao caso,
portanto, as normas protetivas do Código de
Defesa do Consumidor.
5. Recurso especial provido." (REsp nº 1.508.977/SC, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
23/10/2018, DJe 27/11/2018).

"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES POR FALTA
DE FUNDOS.RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO CDC.
1 - O portador do cheque devolvido sem provisão de fundos
não pode ser equiparado a consumidor, também não pode a
instituição financeira ser responsabilizada pelo prejuízo
causado por essa prática se foi o próprio correntista quem
emitiu o cheque e não providenciou a necessária provisão.
Precedentes.
2 - Agravo interno no recurso especial não provido." (AgInt nos
EDcl no REsp nº 1.575.905/SC, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/5/2018, DJe de
28/5/2018).

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO


CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU
PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA.
INSURGÊNCIA DA AUTORA.
1. 'Ao receber um cheque para saque, é dever do banco
conferir se está presente algum dos motivos para devolução
do cheque, conforme previsto no artigo 6º da Resolução do
BACEN 1.682/90. Caso o valor do título seja superior ao
saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco
devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não
havendo mácula nessa conferência, não há defeito na
prestação do serviço e, portanto, não cabe, com base no
Código de Defesa do Consumidor, imputar ao banco conduta
ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que
implique responsabilização por fato do serviço' (REsp n.
1.538.064/SC, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 18/2/2016, DJe 2/3/2016).2.1 'A
jurisprudência das Turmas de Direito Privado desta Corte
firmou-se no sentido de que o portador do cheque, diante da
devolução por insuficiência de fundos, deve voltar-se contra o
emitente, não tendo título para cobrar o valor respectivo da
instituição financeira, apenas mudando o rótulo da ação para
responsabilidade civil baseada no Código de Defesa do
Consumidor' (AgInt no REsp n. 1.665.081/SC, Relator Ministro
MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/8/2017,
DJe 6/9/2017).2.2. Impositiva a manutenção da decisão
monocrática que excluiu a responsabilidade da casa
bancária.3. Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp nº
1.581.531/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA,
julgado em 13/3/2018, DJe de 23/3/2018).

"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO


NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EMISSÃO
DE CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS.
RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR.
AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.1. Consoante firme
jurisprudência desta Corte, a instituição bancária não é parte
legítima para figurar nas ações de indenização por danos
materiais suportados pelo portador de cheque sem provisão de
fundos de seus correntistas, afastando-se, por consequência, a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor, sendo o
emitente, o único responsável pelo pagamento da dívida na
hipótese.3. Agravo interno improvido." (AgInt nos EDcl no
REsp nº1.575.289/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/2/2018, DJe de
7/3/2018).
Merecem destaque, por fim, as dezenas de decisões monocráticas
que têm sido proferidas pelos Ministros integrantes da Segunda Seção esposando
orientação no mesmo sentido da ora externada, tais como: REsp nº 1.737.845/SC,
Relator o Ministro Moura Ribeiro, DJ de 14/9/2018; REsp nº 1.695.835/SC, Relatora
a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 10/10/2017; REsp nº 1.670.730/SC, Relator o
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 26/9/2018; AREsp nº 705.208/SC,
Relator o Ministro Marco Buzzi, DJ de 30/5/2018; REsp nº 1.540.745/SC, Relatora
a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJ de 11/5/2018; REsp nº 1.683.141/SC, Relator o
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ de 5/10/2017; REsp nº 1.673.249/SC, Relator o
Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJ de 19/6/2017; REsp nº 1.403.648/SC, Relator o
Ministro Luis Felipe Salomão, DJ de 6/4/2017; REsp nº 1.454.899/SC, Relator o
Ministro J oão Otávio de Noronha, DJ de 22/8/2016, e REsp nº 1.581.927/SC,
Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJ de 3/3/2016.
Assim, considerando, além dos fundamentos aqui apontados, (i) o
julgamento de dezenas de casos análogos por ambas as Turmas integrantes
da Segunda Seção; (ii) a inexistência de qualquer peculiaridade que demande a
adoção de solução distinta daquela alcançada nos precedentes referidos e (iii) a
função desta Corte Superior de uniformizar a jurisprudência nacional,
notadamente diante dos preceitos norteadores na nova ordem processual,
inclusive aquele segundo o qual "os tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente" (artigo 926 do CPC/2015),
vê-se que o recurso especial interposto por BANCO SAFRA S.A. merece
prosperar.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reformando o


acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido formulado na petição inicial.

Solução nesse sentido impõe que sejam invertidos os ônus


sucumbenciais, pelo que fica o autor da demanda, ora recorrido, condenado ao
pagamento das despesas processuais e da verba honorária advocatícia
sucumbencial, esta última arbitrada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), à luz do que
estabelecia o art. 20, § 4º, do CPC/1973.

É o voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a
seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com a ressalva da
Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro,
Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram
com o Sr. Ministro Relator.

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