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Equiparação de vítima de acidente a consumidor

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal consiste em determinar: (i) se é correta a


aplicação da legislação consumerista à hipótese dos autos, em que o recorrido
foi lesionado por garrafas quebradas de cerveja deixadas em via pública; e (ii)
se é possível a solidariedade entre a recorrente, fabricante de cervejas, e a
interessada, então sua distribuidora, responsável por deixar as garrafas
quebras em calçada pública.

I – Dos contornos fáticos da l i d e

Para o correto deslinde do presente julgamento, é necessário


levar em consideração o quadro fático delineado pela sentença e pelo acórdão
recorrido. A recorrente é fabricante de cervejas e outras bebidas, sendo a
sucessora da empresa PRIMO SCHINCARIOL INDÚSTRIA DE CERVEJAS E
REFRIGERANTES S/A.

Na hipótese, o recorrido sofreu danos decorrentes de sua queda


sobre garrafas de cerveja quebradas – produzidas pela recorrente – em via
pública. Ressalte-se que a queda foi resultado da ação de um caminhão-
baú não

identificado nos autos que circulava com uma das portas aberta, bem como
que asgarrafas quebradas já se encontravam sobre a calçada neste momento.

Os cacos de vidros espalhados na calçada foram o resultado de


outro acidente, ocorrido durante o transporte das cervejas pela então
distribuidora da recorrente VBIER COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE
BEBIDAS LTDA. Consta nos autos que, ao transportar os engradados, a
VBIER amarrou a carga no caminhão com cintas que não se encontravam em
estado adequado para seu uso de forma segura, que causou o tombamento e
quebra das garrafas, após uma curvaefetuada no trajeto. Por fim, ainda consta
que a VBIER, mesmo após a queda, deixou as garrafas quebradas em via
pública, onde o recorrido posteriormente se acidentou.

II – Da negativa de prestação jurisdicional

Inicialmente, constata-se que o acórdão recorrido não contém


omissão, contradição ou obscuridade. O TJ/RJ tratou suficientemente dos
temas necessários para a resolução da controvérsia, proferindo, a partir da
conjuntura então apresentada, a decisão que lhe pareceu mais coerente.

Embora tenha apreciado toda a matéria em discussão, tratou da


dos vários temas abordados no recurso de apelação sob viés diverso daquele
pretendido pelo recorrente, fato que não dá ensejo à interposição de embargos
dedeclaração. Dessa forma, o não acolhimento das teses contidas no recurso
não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe
apreciar a questão conforme o que entender relevante à lide.

Por outro lado, encontra-se pacificado no STJ o entendimento de


que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados objetivando o
prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar
qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Confiram-se os
precedentes: AgRg no Ag 680.045/MG, 5ª Turma, DJ de 03.10.2005; EDcl no
AgRg no REsp 647.747/RS, 4ª Turma, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS
11.038/DF, 1ª Seção, DJ de 12.02.2007.

Por essa razão, não se verifica a ofensa ao art. 535 do CPC/73.

III – Da aplicação do CDC

Feitos os contornos fáticos acima, o Tribunal de origem confirmou


sentença de 1º grau de jurisdição que compreendeu existir, nessas
circunstâncias, um acidente de consumo ou “fato do serviço”, nos termos do
art. 14 do CDC, como consta no acórdão do TJ/RJ, sendo o recorrido um
consumidor por equiparação, conforme o art. 17 do CDC.

Como é cediço, a legislação consumerista, para fins de tutela


contra acidente de consumo, amplia o conceito de consumidor para abranger
qualquer vítima, mesmo que nunca tenha contratado ou mantido qualquer
relação com o fornecedor. Conforme a doutrina sobre o assunto:
Protege-se não só o consumidor direto, aquele que adquiriu o
produto ou serviço, como ainda qualquer outra pessoa afetada
pelo bem de consumo. Aí se inclui até o bystander, ou seja, o mero
espectador que, casualmente, é atingido pelo defeito. (Antonio H.
Benjamin, Cláudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa.
Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 5ª ed., 2013,
p. 183)

Esta Terceira Turma, em julgamento do REsp 1125276/RJ (DJe


07/03/2012), já se manifestou no sentido de que “o art. 17 do CDC prevê a
figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do
CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de
consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação”.

A figura do consumidor por equiparação é utilizada pela


legislação
consumerista nas situações denominadas de fato do produto ou de fato do
serviço, ou ainda – como a doutrina prefere denominar – de acidentes de
consumo (BENJAMIN, MARQUES e BESSA. Op. cit.). Torna-se, assim,
imprescindível determinar se a situação descrita nos autos pode ser
configurada como um acidente de consumo ou, de acordo com o CDC, um fato
do serviço.

IV – Do acidente de consumo

Em suas razões, a recorrente pugna pela não configuração de


um fato do serviço, nos termos do art. 14 do CDC, pois suas atividades
industriais estão restritas à fabricação de bebidas e, prossegue o argumento,
por se tratar de dano advindo da prestação do serviço de transporte de
mercadorias, não haveria relaçãode consumo possível entre ela e o recorrido.

No entanto, diante do quadro fático narrado no acórdão recorrido,


não há como afastar a existência de um acidente do consumo e, assim, o
recorrido deve ser, por força do art. 17 do CDC, equiparado ao consumidor.

Isso porque o argumento apresentado pela recorrente não


prospera, pois se é certo que ela se dedica apenas à fabricação de cervejas e
outras bebidas, também é certo que o consumo dessas bebidas não ocorre
em suas fábricas, mas em bares, clubes, restaurantes e até mesmo nos lares
dos consumidores.

Para que isso ocorra, é absolutamente necessário que os


produtos feitos pela recorrente sejam transportados até o público consumidor
e todo esse movimento – fabricação e transporte – compõe um único
movimento econômico de consumo.

A partir dessas considerações, exsurge a figura da cadeia


de
fornecimento, cuja composição não necessita ser exclusivamente de produto
oude serviços, podendo ser verificada uma composição mista de ambos, dentro
de uma mesma atividade econômica. Na lição da doutrina consumerista:

A cadeia de fornecimento é um fenômeno econômico de


organização do modo de produção e distribuição, do modo de
fornecimento de serviços complexos, envolvendo grande número
de atores que unem esforços e atividades para uma finalidade
comum, qual seja a de poder oferecer no mercado produtos e
serviços para os consumidores. O consumidor muitas vezes não
visualiza a presença de vários fornecedores, diretos e indiretos,
na sua relação de consumo, não tem sequer consciência – no
caso dos serviços, principalmente – de que mantém relação
contratual com todos ou de que, em matéria de produto, pode
exigir informação e garantia diretamente daquele fabricante ou
produtor com o qual não mantém contrato. (...) O art. 3º do CDC
bem especifica que o sistema de proteção do consumidor
considera como fornecedores todos os que participam da cadeia
de fornecimento de produtos (nominados expressamente “toda
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos) e da cadeia de fornecimento de
serviços (o organizador da cadeia e os demais partícipes do
fornecimento direto e indireto, mencionados genericamente como
“toda pessoa física, jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de (...) prestação de serviços”), não
importando sua relação direta ou indireta, contratual ou
extracontratual com o consumidor.
(Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: RT, 8ª ed., 2016).

É irrelevante considerar, nesse quadro, qual a relação jurídica


entre a distribuidora VBIER e a recorrente KIRIN, pois estão todas incluídas
dentro de uma mesma cadeia de fornecimento.
Sobre este aspecto, inclusive, veja-se que o acidente ocasionado
pela interessada VBIER – que tombou as garrafas de cerveja em via pública –
ocorreu somente porque estava atendendo a pedido de cliente, quer dizer,
estava transportando a cerveja produzida pela recorrente até um ponto de
comercialização ao consumidor final.
Portanto, é inegável a existência, na hipótese dos autos, de
uma cadeia de fornecimento e, conforme jurisprudência deste
Tribunal, a responsabilidade de todos os integrantes da cadeia de
fornecimento é objetiva e solidária, nos termos dos arts. 7º,
parágrafo único, 20 e 25 do CDC (REsp 1.099.634/RJ, Terceira
Turma, DJe 15/10/2012).

Por fim, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se aplica


à hipótese, ademais, as razões do julgamento do REsp 1157859/RS (Terceira
Turma, DJe 14/11/2012), que deixou de reconhecer a solidariedade da própria
antecessora da recorrente (PRIMO SCHINCARIOL) por danos decorrentes de
acidente de trânsito, em que estava envolvido seu distribuidor, pois como
afirmado pelo Ministro relator para o acórdão, naquela oportunidade “não
gravita a discussão em torno da responsabilidade civil objetiva do fabricante
por defeitodo produto (art. 12 da Lei n° 8.078/95), pois a sujeição passiva da
recorrente, segundo o julgado recorrido, não se dá por relação de consumo”.

No recurso em julgamento, por sua vez, verifica-se uma cadeia


de fornecimento e, assim, impossível de afastar a legislação consumerista e a
correta equiparação do recorrido a consumidor, nos termos do art. 17 do CDC,
conforme julgado pelo Tribunal de origem.
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-
LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, II, do RISTJ.
Considerando que o recurso foi interposto na vigência do
CPC/73, mantêm-se os ônus sucumbenciais fixados pelo Tribunal de origem.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Atropelamento pode ser acidente de consumo

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.


RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGADO ACIDENTE DE
CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE
TRANSPORTE DE PESSOAS. ATROPELAMENTO.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO
CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. Demanda indenizatória ajuizada por pedestre
atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de
transporte depessoas.
2. Enquadramento do demandante atropelado por ônibus
coletivo, enquanto vítima de um acidente de consumo, no
conceito ampliado de consumidor estabelecido pela
regra do art. 17 do CDC ("bystander"), não sendo
necessário que os consumidores, usuários do serviço,
tenham sido conjuntamente vitimados.
3. A incidência do microssistema normativo do CDC exige
apenas a existência de uma relação de consumo sendo
prestada no momento do evento danoso contra terceiro
(bystander).
4. Afastamento da prescrição trienal do art. 206, §3º,
inciso V, do CCB, incidindo o prazo prescricional
quinquenal previsto no art. 27 do CDC.
5. Não implementado o lapso prescricional quinquenal,
determinação de retorno dos autos ao primeiro grau de
jurisdição para que lá se continue no exame da pretensão
indenizatória.
6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


(Relator):
Eminentes colegas. A polêmica central do presente recurso especial
situa-se em torno da incidência do microssistema normativo do CDC, e,
consequentemente, na aplicação do art. 27 do CDC, a prever prazo
prescricional quinquenal para o acidentes de consumo em relação a
terceiro, vítima de um atropelamento alegadamente causado pelo ônibus
da recorrida durante a prestação do serviço de transporte de pessoas.
Conforme o relatório constante na sentença, o recorrente ajuizou
ação de indenização contra a recorrida afirmando "que, no dia 03/08/2012,
por voltade 10h50min, na Rua Alfredo Backer, bairro Alcântara, foi vítima
de atropelamento provocado pelo auto-ônibus placa RJ/LLP 6537, de
propriedade da ré, causando-lhe lesões, tendo o motorista se evadido
do local sem prestar socorro, sendo certo que o fato se deu devido à
imprudência do preposto da ré, na condução do veículo, já que ao
manobrá-lo para sair do ponto de ônibus existente no local, atropelou o
autor, que exercia a sua função de gari, e se encontrava varrendo o
meio-fio."

O juízo sentenciante e o acórdão recorrido reconheceram prescrita a


pretensão indenizatória, tendo em vista a incidência do art. 206, §3º,
inciso V,do CCB, extinguindo o feito com resolução de mérito.
Suscitada a incidência do prazo prescricional quinquenal previsto no
art.
27 do CDC, estatuto cuja aplicação já havia sido alegada desde a petição
inicial, o acórdão recorrido não o reconheceu aplicável, pois não decorreria,
o atropelamento "de qualquer relação de consumo, ainda que indireta,
entre a vítima e a empresa proprietária do veículo atropelador ou seu
condutor" (fl.121 e-STJ).
Merece provimento o recurso especial.
Com efeito, mostra-se plenamente aplicável ao caso o microssistema
normativo do consumidor, instituído pela Lei 8078/90, em face do disposto
no art. 17 do CDC.
A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente
causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de
serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à relação
de consumo não afasta a sua condição de consumidor por equiparação,
senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC, que ampliou o
conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90.
O Código de Defesa do Consumidor, em nenhum dos seus
dispositivos exige que o consumidor, conjuntamente ao terceiro
considerado consumidorpor equiparação (bystander), seja vitimado pelo
acidente de consumo para quea extensão se verifique.
A análise rigorosa das cadeias contratuais de consumo, desde a
fabricação do produto, passando pela rede de distribuição, até chegar ao
consumidor final, mostra que, frequentemente, as vítimas ocasionais de
acidentes de consumo não têm qualquer tipo de vínculo efetivo com o
fornecedor.
No rigor da regra do artigo 2º, caput, do CDC, o bystander ficaria
forada proteção conferida pelo legislador, pois não é destinatário final do
bem ou serviço que lhe causou o dano.
Essas vítimas, porém, estão abrangidas por força da regra de
extensão do art. 17 do CDC, tendo legitimidade para acionar diretamente o
fornecedorresponsável pelos danos sofridos com base no CDC.

O dispositivo encerra o alcance de terceiros isoladamente (ou seja,


quando não vitimado também o objeto de proteção por excelência da Lei
8.078/90, o consumidor) e, inclusive, como já manifestei nesta Corte
Superior, a vítima profissional, que não se enquadra no conceito básico de
consumidor.
Os intermediários da cadeia de consumo, incluindo comerciantes,
atacadistas, varejistas, transportadores, assim como os terceiros alheios à
relação também podem ser vítimas de acidente de consumo.
Normalmente, essas pessoas não seriam consideradas consumidoras
para efeito de incidênciado CDC, pois não seriam destinatárias finais do
produto ou do serviço (art. 2ºdo CDC). Todavia, ainda que não sejam
destinatários finais, ficam equiparados ao consumidor, caso sejam vítimas
de um acidente de consumo.
O eminente Ministro Herman Benjamin, em seus Comentários ao
Código de Proteção do Consumidor, fornece exatamente o exemplo do
donode um supermercado que, ao inspecionar sua seção de enlatados,
sofre ferimentos pela explosão de uma lata com defeito de fabricação,
reconhecendo que ele pode pleitear, do mesmo modo que o consumidor
que está a seu lado, reparação pelos danos sofridos em decorrência do
produto defeituoso. (BENJAMIN, Antônio Hermen de Vasconcelos.
Comentários ao código deproteção do consumidor. São Paulo: Saraiva,
1991. p. 81).
Ainda sob a análise do art. 17 do CDC, é necessário repetir o
magistério de Antonio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e
Leonardo Roscoe Bessa (in Manual de Direito do Consumidor, 4ª ed. em
e-book, Ed. RT, 2017, Capítulo III, item 2, subitem c):
A proteção deste terceiro, bystander, que não é destinatário
final de produtos e serviços do art. 2.º do CDC, é
complementada pela disposição do art. 17 do CDC, que,
aplicando-se somente à seção de responsabilidade pelo
fato do produto e do serviço (arts. 12 a 16), dispõe: “Para
os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores
todas as vítimas do evento”.
Logo, basta ser “vítima” de um produto ou serviço para ser
privilegiado com a posição de consumidor legalmente
protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva
pelo fato do produto presentesno CDC – não é necessário
ser destinatário final, ser consumidor concreto, basta o
acidente de consumo oriundo deste defeito do produtoe do
serviço que causa o dano.
Em nada diverge a lição de Bruno Miragem, para quem:
(...) consideram-se consumidores equiparados todas as
vítimas de um acidente de consumo, não importando se
tenham ou não realizado ato de consumo (adquirido ou
utilizado produto ou serviço). Basta para ostentar tal
qualidade, que tenha sofrido danos decorrentes de um
acidente de consumo (fato do produto ou do serviço). Trata-
se da extensão para o terceiro (bystander) que tenha
sido vítima de um dano no mercado de consumo, e cuja
causa se atribua ao fornecedor,15 da qualidade de
consumidor, da proteção indicada pelo regime de
responsabilidade civil extracontratual do CDC.16

Assim, por exemplo, o transeunte que, passando pela


calçada é atingido pela explosão de um caminhão de gás
que realizava entregas, ou quemé ferido pelos estilhaços de
uma garrafa de refrigerante que explode em um
supermercado, mesmo não tendo uma relação de consumo
em sentido estrito com o fornecedor, equipara-se a
consumidor para efeitoda aplicação das normas do CDC.

A regra da equiparação do CDC parte do pressuposto que a


garantia dequalidade do fornecedor vincula-se ao produto
ou serviço oferecido. Neste sentido, prescinde do contrato,
de modo que o terceiro, consumidor equiparado, deve
apenas realizar a prova de que o dano sofrido decorre de
um defeito do produto.17 Esta proteção do terceiro foi
gradativamente reconhecida no direito norte-americano a
partir do conhecido caso MacPherson vs. Buick Co., na
década de 1930, pelo qual dispensou-se a prévia existência
de contrato para que fosseatribuída responsabilidade. Com
o avanço da jurisprudência norte-americana, a partir do
caso Hennigsen vs. Bloomfield foi então dispensada a regra
da quebra da garantia intrínseca, que ainda guardava uma
certa natureza contratual, adotando-se a partir daí a regra
da responsabilidade objetiva (strict liability products),18
decorrente do preceito geral de não causar danos.

A lição norte-americana inspirou o legislador do CDC. Assim


também ajurisprudência brasileira vem desenvolvendo
sensivelmente a abrangência desta definição legal,
permitindo, por exemplo, a tutelado direito de
moradores de área próxima à refinaria de petróleo que
venham a ser prejudicados pela poluição dela
proveniente,19 das vítimas que se encontram em solo,
no caso da queda de um avião,20 assim como o terceiro
que sofre acidente de trânsito causado por empresa
fornecedora de transporte.21 (in Curso de Direito do
Consumidor, 4ª ed. Em e-book, Ed. RT, 2016, Parte I, item
5, subitem 5.2.2.2)
É para ao CDC suficiente a existência de uma relação de consumo,
ou seja, que o produto seja fornecido e o serviço esteja sendo prestado
dentro do escopo do Código de Defesa do Consumidor, para que,
advindo daí um acidente de consumo a vitimar alguém, integrante ou não
da cadeia deconsumo, incidam os institutos protetivos do CDC.
Haverá hipótese em que o acidente ocorrerá em contexto em que o
transporte não seja de consumidores, na forma do art. 2º do CDC, e nem
seja prestado por fornecedor, na forma do art. 3º do CDC, como, por
exemplo, no transporte de empregados pelo empregador, o que,
certamente, afastaria a incidência do CDC, por inexistir, indubitavelmente,
uma relação disciplinada pelo CDC, uma relação de consumo.
No entanto, quando a relação é de consumo e o acidente ocorre no
seu contexto, desimporta o fato de o consumidor não ter sido vitimado para
que o terceiro por ele diretamente prejudicado seja considerado bystander.

Nesse sentido, é a jurisprudência desta Corte Superior:


CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REPARAÇÃO
CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONFLITO
INTERTEMPORAL. CC/16 E CC/02. ACIDENTE DE
TRÂNSITO ENVOLVENDO FORNECEDOR DE SERVIÇO
DE TRANSPORTE DE PESSOAS. TERCEIRO, ALHEIO À
RELAÇÃO DE CONSUMO, ENVOLVIDO NO ACIDENTE.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. DECISÃO OMISSA. INTUITO
PROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA.
1. Em relação à regra de transição do art. 2.028 do CC/02,
dois requisitos cumulativos devem estar presentes para
viabilizar a incidência do prazo prescricional do CC/16: i) o
prazo da lei anteriordeve ter sido reduzido pelo CC/02; e
ii) mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada
já deveria ter transcorrido no momento em que o CC/02
entrou em vigor. Precedentes.
2. Os novos prazos fixados pelo CC/02 e sujeitos à regra
de transiçãodo art. 2.028 devem ser contados a partir da sua
entrada em vigor, istoé, 11 de janeiro de 2003.
3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por
equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC
aqueles que, embora não tenham participado
diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de
evento danoso decorrente dessa relação.
4. Em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de
serviço de transporte, o terceiro vitimado em decorrência
dessa relação de consumo deve ser considerado
consumidor por equiparação. Excepciona-se essa regra
se, no momento do acidente, o fornecedor não estiver
prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relação de
consumo de onde se possa extrair, por equiparação, a
condição de consumidor do terceiro.
5. Tendo os embargos de declaração sido opostos
objetivando sanar omissão presente no julgado, não há
como reputá-los protelatórios, sendo incabível a
condenação do embargante na multa do art. 538, parágrafo
único, do CPC.6. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1125276/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe
07/03/2012)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL.


RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE CONSUMO.
EXPLOSÃO DE GARRAFA PERFURANDO O OLHO
ESQUERDO DO CONSUMIDOR. NEXO CAUSAL.
DEFEITO DO PRODUTO. ÔNUS DA PROVA.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RESTABELECIMENTO DA
SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1 - Comerciante atingido em seu olho esquerdo pelos
estilhaços de umagarrafa de cerveja, que estourou em suas
mãos quando a colocava em um freezer, causando graves
lesões.
2 - Enquadramento do comerciante, que é vítima de um
acidente de consumo, no conceito ampliado de
consumidor estabelecido pela regra do art. 17 do CDC
("bystander").
3 - Reconhecimento do nexo causal entre as lesões
sofridas pelo consumidor e o estouro da garrafa de cerveja.
4 - Ônus da prova da inexistência de defeito do produto
atribuído pelolegislador ao fabricante.
5 - Caracterização da violação à regra do inciso II do § 3º do
art. 12 doCDC.
6 - Recurso especial provido, julgando-se procedente a
demanda nos termos da sentença de primeiro grau. (REsp
1288008/MG, Rel.Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em
04/04/2013, DJe 11/04/2013)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.


PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE DE
AUTENTICAÇÃO. AFASTAMENTO DA SÚMULA N.
115/STJ. CIVIL E PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO.
DANOS MORAIS E MATERIAIS. RELAÇÃO DE
CONSUMO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO
ANALÍTICO. INÉPCIA DA INICIAL. INEXISTÊNCIA.
MANUTENÇÃO DA MULTA. ART. 538, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO CPC.
1. Em se tratando do agravo de instrumento disciplinado
nos artigos 522 e seguintes do CPC, é dispensável a
autenticação das peças que o instruem, tendo em vista
inexistir previsão legal que ampare tal formalismo.
2. Nos termos do que dispõe o art. 17 da Lei n. 8.078/90,
equipara-se àqualidade de consumidor para os efeitos
legais, àquele que, embora não tenha participado
diretamente da relação de consumo, sofre as
consequências do evento danoso decorrente do
defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca
lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica.
3. Caracterizada a relação de consumo, aplica-se ao caso
em apreço o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos
estabelecido no art. 27 da Lei n.8.078/90.
4. Respondem solidariamente todos aqueles que
contribuíram para a causa do dano.
5. Considerando que a petição inicial da ação de indenização
por danosmateriais e morais forneceu de modo suficiente
os elementos necessários ao estabelecimento da relação
jurídico-litigiosa, apresentando os fatos que permitem a
identificação da causa de pedir, do pedido e do
embasamento legal, correto o acórdão recorrido que
afastou a inépcia da exordial.
6. Em razão do manifesto caráter protelatório dos
embargos de declaração, a multa aplicada pela instância a
quo deve ser mantida.
7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp
1000329/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/2010,
DJe 19/08/2010)

Na espécie, incidem as normas consumeristas e, assim, a


prescriçãoquinquenal prevista no art. 27 do CDC.
Tendo em vista que a demanda fora ajuizada em 2016 em relação
a fato ocorrido em 03/08/2012, é de se afastar a prescrição,
impondo-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para
continuidade do exame da pretensão.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio
Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Queda de aeronave com danos a terceiros

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AÉREO.


PESSOA EM SUPERFÍCIE QUE ALEGA ABALO MORAL
EM RAZÃO DO CENÁRIOTRÁGICO. QUEDA DE AVIÃO
NAS CERCANIAS DE SUA RESIDÊNCIA. CONSUMIDOR
POR EQUIPARAÇÃO. ART. 17 DO CDC. PRAZO
PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL DE 1916.
INAPLICABILIDADE. CONFLITO ENTRE PRAZO
PREVISTO NO CÓDIGO BRASILEIRO DE
AERONÁUTICA (CBA) E NO CDC. PREVALÊNCIA
DESTE. PRESCRIÇÃO, TODAVIA, RECONHECIDA.
1. A Segunda Seção sufragou entendimento no sentido de
descaber a aplicação do prazo prescricional geral do Código
Civil de 1916 (art. 177),em substituição ao prazo específico do
Código de Defesa do Consumidor,para danos causados por
fato do serviço ou produto (art. 27), ainda que o deste seja
mais exíguo que o daquele (Resp 489.895/SP, Rel. Ministro
FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
10/3/2010).
2. As vítimas de acidentes aéreos localizadas em
superfície são consumidores por equiparação (bystanders),
devendo ser a elas estendidas as normas do Código de
Defesa do Consumidor relativas a danos por fato do serviço
(art. 17, CDC).
3. O conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o
Código Brasileiro de Aeronáutica - que é anterior à CF/88 e,
por isso mesmo, nãose harmoniza em diversos aspectos com
a diretriz constitucional protetivado consumidor -, deve ser
solucionado com prevalência daquele (CDC),porquanto é a
norma que melhor materializa as perspectivas do
constituinte no seu desígnio de conferir especial proteção
ao polohipossuficiente da relação consumerista. Precedente
do STF.
4. Recurso especial provido.

VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Rejeito, de saída, a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, pois


o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se
dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos
expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as
razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigívelque se reporte de
modo específico a determinados preceitos legais.

No particular, o próprio acórdão de apelação apreciou


explicitamente as tesesalusivas à aplicação do prazo prescricional contido no
Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), assim também aquele previsto no
Código de Defesa do Consumidor (CDC). Estando a matéria plenamente
debatida no acórdão embargado, dispensáveis se mostravam as digressões
acerca do tema ventiladas nos embargos de declaração opostos.
3. A matéria de fundo cinge-se a saber qual o prazo de prescrição
aplicável àpretensão daquele que alegadamente experimentou danos morais
em razão de acidente aéreo, ocorrido nas cercanias de sua residência.
O acórdão recorrido afastou a incidência do CDC e do CBA pelo
seguinte fundamento:

Não há que se falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois


aqui não há relação de consumo, tendo em vista que a autora não era usuária
dos serviços prestados pela empresa TAM.
No entanto, com razão a apelante, devendo ser afastada a prescrição.
A autora ajuizou ação de responsabilidade civil baseada no direito comum,
devendo ser aplicada a prescrição vintenária prevista no Código Civil de 1916
e não a Lei 7.565/86, que prevê indenização tarifada. A autora busca integral
reparação dos danos eventualmente causados, não pretendendo a utilização
de indenização tarifada (fl. 953).

3.1. Todavia, penso que assiste razão ao recorrente ao afirmar não


se aplicar oprazo geral prescricional do Código Civil de 1916, uma vez existirem
leis específicas a regularo caso.
No confronto entre a legislação específica e a geral, de regra, deve
prevaleceraquela, como decidiram a Segunda Seção e as Turmas de Direito
Privado em diversos precedentes, contendo situações análogas.
Refiro-me, por exemplo, à celeuma envolvendo o prazo
prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória em face das indústrias
do fumo, por alegados danos causados pelo hábito tabagista. Embora o prazo
prescricional previsto no CDC (cinco anos),para a hipótese de indenização pelo
fato do serviço ou do produto, fosse mais exíguo se comparado ao prazo geral
do Código Civil de 1916 (vinte anos), a Segunda Seção afastou a norma geral
para aplicar a especial, embora mais gravosa ao consumidor no particular
relativo à prescrição.

Nesse sentido, confira-se o precedente:


RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. FATO DO
PRODUTO. TABAGISMO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. CONHECIMENTO DO
DANO.
1. A pretensão do autor, apoiada na existência de vícios de
segurança, é de informação relativa ao consumo de
cigarros - responsabilidade por fato do produto.
2. A ação de responsabilidade por fato do produto
prescreve em cinco anos, consoante dispõe o art. 27 do
Código de Defesa do Consumidor.
3. O prazo prescricional começa a correr a partir do
conhecimento do dano.
4. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 489.895/SP, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 10/03/2010, DJe 23/04/2010)
Em voto-vista proferido no mencionado precedente, o Ministro
João Otávio deNoronha arrematou a questão da seguinte forma:
[...] as normas consumeristas somente têm aplicação no
âmbito do assim chamado "microssistema" de proteção do
consumidor. A integração, a esse microssistema, de normas
oriundas de outros conjuntos normativos (microssistemas
ou sistemas jurídicos) somente se dá, de ordinário, em
duas hipóteses: (i) quando a norma consumerista for
lacunosa; ou (ii) quando a norma consumerista
expressamente exigir a integração.

No mesmo sentido, são os seguintes acórdãos da e. Terceira


Turma: AgRg no REsp 1081784/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011; REsp
1036230/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe
12/08/2009.
Com efeito, na esteira do entendimento sufragado na Segunda
Seção, não seaplica ao caso o prazo prescricional geral previsto no Código Civil
de 1916.
3.2. Remanesce, porém, a controvérsia acerca de qual lei
específica disciplina o caso ora analisado, se o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) ou se o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA, Lei n.
7.565/86).
A bem da verdade, no caso ora em exame, tanto pelo prazo bienal
previsto noCBA, quanto pelo prazo quinquenal do CDC, a pretensão autoral está
mesmo prescrita, umavez que o acidente ocorreu em outubro de 1996 e a ação
só foi intentada em maio de 2003.
Insta, nessa esteira, a solução da questão, pois a causa propicia
ocasião para solução de celeuma recorrente no âmbito forense e
doutrinário, que é a antinomia existente entre os prazos de
prescrição previstos no CDC e o CBA, para a ação de
responsabilidade do transportador por danos causados em
acidentes aéreos.
De fato, a queda do avião Fokker 100, voo n. 402 da TAM,
ocorrida em 31.10.1996, é caso típico dos chamados acidentes de consumo,
dos quais, evidentemente, podem advir danos a terceiros não pertencentes
diretamente à relação consumerista estabelecida com o fornecedor, os
chamados consumidores por equiparação (bystanders), na dicção do CDC,
quando se refere a "todas as vítimas do evento" (art. 17).
Assim, tendo a autora alegadamente sofrido danos decorrentes
do fato do serviço prestado pela recorrente, enquadra-se aquela na condição
de consumidor por equiparação, conclusão chancelada por lição de abalizada
doutrina:
A Lei 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do
Consumidor, nasce como lei especial a tratar das relações
de consumo no mercado brasileiro, relações de consumo
contratuais e extracontratuais, as quais possuem como
elemento caracterizador a presença nos pólos ativo e
passivo de um fornecedor e um consumidor ou pessoa a
ele equiparada por lei.
Seu abrangente campo de aplicação é determinado pelos
arts. 2.°, 3º e 17, que definem de maneira ampla estes
sujeitos de direito: consumidor e fornecedor. A atividade de
prestar serviços de transporte, inclusive o transporte aéreo,
inclui-se facilmente no campo de aplicação ideal.
O transportador aéreo preenche todas as características
exigidas pelo art. 3.° do CDC para defini-lo como fornecedor
de serviços. Da mesma forma, a caracterização do
passageiro, contratante ou não, como consumidor é
determinada ora pela circunstância de ser ele o destinatário
final do serviço (art. 2.°, CDC), ora pela sua posição como
vitima do dano causado pelo fornecimento do serviço
(art. 17, CDC). Por força do art. 17 do CDC, todas as
vitimas são equiparadas a consumidores (MARQUES.
Cláudia Lima. A responsabilidade do transportador aéreo
pelo fato do serviço e o Código de Defesa do Consumidor:
antinomia entre norma do CDC e de leis especiais. in.
Revista de direito do consumidor. RDC 3/155. jul.-set./1992,
p. 607).

Não obstante o terceiro vítima de acidente aéreo e o


transportador serem, respectivamente, consumidor por equiparação e
fornecedor, o fato é que o CDC não é o único diploma a disciplinar a
responsabilidade do transportador por danos causados pelo serviço prestado.
O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) disciplina também o
transporte aéreo e confere especial atenção à responsabilidade civil do
transportador por dano, tanto a passageiros (arts. 256-259) quanto a terceiros
na superfície (arts. 268-272).
As divergências entre os dois diplomas são muitas, desde
indenização "tarifada" prevista no primeiro, contra a exigência de efetiva
reparação estabelecida no
segundo, a prazo prescricional de 2 (dois) anos previsto no primeiro, e de 5
(cinco) no segundo, ambos para a ação de reparação de danos causados por
fato do serviço.
Em síntese, os dois diplomas possuem campos de aplicação
parcialmente coincidentes, mas as normas alusivas à responsabilidade do
transportador - onde coincidem
- revelam-se antinômicas entre si, inclusive uma lei permitindo o que a outra
proíbe, circunstância a exigir a solução judicial de um conflito aparente entre
normas.
Adiante-se, de logo, que a doutrina tem visto alguma dificuldade
para solucionar o mencionado conflito pelo critério da especialização. Isso
porque o CDC e o CBA, a depender da ótica, comportam-se ora como normas
gerais, ora como especiais.
Poder-se-ia afirmar que o CBA disciplina a relação do
transportador perante todos os usuários do serviço, sejam consumidores ou
não - como ocorre nos contratos detransporte de mercadorias, que amiúde não
são regidos pelo CDC -, hipótese em que aquelese afirma como norma geral em
relação a este, que somente rege as relações propriamenteconsumeristas.

Por outra ótica, todavia, poder-se-ia afirmar que o CDC disciplina


todos os contratos estabelecidos entre consumidor e fornecedor - bem como
as consequências danosas causadas a terceiros -, e não somente o contrato de
transporte aéreo, hipótese em que o CDC se afirma como norma geral em
relação ao CBA, e a solução do conflito seria outra.

Não obstante isso, para além da utilização de métodos clássicos


para dirimirconflitos aparentes entre normas - como o da especialidade e o da
anterioridade -, busca-se a força normativa dada a cada norma pelo
ordenamento constitucional vigente, para afirmar-se que a aplicação de
determinada lei - e não de outra - ao caso concreto é a soluçãoque melhor realiza
as diretrizes insculpidas na Lei Fundamental.
Por essa ótica hierarquicamente superior aos métodos
hermenêuticos comuns,o conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o
Código Brasileiro de Aeronáutica - queé anterior à CF/88 e, por isso mesmo, não
se harmoniza em diversos aspectos com a diretriz constitucional protetiva do
consumidor -, deve ser solucionado com prevalência daquele (CDC),
porquanto é a norma que melhor materializa as perspectivas do constituinte no
seu desígnio de conferir especial proteção ao polo hipossuficiente da relação
consumerista.

Enquanto o CBA consubstancia-se como disciplina especial em


razão da modalidade do serviço prestado, o CDC é norma especial em razão
do sujeito tutelado, e, como não poderia deixar de ser, em um modelo
constitucional cujo valor orientador é a dignidade da pessoa humana,
prevalece o regime protetivo do indivíduo em detrimento do regime protetivo do
serviço (BENJAMIN, Antônio Herman V.. O transporte aéreo e o Código de Defesa
do Consumidor. in. Revista de direito do consumidor, n. 26, abril/julho, 1998,
EditoraRevista dos Tribunais, p. 41).
Na mesma linha, uma vez mais, é a lição de Cláudia Lima Marques:
A ordem constitucional serve como medida normativa do
sistema e, nesse sentido, suas normas e seus princípios
atuam como limitadores na aplicação das leis e não se
submete aos critérios normais que determinam a vigência
e a eficácia das leis no tempo. A ordem constitucional,
portanto, é o primeiro dos fatores e o hierarquicamente mais
forte a ser considerado pelo aplicador da lei. A
Constituição brasileira de 1988 estabeleceu corno princípio
e direito fundamental a proteção do consumidor e indicou a
elaboração, inclusive, de um Código de Defesa do
Consumidor, em suas disposições transitórias, tendo em
vista o baixo nivel de proteção assegurado pela legislação
então existente e a necessidade de renovar o sistema,
através de nova lei de função social (MARQUES, Cláudia
Lima. Op. cit. p. 634).
_________________________

Esse foi o entendimento adotado explicitamente pelo STF em


julgamento paradigmático sobre o tema, para o caso de atraso de voo
internacional:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS
MORAIS DECORRENTES DE ATRASO OCORRIDO EM
VOO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.
1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o
capítulo constitucional da atividade econômica.
2. Afastam-se as normas especiais do Código
Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia
quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio
aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do
Consumidor.
3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a
correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou
sobre a incidência, no caso concreto, de específicas
normas de consumo veiculadas em legislação especial
sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à
Constituição de República. 4. Recurso não conhecido.
(RE 351750, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a)
p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado
em 17/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-
09-2009 EMENT VOL-02375-03 PP-01081 RJSP v. 57, n.
384, 2009, p. 137-143)
_________________________

Ademais, a especial proteção concedida ao transportador pelo


CBA - como aslimitações e tarifações de indenização conferida a passageiros
e pessoas na superfície, somadas a exíguos prazos prescricionais -, está
ancorada em justificativas sociais e econômicas que não mais espelham a
realidade, tais como:
a) analogia com o Direito Marítimo; b) necessidade de
proteção a uma indústria essencialmente frágil e em
processo de afirmação de sua viabilidade econômica e
tecnológica; c) reconhecimento de que danos dessa
magnitude não devem ser suportados apenas pelas
companhias; d) indispensabilidade de contratação de
seguro, o que é dificultado pela inexistência de teto; e)
possibilidade dos próprios consumidores contratarem
seguro pessoal; f) compensação entre, de um lado, a
limitação e, do outro, o agravamento do regime de
responsabilização (inversão do ônus da prova de culpa ou
mesmo imputação objetiva); g) eliminação de complexos e
demorados processos judiciais; h) unificação do Direito,
quanto aos valores indenizatórios pagos (BENJAMIN,
Antônio Herman V.. O transporte aéreo e o Código de
Defesa do Consumidor. in. Revista de direito do
consumidor, n. 26, abril/julho, 1998, Editora Revista dos
Tribunais, pp. 37-38).

3. Assim, para o caso concreto, deve incidir o prazo prescricional


de 5 (cinco)anos para a ação de reparação de danos causados por fato do serviço
(art. 27, CDC).
Em situações análogas, como as de extravio de bagagem e
atraso em voos,mutatis mutandis, esse tem sido o entendimento do STJ para
afastar as regras da legislaçãoesparsa e de tratados internacionais:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE MERCADORIA.
TARIFAÇÃO AFASTADA. INCIDÊNCIA DAS NORMAS DO
CDC.
I. Pertinente a aplicação das normas do Código de Defesa
do Consumidor para afastar a antiga tarifação na
indenização por perda de mercadoria em transporte aéreo,
prevista na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro
de Aeronáutica.
[...]
(AgRg no Ag 520.732/SP, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
25/11/2003, DJ 09/02/2004, p. 188)
_________________________

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO.


EXTRAVIO DE BAGAGEM. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.
– Tratando-se de relação de consumo, prevalecem as
disposições do Código de Defesa do Consumidor em
relação à Convenção de Varsóvia e ao Código Brasileiro
de Aeronáutica. Precedentes da Segunda Seção do STJ.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 538.685/RO, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO,
QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2003, DJ 16/02/2004,
p. 269)
_________________________

Direito do Consumidor. Lei nº 8.078/90 e Lei nº 7565/86.


Relação de consumo. Incidência da primeira. Serviço de
entrega rápida. Entrega não efetuada no prazo contratado.
Dano material. Indenização não tarifada.
I – Não prevalecem as disposições do Código Brasileiro de
Aeronáutica que conflitem com o Código de Defesa do
Consumidor.
II – As disposições do Código de Defesa do Consumidor
incidem sobre a generalidade das relações de consumo,
inclusive as integradas por empresas aéreas.
III – Quando o fornecedor faz constar de oferta ou
mensagem publicitária a notável pontualidade e eficiência
de seus serviços de entrega, assume os eventuais riscos
de sua atividade, inclusive o chamado risco aéreo, com
cuja conseqüência não deve arcar o consumidor.
IV - Recurso especial não conhecido.
(REsp 196.031/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA
RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2001, DJ
11/06/2001, p. 199)
_________________________

CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO. TRANSPORTE AÉREO


DE PESSOAS. A reparação de danos resultantes da má
prestação do serviço pode ser pleiteada no prazo de cinco
anos. Recurso especial não conhecido.
(REsp 742.447/AL, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS, Rel. p/Acórdão Ministro ARI PARGENDLER,
TERCEIRA TURMA, julgado em20/03/2007, DJ
16/04/2007, p. 185)
_________________________

De qualquer modo, no caso em julgamento, a pretensão da autora


está mesmo fulminada pela prescrição, ainda que se aplique o Código de
Defesa do Consumidor em detrimento do Código Brasileiro de Aeronáutica.
É que os danos que a autora alega ter suportado ocorreram em
outubro de 1996, tendo sido a ação ajuizada somente em maio de 2003, depois
de escoado o prazo de 5(cinco) anos a que se refere o art. 27 do CDC.
4. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para,
reconhecendo aocorrência da prescrição, extinguir o processo com resolução
de mérito, nos termos do art.269, inciso IV, CPC.
A cargo da recorrida, custas processuais e honorários
advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais) com fundamento no art.
20, § 4º, CPC, observados, todavia, os benefícios conferidos pela Lei n.
1.060/50.
É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a
seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio
Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Responsabilidade da concessionária de rodovia

EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
ATROPELAMENTO FATAL. TRAVESSIA NA FAIXA DE
PEDESTRE. RODOVIA SOB CONCESSÃO.
CONSUMIDORA POR EQUIPARAÇÃO.
CONCESSIONÁRIA RODOVIÁRIA. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA EMRELAÇÃO A TERCEIROS USUÁRIOS E NÃO
USUÁRIOS DO SERVIÇO. ART. 37, § 6°, CF. VIA EM
MANUTENÇÃO. FALTA DE ILUMINAÇÃO ESINALIZAÇÃO
PRECÁRIA. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. DEFEITONA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADO. CULPA
EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INOCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil
se todas asquestões jurídicas relevantes para a solução da
controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada,
sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao
almejado pela parte.
2. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas
relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do
Código de Defesa do Consumidor e respondem
objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço.
Precedentes.
3. No caso, a autora é consumidora por equiparação em
relação ao defeito na prestação do serviço, nos termos
do art. 17 do Códigoconsumerista. Isso porque prevê o
dispositivo que "equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento", ou seja, estende o conceito de
consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido
consumidores diretos,acabam por sofrer as consequências
do acidente de consumo, sendo também chamados de
bystanders.
4. "A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público é objetiva
relativamente a terceiros usuários e não-usuários do
serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição
Federal" (RE 591874, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-
12-2009 PUBLIC 18-12-2009).
5. Na hipótese, a menor, filha da recorrente, faleceu ao
tentar atravessarna faixa de pedestre, em trecho da BR-040
sob concessão da ré, tendo a sentença reconhecido a
responsabilização da concessionária, uma vezque "o laudo
pericial da polícia judiciária bem apontou que o local do
atropelamento é 'desprovido de iluminação pública', 'com
sinalização vertical e horizontal precária devido à
manutenção da via', tendo se descurado de sua
responsabilidade na 'obrigação direta de manutenção da
rodovia'", admitindo a ré "a deficiência de seu serviço no
local, quando apressou-se depois e instalou passarela
destinada a pedestres naqueletrecho", além do fato de não
haver prova da culpa exclusiva da vítima. Caracterizado,
portanto, o nexo causal, dando azo a responsabilização
civil.
6. O fato exclusivo da vítima será relevante para fins de
interrupção do nexo causal quando o comportamento dela
representar o fato decisivo doevento, for a causa única do
sinistro ou, nos dizeres de Aguiar Dias, quando "sua
intervenção no evento é tão decisiva que deixa sem
relevância outros fatos culposos porventura intervenientes
no acontecimento"(Da responsabilidade civil, vol.II, 10ª.
edição. São Paulo:Forense, 1997, p. 946). Ocorre que, ao
que se depreende dos autos, a menor, juntamente com sua
avó, atravessaram a rodovia seguindo as regras insculpidas
pelo Código de Trânsito Nacional, isto é, na faixa destinada
para tanto.
7. Não se pode olvidar que, conforme a sentença, "a própria
ré admitiu a deficiência de seu serviço no local, quando
apressou-se depois e instalou passarela destinada a
pedestres naquele trecho, como mostrado nas fotos de fls.
299/303".
8. O direito de segurança do usuário está inserido no
serviço público concedido, havendo presunção de que a
concessionária assumiu todas as atividades e
responsabilidades inerentes ao seu mister.
9. Atento às peculiaridades do caso, em que a sentença
reconheceu a responsabilidade da concessionária, bem
como ao fato de se tratar de vítima de tenra idade,
circunstância que exaspera sobremaneira o sofrimento da
mãe, além da sólida capacidade financeira da empresa ré e
consentâneo ao escopo pedagógico que deve nortear a
condenação, considero razoável para a compensação do
sofrimento experimentado pela genitora o valor da
indenização de R$ 90.000,00 (noventa mil reais). Com
relação aos danos materiais, a pensão mensal devida deve
ser estimada em 2/3 do salário mínimo dos 14 aos 25 anos de
idade da vítimae, após, reduzida para 1/3, até a data em que
a falecida completaria 65anos.
10. Recurso especial parcialmente provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE


SALOMÃO (Relator):

2. Primeiramente não há falar em violação ao art. 535 do Código


de ProcessoCivil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao
litígio, afigurando-sedispensável que venha examinar uma a uma as alegações
e fundamentos expendidos pelaspartes.

Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões


jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo
específico a determinadospreceitos legais.
3. A questão principal ora em exame é saber se o atropelamento
que resultouna morte da pequena Ibiza, ocorrido em trecho da rodovia sob
administração da concessionária, pode acarretar responsabilidade da ré pelos
danos materiais e morais sofridos diante da má prestação do serviço.
O magistrado de piso reconheceu a responsabilidade da
empresa nos seguintes termos:
A materialidade do fato é induvidosa no processo, tendo em
vista o auto de exame cadavérico de fls. 32/33, não
havendo dúvida também de que a autoria do sinistro fora
praticada por um veículo desconhecido, que passou pelo
local em alta velocidade.
Mas como se trata de rodovia privatizada, administrada por
empresa concessionária mediante a cobrança de pedágio,
impõe-se no caso o reconhecimento da condição de
consumidora por equiparação à vítima, na forma do
estatuído nos arts. 2° e 17 do CPDC, especialmente por ser
a menor a vítima direta do evento danoso.
O laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o
local do atropelamento é "desprovido de iluminação
pública", "...com sinalização vertical e horizontal precária
devido à manutenção da via", sendo que aquele ponto da
rodovia apresentava, no dia, "...fluxo regular de trânsito
automotivo e de pedestres".
Como já decidido pelo STJ, as concessionárias de
serviços rodoviários estão subordinadas à disciplina do
CPDC, do que decorre em sua obrigação direta de
manutenção da rodovia. Portanto, se a ré descurou-sede
sua responsabilidade, ocasionando assim evento danoso
grave a terceiro, que é equiparado por lei ao próprio
consumidor, por ser ele a vítima do evento, não há dúvida
de que deve a ré arcar com as consequências patrimoniais
advindas do fato.
Repita-se que a responsabilidade da ré é objetiva, só se
eximindo assim de responsabilidade frente ao fato danoso
caso comprove culpa exclusiva da vítima, o que não
ocorreu na espécie. Aliás, a própria ré admitiu a
deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se
depois e instalou passarela destinada a pedestres naquele
trecho, como mostrado nas fotos de fls. 299/303.
A ré tinha e tem a obrigação de manutenção da rodovia
em boa condição de trafegabilidade para usuários e
terceiros indiretos, estes tambémalcançados, devido à sua
dependência da rodovia para deslocamento e/ou pela
proximidade de sua residência com a pista.
Assim, uma vez demonstrado o nexo causal entre o fato
lesivo e o dano, exsurge para a concessionária o dever de
indenizar o particular, mediante o restabelecimento do
patrimônio lesado, por meio da compensação pecuniária
compatível com o prejuízo. Se a vítima não deu causa ao
sinistro, configurada está a responsabilidade da ré.
(fls. 340/341)

O Tribunal de origem, contudo, entendeu pela exclusão da


responsabilidadepela ocorrência de culpa exclusiva da vítima, senão vejamos:
O atropelamento ocorreu em rodovia de intenso
trânsito, à noite, na BR-040, que liga o Rio de Janeiro a
Juiz de Fora e outras cidades mineiras. Às margens
da rodovia instalaram-se comunidades
formadas porpessoas humildes, que se utilizam do
transporte público para sair e chegaràs suas casas.
Ninguém melhor para descrever a situação da localidade
do que a ativa presidente da Associação comunitária de
uma das comunidades, Sra Zilda Damião de Freitas, cuja
dedicação e insistência resultou na construção de uma
necessária passarela, após os vários atropelamentos no
local, por determinação das autoridades públicas, sendo
certo que a Ré não estava obrigada a realizar essa obra, e
nem podia fazê-lo, sem autorização do órgão estatal,
conforme fls. 259.
Mire-se o depoimento da referida presidente da
associação, perante o Ministério Público Federal, fls. 34/35,
destacando o perigo constante na travessia de pedestres,
especialmente crianças, em afronta ao Art. 69 do Código
Brasileiro de Trânsito, cuja redação é a seguinte:
[...]
No local havia faixa de pedestres, e a travessia, sempre
perigosa, obrigava a observância de total cautela aos
pedestres, o que evidentemente não foi observado pela avó
das crianças e por elas próprias, que tentaram, em
condições absolutamente impróprias, cruzar, à noite, à
frente do veículo atropelador.
Pior ainda: as vítimas estavam em um ônibus, que
enguiçou, e deveriam aguardar a chegada de outro, que as
levaria, em segurança, até a sua comunidade, a qual ficava
à esquerda da rodovia, e o acesso por veículo necessitava
de um retorno à frente, como esclarece a Sra Zilda:
"...o ônibus Vila Rica passa do lado oposto da
comunidade, em direção a Pedro do Rio para fazer o
retorno e lá entrar na Comunidade, demorando mais
20 minutos nesse trajeto e por causa dessa demora
muitas pessoas preferem descer do ônibus no trajeto de
ida, para não ter que aguardar o retorno do ônibus e
atravessam a pista"
O depoimento em Juízo da Sra Zilda, arrolada pela parte
Autora, foi dispensado por esta, pelas razões expostas às
fls. 260.
Sem embargo da discussão nos autos sobre a relação de
consumo, parece-me evidente a culpa exclusiva das
vítimas, o que afasta aresponsabilização da Ré.
(fls. 416/418)

4. Nesse passo, é bem de ver que as concessionárias de serviços rodoviários, nas


suas relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do Código de
Defesa doConsumidor e respondem objetivamente pelos defeitos na prestação
do serviço.

Nesse sentido são os reiterados precedentes desta Corte:

Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em


razão de animal morto na pista. Relação de consumo.
1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas
suas relações com os usuários da estrada, estão
subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor,
pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão
é, exatamente, para que seja a concessionária
responsável pela manutenção da rodovia, assim, por
exemplo, manter a pista sem a presença de animais
mortos na estrada, zelando, portanto, para que os
usuários trafeguem em tranqüilidade e segurança.
Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há
mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser
aplicado o art. 101, do Código de Defesa do
Consumidor.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 467.883/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em
17/06/2003, DJ 01/09/2003, p. 281)
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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE


INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
CAUSADOS A VIATURA POLICIAL QUE TRAFEGAVA
EM RODOVIA MANTIDA POR CONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇO PÚBLICO. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
ATROPELAMENTO DE ANIMAL NA PISTA. RELAÇÃO
CONSUMERISTA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA
CONCESSIONÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES.
INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTE DE
RESPONSABILIZAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1067391/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe
17/06/2010)
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RELAÇÃO
COM O USUÁRIO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. REEXAME DE
PROVA. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas
suas relações com os usuários, respondem
objetivamente por qualquer defeito na prestação do
serviço e pela manutenção da rodovia em todos os
aspectos, o que inclui objetos deixados na pista.
Precedente.
[...]
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 933.520/RS, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29/09/2009,
DJe 19/10/2009)

No caso, a autora é consumidora por equiparação em relação ao


defeito na prestação do serviço, nos termos do art. 17 do código consumerista.

Isso porque prevê o dispositivo que "equiparam-se aos


consumidores todas as vítimas do evento", ou seja, estende o conceito de
consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos,
acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também
chamados de bystanders.

É a posição da doutrina:

No propósito de dar maior amplitude possível à


responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o art.
17 do Código equipara ao consumidor todas as vítimas do
acidente de consumo. Esse dispositivo não repete o
requisito da destinação final, informador do conceito geral
de consumidor, importando dizer que a definição do art.
2º é, aqui, ampliada, para estender a proteção do Código a
qualquer pessoa eventualmente atingida pelo acidente de
consumo, ainda que não tenha adquirido do fornecedor,
fabricante ou qualquer outro responsável. Não faz qualquer
sentido exigir que o fornecedor de produtos ou serviços
disponibilize no mercado de consumo produtos ou serviços
seguros apenas para o consumidor, não se importando com
terceiros que possam vir a sofrer danos pelo fato do
produto ou do serviço, dando a essas vítimas um
tratamento diferenciado, que se justifica, repita-se, pela
relevância social que atinge a prevenção e a reparação de
tais danos. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito
do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 262).

Portanto, caracterizando-se a autora como consumidora,


principalmente por ser a menor a vítima direta do evento danoso, há incidência
das normas protetivas do consumidor.

Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AÉREO.


PESSOA EM SUPERFÍCIE QUE ALEGA ABALO MORAL
EM RAZÃO DO CENÁRIO TRÁGICO. QUEDA DE AVIÃO
NAS CERCANIAS DE SUA RESIDÊNCIA. CONSUMIDOR
POR EQUIPARAÇÃO. ART. 17 DO CDC. PRAZO
PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL DE 1916.
INAPLICABILIDADE.
CONFLITO ENTRE PRAZO PREVISTO NO CÓDIGO
BRASILEIRO DE AERONÁUTICA (CBA) E NO CDC.
PREVALÊNCIA DESTE. PRESCRIÇÃO, TODAVIA,
RECONHECIDA.
1. A Segunda Seção sufragou entendimento no sentido de
descaber a aplicação do prazo prescricional geral do
Código Civil de 1916 (art.
177), em substituição ao prazo específico do Código de
Defesa do Consumidor, para danos causados por fato do
serviço ou produto (art.
27), ainda que o deste seja mais exíguo que o daquele
(Resp 489.895/SP, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/3/2010).
2. As vítimas de acidentes aéreos localizadas em
superfície são consumidores por equiparação
(bystanders), devendo ser a elas estendidas as
normas do Código de Defesa do Consumidor
relativas a danos por fato do serviço (art. 17, CDC).
3. O conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o
Código Brasileiro de Aeronáutica - que é anterior à CF/88
e, por isso mesmo, não se harmoniza em diversos
aspectos com a diretriz constitucional protetiva do
consumidor -, deve ser solucionado com prevalência
daquele (CDC), porquanto é a norma que melhor
materializa as perspectivas do constituinte no seu desígnio
de conferir especial proteção ao polo hipossuficiente da
relação consumerista. Precedente do STF.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1281090/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 15/03/2012)
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLOSÃO


DE LOJA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. INTERESSES
INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. LEGITIMIDADE ATIVA DA
PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA.
RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO.
VÍTIMAS DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A
CONSUMIDORES.
I – Procuradoria de assistência judiciária têm legitimidade
ativa para propor ação civil pública objetivando indenização
por danos materiais e morais decorrentes de explosão de
estabelecimento que explorava o comércio de fogos de
artifício e congêneres, porquanto, no que se refere à defesa
dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas,
a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da
legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e
incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso XXXII, da
Constituição Federal, ao dispor expressamente que
incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a defesa do
consumidor”.
II – Em consonância com o artigo 17 do Código de
Defesa do Consumidor, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas que, embora não
tendo participado diretamente da relação de
consumo, vem a sofrer as conseqüências do evento
danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o
fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de
qualidade por insegurança.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 181.580/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO,
TERCEIRA TURMA,
julgado em 09/12/2003, DJ 22/03/2004 p. 292)

5. Além disso, é sabido que a delegação recebida pela


concessionária que explora a rodovia, com a transferência da titularidade para a
prestação de serviços públicos àpessoa jurídica de direito privado, lastreia-se
na demonstração de sua capacidade para o desempenho da atividade
contratada, prestando-a em seu nome e por sua conta e risco, sendo
remunerada na exata medida da exploração do serviço.

Daí decorre a responsabilidade objetiva, não só advinda da relação


de consumoe do risco inerente à atividade, mas também em razão da previsão
constitucional insculpidano art. 37, § 6°, que prevê que "as pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de seviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável noscasos de
dolo ou culpa".

Aliás, a Corte Suprema sedimentou o entendimento, em sede de


repercussãogeral, de que a locução "terceiros" prevista no referido dispositivo
alcança usuários e não usuários do serviço público para fins de
responsabilização, verbis:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO


ESTADO. ART. 37,
§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO
PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO
DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A
TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO.
RECURSO DESPROVIDO. I - A
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público é objetiva
relativamente a terceiros usuários e não-usuários do
serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da
Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo
de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado
ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição
suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da
pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso
extraordinário desprovido.
(RE 591874, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC
18-12-2009)

Naquela oportunidade a Suprema Corte reconheceu a


legitimidade da companheira para ajuizar ação em face da concessionária de
transporte coletivo, cujo veículoatropelara fatalmente o homem com o qual ela
convivia.

6. Na hipótese, a menor, filha da recorrente, faleceu ao tentar


atravessar na faixa de pedestre, em trecho da BR-040 sob concessão da ré,
tendo a sentença reconhecidoa responsabilização da concessionária, uma vez
que "o laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o local do
atropelamento é 'desprovido de iluminação pública', 'com sinalizaçãovertical e
horizontal precária devido à manutenção da via', tendo se descurado de sua
responsabilidade na 'obrigação direta de manutenção da rodovia'", admitindo
a ré "a deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se depois e
instalou passarela destinada a pedestres naquele trecho", além do fato de não
haver prova da culpa exclusiva davítima.

Caracterizado, a meu ver, o nexo causal, dando azo a


Responsabilização civil.
De fato, verifica-se uma relação direta de causa e efeito entre a
atividade (eomissão) da concessionária e o dano ocorrido, isto é, a presente
responsabilidade decorre diretamente da violação do dever de conservação,
manutenção, sinalização e iluminação darodovia.
Isso porque "quem tem o bônus deve suportar o ônus. Aquele
que participa da Administração Pública, que presta serviços públicos,
usufruindo os benefícios dessa atividade, deve suportar os seus riscos, deve
responder em igualdade de condição com o Estado em nome de quem atua".
(CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 9.ed., São
Paulo: Atlas, 2010, p. 257).
Desde já destaco que a Terceira Turma reconheceu a
responsabilidade damesma concessionária - Concer - pela má sinalização
da rodovia em acidente que causou a morte do motorista. O julgado foi assim
ementado:
AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL-INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE
TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL - FALHA NA
SINALIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE DA
CONCESSIONÁRIACONFIGURADA -
SÚMULA 7/STJ - RESPONSABILIDADE OBJETIVA -
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO -
RECURSO IMPROVIDO (AgRg no AREsp 40635/MG,
Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 06/02/2012)

A toda evidência, a segurança é inerente ao serviço de


exploração da rodovia, tenha ou não placas de advertência, tenha ou não
iluminação, esteja ou não em obras para manutenção e conservação da
estrada sob concessão.
Com efeito,
A concessão por parte do Estado para a exploração e
manutenção das rodovias pressupõe que a concessionária
assuma todas as atividades inerentes a esse mister.
Dentre as cláusulas do contrato firmado encontra-se
previsão no sentido de que a contratada obriga-se a realizar
obras de ampliação, conservação e melhoria da rodovia em
todos os aspectos, como a camada asfáltica, sinalização,
iluminação, serviço de comunicação, filmagem, socorro
móvel, telefonia, telemetria, medidas de segurança,
defensas, faixas de delimitação de pistas, cercas
marginais, pontes, passarelas e outras.
(STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e
jurisprudência, tomo II. 9. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2013, p. 281)

Aliás, é o que estabelece o Código de Trânsito Brasileiro:


Art. 71. O órgão ou entidade com circunscrição sobre a via
manterá, obrigatoriamente, as faixas e passagens de
pedestres em boas condições de visibilidade, higiene,
segurança e sinalização.
Art. 80. Sempre que necessário, será colocada ao longo da
via, sinalização prevista neste Código e em legislação
complementar, destinada a condutores e pedestres,
vedada a utilização de qualquer outra.
§1° A sinalização será colocada em posição e condições
que a tornemperfeitamente visível e legível durante o dia e
a noite, em distância compatível com a segurança do
trânsito, vedada a utilização de qualquer outra.

Ao comentar o art. 71, a doutrina especializada assinala que:

A fixação de passagens e a pintura ou instalação de faixas


destinadas à travessia dos pedestres é critério técnico,
porém exclusivo do órgão administrador da via, que
determinará onde existirão, em que quantidade, quais
serão passagens simples e quais serão semaforizadas.
A partir da instalação, contudo, a responsabilidade do órgão
passa a ser definida por lei, cabendo ao responsável então
manter os locais onde se encontram em boas condições de
visibilidade, higiene, segurança e sinalização.
Tal determinação legal cria um nível de responsabilidade
objetiva elevado para o órgão com circunscrição sobre a
via, já que qualquer incidente que ocorra nessas áreas, se
derivado da falta de sinalização, pintura, higiene e mesmo
segurança, pode gerar a ele a responsabilidade de
indenizar.
Assim se revela a preocupação que o legislador teve com
a segurança dos pedestres quando da elaboração do
Código.
Nunca é demais lembrar que a regra aqui prevista é
aplicável tanto nasáreas urbanas quanto nas vias rurais
(passarelas, passagens etc.), e a responsabilidade é
sempre do órgão com circunscrição sobre a via.
(ALMEIDA SOBRINHO, José. Comentários ao código de
trânsito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 244).

Deveras, é pacífico no âmbito do STJ o entendimento de que as


concessionárias de serviços públicos concernentes a rodovias "respondem,
objetivamente, por qualquer defeito na prestação do serviço, pela
manutenção da rodovia em todosos aspectos, respondendo, inclusive, pelos
acidentes provocados pela presença de animais na pista". (REsp 647.710/RJ,
Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em20/06/2006, DJ
30/06/2006).

Aliás, esta Corte, por diversas vezes, reconheceu a


responsabilidade da delegatária de serviço público por acidentes causados em
razão da existência de animais napista, configurando defeito na prestação do
serviço.
À guisa de exemplo:
CIVIL E PROCESSUAL. ACIDENTE. RODOVIA. ANIMAIS
NA PISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
SEGURANÇA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
PRECEDENTES.
I - De acordo com os precedentes do STJ, as
concessionárias de serviços rodoviários estão
subordinadas à legislação consumerista.
II - A presença de animais na pista coloca em risco a
segurança dos usuários da rodovia, respondendo as
concessionárias pelo defeito na prestação do serviço
que lhes é outorgado pelo Poder Público concedente.
III- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 687.799/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe
30/11/2009)
--------------------------------------------------------------------------------
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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO
MATERIAL E MORAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
ATROPELAMENTO DE ANIMAL BOVINO NO MEIO DA
PISTA DE ROLAGEM EM RODOVIA CONSERVADA E
FISCALIZADA MEDIANTE CONCESSÃO. RELAÇÃO DE
CONSUMO. PRECEDENTE. ARTIGO 936 DO CÓDIGO
CIVIL. SÚMULA Nº 211/STJ. ARTIGO 269, INCISO X, DO
CÓDIGO DO TRÂNSITO BRASILEIRO. SÚMULA Nº
283/STF. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal
de Justiça preceitua que as concessionárias de
serviços rodoviários, nas suas relações com os
usuários, estão subordinadas à legislação
consumerista.
[...]
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 150.781/PR, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
06/08/2013, DJe 09/08/2013)
----------------------------------------------------------------------------
Esse entendimento é confirmado pela Suprema Corte:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DE CONCESSIONÁRIA
PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. FALHA DE
SEGURANÇA EM RODOVIA. REPARAÇÃO DE DANOS.
ART. 37, § 6º, DA
CF/88. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. O
Tribunal a quo, diante da análise do conjunto fático-
probatório da causa, concluiu pela responsabilidade
objetiva, porquanto comprovadas a falha na segurança
da pista e a causação de prejuízos ao autor,
evidenciando, portanto, o nexo causal a ensejar o
direito à reparação. Precedentes. 2. Incidência da
Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 37, §
6º, da Constituição Federal - responsabilidade objetiva da
concessionário de serviço público. 3. Pedido recursal
contido no agravo regimental não pode, por si só, alterar
aquele originariamente deduzido no recurso extraordinário.
4. Agravo regimental improvido.
(RE 557935 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG
04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010)
--------------------------------------------------------------------------------
--
EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE
TRÂNSITO. PRESENÇA DE OBJETOS NA PISTA POR
AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DACONCESSIONÁRIA DE
SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. VERIFICAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE E
CULPA ADMINISTRATIVA DEPENDENTE DA
REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA DELINEADA
NO ACÓRDÃO REGIONAL. DEBATE DE ÂMBITO
INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO
REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO
RECORRIDO PUBLICADO EM 23.3.2012. Divergir do
entendimento do acórdão recorrido quanto à
responsabilidade objetiva da concessionária de
serviço público, vez que presente o nexo causal -
evidenciado pela presença de objetos na pista, por
ausência de fiscalização contínua deixando de
cumprir bem seu dever de vigilância e manutenção
da rede viária -, que provocou o evento danoso,
acidente de trânsito que privou o ora agravado de
exercer suas atividades habituais gerando o direito
à indenização por dano moral, demandaria o
revolvimento da moldura fática delineado no acórdão de
origem, o que refoge à competência jurisdicional
extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal.
A alegada violação do art. 144, V, § 5º, da Constituição
Federal não foi arguida nas razões do recurso
extraordinário, sendo vedado ao agravante inovar no
agravo regimental. Agravo regimental conhecido e não
provido. (ARE 726663 AgR, Relator(a): Min. ROSA
WEBER, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 10-12-2013
PUBLIC 11-12-2013)

7. Nessa linha, destaca Rui Stoco que:


Tanto a Administração central como a indireta têm o dever
de manter os serviços que a lei lhes cometeu.
A conservação de estradas, por exemplo, era, em regra,
entregue à administração indireta do Estado, ou seja, às
autarquias, sociedades paraestatais ou empresas públicas,
como o DER (autarquia) e a DERSA (sociedade de
economia mista).
Atualmente essas concessões estão entregues a outras
empresas de natureza exclusivamente privada ("Nova
Dutra", "Ecovias", "Autoban", "Autovias", "Intervias", "CRT",
"Ponte", "Concer", "Concepa", "Ecosul", "CLN",
"Rodosol", "Caminhos do Paraná",
"Cataratas","Econorte", "Rodonorte", "Viapar",
"Brita" e tantas outras), às quais foram concedidos
trechos de rodovias estaduais ou federais para
exploração e conservação. A má conservação de vias e
logradouros públicos, estradas, pontes, viadutos,
passarelas e outros bens públicos e de uso comum do
povo empenham a responsabilidade do Estado ou desses
órgãos acima mencionados, quando haja relação direta
entre esse descaso e os danos que ocorram.
Uma ponte ou passarela mal conservada pode trazer
gravíssimas consequências aos usuários, razão pela qual
exige vigilância e manutenção constantes.
[...]
Desse modo, nada justifica que as vias de trânsito, de
acesso e seus complementos (pontes, túneis, viadutos,
alças de ligação, acessos etc.) desmereçam cuidados e se
mostrem deterioradas, mal conservadas e com defeitos.
Trata-se de comportamento omissivo grave da
Administração, que, em caso de dano pelo fato da coisa,
conduz à responsabilização do Poder Público. [...]
As concessionárias de serviços públicos, ainda que sejam
empresas privadas, desde que exercendo atividade
privativa do Estado, a ele se equiparam para efeito de
reparação, respondendo tal como o Poder Público
responderia, seja por culpa (faute du service), seja
objetivamente, como decorrência do preceito constante do
art. 37, § 6°, da CF/88.
(STOCO, Rui. Op.cit, p. 299)

7.1. Saliente-se, ainda, que a jurisprudência do STJ vem


reconhecendo a responsabilidade do Estado em situações similares, de modo
que seria conferir tratamento diferenciado à concessionária o fato de não
reconhecer sua responsabilidade, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DOESTADO. ACIDENTE DE
TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. BURACO NA
PISTA. MORTE DO MOTORISTA. VIOLAÇÃO DO ART.
535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA. OMISSÃO. OCORRÊNCIA DE CULPA.
DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO.
PROPORCIONALIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS DE
MORA. SÚMULA 54/STJ. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 284/STF.
1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal
de origem analisa adequada e suficientemente a
controvérsia objeto do recurso especial.
2. Na hipótese dos autos, restaram assentados no
acórdão os pressupostos da responsabilidade
subjetiva, inclusive a conduta culposa, traduzida na
negligência do Poder Público na conservação das
rodovias federais. O acolhimento da tese do recorrente,
de existirculpa exclusiva da vítima, demandaria a incursão
no conjunto fático-probatório dos autos, providência
obstada pela Súmula 7/STJ.
3. Manutenção do valor fixado nas instâncias ordinárias por
dano moral (R$ 100.000,00 - cem mil reais), por não se
revelar nem irrisório, nem exorbitante.
4. Tratando-se de reparação por danos morais, nas
hipóteses em que a responsabilidade é extracontratual, os
juros são devidos desde o evento danoso, na forma da
Súmula 54/STJ.
5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é possível a
cumulação de pensão previdenciária com outra de
natureza indenizatória.
6. Apresentadas alegações genéricas no que respeita à
fixação dos honorários advocatícios, aplica-se no ponto a
Súmula 284/STF.
7. Recurso especial conhecido em parte e não provido.
(REsp 1356978/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA,
julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013)
--------------------------------------------------------------------------------
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PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MÁ
CONSERVAÇÃO DE RODOVIAS ESTADUAIS.
ACIDENTE. FALECIMENTO DA VÍTIMA. REVISÃO DO
QUANTUM ARBITRADO PELA INSTÂNCIA A QUO.
SÚMULA 07. IMPOSSIBILIDADE IN CASU.
1. Ação de reparação de danos materiais e morais em
razão de acidente de veículo em decorrência da má
conservação de rodovia estadual.
[...]
8. In casu, o Departamento de Estradas de Rodagem do
Estado foi condenado ao pagamento de indenização ao
autor, a título de danos morais no valor de R$
75.000,00 (setenta e cinco mil reais), devido ao
falecimento da vítima em razão do acidente ocorrido
pela falta de conservação da via estadual.
[...]
11. Recursos especiais não conhecidos.
(REsp 1047986/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em03/03/2009, DJe 26/03/2009)
-----------------------------------------------------------------------------

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO


RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO. DANO MORAL.
MORTE. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA
DAS SÚMULAS282/STF E 211/STJ. NEXO
DE CAUSALIDADE RECONHECIDO PELOTRIBUNAL
DE ORIGEM. REVISÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO
E DA VERBA HONORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.
REEXAME DE MATÉRIAFÁTICO-
PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.
PRECEDENTES DO STJ.DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. NÃO-
COMPROVAÇÃO.DESPROVIMENTO DO AGRAVO
REGIMENTAL.
1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos
legais tidos como violados torna inadmissível o recurso
especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
2. O Tribunal de origem concluiu pela existência de
nexo de causalidade entre a morte do marido e filhos
da ora agravada e a omissão do ora agravante acerca
da manutenção da rodovia onde ocorreu o fato, o que
impede a análise da pretensão recursal que objetiva o
afastamento do nexo causal, pois exige, necessariamente,
o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado
ao Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso
especial, conforme a orientação da Súmula 7/STJ.
[...]
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 421.042/SC, Rel. Ministra DENISE
ARRUDA, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 20/04/2006, DJ 11/05/2006, p. 143)

É que, como adverte Cahali:


Desde que exigível a atuação estatal, seja na execução de
obras, seja na prestação de serviço, a conduta omissiva da
Administração na implantação das obras necessárias para
evitar o dano, ou na execução do serviço devido, autoriza
a responsabilidade civil do Estado pelo dano sofrido pelo
particular, identificada a sua causa naquela omissão das
obras ou dos serviços devidos; ainda que, para tanto,
tenham concorrido fatores estranhos, como fatos da
natureza, de terceiro ou do próprio ofendido, quando,
então, a conduta omissiva da Administração atuará como
simples concausa da verificação do evento danoso,
induzindo, daí, a proporcionalização da responsabilidade
indenizatória. [...]
A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias
e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres
jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis,
cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de
segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que
transitam pelas mesmas. A omissão no cumprimento desse
dever jurídico, quando razoavelmente exigível, e
identificada como causa do evento danoso sofrido pelo
particular, induz, em princípio, a responsabilidade
indenizatória do Estado.
E, por outro lado, é certo que o homem, em sociedade,
necessita de segurança, como condição de seu
desenvolvimento.
Essas noções fundamentais comportam ser estendidas às
funções ativas do Estado em sede de conservação e
fiscalização das vias públicas de circulação, cumprindo o
dever jurídico de proceder de forma a assegurar a
segurança e incolumidade pessoal e material de seus
usuários.
Daí a reiterada jurisprudência no sentido de reconhecer a
responsabilidade civil da Administração pelos acidentes de
trânsito que tenha como causa via pública mal conservada
ou não fiscalizada na sua manutenção.
[...]
Efetivamente, a falta de sinalização, ou mesmo a
sinalização deficiente, da existência de imperfeições nas
pistas de rolamento, vias e rodovias públicas (buracos,
valetas, depressões, escavações, saliências, pistas
derrapantes etc.) pode determinar a responsabilidade civil
do Estado pelos acidentes verificados em razão daquela.
A própria sinalização inadequada poderá representar causa
provocadora do evento danoso.
(CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 220-
231)

Nessa linha de intelecção, como as concessionárias,


permissionárias e autorizatárias de serviços públicos estão sujeitas a regime
similar ao da administração pública no tocante à responsabilidade civil, deve-se
aplicar as regras de hermenêutica jurídicasegundo as quais: Ubi eadem ratio ibi
idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e Ubi
eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser,deve
prevalecer a mesma razão de decidir).
7.2. Outrossim, não vejo como reconhecer a culpa exclusiva da
vítima paraafastar a responsabilização nos moldes conferidos pelo acórdão
recorrido, não havendo sequer culpa concorrente.
Deveras, analisando com bastante vagar o julgado, verifica-se
que ofundamento para a constatação da culpa exclusiva da vítima foi o fato de
existir um depoimento de líder comunitária prestado no Ministério Público, em
que foi enfatizado o constante perigo na travessia naquela rodovia, haja vista
que, para não aguardar o trajeto de retorno dos ônibus, que demora uns 20
minutos, os transeuntes desciam e atravessavam arodovia para ganhar tempo.
Daí concluiu o acórdão que a mera travessia da vítima à noite -
em hipótesebastante diferente da relatada no depoimento invocado, pois aqui o
ônibus estava quebrado -, sem a devida cautela, além do fato de não ter
aguardado dentro do ônibus a chegada de outro para resgatá-la, seriam
condições aptas, por si só, a afastar a responsabilização pela culpaexclusiva
da vítima.
Segundo a doutrina, o fato exclusivo da vítima será relevante
para fins de interrupção do nexo causal quando o comportamento dela
representar o fato decisivo do evento, for a causa única do sinistro ou, nos
dizeres de Aguiar Dias, quando "sua intervençãono evento é tão decisiva que
deixa sem relevância outros fatos culposos porventura intervenientes no
acontecimento" (Da responsabilidade civil, vol.II, 10ª. edição. São Paulo:
Forense, 1997, p. 946).
Ocorre que, ao que se depreende dos autos, a menor,
juntamente com sua avó, atravessaram a rodovia seguindo as regras
insculpidas pelo Código de Trânsito Nacional, isto é, na faixa destinada para
tanto.
Além disso, não se pode esquecer que a norma expressamente
adverte que os pedestres sempre terão prioridade de passagem, senão
vejamos:
Art. 69. Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará
precauções de segurança, levando em conta,
principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidades
dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a
ele destinadas sempre que estas existirem numa distância
de até cinquenta metros dele, observadas as seguintes
disposições: [...]

Art. 70. Os pedestres que estiverem atravessando a via


sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade
de passagem, exceto nos locais com sinalização
semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições
deste Código.

Nessa ordem de ideias, entendo que não há cogitar de culpa


exclusiva da vítima ou concorrência de causas - diante da moldura fática
produzida pelas instâncias ordinárias ereproduzida na sentença e no acórdão
-, haja vista que a conduta da menor, filha da recorrente, foi justamente dentro
dos ditames da lei, não sendo causa determinante do eventodanoso.
Aliás, em situação similar, já decidiu o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO DE
MANUTENÇÃO DE ESTRADA. DEVER DE INDENIZAR.
SÚMULA N.º 07 DO STJ.
1. Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais e
materiais contra Município em razão de acidente de
bicicleta causado por saliências existentes na pista em
face da omissão estatal na conservação da rodovia.
2. In casu, assentou o Tribunal de origem que não
se pode acolher a alegação de que o ciclista tinha
conhecimento dos percalços da via, sendo, portanto,
vitimado pela sua própria desatenção aoconduzir, de
forma imprudente, a sua bicicleta, à noite, por uma
descida acentuada e em alta velocidade, vez que,
como bem decidiu o eminente Juiz a quo às fls.
119/120, "Como já anotado, a velocidade
desenvolvida pelo ciclista, natural
em pista excessivamente inclinada - e não
pode ser considerada excessiva por falta de prova
cabal -, não concorreu para a causação do dano, e,
por isto, não pode ser conhecida a culpa
concorrente.E não há dúvida da existência do fato
danoso e das suas circunstâncias. A inicial veio
acompanhada da certidão de atendimento à vítima,
expedida pelo Corpo de Bombeiros. É irrelevante o fato
de ter sido expedida mais de três meses depois dos
acontecimentos. Além do que, o fato foi
testemunhado por mais de uma pessoa, e não há
motivo para negá-lo.Aforça probante dos
documentos de despesas de
tratamento médico-dentário não foi ilidida
durante a instrução. Assim, estão
satisfatoriamente comprovados os danos sofridos pelo
autor em razão dasmás condições de tráfego de ciclistas
no período noturno em via municipal. [...]
5. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no REsp 862.876/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA,
julgado em 13/11/2007, DJ 29/11/2007, p. 200)

Deveras, a travessia da vítima na faixa de pedestres, em uma via


em manutenção, mal sinalizada e precariamente iluminada, não concorreu
para o resultado, diferentemente da conduta da recorrida, concessionária, que
tinha o dever legal de bem prestar o serviço público concedido, pautando-se
pela segurança dos usuários e não usuários da rodovia, não havendo falar,
portanto, em concorrência adequada e direta para o evento, mas sim que a
conduta da pedestre foi causa inócua ou sem relevância direta para oevento
danoso.

Com efeito, como bem assevera a doutrina de Cavalieri, "não


basta que o fatotenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo.
É preciso, ainda, que o fatoconstitua, em abstrato, uma causa adequada do
dano". (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed.
São Paulo: Atlas, 2010, p. 49)

Esse também é o escólio de Aguiar Dias:


Consideramos em culpa quem teve não a last chance, mas
a melhor oportunidade, e não a utilizou. Isso é exatamente
uma consagração da causalidade adequada, porque,
se alguém tem a melhor oportunidade de evitar o
evento e não a aproveita, torna o fato do outro
protagonista irrelevante para a sua produção.
[...]
Em lugar de se apurar quem teve a última oportunidade
(como sustenta a teoria americana - the last clear chance),
o que se deve verificar é quem teve a melhor ou mais
eficiente, isto é, quem estava em melhores condições
de evitar o dano; de quem foi o ato que decisivamente
influiu para o dano. Isso, aliado à indagação da
idoneidade da culpa, na produção do dano, dará
critério seguro para a solução exata ao tormentoso
problema da concorrência de culpas ou concorrência
de atos produtores do dano.
(Op.cit., p. 695)

Nesse sentido, são os precedentes desta Corte:


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO.
TENTATIVA. NEGLIGÊNCIA. POSSIBILIDADE
CONCRETA. DEVER DE VIGILÂNCIA. DIREITO À
PROTEÇÃO DA VIDA PRÓPRIA E DE TERCEIROS.
NEXO CAUSAL. SÚMULA 7/STJ.
1. O nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de
suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à
possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas,
colocando em risco não apenas a sua própria existência,
mas a vida de terceiros.
2. Ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a
embriaguez afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado o
tratamento do alcoolismo, reconhecida patologia que
acarreta distúrbios psicológicos e mentais, podendo evoluir
para quadro grave, como a tentativa de suicídio.
Precedente: RMS 18.017/SP, DJ 02/05/2006.
[...]
8. A definição dos níveis de participação da vítima nem
sempre é muito clara, de modos que, na prática, têm-
se admitido a mesma como excludente apenas nos
casos de completa eliminação de conduta estatal.
Nos casos em que existam dúvidas sobre tal
inexistência, resolve-se pela responsabilização
exclusiva do Estado." (grifou-se) (Heleno Taveira Tôrres,
in "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado e a
Teoria do Risco Administrativo", Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126 - Senado Federal -
abril/junho - 1995, páginas 239/240)
9. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal
de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a
questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está
obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela
parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido
suficientes para embasar a decisão.
10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, desprovido. (REsp 1014520/DF, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ
FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe
01/07/2009)
------------------------------------------------------------------------

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCARGA ELÉTRICA.
AUSÊNCIA DE CORTE DAS ÁRVORES. CONTATO COM
OS FIOS DE ALTA TENSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE
RECONHECIDO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.
INOCORRÊNCIA.Em nenhum momento a decisão
agravada cogitou da falta de prequestionamento dos
artigos apontados como violados, ressentindo-se de
plausibilidade a alegação nesse sentido.
1. O ato ilícito praticado pela concessionária,
consubstanciado na ausência de corte das árvores
localizadas junto aos fios de alta tensão, possui a
capacidade em abstrato de causar danos aos
consumidores, restando configurado o nexo de
causalidade ainda que adotada a teoria da causalidade
adequada.
2. O acolhimento da tese de culpa exclusiva da vítima
só seria viável em contexto fático diverso do
analisado.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 682.599/RS, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES, QUARTA
TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ 14/11/2005, p. 334)

7.3. Não se pode olvidar que, conforme a sentença, "a própria ré


admitiu a deficiência de seu serviço no local, quando apressou-se depois e
instalou passarela destinada a pedestres naquele trecho, como mostrado nas
fotos de fls. 299/303".
Não prospera a alegação da recorrida de que não estaria obrigada
a realizar apassarela por falta de autorização contratual para tanto.
É que o direito de segurança do usuário está inserido no serviço
público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu
todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister.
Como bem adverte mais uma vez Rui Stoco:
Esta concessionária, no relacionamento com o poder
concedente, obriga-se à exploração, manutenção e
conservação da rodovia, nos termos do edital e dos limites
estabelecidos no contrato firmado, razão pela qual, não
cumprindo sua parte e inadimplindo a obrigação assumida,
poderá perder a concessão e, ainda, responder por perdas
e danos.
A questão, portanto, se insere na teoria dos contratos,
refugindo ao campo específico da responsabilidade civil.
Mas, tendo em vista o crescimento populacional e do
número de veículos em circulação, o adensamento de
algumas regiões e o crescimento populacional às margens
ou no entorno das rodovias, pode ocorrer de tais
circunstâncias exigirem o implemento de sistemas de
segurança e melhor trafegabilidade, não previstas no
contrato de concessão.
A indagação que se faz é se a concessionária pode, ainda
que não haja previsão contratual, realizar tais obras,
visando maior segurança, máxime em locais em que
recrudesce o número de acidentes. Seria ela responsável
perante os acidentados pelo só fato das obras e
considerada inadimplente ou ofensora da avença firmada
com o ente estatal?
A nós parece que a resposta é negativa.
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23.09.97)
dispõe que 'o trânsito, em condições seguras, é um direito
de todos e dever dos órgãos e entidades componentens do
Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito
das respectivas competências, adotar as medidas
destinadas a assegurar esse direito' (art. 1°, §2°).
Ademais, ganha força, de lege lata, a teoria da função
social dos contratos, ainda que se esteja no âmbito do
Direito Público.
Portanto, é obrigação primeira do Estado delegante
assegurar o direito à segurança e à vida de todos que
transitam em suas rodovias, ainda que concessionadas.
Havendo necessidade comprovada e indiscutível de
realização de determinada obra de segurança, sob pena de
alto risco aos usuários e terceiros, a omissão ou a inércia
da concessionária conduzirá à sua responsabilização e não
o contrário.
Tal providência não poderá ser considerada infração
contratual, cabendo a esta que realizou as obras
acrescidas ser ressarcida pelo poder concedente, desde
que justificadas.
Nenhuma das partes poderá, portanto, insurgir-se contra a
pretensão da outra de aditar o contrato de concessão para
nele incluir serviços necessários e fundamentais,
concernentes à segurança da rodovia e daqueles que nela
trafegam, revendo-se, se for o caso, o equilíbrio da
equação econômica que o acréscimo de melhoramentos
impuser.
(STOCO, Rui. Op. cit. p. 282)

Ademais, analisar os termos do contrato de concessão


demandaria o revolvimento das cláusulas contratuais, o que encontra óbice na
súmula 5 do STJ.
8. Quanto aos danos morais, o magistrado de piso arbitrou-os em
R$ 90.000,00 (noventa mil reais), em harmonia com os precedentes desta
Corte.
Em casos semelhantes, em que os pais pleiteiam indenização em
decorrência da morte de filho menor, este Tribunal tem fixado o valor em um
patamar de até 500 saláriosmínimos.
Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:
AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL -
FALECIMENTO DE PACIENTE APÓS QUEDA SOFRIDA
NAS DEPENDÊNCIAS DO HOSPITAL - TRAUMATISMO
CRANIANO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
NOSOCÔMIO - FORTUITO INTERNO RELATIVO À
HOSPEDAGEM DA VÍTIMA - DANOS MORAIS - FIXAÇÃO
- RAZOABILIDADE - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ -
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.
1.- Ultrapassar os fundamentos do Acórdão e acolher a
tese sustentada pela Agravante, afastando a culpa do
corpo clínico do Agravante reconhecida pelo Tribunal a
quo, demandaria inevitavelmente, o reexame de provas,
incidindo, à espécie, o óbice da Súmula 7 desta Corte.
2.- A intervenção do STJ, Corte de caráter nacional,
destinada a firmar interpretação geral do Direito Federal
para todo o país e não para a revisão de questões de
interesse individual, no caso de questionamento do valor
fixado para o dano moral, somente é admissível quando o
valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo
grau de jurisdição, se mostre teratólogico, por irrisório ou
abusivo.
3.- Inocorrência de teratologia no caso concreto, em
que, em razão de má prestação de serviço hospitalar
que ocasionou o falecimento do filho e genitor das
Agravadas, foi fixado o valor de indenização de R$
70.000,00 (setenta mil reais) devido pela ora
Agravante ao autor, a título de danos morais.
4.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 292.607/MT, Rel. Ministro SIDNEI
BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe
02/05/2013)

No mesmo sentido são os seguintes precedentes: REsp


745.710/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Rel. p/ Acórdão Ministro
JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA - 500 salários mínimos; REsp
714.869/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA,QUARTA TURMA - R$
175.000,00, equivalente a 500 salários mínimos da época; REsp 703.878/SP,
Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA - R$ 150.000,00,
equivalente a 500 salários mínimos da época.

Atento às peculiaridades do caso, em que a sentença


reconheceu a responsabilidade da concessionária, bem como ao fato de se
tratar de vítima de tenra idade, circunstância que exaspera sobremaneira o
sofrimento da mãe, além da sólida capacidade financeira da empresa ré e
consentâneo ao escopo pedagógico que deve nortear a condenação,
considero razoável para a compensação do sofrimento experimentado pela
genitora o valor da indenização de R$ 90.000,00 (noventa mil).

Com efeito, o valor relativo à indenização por danos morais deve ser
mantido.
9. No tocante aos danos materiais, a sentença arbitrou-os em
forma de pensionamento "no montante de um salário mínimo mensal, verba essa
que terá como termoa quo a idade de 14 anos da vítima, e como termo ad quem
a idade de 70 anos, devendo a réincluir a autora em sua folha de pagamento".
Contudo, é pacífico no STJ o entendimento de que, como regra,
a pensão mensal devida aos pais, pela morte de filho, deve ser estimada em 2/3
do salário mínimo atéos 25 anos de idade da vítima e, após, reduzida para 1/3,
haja vista a presunção de que aquele constituiria seu próprio núcleo familiar,
até a data em que o de cujus completaria 65anos.
À guisa de exemplo:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRABALHO. CULPA DO EMPREGADOR.
DESVIO DE FUNÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS
CONFIGURADOS. ANÁLISE DOS ELEMENTOS FÁTICO-
PROBATÓRIOS DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
LIMITE TEMPORAL DO PENSIONAMENTO.
[...]
4. O STJ sedimentou o entendimento de que, como
regra, a pensão mensal devida aos pais, pela morte do
filho, deve ser estimada em 2/3 do salário mínimo até
os 25 anos de idade da vítima e, após, reduzida para
1/3, haja vista a presunção de que o empregado
constituiria seu próprio núcleo familiar, até a data em
que o de cujus completaria 65 anos. Precedentes.
5. Agravo regimental parcialmente provido.
(AgRg no Ag 1132842/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe
20/06/2012)

10. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso


especial para julgar procedente o pedido indenizatório deduzido na inicial,
arbitrando os danos morais em R$ 90.000,00 (noventa mil reais).
Com relação aos danos materiais, a pensão mensal devida deve
ser estimadaem 2/3 do salário mínimo dos 14 aos 25 anos de idade da vítima
e, após, reduzida para 1/3,até a data em que a falecida completaria 65 anos.
Os valores estabelecidos deverão ser atualizados
monetariamente a contar desta data, contados os juros da citação. Mantidos
os ônus sucumbenciais fixados na sentença.
É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a
seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido
o Ministro Marco Buzzi, que negava provimento ao recurso. Os Srs.
Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio
Carlos
Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dano ambiental e prejuízo para a pesca


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA


(Relator):
A agravante não trouxe nenhum argumento capaz de afastar
os termos da decisão agravada, razão pela qual deve ser
mantida por seus próprios fundamentos (e-STJ fls. 20/22):
"Trata-se de conflito negativo de competência em que é
suscitante o JUÍZO DE DIREITO DA 19ª VARA CÍVEL DO
RIO DE JANEIRO – RJ e suscitado o JUÍZO DE
DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE ITAPEMIRIM – ES, nos autos
da ação reparatória ajuizada pelos PESCADORES
ARTESANAIS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
contra CHEVRON BRASIL, envolvendo danos ambientais.
O suscitado declinou de sua competência para a Justiça do
Rio de Janeiro, aduzindo, em resumo, que, "a ação de
reparação de dano tem por foro o lugar onde ocorreu o ato
ou o fato" (e-STJ fl. 13).
O suscitante, por sua vez, considerou, em síntese, que os
autores equiparam-se a consumidores, podendo interpor a
ação no foro de seus domicílios, nos termo do art. 101, I, do
CDC (e-STJ fls. 2/5).
Parecer do Ministério Público Federal pela competência do
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE ITAPEMIRIM –
ES, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 15):
'CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL
QUE ATINGIU OS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO
E DO ESPÍRITO SANTO. REPARAÇÃO DO DANO.
PESCADORES ARTESANAIS. COMPETÊNCIA DO
LOCAL EM QUE O ACIDENTE PRODUZ SEUS
EFEITOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1. O juízo competente para conhecer e apreciar ação
de reparação do dano é o do local em que emergem
os danos suscitados na pretensão inicial, ainda que a
respectiva causa primária tenha ocorrido em lugar
diverso.
2. Na espécie, o dano para os autores – pescadores
artesanais – materializou-se no lugar em que
exerciam a atividade da pesca, ou seja, o do foro em
que a ação foi ajuizada. Art. 100, V, a, do Código de
Processo Civil.
3. Parecer pelo conhecimento do conflito, para que
seja declarada a competência do Juízo de Direito da
1ª Vara Cível de Itapemirim - para processar e julgar
a ação que deu origem ao presente feito.'

É o Relatório.
Decido.
Inicialmente, discute-se a competência para apreciar ação
indenizatória decorrente de suposto dano ambiental, ajuizada
por pescadores artesanais.
Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, definida em
caso semelhante ao dos autos, na presente hipótese, os
autores são equiparáveis a consumidores, configurando-se o
vazamento de petróleo como acidente de consumo, o qual,
supostamente, teria prejudicado a atividade pesqueira dos
interessados. Confira-se:
'CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE
REPARAÇÃO DE DANOS. DERRAMAMENTO DE
ÓLEO. PESCADORES ARTESANAIS
PREJUDICADOS. ACIDENTE DE CONSUMO.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. FORO.
DOMICÍLIO DOS AUTORES.
1. Trata-se de ação ordinária ajuizada por
pescadores artesanais visando a reparação de danos
materiais e morais decorrentes de dano ambiental.
2. Os autores foram vítimas de acidente de consumo,
visto que suas atividades pesqueiras foram
supostamente prejudicadas pelo derramamento de
óleo ocorrido no Estado do Rio de Janeiro. Aplica-se à
espécie o disposto no art. 17 do Código de Defesa do
Consumidor.
3. As regras consumeristas contidas no artigo 101, I,
da Lei n. 8.078/1990 devem incidir no caso, sendo
facultada ao consumidor a propositura da ação no foro
do seu domicílio.
4. Conflito conhecido para declarar competente o
Juízo de Direito da Vara Cível de Marataízes/(e-STJ
fl. ), o suscitado.'
(CC n. 143.204/RJ, Relator Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2016, pendente
de publicação).

Nesses termos, aplicam-se, in casu, as regras de


competência fixadas no art. 101, I, do Código de Defesa do
Consumidor, sendo permitido ao hipossuficiente ajuizar a ação
indenizatória no foro do seu domicílio.
Ademais, ainda nos termos do entendimento deste Superior
Tribunal, é 'competente para o julgamento da ação de
reparação de danos o foro do lugar onde ocorrido o fato, regra
especial prevista no artigo 100, inciso V, 'a', do Código de
Processo Civil que prevalece sobre a geral do artigo 94 do
mesmo diploma, não havendo distinguir, na hipótese, o ilícito
contratual do extracontratual' (CC n. 55.826/PR, Relator
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 11/10/2006, DJ 9/11/2006, p. 248.)
Nesse sentido, apesar de o acidente ter ocorrido no litoral do
Rio de Janeiro, seus reflexos danosos se estenderam para
outras localidades, entre as quais o território pesqueiro onde
os autores da ação laboravam, que deve ser considerado o
local do fato, para fins de incidência do art. 100, V, 'a', do
CPC/1973 (art. 53, IV, 'a', do CPC/2015).
Diante do exposto, CONHEÇO do presente conflito negativo
de competência para DECLARAR COMPETENTE o JUÍZO
DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE
ITAPEMIRIM –
ES, o suscitado.
Publique-se e
intimem-se."

Na presente hipótese, trata-se de ação indenizatória, por danos


morais e materiais, ajuizada por pescadores do Estado do Espírito Santo em
desfavor de CHEVRON BRASIL e TRANSOCEAN BRASIL LTDA., em função
de acidente ambiental ocorrido em 7/11/2011 em alto mar, no Campo do Frade,
costa norte do Estado do Rio de Janeiro.

Informa o Juízo suscitante que a interessada, TRANSOCEAN,


apresentou na origem exceção de incompetência, alegando que o foro
competente seria o local do ato ou fato, no caso, onde ocorreu o vazamento de
óleo, nos termos do art. 100, V, "a", do CPC (e-STJ fl. 2). Alegou ainda que
haveria conexão entre a ação dos pescadores capixabas e outras ajuizadas
contra as mesmas rés, envolvendo o referido derramamento.
Segundo o juízo suscitante, os excetuados, autores da ação
indenizatória, se manifestaram no sentido de que o derramamento de óleo se
espalhou e causou prejuízo à pesca dos Estados do Espírito Santo e de
São Paulo, e que a área de pesca dos requerentes não se encontra no
Município do Rio de Janeiro (e-STJ fl. 2).
O juízo suscitado acolheu a tese do excipiente, e remeteu os autos
à Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro (e-STJ fl. 3).
O juízo fluminense, contudo, suscitou o presente conflito,
afastando a tese de conexão, pois a controvérsia das demandas relacionadas
ao acidente ambiental dizem respeito apenas aos reflexos do dano natural,
com instrução limitada às especificidades de cada demandante. Argumentou
ainda que os pescadores supostamente prejudicados caracterizam-se como
consumidores por equiparação, o que atrai a incidência do art. 101 do CDC,
permitindo-lhes litigar no lugar do ato ou fato, do seu domicílio ou do
domicíliodos réus (e-STJ fl. 4).
Nesse sentido, aduziu também que "a competência definida em
razão da pessoa vulnerável é absoluta, não podendo nem seu próprio advogado
e nem o juízo contrariar o interesse da parte à luz das opções que a lei lhe
faculta" (e-STJ fl. 5).
A agravante argui, em síntese, que, na presente hipótese, discute-
se competência relativa, a qual não poderia ser reconhecida de ofício pelo
juízo, além de haver exceção de incompetência decidida definitivamente (e-STJ
fls. 81/83).
Entretanto, conforme explicado na decisão agravada e confirmado
pela Segunda Seção do STJ, em hipótese semelhante à dos autos, "os autores
foram vítimas de acidente de consumo, visto que suas atividades pesqueiras
foram supostamente prejudicadas pelo derramamento de óleo ocorrido no
Estado do Rio de Janeiro. Aplica-se à espécie o disposto no art. 17 do Código
de Defesa do Consumidor" (CC 143.204/RJ, Relator Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/4/2016, DJe 18/4/2016).
Nesse contexto, também segundo a jurisprudência desta Corte
Superior, havendo incidência das regras consumeristas, a competência é
absoluta, podendo ser conhecida de ofício pelo juízo. A propósito:
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO DO
CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO
REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO
AUTOMOTIVO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. DOMICÍLIO
DO CONSUMIDOR.
- Em se tratando de relação de consumo, a competência é
absoluta, razão pela qual pode ser conhecida até mesmo de
ofício e deve ser fixada no domicílio do consumidor.
- Agravo não provido."
(AgRg no CC 127.626/DF, Relatora Ministra NANCY
ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe
17/06/2013.)

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO.
CONFIGURAÇÃO. DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR.
COMPETÊNCIA ABSOLUTA. PRECEDENTES.
IMPROVIMENTO.
1. Claro no acórdão recorrido que se trata de relação de
consumo. Dessa forma, conforme jurisprudência recente
desta Corte, a competência é absoluta e deve ser fixada no
domicílio do consumidor.
2. Agravo regimental a que se nega provimento."
(AgRg no AREsp 687.562/DF, Relatora Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
19/5/2015, DJe 1/6/2015.)

Tratando-se de competência absoluta, fica afastada a


possibilidade de prorrogação, sobretudo quando tal prorrogabilidade for
desfavorável à parte mais frágil. Sobre o tema, confiram-se os seguintes
julgados:
"PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETENCIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER
FAMILIAR. ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO DA CRIANÇA E
DAQUELES QUE DETÉM SUA GUARDA. ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA
PERPETUATIO JURISDICTIONES X JUIZ IMEDIATO.
PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO NA HIPÓTESE
CONCRETA.
1. Conforme estabelece o art. 87 do CPC, a competência
determina-se no momento da propositura da ação e, em se
tratando de hipótese de competência relativa, não é possível
de ser modificada ex officio. Esse mencionado preceito de lei
institui, com a finalidade de proteger a parte, a regra da
estabilização da competência (perpetuatio jurisdictionis).
2. O princípio do juiz imediato vem estabelecido no art. 147, I
e II, do ECA, segundo o qual o foro competente para apreciar
e julgar as medidas, ações e procedimentos que tutelam
interesses, direitos e garantias positivados no ECA, é
determinado pelo lugar onde a criança ou o adolescente
exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e
comunitária.
3. Embora seja compreendido como regra de competência
territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta natureza de
competência absoluta, nomeadamente porque expressa
norma cogente que, em certa medida, não admite
prorrogação.
4. A jurisprudência do STJ, ao ser chamada a graduar a
aplicação subsidiária do art. 87 do CPC frente à incidência do
art. 147, I e II, do ECA, manifestou-se no sentido de que deve
prevalecer a regra especial em face da geral, sempre
guardadas as peculiaridades de cada processo.
5. Conflito de competência conhecido para declarar a
competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Infância e da
Juventude do Distrito Federal-DF."
(CC 119.318/DF, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/4/2012, DJe de 2/5/2012.)

"CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO


REVISIONAL DE ALIMENTOS. PROTEÇÃO DO INTERESSE
DO MENOR. ART. 147, I, DO ECA. COMPETÊNCIA
ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO.
1 - A Segunda Seção entende que a regra de competência
insculpida no art. 147, I, do ECA, que visa a proteger o
interesse da criança, é absoluta, ou seja, deve ser declarada
de ofício, não sendo admissível sua prorrogação.
2 - Em discussões como a que ora se trava, prepondera o
interesse do menor hipossuficiente, devendo prevalecer o foro
do alimentando e de sua representante legal como o
competente tanto para a ação de alimentos como para
aquelas que lhe sucedam ou que lhe sejam conexas.
3 - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de
Direito de Arneiroz, o suscitante."
(CC 102.849/CE, Relator Ministro FERNANDO
GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 27/5/2009, DJe de 3/6/2009.)
Por fim, ainda nos termos da decisão agravada, o acidente
ocorreu no litoral do Rio de Janeiro, mas seus reflexos danosos se estenderam
para outras localidades, entre as quais o território pesqueiro onde os autores
da ação trabalhavam, que deve ser considerado o local do fato, para fins de
fixação da competência prevista no art. 100, V, "a", do CPC/1973 (art. 53, IV,
"a", do CPC/2015).
Assim, não procedem as razões recursais, incapazes de alterar
osfundamentos da decisão impugnada.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao
agravo interno. É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em
epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco
Aurélio Bellizze, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso
Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Moura Ribeiro e Maria Isabel
Gallotti.

Comentários ofensivos em portal de notícias

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO


SANSEVERINO
(Relator):

Eminentes colegas, o recurso especial não merece provimento.


A controvérsia diz respeito a responsabilidade civil dos provedores de
internet por mensagens postadas por terceiros em seu "site".

Inicialmente, cabe relembrar a classificação dos provedores de


serviços na internet, assim apresentada pela Min.ª NANCY ANDRIGHI no
REsp 1.381.610/RS, litteris:

(i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm


estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de
informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet,
oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos
usuários finais acesso à rede;
(ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos
provedores backbone e revendem aos usuários finais,
possibilitando a estes conexão com a Internet;
(iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de
terceiros, conferindo-lhes acesso remoto;
(iv) provedores de informação, que produzem as informações
divulgadas na Internet; e
(v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as
informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de
informação.

No caso em tela, a empresa jornalística ora recorrida enquadra-


se na classificação provedora de informação, no que tange à matéria
jornalística divulgada no site, e provedora de conteúdo, no que tange
às postagens dos usuários.
Essa classificação é importante porque tem reflexos diretos na
responsabilidade civil do provedor.

A propósito, merece transcrição a seguinte passagem da obra de


DEMÓCRITO RAMOS REINALDO FILHO sobre essa questão, litteris:

O problema da responsabilidade por publicações difamatórias em páginas


eletrônicas envolve outros complicadores, porque a veiculação de informações
on-line pode se dar de formas variadas.

Em alguns casos, o operador edita o conteúdo da página, atuando como 'content


provider', enquanto que em outros simplesmente permite que as mensagens
sejam postadas instantaneamente, e ainda em outros se limita a fornecer
espaço em seu sistema para que o usuário por sua própria conta e iniciativa
edite sua 'home page'.

Entendemos que a chave para resolver essa matéria está justamente em se


examinar, em cada caso, a presença (ou não) de controle editorial.
Dependendo de uma ou outra situação, vai ficar caracterizada a
responsabilidade do provedor, à semelhança do que ocorre com o editor da
mídia tradicional.

O controle editorial em geral se manifesta quando o provedor exercita as


funções do editor tradicional, caracterizadas pelo poder de decidir se publica, se
retira, se retarda ou se altera o conteúdo da notícia ou informação. Assim, por
exemplo, se o provedor mantém portal onde divulga notícias e informações, é
totalmente responsável pelo conteúdo delas, da mesma maneira que o editor
de um jornal comum. Mas, se no seu site disponibiliza serviço de chat room ou
de fórum eletrônico, a situação já se altera, porque nesses casos a publicação
das mensagens é feita instantaneamente, sem interferência do operador
humano.

Nos casos em que a publicação das mensagens não é feita


instantaneamente, posto que são recebidas pelo operador e publicadas em
oportunidade posterior, fica revelado o controle editorial que tem sobre a
publicação. Onde o operador recebe as mensagens e publica em momento
posterior, ao retardá-la aufere uma oportunidade para publicar ou recusar o
material, passando a ser o senhor da decisão de sua divulgação ou não.

O critério utilizado para caracterizar o controle editorial foi a noção de 'fixação


prévia da comunicação ao público'. Sempre que é o próprio operador
(webmaster) que fixa previamente a mensagem no espaço de comunicação
(na interface) do site, acessível e visível aos usuários, tal situação revela seu
controle sobre a informação. Por exemplo, se o operador recebe a informação
da fonte original por e-mail, redesenha o texto na forma de HTML, e a coloca no
site à disposição dos usuários em geral, ele é quem está previamente fixando
a mensagem para o público. Em situação diferente, quando a informação é
colocada pelo próprio usuário (internauta) dos serviços do site - o que pode
ser feito se for dotado (o site) de pequenos programas que permitem a
realização dessa função automática -, o webmaster não tem nenhum controle
editorial sobre ela. Outra pessoa, que não ele, é quem fixa a mensagem para o
público, desaparecendo sua responsabilidade em relação às consequências
danosas que ela possa produzir, já que ausente, nesse caso, o controle sobre
a informação. (Responsabilidade civil por publicações na internet. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p. 173 s.)
Conforme se verifica no trecho acima transcrito, a responsabilidade
civil por ofensas publicadas na internet é daquele que ''fixa a mensagem
para o público'', podendo ser o provedor ou o próprio usuário de um site.

No caso dos autos, as mensagens ofensivas foram postadas


diretamente pelos usuários do site 'www.tudonahora.com.br'.

Assim, na linha desse entendimento, cabe a responsabilização


apenas dos autores das ofensas, não da empresa titular do site.

Esse também é o entendimento de THAITA CAMPOS TREVISAN,


que assim se manifestou em sede doutrinária:

Da mesma forma, conteúdos ilícitos não geram imediata condenação do


provedor, que somente se vê condenado solidariamente caso não promova a
retirada do conteúdo do ar uma vez notificado. Isso porque entende-se que a
divulgação de conteúdos ilícitos na rede mundial não é um risco inerente à
atividade do provedor a fim de dar ensejo à responsabilidade objetiva prevista
no art. 927 do CC. (A tutela da imagem da pessoa humana na internet na
experiência jurisprudencial brasileira. in: Direito privado e internet. Guilherme
Magallhães Martins (coord.). São Paulo: Atlas, 2014, p. 189)

No mesmo sentido, aponta a jurisprudência desta Corte Superior, que


tem-se manifestado pela ausência de responsabilidade dos provedores de
conteúdo pelas mensagens postadas diretamente pelos usuários, e, de
outra parte, pela responsabilidade dos provedores de informação pelas
matérias por ele divulgadas.

A propósito, confiram-se os seguintes julgados:


DIREITO CIVIL. INTERNET. BLOGS. NATUREZA DA ATIVIDADE.
INSERÇÃO DE MATÉRIA OFENSIVA. RESPONSABILIDADE DE QUE
MANTÉM E EDITA O BLOG. EXISTÊNCIA. ENUNCIADO Nº 221 DA
SÚMULA/STJ. APLICABILIDADE.
1. A atividade desenvolvida em um blog pode assumir duas
naturezas distintas: (i) provedoria de informação, no que
tange às matérias e artigos disponibilizados no blog por
aquele que o mantém e o edita;
e (ii) provedoria de conteúdo, em relação aos posts dos seguidores do blog.
2. Nos termos do enunciado nº 221 da Súmula/STJ, são
civilmente responsáveis pela reparação de dano derivado
de publicação pela imprensa, tanto o autor da matéria
quanto o proprietário do respectivo veículo de divulgação.
3. O enunciado nº 221 da Súmula/STJ incide sobre todas as
formas de imprensa, alcançado, assim, também os serviços de
provedoria de informação, cabendo àquele que mantém blog
exercer o seu controle editorial, de modo a evitar a inserção no
site de matérias ou artigos potencialmente danosos.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
desprovido. (REsp 1.381.610/RS, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2013,
DJe 12/09/2013)

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO.


INCIDÊNCIA DO CDC. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO
PRÉVIA DO CONTEÚDO POSTADO NO SITE PELOS USUÁRIOS.
DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CUNHO OFENSIVO. DANO MORAL.
RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA
EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA DO AR EM 24 HORAS.
DEVER. SUBMISSÃO DO LITÍGIO DIRETAMENTE AO PODER JUDICIÁRIO.
CONSEQUÊNCIAS. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 14 DO
CDC E 927 DO CC/02.
............................................................
2. Recurso especial em que se discute os limites da
responsabilidade de provedor de rede social de
relacionamento via Internet pelo conteúdo das informações
veiculadas no respectivo site.
3. A exploração comercial da internet sujeita as relações de
consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.

4. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor


das informações postadas na web por cada usuário não é
atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não
se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC,
o site que não examina e filtra os dados e imagens nele
inseridos.
5. O dano moral decorrente de mensagens com
conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não
constitui risco inerente à atividade dos provedores de
conteúdo, de modo que não se lhes aplica a
responsabilidade objetiva prevista no art. 927,
parágrafo único, do CC/02.
6. Ao ser comunicado de que determinada postagem
possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, "deve o
provedor removê-la preventivamente no prazo de 24 horas,
até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das
alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as,
exclua definitivamente o vídeo ou, tendo-as por infundadas,
restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder
solidariamente com o autor direto do dano em virtude da
omissão praticada.
7. Embora o provedor esteja obrigado a remover conteúdo
potencialmente ofensivo assim que tomar conhecimento do
fato (mesmo que por via extrajudicial), ao optar por
submeter a controvérsia diretamente ao Poder Judiciário, a
parte induz a judicialização do litígio, sujeitando-o, a partir
daí, ao que for deliberado pela autoridade competente. A
partir do momento em que o conflito se torna judicial, deve
a parte agir de acordo com as determinações que estiverem
vigentes no processo, ainda que, posteriormente, haja
decisão em sentido contrário, implicando a adoção de
comportamento diverso. Do contrário, surgiria para as partes
uma situação de absoluta insegurança jurídica, uma incerteza
sobre como se conduzir na pendência de trânsito em julgado
na ação.
8. Recurso especial provido. (REsp 1.338.214/MT, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe
02/12/2013)
No caso dos autos, a empresa recorrente excluiu as mensagens
ofensivas tão logo os fatos lhe foram comunicados por meio da citação para
responder a presente demanda.

Assim, na linha da jurisprudência desta Corte, não seria possível, em


princípio, a responsabilização da empresa recorrente pelos comentários
feitos pelos seus usuários.

Não obstante o entendimento doutrinário e jurisprudencial contrário à


responsabilização dos provedores de conteúdo pelas mensagens postadas
pelos usuários, o caso em tela traz a particularidade de o provedor ser um
portal de notícias, ou seja, uma empresa cuja atividade é precisamente
o fornecimento de informações a um vasto público consumidor.

Essa particularidade diferencia o presente caso daqueles outros


julgados por esta Corte, em que o provedor de conteúdo era empresa da
área da informática, como a Google, a Microsoft, etc.

Efetivamente, não seria razoável exigir que empresas de informática


controlassem o conteúdo das postagens efetuadas pelos usuários de seus
serviços ou aplicativos.
Contudo, tratando-se de uma empresa jornalística, o controle do
potencial ofensivo dos comentários não apenas é viável, como necessário,
por ser atividade inerente ao objeto da empresa.

Mais, é fato notório, nos dias de hoje, que as redes sociais contem
um verdadeiro inconsciente coletivo que faz com que as pessoas escrevam
mensagens, sem a necessária reflexão prévia, falando coisas que
normalmente não diriam.

Isso exige um controle por parte de quem é profissional da área de


comunicação, que tem o dever de zelar para que o direito de crítica não
ultrapasse o limite legal consistente respeito a honra, privacidade e a
intimidadeda pessoa criticada.

Assim, a ausência de qualquer controle, prévio ou posterior,


configura defeito do serviço, uma vez que se trata de relação de consumo.

Ressalte-se que o ponto nodal não é apenas a efetiva


existência de controle editorial, mas a viabilidade de ele ser exercido.

Sobre esse ponto, merece referência o entendimento de


Shandor Portella Lourenço, verbis:

Destacamos, por fim, os provedores de informação ou, como são mais


conhecidos, provedores de conteúdo. Trata-se, na espécie, dos famosos portais
de notícias.

A análise da responsabilização de um provedor de conteúdo passa,


necessariamente, pelo exame da real possibilidade, ou não, de controle
editorial sobre o conteúdo publicado.

Verificada a viabilidade do webdesigner ou o responsável


pelo site ter ciência prévia das informações contidas no
portal, exigir-se-á controle efetivo quanto à publicação de
conteúdo prejudicial a terceiros. Também nessa hipótese, a
omissão seria, a princípio, juridicamente relevante sob o
ângulo reparatório de eventuais danos causados. (A
responsabilidade civil extracontraual dos provedores
pelos danos causados através da internet. Revista de
Direito de Informática e Telecomunicações - RDIT, ano 7, n.
13, jul./dez. 2012, Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 177)
Consequentemente, a empresa deve responder solidariamente
pelos danos causados à vítima das ofensas morais, que, em última análise,
é um bystander, por força do disposto no 17 do Código de Defesa do
Consumidor - CDC.

Ressalte-se que, tratando-se de uma empresa jornalística, não se


pode admitir a ausência de qualquer controle sobre as mensagens e
comentários divulgados, porque mesclam-se com a própria informação, que
é o objeto central da sua atividade econômica, devendo oferecer a
segurança que dela legitimamente se espera (cf. art. 14, § 1º, do CDC).

Decidiu acertadamente o Tribunal a quo, portanto, ao condenar a


empresa jornalística à reparação dos danos causados ao recorrido.

No que tange ao quantum indenizatório (sessenta mil reais), o


acórdão recorrido também não merece reforma por não se mostrar
exagerado o valor arbitrado, não se submetendo ao controle desta Corte
(Súmula 07/STJ).

Cabe esclarecer que o marco civil da internet (Lei 12.965/14) não se


aplica à hipótese dos autos, porque os fatos ocorreram antes da entrada em
vigor dessa lei, além de não se tratar da responsabilidade dos provedores
de conteúdo.

Consigne-se, finalmente, que a matéria poderia também ter sido


analisada na perspectiva do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que
estatuiu uma cláusula geral de responsabilidade objetiva pelo risco,
chegando-se a solução semelhante a alcançada mediante a utilização do
Código de Defesa do Consumidor.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso


especial.

É o voto.

Consumo intermediário não é protegido pelo CDC


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Pela leitura


do v. aresto recorrido, constata-se que foram dois os fundamentos adotados
para afastar-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie,
quais sejam: o de que a ora recorrente não seria destinatária final, não se
caracterizando como consumidora, nos termos do art. 2º da Lei 8.078/90; e o de
que ela não poderia ser havida como hipossuficiente vulnerável, conforme o art.
4º, I, do mesmo diploma legal.

Confira-se o seguinte trecho do voto proferido na col. Corte de


origem, verbis:

"Vejo que aceitável, em princípio, a incidência das


regras contidas nesse diploma consumerista aos
contratos como o da espécie, pois não pode ele ser
havido como de locação de bem móvel puro, ao
expressamente contemplar, também, o fornecimento de
materiais de consumo pelo equipamento, além da
prestação de serviços de assistência técnica. Assim, é
contrato de natureza mista ou complexa. Nos termos do
artigo 2º da Lei n. 8.078/90, aquele citado código,
consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto, como destinatária final, podendo este
ser qualquer bem móvel ou imóvel (art. 3º, par. 1º).
Envolvendo a avença sob foco, como dito, também
fornecimento de material e serviços, poderá ficar
submetida às regras da lei consumerista.
Todavia, para que os preceitos contidos nesse código
tenham aplicação, imperioso que atendidos todos os
requisitos impostos nessa lei especial, dentre eles, nos
termos do citado artigo 2º, "caput", o comparecimento do
consumidor, a saber, qualquer pessoa física ou jurídica
que tenha adquirido ou utilizado produto, como
destinatária final. Tratando-se, na espécie, de empresa
e destinando-se o equipamento locado, os materiais
e serviços, segundo evidente, a integrar sua cadeia
produtiva ou como instrumento da geração de seus
ganhos, bem assim não podendo ela ser havida
como hipossuficiente vulnerável, alvo maior do
diploma em foco (art. 4º, inc. I), não se amolda ao
conceito legal de destinatária última daqueles, para
consumo próprio, fazendo inaplicáveis ao negócio
que celebrou as regras daquele." (fl. 144) Em termos
gerais, o v. aresto recorrido não destoa do entendimento
desta Corte, que, por tantas vezes, já se pronunciou no
sentido de não ser possível a incidência do Código de
Defesa do Consumidor quando uma das partes não se
enquadrar no conceito de consumidor, como destinatário
final.
Na hipótese, a recorrente era locatária de máquina copiadora
produzida e alugada pela locadora, ora recorrida, utilizando tal equipamento para
incrementar suas atividades comerciais, vendendo cópias à sua clientela.

Como se sabe, a caracterização da figura do consumidor


merecedor da proteção assegurada pelo ordenamento jurídico depende da
adoção das teorias minimalista (finalista) ou maximalista.

Pela primeira, considera-se consumidor, de acordo com o critério


do artigo 2° do CDC, o destinatário final fático e econômico de um produto ou
serviço, ou seja, quem adquire ou utiliza produto ou serviço de modo a exaurir a
função econômica através da sua retirada do mercado de consumo. Não existe
aqui obtenção de lucro em razão do ato de consumo, nem implemento de uma
atividade negocial.

Já a teoria maximalista abre a possibilidade de aplicação


extensiva das normas do CDC a outros contratos que não os de consumo
próprio, interpretando a definição de consumidor de forma ampliada. Nesse
contexto, considera consumidor o destinatário fático do produto ou serviço,
ainda que não seja o destinatário econômico final, não sendo preciso que a partir
do ato de consumo impróprio seja retirado o produto ou serviço,
necessariamente, do mercado.

A teoria finalista veio a ser adotada, no Brasil, pelo Código de


Defesa do Consumidor, comportando, porém, certa mitigação em hipóteses
especiais, como destacado nos precedentes jurisprudenciais desta Corte
Superior, a seguir exemplificados:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO


AGRAVO REGIMENTAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO
EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO
AGRAVO, MANTENDO HÍGIDA A DECISÃO DE
INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL.
IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA.
1. Expediente manejado com nítido e exclusivo intuito
infringencial. Recebimento do reclamo como agravo
regimental.
2. É vedado a este Tribunal apreciar violação de
dispositivos constitucionais, ainda que para fins de
prequestionamento.
3. Incidência dos óbices das súmulas 5 e 7/STJ, no
tocante às teses de inexigibilidade da cédulas de
crédito, vulnerabilidade e hipossuficiência da
recorrente e ocorrência de fraude na operação de
transferência dos títulos. Tribunal local que, com
amparo nos elementos de convicção dos autos e
nas cláusulas contratuais, entendeu não existir
circunstâncias capazes de ensejar a ineficácia,
anulação ou invalidade da cédula de crédito,
tampouco de provas aptas a corroborar a alegação de
que tenha ocorrido cessão de créditos, fraude ou
conduta capaz de gerar prejuízos à ora insurgente e
demonstração da vulnerabilidade e hipossuficiência da
insurgente. Impossibilidade de reexame de fatos,
provas e cláusulas contratuais.
4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o
Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que
o produto ou serviço é contratado para implementação de
atividade econômica, já que não estaria configurado o
destinatário final da relação de consumo, podendo no entanto ser
mitigada a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada
a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da
pessoa jurídica. O Tribunal de origem asseverou não ser a
insurgente destinatária final do serviço, tampouco
hipossuficiente. Inviabilidade de reenfrentamento do acervo
fático-probatório para concluir em sentido diverso, aplicando-se o
óbice da súmula 7/STJ. Precedentes.
5. Agravo regimental não provido.
(EDcl no AREsp 265.845/SP, Rel. Ministro MARCO
BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/6/2013, DJe de
1º/8/2013)

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR.


TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE
CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO.
CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no
sentido de que a determinação da qualidade de
consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação
da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º
do CDC, considera destinatário final tão somente o
destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja
ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC
o consumo intermediário, assim entendido como aquele
cujo produto retorna para as cadeias de produção e
distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final)
de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser
considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº
8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem
ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de
consumo.
3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte
tem mitigado os rigores da teoria finalista, para
autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que
a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja
tecnicamente a destinatária final do produto ou
serviço, se apresenta em situação de
vulnerabilidade.
4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo
panorama fáticodelineado pelas instâncias
ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo
do processo, não é possível identificar nenhum tipo
de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a
aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser
preservada a aplicação da teoria finalista na relação
jurídica estabelecida entre as partes.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1.358.231/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 28/5/2013, DJe de
17/6/2013)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.


CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE. VIOLAÇÃO DO
ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA
Nº 284/STF. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONDIÇÃO
DE DESTINATÁRIO FINAL. VULNERABILIDADE
TÉCNICA DA PESSOA JURÍDICA. REVISÃO DO
JULGADO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE.
SÚMULA Nº 7/STJ. CONTRATO FIRMADO ENTRE A
CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS SERVIDORES E A
SEGURADORA. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. CLÁUSULA DE
REAJUSTE COM BASE NA SINISTRALIDADE. NÃO
ABUSIVIDADE. PERCENTUAL. LAUDO PERICIAL.
REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.
(...)
4. Se a pessoa jurídica não ostenta a condição de consumidor final nem se
apresenta em situação de vulnerabilidade, não incidem as regras do Direito do
Consumidor.
(...)
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1.297.956/RJ, Terceira Turma, Rel. Min.
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 27/2/2013)

Da leitura dos julgados transcritos, também se extrai a possibilidade


de equiparação à figura do consumidor de pessoa, física ou jurídica, que
comprove ter sido envolvida em situação de vulnerabilidade na relação com
fornecedor, quando este viole determinadas disposições do CDC.

Trata-se de aplicação da norma do art. 29 do Código de Defesa


do Consumidor, verbis:

"Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos


consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às
práticas nele previstas."

Este dispositivo está inserido nas disposições gerais do


Capítulo V, referente às Práticas Comerciais, e faz menção também ao
Capítulo VI, que trata da Proteção Contratual.

Na doutrina, acerca da equiparação disciplinada no artigo


transcrito, esclarece Cláudia Lima Marques que: “pode ser
importante para as nossas conclusões saber que as normas do
CDC são aplicáveis, por lei, a pessoas que em princípio não
poderiam ser qualificadas como consumidores stricto sensu” (in
Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 5ª ed., 2006,
pág. 318).
Por sua vez, Antonio Hermann V. Benjamin, Cláudia Lima
Marques e Bruno Miragem, discorrendo sobre a ideia básica do art. 29 do
CDC, aduzem tratar-se de “imposição de um patamar mínimo de lealdade e
boa-fé objetiva”, acrescentando:

"O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da


definição jurídica de consumidor para imprimir uma
definição de política legislativa. Para harmonizar os
interesses presentes no mercado de consumo, para
reprimir eficazmente os abusos do poder econômico,
para proteger os interesses econômicos dos
consumidores finais, o legislador colocou um poderoso
instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo
agentes econômicos) expostas às práticas abusivas.
Estas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu,
poderão utilizar as normas especiais do CDC, seus
princípios, sua ética de responsabilidade social no
mercado, sua nova ordem pública, para combater as
práticas comerciais abusivas." (in Código de Defesa do
Consumidor Comentado, RT, pág. 397).
Assim, no caso sob exame, não se pode afastar de todo a
aplicabilidade do CDC à relação jurídica em debate, pois a promovida, ora
recorrente, alega ter atrasado o aluguel da máquina do mês de abril de 1998,
em virtude dos altos preços cobrados pela locação, tendo ficado a partir de então
impossibilitada de utilizar o equipamento por ter a promovente locadora, de
imediato, cessado o fornecimento de material e assistência técnica, além de
negar-se a retirar o equipamento, mesmo após a notificação da sociedade ré
comunicando não ter mais condições de manter o contrato (cf. fl. 51).

Com isso, estaria a ora recorrente alegando ter sido envolvida por
seu fornecedor em situação de vulnerabilidade, o que renderia ensejo à
aplicação da regra de equiparação prevista no mencionado art. 29, desde que
alguma das práticas previstas nos Capítulos V e VI do CDC fosse constatada
como ocorrente no caso, em prejuízo da promovida, ora recorrente.

Sendo a autora da ação sociedade empresária de grande porte,


integrante de um conglomerado internacional, detentora da técnica avançada e
específica utilizada em suas máquinas, materiais e serviços, de alta tecnologia,
poderia, em tese, ter imposto um contrato de adesão repleto de cláusulas
abusivas na locação ajustada com a ré, sociedade empresária de pequeno
porte, que utilizava a máquina xerox copiadora como um serviço a mais
comercializado em seu estabelecimento.

Dada a desproporção entre as contratantes, é incontestável a


natural posição de inferioridade da ré frente à autora e de supremacia desta
ante aquela, o que, entretanto, por si só, não possibilita o reconhecimento de
situação de vulnerabilidade provocada, a atrair a incidência da referida
equiparação tratada no multicitado art. 29. É que tal norma não prescinde da
indicação de que, na hipótese sob exame, tenha sido constatada violação a um
dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 dos Capítulos V e VI do Código de
Defesa do Consumidor. A norma do art. 29 não se aplica isoladamente.

Contudo, na espécie, as instâncias ordinárias, após analisarem as


provas documentais e testemunhais produzidas, recusaram a incidência do
Código do Consumidor, por não haverem constatado a ocorrência de prática
abusiva ou situação de vulnerabilidade na relação contratual examinada.

Nesse contexto, mostra-se inviável o reexame do acervo fático-


probatório para eventualmente chegar-se a conclusão inversa, ante a
incidência do óbice da Súmula 7/STJ.

Por fim, pela alínea "c" também não prospera a inconformação,


pois a recorrente não demonstrou a similitude entre os julgados confrontados,
os quais, além de provenientes também de tribunais paulistas, tratam de casos
em que as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de práticas
contratuais abusivas, o que não sucede na espécie.

Pelo exposto, conheço do recurso especial para

negar-lhe provimento. É como voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo
em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, conheceu do recurso
especial e negou-lhe provimento , nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator.
Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e
Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Banco não é responsável por cheque roubado


VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO


BELLIZZE(RELATOR):

Controverte-se no presente recurso especial se a instituição


financeira responde, ou não, pelos prejuízos percebidos por comerciante, no
desenvolvimento de sua atividade empresarial, em decorrência do recebimento
de cheques, como forma de pagamento, que, ao serem apresentados para
desconto, foram devolvidos pelo Motivo n. 25 (cancelamento de talonário, no
caso dos autos, decorrente de roubo ), conforme Resolução n. 1.631/89 do
Banco Central.
Debate-se, outrossim, se, em tal circunstância, ao comerciante
poderia ser atribuído a qualidade de consumidor por equiparação, nos termos
do artigo 17 do CDC, respondendo o banco objetivamente pelos danos
alegados, em virtude do risco de sua atividade profissional.
De início, convém esclarecer que a hipótese tratada nos
presentes autos não se subsume àquela em que se discute a
responsabilidade da instituição financeira pelos prejuízos causados ao
correntista que, em virtude do extravio/roubo/furto do talonário a ele enviado,
tem numerário indevidamente debitado de sua conta e, inclusive, pela falta de
provisão de fundos, é inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, decorrente da
utilização por terceiros/estelionatários do cheque. Tampouco se refere à
situação em que o terceiro, a despeito de não possuir relação jurídica com a
instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque
falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir daí,
obtêm a liberação de empréstimos, utilização de cheques, cartões, etc.

Em tais circunstâncias fáticas, esta Corte de Justiça, por ocasião


do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, sob o rito do art. 543-C, do
CPC, firmou a tese de que "as instituições bancárias respondem objetivamente
pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros -
como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de
empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto
ta responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se
como fortuito interno".

Na espécie, diversamente, está-se a apurar a responsabilidade da


instituição financeira por prejuízos suportados por sociedade empresária
que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, ao aceitar cheque
(roubado/furtado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário, como
forma de pagamento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, pelo Motivo n. 25
(cancelamento de talonário).

Nessa medida, reputou-se relevante submeter o presente recurso


especial à deliberação deste Colegiado, para bem divisar a questão acima
delineada daquelas que serviram de base para a formulação da tese firmada
no Recurso Especial n. 1.199.782/PR, que, conforme se demonstrará ao longo
do presente voto, não tem aplicação à hipótese dos autos.

A justificar, ainda, o enfrentamento da tese por este Órgão


fracionário, em pesquisa à jurisprudência desta Corte de Justiça, identificou-se
a existência de decisões monocráticas, em situação similar a tratada nos autos
(comerciante, objetivando a reparação dos prejuízos decorrentes do
recebimento de cheques devolvidos pela alínea 25), que, ante a aplicação do
enunciado n. 7 da Súmula do STJ (do que não se tece qualquer juízo de
valor, já que este óbice sumular relaciona-se diretamente com o modo
pelo qual as razões recursais são veiculadas pela parte), mantiveram o
desfecho conferido à causa na origem, com conclusões diversas.

Destaca-se, a título exemplificativo: Aresp 413.491/SP, Relator


Ministro João Otávio de Noronha, Dje 9/2/2015; Aresp 245.098/SP, Relatora
Ministra Maria Isabel Gallotti, Dje 11/3/2015; Aresp 200.058/SP, Relator Ministro
João Otávio de Noronha, Dje 24/3/24; Aresp 451.883/SP, Relatora Ministra
Nancy Andrighi, Dje 19/12/2013; e Ag 105.115, Relator Ministro Vasco Della
Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS).

Delineada a controvérsia e feito tais esclarecimentos, tem-se não


se afigurar adequado imputar à instituição financeira a responsabilidade pelos
prejuízos suportados por sociedade empresária que, no desenvolvimento de
sua atividade empresarial, ao aceitar cheque (roubado/furtado/extraviado)
apresentado por falsário/estelionatário como forma de pagamento, teve o
mesmo devolvido pelo Banco, sob o Motivo n. 25 (cancelamento de talonário).

De plano, afasta-se peremptoriamente a pretendida aplicação do


Código de Defesa do Consumidor à espécie, a pretexto de à demandante,
Companhia Brasileira de Distribuição, ser atribuída a condição de consumidora
por equiparação, com esteio no artigo 17 da legislação consumerista.
Preceitua o dispositivo legal sob comento, in verbis: “Para os
efeitos dessa Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do
evento”.
Efetivamente, a legislação consumerista estende a qualidade de
consumidor àquele que, a despeito de não integrar diretamente a relação de
consumo, sofre consequências negativas provenientes do acidente de
consumo.
Há que se proceder, todavia, a um responsável juízo de
ponderação, para que se possa identificar corretamente o terceiro a que a lei
equipara ao consumidor, conferindo-se-lhe, por conseguinte, as benesses da
legislação consumerista.
Para tanto, sem adentrar nas divergências doutrinárias quanto à
definição de consumidor (teoria maximalista x teoria finalista) e à
caracterização da pessoa jurídica como tal, especificamente em relação ao
requisito da vulnerabilidade, vale ponderar que as normas protetivas do CDC
têm por propósito minorar, senão extirpar, o inerente desequilíbrio existente
entre os protagonistas da relação de consumo.
Mesmo em relação aos consumidores por equiparação (arts. 2º,
parágrafo único, 17 e 29), que, pela própria definição, não integram a relação
consumerista, estar-se-ia, segundo parte da doutrina nacional, diante de uma
vulnerabilidade fática, a justificar a incidência do CDC. Destaca-se, nesse
sentido, o escólio de Cláudia Lima Marques, que, ao dispor sobre os agentes
equiparados a consumidores, de modo a superar, em seus dizeres, o status de
terceiro, afirma:

O ponto de partida desta extensão do campo de


aplicação do CDC é a observação de que muitas
pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu,
podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades
dos fornecedores no mercado. Estas pessoas, grupos e
mesmo profissionais podem intervir nas relações de
consumo de outra forma, a ocupar uma posição de
vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as
características de um consumidor stricto sensu, a
posição preponderante (Machposition) do fornecedor e a
posição de vulnerabilidade destas pessoas
sensibilizaram o legislador e, agora, os aplicadores da
lei. [...]
Mesmo não sendo destinatário final (fático ou
econômico) do produto ou serviço, pode o agente
econômico ou profissional liberal vir a ser beneficiado
pelas normas tutelares do CDC como
consumidor-equiparado. Isso porque, concentrado talvez
nesta vulnerabilidade fáticas, instituiu o legislador
brasileiro três normas de extensão do campo de
aplicação pessoal do CDC, três disposições legais
conceituando os agentes que considera equiparados a
consumidores (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29)
(Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa
do Consumidor - O novo regime das relações contratuais.
5ª Edição. 2005. Editora Revista dos Tribunais. p. 354-
357)

Na espécie, não se antevê qualquer vulnerabilidade fática por


parte da Companhia Brasileira de Distribuição, que, no desenvolvimento de
sua atividade empresarial, tal como qualquer outro empresário, detém todas
as condições de aferir a idoneidade do cheque apresentado e, ao seu
exclusivo alvedrio, aceitá-lo, ou não, como forma de pagamento.

Ressalta-se, no ponto, que o comerciante, independente do


ramo de atividade desenvolvida, não é obrigado a aceitar o cheque
apresentado por seu cliente como forma de pagamento, devendo, caso
assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as cautelas e
diligências destinadas a aferir a idoneidade do título, assim como de seu
apresentante (e suposto emitente).

Não obstante, para além da existência ou não de vulnerabilidade


fática – requisito, é certo, que boa parte da doutrina reputa irrelevante para
efeito de definição de consumidor (inclusive) stricto sensu, seja pessoa física
ou jurídica (por todos, Zelmo Denari, in Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor Comentado Pelos Autores Do Anteprojeto. Volume I. 10ª edição.
2011. Rio de Janeiro. Editora Renovar. p. 218-220) –, constata-se que os
prejuízos alegados pela recorrente não decorrem, como desdobramento
lógico e imediato, do defeito do serviço prestado pela instituição
financeira aos seus clientes (roubo de talonário, quando do envio aos
seus correntistas), não se podendo, pois, atribuir-lhe a qualidade de
consumidor por equiparação.

Como assinalado, interpretando-se o artigo 17 do CDC, reputa-


se consumidor por equiparação o terceiro, estranho à relação de consumo, que
experimenta prejuízos ocasionados diretamente pelo acidente de consumo.

Efetivamente, ainda que se afigure possível, segundo a doutrina


majoritária nacional, que pessoa jurídica e, mesmo, intermediários da cadeia de
consumo, venham a ser considerados vítimas de um acidente de consumo,
enquadrando-se, pois, na qualidade de onsumidor por equiparação (com
destaque, nesse sentido, da obra: Responsabilidade Civil no Código do
Consumidor, do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, 3ª edição. 2010.
Editora Saraiva. p. 228-230), é imprescindível, para tanto, que os danos
suportados possuam relação direta (e não meramente reflexa) de causalidade
com o acidente de consumo.

Nessa medida, eventuais danos suportados pela pessoa jurídica,


no estrito desenvolvimento de sua atividade empresarial, causados
diretamente por terceiros (falsários/estelionatários), não podem ser
atribuídos à instituição financeira que procedeu em conformidade com a Lei n.
7.357/85 e com a Resolução n. 1.682/90 do Banco Central do Brasil, regente
à hipótese dos autos, sob pena de se admitir indevida transferência dos riscos
profissionais assumidos por cada qual.

Veja-se que a Lei de cheques (Lei n. 7.357/85), em seu art. 39,


parágrafo único, reputa ser indevido o pagamento/desconto de cheque falso,
falsificado ou alterado, pela instituição financeira, sob pena de sua
responsabilização perante o correntista (salvo a comprovação dolo ou culpa do
próprio correntista).

Pela pertinência, transcreve-se o dispositivo legal sob comento:


Art . 39 O sacado que paga cheque ‘’à ordem’’ é obrigado
a verificar a regularidade da série de endossos, mas não
a autenticidade das assinaturas dos endossantes. A
mesma obrigação incumbe ao banco apresentante do
cheque a câmara de compensação.
Parágrafo único. Ressalvada a responsabilidade do
apresentante, no caso da parte final deste artigo,
o banco sacado responde pelo pagamento do
cheque falso, falsificado ou alterado, salvo dolo ou
culpa do correntista, do endossante ou do
beneficiário, dos quais poderá o sacado, no todo ou
em parte, reaver a que pagou.

O dispositivo legal sob comento, portanto, não alberga a


interpretação pretendida pela parte recorrente, porquanto preceitua
expressamente a responsabilidade da instituição financeira perante o
correntista (e não ao comerciante que recebe o título como forma de
pagamento), por proceder justamente ao indevido desconto de cheque falso.

Com o mesmo norte, conforme inicialmente destacado no


presente voto, esta Corte de Justiça reputa ser objetiva a responsabilidade do
banco que procede ao

pagamento de cheque roubado/furtado/extraviado pelos prejuízos suportados


pelo correntista ou por terceiro que, a despeito de não possuir relação jurídica
com a instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque
falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir
daí, utilizam cheques.

Releva anotar, no ponto, que, tal como devidamente reconhecido


por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, sob o rito do
art. 543-C, a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos
quais resultam danos diretos aos correntistas ou a terceiros (equiparados ao
consumidor), consubstanciam fortuito interno, já que previsíveis e inerentes ao
risco da atividade bancária.

De modo algum se dissuade de tal orientação.

Todavia, in casu, o defeito do serviço prestado pela instituição


financeira (roubo por ocasião do envio do talonário aos clientes) foi
devidamente contornado mediante o cancelamento do talonário (sob o Motivo
n. 25, conforme Resolução n. 1.631/89 do Banco Central), a observância das
providências insertas na Resolução n. 1.682/90 do Banco Central do Brasil,
regente à hipótese dos autos, e, principalmente, o não pagamento/desconto
do cheque apresentado, impedindo-se, assim, que os correntistas ou terceiros
a eles equiparados, sofressem prejuízos ocasionados diretamente por aquele
(defeito do serviço). Desse modo, obstou-se a própria ocorrência do acidente
de consumo.
Nesse contexto, incoerente, senão antijurídico, impor à instituição
financeira que, em observância às normas de regência, procedeu ao
cancelamento e à devolução dos cheques, sob o motivo n. 25, responda, de
todo modo, agora, pelos prejuízos suportados por comerciante que, no
desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a
ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento.
Como assinalado, a aceitação de cheques como forma de
pagamento pelo comerciante não decorre de qualquer imposição legal,
devendo, caso assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as
cautelas e diligências destinadas a aferir a idoneidade do título, assim como de
seu apresentante (e suposto emitente).
No ponto, afigura-se relevante sopesar a argumentação
expendida pela recorrente, consistente na alegação de que tomou as
cautelas devidas, tais como a consulta aos órgãos de proteção ao crédito
(especificamente, o Serasa), não constando qualquer apontamento, o que
evidenciaria, a seu juízo, que a instituição financeira não informou o
cancelamento dos cheques a tais órgãos, como seria de rigor.

A tese, que guarda relevância para efeito de responsabilização


civil (mas sem a aplicação da legislação consumerista, ressalta-se), não
prospera, na específica hipótese dos autos.

Ressalta-se, em princípio, que a consulta ao Serasa, em si,


afigura-se absolutamente inócua para o efeito de se apurar se os cheques
apresentados teriam ou não alguma restrição, já que o mencionado órgão de
proteção ao crédito, diversamente, destina-se a concentrar informações sobre
a existência ou não de restrição ao crédito de pessoa física ou jurídica.
Segundo a Resolução n. 1.682 do Banco Central do Brasil,
regente à hipótese dos autos (e-STJ, fls 164-171), não havia qualquer
imposição às instituições financeiras para informar o cancelamento de
cheques ao mencionado serviço de proteção ao crédito. Inclusive, como
bem acentuado pelas instâncias ordinárias, a aludida resolução preceitua que
os bancos são responsáveis pela inclusão do correntista no cadastro de
emitentes de cheques sem fundos (CCF) nas devoluções pelos Motivos 12
a 14, tão somente.

Há que se deixar assente, porque relevante, que, a partir da


Resolução n. 3.972, de 28 de abril de 2011, do Banco Central do Brasil
(posterior aos fatos dos autos), impôs-se às instituições financeiras
mantenedoras de contas de depósito à vista, no prazo de doze meses contados
da publicação, o dever de disponibilizar informações aos interessados sobre a
ocorrência de cheque cancelado pela instituição financeira sacada (arts. 9 e
10).

De todo modo, não há qualquer alegação, tampouco


demonstração, de que o banco demandado foi instado pela autora para
prestar informação acerca dos cheques a ela então apresentados, ou que,
provocado para tanto, recusou-se a presta-la ou a concedeu de modo
equivocado.

Assim, por todos aspectos que se analise a questão, não se


identifica conduta indevida do banco demandado, apta a ensejar sua
responsabilização civil.

Por fim, quanto à demonstração de dissenso jurisprudencial,


melhor sorte não assiste ao recorrente.
Apontou, para tanto, como acórdão paradigma, o Recurso
Especial n. 241.771/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, J. 27/8/2002,
DJU 2/12/2002, que, com esteio na já então pacífica jurisprudência desta Corte
de Justiça, reconheceu a responsabilidade da instituição financeira perante o
correntista, que teve talonário de cheque furtado e indevidamente pago pela
instituição financeira. Como se constata, inexiste similitude fática com a
hipótese tratada nos presentes autos.
Em relação ao AgRg no Ag n. 938.452/SP, Relator Ministro Aldir
Passarinho Junior, DJ. 31/10/2007, também apontado como acórdão
paradigmático, não se pode deixar de reconhecer que a hipótese assemelha-
se com a presente, na medida em que um comerciante (a própria recorrente,
aliás) pretendia a responsabilidade do banco pelo não pagamento/desconto do
cheque devolvido sob o motivo n. 28 (cheque sustado ou revogado em virtude
de roubo, furto ou extravio). Nesse caso, de fato, reconheceu-se, primeiro
monocraticamente, e, após, em julgamento colegiado (no âmbito de AgRg), a
responsabilidade do banco, valendo-se, todavia, de precedentes desta Corte
de Justiça que se referiam à relação banco x correntista (Resp 302.653/MG e
Resp 241.771/SP).
De todo modo, pelas razões delineadas ao longo do presente
voto, não se identifica a responsabilidade da instituição financeira pelos
prejuízos suportados por sociedade empresária, no estrito desenvovimento de
sua atividade empresarial.

Em conclusão, na esteira dos fundamentos expendidos, NEGO


PROVIMENTO ao presente recurso especial.
É o voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha
(Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva. Presidiu o julgamento o Sr.
Ministro João Otávio de Noronha.

Cheque sem fundos emitido por correntista

EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE
CHEQUE. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS. BANCO
SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE.
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEFEITO. INEXISTÊNCIA. ART.
17 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INAPLICABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência
do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos
nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação indenizatória promovida por beneficiário de cheque emitido
por empresa de factoring com o propósito de ver responsabilizado
civilmente apenas o banco sacado por prejuízos materiais
alegadamente suportados em virtude da devolução dos referidos
títulos por ausência de provisão de fundos.
3. Acórdão recorrido que, atribuindo ao beneficiário do cheque
devolvido a condição de consumidor por equiparação, reconheceu a
procedência do pedido inicial ao fundamento de que o banco sacado
não teria agido com suficiente cautela ao fornecer quantidade
excessiva de talonários para sua correntista.
4. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem material
eventualmente causados a terceiros beneficiários de cheques
emitidos por seus correntistas e devolvidos por falta de provisão de
fundos.
5. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou de
ser recente a relação havida entre o banco sacado e seu cliente,
emitente dos referidos títulos,não revela a ocorrência de defeito na
prestação dos serviços bancários e, consequentemente, afasta a
possibilidade de que, por tais motivos, seja oeventual benefíciário
das cártulas elevado à condição de consumidor por equiparação.
Inaplicáveis ao caso, portanto, as normas protetivas do Código de
Defesa do Consumidor.
6. Recurso especial provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA


(Relator):
O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do
Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2
e 3/STJ).
Prequestionada a matéria federal inserta nos dispositivos legais
apontados pelo banco recorrente como malferidos e preenchidos os demais
pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do apelo
nobre.

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) a instituição financeira ora


recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda
indenizatória e (ii) se pode ser civilmente responsabilizada por prejuízos materiais
suportados por portadores de cheques sem provisão de fundos que foram emitidos
por uma de suas correntistas (a empresa de factoring THS
FOMENTOMERCANTIL LTDA.) em virtude de suposta falha na prestação do
serviço de fornecimento de talonários de cheques.

A partir das afirmações insertas na petição inicial e à luz da teoria


da asserção, revela-se inequívoco que o banco ora recorrente é, sim, parte legítima
para figurar no polo passivo da demanda indenizatória. O que não quer dizer, no
entanto, que está configurado seu dever de indenizar.

Isso porque, diferentemente do que concluiu a Corte de origem, não se


vislumbra, no caso, a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários
oferecidos pelo recorrente, o que por si só afasta a possibilidade de se emprestar
a terceiro - estranho à relação de consumo havida entre o banco e seus
correntistas - o tratamento de consumidores por equiparação (art. 17 do CDC).

Na hipótese vertente, existem duas relações jurídicas completamente


distintas, a primeira, de natureza consumerista, que se estabeleceu entre o banco
ora recorrente e sua cliente, e a segunda, de natureza civil/comercial, estabelecida
entre a cliente, na condição de emitente de cheque, e o autor da presente
demanda, beneficiário de tal título de crédito.

Nesse cenário, impõe-se esclarecer que ao receber cheque emitido


por um de seus correntistas para saque ou depósito, cumpre ao banco sacado, em um
primeiro momento, apenas aferir a existência de motivos para devolução da
referida ordem de pagamento (art. 6ºda Resolução do BACEN 1.682/1990).

Verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao


saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco
devolver o cheque por faltade fundos (motivo 11 ou 12).

Desse modo, a prestação de serviços bancários, no tocante aos


terceiros portadores do título de crédito em questão, limita-se a essa rotina de
conferência e posterior pagamento ou eventual devolução.

Assim, inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não


há falar em defeito na prestação do serviço e, consequentemente, não se revela
plausível imputar ao banco prática de conduta ilícita ou a criação de risco social
inerente à atividade econômica por ele desenvolvida capaz de justificar sua
responsabilização pelos prejuízos materiais suportados por beneficiários dos cheques
resultantes única e exclusivamente da ausência de saldo em conta dos emitentes
suficiente para sua compensação.

O fato de a empresa emitente do cheque ser cliente do banco há


poucos meses ou mesmo de haver grande número de cheques em
circulação, não leva à conclusão de existência de irregularidade na abertura da
conta, no fornecimento dos talonários ou de qualquer outro defeito na prestação de
seus serviços, notadamente porque, no caso, a emitenteé empresa que se
dedicava à atividade de fomento mercantil (factoring), que, como consabido, por
sua própria natureza, movimenta grande volume de recursos e,
consequentemente,utiliza-se de quantidade significativa de cheques, que são
emitidos como forma de dar garantiaa seus investidores.
Em síntese, impõe-se reconhecer que não há, na hipótese vertente,
falha na prestação do serviço bancário e que a pretensão do ora recorrido, por tal
motivo, apesar de todo o esforço argumentativo expendido desde sua petição
inicial, está assentada no fato de ter sido surpreendido pela devolução de cheque
desprovido de fundos.

O prejuízo por ele sofrido, portanto, decorreu apenas da conduta


da empresa emitente, única responsável pelo efetivo pagamento da dívida,
não havendo nexo de causalidade direto e imediato a ligar tal dano ao
fornecimento de talonário pela instituição financeira.

Impõe-se anotar, ainda, que o Superior Tribunal de J ustiça vem


decidindo nesse mesmo sentido em todas as oportunidades que teve - e não foram
poucas - de se debruçar sobre a questão jurídica ora controvertida, merecendo
especial destaque o fato de que em quase todas essas oportunidades foram
apreciadas pretensões articuladas em condições idênticas às que deram ensejo à
presente demanda (ações indenizatórias promovidas em desfavor ora do próprio
BANCO SAFRA S.A., ora do BANCO BRADESCO S.A., por outros beneficiários
de cheques emitidos pela empresa THS FOMENTO MERCANTILLTDA.).

A propósito, vale mencionar que a controvérsia ora em apreço foi


dirimida com extrema precisão pela Quarta Turma desta Corte Superior no
julgamento do REsp nº 1.538.064/SC, que versava a respeito de ação idêntica à
presente (ajuizada por outros portadores de cheques emitidos pela própria THS
FOMENTO MERCANTIL LTDA.).

Na oportunidade, prevaleceu o bem lançado voto da Ministra


Gallotti, irrepreensível e perfeitamente aplicável ao caso em apreço, ora
transcrito na parte queinteressa:

"(...) Assim delimitada a controvérsia, observo que


é pacífica a jurisprudência desta Corte que aplica o Código de
Defesa do Consumidor às relações entre instituições financeiras
e seus clientes. Isso, no entanto, não permite estender a
responsabilidade do banco para a relação entre correntista e o
beneficiário do cheque.
Para que sejam equiparadas a consumidor as
vítimas do evento, é preciso uma conduta que
se relacione a um dano suportado pelo terceiro
por um nexo direto de causalidade, que, como
será visto, não existe. A responsabilidade
objetiva, ínsita às relações de consumo,
dispensa apenas a comprovação do elemento volitivo, mas ainda
é preciso identificar os demais requisitos da responsabilidade
civil. Ao receber um cheque para saque ou depósito, é dever
do banco conferir se está presente algum dos motivos para
devolução do cheque, conforme previsto no artigo 6º da
Resolução do BACEN 1.682/90.
Caso o valor do título seja superior ao saldo ou
ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver
o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Por isso, a
prestação de serviços referente ao portador do título de
crédito se limita a este procedimento. Não havendo
nenhuma mácula nessa conferência, não há defeito na
prestação do serviço e, portanto, não cabe imputar ao banco
conduta ilícita ou risco social inerente à atividade
econômica que implique responsabilização por fato do
serviço. Por isso, não há a responsabilidade da instituição
financeira pelas atividades de seus correntistas na utilização de
cheques com má gestão de seus recursos financeiros.
Os arts. 2º, 7º e 10 da Resolução n. 2.025/93 do
BACEN não têm o alcance que lhes emprestou a Corte de
origem, em seu esforço interpretativo. Esses dispositivos apenas
estabelecem regras para a elaboração da ficha-proposta a ser
preenchida pelo cliente e procedimento para entrega de talonário
de cheques, regras essas que não se demonstrou terem sido
descumpridas, seja no momento da abertura da conta, seja
quando fornecidos os específicos cheques em questão nos
presentes autos.
Em nenhum momento essas regras impõem o ônus
da fiscalização constante do saldo em conta, nem transformam
as instituições financeiras em garantes da solvibilidade de seus
clientes.
Não é jurídico, a partir de invocação do Código de
Defesa do Consumidor, alterar a regência de título de crédito,
disciplinado por lei própria, a saber, a Lei 7.357/85, a qual
claramente distingue as responsabilidades do emitente do
cheque e da instituição financeira sacada em relação ao portador.
A propósito, a lição de JOÃO EUNÁPIO BORGES:
'Como a letra de câmbio, é o cheque
título formal e abstrato, não se refletindo nele a
causa determinante de sua emissão - pagamento,
empréstimo, doação etc. E, na emissão e no
pagamento do cheque concorrem, permanecendo
inconfundíveis, duas séries de relações. As
relações entre emitente e beneficiário do cheque e
as que existem entre o emitente e o sacado.
Efetuando o pagamento do cheque, isto é,
cumprindo a ordem de seu emitente, o sacado
extingue simultaneamente as duas obrigações que
nele confluem: a sua para com o emitente e a deste
em relação ao tomador. Fique bem claro, porém,
que o sacado não se prende por nenhum vínculo ao
portador do cheque que ele pagará ou deixará de
pagar, tendo em vista exclusivamente a sua relação
pessoal com o emitente. E, do mesmo modo que o
portador de uma letra de câmbio nada pode exigir,
com base nela, do sacado que não aceitou, o
portador do cheque, em face da recusa de seu
pagamento, deverá voltar-se imediatamente
contra o emitente que é - ele e não sacado - o
seu devedor. É assim o emitente o vértice comum,
o ponto de convergência da dupla relação
emergente do cheque; é ele quem responde
perante o portador pelo pagamento do cheque,
justa ou injustamente recusado pelo sacado; é a
ele que responde o sacado pelo imotivado
descumprimento de sua ordem. Nenhuma relação
resultante do cheque existe entre o portador e o
sacado.'
- sublinhei. (in Títulos de Crédito, 2ª ed.7ª tiragem.
Rio de Janeiro: Forense, 1.977, p. 162).
Assim, o portador do cheque, diante da devolução por insuficiência de
fundos, deve voltar-se contra o emitente, não tendo título para cobrar o valor
respectivo da instituição financeira, apenas mudando o rótulo da ação para
responsabilidade civil baseada no Código de Defesa do Consumidor.
Elucidativa a doutrina de FÁBIO ULHOA COELHO:
'O sacado de um cheque não tem,
em nenhuma hipótese, qualquer obrigação
cambial. O credor do cheque não pode
responsabilizar o banco sacado pela
inexistência ou insuficiência de fundos
disponíveis. O sacado não garante o pagamento
do cheque, nem pode garanti-lo, posto que a lei
proíbe o aceite do título (art. 6º), bem como o
endosso (art. 18,
§1º) e o aval de sua parte (art. 29). A instituição
financeira sacada só responde pelo
descumprimento de algum dever legal, como o
pagamento indevido de cheque, a falta de reserva
de numerário para a liquidação no prazo de
apresentação do cheque visado, o pagamento de
cheque cruzado diretamente ao portador não
cliente, o pagamento em dinheiro de cheque para
se levar em conta etc. Ou seja, o banco responde
por ato ilícito que venha a praticar, mas não
pode assumir qualquer obrigação cambial
referente a cheques sacados por seus
correntistas.' (in Manual de Direito Comercial,
26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.014, p 314/315).
Não se tratando de cheque administrativo ou
cheque visado, a partir do momento em que o cheque é
colocado à disposição do correntista não é possível fazer um
controle do valor de emissão do título. Com efeito, na forma do
disposto no art. 4º da Lei 7.387/85 'a existência de fundos
disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque
para pagamento'. É insustentável pensar que as instituições
bancárias só poderiam fornecer talonários aos clientes com
grande potencial de pagamento, presumindo a falta de
idoneidade dos correntistas.
A responsabilidade por verificar a capacidade de
pagamento do
cliente em relação a determinado valor é de quem contrata,
que deve se cercar dos meios necessários para saber se, em
caso de falta de provisão de fundos, terá como cobrar a quantia
por outras formas.
Além do mais, o credor pode se negar a receber
cheques, caso não que irá correr o risco da devolução por falta
de fundos. Ou até mesmo pode transferir o risco da falta de
pagamento a outra pessoa, com custo por esse serviço, como
nas taxas pela utilização do cartão de crédito, em que a
ausência de pagamento não é sentida pelo credor, ou no deságio
dos contratos de factoring, nos quais a ausência de fundos é
suportada pelo faturizador.
O título de crédito é apenas uma forma de facilitar
as relações comerciais posta à disposição daqueles que
contratam, mas não representa a criação de responsabilidade
solidária com o sacado, até porque a solidariedade no direito
brasileiro não se presume, já que depende de lei. No caso,
como visto, a pretendida solidariedade contraria a norma de
regência do título de crédito em
questão" (grifou-se).

O acórdão supramencionado recebeu a seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS


MATERIAIS. CHEQUE DEVOLVIDO SEM PROVISÃO DE
FUNDOS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
CONSUMIDOR EQUIPARADO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir
se está presente algum dos motivos para devolução do cheque,
conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN
1.682/90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao
eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o
cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não havendo
mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do
serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa do
Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social
inerente à atividade econômica que implique responsabilização
por fato do serviço.
2. Na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387/85 'a existência
de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação
do cheque para pagamento'.
3. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento
é de quem contrata. Ademais, o credor pode se negar a receber
cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta
de fundos.
4. Recurso especial provido." (REsp nº 1.538.064/SC, Rel. Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/2/2016,
Dje de 2/3/2016).
Na mesma esteira, oportuno apontar os seguintes precedentes, que
bem demonstram a uniformidade da jurisprudência de ambas as Turmas
integrantes da Segunda Seção a respeito do tema em debate:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE
CHEQUES. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS. BANCO
SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. DEFEITO NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. ART. 17 DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INAPLICABILIDADE.
1. Ação indenizatória promovida por beneficiários de cheques
emitidos por empresa de factoring com o propósito de ver
responsabilizado civilmente apenas o banco sacado por prejuízos
materiais alegadamente suportados em virtude da devolução dos
referidos títulos por ausência de provisão de fundos.
2. Acórdão recorrido que, atribuindo aos beneficiários dos
cheques devolvidos a condição de consumidores por
equiparação, reconheceu a procedência do pedido inicial sob
o fundamento de que o banco sacado não teria agido com
suficiente cautela ao fornecer quantidade excessiva de talonários
para sua correntista.
3. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem material
eventualmente causados a terceiros beneficiários de cheques
emitidos por seus correntistas e devolvidos por falta de provisão
de fundos.
4. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou
de ser recente a relação havida entre o banco sacado e seu
cliente, emitente dos referidos títulos, não revela a ocorrência de
defeito na prestação dos serviços bancários e,
consequentemente, afasta a possibilidade de que, por tais
motivos, seja o eventual benefíciário das cártulas elevado à
condição de consumidor por equiparação.Inaplicáveis ao caso,
portanto, as normas protetivas do Código de
Defesa do Consumidor.
5. Recurso especial provido." (REsp nº 1.508.977/SC, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe
27/11/2018).

"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES POR FALTA DE
FUNDOS.RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO CDC.
1 - O portador do cheque devolvido sem provisão de fundos não
pode ser equiparado a consumidor, também não pode a
instituição financeira ser responsabilizada pelo prejuízo causado
por essa prática se foi o próprio correntista quem emitiu o
cheque e não providenciou a necessária provisão. Precedentes.
2 - Agravo interno no recurso especial não provido." (AgInt nos
EDcl no REsp nº 1.575.905/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 22/5/2018, DJe de 28/5/2018).

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO


CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU
PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA.
INSURGÊNCIA DA AUTORA.
1. 'Ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir
se está presente algum dos motivos para devolução do cheque,
conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN
1.682/90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao
eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o
cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não havendo
mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do
serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa
do Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social
inerente à atividade econômica que implique responsabilização
por fato do serviço' (REsp n. 1.538.064/SC, Relatora Ministra
MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
18/2/2016, DJe 2/3/2016).2.1 'A jurisprudência das Turmas de
Direito Privado desta Corte firmou-se no sentido de que o
portador do cheque, diante da devolução por insuficiência de
fundos, deve voltar-se contra o emitente, não tendo título para
cobrar o valor respectivo da instituição financeira, apenas
mudando o rótulo da ação para responsabilidade civil baseada
no Código de Defesa do Consumidor' (AgInt no REsp n.
1.665.081/SC, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 17/8/2017, DJe 6/9/2017).2.2. Impositiva a
manutenção da decisão monocrática que excluiu a
responsabilidade da casa bancária.3. Agravo regimental
desprovido." (AgRg no REsp nº 1.581.531/SC, Rel. Ministro
MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 13/3/2018, DJe
de 23/3/2018).

"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EMISSÃO DE
CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS.
RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR.
AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.1. Consoante firme
jurisprudência desta Corte, a instituição bancária não é parte
legítima para figurar nas ações de indenização por danos
materiais suportados pelo portador de cheque sem provisão de
fundos de seus correntistas, afastando-se, por consequência, a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor, sendo o
emitente, o único responsável pelo pagamento da dívida na
hipótese.3. Agravo interno improvido." (AgInt nos EDcl no REsp
nº1.575.289/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 20/2/2018, DJe de 7/3/2018).
Merecem destaque, por fim, as dezenas de decisões monocráticas
que têm sido proferidas pelos Ministros integrantes da Segunda Seção esposando
orientação no mesmo sentido da ora externada, tais como: REsp nº 1.737.845/SC,
Relator o Ministro Moura Ribeiro, DJ de 14/9/2018; REsp nº 1.695.835/SC, Relatora
a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 10/10/2017; REsp nº 1.670.730/SC, Relator o
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 26/9/2018; AREsp nº 705.208/SC,
Relator o Ministro Marco Buzzi, DJ de 30/5/2018; REsp nº 1.540.745/SC, Relatora
a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJ de 11/5/2018; REsp nº 1.683.141/SC, Relator o
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ de 5/10/2017; REsp nº 1.673.249/SC, Relator o
Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJ de 19/6/2017; REsp nº 1.403.648/SC, Relator o
Ministro Luis Felipe Salomão, DJ de 6/4/2017; REsp nº 1.454.899/SC, Relator o
Ministro J oão Otávio de Noronha, DJ de 22/8/2016, e REsp nº 1.581.927/SC,
Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJ de 3/3/2016.

Assim, considerando, além dos fundamentos aqui apontados, (i) o


julgamento de dezenas de casos análogos por ambas as Turmas integrantes
da Segunda Seção; (ii) a inexistência de qualquer peculiaridade que demande a
adoção de solução distinta daquela alcançada nos precedentes referidos e (iii) a
função desta Corte Superior de uniformizar a jurisprudência nacional,
notadamente diante dos preceitos norteadores na nova ordem processual,
inclusive aquele segundo o qual "os tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente" (artigo 926 do CPC/2015),
vê-se que o recurso especial interposto por BANCO SAFRA S.A. merece
prosperar.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reformando o


acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido formulado na petição inicial.
Solução nesse sentido impõe que sejam invertidos os ônus
sucumbenciais, pelo que fica o autor da demanda, ora recorrido, condenado ao
pagamento das despesas processuais e da verba honorária advocatícia
sucumbencial, esta última arbitrada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), à luz do que
estabelecia o art. 20, § 4º, do CPC/1973.

É o voto.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o
processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a
seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com a ressalva da
Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro,
Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram
com o Sr. Ministro Relator.

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