Você está na página 1de 39

Unidade III

Unidade III
7 CRIME E EXECUÇÃO PENAL

7.1 Crime: história e conceito

Figura 20

Disponível em: https://bit.ly/41BTMKX. Acesso em: 24 fev. 2023.

Ao longo dos anos, a criminalidade tem se tornado uma preocupação social e mundial devido aos
seus altos índices de ocorrência.

Observa-se uma multiplicidade de classificações relacionadas ao crime. No entanto, destacam-se


duas classificações importantes: a criminológica e a etiológica.

De acordo com Maranhão (2003), as atuações criminosas têm em comum a sua ilegalidade, sendo
que a lei não identificou e tampouco definiu um fator causal de criminalidade, e ele complementa:

Por esses motivos o classificador vê-se diante da tarefa complexa e


pouco gratificante, mas de grande alcance prático e científico, pois
facilitará a metodização do tratamento a ser ministrado ao delinquente
(interesse criminiátrico), auxiliará na previsão da reincidência (prognóstico
criminológico) e orientará nas medidas preventivas da criminalidade
(profilaxia criminal) (MARANHÃO, 2003, p. 11).

Para Maranhão (2003), cada autor parte de determinada “teoria do crime”:

Ao se estudar um caso particular para concluir a que tipo delinquencial


pertence, procura-se fazer um diagnóstico. A partir do conhecimento

96
PSICOLOGIA JURÍDICA

de quais os “fatores criminógenos” atuantes na gênese desse particular


comportamento antissocial, chega-se à tarefa de propor medidas corretivas.
Isto é, propõem-se medidas de caráter terapêutico, quer sejam de natureza
médica, penitenciária, pedagógica, psicológica, social etc. Tais medidas
podem guardar conexão mais ou menos direta com cada grupo criminal
considerado: isto é, a partir de um dado diagnóstico, decorrem certas
providências terapêuticas (MARANHÃO, 2003, p. 14).

Observação

As medidas corretivas, independentemente da teoria escolhida e do critério


adotado pelo profissional, visam à recuperação do agente e, igualmente, à
prevenção da reincidência.

Um exemplo de classificação é a de Gibbons (apud MARANHÃO, 2003), que se baseia “num certo
número de afirmações e hipóteses importantes da teoria sociológica contemporânea”, dividida
em 15 grupos:

1. Ladrão profissional

2. Criminoso perigoso profissional

3. Semiprofissional de atentados à propriedade

4. Autor de delito contra a propriedade (1. Delito)

5. Ladrão de automóveis (roubo de carros)

6. Falsificador ingênuo de cheques

7. Empregado desonesto

8. Delinquente profissional “marginal”

9. Autor de desvio de fundos

10. Autor de delito contra pessoa (1. Delito)

11. Psicopata autor de agressão

12. Culpado de delito sexual violento

13. Autor de estupro


97
Unidade III

14. Autor de estupro “no sentido da Lei”

15. Toxicômano (heroína) (MARANHÃO, 2003, p. 20).

O ponto de partida da classificação etiológica mostra que, quando ocorre o ato criminoso, o agente
responde a estímulos que derivam do meio interno ou do ambiente externo. Nesse sentido, a classificação,
de acordo com esse parâmetro, fundamenta-se em conhecer qual dos estímulos foi predominante.

Saiba mais

Leia mais em:

MARANHÃO, O. R. Psicologia do crime. 2. ed. São Paulo: Malheiros


Editores, 2003.

Ainda com relação à predisposição genética influenciando o comportamento criminoso, Pinheiro


(2016) levanta o seguinte questionamento:

Existem estatísticas que apontam para o fato de que condenados a delitos


graves é maior dentre aqueles cujos pais também delinquiram. No entanto,
existem importantes objeções a essa hipótese, no sentido de que as pessoas
com problemas mentais podem escolher determinado modelo de conduta
inadequada com maior facilidade; essas pessoas se expõem mais, portanto,
é maior a possibilidade de cometerem mais crimes; esses indivíduos são
muitas vezes tratados de uma forma que pode funcionar como estímulos
para a prática de atos delituosos (PINHEIRO, 2016, p. 123).

Levando-se em consideração Pinheiro (2016), os delitos apresentam algumas modalidades:

• Delito doloso: diz respeito à prática de ato voluntário com resultado intencional. Nesse delito, existe
uma vontade consciente, porém são relevantes as motivações que levam à prática do delito.

• Delito culposo: prática de ato voluntário com resultado involuntário. Ele pode apresentar-se de
três formas: por meio da imprudência, por exemplo, quando uma pessoa dirige em velocidade
acima do permitido; por meio da negligência, por exemplo, quando uma mãe deixa seu bebê
sozinho por um longo período; por meio da imperícia, relacionando a omissão do indivíduo no
exercício de sua profissão.

• Delinquência ocasional: caracterizada por um indivíduo até então socialmente ajustado e que
segue as leis, que pratica o ato criminoso mediante um estímulo externo.

98
PSICOLOGIA JURÍDICA

• Delinquência psicótica: o delito surge devido a um transtorno mental, como nos casos de
esquizofrenia, psicose ou depressão.

Observação

O Código Penal brasileiro posiciona-se da seguinte forma: “[...] a medida


de segurança, de caráter meramente preventivo e assistencial, ficará
reservada aos inimputáveis”.

• Delinquência neurótica: o comportamento criminoso é resultado da manifestação dos conflitos


internos do indivíduo. Ela é denominada delinquência sintomática.

Com relação a esse tipo de delinquência, Pinheiro (2016) alerta para a diferenciação entre a conduta
de uma pessoa com personalidade neurótica daquela portadora de personalidade delinquente:

Na neurose, o conflito é interno, já na personalidade delinquente, pelo


menos aparentemente, não existe nenhum conflito interno. Na neurose, a
agressividade é voltada para o próprio indivíduo, enquanto na personalidade
delinquente a agressividade é voltada para o social. Na neurose, o sujeito
tem gratificação por meio de suas próprias fantasias e sublimações, já a
personalidade delinquente necessita aliviar suas tensões internas por
meio de ações criminosas. Na personalidade neurótica, o sujeito consegue
reconhecer seus próprios erros, enquanto na personalidade delinquente os
erros são projetados no mundo externo. A personalidade neurótica apresenta
um superego desenvolvido, enquanto na personalidade delinquente esta
estrutura psíquica, que representa a lei, é desestruturada. Os comportamentos
do neurótico são, normalmente, socialmente ajustados, ao contrário do
portador de personalidade delinquente, que desconsidera as normas
socialmente compartilhadas (PINHEIRO, 2016, p. 127).

No contexto brasileiro, a população carcerária também tem aumentado. De acordo com Carvalho (2014,
p. 162): “Não há como analisar o crime e a pena se não levarmos em consideração o criminoso, em seu
aspecto sociopsicológico. O crime sofreu ao longo dos séculos modificações temporais e sociais [...]”.

Atualmente, as pessoas que cumprem pena são chamadas de reeducandos pelos profissionais
do direito, e não mais de presos, internos, apenados, encarcerados ou presidiários. Essa mudança de
denominação está relacionada ao fato de que espera-se, no contexto jurídico, que haja uma ressocialização
através da reeducação. Várias são as explicações a respeito do crime. De acordo com Feldman (apud
CARVALHO, 2014):

O comportamento dos reeducandos é resultante de experiências vividas,


antes do crime praticado, e dos efeitos do aprisionamento, que também
podem influenciar as condutas do indivíduo. Muitas são as teorias que
99
Unidade III

tentam explicar esses fatores determinantes para o crime. Há o modelo


behaviorista, que sugere que o comportamento criminoso é determinado
pela situação, resultante de experiências anteriores e também de
outras semelhantes. Sob esse prisma consideram‑se apenas os aspectos
ambientais e subestimam-se as influências biológicas, ou seja, os fatores
hereditários. [...] A psicologia acrescenta, sob o enfoque da psicanálise,
discussão sobre o comportamento criminoso, demonstrando através de
sua teoria a estrutura e formação da personalidade do indivíduo delituoso
(CARVALHO, 2014, p. 160).

A propósito, segundo D’Angelo e D’Angelo (apud CARVALHO, 2014, p. 162):

Acreditamos que não se pode analisar o crime contra a vida sob o enfoque
exclusivamente técnico-jurídico, sob pena de transformarmos as ciências
humanas, na qual se insere a ciência jurídica, em ciências exatas, vale dizer,
devemos estudar as causas primeiras, sem as quais não poderemos chegar
à conclusão sobre as consequências últimas. Entendemos que os crimes
contra a vida exigem um estudo não só jurídico, mas também sociológico,
filosófico e antropológico.

Observação

Várias são as causas que desencadeiam um comportamento delituoso: o


desemprego, a desorganização social, a desestrutura familiar, por exemplo.

Figura 21

Disponível em: https://bit.ly/3SHWGK5. Acesso em: 24 fev. 2023.

Na área de execução penal, observamos que o conceito de crime, criminoso e tipos de pena varia de
acordo com o tempo e o espaço. Em outras palavras, podemos afirmar que o que foi crime outrora hoje
não é mais. Dessa forma, penas foram aplicadas para novos crimes e outras foram abolidas.
100
PSICOLOGIA JURÍDICA

Destacam-se, para esse estudo, as contribuições de Michel Foucault, que expôs a relação entre poder
e conhecimento e como esses fatores são utilizados para o controle social através das instituições.
Foucault tratou de temas como loucura, sexualidade, disciplina, poder, punição e sistema penal.

Lembrete

O psicólogo e filósofo Michel Foucault influenciou, com sua obra, as


reflexões contemporâneas sobre o sistema prisional.

Para Magalhães (apud PASSOS, 2013), Foucault, ao explicar as relações de poder, chama a nossa
atenção para não confundirmos com a relação de violência:

De fato, o que define uma relação de poder é um modo de ação que não age
diretamente e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua ação
própria. Uma ação sobre a ação [...]. Uma relação de violência age sobre um
corpo, sobre coisas: ela força, ela dobra, ela quebra, ela destrói: ela fecha
todas as possibilidades; ela não tem, portanto, junto dela nenhum outro polo
a não ser o da passividade; e se ela encontra uma resistência, ela não tem
outra escolha a não ser a de procurar reduzir essa resistência. Uma relação
de poder, ao contrário, articula-se sobre dois elementos indispensáveis
para que ela seja, justamente, uma relação de poder: que “o outro” (aquele
sobre quem ela se exerce) seja bem reconhecido e mantido até ao fim como
sujeito de ação; e que se abra, frente à relação de poder, todo um campo de
respostas, reações, efeitos, invenções possíveis (PASSOS, 2013, p. 37).

Saiba mais

Para aprofundar seus estudos, leia:

PASSOS, I. C. F. (org.) Poder, normatização e violência: incursões


foucaultianas para a atualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

De acordo com Mansano e Nalli (2016), quando Foucault analisa os espaços de saber e de poder,
observa-se que:

Foucault sublinha que cada época constitui seus próprios objetos a partir de
suas camadas específicas de saberes e suas articulações com estratégias
de poder. Para conhecer essas camadas é necessário elaborar estudos que
procuram demarcar a coerência das percepções, dos olhares, dos discursos e
dos saberes de um período determinado a fim de apresentar suas escansões,
suas descontinuidades, suas reconfigurações; e também suas continuidades,

101
Unidade III

ou seja, as marcas que subvertem a fixidez de uma época e que adquirem


funções diferentes em outra épistémè ou em outra ordem do discurso
(MANSANO; NALLI, 2016, p. 31).

Saiba mais

Leia mais em:

MANSANO, S. R. V.; NALLI, M. (orgs.) Michel Foucault: desdobramentos.


Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

Para Foucault (2016), a prisão, principal pena aplicada aos que cometem crimes aos olhos da
sociedade, é um poderoso meio de marginalização daquilo das chamadas “classes perigosas”.

Saiba mais

Saiba mais em:

FOUCAULT, M. A sociedade punitiva. São Paulo: Martins Fontes, 2016.

O significado de “classes perigosas” foi se modificando com o decorrer da história. Na Antiguidade e


em boa parte da Idade Média, o trabalho era desvalorizado, sendo entendido como um castigo.

Ao final da Idade Média europeia, por exemplo, com o surgimento da sociedade do trabalho, este
passa a ser valorizado e, consequentemente, desvalorizava-se aquele que não trabalhava.

Com o aparecimento das classes marginalizadas ou “perigosas”, que causam desconfiança, surge a
necessidade do controle social.

Cabe salientar que não somente as classes consideradas perigosas mudam ao longo da história e
dependendo do lugar. Há também mudanças no tipo de pena para os que são considerados criminosos.
Na sociedade feudal, visava-se ao corpo, no qual preferencialmente se aplicava o suplício e a pena de
morte. Na sociedade industrial, muitas vezes a pena privativa de liberdade é substituída por severas multas.

A pena privativa de liberdade visa à disciplina. As pessoas podem ser vistas e controladas. O objetivo
disso é que as pessoas introjetem a disciplina para que possam se comportar adequadamente no
contexto social. Assim, a falta de disciplina é perigosa, resultando no interesse da sociedade na reclusão
do “criminoso”.

102
PSICOLOGIA JURÍDICA

A prisão serve, portanto, como um instrumento corretivo que dependerá da personalidade


do reeducando (anteriormente definido como preso). A partir de um diagnóstico do reeducando, é
estabelecido um diagnóstico e o prognóstico para que sua ressocialização seja bem-sucedida.

Na Lei de Execução Penal brasileira, esse processo está nas mãos da Comissão Técnica de Classificação
(CTC). A CTC é constituída por médicos, psicólogos e assistentes sociais que emitem laudos, permitindo
diagnosticar o reeducando e prognosticar se ele tem condições de futuramente reintegrar-se na sociedade.

A ciência que se ocupa do crime, da criminalidade e de suas causas, da vítima, do criminoso e de sua
ressocialização é a criminologia. De acordo com Messa (2010, p. 62):

A abordagem da motivação criminal diferencia posicionamentos científicos


e ideológicos, as conexões entre o homem e a criminalidade. A Criminologia
Clínica e a Psicologia Criminal estudam os componentes e motivações da
conduta criminosa, pessoa que a praticou, o cárcere e suas vicissitudes.
Preocupa-se ainda com as estratégias de intervenção para a reinserção
do apenado no convívio social. A Psicologia Criminal se ocupa do estudo
dos comportamentos, pensamentos, intenções e reações do criminoso,
tentando entender profundamente o que leva alguém a cometer crimes e
os seus mecanismos.

Observação

Cesare Lombroso, psiquiatra italiano, defendeu a ideia de que o


infrator já nascia com traços físicos que poderiam identificá-lo como
tal (MESSA, 2010).

Segundo Sá (apud MESSA, 2010), há uma evolução do pensamento criminológico:

• Concepção causalista: há uma relação de causa e efeito entre a conduta criminosa e o que a
originou. Nessa concepção, em determinadas condições, o crime seria uma decorrência natural.

• Concepção multifatorial: nela não haveria uma relação causal. Essa concepção entende a
conduta criminosa como composta de uma série de circunstâncias determinantes do crime.

• Concepção criminologia crítica: opõe-se às concepções anteriores, pois questiona as razões


pelas quais determinadas condutas são consideradas criminosas, enquanto outras não.

Para Maranhão (apud MESSA, 2010), os fatores causais de um crime podem ser classificados em:

• Primários: relacionados aos fatores formativos (biopsíquios) do indivíduo, tornando-o único.

103
Unidade III

• Secundários: fatores que atuam na estrutura pronta e acabada do indivíduo.

Diferentemente de Maranhão, Soares (apud MESSA, 2010) nos apresenta três categorias de causas
determinantes de um comportamento criminoso:

• Endógenas: antropológicas, genéticas, psicológicas, patológicas, relacionadas à hereditariedade,


distúrbios psíquicos etc.

• Exógenas mesológicas: referentes ao meio ambiente, decorrentes de poluição, utilização de


adubos, detergente, inseticidas, resíduos industriais, drogas, remédios nocivos.

• Sociológicas: referentes ao meio social, tais como desigualdades e injustiças sociais,


desenvolvimento econômico desordenado e elitista, falta de assistência social etc. (MESSA, 2010).

Maranhão (apud MESSA, 2010) complementa estabelecendo grupos de delito:

• Delito ocasional: geralmente cometido por pessoas de personalidade bem constituída e


socialmente ajustadas que cometem o delito mediante forte solicitação que os desequilibra.

• Delito secundário ou sintomático: refere-se a um estado mórbido. O criminoso é portador de


anomalia de personalidade que ocasiona o crime.

• Delito primário ou essencial: trata-se de agente portador de defeito de caráter.

Finalmente, Fiorelli e Mangini (apud MESSA, 2010) apresentam duas hipóteses que podem explicar
o delito:

• O crime como resultado da privação: essa explicação é relativa, e não determinante, pois há a
possibilidade de definir um padrão de resiliência e adaptação.

• O crime como produto do meio: nessa condição, não haveria a possibilidade de livre‑arbítrio.
O indivíduo é entendido como resultado de seu meio.

Observação

A causa da criminalidade se define como um produto de diversos


fatores. Dessa forma, não podemos afirmar que existe uma única
explicação para o fato. Atualmente, é importante considerar o indivíduo
como um elemento biopsicossocial.

104
PSICOLOGIA JURÍDICA

Figura 22

Disponível em: https://bit.ly/3ECkhWC. Acesso em: 24 fev. 2023.

Em decorrência da área da criminologia, surge a ciência da vitimologia, que objetiva estudar a


influência da vítima na ocorrência do delito e no estudo dos momentos do crime.

Segundo Fiorelli e Mangini (apud MESSA, 2010), são interesses da vitimologia:

• Prevenção do delito: por meio da identificação de medidas de natureza preventiva (policiamento,


iluminação, identificação e neutralização de pontos de vulnerabilidade), destacando-se o estudo
do comportamento do delinquente em relação à vítima, do comportamento da vítima em relação
ao delinquente, da influência do comportamento da vítima para a ocorrência do evento criminoso,
dos fatores que levam a vítima a reagir ou não contra aquele ou aqueles que a vitimizam ou, até
mesmo, a acentuar essa relação de desequilíbrio.

• Desenvolvimento metodológico-instrumental: incluindo a obtenção e o desenvolvimento de


informações destinadas à análise técnico-científica dos fatores envolvidos nos delitos, como local
de residência, sexo, idade, nível econômico e cultural da vítima e do autor do ato infracional.

• Formulação de propostas de criação e reformulação de políticas sociais: relacionadas à


atenção e reparação da vítima pelos danos que sofre, tanto econômicos e sociais, como psicológicos.

• Desenvolvimento continuado do modelo de justiça penal: atualizando-o do ponto de


vista social, cultural, tecnológico, sem perder de vista os aspectos humanos, com respeito à
individualidade, preservando direitos da coletividade. O conceito de justiça não é absoluto e pode
ser influenciado pelo local, costumes, leis vigentes e condições de cada pessoa envolvida nas
situações de delito (MESSA, 2010, p. 68).

Um dos precursores dos estudos da vitimologia é Benjamim Mendelson (apud MESSA, 2010),
advogado que estabeleceu uma classificação interessante relacionada aos tipos de vítimas:

105
Unidade III

• Vítima completamente inocente ou vítima ideal: quando ela é completamente estranha à


ação do criminoso, não provocando nem colaborando de alguma forma para a realização do
delito. Exemplo: pessoas vítimas de bala perdida.

• Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância: ocorre quando há um impulso não voluntário
ao delito, mas de certa forma existe um grau de culpa que leva essa pessoa à vitimização. O indivíduo
que se expõe inconscientemente para fazer o papel de vítima. Exemplo: alguém que ostenta joias
em um lugar ermo e perigoso da cidade.

• Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator: ambos podem ser o criminoso ou a
vítima. Exemplo: roleta‑russa (um só projétil no tambor do revólver e os contendores giram o
tambor até um se matar).

• Vítima mais culpada que o infrator: esse quadro envolve as vítimas provocadoras, que incitam
o autor do crime; as vítimas por imprudência, que ocasionam o acidente por não se controlarem,
ainda que haja uma parcela de culpa do autor. Exemplo: assaltante que invade a residência e
acaba morto pela vítima.

• Vítima unicamente culpada: dentro dessa modalidade, as vítimas são classificadas em: (a) vítima
infratora, ou seja, a pessoa comete um delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso
do homicídio por legítima defesa; (b) vítima simuladora, que através de uma premeditação
irresponsável induz alguém a ser acusado de um delito, gerando um erro judiciário; (c) vítima
imaginária, uma pessoa portadora de um grave transtorno mental que, em decorrência de tal
distúrbio, leva o Judiciário a erro, podendo se passar por vítima de um crime, acusando uma
pessoa de ser o outro, sendo que tal delito nunca existiu, ou seja, esse fato não passa de uma imaginação
da vítima (MESSA, 2010, p. 69).

7.2 Execução penal

Figura 23

Disponível em: https://bit.ly/3EAGTqrc. Acesso em: 24 fev. 2023.

106
PSICOLOGIA JURÍDICA

A Lei de Execução Penal diz respeito à Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Entre os seus principais
conteúdos, destacam-se:

TÍTULO I

Do objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal

Art. 1. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença


ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração
social do condenado e do internado.

[...]

Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório


e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a
estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.

Art. 3. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não


atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social,


religiosa ou política.

Art. 4. O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades


de execução da pena e da medida de segurança.

TÍTULO II

Do condenado e do Internado

CAPÍTULO I

Da classificação

Art. 5. Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e


personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

Art. 6. A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação


que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade
adequado ao condenado ou preso provisório.

Art. 7. A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada


estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo,
por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo
107
Unidade III

e 1 (um) assistente social quando se trata de condenado à pena


privativa de liberdade.

Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da


Execução e será integrada por fiscais do serviço social.

Art. 8. O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em


regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção
dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à
individualização da execução.

Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido
o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em
regime semiaberto.

Art. 9. A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da


personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes
peças ou informações do processo, poderá:

I – entrevistar pessoas;

II – requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações


a respeito do condenado;

III – realizar outras diligências e exames necessários.

Art. 9-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de


natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos [...] serão
submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante
extração de DNA – ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.

[...]

CAPÍTULO II

Da Assistência

SEÇÃO I

Disposições Gerais

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando


prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

108
PSICOLOGIA JURÍDICA

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I – material;

II – à saúde;

III – jurídica;

IV – educacional;

V – social;

VI – religiosa.

A aplicabilidade das penas tem como finalidade inibir a prática do delito,


destacando-se que não se descarta a ideia da punição, pois espera-se que
esta seja suficiente para impedir a transgressão. De acordo com Carvalho
(2014): “Ainda hoje, a pena é sinônimo de castigo. Mas com a evolução
do Direito Penal, várias teorias surgiram para explicar a finalidade da pena
[...]” (p. 162).

Um exemplo de teorias explicativas é o que nos indicam Molina e Gomes (apud CARVALHO, 2014):

• Teorias absolutistas: buscam exclusivamente o castigo do criminoso, através da aplicação da pena.


• Teorias relativas: buscam a ressocialização do criminoso, enquanto o seu encarceramento visa
somente proteger a sociedade.
• Teorias mistas: buscam a prevenção, a educação e a correção do criminoso (CARVALHO,
2014, p. 163).

Uma questão importante que se coloca diz respeito à ressocialização do reeducando, como descreve
Carvalho (2014):

A intenção de devolver os “reeducandos reeducados” ao convívio social é


um dos objetivos dos estabelecimentos prisionais. O interno recebe o nome
de reeducando, pois a princípio é essa a intenção, “reeducá-lo”, para que
volte ao convívio da sociedade, melhor do que entrou, mas nem sempre
é isso que acontece, pois a reincidência ainda é bastante alta, o que pode
ser comprovado pela superlotação dos presídios brasileiros. Muito se tem
discutido a respeito disso, porém pouco se avançou. A ociosidade dentro do
presídio pode ser apontada como uma dessas causas; outra é o preconceito
no momento de saída, principalmente relacionado a questões laborativas
(CARVALHO, 2014, p. 163).

109
Unidade III

Nesse sentido, há de se destacar a importância da participação da família, enquanto apoio ao


reeducando, tanto durante o processo de encarceramento, fazendo visitação, quanto dando-lhe respaldo
para uma saída menos traumática.

Com relação à causalidade do comportamento criminoso observamos a existência de diversas


teorias. Há aquelas que defendem os aspectos biológicos, afirmando que os criminosos já nascem assim,
como causas para o comportamento criminoso, outras defendem os aspectos psicológicos para a ação
criminosa, englobando os aspectos cognitivos, afetivos, traços de caráter, temperamento, entre outros.
Nessa última teoria, o comportamento criminoso é entendido através dos processos psíquicos anormais.

Finalmente, a área da sociologia engloba todos os fenômenos sociais como fatores determinantes
do comportamento criminoso.

Observação
Não podemos esquecer que o indivíduo, na atualidade, é entendido como
um ser biopsicossocial também com relação ao comportamento criminoso.

A psicologia, quando inserida no contexto criminal, nos traz vários fatores influenciadores de um
comportamento criminoso, destacando-se:

• Fatores emocionais: do ponto de vista jurídico, passa a ser uma situação atenuante de alguns
delitos.
• Personalidade: explica que as pessoas podem parecer iguais diante de uma mesma situação. No
entanto, podem reagir de maneiras completamente diferentes.
• Diferentes necessidades humanas, frustrações e ideais: podem conduzir o indivíduo a
expressar respostas diversificadas.
• Estruturação do caráter: composta de introjeções de valores, a partir do superego, contendo
certos impulsos ou respostas socialmente reprováveis.

Observação
A estrutura da personalidade vai se formando desde o nascimento,
sendo influenciada por diversos fatores: biológicos, psicológicos ou sociais.

Cabe salientar que o papel do psicólogo jurídico, nesse contexto, é intervir sensibilizando esse
indivíduo sobre seu contexto social, familiar, cultural e psicológico, buscando fortalecer e melhorar
essas relações. Nesse sentido, o indivíduo poderá ter parâmetros para embasar seus projetos de vida e
realizar suas escolhas.

110
PSICOLOGIA JURÍDICA

Vamos descrever agora em que sentido o psicólogo pode tornar-se um profissional importante na
análise de penas alternativas.

Antes de mais nada, é necessário salientar que o nosso panorama social é marcado por uma
distribuição de rendas desigual, refletindo no aparecimento de desequilíbrios econômicos e sociais.
Dessa forma, esses fatores têm os seus reflexos na prestação de serviços aos cidadãos. Como destacam
Roehrig e Siqueira (apud CARVALHO, 2014): “Mesmo com alguns avanços significativos nos dispositivos
legais que procuram maiores garantias de direitos individuais e coletivos, as perspectivas de cidadania
plena ainda se mostram restritas para muitos” (CARVALHO, 2014, p. 180).

Também se destaca o papel do psicólogo no processo de investigação de penas alternativas:

[...] na composição do papel do psicólogo em campo jurídico, tanto em seus


elementos teóricos e filosóficos, que constituem referência de sua identidade
profissional, quanto nas expectativas e demandas provenientes do contexto
jurídico, chega-se à constatação da importância da perspectiva relacional
para a configuração deste papel.

No contexto específico da execução de penas e medidas alternativas, como


espaço pertencente ao cotidiano social, ao colocar-se a serviço da Justiça,
esta como ideia de equidade, a atuação do psicólogo estará, em primeiro
plano, contribuindo com a qualidade da relação entre o jurisdicionado e
os operadores do direito, disponibilizando a ambos os polos desta relação os
subsídios que lhe são próprios, a partir de intervenções que possam resultar
em desenvolvimento coletivo. Estabelece sua atuação tanto na relação com
o cidadão, quanto com a instituição (CARVALHO, 2014, p. 203).

O Conselho Federal de Psicologia editou as Referências Técnicas para atuação dos psicólogos no
sistema prisional (2012), tornando-se uma importante publicação, pois, de modo bem objetivo, mostra
o papel da psicologia no sistema prisional e o que se espera do papel do psicólogo como figura ativa
nesse contexto. Nesse sentido, as prisões são entendidas como:

As prisões, ou seu gênero penal – a privação de liberdade –, nem sempre


foram a forma hegemônica e tampouco unanimidade na resposta social
diante de um membro da sociedade que desrespeita as suas leis formais.
Os estabelecimentos prisionais, como os que conhecemos hoje, seja na
forma de presídio ideal, onde “criminosos” seriam colocados para cumprir
uma pena justa e sairiam com suas faltas “morais” corrigidas, seja na forma
trágica da realidade prisional brasileira exibida nas reportagens sobre
rebeliões, superlotações e maus-tratos, são resultantes dos fatores que
produziram a sociedade e o Estado moderno, após a superação da ordem
feudal e fortalecimento do modo de produção capitalista. Esse sistema
prisional, ideal ou trágico, é um subproduto do nosso contexto social,
dependente das formas de produção econômica e da reprodução dos valores
sociais de nossa época (REFERÊNCIAS TÉCNICAS, 2012, p. 29).

111
Unidade III

De acordo com Bitencourt (REFERÊNCIAS TÉCNICAS, 2012), as funções da pena podem ser
entendidas como:

• Retributivas e punitivas: funciona como uma prevenção geral do delito através do princípio
da exemplaridade, essa função visaria sustentar uma representação no imaginário social de fazer o
“desviante” pagar a dívida para com a sociedade, servindo-se da visibilidade do castigo e do
sofrimento prisional como exemplos/modelos para que os demais membros dessa sociedade “violada”
reprimam/inibam/controlem qualquer desejo de burlar as leis do código. A partir da visibilidade
do castigo, supostamente, se evitaria a prática de novos comportamentos desviantes da norma.
• Ressocializadoras e “terapêuticas”: funciona como uma prevenção especial do delito, instituída
tanto na aplicação quanto na execução da pena, essa função “político-educativa” estaria associada
à ideologia da recuperação do apenado e à lógica do tratamento ressocializador e visaria um
determinado “modus” de recuperação pedagógica, curativa e/ou reabilitadora do dito criminoso
ou “doente moral e criminal”. Tal pretensão de modificação ontológica sempre se materializou
por meio de métodos disciplinares, pastorais e confessionais, visando à “internalização” ou à
aprendizagem de sentimentos socialmente aceitáveis, tais como arrependimento, culpa, alegria,
empatia, respeito ao próximo, entre outros, perante uma instância estatal-juridical, religiosa ou
mesmo científica. Porém, em praticamente todas as análises produzidas em torno da questão “para
que servem as prisões?”, fica claro, desde sempre, que a resposta nos leva para uma constatação
empírica de que elas servem para aquilo que talvez esteja mais subliminarmente implicado em
cada uma dessas funções instituídas, que é segregar certos indivíduos considerados como parte
indesejável da sociedade (REFERÊNCIAS TÉCNICAS, 2012).

No momento em que a criminologia e a psicologia se associam para decifrarem o comportamento


criminoso, surge a chamada Escola Positivista de Criminologia, que defenderá a punição como defesa
da ordem social, sendo muito influenciada pelo conceito de periculosidade do infrator. Essa escola
objetivou aplicar os métodos de redução, observação e experimentação aos fatos sociais, no intuito de
buscar mais informações do crime, do criminoso, reconhecido como um ser perigoso e que, por isso,
precisa ser controlado pelo sistema penal, possibilitando, nesse sentido, a segurança e ordem pública.

O pensamento moderno, sustentado nas ideias positivistas, posiciona-se na lógica da prevenção


e da repressão. No entanto, para que o processo se torne eficiente, faz-se necessária a identificação e
a separação dos indivíduos em grupos de maior e de menor risco. A separação visa minimizar a possibilidade
de que ocorram danos graves nas relações sociais decorrentes de possíveis transtornos ou doenças que, se
precocemente diagnosticadas, possam ser tratadas ou isoladas antes de o fato danoso ocorrer. O diagnóstico
adequado seleciona, nesse sentido, os indivíduos que devem permanecer ou sair das prisões.

Essa prática realiza um diagnóstico, explica as demandas jurídicas para o campo da psicologia, que
passa a classificar e a diagnosticar certas características definidoras de periculosidade, por exemplo.

Em contrapartida, o paradigma etiológico se fundamenta na dicotomia entre indivíduo e sociedade,


entendendo que a constituição do indivíduo deve ser compreendida independentemente das condições
concretas nas quais está inserido. Dessa forma, esse paradigma nega o aspecto histórico e social

112
PSICOLOGIA JURÍDICA

da constituição do indivíduo, fortalecendo a explicação de que o comportamento criminoso e suas


motivações tem enfoque no indivíduo, na sua personalidade e nas suas características orgânicas.

Observação
Uma grande parcela de psicólogos que trabalham no sistema
prisional brasileiro pondera a complexidade da situação da criminalidade
contemporânea, que leva em consideração diversas formas de penalização,
opondo-se a concepções de sujeito psicológico.

Na atualidade, considera-se a criminalização não como algo natural, resultado de causas biológicas,
mas como um processo social e histórico. A nova postura considera o método prisional um fator
criminalizante, sendo ineficaz em termos de diminuição de atos criminais. Na realidade brasileira,
observa-se, inclusive, o aumento da marginalização, da exclusão social e das relações sociais degradantes.

Uma questão que requer atenção diz respeito aos loucos infratores ou pacientes judiciários no
contexto do sistema penal e penitenciário brasileiro.

A área de saúde mental, juntamente com a justiça, tendo como parâmetro a periculosidade do louco,
orienta-se em aplicar a medida de segurança por tempo indeterminado, sob forma de permanência do
louco em manicômio judiciário até o término da periculosidade.

O Código Penal brasileiro em vigor, que segue inalterado desde o início do século XX, deduzirá como
perigoso o indivíduo que praticou um crime devido à doença mental.

De acordo com o Código Penal: “Art. 26: é isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento.”

Entende-se então que, uma vez enquadrados no artigo 26, esses agentes serão absolvidos de seus
crimes, mas sentenciados a uma medida de segurança por tempo indeterminado, objetivando sua
proteção e a da sociedade.

Observação
Do ponto de vista jurídico, perigoso não é o indivíduo sobre o qual
suspeita-se de possibilidade de reincidência; é aquele cuja avaliação
psiquiátrica pericial indicou evidente doença mental, condição entendida
como incapacitante.

113
Unidade III

De acordo com as Referências Técnicas (2012):

Nos dias atuais, as inovações conceituais introduzidas pela reforma


psiquiátrica antimanicomial, pelos avanços na clínica das psicoses e as
novas soluções de sociabilidade de inclusão das minorias no contexto das
cidades, exigem um novo arranjo institucional para tratar a questão do
louco infrator de modo diferente da solução encontrada pelos reformadores
do final do século XIX.

A entrada em cena de novos paradigmas e modos de pensar a política


e a vida em sociedade questionou antigas ideologias, tensionando e
constrangendo os atores no campo da justiça penal, segurança pública e
a própria sociedade a repensarem conceitos e posturas quanto ao modo
de tratar o indivíduo portador de sofrimento mental que responde por um
crime. Essa transformação paradigmática requer a construção de novas
bases para a prática dirigida ao louco infrator, de tal modo que reclama a
construção de novas diretrizes, que possam prescindir dos pressupostos que
a sustentam ainda nos dias de hoje (REFERÊNCIAS TÉCNICAS, 2012, p. 59).

Portanto, podemos concluir que a psicologia se torna uma ciência que atua em parceria com a área
do direito, uma parceria viável nas práticas institucionais, desenvolvendo uma atuação coerente com a
complexidade do fenômenos humanos, adotando um papel social mais ativo.

8 PERÍCIA PSICOLÓGICA E MEDIAÇÃO

8.1 Perícia psicológica

Figura 24

Disponível em: https://bit.ly/41nQgn0. Acesso em: 24 fev. 2023.

Os aspectos emocionais e psicológicos de uma pessoa podem ser avaliados psicologicamente através
de uma perícia psicológica. Ela aprofunda criteriosamente a estrutura dinâmica da personalidade de
114
PSICOLOGIA JURÍDICA

um indivíduo, a sua inteligência, sua maturidade mental, suas funções neurológicas, seus aspectos
emocionais, suas motivações.

Como resultado da perícia, é elaborado um laudo, documento minucioso que objetiva analisar e
integrar os fatos observados para subsidiar ações, decisões ou encaminhamentos judiciais.

Cabe salientar que as perícias podem ser requisitadas em diversos contextos, como em questões
trabalhistas, em casos de violência, em casos de adoção, de guarda dos filhos e regulamentação de
visitas, por exemplo.

Observação

O laudo psicológico deve ser confeccionado com detalhes, com


linguagem clara para que outros profissionais, como juízes, advogados
e promotores, possam compreendê-lo em seu conteúdo subjetivo e com
relação aos fatos reais de uma situação.

O psicólogo deve estar atento para apresentar apenas os dados úteis para esclarecer as questões,
pautando sua atuação em princípios éticos. Dessa forma, não deve expor elementos desnecessários.

O Código de Processo Civil brasileiro indica em seu art. 145 que o juiz será auxiliado por um perito
quando as provas dependerem de conhecimento específico e especializado.

O Código de Ética do Psicólogo, art. 23, §1, ressalta que, nos casos de perícia, o psicólogo deverá tomar
as precauções para relatar somente o necessário para o esclarecimento do caso. É vedado ao psicólogo
ser perito, avaliador ou parecerista nas situações em que seus vínculos pessoais ou profissionais (atuais
ou anteriores) possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados
da avaliação.

Dessa forma, o laudo psicológico é um essencial instrumento para que o juiz possa compreender o
papel de todas as pessoas envolvidas no caso. Essa compreensão engloba aspectos como os emocionais,
intelectuais e cognitivos nas diversas áreas de atuação.

No entanto, para que o psicólogo possa atuar como um perito, ele necessita ter conhecimentos
teóricos das chamadas áreas afins, como a do direito, a da medicina legal, a do serviço social, a da
criminologia, por exemplo.

O papel do juiz, ao pedir o laudo psicossocial, entende a ação do psicólogo jurídico como algo que
diagnostica e investiga.

A função do psicólogo pode ser aplicada em várias situações.

115
Unidade III

No âmbito do trabalho, a perícia tem um caráter de vistoria com o objetivo, por exemplo, de detectar
danos relacionados com as condições de trabalho como cargas e riscos, além de investigar alterações
de comportamento.

Nas Varas da Infância e Juventude, os laudos dizem respeito aos casos de adoção, alocações em lares
substitutos, abrigos, internação e desinternação.

Nas Varas de Família e Sucessões, é importante a investigação de questões relativas às guardas dos
filhos e a regulamentação de visitas.

Em outros casos, o papel do psicólogo torna-se importante em casos de interdição, em que se faz
necessária a demonstração da incapacidade para os atos da vida civil, destituição de poder familiar e
anulação de casamento.

8.2 Métodos de solução de conflitos

Figura 25

Disponível em: https://bit.ly/3xXzEoC. Acesso em: 24 fev. 2023.

A legislação brasileira prevê, para a solução de conflitos, a utilização de métodos extrajudiciais.

Observação

Os métodos extrajudiciais não objetivam a exclusão ou superação do


sistema jurídico tradicional. Eles têm ganhado importância por serem mais
econômicos em termos financeiros e temporais (MESSA, 2010).

De acordo com Messa (2010), eles se caracterizam por serem autocompositivos, ou seja, todas as
pessoas envolvidas no processo são autoras da decisão e da resolução do conflito.

A solução de conflitos, quando instaurada, requisita métodos adequados que devem levar em
consideração, por exemplo, as características dos envolvidos e suas experiências para indicar um
116
PSICOLOGIA JURÍDICA

caminho adequado para os conflitos. Entre os métodos utilizados encontramos: o julgamento, a


arbitragem, a negociação, a conciliação e a mediação. Excetuando-se o julgamento, os outros métodos
são denominados extrajudiciais. Cada um dos métodos tem características específicas e são utilizados
em determinadas situações.

O julgamento é o método mais tradicional. Nele os fatos são analisados e posteriormente aplicados
no âmbito do direito, resultado em uma sentença que vincula as partes. O juiz representa o poder de
decisão, a autoridade suprema. Como pontua Pinheiro (2016, p. 105):

Ele é o responsável pelos resultados. O certo ou o errado, o justo ou o injusto


não pertencem às partes, mas ficam a critério do julgador. O mesmo se aplica
quando há a figura do corpo de jurados (no tribunal do júri) ou ainda a figura
do perito e do assistente técnico. Dessa forma, o Judiciário, com o apoio da
lei, representa o conjunto de valores e crenças que justificam os resultados e
que indicam o caminho socialmente compartilhado.

Na arbitragem, a decisão do conflito cabe a um terceiro, o árbitro, que é escolhido pelas partes. Nesse
sentido, cabe a alguém de confiança de ambas as partes a decisão. Segundo Messa (2010, p. 89):

A arbitragem é um meio extrajudicial de solução de controvérsias, em que


as partes contratantes escolhem um terceiro (árbitro) para resolver o litígio
[...]. A arbitragem é um procedimento de natureza informal em que as partes
querem uma solução e não precisam procurá-las na Justiça comum. Surge
no momento em que as partes não resolveram a questão de modo amigável.
O árbitro geralmente é um especialista que decide a controvérsia porque
tem um grande conhecimento sobre o assunto tratado.

A negociação é mais utilizada em situações que envolvem bens materiais. É importante destacar que
a negociação está presente, como uma de suas fases, tanto na conciliação quanto na mediação.

A conciliação é entendida como um método cooperativo que busca soluções, porém não tem o
poder de decisão, cabendo às partes esta tarefa. Cabe ao conciliador mostrar as vantagens de um acordo
para evitar outros tipos de conflitos. Messa (2010) complementa a esse respeito:

A conciliação é um meio de solução de controvérsias em que as partes resolvem


o conflito, através da ação de um terceiro, o conciliador. O conciliador, além
de aproximar as partes, aconselha e ajuda, fazendo sugestões de acordo [...].
Na conciliação, há a identificação clara do problema que deve ser resolvido,
já que as partes já se polarizaram sobre o problema. As partes já têm o objeto
e querem obter um bom acordo. O conciliador visa à solução do conflito e
busca os termos de como será cumprido o acordo (MESSA, 2010, p. 88).

Finalmente, na mediação há a necessidade da atuação de um terceiro: o mediador. Ele deve analisar


o conflito, identificando os interesses que se encontram por trás das divergências entre as partes.
117
Unidade III

O papel do mediador não é decidir nem sugerir soluções, mas atua para que as partes as encontrem.
A sua intervenção permite o restabelecimento da comunicação das partes a fim de chegar a um acordo.

Para Messa (2010), a mediação, para ser caracterizada como tal, deve apresentar algumas
características:

• Deve objetivar uma comunicação produtiva.

• Deve ser voluntária no sentido de que as partes não são obrigadas a chegar a uma solução ou acordo.

• A imparcialidade com relação às partes deve ser mantida pelo mediador.

• Ela é confidencial.

• Tem caráter não adversarial.

• Deve promover o deslocamento de emoções negativas para positivas.

• O foco é evitar o resultado ganha‑perde das partes e buscar o resultado ganha-ganha.

Messa (2010) ainda aponta:

A adoção do método de mediação nada mais é que um processo de negociação


que modifica profundamente o relacionamento das partes e a forma de lidar
com o conflito. Para alcançar êxito nas situações de mediação, é necessário levar
em consideração que para cada fase do processo e para cada sujeito deve haver
uma ação específica. O negociador hábil utiliza técnicas de negociação que
visam facilitar a resolução de conflitos, visto que uma atmosfera harmoniosa
contribui para a mediação e para que as percepções sejam esclarecidas.
O mediador precisa focalizar as necessidades individuais e compartilhadas e
construir um poder positivo e compartilhado, desenvolvendo passos para a
efetivação da ação, estabelecendo acordos de benefícios mútuos. As partes
devem estar preparadas para escutar com uma postura de interesse genuíno
pelo que está sendo dito, respeitando o ponto de vista alheio, evitando críticas
[...] (MESSA, 2010, p. 85).

Lembrete

Na mediação há a necessidade da atuação de um terceiro: o mediador.


Ele deve analisar o conflito, identificando os interesses que se encontram
por trás das divergências entre as partes.

118
PSICOLOGIA JURÍDICA

Resumo
Ao longo dos anos, a criminalidade tem se tornado uma preocupação
social e mundial devido aos seus altos índices de ocorrência. Observa‑se
uma multiplicidade de classificações relacionadas ao crime. No entanto,
destacam-se duas classificações importantes: a criminológica e a etiológica.

Acentuamos nesta unidade que o ponto de partida da classificação


etiológica mostra que, quando ocorre o ato criminoso, o agente responde
a estímulos que derivam do meio interno ou do ambiente externo. Nesse
sentido, a classificação, de acordo com esse parâmetro, fundamenta-se em
conhecer qual dos estímulos foi predominante.

Levando-se em consideração Pinheiro (2016), os delitos apresentam


algumas modalidades:

• Delito doloso: diz respeito à prática de ato voluntário com resultado


intencional. Nesse delito existe uma vontade consciente, porém são
relevantes as motivações que levam à prática do delito.

• Delito culposo: prática de ato voluntário com resultado involuntário.


Ele pode apresentar-se de três formas: por meio da imprudência,
por exemplo, quando uma pessoa dirige em velocidade acima do
permitido; por meio da negligência, por exemplo, quando uma mãe
deixa seu bebê sozinho por um longo período; por meio da imperícia,
relacionado a omissão do indivíduo no exercício de sua profissão.

• Delinquência ocasional: caracterizado por um indivíduo até então


socialmente ajustado e que segue as leis, que pratica o ato criminoso
mediante um estímulo externo.

• Delinquência psicótica: o delito surge devido a um transtorno


mental, como nos casos de esquizofrenia, psicose, depressão.

• Delinquência neurótica: o comportamento criminoso é resultado da


manifestação dos conflitos internos do indivíduo. Essa delinquência
é denominada delinquência sintomática.

Atualmente, as pessoas que cumprem pena são denominadas


reeducandos pelos profissionais do direito, e não mais de presos, internos,
apenados, encarcerados ou presidiários. Essa mudança de denominação

119
Unidade III

está relacionada ao fato de que espera-se, no contexto jurídico, que haja


uma ressocialização através da reeducação.

Na área de execução penal observamos que o conceito de crime, de


criminoso e de tipos de pena variam de acordo com o tempo e o espaço.
Em outras palavras, podemos afirmar que o que foi crime outrora, hoje
não é mais. Dessa forma, penas foram aplicadas para novos crimes e
outras foram abolidas.

Destaca-se, para esse estudo, as contribuições de Michel Foucault, que


acentuou a relação entre poder e conhecimento e como esses fatores são
utilizados para o controle social através das instituições. Foucault tratou de
temas como loucura, sexualidade, disciplina, poder, punição e sistema penal.

O significado de “classes perigosas” foi se modificando com o decorrer


da história. Na Antiguidade e em boa parte da Idade Média, o trabalho era
desvalorizado, sendo entendido como um castigo.

Ao final da Idade Média europeia, por exemplo, com o surgimento da


sociedade do trabalho, este passa a ser valorizado e, consequentemente,
desvalorizava-se aquele que não trabalhava.

Com o aparecimento das classes marginalizadas ou “perigosas”, que


causam desconfiança, surge a necessidade do controle social. Cabe salientar
que não somente as classes consideradas perigosas mudam ao longo da
história e dependendo do lugar. Há também mudanças no tipo de pena
para os que são considerados criminosos.

A pena privativa de liberdade visa à disciplina. As pessoas podem ser


vistas e controladas. O objetivo disso é que as pessoas introjetem a disciplina
para que possam se comportar adequadamente no contexto social. Dessa
forma, a falta de disciplina é perigosa, resultando no interesse da sociedade
na reclusão do “criminoso”.

A prisão serve, portanto, como um instrumento corretivo que dependerá


da personalidade do reeducando (anteriormente definido como preso).
A partir de um diagnóstico do reeducando é estabelecido um diagnóstico
e o prognóstico para que sua ressocialização seja bem‑sucedida. Na Lei de
Execução Penal brasileira, esse processo está nas mãos da Comissão Técnica
de Classificação (CTC).

A CTC é constituída por médicos, psicólogos e assistentes sociais que


emitem laudos, permitindo diagnosticar o reeducando e prognosticar se ele
tem condições de futuramente reintegrar-se na sociedade.

120
PSICOLOGIA JURÍDICA

A ciência que se ocupa do crime, da criminalidade e de suas causas, da


vítima, do criminoso e de sua ressocialização é a criminologia.

Segundo Sá (apud MESSA, 2010), há uma evolução do pensamento


criminológico:

• Concepção causalista: há uma relação de causa e efeito entre


a conduta criminosa e o que a originou. Nessa concepção, em
determinadas condições, o crime seria uma decorrência natural.
• Concepção multifatorial: nela não haveria uma relação causal.
Essa concepção entende a conduta criminosa como composta de
uma série de circunstâncias determinantes do crime.
• Concepção criminologia crítica: ela se opõe às concepções anteriores,
pois questiona acerca das razões pelas quais determinadas condutas
são consideradas criminosas, enquanto outras não.

Para Maranhão (apud MESSA, 2010), os fatores causais de um crime


podem ser classificados em:

• Primários: relacionados aos fatores formativos (biopsíquios) do


indivíduo, tornando-o único.

• Secundários: fatores que atuam na estrutura pronta e acabada


do indivíduo.

Maranhão (apud MESSA, 2010) complementa estabelecendo grupos


de delito:

• Delito ocasional: geralmente cometido por pessoas de personalidade


bem constituída e socialmente ajustadas que cometem o delito
mediante forte solicitação que os desequilibra.

• Delito secundário ou sintomático: refere-se a um estado mórbido.


O criminoso é portador de anomalia de personalidade que ocasiona
o crime.

• Delito primário ou essencial: trata-se de agente portador de defeito


de caráter.

Em decorrência da área da criminologia, surge a ciência da vitimologia,


que objetiva estudar a influência da vítima na ocorrência do delito e no
estudo dos momentos do crime.

121
Unidade III

Um dos precursores dos estudos da vitimologia é Benjamim Mendelson


(apud MESSA, 2010), advogado que estabeleceu uma classificação
interessante relacionada aos tipos de vítimas: vítima completamente
inocente ou vítima ideal; vítima de culpabilidade menor ou por ignorância;
vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator; vítima mais culpada
que o infrator e vítima unicamente culpada.

A aplicabilidade das penas tem como finalidade inibir a prática


do delito, destacando-se que não se descarta a ideia da punição, pois
espera‑se que esta seja suficiente para impedir a transgressão. De acordo
com Carvalho (2014): “Ainda hoje, a pena é sinônimo de castigo. Mas com a
evolução do Direito Penal, várias teorias surgiram para explicar a finalidade
da pena [...]” (p. 162).

Nesse sentido, há de se destacar a importância da participação da


família, enquanto apoio ao reeducando, tanto durante o processo de
encarceramento, fazendo visitação, quanto dando-lhe respaldo para uma
saída menos traumática.

Com relação à causalidade do comportamento criminoso observamos


a existência de diversas teorias. Há aquelas que defendem os aspectos
biológicos, afirmando que os criminosos já nascem assim, como causas para
o comportamento criminoso, outras defendem os aspectos psicológicos
para a ação criminosa, englobando os aspectos cognitivos, afetivos, traços de
caráter, temperamento entre outros. Nessa última teoria, o comportamento
criminoso é entendido através dos processos psíquicos anormais.

Finalmente, a área da sociologia engloba todos os fenômenos sociais


como fatores determinantes do comportamento criminoso.

A psicologia, quando inserida no contexto criminal, nos traz vários


fatores influenciadores de um comportamento criminoso, destacando-se:

• Fatores emocionais: do ponto de vista jurídico, passa a ser uma


situação atenuante de alguns delitos.

• Personalidade: explica que as pessoas podem parecer iguais diante


de uma mesma situação. No entanto, podem reagir de maneiras
completamente diferentes.

• Diferentes necessidades humanas, frustrações e ideais: podem


conduzir o indivíduo a expressar respostas diversificadas.

122
PSICOLOGIA JURÍDICA

• Estruturação do caráter: composta de introjeções de valores,


a partir do superego, contendo certos impulsos ou respostas
socialmente reprováveis.

Cabe salientar que o papel do psicólogo jurídico, nesse contexto, é


intervir sensibilizando esse indivíduo sobre seu contexto social, familiar,
cultural e psicológico, buscando fortalecer e melhorar essas relações. Nesse
sentido, o indivíduo poderá ter parâmetros para embasar seus projetos de
vida e realizar suas escolhas.

O psicólogo pode tornar-se um profissional importante na análise de


penas alternativas.

É necessário salientar que o nosso panorama social é marcado por uma


distribuição de rendas desigual, refletindo no aparecimento de desequilíbrios
econômicos e sociais. Dessa forma, esses fatores têm os seus reflexos na
prestação de serviços aos cidadãos. Como destacam Roehrig e Siqueira
(apud CARVALHO, 2014): “Mesmo com alguns avanços significativos nos
dispositivos legais que procuram maiores garantias de direitos individuais
e coletivos, as perspectivas de cidadania plena ainda se mostram restritas
para muitos” (p. 180).

O Conselho Federal de Psicologia editou as Referências Técnicas para


atuação dos psicólogos no sistema prisional (2012), tornando-se uma
importante publicação, pois, de modo bem objetivo, mostra o papel da
psicologia no sistema prisional e o que se espera do papel do psicólogo
como figura ativa nesse contexto.

De acordo com Bitencourt (REFERÊNCIAS TÉCNICAS, 2012), as


funções da pena podem ser entendidas como: retributivas e punitivas e
ressocializadoras e terapêuticas.

No momento em que a criminologia e a psicologia se associam


para decifrarem o comportamento criminoso, surge a chamada Escola
Positivista de Criminologia, que defenderá a punição como defesa da
ordem social, sendo muito influenciada pelo conceito de periculosidade do
infrator. Essa escola objetivou aplicar os métodos de redução, observação
e experimentação aos fatos sociais, no intuito de buscar mais informações
do crime, do criminoso, reconhecido como um ser perigoso e que, por isso,
precisa ser controlado pelo sistema penal, possibilitando, nesse sentido, a
segurança e ordem pública.

O pensamento moderno, sustentado nas ideias positivistas, posiciona‑se


na lógica da prevenção e da repressão. No entanto, para que o processo
se torne eficiente, faz-se necessária a identificação e a separação
123
Unidade III

dos indivíduos em grupos de maior e de menor risco. A separação visa


minimizar a possibilidade de que ocorram danos graves nas relações sociais
decorrentes de possíveis transtornos ou doenças que, se precocemente
diagnosticadas, possam ser tratadas ou isoladas antes de o fato danoso
ocorrer. O diagnóstico adequado seleciona, nesse sentido, os indivíduos que
devem permanecer ou sair das prisões.

Em contrapartida, o paradigma etiológico se fundamenta na dicotomia


entre indivíduo e sociedade, entendendo que a constituição do indivíduo
deve ser compreendida independentemente das condições concretas nas
quais está inserido. Dessa forma, esse paradigma nega o aspecto histórico
e social da constituição do indivíduo, fortalecendo a explicação de que o
comportamento criminoso e suas motivações tem enfoque no indivíduo,
na sua personalidade e nas suas características orgânicas.

Na atualidade, considera-se a criminalização não como algo natural,


resultado de causas biológicas, mas como um processo social e histórico.
A nova postura considera o método prisional um fator criminalizante,
sendo ineficaz em termos de diminuição de atos criminais. Na realidade
brasileira, observa-se, inclusive, o aumento da marginalização, da exclusão
social e das relações sociais degradantes.

Uma questão que requer atenção diz respeito aos loucos infratores
ou pacientes judiciários no contexto do sistema penal e penitenciário
brasileiro. A área de saúde mental, juntamente com a justiça, tendo como
parâmetro a periculosidade do louco, orienta-se para aplicar a medida de
segurança por tempo indeterminado, sob forma de permanência do louco
em manicômio judiciário até o término da periculosidade.

O Código Penal Brasileiro em vigor, que segue inalterado desde o início


do século XX, deduzirá como perigoso o indivíduo que praticou um crime
devido à doença mental. De acordo com o Código Penal: “Art. 26: é isento
de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com este entendimento”.

Entende-se então que, uma vez enquadrados no artigo 26, esses


agentes serão absolvidos de seus crimes, mas sentenciados a uma medida
de segurança por tempo indeterminado, objetivando sua proteção
e a da sociedade.

Do ponto de vista jurídico, perigoso não é o indivíduo sobre o qual


suspeita-se de possibilidade de reincidência; é aquele cuja avaliação
124
PSICOLOGIA JURÍDICA

psiquiátrica pericial indicou evidente doença mental, condição entendida


como incapacitante.

Portanto, podemos concluir que a psicologia se torna uma ciência que


atua em parceria com a área do direito, uma parceria viável nas práticas
institucionais, desenvolvendo uma atuação coerente com a complexidade
do fenômenos humanos, adotando um papel social mais ativo.

Os aspectos emocionais e psicológicos de uma pessoa podem ser


avaliados psicologicamente através de uma perícia psicológica. Ela
aprofunda criteriosamente a estrutura dinâmica da personalidade de
um indivíduo, a sua inteligência, sua maturidade mental, suas funções
neurológicas, seus aspectos emocionais, suas motivações.

Como resultado da perícia, é elaborado um laudo, documento minucioso


que objetiva analisar e integrar os fatos observados para subsidiar ações,
decisões ou encaminhamentos judiciais.

Cabe salientar que as perícias podem ser requisitadas em diversos


contextos, como em questões trabalhistas, em casos de violência, em casos
de adoção, de guarda dos filhos e regulamentação de visitas, por exemplo.

O psicólogo deve estar atento para apresentar apenas os dados úteis


para esclarecer as questões, pautando sua atuação em princípios éticos.
Dessa forma, não deve expor elementos desnecessários.

Assim, o laudo psicológico é um essencial instrumento para que o


juiz possa compreender o papel de todas as pessoas envolvidas no caso.
Essa compreensão engloba aspectos como os emocionais, intelectuais e
cognitivos nas diversas áreas de atuação.

A legislação brasileira prevê, para a solução de conflitos, a utilização de


métodos extrajudiciais.

De acordo com Messa (2010), eles se caracterizam por serem autocompositivos,


ou seja, todas as pessoas envolvidas no processo são autoras da decisão e
da resolução do conflito.

A solução de conflitos, quando instaurada, requisita métodos adequados


que devem levar em consideração, por exemplo, as características dos
envolvidos e suas experiências para indicar um caminho adequado para
os conflitos. Entre os métodos utilizados encontramos: o julgamento, a
arbitragem, a negociação, a conciliação e a mediação.

125
Unidade III

Exercícios

Questão 1. Com relação à psicologia jurídica na execução penal, é incorreto afirmar:

A) Para Foucault, a prisão é a principal pena aplicada aos que cometem crimes.

B) Ao final da Idade Média, o trabalho era desvalorizado.

C) A prisão não era um meio de marginalização.

D) Com o advento da sociedade do trabalho, começou-se a valorizar quem trabalhasse.

E) O conceito de crime e pena foi se modificando com o decorrer da história.

Resposta correta: alternativa C.

Análise da questão

A prisão é um meio de marginalização, dificultando, inclusive, o processo de ressocialização


dos egressos.

Questão 2. A mediação está prevista pela legislação brasileira para a solução de conflitos, fazendo
uso de métodos extrajudiciais. O método utilizado e o principal foco da mediação são, respectivamente:

A) Método menos econômico; foco na decisão conflituosa.

B) Método alternativo; foco no ganha-perde.

C) Método extrajudicial; foco no terceiro parcial.

D) Método autocompositivo; foco na negociação, competência e habilidade.

E) Método autocompositivo; foco no caráter adversarial.

Resposta correta: alternativa D.

Análise da questão

O método utilizado pela mediação para solucionar conflitos é autocompositivo, cujo foco é chegar
à negociação entre as partes com competência e habilidade. A alternativa A está incorreta, pois o método
é mais econômico; a alternativa B está incorreta, pois o foco do método é o ganha-ganha; a alternativa C
está incorreta, pois o foco é no terceiro imparcial; e a alternativa E está incorreta, pois o caráter não
deve ser adversarial.

126
REFERÊNCIAS

Textuais

AMARANTE, N. X. Comentário ao art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. In: CURY, M. (org.).
Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários jurídicos e sociais. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais –


DSM – 5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

ANTUNES, A. L.; MAGALHÃES, A. S.; FERES CARNEIRO, T. Litígios intermináveis: uma perpetuação do
vínculo conjugal? Aletheia, n. 26, p. 199-211, 2010.

ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978.

ASSOCIAÇÃO DE PAIS E MÃES SEPARADOS (APASE). Síndrome da alienação parental e a tirania do


guardião: aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007.

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução: Carlos Alberto Medeiros.
Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologia: uma introdução ao estudo da psicologia. 13. ed.
São Paulo: Saraiva, 2002.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologia fácil. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRANDÃO, E. P.; GONÇALVES, H. S. (orgs). Psicologia jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: NAU, 2004.

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, 1990. Disponível em: https://bit.ly/3SsvqyJ.
Acesso em: 24 fev. 2023.

CARVALHO, M. C. N. (org.). Psicologia jurídica: temas de aplicação. Curitiba: Juruá, 2014.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para atuação das (os) psicólogas (os) no
sistema prisional. Brasília: CFP, 2012.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Assédio moral e sexual: previna-se. Brasília: CNMP, 2016.

FONSECA, J. Essência e personalidade: elementos de psicologia relacional. São Paulo: Ágora, 2018.

FOUCAULT, M. A sociedade punitiva. São Paulo: Martins Fontes, 2016.

FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. Gestalt-terapia: conceitos fundamentais. Coleção Gestalt‑terapia:


fundamentos e práticas. v. 2. São Paulo: Summus editorial, 2014.
127
FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. Gestalt-terapia: fundamentos epistemológicos e influências
epistemológicas. Coleção Gestalt-terapia: fundamentos e práticas. São Paulo: Summus editorial, 2013.

FREUD, S. Fundamentos da clínica psicanalítica. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte:
Autêntica, 2017.

FREUD, S. Neurose, psicose, perversão. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

FRIEDMAN, H. S.; SCHUSTACK, M. W. Teorias da personalidade: da teoria clássica à pesquisa moderna.


2. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

HABIGZANG, L. F.; KOLLER, S. H. Violência contra crianças e adolescentes: teoria, pesquisa e prática.
Porto Alegre: Artmed, 2012.

LAGO, V. M. et al. Um breve histórico da psicologia jurídica no Brasil. Estudos de Psicologia, Campinas,
v. 26, n. 24, p. 483-491, 2009.

MANSANO, S. R. V.; NALLI, M. (orgs.) Michel Foucault: desdobramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

MARANHÃO, O. R. Psicologia do crime. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

MESSA, A. A. Psicologia jurídica. São Paulo: Atlas, 2010.

MOREIRA, M. M. N.; PRIETO, D. “Da sexta vez não passa”: violência cíclica na relação conjugal.
Psicologia IESB, v. 2, n. 1, p. 58-69, 2010.

MORRIS, C. G.; MAISTO, A. A. Introdução à psicologia. 6. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

ONU. Convenção dos Direitos da Criança. Genebra, 1989.

PAIVA, L. D. O psicólogo judiciário e as avaliações nos casos de adoção. In: SHINE, S. Avaliação
psicológica e a lei: adoção, vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros. Casa do Psicólogo,
São Paulo, p. 73-112, 2014.

PASSOS, I. C. F. (org.) Poder, normatização e violência: incursões foucaultianas para a atualidade. 2. ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

PINHEIRO, C. Psicologia jurídica. Coleção Direito Vivo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

SERAFIM, A. P.; SAFFI, F. Psicologia e práticas forenses. 2. ed. Barueri: Manole, 2014.

SIQUEIRA, A. C.; JAEGER, F. P.; KRUEL, C. S. Família e violência: conceitos, práticas e reflexões críticas.
Curitiba: Juruá, 2013.

128
129
130
131
132
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

Você também pode gostar