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FUNDAMENTOS

DE QUÍMICA
MEDICINAL

Elenilson Figueiredo
da Silva
Agentes antibacterianos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar o mecanismo de ação dos diferentes agentes antibacteria-


nos, bem como reações adversas e indicações clínicas.
„„ Compreender a relação entre estrutura química e atividade farmaco-
lógica dos diferentes antibacterianos.
„„ Analisar química e farmacologicamente as principais interações e
incompatibilidades medicamentosas.

Introdução
Ao longo da história, diversos surtos de doenças atingiram altíssimos
níveis de gravidade, ao ponto de quase dizimarem diversas comuni-
dades humanas. Quase sempre esses surtos eram associados a algum
castigo divino que punia a humanidade. Pasteur e Robert Koch, porém,
defendiam que as doenças provinham da infecção do corpo humano
por pequenos seres, chamados de micróbios ou bactérias, seres uni-
celulares, procariontes, com poder de rápida multiplicação e grande
potencial infectante. Em1905, Koch chegou a ganhar o prêmio Nobel em
medicina por suas descobertas sobre infecção bacteriana e sua relação
com diversas enfermidades.
Apesar do reconhecimento de que muitas enfermidades estavam
associadas à infecção bacteriana, somente alguns anos depois foram
iniciadas pesquisas mais profundas de fármacos antibacterianos, também
chamados de antibióticos, e a produção destes medicamentos.
2 Agentes antibacterianos

Mecanismo de ação de antibióticos


Assim como os demais fármacos, os antibióticos possuem mecanismos próprios
de ação. Pela importância acentuada desse grupo de medicamentos, vamos
classificá-los a partir dos mecanismos com que impedem o crescimento bac-
teriano e/ou causam sua morte. Logo após a apresentação desses mecanismos,
a Figura 1 ilustra onde ocorre a ação dos antibióticos dentro da célula.

„„ Inibidores da síntese da parede celular bacteriana: As bactérias


são seres unicelulares que possuem, em sua estrutura básica, além da
membrana plasmática, uma parede celular para aumentar sua resistência
contra o ambiente. Esta parede é formada de diversas cadeias de pepti-
deoglicanos que, por sua vez, são filamentos lineares de glicanos. Os
fármacos inibidores da síntese da parede celular impedem a formação
dos filamentos de glicanos e, assim, enfraquecem os mecanismos de
resistência da célula bacteriana, causando sua morte.
„„ Desestabilizadores da membrana citoplasmática bacteriana: Este
tipo de fármaco interage com os polissacarídeos da membrana, reti-
rando moléculas de cálcio e magnésio que desempenham papel muito
importante na estabilidade da membrana. Assim, promove aumento
da permeabilidade e liberação de componentes celulares, levando à
morte celular bacteriana.
„„ Inibidores da síntese proteica bacteriana: Assim como nos seres
humanos, as principais funções das células bacterianas são efetuadas por
proteínas. Os inibidores de síntese protéica impedem que os ribossomos
façam a tradução de RNA em proteínas, ocasionando uma desordem
grave na célula, o que leva à sua morte.
„„ Antibacterianos que interferem na síntese de DNA: A síntese ocorre
a partir da atuação de diversas enzimas que abrem a dupla hélice do
DNA e fazem a cópia, utilizando as fitas originais como molde. Os
fármacos que interferem na sua síntese atuam justamente sobre estas
enzimas e inibem seu funcionamento correto.
„„ Antibacterianos que interferem na formação do folato: Como as
paredes e membranas das células bacterianas são altamente seletivas,
impedem a entrada de diversos tipos de moléculas. Os folatos são um
exemplo de molécula que não permeia as barreiras bacterianas, porém
são cofatores muito importantes na síntese do DNA e, por isto, as bacté-
rias possuem métodos de sintetizar folatos em seu interior. Os fármacos
inibidores da formação de folatos são antagonistas do PABA, substrato
Agentes antibacterianos 3

de partida para a formação de folatos, o que impede a sua formação e,


por, consequência, causa problemas na duplicação do DNA bacteriano.

2 Inibição da atuação de
1 Inibição da duplicação enzimas que produzem
cromossômica ou da transcrição substâncias essenciais ao
metabolismo

Cápsula
bacteriana Há proteínas
A transcrição que atuam
Citoplasma DNA
produz RNA como enzimas
6
mensageiro
Membrana Ribossomos
plasmática Duplicação do
cromossomo A tradução
para reprodução sintetiza proteína
Parede celular
5
Inibição da síntese
3 4 da parece ceular
Danos à membrana Inibição da síntese
plasmática de proteínas

Figura 1. Mecanismo de ação dos antibióticos.


Fonte: Adaptada de Segundo Cientista (2017, documento on-line).

Apesar dos fármacos normalmente serem bastante específicos, existem


muitos efeitos adversos associados aos antibióticos. Os mais comuns são náu-
seas, fezes moles e diarreia. Isto ocorre pois nossa flora intestinal é composta
de muitos tipos diferentes de bactérias e os fármacos não conseguem distinguir
as bactérias patogênicas das naturais da nossa microbiota.

Mecanismos de resistência a antibióticos


Nós já avançamos muito nas pesquisas sobre controle de infecções, descobrindo
novos fármacos ou medidas profiláticas que impedem a infecção de ocorrer.
Em contrapartida, as bactérias também estão avançando e desenvolvendo
muitos mecanismos para burlar a ação dos medicamentos que utilizamos. Por
este motivo, desde 2010 é exigida a receita médica para a compra de antibi-
óticos. Desta forma, temos um certo nível de controle quanto à aquisição de
mecanismos de resistência bacteriana. Neste tópico, você irá estudar sobre
4 Agentes antibacterianos

as principais formas de resistência. Veja, após a descrição das defesas das


bactérias, a ilustração de como elas funcionam, na Figura 2.

„„ Inativação enzimática do antibiótico: Como você já aprendeu, as


enzimas são moléculas de suma importância para a vida de qualquer
ser vivo. Para bactérias, não é diferente, tanto que existem enzimas
que, após a entrada do fármaco dentro da célula, se especializam em
inativá-lo, fazendo com que perca seu efeito biológico.
„„ Extrusão do antibiótico: Outra ação das proteínas é a constituição
de bombas de efluxo, presentes na membrana, que atuam expulsando
qualquer substância nociva para a bactéria. Assim que o fármaco é
reconhecido como um agente agressor, as bombas de efluxo jogam o
fármaco para o exterior da célula e impedem sua função.
„„ Mudança no sítio de ligação do antibiótico: De modo geral, os antibi-
óticos são bastante específicos para seu receptor. Portanto, só se ligam
receptor que tiver a conformação correta. As bactérias conseguem,
por meio de mutações ou incorporação do DNA de outras bactérias,
mudar a conformação dos receptores, enganando o fármaco que deixa
de reconhecer o sítio de ligação.
„„ Alterações na permeabilidade do antibiótico: Tanto a parede quanto a
membrana das bactérias são barreiras semipermeáveis, que permitem a
passagem de diversos tipos de moléculas e barram outros diversos tipos.
Uma forma de resistência é justamente a modulação da permeabilidade,
impedindo que o fármaco entre no interior da bactéria e, assim, não
consiga exercer sua atividade.
Agentes antibacterianos 5

Antibiótico A Antibiótico B Antibiótico C

Redução
do influxo

Expressão
de bombas
Inativação Alteração do de efluxo
enzimática sítio de ligação

Receptor-alvo

Figura 2. Mecanismos de resistência bacteriana.


Fonte: Adaptada de Nogueira et al (2016, p. 99).

Origem e estrutura química dos


fármacos antimicrobianos
Embora alguns produtos sintéticos sejam extremamente eficazes e amplamente
utilizados para o tratamento de infecções bacterianas, tais medicamentos
compreendem um número reduzido de antibióticos disponíveis na terapêutica
clínica. A maioria dos fármacos antimicrobianos é originária de produtos
naturais ou produtos naturais modificados (semissintéticos).
Quanto à estrutura química, os fármacos originários de fontes naturais e
os semissintéticos são classificados em: β-lactâmicos, tetraciclinas, aminogli-
cosídeos, macrolídeos, peptídicos cíclicos, estreptograminas, lincosamidas,
cloranfenicol e rifamicinas. Já os fármacos de origem sintética são classificados
em sulfonamidas, fluoroquinolonas e oxazolidinonas. O Quadro 1 estabelece a
relação entre a estrutura química, os mecanismos de ação e as reações adversas
dos principais fármacos antibióticos em uso atualmente.
6 Agentes antibacterianos

Quadro 1. Estrutura química, os mecanismos de ação e as reações adversas dos principais


fármacos antibióticos

Antibiótico Mecanismo de ação Reação adversa

β-lactâmicos Inibição da formação de Erupções cutâneas,


(penicilinas, ligação cruzada entre urticária, edema de
cefalosporinas, cadeias de peptideoglicano, laringe, febre, calafrios,
carbapeninas, impedindo a formação edema, artralgia
monobactamas) correta da parede e prostração.
celular bacteriana.

β-lactâmicos Inibição da enzima de


(oxapeninas, resistência bacteriana,
sulfoxapeninas) que degrada antibióticos
β-lactâmicos.

Macrolídeos, Inibição da síntese Náusea, diarreia,


lincosamidas, proteica bacteriana. enterocolite, vômito,
estreptograminas inflamação nos lábios
(dalfopristina e e na língua, alterações
quinupristina), no sangue, reações de
cloranfenicol, hipersensibilidade.
oxazolidinonas
(linezolida)

Aminoglicosídeos, Inibição da síntese Náusea, vômito, diarreia,


tetraciclinas proteica bacteriana. candidíase oral (ou
sapinho), infeção
na vagina, coceira
anal, língua escura.

Glicopeptídeos Complexação com as Hipotensão, chiado,


(vancomicina, cadeias peptídicas não dispnoia, urticária
teicoplanina) ligadas e bloqueio da ou prurido, choque
transpeptidação, impedindo e parada cardíaca.
a formação correta da
parede celular bacteriana.

Peptídeos não Afetam a permeabilidade Coceira, vermelhidão,


ribossomais da membrana bacteriana manchas vermelhas.
(bacitracina, por facilitarem o movimento
gramicidina C, descontrolado de íons
polimixina B) através da membrana.

(Continua)
Agentes antibacterianos 7

(Continuação)

Quadro 1. Estrutura química, os mecanismos de ação e as reações adversas dos principais


fármacos antibióticos

Antibiótico Mecanismo de ação Reação adversa

Lipodepsipeptídeos Afeta a permeabilidade da Reações de


(daptomicina) membrana bacteriana e hipersensibilidade
bloqueia a síntese de ácido (reações alérgicas
pipoteicoico, componente graves, incluindo
da membrana externa de anafilaxia, angioedema,
bactérias Gram positivo. erupção cutânea.

Rifampicina Inibição da síntese de RNA. Reações cutâneas


moderadas e
autolimitadas podem
ocorrer e não parecem
ser reações de
hipersensibilidade.
Tipicamente consistem
de rubor e coceira
com ou sem erupção
cutânea. Urticária e
reações cutâneas de
hipersensibilidade mais
graves tem ocorrido,
porém são incomuns.

Fluoroquinolonas Bloqueio da replicação Dor, formigamento


e reparo do DNA. e dormência,
tonturas, mal-estar,
fraqueza, dores de
cabeça, ansiedade,
pânico, perda de
memória, psicose.

Sulfonamidas Bloqueio da formação de Reações de


cofatores do ácido fólico, hipersensibilidade,
importantes para síntese como exantemas,
de ácidos nucleicos. síndrome de Stevens-
Jonhson, vasculite,
doença do soro, febre
por droga, anafilaxia
e angiodema.
8 Agentes antibacterianos

Neste capítulo, estudaremos os antibióticos naturais e semissintéticos


β-lactâmicos que representam cerca de 60% dos antibióticos atualmente
disponíveis na terapêutica clínica.

Antibióticos β-lactâmicos
Os fármacos β-lactâmicos, são classificados em virtude de sua estrutura
química, ao qual contém um anel β-lactâmico (Figura 3). O anel β-lactâmico é
originário de um grupo funcional amida e a classificação em beta (β) é referente
ao carbono vizinho da carbonila, onde está ligado ao átomo de nitrogênio.

α β

N
O H
Figura 3. Estrutura geral dos antibióticos β-lactâmicos.
Fonte: Adaptada de Lemke et al. (2012).

Os principais representantes da classe dos β-lactâmicossão: as penicilinas


e as cefalosporinas.
Neste capítulo, vamos nos deter no estudo da relação estrutura-atividade
das penicilinas.

Penicilinas
As penicilinas contem, além do anel β-lactâmico, um anel de cinco membros
(anel tiazolidínico) e foram introduzidas como antibióticos a partir da desco-
berta da primeira penicilina, por Alexandre Fleming, em meados de 1928. A
fusão entre o anel β-lactâmico e o anel tiazolidínico, forma a estrutura básica
Agentes antibacterianos 9

das penicilinas, conhecida como ácido 6-amino-penicilânico (6-APA), como


vemos na Figura 4.

H2N H
S
CH3
N CH3
O
COOH
Figura 4. Estrutura química das penicilinas.
Fonte: Adaptada de Moreira (2018, documento on-line).

O ácido 6-amino-penicilânico (6-APA) é essencial para a atividade antibi-


ótica das penicilinas. Embora as descobertas de Alexandre Fleming tenham
sido revolucionárias, algumas limitações quanto a atividade terapêutica das
penicilinas foram mais tarde descobertas. Entre elas, podemos citar: instabi-
lidade em meio ácido, sensibilidade a enzimas β-lactamases, estreito espectro
de ação.
A instabilidade em meio ácido limita a atividade desses antibióticos, prin-
cipalmente quando a absorção ocorre por via oral. Um exemplo de penicilina
instável em meio ácido é dado pelas penicilinas G, conforme vemos na Figura
5a. As enzimas β-lactamases surgiram como mecanismo de defesa dos mi-
crorganismos aos antibióticos. Essas enzimas conseguem degradar e inativar
diferentes antibióticos β-lactâmicos, como ilustra a Figura 5b.
10 Agentes antibacterianos

O O
H H H H
R C NH R C NH
S Me Abertura do anel S Me
a H2O HO2C
N HN Me
Me
O
H+ CO2H CO2H

O O
H H
R C NH R C NH
b S Me S Me

N β-lactamase HO2C HN Me
Me
O
CO2H CO2H

Figura 5. a) Mecanismo de instabilidade das penicilinas em meio ácido. b) Mecanismo de


degradação das penicilinas pelas enzimas β-lactamases.
Fonte: Adaptada de Putarov e Galende (2017, documento on-line).

A maioria das penicilinas utilizadas na terapêutica clínica apresenta pouca


atividade contra bactérias gram-negativas. Essa resistência ocorre por diversos
motivos, começando com a dificuldade da penicilina para invadir a mem-
brana das bactérias Gram-negativas. Outro problema está nos altos níveis de
produção das enzimas transpeptidase, que atacam a penicilina. A presença
de β-lactamases também é um obstáculo, pois essas enzimas degradam as
penicilinas, estando localizadas entre a parede celular e o seu revestimento
externo.
Para resolver ou limitar tais problemas, diversos derivados penicilínicos
foram obtidos e, após a inserção de modificações, foi possível estabelecer
uma relação entre a estrutura química e a atividade farmacológica (R.E.A)
das penicilinas, como se pode observar na Figura 6.
Agentes antibacterianos 11

Amida essencial Estereoquímica cis essencial


O

R C NH H H
S Me
1
6 5
2
4N
3 Me
O
Ácido livre essencial
Lactâmico essencial CO2H

Sistema bicíclico essencial


Figura 6. Relação estrutura-atividade das penicilinas (R.E.A).
Fonte: Adaptada de Putarov e Galende (2017, documento on-line).

Ao longo dos anos, foi possível construir o conhecimento sobre os grupos


farmacofóricos essenciais para a atividade das penicilinas, listados abaixo:

„„ O anel β-lactâmico é essencial.


„„ O ácido carboxílico livre é essencial.
„„ O sistema bicíclico é importante (confere tensão e atividade ideal ao
anel β-lactâmico).
„„ A amida da cadeia lateral é essencial (exceto na tienamicina).
„„ O enxofre é usual, mas não essencial.
„„ A estereoquímica do anel bicíclico, com a respectiva cadeia lateral da
amida, é importante.

O Quadro 2 resume os principais derivados penicilínicos, correlacionando


suas modificações estruturais e sua atividade farmacológica. Para que fique
fácil seu entendimento, dividimos as estruturas semissintéticas das penicilinas
em: Penicilinas ácidoresistentes, β-lactamases resistentes, penicilinas de amplo
espectro de ação e penicilinas ácido e β-lactamases resistentes. É importante
salientar todos esses derivados foram planejados a partir do ácido 6-amino-
-penicilânico (6-APA), (mostrado na Figura 7) com o objetivo de resolver os
problemas relacionados às limitações dos antibióticos penicilínicos.
12 Agentes antibacterianos

Quadro 2. Principais derivados penicilínicos

Penicilinas ácido resistentes Nota

NH2 Grupo eletrolítico ligado à cadeia


H H lateral aminada, diminui densidade
N S eletrônica (grupos eletrolíticos
atraem o ácido), aumentando a
O N resistência do anel β-lactâmico.
O Em geral, grupamento aromático,
OH que favorece a resistência ácida.
O
Ampicilina
NH2
H H
N S

O N
HO O
COOH
Amoxacilina

H
O N
S
O
N
O
OH
O
Fenoxilmetilpenicilina

(Continua)
Agentes antibacterianos 13

(Continuação)

Quadro 2. Principais derivados penicilínicos

β-lactamases resistentes Nota

Inserção de grupamentos
OCH3
volumosos na cadeira
lateral aminada favorece a
H H
N
resistência à degradação pelas
S enzimas β-lactamases.
H3CO
O
N
O
O
HO
Meticilinas

O
H H
N S
O
N
O
OH
O
Naficilina

Ácido/β-lactamases resistente Nota

Inserção de grupos volumosos


e eletrolíticos promove
N a resistência ácida e a
O resistência às β-lactamases.
H H
N S
O N
O
OH
O
Oxacilina

(Continua)
14 Agentes antibacterianos

(Continuação)

Quadro 2. Principais derivados penicilínicos

β-lactamases resistentes Nota

Cl Inserção de grupos volumosos


e eletrolíticos promove
a resistência ácida e a
N resistência às β-lactamases.
O
H H
N S
O
N
O
OH
O
Cloxacilina

O
Cl N
H H
N S
O
Cl N
O
O
HO
Dicloxacilina

H H
R N S
CH3
O N CH3
O
COOH
Figura 7. Ácido 6-amino-penicilânico (6-APA).
Fonte: Adaptada de Lemke et al. (2012).
Agentes antibacterianos 15

Ácido clavulânico
Uma estratégia bastante útil e constantemente utilizada na terapêutica clínica
para contornar a ação dos antibióticos β-lactâmicos é a associação entre o
antibiótico e um inibidor das enzimas β-lactamases. Um exemplo de inibidor
é o ácido clavulânico, que mostramos na Figura 8. Note que o ácido clavu-
lânico possui uma estrutura química semelhante ao antibiótico β-lactâmico.
Contudo, as enzimas agem preferencialmente no ácido clavulânico quando em
associação com o antibiótico. Assim, surgiram diferentes associações como,
por exemplo, Amoxicilina + clavulanato de potássio.

H
O CH2OH
N
O
COOH
Figura 8. Estrutura química do ácido clavulânico.
Fonte: Adaptada de Lemke et al. (2012).

Interações e incompatibilidades
medicamentosas
Nesse capítulo, você aprendeu a identificar as principais classes de antimicro-
bianos, suas aplicações na terapêutica e seus variados mecanismos de ação,
partindo da análise da relação estrutura-atividade. Considerando todos os
conhecimentos adquiridos até aqui, agora abordaremos as interações medi-
camentosas mais comuns observadas com os antimicrobianos.
As interações medicamentosas podem ser definidas como qualquer interfe-
rência, benéfica ou maléfica, sobre o efeito de um medicamento, provocada por
um alimento ou por outro medicamento. Podem ocorrer interações farmaco-
cinéticas (relacionadas ao sistema ADMET); farmacodinâmicas (relacionadas
ao efeito no sítio de ação); interações sinérgicas ou antagonistas e interações
físico-químicas (como a ocorrência de precipitações em misturas).
16 Agentes antibacterianos

No caso dos antimicrobianos, existem diversos exemplos de interações


entre medicamentos que levam ao aumento da toxicidade, por exemplo, que
devem ser ponderados na terapia de um paciente. Como é o caso do uso
concomitante dos antibióticos vancomicina e cefepima, que têm efeito aditivo
nos tratamentos de infecções de alto risco, como por Staphylococcus aureus
multirresistente (MRSA), mas provocam grave nefrotoxicidade (OLIVEIRA,
2009; NEVES; COLET, 2015).
Outro efeito muito comum de interação medicamentosa ocorre na admi-
nistração por via oral concomitante da Tetraciclina com alimentos como leite,
antiácidos, laxantes ou suplementos que contenham cátions (por exemplo, Al3+,
Mg2+, Ca2+, Zn2+ ou Fe2+/3+). A interação entre eles provoca a quelação desses
cátions e a formação de complexos não absorvíveis, interferindo na absorção
da tetraciclina e consequentemente provocando a perda da ação antimicrobiana
(BRUTO; CHABNER; KNOLLMANN, 2012).
Por outro lado, também há exemplos de interações medicamentosas que
trazem grandes benefícios a tratamentos infecciosos, como as associações
descritas a seguir:

„„ a) Sulfametoxazol — Trimetroprima.
„„ b) Amoxicilina — Ácido clavulânico.

A associação do Sulfametoxazol e Trimetroprima foi um avanço para a


terapia antimicrobiana. Por meio da ação sinérgica entre eles, a atividade
bactericida tornou-se mais intensa. Nessa associação, cada fármaco atua em
diferentes etapas da via enzimática da síntese do ácido tetraidrofólico (ácido
fólico endógeno), que é produzido pelas bactérias e essencial à sobrevivência
bacteriana, já que é usado na replicação dos ácidos nucléicos, como podemos
observar na Figura 9 (PATRICK, 2009).
Da mesma forma, a interação entre amoxicilina e ácido clavulânico traz
grandes benefícios para o tratamento de infecções por bactérias produtoras
da enzima β-lactamase, resistentes aos fármacos β-lactâmicos, como a
amoxicilina, já que degradam o composto. O ácido clavulânico é um ini-
bidor irreversível da enzima β-lactamase, mas não tem efeito bactericida.
Dessa forma, a associação permite a proteção da amoxicilina da ação da
enzima, ampliando o seu espectro antimicrobiano (BRUTO; CHABNER;
KNOLLMANN, 2012).
Agentes antibacterianos 17

O
O O N
Pteridina + PABA S
N
Di-hidropteroato H
sintetase H2N Sulfametoxazol

Ácido di-hidropteridóico
Glutamto Di-hidrofolato sintetase

Ácido di-hidrofólico NH2


O
N
Di-hidrofolato
redutase H2N N O
O

Trimetropima
Ácido tetraidrofólico
(Forma ativa do ácido fólico)

Importante para a síntese do DNA

Figura 9. Mecanismo de ação da associação dos antimicrobianos Sulfametoxa-


zol e Trimetroprima, na inibição da síntese do ácido fólico nas bactérias, por meio
da inibição das enzimas di-hidropteroatosintetase e di-hidrofolatoredutase.

BRUTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As bases farmacológicas da terapêutica


de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012.
LEMKE, T. L. et al. Foye’s principles of medicinal chemistry. 7. ed. Philadelphia: Linppicott
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Leituras recomendadas
BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos
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COSTA, A. L. P.; SILVA JUNIOR, A. C. S. Resistência bacteriana aos antibióticos e Saúde
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