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São Paulo
2023
1. Resumo
O documentário “Não saia hoje” é uma obra brasileira de 2016 dirigida por Susanna Lira em
parceria com o Canal Futura. O título “Não Saia hoje” foi o conselho que várias mães deram aos seus
filhos em maio de 2006. Infelizmente, muitos deles precisaram sair de casa e elas não puderam
protegê-los da violência dos chamados "Crimes de Maio", quando mais de 500 pessoas foram
assassinadas em todo o estado de São Paulo. No dia 12 de maio, dez anos após essa chacina, o Canal
Futura estreia o documentário “Não saia hoje”, que rompe o silêncio sobre os crimes e retrata a luta
das mães por justiça e memória para as vítimas.
Durante o documentário algumas informações sobre os crimes de maio são exibidos em tela:
“No estado de São Paulo, em maio de 2006, 765 presos foram transferidos e ficaram sem
visitas no dia das mães. Como respostas, aconteceram rebeliões em presídios e ataques de
criminosos em vários municípios de São Paulo. 59 policiais e agentes públicos foram
mortos pelo crime organizado e em represália, cerca de 500 pessoas foram assassinadas de
forma indiscriminada nas periferias de São Paulo. (Fonte: Laboratório de Análise de
Violência – UERJ). O episódio é considerado o maior massacre da história brasileira
recente.”
● Débora Silva, mãe de Rogério, conta que seu filho era muito querido, no dia 15 de maio, um
policial amigo de Débora, avisou e pediu para que ela compartilhasse a informação para os
amigos de bem, que haveria toque de recolher naquela noite. Rogério foi até a casa da mãe em
busca de remédio (amoxicilina), a mãe pediu para que Rogério ficasse em sua casa e não na
rua, Rogério respondeu que chegou “ligeirinho” e já voltaria pra casa rapidinho. Na manhã
seguinte Débora recebe uma informação que houve uma matança durante a noite e haveria 29
corpos no IML, e a relação dos nomes seria por região, nisso Débora ficou atenta para saber
se conhecia alguns dos nomes, por sua surpresa o terceiro nome era de seu filho.
● João e Vera de Freitas, pai e mãe de Mateus, conta que ouviram várias notícias e assim
ficaram preocupados, quando seu filho decidiu sair de casa ruma a escola, a mãe relata ter
ouvido sons de tiros, nisso João saiu correndo de casa para saber onde seu filho se encontrava,
chegando na esquina da rua de casa, ali avistaria seu filho no chão da calçada.
● Vera Lúcia, mãe de Ana Paula, conta que sua filha, o genro e futuro padrinho da filha de Ana,
foram à padaria comprar uma vitamina e aproveitaria para comprar o leite das crianças. As
vítimas foram abordadas por um grupo de homens que estavam num bar, os criminosos
atiraram sem exceção. Por um momento Ana tirou o capuz de um dos criminosos e o marido o
reconheceu, começou a gritar o nome dele, nisso o criminoso deu uma chave de braço e
apontou a arma para a cabeça de Ana. O marido de Ana pediu para levarem ele e que
libertasse Ana, pois ela estava grávida, nisso o criminoso atirou em Ana e respondeu,
“estava...”. O marido deitou-se sobre Ana e tentou reanimá-la, mas ela já estaria morta, os
criminosos então executaram todos sem exceção. Um senhor que trabalhava num posto em
frente da esquina onde tudo aconteceu, foi até Vera contar tudo o que aconteceu, e os nomes
que ele tinha ouvido, na manhã seguinte, às 6h, vizinhos foram avisar Vera que o senhor do
posto também tinha sido assassinado.
No documentário também conta como foi o início do movimento Mães de Maio, inclusive se
deu partida com iniciativas de Débora Silva juntamente com Rose Nogueira, jornalista, ativista e
defensora dos Direitos Humanos, além de outros títulos. No início, Rose era presidente do Conselho
Estadual de Defesa da Pessoa Humana de São Paulo. Onde Débora foi até Rose contar sua história e
ela se identificou com o acontecimento de Débora. Dando assim início ao movimento Mães de Maio.
O movimento foi tão grande que se tornou questões discutidas dentro da ONG, e durante o
documentários mostra que principalmente, as vítimas são de classe média - baixa, negros moradores
da periferia/comunidade. Há relatos de dois jovens negros, Ronnye Santos e Luís Felipe, ambos da
baixada santistas comentam sobre suas vivências e o medo sobre a opressão que sofrem perante o
poder político/plicial, e grande parte desse medo se dá pelo simples fato de morarem na periferia e
serem negros.
Durante o documentário, é citado uma peça teatral que aconteceu na baixada santista, “Blitz:
O império que nunca dorme”, realizada pela Trupe Olho da Rua, uma performance que propõe uma
reflexão sobre a realidade vivida pelos filhos das Mães de Maio, traz em forma de sátira uma visão
sobre o poder opressor do Estado e traz a tona a discussão da militarização da vida. A peça é polêmica
e a Trupe Olho da Rua, grupo de teatro de Santos – SP, que costuma se apresentar na rua já teve
problema com a polícia e o processo ainda corre.
Os dados utilizados neste documentário, foram baseados no estudo “Análise dos Impactos dos
Ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006”, coordenado pelo sociólogo Ignácio Cano, do
Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ), em junho de 2008.
O documentário “Não Saia Hoje” oferece uma conexão profunda com as contribuições de
Martín-Baró para a psicologia social, destacando diversas dimensões que refletem a riqueza da teoria
psicológica latino-americana. O trabalho que explora as narrativas de mães atingidas pelos ‘Crimes de
Maio’ de 2006 ressoa com a abordagem sócio-histórica apresentada por Baró. A compreensão do
comportamento humano está enraizada em fatores históricos e sociais e fornece uma perspectiva
ampla sobre as experiências de grupos marginalizados (Baró, 1994).
A orientação crítica e emancipatória de Baró reflete-se nas lutas das Mães de Maio pela
justiça e pela memória, iluminando a importância do compromisso da psicologia social com a justiça
social (Baró, 1989). O documentário não só analisa o impacto psicológico nos indivíduos, mas
também explora a dinâmica social que leva a tais eventos traumáticos. A contribuição de Baró
reflete-se na abordagem do filme, que vai além do individualismo num esforço para compreender e
abordar as estruturas sistêmicas que causam violência e opressão.
A mentalidade de libertação de Baró é evidente na sua representação das mães como agentes
ativos de mudança, exemplificada pelos esforços de transformação social do movimento Mães de
Maio (Baró, 1986). Este documentário destaca a necessidade da psicologia ir além da análise
tradicional e se envolver com as realidades das comunidades marginalizadas. A crítica de Baró ao
isolamento da psicologia tradicional reflecte-se na abordagem colaborativa da mãe na procura de
justiça não só para o seu filho, mas para a sociedade como um todo.
O foco de Baró nos grupos marginalizados também se reflete nas histórias contadas no
documentário, que foca nas experiências de mães que não apenas perderam seus filhos, mas também
enfrentaram a violência estrutural causada pelo governo. A teoria de Baró destaca como a dinâmica
social afeta desproporcionalmente a classe média baixa e as comunidades negras, iluminando a
importância de compreender a psicologia desses grupos historicamente oprimidos (Baró, 1989).
Por último, a participação social ativa defendida por Baró está materializada no documentário
onde as mães se reúnem para enfrentar a arbitrariedade e buscar justiça. A participação ativa na busca
da transformação social representada pelas Mães de Maio é evidente na visão de Baró sobre o papel
dos psicólogos sociais na sociedade (Baró, 1994). Em última análise, “Não Saia Hoje” é um
testemunho poderoso da contribuição duradoura de Martín-Baró para a compreensão e solução de
problemas psicossociais em contextos sociais complexos e historicamente complexos.
Referências
Baró, M. (1989). Poder, ideologia e classes sociais: Ensaios de psicologia social e história. Petrópolis:
Vozes.
Baró, M. (1994). Writings for a liberation psychology. Cambridge, MA: Harvard University Press.