Você está na página 1de 60

1

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
CARGA HORÁRIA: 60h
PROFA.: MARIA GORETTI DAL BOSCO
SEMESTRE: 2018/1 – Carga Horária 60 h/a
GUIAS DE AULA

1.4. Sistemas jurídicos contemporâneos


Introdução
a) O ensino do Direito
- Até o final da Idade Média, o direito era mais baseado nos costumes.
- Mesmo com algumas compilações, como as de Justiniano (Código, Digesto, Institutos -
529-534 aC), leis bárbaras das diversas tribos, até o século XII, regulavam apenas parte
das relações sociais.
a.1.) Universidades - O direito só ganhou caráter científico com o estudo nas
universidades. Surgiram várias escolas científicas de interpretação.
- O ensino das artes liberais ocupava cerca de seis anos, entre 14 e 20 anos de idade, por
exemplo (lógica, dialética, gramática, aritmética, geometria, astrologia).
- Depois de treinados nestas artes liberais, poderiam os estudantes buscar o estudo das
disciplinas maiores; direito, teologia, medicina. Os cursos de direito e medicina
ocupavam cerca de 06 anos e teologia 08 anos. O estudo do direito se dividia em direito
canônico e leis (d. romano, d. civil, etc).
- É através das universidades medievais que o estudo, até então baseado no empirismo,
começa a tomar contornos científicos.
- No aspecto sociológico, a universidade cria uma comunidade de treinamento e
formação. Como consequência, surge a possibilidade de se criar um ensino jurídico
transnacional e a criação de um direito com as mesmas características (ius commune).
- A universidade no seu início era uma corporação espontânea de alunos ou professores
que não tinha uma sede física própria. As aulas são dadas onde o professor conseguir
lugar, ou na sua casa, ou em algum recinto cedido pela comunidade ou igreja, etc.
- Posteriormente surgem os colégios que eram verdadeiros albergues onde se
instalavam os estudantes estrangeiros. Como as universidades não tinham lugar fixo,
tornava-se fácil a sua locomoção de uma cidade a outra, ocorrendo com igual frequência
as greves ou sucessões.
2

- 1290, D. Dinis, resolve criar o studium generale, (Universidade de Coimbra) - o


desenvolvimento espontâneo da universidade, ainda que autônoma, recebe um impulso
oficial.
- Diversidade de sistemas de Direito no mundo contemporâneo: Cada estado tem seu
próprio direito; há casos de multiplicidade de direitos aplicados dentro de um mesmo
estado. Há comunidades não estatais com seu próprio direito – direito canônico, direito
hindu, direito judaico...
- Os sistemas são agrupados em “famílias” de direito, unindo caracteres comuns de
vários países: famílias romano-germânica, os direitos socialistas, e a common law,
dividida entre o direito inglês e o direito dos Estados Unidos da América do Norte.

1.4.1.) O Sistema de Direito romano-germânico – é o praticado nos países onde a


ciência do Direito se formou sobre a base do direito romano.
1. Nascido na Europa Continental – continente europeu excluindo o Reino Unido, Irlanda
e Islândia) no século XIII, ainda hoje seu principal centro. Surge com o renascimento do
estudo do direito romano nas universidades.
2. Há um renascimento em vários campos, as cidades ressurgem o comércio se fortalece
e o direito passa a ser visto enquanto mecanismo capaz de assegurar a ordem e a
segurança necessárias ao progresso.

3. A doutrina dominou esse sistema de direito durante cinco séculos, para se seguir um
período em que passa a ser dominado pela legislação – no qual nos encontramos ainda
hoje. Antes disso, dominou um período longo de direito consuetudinário.
4. As regras de direito são concebidas nestes países como regras de conduta, muito
ligadas a preocupações com a justiça e com a moral. A Ciência do Direito deve
determinar quais são essas regras e sua aplicação era tarefa para práticos do Direito e
da Administração.
5. A partir do século XIX, a lei ganhou especial papel nesse direito, pois a maioria dos
países que adotavam esse direito passou a produzir Códigos. O berço desse direito é a
Europa, e nasce graças aos esforços das universidades europeias, a partir do século XII,
com base nas compilações do Imperador Justiniano.
6. Jus commune - Surge uma ciência jurídica comum a todos os países da região,
apropriada às condições do mundo moderno. Foi fundado sobre uma comunidade de
cultura, não teve relação com a formação política dos países, como ocorreu com a
Common Law, que se verá adiante. O Império romano está em decadência, a Europa
não tem unidade política. O sistema foi formado sobre uma comunidade de cultura.
Uniu os países da Europa Continental.

7. Dois pilares: primeiro, o direito comum das universidades, iniciado na Universidade


de Bolonha, a primeira e mais ilustre; segundo, os direitos aplicados pelos tribunais, que
variam em cada estado e cada região, mas sofrendo a influência do direito erudito
3

ensinado nas universidades. Direitos diferenciados na Itália, na França, na Alemanha,


entre outros.
8 – As fontes do direito romano germânico são: a lei, o costume, a jurisprudência, a
doutrina e os princípios gerais de direito. Trata da propriedade privada, como adquiri-
la, transferi-la ou perdê-la.

9- Esse sistema existe em várias partes do mundo – América Latina, parte da África,
países do Oriente Próximo, Japão e Indonésia. Muito por conta da facilidade da técnica
jurídica da codificação.
- O Direito romano-germânico é a base do sistema jurídico brasileiro.
1.4.2.) O direito socialista
1. Ideal da Rússia, 1917 – edificar novo tipo de sociedade – sociedade comunista – ideal
de fraternidade – sem Estado e sem direito, supérfluos no sistema de solidariedade
social que superaria os antagonismos do mundo capitalista: sem repressão, limitando-
se a poucas regras de organização e eficácia econômica.
2. O direito da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) se divide em
três períodos: comunismo revolucionário, 1917-1921–; período da Nova Política
Econômica – NEP – 1921-1928; e da plena coletivização dos bens – 1928-1936.
2.1. - 1º. Período – comunismo de guerra – da revolução de outubro de 1917 ao fim da
guerra civil e tirunfo do partido comunista (bolchevista) na Rússia. Criou-se uma
Constituição, a declaração dos direitos dos povos da Rússia, declaração dos direitos do
povo trabalhador e explorado; separação da igreja do Estado, criado um código do
casamento; todos os bens importantes são nacionalizados: bancos terras, fábricas;
suprime-se a herança; são abolidos os tribunais e o processo;
2.2. - 2º. Período – reconstrução do país devastado pela guerra dedicado à nova política
econômica – NEP – recuo das posições, estímulo ao trabalho camponês, com incentivo
ao lucro, para atrair também capital estrangeiro. São criados os códigos civil, do
processo civil, código penal, do processo penal, código de família e código agrário. Cria-
se o princípio da legalidade e a Prokuratura, para defender interesses da administração
e dos administrados.
2.2.1. Princípio da legalidade socialista: a interpretação da lei ou de uma regra
administrativa não poderia resultar em uma conclusão que atentasse contra os objetivos
socialistas, sob pena de ser considerada nula, ainda que tal interpretação derivasse da
literalidade inequívoca da norma.
2.3 - 3º. Período – abandono da Nova política econômica e coletivização dos bens para
atender à infraestrutura econômica da doutrina marxista. Bens que não pertenciam ao
Estado, eram das cooperativas e administrados conforme plano estabelecido pelos
dirigentes e aprovado pelo Parlamento. O comércio é estatizado e proibido aos
particulares e a propriedade privada de bens foi rebatizada de “propriedade pessoal”: a
coisa objeto de propriedade pessoal não podia ser utilizada para fins lucrativos pois, se
4

isso ocorresse, sua natureza passaria à de meio de produção, bem necessariamente


coletivo
2.3.1. Coexistência obrigatória entre os princípios da convicção íntima do juiz e o da
consciência socialista do direito: o juiz devia decidir de acordo com sua convicção íntima,
mas era incogitável que sua decisão discrepasse do que geralmente se entendia por
consciência socialista. Nova Constituição foi promulgada em 1936.
3. Os autores afirmam: a verdadeira sociedade comunista nunca se realizou na União
soviética. O Estado se manteve, organizado, forte e poderoso e o direito nunca
enfraqueceu.
4. Decaiu a União das Repúblicas, cercada pelo capitalismo; a sobrevivência dos hábitos
da época capitalista no espirito dos cidadãos também contribui para o fim do regime.A
crise econômica assola as bases da União, a globalização econômica e a modernização
tecnológica avançam; nos anos 1980, fracassa a guerra do Afeganistão contra as forças
islâmicas treinadas e apoiadas pelos EUA, e ajudadas pela China.
5. Foi eleito Mikhail Gorbachov o novo líder do partido comunista. Implantou reformas
profundas no estado soviético, batizadas de perestroika (reconstrução), e a Glasnost
(transparência).
6. O acidente com a Usina Nuclear de Chernobyl (1986), ajudou a piorar a situação. A
aproximação com os EUA para por fim à guerra fria, entre outros motivos, levam ao
declínio da União. Em 1991, Gorbachov renunciou ao cargo de presidente e surge a
Comunidade dos Estados Independentes (CEI), das ex-repúblicas soviéticas.
7. A federação tem 21 repúblicas, cada uma com sua própria Constituição e Parlamento,
as quais não têm soberania e, na esfera internacional, são representadas pela Rússia.
Assemelham-se, aos nossos estados membros.
8. O direito atual é influenciado pelo direito romano-germânico. As fontes do direito de
matiz socialista são a lei, a jurisprudência, o costume e as regras socialistas de vida em
comum e a doutrina.

9. A Rússia ainda não tem uma democracia substancial. Há um poder quase real dado
pela constituição de 1993 ao Presidente da República, como chefe do poder e chefe de
Estado. A liberdade judiciária ainda é restrita. O artigo 10º da Constituição assegura
independência do Judiciário diante dos demais poderes, mas a Carta Magna não tem
nenhum dispositivo disciplinando as atividades, a forma de divisão do Judiciário, direitos
e garantias da magistratura.
10. A Constituição russa, tem apenas 90 artigos. No artigo 2º se reconhece como dever
do Estado a defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos. É um dos países signatários
da Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948.

11. A questão da homossexualidade: a legislação reconhece a liberdade de orientação


sexual de cada um, mas criminaliza propaganda que promova relações sexuais não-
5

convencionais para menores. O Poder Judiciário (Tribunal Superior de Moscou) proibiu


as paradas gays nos próximos 100 anos.

12. A Constituição no artigo 21, inciso 2, admite a pena de morte como castigo
excepcional para crimes gravíssimos contra a vida, assegurando ao acusado o direito de
ser julgado por um júri.

13. Os conflitos entre pessoas jurídicas de Direito Público não vão ao Poder Judiciário,
mas sim a um processo de conciliação promovido por Tribunais de Arbitragem. Na falta
de solução negociada, o presidente da República poderá submeter a controvérsia ao
tribunal competente.

1.4.3. A Common Law


Introdução – é um sistema de direito elaborado na Inglaterra, principalmente pela ação
dos tribunais reais de Justiça, depois da conquista pela Normandia. Compreende, além
do direito inglês, os direitos de todos os países de língua inglesa, salvo algumas exceções.

A Common Law influenciou a maior parte dos países que estiveram ou estão
politicamente associados à Inglaterra, pertencentes à Commonwealth (Commonwealth
Nations), associação de territórios autônomos, mas dependentes do Reino Unido, criada
em 1931 e formada atualmente por 53 nações, a maioria independentes (inclui algumas
que ainda mantêm laços políticos com a antiga potência colonial britânica).
A maioria desses países conservou suas tradições, instituições e conceitos
próprios, mas a influência inglesa marcou muito o modo de pensar dos juristas. Nestes
países, a organização administrativa e judiciária e o processo civil e criminal, além do
sistema de provas, foram estabelecidas e reguladas conforme o modelo inglês.
1.4.3.1.) O Direito inglês
1. É o direito praticado na Inglaterra e no País de Gales. Não é praticado na totalidade
do Reino Unido: Irlanda do Norte, Escócia, Ilhas do Canal da Mancha e Ilha de Man não
se submetem ao direito inglês.

2. O direito inglês não sofreu a influência do direito romano ou do direito da família


romano-germânica, registra pouco da marca dos contatos com o continente europeu.
3. Os ingleses gostam de afirmar que o direito deles é produto de uma grande evolução,
e que não foi perturbada por nenhuma revolução. E isso não teria atrapalhado a
capacidade de adaptação do seu direito, o que seria uma grande prova de sabedoria da
Common Law.
a) Períodos históricos – foram quatro, a saber:
a.1.) primeiro período – anterior à conquista normanda, em 1066 – chamado de anglo-
saxônico, sem influências do direito romano, cujo domínio durou quatro anos.
6

Depois desse domínio, diversas tribos de origem germânica - saxões, anglos e


dinamarqueses – partilham a Inglaterra, e o país se converte ao cristianismo, por obra
de Santo Agostinho de Contobery, iniciada em 596.
O direito dessa época é mal conhecido. As leis são redigidas após a conversão ao
cristianismo, em língua anglo-saxônica, ao contrário de outras leis bárbaras, redigidas
em latim.
As leis regulam apenas alguns aspectos das relações sociais. O rei dinamarquês
Canuto (1017-1035), assume quatro séculos depois da conversão ao cristianismo. As leis
são mais elaboradas e evidenciam a passagem da era tribal para a era feudal. O direito
é estritamente local, não havendo ainda, direito comum a toda a Inglaterra antes da
conquista normanda.
a.2.) segundo período – a formação da Common Law – 1066 até a dinastia dos Tudors
(1485) – quando se formou a Common Law, com um sistema de direito novo, que era
comum a todo o reino, e que substituiu os costumes locais. Guilherme, o Conquistador,
determina que o direito anglo-saxão permaneça em vigor.
A conquista normanda traz para a Inglaterra um poder forte, centralizado e com
experiência administrativa realizada no Ducado da Normandia. O feudalismo se instala
e acaba a época tribal.

O feudalismo é diferente daquele da Itália, França ou Alemanha. São senhores


que vieram com o Rei Guilherme, não conhecem a língua, e desprezam os habitantes e
seus costumes na Inglaterra, fixando-se em volta do soberano para defender suas
conquistas e propriedades. O rei não formou grandes feudos, para se assegurar de
revoltas. Criou uma lei, em 1290, proibindo as sub-enfeudações, e os senhores
dependiam, então, diretamente do rei. O rei é disciplinado e extremamente organizado.
Em 1086, nasce o Domesday, um documento que referencia 15 mil domínios
(manors) e 200 mil lares existentes na Inglaterra. O caráter militar do feudalismo inglês
será responsável por boa parte do desenvolvimento da common Law, em oposição ao
continente europeu, vivendo sob o direito romano-germânico.
Chamada de comune ley no início, a common Law é o direito comum a toda a
Inglaterra. A assembleia dos homens livres (County Court ou Hundred Court) aplica o
costume local, limita-se a decidir qual das partes deve provar a verdade de suas
declarações, sem qualquer critério racional.
Essas cortes serão substituídas depois por jurisdições senhoriais (Courts Baron,
Court Leet, Manorial Courts), que ainda aplicam o direito local costumeiro. As jurisdições
eclesiásticas aplicam o direito canônico comum a todos os cristãos.

A elaboração da Commom Law será realizada pelos Tribunais Reais de Justiça,


designados pelo nome do local onde se estabelecem a partir do século XIII: Tribunais de
Westminster.
a.2.1.) Tribunais reais –
7

1. No começo, os litígios iam para as diversas cortes, Baron, Leet, etc., e o rei apenas
tratava de questões muito importantes, a “alta justiça”, em casos excepcionais, na
chamada Cúria Regis, quando a Justiça não conseguia resolver por meios normais.
2. Fora da jurisdição real, continuavam a existir as County Courts, para os casos comuns,
e as jurisdições senhoriais e eclesiais. Posteriormente surgem também as jurisdições
municipais ou comerciais que aplicam os regulamentos municipais ou o direito
internacional do comércio (Ley Merchant).
3. Os tribunais reais não atendem aos pleitos dos particulares, porque a justiça real é
superior, só ela obriga testemunhas a ir à corte, e executa suas próprias decisões, e
ganham muito dinheiro, por interesse do Rei, que quer alargar seu domínio sobre os
senhores feudais.
4. Se os particulares querem submeter uma causa aos tribunais reais, pedem ao grande
chanceler da Coroa que lhes conceda um writ, que autoriza a pleitear na Justiça real
mediante o pagamento de taxas. Por isso, os tribunais criam um processo moderno e
instalam um júri, que não existe nas outras espécies de cortes. No final da Idade Média
a justiça é quase toda tratada por esses tribunais e as demais cortes vão enfraquecendo,
até acabar.
5. No século XIX, os tribunais reais se tornam jurisdições comuns. Os particulares
apresentam seu caso (case) num processo chamado declaration, e pedem aos juízes que
aceitem julgá-lo. Essas ações passaram a se chamar actions on de case, ou ações super
casum. Como tempo, passaram a ser ações comuns conforme o caso que tratavam:
negligence, por exemplo. Para alguns processos, existe júri, para outros, a possibilidade
de provas. Muito depois, a common Law terá normas substantivas (materiais) que
definem direitos e obrigações de cada um.
a.3.) terceiro período - a rivalidade com a (í) equity – 1485 a 1832 – marcado pelo
desenvolvimento do sistema complementar de “regras de equidade”, que às vezes
rivalizava com a common law.

1. Equidade pode ser definida como instrumento para atenuar os rigores da lei, para
resgatar o equilíbrio das partes na relação jurídica.
2. O desaparecimento das outras jurisdições inglesas que julgavam casos dos
particulares, e o fortalecimento dos tribunais reais, criaram a necessidade de uma nova
solução para casos omissos na Common Law, - espécie de corretivo para o sistema que
os tribunais usavam. Surgiu o recurso à autoridade real, para os casos de injustiça
julgados pelos tribunais, que passava pelo chanceler real e era levado ao rei, que o
julgava no Conselho, se achasse adequado. A decisão real se dava pela equidade para o
caso particular. Mas o chanceler se torna cada vez mais um juiz singular, autônomo, que
exerce a jurisdição em nome do rei e do seu Conselho.
3. O absolutismo dos Tudors, no século XVI, cria muitos riscos para as liberdades dos
cidadãos e aumenta o poder do chanceler. A partir de 1529, o chanceler real não é mais
um eclesiástico, nem um confessor do rei, mas um jurista, que julga os casos com base
8

em princípios do direito romano e do direito canônico. Eram processos inquisitórios, ao


contrário dos processos públicos da Commom Law.
4. A partir de 1616, os tribunais da commom Law se aliaram ao Parlamento contra o
poder real absoluto. A desorganização e morosidade da justiça do chanceler conflita
com os tribunais da Common Law e obriga a um acordo com o poder real, passando a
conviver as duas ordens: a jurisdição do chanceler, que só julga por precedentes (casos
julgados anteriormente), e os tribunais da common Law, além da admissão da Câmara
dos Lordes, que pode rever as decisões do tribunal da chancelaria.
5. A partir de então, o direito inglês passa a ser dualista: convivem as decisões dos
tribunais da common Law e as regras de equidade. Na segunda metade do século XVIII,
o direito comercial é absorvido pela Common Law, que até então era considerado um
direito internacional e reservado somente aos comerciantes.
a.4.) quarto período - moderno – das reformas – vai do século XIX, de 1832 até os dias
atuais – a influência de Jeremy Bentham leva a um desenvolvimento muito grande da
legislação, com reformas radicais do processo em 1832, 33 e em 1852.
1. A organização judiciária é reformulada, e surgem os Judicature Acts, que acabam com
a distinção entre tribunais da Common Law e tribunais de equidade da chancelaria, e
todos passam a ter competência para aplicar a equidade e as regras da Common Law.

3. As leis antigas foram revogadas, mas as reformas não abrem espaço para a
codificação. Em 1865 é publicada a Law Reports, que reúne a jurisprudência e a
legislação, que passou a ser o instrumento essencial para conhecer o direito inglês.
4. No século XX, com o surgimento do welfare state (Estado de bem-estar), aparece uma
corrente socialista no direito inglês, e a common Law atravessa grave crise, pois a
sociedade busca profundas transformações e as leis e regulamentos ganham muita
importância.
5. Surgem muitos conflitos entre a administração pública e os cidadãos e aparecem
espécies de tribunais administrativos para julgar essas questões, mas que não são
jurisdição autônoma como, como na França. São órgãos que reúnem juristas e cidadãos
não juristas, que examinam os casos de acordo com inúmeros critérios, que podem,
inclusive, não ser os da Common Law.
b) Diferenças entre Common Law e equity – A equity é um conjunto de soluções que
foram adotadas pela Jurisdição do Chanceler, nos séculos XV e XVI, para completar e até
rever o sistema da Commmon Law, que era um sistema arcaico. Assim, se alguém
precisava conseguir uma execução in natura de um contrato – receber o bem
contratado, não o ressarcimento dos danos causados pelo atraso no pagamento – tinha
que propor duas ações: uma ao tribunal da chancelaria, para receber o produto
contratado; outra no tribunal da common Law para conseguir receber o ressarcimento
dos danos pelo atraso na entrega do produto. A partir de 1875, com as reformas do
processo, promovidas pelo Judicature Act, todas as jurisdições inglesas podem ordenar
soluções da equity ou aplicar as sanções da common Law.
9

c) Trust – é a mais importante criação da equity inglesa. Consiste num sistema de


custódia e administração de bens ou valores de terceiros em benefício de uma pessoa
indicada pelo proprietário dos bens. No Brasil se chama Fideicomisso.
c.1. Na Inglaterra, o constituinte do trust, chamado de settlor of the trust, determina
que certos bens serão administrados por um ou vários trustees (pessoas a quem se
confiam os bens), no interesse de uma ou de várias outras pessoas, chamadas de cestuis
que trust. Ex: José, dono de um carro, confia este carro a João, para que o cuide em
benefício de Pedro, seu sobrinho, até que Pedro tenha habilitação para dirigir.
c.2. Na Inglaterra, o trust serve para muitos usos: proteção dos bens de incapazes, da
mulher casada, para liquidação de patrimônios hereditários (espécie de inventariante
do nosso direito), a administração de fundações ou estabelecimentos de utilidade
pública, e também para as operações internacionais das sociedades, como contratos de
petróleo, entre outros.
d) Legal rule – a regra de direito na Inglaterra não se parece em nada com a do direito
francês, com o brasileiro ou de outros sistemas romano-germânicos. Como o direito é
essencialmente jurisprudencial, as regras se encontram na razão das decisões tomadas
pelos tribunais superiores. Não são regras genéricas, que cabem a todos os casos.
d.1. A legal rule existe para o caso concreto e particular para o qual será aplicada e não
se pode colocá-la num nível superior, como no sistema juspositivista. Logo, mesmo
quando existe uma lei votada pelo legislador, ela não será aplicada enquanto não for
interpretada pela jurisprudência. As aplicações jurisprudenciais, então, tomam o lugar
das disposições editadas pelo legislador.

d.2. O direito inglês é um sistema aberto: comporta um método que permite resolver
toda espécie de questões, mas não comporta regras essenciais que possam ser aplicadas
em todas as circunstâncias. Uma nova situação, faz nascer uma nova regra. O direito de
origem legislativa (statute Law) tem caráter anormal na Inglaterra. As disposições
formuladas pelos legisladores só serão assimiladas plenamente pelo sistema de direito
quando forem retomadas e reafirmadas, e até alteradas, pelos tribunais. A lei, assim,
tem um papel secundário no direito inglês.
1.4.3.2. O direito dos Estados Unidos
Introdução

Resultado da expansão do direito inglês, principalmente pelo resultado da


atuação dos tribunais reais. Expandiu-se a common law, sofrendo alterações nos países
onde foi aceita, mantendo maiores ou menores laços com a Inglaterra, influência de
civilizações locais, entre outros. Um dos estados onde mais se desenvolveu esse direito
foi nos Estados Unidos da América do Norte, com diversas adaptações.
a) Formação histórica
a.1.) Princípio do Calvin’s Case – julgado de 1608. Decisão jurídica sobre criança nascida
na Escócia, após a União das Coroas em 1603, a qual seria considerada pela common
10

law como um súdito inglês e faria jus aos benefícios da lei inglesa. Determinou que todas
as pessoas nascidas em qualquer território sob o dominio da Coroa Inglesa deveriam ser
beneficiados com a lei inglesa como súditos do rei e a ele deviam lealdade.
O Caso de Calvino é a mais antiga e influente articulação teórica de um tribunal
inglês sobre o que veio a ser a regra do direito comum, de que o status de uma pessoa
era adquirido no nascimento e baseado no local de nascimento.

a.2. Núcleos de população inglesa nos Estados Unidos, século XVII – 1607-1632 - colônias
na Virginia, Plymouth, Mayriland; Nova Iorque, colônia holandesa torna-se inglesa em
1664.
a.3. Os súditos ingleses seguiam a common law nos territórios onde se estabeleciam,
desde que não submetidos a nações civilizadas. A data de 1607 passou a valer como o
início da common law nas colônias, ainda que tivessem ligações somente a partir de
1776. E valia somente quando as regras fossem apropriadas para as condições de vida
de cada colônia.
a.4. A common law não agrada aos habitantes, especialmente os colonos dos territórios,
que não encontram solução para seus problemas. Diversas colônias passam a editar seus
códigos sumários – sem a técnica atual. Começa aí a principal divergência entre o direito
inglês e o americano – americanos acham que a lei tem risco do arbítrio e ameaça às
suas liberdades.

a.5. A independência dos Estados Unidos, em 1776, cria novas condições para as
colônias. Desaparecem inimigos urgentes, como a França, e o direito codificado vai
ganhando espaço em vários Estados, convivendo o direito romano-germânico com o
sistema inglês. Mas a commom law acaba sendo majoritária, com várias
particularidades, menos no território de New Orleans, atual estado da Louisiana.
a.6. Muitas regras da commom law nunca fora adotadas pelos Estados Unidos, porque
não se adaptavam à realidade da América. A Inglaterra é monarquia, Estados Unidos
República, com regime presidencial de governo. A população é diferente, a filiação
religiosa também, a educação e mesmo a língua tem particularidades nos Estados
Unidos.
b) Estrutura do Direito nos EUA
b.1.) direito jurisprudencial, como na Inglaterra, um corpo de direito não escrito, mas
divide-se em direito federal e direito dos estados. O congresso produz leis (statutes) e
cada Estado tem seu parlamento que produz leis.Os Estados Unidos formam um Estado
federal. São 13 colônias que viveram de modo independente até a Guerra da
Independência e tinham pouca coisa em comum.
b.2.) Princípio da competência legislativa dos Estados – 10ª. Emenda à Constituição,
1792: poderes que a Constituição não delega, mas não proíbe que estados exerçam,
serão por eles exercidos, cada uma conforme sua realidade. Mas não podem contrariar
o espírito da Constituição ou o direito federal e nem criar entraves ao comércio
interestadual. Existe uma commom law federal e outra particular em cada Estado.
11

b.3.) Conflitos de jurisdição: Judiciary Act – 1789 – mandava aplicar a lei de determinado
estado quando não houvesse direito federal correspondente. Vários outros conflitos
ocorreram.
b.4.) Caso Erie Railroad versus Tompkis – 1938 - (acidente no trilho, atropelamento por
uma portinhola de vagão). A Suprema Corte decidiu que salvo nas matérias regidas pela
Constituição federal ou por leis do Congresso (statutes), deve-se aplicar o direito
particular do Estado em particular, mesmo que seja lei local ou decisão tomada pela
suprema Corte em relação aquele estado.
b.5). Tribunais de Equity – Operam quando o direito não oferece nenhuma solução. Mas
abrangem situações inusitadas. Ex: Questões de anulação de casamento e de divórcio
são matéria exclusiva desses tribunais.
b.6.) Diferenças em alguns ramos de direito - Direito Constitucional, Administrativo e
direito do trabalho – diferem do direito inglês. Há controle de constitucionalidade pelos
tribunais estadunidenses, mas não há na commom law inglesa. Os sindicatos nos EUA
são diferentes das Trade Unions da Inglaterra.
b.6.) existe um Ministério público geral nos Estados Unidos – attorney general – cada
tribunal federal tem um membro desse Ministério. No direito inglês é um jurista
empregado pelo governo que faz esse papel no processo judicial.

c) Fontes do direito estadunidense – a jurisprudência e a legislação.


c.1. A Jurisprudência – decisões dos tribunais Suprema Corte e tribunais dos Estados –
os tribunais não decidem sempre vinculados às suas decisões.
c.2. A Legislação (statutes) – produzidas pelo Congresso e pelo parlamento de cada
Estado. Há compliações privadas como a Restatement of the law – publicação
doutrinária privada sobre contratos da American Law Institute. Procura harmonizar com
a commow law quando não há produção legislativa sobre o tema.
1.5. Epistemologia jurídica: dogmática e zetética - (texto base: Tercio Sampaio Ferraz
Junior)
Introdução
Grego - Episteme – ciência; logos: estudo – Estudo da ciência do Direito
Toda investigação científica se debate entre perguntas e respostas, problemas que
exigem soluções, ou soluções que já existem para resolver questões.
Anedota histórica (Tércio): Sócrates estava sentado à porta de casa quando passa um
homem correndo de um grupo de soldados. Um dos soldados grita: agarre esse sujeito,
é um ladrão! Sócrates então pergunta: o que você entende por ladrão?
Enfoque do soldado – significado de ladrão é questão definida
Enfoque de Sócrates: premissa é duvidosa, merece um questionamento
Sócrates criador da Maiêutica – método da perguntação - “Conhece-te a ti mesmo”
12

1.5.1. Modos de investigar: acento na indagação ou na resposta - toda investigação


tem os dois enfoques, mas pode-se dar mais importância a um ou outro.
a) Enfoque zetético – acentuando o aspecto indagativo - conceitos, premissas e
princípios permanecem abertos à dúvida. – Servem para delimitar o horizonte dos
problemas e, ao mesmo tempo, ampliar o horizonte, porque trazem a problematização
para dentro deles mesmos.
b) Enfoque dogmático – acentuando o aspecto da resposta – determinados elementos
são considerados não atacáveis, pelo menos temporariamente indiscutíveis,
insubstituíveis, colocados de modo absoluto (dogma- dokein - ensinar, doutrinar; termo
de origem grega, significa literalmente “o que se pensa é verdade”; ponto de partida
considerado absoluto, verdade absoluta) Pode-se estudar o direito de diferentes
ângulos – t
- Questões zetéticas têm função especulativa explícita e são infinitas - problema está no
ser (que é direito?).
- Questões dogmáticas têm função diretiva explícita e são finitas – o problema se situa
num dever-ser (como deve ser o direito?)
- A zetética parte de evidências; a dogmática parte de dogmas. Na zetética, uma
premissa é evidente quando se relaciona a uma verdade; na dogmática, é evidente
quando relacionada a uma dúvida, que, não podendo ser substituída por uma evidência,
exige uma decisão.
O dogma não se questiona, não porque contenha uma verdade, mas porque impõe uma
certeza sobre algo que continua duvidoso.

1.5.2. ESCOLAS DO DIREITO

a) Ensino Jurídico Medieval


- O ensino jurídico - produzido pelos escolásticos sempre levava em consideração a ideia
do todo, ou seja, os textos deviam ser interpretados não isolados mais sim no conjunto
com tudo aquilo que existia sobre o direito. O jurista só teria êxito na função de
interpretar se conhecesse os textos na sua completude.
- Uma das características mais essenciais do ensino jurídico era o ambiente de debates
em que ele se desenvolvia.
- Disputas intelectuais da Idade Média, aliadas a forte base filosófica dos mestres e
estudantes, resultaram num estilo próprio, envolvido pela argumentação.
- Basicamente o método de ensino escolásticos, chamado de questões:

1) quaestio: era a dúvida existente, geralmente referente a aplicação do texto romano;


b) Propositio: citação de autoridades a favor da tese;
c) oppositio: citação de autoridades;
13

d) solutio: conclusão apresentada pelo debatedor.

Os debates eram, de regra, dirigidos pelos mestres, que após as discussões, faziam uma
determinação magistral. Na primeira oportunidade o mestre solucionava a questão.
- Como consequência da forma argumentativa do ensino jurídico, os textos do direito
romano, principal expressão do direito nas universidades – eram prova que necessitava
de confirmação, um indício, uma hipótese a ser testada e confirmada.
- Geralmente, como argumento para defender a tese, os juristas utilizavam o senso geral
de justiça, lastreado na razão do direito natural: a confirmação da tese discutida deveria
não só estar embasada nos textos do direito romano, mas sim encontrar no direito
natural a sua razão de ser.

- A procura pela fundamentação no direito natural, seria um dos fatores que possibilitou
o surgimento do ius commune – direito comum
a.1.) Escola dos Glosadores do Direito Romano: Essa escola se desenvolveu quando do
ressurgimento dos textos do Corpus Iuris (código de Justiniano), no século XI,
principalmente na universidade de Bolonha.
- O próprio nome já denomina a principal atividade da escola (glosa=nota explicativa de
uma palavra). Os glosadores tinham como tarefa apreender o significado exato do texto
Justiniano, explicando-o palavra por palavra ou parafraseando (estudar um texto
mantendo as ideias centrais), os termos e passagens obscuras e difíceis do Corpus.
- Utilizavam a exegese puramente literal e às vezes uma interpretação sistemática, para
suprimir eventuais incongruências.
- Para os glosadores o Corpus representava a própria perfeição. Suas contradições não
podiam ser genuínas, mas apenas aparentes. Quando do aparecimento de eventuais
incoerências utilizavam-se da técnica da distinção (distinctio).
- Essa idolatria ao direito romano fazia com que os adeptos acreditassem que o Corpus
iuris não era um documento histórico, mas sim um modelo universal e eterno.
a.2.) Pós-Glosadores ou Comentadores:
- italianos foram os principais autores. Apogeu nos séculos XIII e XIV, e floresceu
basicamente na universidade de Bolonha.
- os comentadores não repudiavam os textos glosados. Pelo contrário, quando exerciam
a função de comentar utilizavam abertamente as glosas. Em outras palavras, pactuavam
com a ideia de que os textos romanos precisavam ser desvendados em detalhes.
- diferença entre as duas escolas: os comentadores não só se preocupavam em
encontrar o sentido dos textos, mas sim adaptá-los as novas realidades vividas pela
sociedade medieval.

- Para adaptar o direito romano (erudito) às realidades medievais, acabaram aceitando


não só os textos romanos como fonte, mas também encontraram no direito não-
14

erudito, fontes como os costumes regionais, os princípios, os estatutos municipais, os


regulamentos, etc.
- Essa aceitação de fontes não pertencentes ao direito erudito, ocasionou uma distinção
entre o ius commune (direito comum= d. erudito= d. romano) e o ius proprium (direito
próprio= d. particular de cada país, região, cidade ou corporação).

- Nota: atribuíam ao ius commune a função de enriquecer e completar as fontes do ius


proprium. Isto se deve ao fato de o direito romano ainda não ser difundido em toda a
Europa, principalmente longe das universidades.
- O primeiro grande jurista foi Cynus (Cino) de Pistóia (1270-1336). Alcançou seu ápice
com Bartolus (Bartolo) de Saxiferrato (Sassoferrato – 1314-1357) e Baldo de Ubaldis
(1327-1400).
b) A Escola Humanista do Direito Romano
- Desenvolveu-se durante o século XV e XVI. Foi criada a partir do estímulo positivo para
o Renascimento da cultura da Antiguidade.
- Acreditavam que o direito romano deveria ser estudado profundamente levando em
conta todos os métodos da filologia, pois conhecer os textos antigos era essencial para
o conhecimento das civilizações antigas.
- Os humanistas rejeitaram radicalmente as interpretações feitas pelos glosadores e
pós-glosadores dos textos romanos;
- Acusavam-nos de terem deturpado os sentidos das normas antigas e, deste modo,
reduzir o direito à condição de uma relíquia acadêmica, um monumento histórico,
destinado meramente ao estudo acadêmico.
- Demonstrando a historicidade do direito romano, destruíram a autoridade absoluta
deste, promulgada até então pelos glosadores e pós-glosadores.
- Se o direito romano fosse apenas o produto de uma dada sociedade num dado período,
que razão poderia haver para submeter-se a ele em outro período ou dar-lhe uma
autoridade superior ao direito dos povos modernos?
- Logo não há obrigatoriedade dos textos romanos.
- O fundador da escola foi Andréa Alciato (1550). Tal escola teve grande repercussão em
toda a Europa.
- Entretanto, mesmo com sua influência, na prática, o direito romano continuava ser
aplicado, principalmente aquele descrito pelos comentadores, tendo em vista a precária
produção legislativa da época.
c) Escolas científicas do Direito
- Durante a evolução histórica do direito, muitos pensadores tentaram responder as
questões mais palpitantes da ciência jurídica, tais como: o que é o direito? Como ele se
forma e evolui? O que é justiça? Existe um direito presumidamente justo? Existe justiça
absoluta? O direito deve ser avalorativo? etc.
15

- Ideias desenvolvidas pelos juristas no intuito de responder as questões acima podem


ser agrupadas, formando assim, as escolas científicas do direito.

c.1.) Escola da Exegese Jurídica


Essa escola científica do direito teve seu apogeu após a promulgação do Código de
Napoleão, em 1804. Antes da vigência desse Código, o Direito Francês era totalmente
esparso, onde cada região ou até mesmo cidade da França, tinha suas próprias leis civis.
A principal característica da exegese jurídica era acreditar que o direito se resumia
a legislação positiva escrita, ou seja, as leis escritas editadas pelo governo, em especial,
o Código de Napoleão. Assim, para a comentada escola, o direito somente poderia advir
da legislação escrita emitida pelo Estado, sendo esta eterna e imutável.
Sem dúvida, a crença de que o direito pode ser resumido ao conjunto de leis
escritas editadas pelo Estado tem suas vantagens, o que, explica o grande sucesso que
a comentada escola teve em toda a Europa durante o século XIX, uma vez que o direito
visto da forma preconizada pela exegese oferecia acima de tudo segurança e certeza
jurídica.
A verdadeira idolatria ao Código de Napoleão (leis escritas positivas), impunha ao
intérprete limites claros de interpretação: a função do intérprete era simplesmente
entender os textos legais, mantendo sua absoluta obediência à intenção do legislador.
Os operadores do direito em geral tinham uma função mecânica, de simples lógica
dedutiva expressa pelo silogismo abaixo:
SILOGISMO FILOSÓFICO:
PREMISSA MAIOR (Ex. Todo homem é bom) – IDÉIAS GERAIS;
PREMISSA MENOR (Ex. João é homem) – CASO CONCRETO (INDIVIDUAL);
CONCLUSÃO (Ex. João é bom) – CONSEQÜÊNCIA

SILOGISMO DA ESCOLA DA EXEGESE JURÍDICA:


PREMISSA MAIOR (Código de Napoleão – leis escritas positivas – Ex. é proibido
matar outro ser humano);
PREMISSA MENOR (Ex. caso concreto – João matou Pedro);
CONCLUSÃO (João deve ser condenado por homicídio)
No começo, o único método de interpretação aceito pela exegese era o literal.
Todavia, com o passar do tempo, a sociedade produziu situações concretas que não mais
encontravam solução no Código de Napoleão, o que obrigou a aplicação do método
interpretativo histórico. Posteriormente e pelos mesmos motivos, a escola da exegese
incorporou o método sistemático de interpretação.
Essa escola iniciou a ideia de que existe uma hierarquia entre as normas positivas
escritas.
A exegese não se limitou ao Direito Francês, mas sim se espalhou por todo o
mundo ocidental, exercendo forte influência em vários países, notadamente na
Alemanha, através da escola do pandectismo.
16

Basicamente os pandectistas defendiam as mesmas ideias dos exegetas, com uma


diferença essencial. Enquanto a exegese propagava a supremacia do Código de
Napoleão, os pandectistas acreditavam na superioridade das leis do direito romano.
Assim, a doutrina Alemã, colocava como premissa maior do silogismo, não o
Código de Napoleão, mas sim as leis do direito romano.

Os exegetas sofreram muitas críticas, principalmente a de que o direito das leis


positivas escritas expressas no Código de Napoleão, jamais poderiam ser eternas e
imutáveis, sendo este o principal fator de decadência da escola.
Os principais expoentes da exegese foram Proudhon, Aubry e Rau, Pothier, entre
outros. No pandectismo alemão se destacaram Brinz e Windscheid.

c.2) Escola Histórica do Direito


A escola histórica do direito começou a surgir na Alemanha, no início do século
XIX, principalmente pelo trabalho de Gustav Hugo. As ideias de Hugo sobre a
importância da história na formação do direito, foram aprofundadas por Friedrich Carl
von Savigny e Georg Friedrich Puchta.
Na verdade, a escola surgiu do sentimento alemão de superioridade do seu direito
em relação ao direito francês. Assim, a escola histórica foi criada como um meio de
bloquear o avanço da escola da exegese (pandectistas) sobre o direito alemão.

Segundo os defensores desta escola, o direito não é criado simplesmente pelo


legislador, mas sim se forma verdadeiramente nos usos e costumes e na tradição de
cada povo.
Savigny, em especial, se opunha à codificação do direito, por acreditava que
representava uma paralisia: uma vez codificado o direito, os juristas apenas estudariam
os códigos e se distanciariam do verdadeiro direito expresso pela sociedade através da
vontade popular, ou seja, mediante os costumes (Volksgeist). Importante ressaltar que
jamais se opuseram a positivação das normas, mas apenas contra a codificação das leis
Entendiam que a fonte primordial do direito não era a lei, mas sim a vontade
popular (costume – Volksgeist).
d) Jusnaturalismo
d.1.) Aristóteles:
Aristóteles foi o primeiro filósofo a teorizar o direito natural e, portanto, iniciar
a escola do direito natural. Segundo este filósofo o direito era dividido em dois
elementos que se somavam: o natural (comum) e o legal (positivo; próprio).
O direito natural tinha duas características básicas:
a) o direito natural seria como a árvore, o sol, a montanha, que já nascem na
natureza, independente da intervenção do homem;
17

b) era eterno, universal e imutável. Assim, o direito natural nasceria no ser humano,
sem ele perceber diretamente, e consistiria em um conjunto de conceitos básicos do
que é justo ou injusto.
O direito natural não regulava todas as condutas humanas, sendo que onde esse
fosse omisso, deveria o direto positivo atuar. Portanto, o direito positivo começava onde
terminava o direito natural.
Se a lei positiva invadisse o campo de atuação do direito natural, esse deveria
prevalecer.
Para Aristóteles o direito positivo, ao contrário do direito natural, não tinha
vigência universal, mas sim, variava de lugar para lugar.

O direito natural (comum) seria expresso através de leis não-escritas enquanto


o direito positivo (próprio) sempre por leis escritas.
d.2.) Santo Tomás de Aquino
Santo Tomás foi um dos principais expoentes da fase teológica do direito natural.
Segundo este filósofo, o direito natural seria direta ou indiretamente a lei de Deus. Para
ele, da mesma forma como Deus criou a lei dos astros (sol, lua, mares, etc), também
teria criado uma lei para reger as relações entre os homens (direito natural).
Na medida que Deus nos fez a sua imagem e semelhança, transmitiu a nós, uma
gama de conceitos do que seria justo ou injusto. Esses conceitos transmitidos por Deus
ao ser humano, não estariam todos revelados, mas sim, caberia ao ser humano, através
de sua razão (inteligência) descobri-los. A razão humana era o caminho que Deus nos
deixou para desvendar o direito natural.

Para Santo Tomás o direito positivo representava apenas uma adaptação gradual
da máxima geral (direito natural) à situação concreta. Assim, por exemplo, a lei positiva
que incrimina o homicídio é baseada na lei de direito natural que proíbe fazer o mal.
Nesse passo, o direito positivo seria uma extensão do direito natural, e aquele, para ter
validade, depende necessariamente, estar embasado neste.

O direito natural é superior ao direito positivo.


d.3.) Thomas Hobbes
As principais obras de Hobbes são De cive (1642) e o Leviatã (1651).
Hobbes acreditava que as leis podem ser divididas em leis divinas e humanas. As
leis divinas seriam um conjunto de conceitos do que é certo ou errado, transmitidos por
Deus ao ser humano através da própria criação, sendo imanentes à condição humana.
A percepção das leis naturais se dá pela razão humana.

As leis humanas (positivas), por sua vez, são as leis emitidas pelo soberano (leis
civis). Todas as leis humanas são leis civis (positivas). (De cive, editora Vozes, 1993)
Para Hobbes, as leis naturais têm como característica a insegurança perpétua.
18

Isto é assim porque elas só obrigam em consciência, o que significa que a sua
observância se restringe à vontade das pessoas.
Em outras palavras, sua observância efetiva fica ao livre alvitre das pessoas. Assim,
as leis naturais efetivamente não obrigam ninguém, senão pela consciência de cada
indivíduo, por isso, não existe certeza de seu cumprimento.
Elas não trazem em si sanção e por isso não obrigam. Exemplo: uma lei natural
obriga a manter os compromissos firmados.
Em virtude dessa insegurança perpétua das leis naturais, Hobbes acreditava que
as pessoas teriam transformado as leis internas (direito natural) em normas externas
(direito positivo – leis civis).
Essa passagem foi marcada pelo acordo dos indivíduos de renunciar a todos os
direitos que tinham pelas leis naturais e transferi-los ao soberano, que, assim, teria o
poder de punir aqueles que não cumprissem suas obrigações. Desse modo, foi criado o
estado civil, marcado pela renúncia dos direitos naturais a favor do soberano, podendo
este sancionar aqueles que os desrespeitassem. Por consequência, o direito natural
passa a ser direito positivo ou direito civil, munido de sanção.

Assim, no estado civil, os indivíduos estão obrigados a respeitar única e


exclusivamente às leis civis (direito positivo), impostas pelo soberano.
Para Hobbes, o soberano teria a obrigação de respeitar os direitos naturais a ele
transmitidos pelos indivíduos, todavia, poderia interpretar as leis naturais como bem
entendesse.
Um dos pontos mais criticados na teoria de Hobbes é que este acreditava que
todas as leis positivas (civis) emitidas pelo soberano eram presumidamente justas. “Por
isso, os reis legítimos, quando ordenam uma coisa, a tornam justa pelo simples fato de

d.4.) Samuel Von Pufendorf


Para ele, o direito natural não nasceria do interior da natureza humana, como
todos os filósofos pretendiam até então, mas sim resultava de forças exteriores, ligando
os homens em sociedade.
A principal propriedade do homem é, para Pufendorf, a imbecillitas (fraqueza de
corpo). Da imbecillitas decorre a necessidade do homem viver em sociedade.
Todavia, a vida em sociedade exige que as pessoas aceitem determinados
preceitos daquilo que é certo e errado, justo e injusto, para sobre estes edificar o
sistema jurídico e garantir a convivência. Neste aspecto o direito natural seria um
produto da conveniência da vida em sociedade.
Para Pufendorf as prescrições do direito natural pressupõem a natureza decaída
do homem, por isso, todo direito contém uma proibição, e seu caráter fundamental
repousa em sua função imperativa.
Segundo esse autor, as normas de direito natural podem ser absolutas, se
obrigam independentemente das instituições criadas pelo homem, e hipotéticas, se as
pressupõem.
19

d.5.) Direito Natural Moderno

Durante todo o século XIX, houve reações contra o jusnaturalismo encabeçadas


principalmente pela escolas histórica, positivista, etc, que quase expulsaram do mapa
das ideias jurídicas a teoria do DN.
Entre todas as críticas feitas, aquelas que mais abalaram o jusnaturalismo, sem
dúvida partiram do positivismo jurídico:
a) Para os positivistas baseados em August Comte, o estudo científico só poderia ser
realizado com absoluta isenção de valores, onde o cientista agiria de modo imparcial,
sem preceitos de natureza subjetiva.
O jusnaturalismo, por definição clássica, nada mais é do que a busca incessante
do valor justiça. Assim, para os positivistas mais radicais, o jusnaturalismo não poderia
ser aceito como ciência do direito, pois levava em conta e tinha como objetivo central
um valor;
b) Segundo os positivistas, a teoria jusnaturalista apresentava uma evidente
controvérsia, pois o direito natural não era eterno, universal e imutável. Para
demonstrar o engano da escola jusnaturalista, os positivistas afirmavam que se o DN
tivesse realmente essas características, o direito a liberdade, por exemplo, deveria ser
igual em todos os momentos da evolução da humanidade, o que efetivamente não é
verdade.
Essas críticas aliadas com outras de menor importância, lançaram o DN ao
esquecimento durante quase todo o século XIX.
Apenas no começo do século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial,
que renasce o Direito Natural, principalmente pelo trabalho dos juristas Rudolf
Stammler, Del Vecchio, Helmut, Jacques Leclerq, Gustav Radbruch, entre outros.
Mas o jurista que melhor teorizou o novo direito natural, sem dúvida, foi Rudolf
Stammler, que procurou fazer uma teoria do direito natural de conteúdo variável,
rejeitando o direito natural imutável, eterno e imutável, enaltecendo o método formal,
para sistematizar uma dada matéria social em cada momento histórico, no sentido de
um direito justo.
Afirma que o direito natural não pode ser visto como um sistema orgânico de
preceitos válidos com caráter absoluto para todo povo, tempo e lugar, mas sim variável
de acordo com as circunstâncias sociais, ou espaço-temporais, com a tradição histórica,
com o tipo de sociedade e com a cultura, etc. A ideia de justiça apesar de continuar
como a base do DN, poderia sofrer variações conforme aqueles elementos.
e.) Juspositivismo
e.1.) O direito como fato e não como valor
Segundo entendem os estudiosos, o trabalho científico é sempre avalorativo.
Isto é, no campo científico, deve haver uma total exclusão dos juízos de valor e a
manutenção apenas dos juízos de fato.
20

Juízos de fato representam uma tomada de conhecimento da realidade, e a


formulação desse juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro
a constatação das coisas como elas são.
De outro lado, os juízos de valor, representam uma tomada de posição frente à
realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas sim de
exercer influência sobre o outro.
Ex.: diante do céu rubro do pôr-do-sol, se eu digo: “o céu é rubro”, formulo um
juízo de fato; se digo “este céu rubro é belo”, formulo um juízo de valor.
A ciência do direito, segundo a visão dos juspositivistas, exclui do próprio âmbito
de estudo os juízos de valor, porque ela deseja ser um conhecimento puramente
objetivo da realidade. O positivismo jurídico defende que o direito deve simplesmente
ser descrito da forma como ele é, sem qualificações ou valores. Logo, a lei é o direito; a
lei não é justa, nem injusta, é direito.
Assim: Jusnaturalistas defendem a ideia de que o direito depende de ser justo
para ter validade, há um juízo de valor sobre o direito.
Positivistas afirmam que a validade do direito não depende de um valor (justo
ou injusto; certo ou errado), mas do fato de a norma entrar no mundo jurídico conforme
prevê o ordenamento jurídico, por exemplo, artigos 59 até 69 da CF/88, que estipulam
os procedimentos adotados para a produção de leis.
Alguns juspositivistas, principalmente ligados ao sistema do Common Law, em
especial Kantorowicz (Escola Juspositivista Realista), afirmam que a validade do direito
não reside apenas em sua regular produção legislativa, mas também em sua eficácia, o
que foi repelido por Kelsen e seus seguidores.

1.5. Direito e justiça


Material para consulta – Norberto Bobbio (Era dos direitos); John Rawls - (Teoria da
Justiça); Aristóteles – (Ética a Nicômacos); Thomas Hobbes (Leviatã); Immanuel Kant –
(A doutrina do direito); Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito); Herbert Hart (O conceito
de Direito); Ronald Dworkin (Levando os direitos a sério); Tércio Sampaio Ferraz Junior
(Introdução ao Estudo do direito); Franco Montoro (Introdução à ciência do direito)

Introdução
Discussão filosófica. Alguns autores: filosofia política;
Variadas asserções e associações podem ser encontradas na busca da
compreensão do direito enquanto fenômeno humano: o que é correto, o que é justo, o
que é posto por autoridade competente, a lei, a norma. Algo é comum em quase todas:
o direito não existe como um fim em si mesmo: se limita pelas trocas humanas e sociais.
Roma e Atenas fizeram as primeiras incursões sobre o que é direito: Roma com
fundamento na autoridade; Atenas, com fundamento filosófico, como sentido de justo.
21

O legado de Roma supera as tradições gregas e o direito, com fundamento


humano, passa a ser o direito válido – porque manado da autoridade competente. Não
necessariamente direito justo.
a) Aristóteles
A primeira construção teórica é a aristotélica. Aristóteles defende a justiça como
equidade, conceito importante para compreender um outro: o de igualdade jurídica.
Equidade: do latim aequitas, igualdade, simetria, retidão, imparcialidade,
conformidade.
Contribuição importante: construção teórica jurídica que associa os conceitos de
justiça e de liberdade, dando ao direito uma nova dimensão.
“Igualdade não admite nenhuma diferença entre os que
são iguais”. A justiça é aquela disposição de caráter que torna as
pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente
e desejar o que é justo. (...) O [homem] justo é (...) o respeitador
da lei e o probo, e o injusto é o homem sem lei e ímprobo.”

Injustiça: “Um ‘infortúnio’ é uma ocorrência irracional que acontece sem


maldade; um erro é uma ocorrência não irracional provocada sem maldade; uma
injustiça é uma ocorrência provocada com maldade e não é irracional.”
A Justiça é valor absoluto, inerente ao ser humano em qualquer lugar, qualquer
sociedade, em qualquer tempo, sob qualquer forma de governo.
“A lei não teria razão de existir, a justiça não seria uma atitude
praticável se o homem não possuísse, intrinsecamente, a faculdade de
optar pela obediência à lei, a capacidade de concluir, por meio de sua
própria razão, sem coerções externas, que a sua felicidade e a felicidade
suprema dependem desta obediência, sendo estas leis a expressão legal
da justiça. É necessário que o bom cidadão saiba e seja capaz de obedecer
e de ordenar; a sua própria virtude está em formar os homens livres sob
esta dupla relação.”
Divisão da Justiça para Aristóteles:
a) legal - “a que de início é indiferente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecida”.
b) justiça natural - “aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em
razão de pensarem os homens deste ou daquele modo.”
A justiça natural impõe valores morais absolutos, a serem observados pelos
homens, independentemente da sociedade em que vivem: a busca da felicidade e a
justiça como equidade são universais.
“O homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo,
evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos justos;
porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e cada um
deles, dizemos nós, é justo (...) de modo que, em certo sentido,
chamamos de justo aqueles atos que tendem a produzir e a preservar,
para a sociedade política, a felicidade e os elementos que a compõem”.
22

b) Hobbes - foi o primeiro jusnaturalista da Idade Moderna, mas também foi o precursor
do positivismo jurídico e o pioneiro da teoria contratualista, desenvolvida
posteriormente por John Locke e Rousseau.
Ideal de justiça, para Thomas Hobbes: concepção de segurança e paz social. A
sociedade é a forma necessária para superar a guerra de todos contra todos, para
superação do ambiente de violência absoluta. O Estado deve organizar a sociedade, e a
lei é o instrumento regulador das relações sociais.
O Estado é legítimo porque surge de um pacto entre os indivíduos em sociedade.
Ele rompe com as concepções teológica, escolástica e aristotélica.
O homem deixa de ser criatura para tomar-se criador. Cria o Estado e obedece
às leis civis por opção, para a preservação de sua própria vida.
Igualdade: enquanto para Aristóteles a igualdade significa equidade, Hobbes fala
da igualdade enquanto característica material-física- dos homens, que os coloca à mercê
uns dos outros, levando a um estado de guerra total e violência. Os homens são iguais
em sua constituição.
Esta igualdade se dá: momentos de descanso e de vulnerabilidade, quando o
homem fica à mercê do inimigo.
Nem as noções de justo ou injusto, bem ou mal existem no estado de natureza.
c) Kant - Immanuel Kant nasceu em Königsberg, na Prússia Oriental, então Império
Alemão no dia 22 de abril de 1724.
O conceito mais elementar da doutrina kantiana para a compreensão da justiça
é o de liberdade, como compreensão da necessidade da organização social, do respeito
à liberdade de seu próximo
Para Kant, a submissão à lei não pressupõe um querer, mas um dever. O homem
age por uma convicção interna e inabalável de que deve agir de determinada maneira
e não de outra, ainda que quisesse outra coisa. O desejo tem que ser subjugado pela
razão.
O princípio da igualdade é imposto pela liberdade individual. Os homens são
livres porque todos eles são iguais. Assim é possível a vida em sociedade. A razão e a
liberdade conduzem o homem a agir conforme a lei.
“Só pode ser o princípio de igualdade apreciado na balança
da justiça, com inclinação equilibrada. Por conseguinte, o mal
imerecido que fazes a outro de teu povo o fazes a ti mesmo: se o
desonras, desonras a ti mesmo; se o roubas, roubas a ti mesmo;
se o maltratas ou o matas, maltratas ou matas a ti mesmo”
(Doutrina do direito).
A antítese entre liberdade e obediência é o dilema da teoria kantiana e propõe:
“dever de obediência absoluta com relação às ações, direito de liberdade com relação
aos pensamentos.”
d) Justiça na dimensão normativa do Direito - Kelsen, Hart, Alf Ross, Bobbio, John Rawls
e Ronald Dworkin
23

d.1.) Kelsen - Austria-Alemanha - positivista contemporâneo mais notório. Publica em


1934 a Teoria pura do direito, o marco de ruptura com a concepção da metafísica
jurídica e que tem por objetivo a depuração do direito em relação a qualquer elemento
estranho, que impossibilite sua aproximação científica e neutra.
O positivismo metodológico de Kelsen vê como único objeto da ciência do direito
o direito positivo.
Objetivo: eliminar do universo jurídico os juízos de valor e concentrar a análise
substancial nos fatos.
Os fatos descritos nas normas produzidas pelo poder legislativo compõem o
conjunto dos fatos típicos.
A previsão legal de um fato, outorga-lhe status de fato jurídico
Esta previsão é o único instrumento legítimo para a materialização do direito -
composto por um conjunto de normas positivadas por autoridade legitimada pela
própria lei à produção legislativa do Estado.
Elas são, em seguida, classificadas e ordenadas hierarquicamente numa
estrutura piramidal em cujo ápice está a norma fundamental.
As normas positivas, sendo a descrição de fatos, não permitem análises
subjetivas e o intérprete da lei deve abster-se de juízos de valor e limitar sua atividade
a um raciocínio silogístico que conserve a relação fato-norma (juízos de fato).
Assim, uma norma válida é aquela que existe dentro de um determinado
ordenamento jurídico, observada sua derivação dinâmica, ou seja, a atribuição de
competência para sua produção e sua fundamentação, em última instância, na primeira
Constituição histórica e na norma fundamental. A validade de uma norma pertence, à
ordem do dever ser e não à ordem do ser
d.2.) Herbert Hart - Reino Unido – Harrogate - Teoria concebida como um ensaio de
sociologia descritiva apropriada de uma prática social, a prática jurídica.
Para Hart, seria possível descrever sem incorrer em avaliação, ainda que o objeto
da descrição seja ele mesmo uma avaliação. Assim, na definição do direito, compete ao
teórico observar externamente a prática jurídica, descrevendo-a objetivamente.
Ao fazê-lo, o teórico não deve justificar essa prática ou criticá-la à luz de critérios
morais independentes.
O teórico do direito pode-se colocar em uma posição privilegiada, acima e de
fora da prática jurídica, possibilitando uma descrição neutra e desengajada.
Hart pode ser considerado um representante do positivismo jurídico inclusivo,
corrente que distingue o Direito como fato do Direito como convenção social.
Ao incorporar elementos morais à validade do Direito, o positivismo jurídico
inclusivo afirma que pode haver (é possível, mas não necessário) elementos morais que
condicionem a validade do Direito, conforme convenção feita em determinada
sociedade.
Na teoria de Hart, essa convenção se traduz na regra de reconhecimento que
pode incorporar valores morais. Para averiguar se determinada ordem jurídica adota
24

elementos morais condicionantes da validade do Direito, faz-se necessário avaliar


empiricamente qual é sua regra de reconhecimento.
Assim, Hart busca a regra de reconhecimento na prática do Direito e não em um
modelo teórico previamente construído.
A regra de reconhecimento converte o Direito em um sistema de regras
diferenciado e identificável. Um sistema jurídico consiste em uma regra de
reconhecimento e em todas as regras que exigem aos membros do sistema judicial atuar
de acordo com elas e aplicá-las. A regra de reconhecimento é em si uma regra social.
Sua existência e conteúdo podem ser estabelecidos empiricamente, investigando-se os
costumes e as práticas dos agentes oficiais.
d.3.) Alf Ross (Dinamarca) - Ross afirma que as palavras justo e injusto têm sentido
quando empregadas para caracterizar a decisão tomada por um juiz, ou por qualquer
outra pessoa que deve aplicar um determinado conjunto de regras.
No direito natural, “A Justiça é a ideia específica do direito. Está
refletida em maior ou menor grau de clareza ou distorção em todas as
leis positivas e é a medida de sua correção”.
Dizer que a decisão é justa significa que ela foi elaborada de um maneira regular,
isto é, em conformidade com a regra ou sistema de regras vigentes.
Neste sentido, qualquer conduta pode ser considerada reta se estiver em
harmonia com regras pressupostas, jurídicas ou morais.
Contudo, empregadas para caracterizar uma regra geral ou um ordenamento,
as palavras justo e injusto carecem de significado.
A justiça não é uma orientação para o legislador; é impossível extrair da ideia
formal de igualdade qualquer tipo de exigência relativa ao conteúdo da regra ou do
ordenamento jurídico.
Empregadas neste sentido, as palavras não têm qualquer significado descritivo.
Segundo Ross, uma pessoa que sustenta que certa regra ou conjunto de regras é
injusto não indica nenhuma qualidade discernível das regras, não apresenta nenhuma
razão para sua atitude.
Ross fala de dois pontos de conexão da justiça com o direito:
a) a exigência de que haja uma norma como fundamento de uma decisão; - as normas
devem ser formuladas com a ajuda de critérios objetivos, de tal modo que a decisão
concreta seja previsível - tenha a máxima independência possível diante de reações
subjetivas do juiz – convicção religiosa, política, etc.
b) a exigência de que a decisão seja uma aplicação correta da norma – vista como um
ideal para o julgador – representa o que se espera de um bom julgador e é a conduta
aceita por esse juiz como padrão profissional supremo. Refere-se a fatos observáveis:
decisão injusta seria a que não foi realizada de acordo com o direito e que atende a um
erro (injusta em sentido objetivo); ou que houve um desvio consciente da lei (injusta em
sentido subjetivo). Ex: juiz que decide guiado por interesses pessoais, pela amizade a
uma das partes, etc.
25

d.4) Norberto Bobbio (Itália) - seu trabalho alcança repercussão entre positivistas e
jusnaturalistas, conservadores e progressistas, filósofos e dogmáticos, flutuando em
diversas áreas do conhecimento humano: direito, ciência política, filosofia.
Ele mesmo faz uma releitura das obras de Hans Kelsen e Herbert Hart e produz
uma concepção extremamente didática e revisada da doutrina do positivismo jurídico.
Sua contribuição essencial à doutrina do positivismo jurídico é a sistematização
do enfoque analítico do direito, o estudo do direito a partir do desenvolvimento de uma
linguagem própria.
Herdeiro do neopositivismo lógico (Círculo de Viena- grupo de filósofos que se
juntou informalmente na Universidade de Viena de 1922a 1936 com a coordenação
de Moritz Schlick. Também foi chamado de “Sociedade Ernst Mach” (Verein Ernst Mach)
em homenagem a Ernst Mach (Stanford Encyclopedia of Philosophy). Em reuniões
semanais procuravam reconceitualizar o Empirismo a partir das novas descobertas
científicas e demonstrar as falsidades da Metafísica. Suas atividades cessam quando
Schlick é assassinado por um dos seus alunos).
Desenvolve a filosofia analítica - que faz da linguagem o objeto central da
filosofia- no âmbito do direito. A preocupação central da escola analítica é transformar
o direito em ciência, se não pura, como pretendia Kelsen, pelo menos tanto exata
quanto possível.
Dentro desta concepção, o objeto de estudo do jurista são as proposições
normativas. Para compreendê-las o operador jurídico deve seguir uma rigorosa
descrição e delimitação dos conceitos jurídicos, transformando o discurso legislativo em
um discurso rigoroso, com teor científico.
A meta-teoria do direito propõe uma ciência do direito como uma meta-
linguagem distinta de seu objeto. A atividade científica do jurista consiste na análise da
linguagem utilizada pelo legislador na composição dos textos de lei. O legislador utiliza
frequentemente uma linguagem ambígua, vaga e incoerente.
O jurista, enquanto intérprete, constrói a ciência do direito. A atividade do
intérprete é imprescindível para a supressão das lacunas e antinomias do ordenamento
jurídico.
As lacunas são eliminadas pelo processo de integração, através do qual extrai-se
uma proposição de outra, aplicando-se certas regras lógicas de transformação. As
antinomias resolvem-se através da sistematização das normas, ou da elaboração de uma
linguagem coerente e unitária que elimine o maior número de contradições possível.
O critério da justiça em nada se aproxima de deduções metafísicas ou juízos de
valor, mas representam a pura verificação da correspondência entre o plano teórico e o
plano da práxis, da verificabilidade em relação aos valores fundamentais (sociais,
políticos, culturais,...) que determinam a produção de um ordenamento jurídico
particular.
A justiça como critério de valoração normativo refere-se especificamente, à
correspondência da norma jurídica com os valores da sociedade que se questiona, não
como um principio universal. O critério da justiça permite que a norma seja avaliada da
26

forma como ela deveria ser, e é, nestes termos, um critério de ordem deontológica. É
um critério vinculado a um juízo de valor, objeto das teorias da justiça.
Igualdade e Liberdade é o título de um opúsculo escrito Norberto Bobbio, que
associa diretamente as ideias de justiça e igualdade:
“Os dois valores da liberdade e da igualdade remetem um
ao outro no pensamento político e na história. Ambos se enraízam
na consideração do homem como pessoa. (...) Liberdade indica
um estado; igualdade, uma relação. O homem como pessoa (...)
deve ser, enquanto indivíduo em sua singularidade, livre;
enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos numa
relação de igualdade”.

d.5) John Rawls (Estados Unidos) - Equilíbrio reflexivo – Na segunda metade do século
XX, o pensador norte-americano John Rawls (1921-2002) provocou uma guinada nos
estudos sobre a ética.

Publicou, em 1971, Uma teoria da justiça, ofereceu a possibilidade teórica de


integrar o sentimento moral com as liberdades públicas e individuais.

A obra densa e austera se tornou logo polo de discussão ética. As polêmicas que
se seguiram à sua publicação fizeram com que, nas décadas seguintes, Rawls revisse
alguns dos pontos de sua abordagem, inserindo a questão da esfera pública (Political
liberalism, 1993) e internacionalizando a sua perspectiva (The law of peoples, 1999).

A teoria foi uma versão modernizada do Contrato Social. Mas o êxito


extraordinário que teve o modelo que desenvolveu deve ser creditado, principalmente,
à demonstração das fragilidades do pensamento igualitarista, que identifica a justiça
com a igualdade econômica, e das distorções do liberalismo econômico, cego às
injustiças decorrentes do mercado deixado à solta.

Rawls baseou-se, unicamente, na ideia de que, acordados princípios


fundamentais, deles é possível derivar logicamente o ordenamento ético.

Na sua trajetória em busca do fundamento do que é justo, Rawls retomou a


tarefa primária da ética, construiu uma explicação racional para o moralmente válido e
procurou compreender a lógica que define a moralidade, não no sentido de "descobrir"
como a moralidade se dá, mas no sentido de como construir uma ética objetiva.

Para determinar quais princípios morais deveriam reger a conduta humana, ele
estudou concepções substantivas dos diferentes ordenamentos do justo (right), do bom
(good), do valor moral e a sua relação com a consciência moral.

Concluiu que a vida cotidiana não está submetida a um código de regras, mas a
princípios. Para chegar a esses princípios, afirmou que o justo é anterior a qualquer
outra consideração moral.
27

Rawls situa, como anterior a todos os princípios, o da liberdade. Em seguida, vem


o do reequilíbrio das desigualdades e desses dois princípios fundantes derivaria toda a
justiça e, dela, toda a moral.

A teoria propõe uma explicação hipotética, em que uma assembleia de pessoas


livres se reúne para escolher os princípios que devem presidir a estrutura da sociedade.

As condições para o acordo:

i) as circunstâncias de escassez moderada da economia e de desinteresse mútuo


entre os agentes;

ii) o respeito às restrições formais do conceito de justo: generalidade,


universalidade, publicidade, ordenação e determinabilidade;

iii) a razoabilidade dos agentes;

iv) o "véu de ignorância", ou seja, a abstração da situação particular e da situação


social, econômica, psicológica e física do indivíduo.

A ideia é a de que, se alguém tem que escolher princípios, mas nada sabe sobre
a sua posição e sobre o seu futuro, não podendo determinar quais princípios
constitutivos da justiça poderiam ser vantajosos e quais poderiam ser desvantajosos
para ele, tenderá a escolher princípios "neutros", de interesse geral, princípios que
sejam bons para qualquer um e para todos.

Sob essas condições, o acordo inicial determinaria, necessariamente, dois


princípios

a) o da liberdade: cada pessoa deve ter direito igual ao mais amplo sistema de
liberdades básicas. A justiça é dada, antes de tudo, pela liberdade de opinião e de
consciência, igual para todos e que impera acima dos interesses econômicos, das
aspirações político-sociais e das convicções religiosas. A liberdade deve ser a mais
ampla, compatível com as liberdades alheias. Esse princípio é prioritário em relação a
todos os outros;

b) o da diferença: segundo o qual as desigualdades socioeconômicas só podem


ser consideradas justas se produzirem uma compensação, um reequilíbrio das situações,
em especial para os membros menos favorecidos da sociedade. Assim, as desigualdades,
para serem justas, obedecem a duas condições: propiciar o maior benefício aos menos
favorecidos e garantir o acesso a cargos e posições em condições equitativas, isto é, em
que as oportunidades e vantagens sejam acessíveis a todos, igualando a atribuição de
direitos e de deveres.

A tese é a de que, sendo o procedimento racional e equitativo, o resultado desse


procedimento também o será. A sua teoria não procura resolver a integralidade do
problema da justiça absoluta, mas a dos princípios que regem a repartição moralmente
justificável das vantagens sociais.
28

Em 1992, Rawls escreveu o seguinte:


“Que a justiça como equidade pretende ser uma concepção política da justiça é
algo que eu não disse em Uma Teoria da Justiça, ou pelo menos que não enfatizei o
bastante. Uma concepção política da justiça, claro, é uma concepção moral, mas é uma
concepção moral elaborada para um certo tipo de questão: especificamente, para as
instituições políticas, sociais e econômicas. Em especial, a justiça como equidade é
pensada para aplicação ao que chamei a "estrutura básica" de uma democracia
constitucional moderna. (....) A estrutura básica designa as principais instituições
políticas, sociais e econômicas dessa sociedade, e o modo pelo qual elas se combinam
num sistema de cooperação social. (....)
Também quero deixar claro que a justiça como equidade não se concebe como
aplicação de uma concepção moral geral à estrutura básica da sociedade, como se essa
estrutura fosse apenas mais um caso ao qual tal concepção moral geral poderia ser
aplicada. A esse respeito, a justiça como equidade difere das doutrinas morais
tradicionais, geralmente consideradas concepções gerais.
O utilitarismo é um exemplo familiar, pois o princípio da utilidade, qualquer que
seja a sua formulação, vale para tudo, como usualmente se supõe: desde ações
individuais até as leis das nações. O ponto essencial é este: do ponto de vista político
prático, nenhuma concepção moral geral pode fornecer uma base publicamente
reconhecida para uma concepção de justiça num Estado democrático moderno.
As condições sociais e históricas de tal Estado originaram-se nas guerras de
religião que se seguiram à Reforma e no desenvolvimento subsequente do princípio da
tolerância, bem como na expansão do governo constitucional e das instituições das
grandes economias industriais de mercado. Essas condições afetam profundamente os
requisitos de uma concepção praticável de justiça política: tal concepção tem de dar
espaço a uma diversidade de doutrinas e à pluralidade de concepções conflitantes e, na
verdade, incomensuráveis, do bem tal como adotados pelos membros das sociedades
democráticas existentes.

d.6) Ronald Dworkin: Justiça como integridade


Para Dworkin, não é possível analisar o direito sem avaliá-lo moralmente. Essa
articulação entre descrição e justificação da prática jurídica é intrínseca na teoria do
direito. Sendo assim, o teórico, em sua empreitada de definição do direito, não
consegue descrever a prática jurídica sem justificá-la moralmente.
A integridade é aceita como uma virtude dialética que atua como mediadora do
processo conflituoso verificado no âmbito da justiça e da equidade. O fomento desta
teoria resulta de um processo interpretativo, denominado de construtivo, que culmina
na tese da única resposta correta, artifício de contestação dos dogmatismos do
positivismo.
A caracterização da teoria da justiça como integridade passa pela aceitação da
comunidade dos princípios morais, da conexão entre justiça e moral, pelo
reconhecimento do movimento interpretativo e da participação ativa dos processos
históricos na formação da teoria da justiça.
29

Estas características fornecem subsídios para a vitalidade desta teoria no que


tange a sua aceitação nos meios jurídicos e filosóficos

d.7) Tércio Sampaio Ferraz Junior – Justiça como senso do equilíbrio na distribuição dos
bens nas relações sociais.
O princípio da igualdade oferece a medida racional para a repartição do que cabe
a cada um nas relações bilaterais. Nas relações sociais, a igualdade seria o código
identificador do equilíbrio na distribuição dos bens. Seria um código forte ou um código
fraco.
Código forte: quando as relações sociais consideradas justas admitem
desigualdades proporcionais entre os membros da sociedade, garantidas pelas posições
de supremacia e inferioridade definidas por princípios que implicam solidariedade
mecânica e orgânica e a necessidade de associar forças ativas de modo permanente. A
razoabilidade da conduta é princípio da disciplina social;
Código fraco: a decodificação é flexível e difusa – as relações sociais consideradas
justas admitem desigualdades entre os membros, garantidas por posições de
supremacia e inferioridade. A solidariedade social é um valor que depende de força
exterior, respeitável e temida, que refreia as paixões. O sistema de justiça material tende
a privilegiar o prestígio pessoal, variável e instável. Assim, a entrega a um bem maior,
ao qual se presta obediência cega, é o princípio da disciplina social. Em consequência, o
que dificulta ou impede essa entrega é injusto.
CONCLUSÃO
Ainda que seja um conceito primário para qualquer jurista, é difícil encontrar
uma resposta objetiva à pergunta: o que é justiça?
O conceito de justiça como elemento do paradigma jurídico pós-positivista
engloba as propostas de vários autores e suas definições acerca do fenômeno jurídico,
e mais especificamente: qual é o conceito de justiça que guiará a teoria jurídica no
paradigma que se propõe superar o positivista?
Considera-se, igualmente, a necessidade de resgatar o conceito de justiça no
manuseio da teoria jurídica para adequar o direito a seus destinatários.
Conceitos de direito alternativos ao do positivismo, que o invoca na forma da lei,
são a característica mais presente nas teorias dos autores contemporâneos.
A definição de direito está cada vez mais vinculada à de justiça. A teoria jurídica
começa a ser abordada como teoria da justiça e o conteúdo do direito é cada vez mais
frequentemente caracterizado pelos valores fundamentais a serem preservados na
esfera jurídica individual.

1.6. Grandes Divisões do Direito

1.6.1. Direito público e direito privado


30

Área de estudos da teoria do direito. Pertence à espécie de temas que se


repetem em diversas correntes filosóficas e ideológicas e são vistos de forma diferente.
Um mesmo tema é entendido de maneiras diferentes, em regra, mantendo-se a
continuidade e a tradição.
Em verdade, até hoje, não existe um critério satisfatório para qualificar
determinada relação como pertencente ao direto público ou privado. O que existe são
várias tentativas imperfeitas.

a) Direito romano
O principal critério utilizado para a distinção do direito público e direito privado,
no âmbito do Direito romano é a presença ou não do Estado, tornando as normas
obrigatórias para todos ou não.

a.1.) Teorias dualistas substancialistas


a.1.1.) Critério romano (Ulpiano) - (surgiram mais de cem critérios com base neste) - da
utilidade ou do interesse visado pela norma; se tratasse de interesse do Estado ou da
sociedade representada pelo Estado, a norma era de direito público; se fosse voltada ao
interesse dos indivíduos, seria a norma de direito privado.
a.1. 2.) Critério do interesse predominante (Savigny) - Se o interesse preponderante for
público, a norma será de direito público; se for predomínio do interesse privado, a
norma será de direito privado;
a.2.) Teorias dualistas formalistas
a.2.1.) Critério do Titular da ação - (Thon) - Tem por base a tutela jurídica. Se a iniciativa
da ação judicial para reclamar o direito compete ao Estado, o direito é público; se
compete ao particular, o direito é privado. Não se mostrou válida. Há interesses
privados, como o direito à ação por crime de calúnia, que depende de iniciativa do
particular. O Judiciário, representando o Estado, nada pode fazer se o particular não
tomar a iniciativa.
a.2.2.) Critério das normas distributivas e adaptativas - (Korkounov) - os bens que não
podem ser distribuídos (um rio), devem ser utilizados pelo processo adaptativo. Assim,
o direito público tem por objeto a adaptação, enquanto o direito privado, a distribuição.
Não se aplica ao direito penal. O caráter da ação criminal, embora distributivo, pertence
ao direito público.
a.2.3.) Critério da natureza da relação jurídica. Quando o vínculo da relação jurídica se
der entre particulares no mesmo plano de igualdade (um contrato de compra e venda)
há uma relação de coordenação e, portanto, deve ser regulada pelo direito privado;
quando há uma relação entre o particular e o Estado, este investido de seu poder de
imperium, o vínculo jurídico é de subordinação, e a norma disciplinadora será de direito
público. Crítica: há dificuldades de saber quando o Estado está revestido de seu poder
soberano.
a.2.4.) ) Teoria de Kelsen – é pública a norma quando os direitos e obrigações derivam
de uma vontade estranha ao obrigado, como se dá numa sentença judicial; privada,
quando os direitos e deveres derivam da vontade dos obrigados, como ocorre no
contrato. Kelsen não enxerga uma diferença na essência do Direito, mas apenas uma
diferença entre “os métodos de criação das normas jurídicas individualizadas”
31

a.3.) Teorias Trialistas - há autores que defendem a existência de mais um gênero de


direito, o Direito Misto, ou Direito Social. De nenhum interesse prático a discussão do
tema.
Na era moderna pode-se dizer que há dois grandes critérios para classificar os
direitos em público e privado: o critério do interesse e o critério da soberania ou
dominação. Esses critérios dividem os dois principais grupos teóricos: teoria do interesse
e teoria da dominação. Porém, há autores que preferem utilizar os dois critérios para
classificar um direito como privado ou público.
a) Teoria do interesse - tem como um de seus fundadores Jhering e a escola da
jurisprudência dos interesses. As normas são divididas em normas com interesse privado
e normas com interesse público. A questão não está no sujeito a que a norma é
destinada, mas sim no interesse da norma. O interesse implica um remetente para a
norma, mas não se fala mais em sujeito.
A visão de Jhering do direito romano de interesses complementares não tem mais lugar.

Tércio Sampaio afirma:


“A ideia remonta às concepções modernas que vão
opor sociedade e indivíduo, cada qual com seus
respectivos interesses. Os da sociedade, representados
pelo Estado, são comuns, neutros em face dos egoísmos
particulares, e envolvem a gestão da coisa pública, de toda
a economia nacional. (...) De qualquer modo, o que estas
teorias acentuam é a diferença buscada pela Era Moderna
entre o social privado e o social público, o âmbito da
riqueza privada e o âmbito da propriedade e riqueza
comuns”.

b) Teoria da relação de dominação - ou de soberania – tem como base a classificação


de direito público e direito privado. Ao contrário da teoria dos interesses, o foco dessa
teoria é exatamente o sujeito. O Estado é quem edita as normas para todos visando o
bem comum; o indivíduo é aquele que recebe as normas e as obedece, consciente da
força aplicável para o descumprimento.
Tércio Sampaio - a dominação não deixa espaço para a paridade entre Estado e
indivíduo:
“As teorias da relação de dominação, por fim, veem, formalmente,
nas relações do direito público o jus imperii do Estado, que se põe
superiormente aos entes privados. Estes, ao contrário, guardam
relações de paridade, um não pode imperar sobre o outro. Assim,
nas relações sociais ressalta-se o monopólio da força pelo Estado
e, em consequência, a concentração e centralização do poder de
impor condutas. Também aqui vemos presente um topos
relevante da Era Moderna, a concepção do poder como relação
de comando e a unidade do Poder Público com base na noção de
soberania.

1.6.1.1. Critérios insuficientes


32

A maioria dos autores modernos que estudam a classificação direito público e


direito privado entendem que essa ela apresenta uma série de problemas e há uma
crescente insatisfação em relação a sua utilização.
Não se trata de uma visão específica de uma escola do direito, mas de uma
insatisfação geral, que muitas vezes não está explicitada, como nos casos em que os
autores retiram o tema da discussão de seus textos.
Juristas tão diversos como Kelsen, Radbruch, Ross, Miguel Reale e Tércio
Sampaio se mostram descontentes quanto à classificação, mas continuam a apresentar
em seus livros, apontando para diferentes motivos da insatisfação.
Há um grande número de autores que propõe essa divisão do direito
Veremos apenas alguns deles, privilegiando os jusfilósofos (e não os juristas) e
englobando autores brasileiros.
Um recurso utilizado por alguns autores para diferenciar o direito público do
direito privado é muito simples: consiste na união de critérios.
a) Miguel Reale - é necessário unir o critério do conteúdo da relação (que é o
aqui chamado critério do interesse) com o elemento formal (a teoria da subordinação).
Quando se visa – imediata e de modo prevalecente ao interesse geral – o direito será
público; ademais, também será geralmente pública a relação de subordinação.
b) Roberto Ruggiero – o direito público é “o complexo das normas que regulam
a organização e a atividade do Estado e dos outros agregados políticos menores, ou que
disciplinam as relações entre os cidadãos e essas organizações políticas”; já o direito
privado regula as relações dos particulares entre si ou as relações entre esses e o Estado
(e tais agregados menores, como os Municípios), desde que não figurem nessa relação
no exercício de funções de poder político e soberano.
c) Caio Mário da Silva Pereira e Maria Helena Diniz – no mesmo sentido.
d) Luiz Roberto Barroso - une mais de um critério, ao considerar três fatores
verificáveis na relação jurídica: o sujeito, o objeto e a sua natureza. Para ele, nenhum
dos três é suficiente em si, sendo necessária uma complementação. A rigor, o autor
adota, de forma complementar, as teorias do sujeito, do interesse e da subordinação.

e) Radbruch afirma que essa distinção entre direito público e direito privado tem
caráter a priori, uma vez que uma norma jurídica pode ser alocada em qualquer um
desses campos.
Esse a priori não quer dizer que em todos os tempos essa divisão tenha ocorrido,
nem que sempre se deu uma separação clara e distinta desses termos.
Representante da corrente da filosofia dos valores entende que a distinção
direito privado e direito público são formas estilísticas do direito:
f) Ross – diferencia direito público e privado indicando que esse é um tema que
tem relevância para a ciência do Direito, pois ela leva a um esquema racional de
sistematização. O jurista não coloca em questão o direito privado, mas sim o direito
público, que define:
“O direito público, por conseguinte, pode ser definido como o direito
concernente à posição jurídica das autoridades pública: sua constituição,
competência e deveres. O direito público, portanto, consiste exclusivamente
em normas da competência e em normas de conduta ligadas às mesmas, isto
é, relativas ao exercício da competência.”
33

Para Ross, não é todo direito normalmente classificado como público, que pode
ser aceito como direito público, isso porque há alguns critérios ligados à norma de
competência.
Essa definição de direito público, também denominado por Ross de “direito
público relativo às autoridades públicas”, que trata da organização do poder do Estado,
não inclui o direito penal, direito administrativo especial e o direito processual.
Esses direitos não têm a característica dada por Ross do direito público. Para
Ross, ocorre um problema das definições de direito público e direito privado, como
aponta nesse trecho:
“A grande incerteza e confusão que reina nas ideias correntes
acerca do direito público, se explica, provavelmente, pelo fato de que
o conceito de público é interpretado de forma negativa, como um
repositório para todo o direito que não seja direito privado. O direito
privado é, então, caracterizado implicitamente como o direito cuja
observância pode ser assegurada por meio de processos civis entre
particulares. Entretanto, se o direito público for definido daquela
maneira ampla e negativa, não constituirá, como vimos, uma esfera
homogênea. Inversamente, se limitarmos o direito público ao direito
que a organização e exercício da autoridade pública, e definirmos o
direito privado negativamente em relação a ele, o conceito de direito
privado perderá toda coerência e significado”.
Ross diz que o direito tem normas de conduta e normas de competência. Essas
últimas podem ser entendidas como normas de direito público, no sentido que Ross dá
a elas.
A divisão entre direito público e privado não consegue abarcar todos os direitos
possíveis e sempre haverá dificuldade em se utilizar essa classificação.

g) Tércio Sampaio - Afirma que as grandes dicotomias (direito privado x direito


público, direito objetivo x direito subjetivo) são topoi, pois não se pode classificar as
normas com uma tipologia rigorosa, evocando uma saída pela retórica.
Uma figura retórica que se utiliza de pontos de vista comum para formar um
pensamento problemático e buscar a verdade.
Porém, pensar temas de direito como topoi faz com que se minimize a formação
histórica dos conceitos e da dependência de que eles têm da concepção de Direito
adotada.
Diz o autor:
“De fato, a profusão de normas não permite sua organização teórica
na forma de uma definição genérica que se especifica lógica e rigorosamente
em seus tipos. As diversas classificações e seus critérios surgem ao sabor dos
problemas que a dogmática enfrenta na decidibilidade, os quais exigem
distinções sobre distinções. Os critérios mencionados são então topoi, isto é,
lugares comuns, pontos de vista comumente aceitos que permitem
classificações regionais e provisórias, sem alcançar uma sistematicidade
abrangente”.

Para esclarecer o topoi Tércio Sampaio retoma a divisão de esfera privada e


esfera pública a partir da visão de Hannah Arendt da Antiguidade clássica, em especial
da sua divisão entre labor e trabalho. A ligação das esferas do trabalho e do labor e o
lugar de ação é trazida para o universo do direito:
“Quando Ulpiano, pois distinguia entre jus publicum e jus privatum
certamente tinha em mente a distinção entre a esfera do público, enquanto
34

lugar de ação, do encontro dos homens livres que se governam, e a esfera do


privado, enquanto lugar do labor, da casa, das atividades voltadas à
sobrevivência”
“Juridicamente, o Estado, um verdadeiro organismo (burocrático) de
funções, um ente abstrato, produto do agir político transformado em fazer,
guarda perante os indivíduos uma relação de comando supremo: soberania. O
direito, explicado pela soberania, torna-se comando, relação de autoridade no
sentido do poder. A distinção entre o poder soberano e sua esfera e o poder
dos indivíduos em suas relações marca, assim, a distinção entre esfera pública
e privada e, por conseguinte, entre direito público e privado”.
O direito público é o direito da administração pública, ou seja, do Estado,
enquanto que o direito privado é o direito do indivíduo frente às imposições estatais.
O objetivo da divisão entre os diferentes tipos de direito, pela dogmática jurídica,
é: “criar condições para a decidibilidade com certeza e segurança”. Por esse motivo,
segundo Tércio Sampaio, a distinção ainda é mantida. Nas suas palavras:
“Não obstante as dificuldades, a distinção entre direito público e privado
subiste como instrumento tópico de sistematização, bem como as
classificações de seus ramos. Pelos efeitos jurídicos, sua operacionalidade não
pode ser desprezada. Dizer se uma norma (e a situação normada) é pública ou
privada é importante para determinar os efeitos apropriados e quais os
princípios que os regem sistematicamente

A dogmática jurídica tem dificuldade de explicar novos ramos do direito que


surgem e não se enquadram nos conceitos de direito público e privado, mas continua a
utilizar-se da distinção, por sua “operacionalidade pragmática” ou “como instrumento
sistematizador do universo normativo para efeitos de decidibilidade”.
Além disso, há um desconforto com a divisão entre direito público e privado, ao
dizer que ela deve ser utilizada, “inobstante a falta óbvia de rigor”. É essa falta de rigor,
que não permite que a classificação direito público e direito privado situe-se no âmbito
de uma filosofia do Direito, que para o autor é pautada pela racionalidade, e figure no
âmbito da retórica, por isso é um topos.
Conclusão
Um dos grandes problemas da classificação em direito público e privado ocorre
por não existir uma outra esfera para direitos com características intermediárias.
Essa bipartição que não dá conta de abarcar os novos direitos tem levado a pelo
menos a uma tripartição ou mesmo a descrença a respeito da classificação.

1.6.2. Ramos do Direito Público e Privado

Direito Público:
a) Interno (Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro ou Direito
Tributário, Direito Judiciário ou Direito Processual, Direito Ambiental, Direito Penal e
Direito do Trabalho ou Direito Social);
b) Externo (Direito Internacional Público)

Direito privado: Direito Civil, Direito Comercial, Direito Internacional Privado


a) Direito Constitucional – é o complexo das normas que presidem à suprema
organização do Estado e regulam a divisão dos poderes;
b) Direito Administrativo - regula as atividades realizadas pela Administração Pública;
35

c) Direito Tributário e Direito Financeiro - têm por objeto regular as atividades


desenvolvidas pelo Governo para obter recursos financeiros (cobrança de tributos);
d) Direito Judiciário ou Processual - disciplina a organização judiciária e o processo a ser
observado quando as questões são submetidas à Justiça;
e) direito Ambiental – regula a proteção do meio ambiente em relação aos eventos
danosos.
f) Direito Penal - define os crimes e estabelece penas a serem aplicadas pelo poder
público;
g) Direito do Trabalho ou Social - regula as relações de emprego e a proteção à pessoa
e aos direitos do trabalhador. Como o Estado tem forte atuação nesse ramo, pode ser
considerado de direito público.
h) Direito Internacional Público - regula as relações entre os Estados e a atividade dos
organismos internacionais. Ocorrem através dos tratados normativos – é quanto um
órgão internacional cria leis e os países interessados aderem a essas leis, passando a
serem signatários delas (EX.: OMC)-, ou através das convenções internacionais que só
obrigam as partes que a realizam, sem que outros países possam, a princípio, a aderir
(EX.: tratado de Assunção – mercosul).
i) Direito ambiental – regula a proteção do meio ambiente, estabelecendo
procedimentos administrativos, civis e penais para punição das infrações.
i) Direito Civil – regula os direitos e obrigações concernentes as pessoas e seus bens;
j) Direito Comercial - estabelece normas especiais que disciplinam a atividade comercial
l) Direito Internacional Privado - rege relações entre particulares no seio da sociedade
internacional.

1.7. DIREITO OBJETIVO E D. SUBJETIVO

Introdução
A segunda dicotomia do Direito está na divisão entre Direito Objetivo e Direito
Subjetivo. É um assunto amplo, um tema mais moderno do que a divisão público
privado. A dicotomia não foi anotada pelos romanos: havia, no direito romano, uma
distinção de algo que não se confundia com a lei, uma faculdade que cabia a cada ser
humano, e se expressava no termo facultas agendi (faculdade de agir), em oposição à
norma agendi, (a norma de agir).
O direito americano trata do tema com dois significados: direito objetivo é a lei
(law); direito subjetivo é o próprio direito (right) da pessoa.
E entre os romanos, havia o jus civile, direito dos cidadãos, e o jus gentium, o
direito das gentes estrangeiras, o direito dos estrangeiros. Mesmo recorrendo ao jus
gentium os romanos não perdiam seu direito próprio, o jus civile.
O conceito de liberdade, na Era Moderna, ajuda a construir a noção de direito
subjetivo. Para os antigos, a liberdade era um status; esse “status” não desapareceu,
mas foi modificado, e permaneceu através dos tempos.

1.7.1. Teorias
a) Teorias que negam a existência do direito subjetivo:
36

a.1) Teoria Formalista de Kelsen - o direito é subjetivo quando alguém tem a sua
disposição o direito objetivo, a lei;
a.2.) Teoria Objetiva ou realista de Duguit - certas vontades têm qualidades próprias que
se impõem sobre a vontade dos demais: a vontade do credor poder impor-se contra a
vontade do devedor, a do Estado pode obrigar os cidadãos a pagar impostos.
b) Teorias que aceitam a existência do direito subjetivo:
b.1.) Teoria da Vontade (Windscheid)
Com o Cristianismo, nasce o chamado “livre arbítrio”, ou seja, o homem é livre,
independente de qualquer lei, para pensar e aceitar intimamente o que desejar. Mesmo
numa prisão, o homem é livre interiormente. Não se pode obrigá-lo, por exemplo a
pensar sobre algo que não queira, a aceitar em seu íntimo algo que abomina.
O direito subjetivo é, então, o poder ou domínio da vontade livre do homem,
que o ordenamento jurídico protege e confere.
Savigny se refere assim ao direito subjetivo: “O direito considerado na vida real,
(....), nos aparece como um poder do indivíduo, e reina com o consentimento de todos.
A tal poder ou faculdade nós chamamos “direito”, e alguns, “direito em sentido
subjetivo”.
Miguel Reale diz que o direito subjetivo é uma espécie do gênero situação
subjetiva, que define como “a possibilidade de ser, pretender ou fazer algo, de maneira
garantida, nos limites atributivos das regras de direito” (as outras espécies do gênero
seriam interesse legítimo, poder e faculdade).
Assim, são situações de direito subjetivo quando nos referimos ao “direito” que
o locador tem de receber seus aluguéis; ao “direito” do Estado de desapropriar bens ou
cobrar impostos: ao “direito” que o sindicato tem de representar a respectiva categoria
profissional, o “direito” que o cidadão tem de votar; ao “direito” que todo homem tem
à vida, à liberdade, à propriedade etc.
Com base nessa teoria, seu autor diz que direito objetivo é o poder da vontade
reconhecido pela ordem jurídica.
b.2.) Teoria do Interesse (Ihering)
O convívio humano revela conflitos de interesses. Alguns destes interesses
tornam-se juridicamente protegidos pelo ordenamento. Ex: o interesse do credor contra
o devedor. Assim, o interesse juridicamente protegido é o direito subjetivo.
Essa teoria cobriu falhas que outras não cobriam, como considerar os direitos de
loucos, crianças e nascituros, que existem mesmo antes do ordenamento. Só que não
se revela apropriada. No direito penal, por exemplo, o interesse da sociedade em punir
o criminoso não pode ser contraposto com o “interesse” do criminoso, que quanto ao
crime não tem nenhuma qualidade jurídica.

c) Teorias Mistas (Jellinek, Saleilles, Michoud)


As teorias mistas trabalham com a hipótese de que o direito subjetivo é uma
mistura do interesse e da vontade do homem. Assim, para Jellinek, o direito subjetivo é
37

“o poder da vontade humana, reconhecido e protegido pela ordem jurídica, tendo por
objeto um bem ou interesse”.
1.7.2. Conceitos
a) Direito objetivo - é o conjunto das normas jurídicas escritas e não escritas,
independentemente do momento de seu exercício e aplicação concreta. Não se
confunde com direito positivo; este é a soma do direito objetivo com o direito e o dever
subjetivos (o credor tem o direito de exigir o pagamento de uma prestação, enquanto o
devedor tem o dever de pagar, em função do comando de uma norma e também porque
existe subjetivamente esse direito para o credor e esse dever para o devedor).
O direito objetivo é toda e qualquer norma jurídica que estipula um padrão de
conduta ou comportamento modelo, que deve ser seguido.
Sujeito de direitos pode ser pessoa física ou pessoa jurídica.
b) Direito subjetivo a prerrogativa colocada pelo direito objetivo, à disposição do sujeito
do direito (o titular do direito) para socorrer-se do Poder estatal (Poder Judiciário) e
fazer valer os seus direitos objetivos.

EXEMPLOS:
1) A Lei nº 8.245/91, que rege a locação de imóveis urbanos (direito objetivo) estabelece
que se o locatário não pagar o aluguel, o locador terá o direito de pleitear a ação de
despejo (direito subjetivo). A faculdade que o locador tem de intentar a ação de despejo,
para obrigar o locatário a pagar os alugueres é chamado de direito subjetivo.
2) O art. 1.128 do CCb, consagra o direito do proprietário de livremente usar, gozar e
dispor de seus bens e de reavê-los de quem quer que injustamente os possua (direito
objetivo). Se, eventualmente, o proprietário tiver sua posse turbada (perturbada) ou
esbulhada (perda), ele terá a sua disposição à prerrogativa de pleitear junto ao Poder
Judiciário ação de reintegração de posse para reaver o seu bem (direito subjetivo).

UNIDADE 2 – Norma Jurídica: modelos e paradigmas

2.1. Direito e moral: teses de separação e conexão

2.1.1. Teorias de separação

a) Kelsen – Teórico do positivismo clássico, Kelsen diz que o fundamento de validade de


uma norma não pode ser mais do que outra norma. Isso pressupõe a existência da
“norma fundamental”, fundamento de validade de todo o sistema.
A Constituição de um Estado deve ser entendida no ápice do ordenamento,
inaugura uma nova ordem jurídica. O fundamento de validade da Constituição jurídica
é a “norma fundamental” (Grundnorm), não positiva, situada no plano lógico-hipotético,
transcendental.
Kelsen pensava “garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir
deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,
rigorosamente, determinar como Direito” (Teoria Pura do Direito, p. 01). A moral não
pertence ao objeto do Direito, não tem qualquer influência ou conexão com o Direito.
38

“Na medida em que a Justiça é uma exigência da Moral, na relação entre a Moral e o
Direito está contida a relação entre a Justiça e o Direito” (Teoria Pura do Direito, p. 67).
b) Hart – visto como partidário de um positivismo moderado. Adota o realismo jurídico
– o direito como conjunto de regras eficazes no meio social. Seu foco é a atuação dos
juízes e o direito é aquele que os julgadores aplicam. Favorável à separação dos
institutos do Direito e da Moral, de forma a aceitar a presença de princípios invocados
pelo Juiz na ocasião da sua decisão que, por sua vez, decorram de uma moral
convencional.
Regras primárias e secundárias: primárias são de substância, determinam a
conduta; as secundárias são as regras de reconhecimento, alteração e julgamento, com
as quais se pode alterar o mundo pré-jurídico, composto pelas normas primárias.
b.1.) regras de reconhecimento - determinam os critérios de validade de uma norma
jurídica.
b.2.) regras de alteração – determinam quem pode legislar e quais processos devem ser
utilizados para isso;
b.3.) regras de julgamento - dão poder a indivíduos para julgar se regras primárias foram
violadas no caso concreto.
Características que distinguem a moral das demais regras sociais:
I) Importância: as regras morais se revestem de um sentimento de maior importância
para a sociedade do que as demais regras sociais.

II) Imunidade à alteração deliberada: as regras morais não podem ser diretamente
criadas, alteradas ou eliminadas por ato legislativo deliberado, ao contrário do que
ocorre com as regras jurídicas: “a moral é algo que existe para ser reconhecido e não
feito por uma opção humana intencional”.

III) Caráter voluntário dos delitos morais: para que se configure a responsabilidade moral
de um indivíduo é condição necessária que tenha o domínio de seus pensamentos e
ações, em outras palavras, voluntariedade.

IV) Forma de pressão moral: ao contrário das regras jurídicas, que baseiam tipicamente
a pressão social para seu cumprimento na ameaça de castigo físico, a pressão pela
observância das regras morais fundamenta-se na conscientização de sua importância,
partilhada pelos membros da sociedade, ou seja, seus destinatários.

Pontos de convergências entre normas morais e normas jurídicas:

I) Direito e Moral vinculam os indivíduos independentemente de seu consentimento;

II) As obrigações e deveres morais e jurídicos são sustentadas por séria pressão social:
“é grande a pressão social exercida sobre os que dela se desviam ou ameaçam desviar-
se”;
III) Ainda que haja séria pressão social para cumprimento das obrigações jurídicas e
morais, os que as cumprem não são objeto de elogio ou de destaque, é contribuição
mínima para a vida social.
39

IV) Regras jurídicas e morais igualmente se ocupam mais das condutas habituais da
sociedade do que de situações especiais.

c) Bobbio – distingue as normas jurídicas das normas morais e sociais e conclui que o
critério de distinção entre as normas é a resposta à violação. A diferença entre as
normas está na sanção que o indivíduo violador da prescrição deverá receber.
Bobbio diferencia a sanção moral (que é interior, caracterizada pelo
arrependimento e remorso, e que tem pouca eficácia porque apenas os sujeitos que
respeitam a norma moral podem sentir qualquer insatisfação ao desrespeitá-la), da
sanção social (caracterizada como externa, aplicada pelo grupo social e que pode ser,
de acordo com a gravidade, reprovação, eliminação, isolamento, expulsão ou até
mesmo linchamento, desproporcional entre violação e resposta - um mesmo ato pode
ter punição diferente conforme a circunstância ou humor do grupo social).
Para Bobbio, a qualidade da norma é imposta pelo ordenamento, enquanto
conjunto de normas. Assim, a norma será jurídica se pertencer ao ordenamento
jurídico, pois é este que determina a sanção. Isto significa que, verificada a violação de
determinada norma, o ordenamento ao qual ela pertence indicará a sanção aplicável.
E tanto mais força terá quanto maior for sua eficácia.
A sanção jurídica é externa e institucionalizada, distingue-se das sanções
morais e sociais. Além disso, é regulamentada, na medida e na forma de aplicação,
atribuída a órgãos institucionalizados da sociedade.
d) Ferrajoli - Teoria do Garantismo Jurídico - completa separação entre Direito e Moral.
As exigências de justiça, equidade e moralidade não estão presentes no pensamento de
Ferrajoli.
O garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral,
entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na
valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do direito.
Equivale assumir um ponto de vista exclusivamente externo para os fins da
legitimação e da perda da legitimação ético-política do direito e do Estado.
A tese de que todo ordenamento jurídico satisfaz, objetivamente, alguma
“pretensão de justiça” e algum “mínimo ético” – de maneira que direito e moral
estariam conexos, e a justiça, mesmo que em mínima medida, seria um elemento
necessário do direito e uma condição de validade das normas jurídicas – significa, em
suma, o mesmo que a velha tese jusnaturalista.
No Estado legislativo o administrador está submetido à lei, o Estado
constitucional consegue submeter o próprio legislador aos termos da constituição. Mas
a constituição para Ferrajoli continua sendo direito positivo e ele não admite que o juiz
constitucional maneje os princípios para decidir com base na moral. Segundo ele, o
constitucionalismo juspositivista ou garantista que sustenta “rejeita a tentação de voltar
a confundir direito e moral, inclusive na forma do constitucionalismo ético”.

e) Reale – Autor da Teoria Tridimensional do Direito – corrente culturalista do Direito -


parte do pressuposto de que o fenômeno jurídico deve ser analisado e compreendido
sob uma visão sob três aspectos epistemológicos: o fato jurídico (a experiência), o valor
e a norma propriamente dita.
O Direito não é apenas a norma ou a letra da lei; é muito mais do que a mera
vontade do Estado ou do povo, é o reflexo de um ambiente cultural de determinado
40

lugar e época, em que os três aspectos – fático, axiológico e normativo – se entrelaçam


e se influenciam mutuamente numa relação dialética na estrutura histórica.
Aplicação: aplicação da norma à realidade: a norma que assegura a formalização
de sistema organizado traz um valor que surge no ato interpretativo.
“Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito não é só fato, como rezam
os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não
é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito
não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por
exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor (Filosofia do
direito, 2003)

- Diferenças entre direito e moral:


e.1.) A moral tem um campo de ação bem maior que o do Direito;
e.2.) A moral preocupa-se com o foro íntimo do indivíduo, enquanto que ao Direito
interessa apenas a ação externa do homem;
e.3.) O Direito, em regra, estabelece sanções concretas e imediatas para o não
cumprimento de suas regras (prisão para homicídio, indenização a quem sofre um dano,
e etc.);
e.4) A moral implica num estado de consciência unilateral (dever de amar ao próximo)
enquanto a norma de direito implica a exigibilidade de uma conduta, estabelecendo a
bilateralidade - nascendo da infração à norma o direito do outro de exigir o
cumprimento (dívida não paga).
Normas morais: unilateralidade, incoercibilidade, interioridade.
Normas religiosas: unilateralidade, incoercibilidade, interioridade.
Normas de trato social: unilateralidade, incoercibilidade, exterioridade.
Normas Jurídicas: coercibilidade, bilateralidade, exterioridade, heteronomia

2.1.2. Teorias da conexão entre direito e moral

a) Kant – Kant chamou de Imperativo categórico a medida da justiça de nossas ações e


do direito positivado.
O imperativo categórico é o princípio ou lei moral fundamental. É categórico, por
oposição a hipotético, porque aparece como uma obrigação absoluta ou incondicional.
Kant pensava que, como conhecemos este princípio a priori, temos que aceitá-lo
sejam quais forem os nossos desejos ou interesses particulares.
Estabelece uma nítida separação entre dois mundos: o mundo do dever (moral)
e o mundo do dever ser. Caracteriza-se pela diferença entre os modos de agir:
a.1) ação interna (os motivos do agir) - Para a Moral o importante é apenas o motivo da
ação (uma ação é boa quando tem por motivo o respeito à lei moral). O aspecto físico
lhe é indiferente. Deve-se atuar com perfeita consciência do dever moral (princípio
formal). A mesma ação, praticada em obediência a outro motivo, como por paixão, por
sentimento, por impulso, é imoral ou amoral.
a.2.) ação externa (o aspecto físico da ação) - opera-se sobre o prisma formal, não
material. E a distinção realça o real motivo pelo qual se cumpre a norma jurídica ou a
moral.
São três aspectos em especial:
41

1. Autonomia e heteronomia: A moral é autônoma, os motivos para sua observação


estão contidos nela mesma.

2. exterioridade e interioridade - O mundo da norma jurídica é externo, deve ser


cumprida apenas pela necessidade de obediência ao comando, sem levar em conta o
que se pensa sobre ela, se o destinatário a considera justa ou não.
O mundo da norma moral é interno: existe moral se o mandamento moral é
cumprido por que o destinatário acredita que é o certo.

3. coação - Os preceitos morais são cumpridos não em razão de uma força externa,
como a coação, mas porque são em si valorosos.

Na visão de Kant: um ordenamento jurídico bom deve ser justo e moral,


condizente com os valores sociais, porque o que legitima a criação de tal ordenamento
é o compromisso de quem o criou com a liberdade individual das pessoas.
Para Kant, Direito é o que regula as relações entre indivíduos e moral é o
conjunto de preceitos internos de cada indivíduo.
“O direito é o conjunto de condições por meio das quais o arbítrio de um pode
estar em acordo com o arbítrio de um outro, segundo uma lei universal da liberdade”.
Assim, “preservada a esfera (liberdade) do outro, cumpre-se o ético do direito, e
ainda que não se tenha cumprido o da moral (forçar-se a fazer o certo interiormente)”.
O ético do direito está justamente nisso: A moral tem um conteúdo ético
absoluto determinado pela razão, relaciona-se ao indivíduo mas é compartilhado por
todos.

b) Ihering – valoração da finalidade como causa da vontade – vínculo com a teoria dos
interesses (escola da jurisprudência dos interesses). Concepção histórico-social da moral
– valorização da história e da sociedade na construção do senso moral.
“Toda ordem moral universal é produto da história, da noção de finalidade,
atividade e trabalho incessantes da razão humana.
A moralidade é uma constante descoberta histórica e depende de condições
específicas da humanidade; o direito, como parte de uma moralidade em sentido amplo,
também tem como fim tornar possível a convivência social. O direito realiza esse
objetivo pela coerção; a moral pela coerção social, força coercitiva psicológica da
sociedade”.

c) Dworkin - o Direito representa um fenômeno social exteriorizado pela prática


argumentativa. A validade do direito não repousa unicamente em critérios formais; e
não se deve ao dado puramente fático de sua aplicação efetiva na prática social.
A Teoria do Direito como Integridade incorpora padrões de coerência e de
integridade, como condição para a construção do direito legislado.
O legislador também deve observar a integridade do direito durante o processo
de produção das leis.
Afirma que para a inexistência de lei a se aplicar ao caso concreto está, segundo
Dworkin, na utilização de um conjunto de princípios para a melhor interpretação da
estrutura política e da doutrina jurídica da comunidade
42

Para Dworkin, os princípios ocupam lugar privilegiado. Para ele, o direito é


constituído de regras específicas (rules), medidas ou programas políticos (policies) e
princípios que entranham um imperativo de justiça (principles). São os princípios,
enquanto fundamentos morais da ordem jurídica e expressão dos direitos básicos dos
cidadãos, que estabelecem uma abertura do sistema jurídico para os imperativos da
moral objetiva.
No âmbito da aplicação do Direito, o julgador deverá considerar a integridade
moral, política e valores sociais diferentes de cada meio, para que possa alcançar a real
efetividade do Direito.
O legislador deve ser visto como um “agente moral” vinculado à integridade
como ideal político. A integridade possibilita melhores argumentos a favor da
legitimidade do Direito enquanto lei, pois uma lei que seja produzida a partir da
observância de níveis de racionalidade e do Direito como Integridade tende a ser mais
legítima do que aquela criada irracionalmente.
Direito como Integridade aparece como a “moralização do Direito”.
A moralização deve ser avaliada sob dois aspectos:
a) Descritivo essa “leitura moral do Direito”, inicialmente, não significa aquela moral do
legislador (na elaboração) ou a do juiz (na aplicação), mas uma “moral” que depende do
“valor político” de suas propostas de elaboração e interpretação do Direito, restringindo
as convicções políticas
b) prescritivo - a leitura moral do Direito trata da possibilidade de um “acesso
privilegiado” do legislador aos “valores morais sociais”.

2.2. Teoria da Norma Jurídica e conduta social

Autores: Tércio Sampaio Ferraz Junior (Introdução ao estudo do direito), Miguel Reale
(Lições preliminares de direito), Norberto Bobbio (Teoria da norma jurídica).

Questões: o que é a norma jurídica; o direito pode ser um conjunto de normas:


tarefa da zetética – filosofia do Direito.

- suscita questões:

a )vontade normativa (fontes);


b.4.2.) sujeitos normativos (direitos subjetivos, competência, capacidade,
responsabilidade);
b.4.3.) determinação das mensagens (obrigações, permissões, faculdades, proibições)

Norma: Proposição, prescrição, comunicação

Jurista concebe normativamente as relações sociais – para criar condições de


decidibilidade dos conflitos;

A norma jurídica é o critério fundamental de análise: fenômeno jurídico como


dever-ser da conduta, conjunto de proibições, obrigações e permissões pelo qual os
homens criam entre si relações de coordenação e subordinação.
43

2.3. Natureza e função da norma jurídica (função social da dogmática jurídica)

Dogmática jurídica - modo de pensamento fundado em dois postulados básicos:

a) inegabilidade dos pontos de partida (por isso a noção de dogma)


b) exigência de resposta aos problemas apresentados pelo corpo social

A partir disso, a dogmática exerce importantes funções, como a estabilidade


entre diferentes mecanismos de controle social.
Procedimentos: classificação, distinção, definição e adequação - viabiliza as
condições do juridicamente possível: domestica a realidade social, cria as condições de
sentido normativo e torna aceitáveis as decisões vinculantes da Justiça.
2.3.1.) Variações de conceito da norma jurídica

c.1.) Norma-Comando – sem identificação individual de comandante ou comandado. Ex:


Pedro não deve matar
c.2.) Proposição vinculante – imperativo condicional, formulável conforme proposição
hipotética, que disciplina o comportamento mediante a possibilidade de sanção.
- independe de quem a estabelece ou para quem é dirigida – diz como deve ser o
comportamento – um dever-ser.

c.2.1. Juízo hipotético (Kelsen) – pertence ao plano do dever-ser.

1) Norma primária – estipulação de um dever jurídico em face de determinada situação


de fato - dado o fato temporal, deve ser a prestação.

Ex.: Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser
recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

2) Norma secundária - estipulação de uma sanção para a hipótese de violação do dever


jurídico - dada a não prestação, deve ser a sanção.

Ex.: Constituiu-se em o devedor A, por não ter feito o pagamento ao credor B no tempo, lugar e forma
convencionados no contrato.

c.3.) Norma-Prescrição – imperativo ou comando de uma vontade institucionalizada -


ato de vontade impositiva que estabelece disciplina para a conduta, abstração feita de
qualquer resistência. Também expressa dever-ser.

b.4.) Fenômeno comunicativo – (Tércio) comunicação ou troca de mensagens entre


seres humanos – permite determinar relações de coordenação e subordinação,
baseadas na relação autoridade-sujeito.

b.4.1. Caráter jurídico das normas – estruturas sociais produzem mais normas do que as
pessoas podem suportar. Isso gera conflitos das projeções normativas.
Pelo princípio da inegabilidade dos pontos de partida – normas preponderantes
que prevalecem em casos de conflitos.
44

As normas preponderantes são as normas de caráter jurídico e dependem do


grau de institucionalização da relação de autoridade.

b.4.2.) Relação autoridade- sujeito (emissor-receptor)

Comunicação em dois níveis:


1. Relato – a mensagem a ser emitida pelo emissor (ex: para alguém sentar-se)
2. Cometimento – a mensagem que emana do emissor (ex: sente-se!, por favor, sente-
se)
b.4.2.1.) Reações possíveis ao cometimento:
1. Confirmação – Receptor confirma a relação (Ex. proibido fumar – reação não fumar,
sem protestos)

2. Rejeição - Receptor rejeita a relação (reação – fumar escondido)


2. Desconfirmação – receptor rejeita a relação (reação – fumar ostensivamente,
ignorando o cometimento)
Assim:

1. Confirmação – reconhecimento da relação.


2. Rejeição – negação da relação.
2. Desconfirmação – desconhecimento da relação.
A relação de autoridade admite uma rejeição, mas nunca uma desconfirmação.
O caráter jurídico de uma norma será reconhecido quanto maior for a
institucionalização da relação autoridade-sujeito. (fundamento do Direito não está na
força), embora componente da coação existente na norma.

2.3.2. Conceito dogmático de norma jurídica

Proposição vinculante, coercitiva no sentido de sua institucionalização, bilateral,


que cria uma hipótese normativa (se alguém matar...) para a qual imputa uma
consequência jurídica (que pode ser ou não ser sanção) e que funciona como critério
para a tomada de decisão (a decidibilidade).

2.4. A estrutura lógica da norma jurídica

2.4.1. Proposta de Tércio Sampaio – a estrutura da norma

a) Caráter vinculante - deriva da relação de autoridade entre os comunicadores, que


vincula o comportamento do receptor à consequência estabelecida pelo emissor
b) hipótese normativa - A hipótese normativa – a descrição abstrata de um ato ou fato
ao qual se aplicará uma consequência.
45

c) Consequência jurídica - é o resultado previsto pela norma jurídica para o ato ou fato
descrito em sua hipótese.

A norma jurídica, assim, apresenta três possibilidades de condutas: a ação; a abstenção


e a tolerância.

(Raciocínio associado à lógica deôntica - especialidade do domínio da lógica que


estabelece as condições de possibilidades pertinentes às prescrições).

A) Modais deônticos:

1) de obrigação – fazer algo: CC, art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará,
por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o
fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

2) de permissão – poder fazer ou não fazer algo - CC art. 14. Parágrafo único. O ato de
disposição (do próprio corpo) pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

4) de proibição: CC, art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do
próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.

2.4.2. Proposta de Carlos Cossio (argentino) - a estrutura da norma jurídica é composta


de um juízo de disjunção (separação), que a divide em duas partes: Endonorma e
Perinorma.

a) Endonorma - juízo que estabelece uma prestação (P) ao sujeito que se encontra em
determinada situação (A).

Ex.: O vendedor, num contrato de compra e venda, após receber o preço da mercadoria, assume o
compromisso de entregá-la.

b) Perinorma - é o estabelecimento de uma sanção (S) ao infrator, ou seja, aquele que


não realizou a prestação a que estava obrigado(ñ).
Ex.: O vendedor que não entregou a mercadoria, num contrato de compra e venda; após receber o preço
da mercadoria, estará sujeito à execução judicial do contrato/ou obrigado judicialmente a entregar a
mercadoria.

2.4.2. Elementos da norma - Não existe uma unanimidade dos juristas. Todavia, alguns
desses elementos são comuns aos estudos de quase todos eles:

a) Coercibilidade
Miguel Reale: É a possibilidade lógica de interferência da força no cumprimento
de uma regra de direito.
É a força que emana da soberania do Estado e é capaz de impor o respeito à
norma legal.
Hans Kelsen: Direito é a ordenação coercitiva da conduta humana.
46

Ihering (A Luta pelo Direito) simbolizava a atividade jurídica com uma espada e
uma balança: o direito não seria o equilíbrio da balança se não pudesse contar com a
força da espada.
Críticas: contrapõe-se à realidade: muitos mandamentos jurídicos são cumpridos
espontaneamente, como os contratos particulares.

Muitas normas jurídicas são desprovidas de sanção:

CC, art. 5o. A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à
prática de todos os atos da vida civil.

A coercibilidade é a garantia da execução da norma quando são insuficientes os


motivos que levam os interessados a cumpri-la.
A teoria da coercibilidade é, pois, a compatibilidade entre o direito e a força.
Mas se existe essa compatibilidade, como explicá-la?
b) Heteronomia - As normas nem sempre coincidem com o que pensamos ou aceitamos
(é proibido atravessar o sinal vermelho, mesmo quando não está passando um carro).
Mas devemos aceitar as leis e cumpri-las, mesmo assim.
Esse é o caráter objetivo da norma jurídica.
Essa validade transpessoal, ou acima das pretensões dos sujeitos de uma
relação, chama-se heteronomia.
Por isso, Kant disse que a moral é autônoma (está na consciência cumprir ou
não) e o direito é heterônomo.
(Nem todos gostam de pagar imposto, mas pagam, porque é exigido pelo
Estado. Ao Estado não importa o que sente o contribuinte quando paga, se está alegre
ou triste; basta que pague).
O direito tem um caráter de “alheiedade” do indivíduo em relação à regra -
é imposto por terceiros (o legislador, o juiz, os usos e costumes) aquilo que somos
obrigados a cumprir pelo mandamento de uma norma.
Pode-se afirmar: o direito é a ordenação heterônoma e coercível da conduta
humana.

c) Bilateralidade - A norma jurídica tem coercibilidade por conter uma bilateralidade


atributiva.
Miguel Reale: bilateralidade atributiva é uma proporção intersubjetiva, em
função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a
fazer, algo de forma garantida.
EX. Caso do abastado que nega cinco rublos a velho amigo e toma um táxi em seguida
pagando o mesmo valor.
1º caso- solidariedade que não houve- ausência de exigibilidade
2º caso – existência de nexo de crédito resultante da prestação de um serviço –
exigibilidade do pagamento.

d) Coação
Coagir significa forçar algo. O termo, na linguagem jurídica pode ser encarado
de duas formas:
47

d.1.) Coação no sentido de vício do ato jurídico. Neste sentido a coação é a


violência física ou psíquica, contra uma pessoa ou grupo. Aqui a força nasce de uma
pessoa contra a outra ou contra o grupo, ou seja, o Estado não participa. Essa espécie
de coação é considerada ilegal, conforme previsão do artigo 151 do Código Civil, e pode
acarretar a anulação do ato.
CC, art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens

Essa espécie de coação é condenada, além de outros fundamentos pertinentes a


matéria de Direito Civil, pelo fato de que a CF também proíbe obrigação sem lei.

CF, art. 5º., II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei.
d.2.) A coação quando utilizada para assegurar o cumprimento das leis. Aqui, a
coação é uma consequência da coerção, ou seja, os destinatários são coagidos
(forçados) a cumprir a lei, em virtude do poder do Estado.
Ex.: quando alguém permanece no imóvel após a sentença de despejo, o Estado
usa a força para fazer valer o cumprimento da lei.

e) Sanção
Nas normas morais, a sanção é apenas um comportamento de corpo social (a
repulsa, o desprezo) ou uma manifestação interna, na consciência do homem (o
arrependimento). Nas regras jurídicas, a sanção é predeterminada e organizada. Existe
junto ao corpo jurídico. Há o mandamento (não matar) e a sanção (a pena).
É a passagem da força bruta para a força jurídica na solução dos conflitos
(primeiro a vingança social, depois a vingança privada - lei de Talião, os duelos. Depois,
o Estado proíbe os duelos, assume a tarefa de distribuir a Justiça, colocando-se em lugar
dos homens para aplicar a pena àquele que transgride a norma).
Todas as leis têm uma sanção, exceto as que são meramente explicativas.
É o Estado que detém o poder da sanção. Ele disciplina as formas e os processos
de execução coercitiva do Direito.
Sanção é todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em
uma regra.
Toda norma ética ou cultural obrigatória tem sanção. Entretanto, elas agem de
modo diverso em cada caso.

e.1) Evolução das sanções:


- Com a evolução da civilização humana, observou-se a passagem na solução dos
conflitos, do plano da força bruta para o plano da força jurídica.
- No início da sociedade humana, tudo era resolvido pela vingança, sendo que a ofensa
se estendia sobre todo o grupo (clã) a que pertencesse o indivíduo. - Posteriormente a
vingança passou a ser privada.

- Com o passar do tempo a vingança passou a respeitar certas regras (duelos, talião,
ordálias), o que imperava aqui ainda era a força.

- Finalmente, o Estado toma para si a força de distribuir a justiça. Só o Estado pode


aplicar sanções, punições, penas, utilizando-se de sua força.
48

- Para Kelsen a sanção tem função primordial para a existência da norma jurídica.

- Predomina o entendimento de que existem normas despidas de sanção. Tais normas


cumprem uma função meramente formal, cuja finalidade é orientar ou dificultar certos
atos.
Ex. artigos do Código Civil que fixam critérios para distinção entre coisas: bens
móveis, imóveis, etc. (artigo 79 e seguintes do CCb);
artigos 2º, caput e 3º, caput, do CDC que definem consumidor e fornecedor;
as regras de competência do processo civil (artigo 43 e ss. do CPC, etc).
e.2.) Tipos de sanções

f) Generalidade/abstração:

A norma jurídica não nasce para regular casos individuais, mas sim, abrange a
todos de modo geral, de forma abstrata.
Uma prescrição geral é mais adequada a realizar o fim da igualdade entre os
destinatários. Não implica dizer que toda norma individual seja privilégio.
A abstração está ligada à certeza dos efeitos previstos na norma para um
comportamento.
A generalidade da norma garante igualdade, a abstração assegura certeza.

2.4.3. Espécies de normas jurídicas (Reale)

a) Norma de organização - é a norma organizadora das diversas estruturas


correspondentes a situações normativas.
1. O Estado, estrutura e regula o funcionamento de seus órgãos;
2. Os poderes sociais, fixa e distribui capacidades e competências;
3. O direito, disciplinando a identificação, a modificação e a aplicação das normas
jurídicas.
Obedece a um juízo categórico, sobre algo existente e que deve ser respeitado:
ex: A deve ser B
CF, art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Existem e sdevem ser independentes.

b) Norma de conduta, turno, disciplina o comportamento dos indivíduos e dos grupos


sociais. A estrutura lógica corresponde a um juízo hipotético.
Ex. Se A, deve ser B.
CC, art. 73: Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual
(hipótese normativa), o lugar onde for encontrada (consequência jurídica).

2.4.4. Processo Legislativo – CF art. 61 e segs.

a) Funções principais da lei

a.1.) Atributiva - a lei confere às pessoas na vida em sociedade: direitos, deveres,


obrigações; e assegura o exercício desses direitos e deveres, garantindo, ainda, a
propriedade dos bens e traduzindo as aspirações coletivas.
49

a.2.) Organizatória - coloca à disposição das autoridades os poderes e recursos


indispensáveis ao exercício das atribuições que lhes foram conferidas, com o objetivo
de resolver os conflitos sociais, materializando o poder de coação, punindo os infratores
e definindo relações sociais.

b) O nascimento da lei (fases do processo) art. 61 e segs. da Constituição)


Poder Legislativo: Câmara dos Deputados, Senado Federal
b.1.) Iniciativa de lei - é o ato que deflagra o processo de criação da lei.

Autoridades legitimadas para propor projeto de lei:


1)Presidente da República
2) Deputado, * Senador, * *Comissão da Câmara dos Deputados,
3) Comissão do Senado Federal
4) Comissão do Congresso Nacional
5) Comissão do Supremo Tribunal Federal, *Tribunais Superiores (normas relativas ao
Judiciário)
6) Procurador-Geral da República (normas relativas ao Ministério Público Federal;
7) Os cidadãos - (a iniciativa popular) desde que seja subscrita por 1% do eleitorado
nacional, distribuídos por cinco Estados (p. 2o.)
7.1. Nos Estados e Municípios, 5% do eleitorado – CF, art. 29, Inciso XIII
A iniciativa popular de lei está regulamentada pela Lei nº 9.709, de 18 de
novembro de 1998.

b.1.1. Iniciativa Reservada


O art. 61 fala da iniciativa geral. Nos parágrafos e incisos, está prevista a iniciativa
reservada.
É que algumas leis só podem ser iniciadas por ato do Presidente da República
(que criam cargos, aumentem remuneração, fixem ou modifiquem efetivos das Forças
Armadas, entre outros).
Outras, só podem ser iniciadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
federal (criam ou extinguem cargos e fixam vencimentos nas duas Casas) ou pelos
Tribunais de Justiça (criação e extinção de cargos e serviços auxiliares, fixação de
vencimentos). Por isso, chama-se de iniciativa reservada.
b.2. Discussão - apresentado o projeto, discute-se na Casa onde foi apresentado, tanto
nas comissões permanentes (CF, art. 58, p. 2o.) que examinam a constitucionalidade
(aspecto formal) do projeto e o conteúdo (aspecto material). Depois disso, vai ao
plenário para discussão final e votação.
O projeto sempre passa pelas duas Casas: se nasce no Senado, é votado,
aprovado e enviado para a Câmara dos Deputados. Ela analisa, vota e se aprovar, vai à
sanção do Presidente, e promulgação. Se emendar, retorna o projeto para a Casa
iniciadora. Se nascer na Câmara, vai ao Senado; se houver emendas, idem, volta à
Câmara para votação final. A Casa que vota por último, é chamada de Revisora.
b.3.) Votação - o quórum para deliberação das duas Casas e de suas comissões é de
maioria absoluta (presença da maioria dos membros de cada Casa - metade, mais um);
b.3.1.) As leis ordinárias - são aprovadas por maioria simples, isto é, metade mais um
dos presentes;
50

b.3.2.) As leis complementares - são aprovadas pela maioria absoluta dos membros de
cada Casa - metade mais um do total dos membros.
b.3.3.) Emendas constitucionais - só são aprovadas pela maioria de três quintos dos
membros de cada Casa (CF, art. 60, § 2.º)

c) Sanção ou veto - A sanção é a aquiescência do chefe do Executivo aos termos de um


projeto de lei.
Pode ser:
c.1.) expressa - quando o presidente se manifesta, concordando, no prazo de 15 dias-
ou
c.2.) tácita, quando, neste prazo ele silencia;
c.3.) total - quando o chefe do Executivo concorda com todo o projeto – ou
c.4.) parcial, quando concorda apenas em parte. Se não concordar com o projeto,
haverá veto do Executivo ao total ou a parte do projeto. O veto só será derrubado pela
maioria absoluta dos deputados e senadores.
d) Promulgação - é o ato pelo qual o Executivo autentica a lei, isto é, atesta sua
existência, ordenando a sua aplicação e cumprimento por parte da sociedade. Em caso
de veto ao projeto, ou de sanção tácita, cabe ao presidente do Senado fazer a
promulgação.

e) Publicação - Visa dar conhecimento a todos de que a ordem jurídica recebeu norma
nova. Visa impedir que alguém possa alegar ignorância da lei. É condição de validade da
lei. As leis emanadas do Congresso Nacional são publicadas no Diário Oficial da União,
das Assembleias, no Diário Oficial do Estado, das Câmaras Municipais, no Diário Oficial
do Município.

f) A validade da norma jurídica - (discussão adiante-ponto individual)

Pode-se falar em validade da norma sob dois aspectos; o técnico-jurídico (ou


formal) e o da legitimidade. Este último está ligado à valoração. Uma norma pode ser
legal, do ponto de vista formal, mas não é legítima do ponto de vista ético.
A validade, do ponto de vista da legitimidade, é uma questão zetética, portanto,
aberta. Na dogmática, ela encontra-se fechada, diz respeito à validade da norma dentro
do ordenamento, apenas.
Sob o ponto de vista formal (dogmático), a norma jurídica só pode ser válida
quando forem respeitadas as exigências para sua validade;
f.1.) observação à hierarquia - a CF
f.2.) aprovação e promulgação por autoridade competente (leis complementares,
ordinárias, etc., pelo Congresso)
f.3) respeito a prazos e quoruns;
f.4) conteúdo da norma de acordo com as designações de competência para legislar. Ex.
o Município não pode editar leis de direito Penal.

g) Da vigência da norma
As normas jurídicas têm vida própria: nascem, existem, alteram-se parcialmente
e morrem. Importante ver que o sentido estrito de “lei” é: “apenas a norma jurídica
51

aprovada regularmente pelo Poder Legislativo” (Franco Montoro). Esse é o sentido


técnico que distingue a lei dos decretos, portarias, etc.
A vigência inicia-se com o ato de publicação da lei. Se a norma é federal, no DOU,
estadual no Diário Oficial do Estado, Municipal, no órgão oficial do Município. Pode
entrar em vigor no mesmo dia que publicada ou em data que a própria lei descrever
(algumas falam em 60 dias, outras 180 dias, outras só no ano seguinte (leis eleitorais).
Exemplos de início de vigência: o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de
11/09190, entrou em vigor no dia 11 de março de 1991, 180 dias após a publicação da
lei; O Código Civil, aprovado em 2000 entrou em vigor apenas em 2002, dois anos após
a publicação.
Quem decide essa data de vigência, se no dia da publicação ou depois, é o órgão
que a elaborou. Há casos em que a sociedade precisa adaptar-se às novas exigências,
adotando medidas práticas, suspendendo práticas que vinha adotando, etc., ou
providenciando documentações para adequar-se à nova lei.

g.1.)Término da Vigência
g.1.1.) normas permanentes (regra)
g.1.2.) normas temporárias (exceção) - Medidas Provisórias, incentivos fiscais, leis
subordinadas a estados de guerra, de sítio, calamidade pública etc.

h.) A revogação das normas jurídicas


De regra, são revogadas, quando substituídas por outras. Significa dizer: tirar de
vigor uma norma, trocando-a por outra; o assunto é tratado no art. 2º da LICC.
A revogação divide-se em:
h.1) ab-rogação, supressão total da norma jurídica anterior por outra nova;
h.2) derrogação - apenas uma parte dos dispositivos da lei anterior são revogados, um
capítulo, uma seção, um artigo apenas, um inciso, parágrafo ou apenas parte deles
(explicar artigo, caput, parágrafo, inciso, letra, alínea...)
A técnica legislativa usa o termo genérico revogação.
Pode, ainda, ser
h.3.)expressa (a lei diz textualmente)
h.4.) tácita (apenas regula de modo diferente partes da lei anterior, sem expressar quais
artigos são revogados).

i) Normas que não podem ser revogadas


São as chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição, porque são definitivas, não
podendo ser alteradas (art. 60, parágrafo 4º da CF) - as que dizem respeito a:
i.1.)forma federativa de Estado;
i.2.voto direto, secreto, universal e periódico;
i.3.) separação dos poderes;
i.4.) direitos e garantias individuais

2.5. Classificação das normas jurídicas

Entre as várias classificações conhecidas podemos classificar as normas de dois


modos:
52

a) pela relevância, subordinação e estrutura;


b) quanto à hierarquia, natureza das disposições, aplicabilidade, sistematização,
obrigatoriedade, esfera do poder que emanam

a) Primeira classificação

2.5.1.Conforme a Relevância - dividem-se as normas em


a) primárias (ou normas de conduta) - aquelas que têm por objeto a própria ação - Ex.
Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (CF, art. 5º, inciso I) e
b) secundárias (ou normas de conduta), as chamadas “normas sobre normas”, aquelas
que apenas tratam de situações já reguladas por outras normas. Ex. as normas de
Direito Internacional, quando prescrevem para um conflito de normas de diferentes
Estados, qual delas deve ser aplicada.

2.5.2.Conforme Subordinação - dividem-se em

a) normas-origem - as primeiras de uma série (ex. a norma que estabelece poderes de


um órgão para editar leis - a CF diz que só a União pode legislar sobre direito penal -
é norma-origem) e
b) normas-derivadas - as que derivam da norma-origem (ex. no caso referido, são
derivadas todas as normas editadas pelo órgão);
2.5.3. Conforme a Estrutura - dividem-se em
a) normas autônomas - as que têm, por si só, um sentido completo, que esgotam a
disciplina que estatuem (ex. uma norma que revoga a outra) e
b) normas dependentes - aquelas que dependem de outras para serem aplicadas (ex. a
norma que prevê o arquivamento de certidão de atos constitutivos de uma sociedade,
conforme procedimentos previstos em outra lei);

2.5.4. Tipos de normas jurídicas

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:


I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração
e consolidação das leis.
As regras jurídicas podem ser classificadas de vários modos, conforme o ponto de
vista adotado:

a) Quanto à hierarquia:
a1) Regras Constitucionais;
a2) Leis Complementares (aprovadas por maioria absoluta – art. 69 da CF/88);
a3) Leis Ordinárias (aprovadas por maioria simples – art. 59, III da CF/88);
53

a4) Medidas Provisórias (art. 59, V da CF/88);


a5) Leis Delegadas (art. 59, IV da CF/88);
a6) Decretos Legislativos (art. 59, VI da CF/88);
a7) Resoluções (art. 59, VII da CF/88);
a8) Decretos Regulamentares;
a9) Portarias - no Direito administrativo brasileiro, ato jurídico originário do Poder
Executivo, que contém ordens/instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos,
recomendações de caráter geral e normas sobre a execução de serviços, a fim de
esclarecer ou informar sobre atos ou eventos realizados internamente em órgão
público, tais como nomeações, demissões, medidas de ordem disciplinar, pedidos de
férias, licenças de modo geral.
a.9) Circulares - é uma carta destinada a funcionários de um determinado setor,
remetida pelo chefe da repartição ou do departamento. Tem o objetivo de transmitir
normas, ordens, avisos, pedidos, ou seja, de delimitar comportamentos e homogeneizar
condutas de um grupo de pessoas.
a.9.) Ordens de Serviço - fórmula usada para transmitir determinação aos subordinados
quanto à maneira de conduzir determinado serviço, no que respeita aos aspectos
administrativos e técnicos. Ao invés desta fórmula, as ordens por vezes são veiculadas
por via de circular. A expressão também é usada para indicar a alguém que pode iniciar
a obra, o fornecimento ou o serviço que contratara com a Administração Pública;
a.9) Instrução - fórmula mediante a qual os superiores expedem normas gerais, de
caráter interno, que prescrevem o modo de atuação de seus subordinados em relação
a certo serviço;
b) Quanto à natureza de suas disposições
b1) Regras Jurídicas Substantivas: são regras que criam, declaram e definem direitos,
deveres e relações jurídicas, como, por exemplo, o Código Civil, CDC, Código Penal, etc;
b2) Regras Jurídicas Adjetivas: são regras que regulam o trâmite dos processos judiciais.
Em outras palavras, regulam o acesso ao Poder Judiciário. Estão previstas no CPC, CPP,
CLT, etc.
c) – Quanto à obrigatoriedade:
c1) Regras de Ordem Pública: são regras jurídicas que não podem ser modificadas pela
convenção (acordo) das partes. São chamadas de cogentes ou imperativas. Exemplo:
pagamento de salário;
c2) Regras de Ordem Privada: são regras jurídicas que permitem aos particulares
estabelecer regras próprias modificando o que a lei prescreve. Exemplo: art. 31 do CCb,
as regras sobre contratos, etc.
d) Quanto à esfera do poder público que as edita:
d1) Federais: instituídas pela União;
d2) Estaduais: instituídas pelos Estados-Membros;
d3) Municipais: instituídas pelos Municípios.

e) Quanto à natureza das disposições


e.1) Normas jurídicas substantivas, ou materiais - são as que criam, declaram, definem
direitos, deveres e relações jurídicas - Código Civil, Comercial, de Defesa do Consumidor
etc.
54

e.2) Normas jurídicas adjetivas ou processuais - as que regulam o modo e o processo,


para que o cidadão possa ter acesso ao Poder Judiciário. Normas do Código de Processo
Civil. Processo Penal, normas processuais da Lei de Locações, da CLT, etc.

f) Quanto à aplicabilidade
f.1) Normas jurídicas autoaplicáveis - aquelas que entram em vigor independentemente
de qualquer outra norma posterior. Apresentam todos os requisitos necessários,
entrando em vigor na data da publicação ou em prazos estabelecidos. São a maioria das
normas jurídicas que temos.
f.2) Normas jurídicas dependentes de complementação - as que expressamente
declaram sua complementação por outra norma –
Ex. A CF assegura aos servidores públicos um direito de greve (artigo 37, inciso VII),
vedando-o apenas aos militares (artigo 142, parágrafo 3º, inciso IV), conforme lei
específica, ainda não editada. (STF já decidiu que o direito de greve dos servidores
públicos é um direito fundamental e veiculado por norma de aplicabilidade imediata,
podendo ser fruído mesmo inexistente lei específica regulamentando seu exercício -
ARE 654432 (agravo em RE), com repercussão geral reconhecida).
f.3) Normas jurídicas dependentes de regulamentação - são as que geralmente
designam quais órgãos do Poder Executivo detalharão e definirão sua aplicação e
executoriedade. São instituídas através de decreto regulamentar - ex. o decreto
99.648/90 - que regulamentou a Lei 8.036/90, tratando do FGTS;

2.6. Âmbitos de validade normativa e pluralidade analítica (base: Tércio Sampaio –


Introdução ao estudo do direito); Ferrajoli: Principia Iuris, teoria do direito e da
democracia; Habermas (Direito e democracia: entre facticidade e validade).

Introdução

- Discussão da validade da norma jurídica é zetética – relacionada à noção de valor –


cuja origem é econômica.

- Filosofia – discussão é feita na filosofia dos valores – vistos como entidades (objetos)
diferentes dos objetos reais.
- Objetos reais: são, existem.
Valores: valem (forma essencial não é um ser, mas um dever ser – a existência se
expressa pela validade).
- Assim: valer é sempre valer para algo, alguma coisa.

- A norma jurídica, portanto, existe em relação a alguma coisa.

2.6.1. Validade da norma em relação a:

a. à existência de outra norma, que a antecede hierarquicamente (Kelsen) – validade


formal; a norma só existe se estiver inserida em um ordenamento – o fundamento é a
existência de uma norma fundamental.
55

b. ao comportamento da autoridade aplicadora (Ross) – se a norma é aplicada pelos


tribunais conforme sua obrigatoriedade (Kelsen contesta – teria que esperar a aplicação
para saber se é válida).
c. à sua adequação aos direitos fundamentais (Ferrajoli). A validade da norma depende
também da sua substância ou conteúdo, cuja norma de reconhecimento consiste no
princípio de legalidade substancial, que a vincula à coerência com os princípios e os
direitos constitucionalmente estabelecidos. (Te
d. à imunização da relação autoridade-sujeito - Uma norma é válida quando é
imunizada por outra norma.
(Tércio: norma=comunicação normativa) – quando a desconfirmação do sujeito
é desconfirmada pela autoridade - que a toma como negação da relação (não se afronta
a autoridade) – a autoridade deve estar imune contra a desconfirmação do sujeito, que
é dada por outra norma.
Ex: emenda à Constituição – art. 60, proposta de no mínimo 1/3 da Câmara ou
do Senado; no § 4º. – veda a emenda sobre a forma federativa de estado. Se menos de
1/3 dos congressistas aprovassem uma emenda para abolir a forma federativa do
estado, não seria valida por não estar imunizada pelas normas do art. 60.

e) Validade em relação à legitimidade – ou validade substancial - desde o declínio


positivista, a legitimidade passou a ser um problema de natureza puramente ética,
relacionado à justificação normativa do sistema jurídico-político.
e.1.) Habermas - A legitimidade surge de processos deliberativos inclusivos no âmbito
de uma esfera pública-política, a qual é capaz de restabelecer o corpo social e político
por meio da produção de consensos orientados pelos atores na sociedade civil.
Assim, enquanto a legalidade preocupa-se com a forma, a legitimidade procura
o significado do conteúdo.
A legitimidade do direito não se apoia, portanto, nem exclusivamente, no
direito do indivíduo, nem no povo soberano, mas na mediação comunicativa.

e.2 Ferrajoli faz a seguinte classificação dos planos da norma:

1) a existência ou vigência - para que a norma possua existência e validade formal, basta
que sejam implementados os requisitos formais.
2) a validade formal - basta que sejam implementados os requisitos formais – processo
legislativo.
3) a validade substancial - deve existir uma coerência do ato normativo com as normas
substanciais a ele supraordenadas.
4) a validade tout court – (mesmo assim, ou ainda assim) o ato normativo deve ser estar
provido de validade formal e de validade substancial).

O termo "vigência" traduz a existência específica de uma norma; não se


confunde com validade.

Uma norma pode ser válida, se completou regularmente o processo de


integração ao ordenamento jurídico (cumprindo os requisitos de produção para que sua
gênese atendesse às exigências do ordenamento), mas pode ainda não ser vigente, por
56

depender da verificação de condição suspensiva ou de vacância, ou mesmo ter tido sua


vigência exaurida ou encerrada.

Ao contrário, toda norma vigente terá que ser necessariamente válida; a


validade é sinônimo de integração ao ordenamento, que por sua vez é pressuposto para
a vigência.

Da mesma forma, uma norma pode ter vigência, mas não ser dotada de eficácia,
posto que vigência e eficácia também constituem características diferentes da norma
jurídica.

2.6.2. A eficácia das normas jurídicas

Eficácia é a relação entre a ocorrência concreta e real, factual, no mundo do ser


e o que está prescrito pela norma jurídica.
Diz-se que uma norma é eficaz quando é cumprida por seus destinatários e
quando, em caso de que venha a ser violada, as autoridades competentes imponham
as sanções contidas nela para tal finalidade.

a.) eficácia social ou efetividade - qualidade da norma que se refere à possibilidade de


produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições fáticas para sua
observância, espontânea ou imposta, ou para satisfação dos objetivos visados.
Ex. se a lei exige o uso determinado aparelho para segurança do trabalhador e
este não existe no mercado (ad impossibilia nemo tenetur: ninguém é obrigado a coisas
impossíveis).
JOSÉ AFONSO DA SILVA: A eficácia social "designa uma efetiva conduta acorde
com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e
aplicada; nesse sentido, a eficácia da norma diz respeito, como diz Kelsen, ao ‘fato real
de que ela é efetivamente aplicada e seguida, da circunstância de uma conduta humana
conforme à norma se verificar na ordem dos fatos’. É o que tecnicamente se
chama efetividade da norma. Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente
fixados como metas."

b) eficácia técnica – quando estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis


para a sua aplicação

c) força da norma - Força ou vigor, é uma qualidade da norma que diz respeito a sua
força vinculante, isto é, à impossibilidade de os sujeitos fugirem de seu império, de sua
incidência.
Não é o vigor de vigência, mas a força vinculante da norma, aquela que, mesmo
já revogada a norma ainda mantém seu efeito, a que chamamos de ultraatividade, a sua
força vinculante, mesmo que já retirada do ordenamento.
Ex. lei considerada inconstitucional pelo STF, mas não determinada a suspensão
da eficácia pelo Senado Federal, continua a ser aplicada pelos tribunais.

2.7. Constitucionalização do direito


57

Introdução
a) A constitucionalização do ordenamento jurídico consolida a supremacia das
constituições e a força normativa dos princípios e valores nelas contidos.

b) Fenômeno observado desde as mudanças sociais que ocorreram no século XX, com
a transição do Estado Liberal para o Estado Social. Surge um novo direito constitucional.

c) Fatores:
c.1.) Busca pela igualdade material – ainda que fosse lema do liberalismo só foi
alcançada formalmente.
c.2.) Aproximação das ideias de constitucionalismo e de democracia – faz aparecer uma
nova forma de organização política com definições diversas: Estado democrático de
direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático, entre
outros.

2.7.1. Origem histórica do novo direito constitucional:


a) Europa continental - constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha
(Lei fundamental de Bonn, 1949) e na Itália (Constituição de 1947).
b) Brasil, Constituição de 1988 e o processo de redemocratização do país.
2.7.2. Marco filosófico: superação dos modelos puros por um conjunto difuso e
abrangente de ideias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo.

2.7.3. Plano teórico – três grandes transformações modificaram o conhecimento


tradicional sobre a aplicação do direito constitucional:

a) o reconhecimento de força normativa à Constituição - a norma constitucional passa


a ter status de norma jurídica. Superação do modelo vigente na Europa do começo do
século XX - a Constituição era vista como um documento essencialmente político, mais
destinado à atuação dos Poderes Públicos. Normas constitucionais são dotadas de
imperatividade, atributo de todas as normas jurídicas, e seu descumprimento implica
usar mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado.
b.) a expansão da jurisdição constitucional - a partir da Constituição de 1988. Causa
determinante: ampliação do direito de propositura de ações, remédios constitucionais;
criação de novos mecanismos de controle concentrado, como a ação declaratória de
constitucionalidade; regulamentação da arguição de descumprimento de preceito
fundamental.
Serve para tutelar quaisquer casos de desrespeito aos preceitos fundamentais
da Constituição, abrangendo atos normativos ou não normativos.
Acaba mais abrangente que o termo "inconstitucionalidade", da ação direta de
inconstitucionalidade, e que corresponde ao desrespeito à Constituição praticado
apenas por atos normativos (Lei nº 9.868/99). A Lei não define preceitos fundamentais
– será avaliado no caso concreto.
c.) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional - as
especificidades das normas constitucionais levaram a doutrina e a jurisprudência a
construir e sistematizar no decorrer do tempo, um elenco de princípios de natureza
instrumental, aplicáveis à interpretação constitucional.
58

São pressupostos lógicos, metodológicos ou finalísticos da aplicação das normas


constitucionais:
1) da supremacia da Constituição
2) da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público;
3) da interpretação conforme a Constituição;
4) da unidade, da razoabilidade e da efetividade.

2.7.4. Conceito – efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material
e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os
fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição
passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito
infraconstitucional (Luis Roberto Barroso).

2.7.5. Fundamentos
a) dignidade humana - princípio fundamental inserido na Constituição – um dos
fundamentos da República (art. 1°, IlI). A dignidade humana impõe limites e atuações
positivas no atendimento das necessidades vitais básicas, expressando-se em diferentes
dimensões.
b) direito à igualdade - O direito à igualdade se tornou um direito-guardião do Estado
social (Flávia Piovesan)
c). Aplicação do direito nas relações horizontais. A interpretação da Constituição a
partir do reconhecimento de que o direito ultrapassa o que está pré-determinado. A
interpretação da norma jurídica para aplicação da lei pressupõe um esforço dos
aplicadores e defensores do direito de maneira diferenciada. Não bastam os modos
tradicionais de solução de conflitos, é necessário entrar no conflito, fazer parte dele,
requer esforço na argumentação frente ao conhecimento de normas técnicas.

2.7.6. Elementos da nova interpretação


A doutrina fala do surgimento de uma nova interpretação constitucional,
diferente da tradicional basicamente por dois aspectos:
a) O papel da norma – Na interpretação tradicional a norma oferece soluções de conflito
de modo abstrato; na nova interpretação constitucional, o caso concreto é analisado,
porque nem sempre é possível encontrar no texto normativo respostas ao problema
jurídico em questão.
b) O papel do juiz - No modo tradicional era suficiente o conhecimento da aplicação da
norma, o juiz fazia apenas a subsunção do fato à lei; na interpretação do direito
constitucional avançado o juiz passa a fazer parte do processo, deve sopesar as
valorações necessárias, a adequação da lei ao caso concreto, e pode usar a criatividade
para escolher dentre muitas soluções possíveis.

c) Consequências práticas
c.1.) como filtragem constitucional: toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida
sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Toda
interpretação jurídica é também interpretação constitucional.
Aplica-se a Constituição:
c.2.) Diretamente - quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto
constitucional.
59

Ex: o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio ilícito (CF, art. 5°, L VI);
c.3.) Indiretamente - quando uma pretensão se fundar em uma norma
infraconstitucional, por duas razões:
c.3.1.) antes de aplicar a norma, o intérprete deve se certificar se ela é compatível com
a Constituição; se não for, não deve aplicá-la.
c.3.2.) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização
dos fins constitucionais.

2.7.7. Constitucionalização do Direito Civil

A constitucionalização tem repercussão sobre a atuação dos três Poderes,


especialmente nas suas relações com os particulares.
Constitucionalização do núcleo essencial das relações privadas nos vários
âmbitos de sua ocorrência, para a consolidação do Estado Democrático e Social de
Direito e promoção da justiça social e da solidariedade.

a) Características

a.1.) limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de


contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e
ao respeito a direitos fundamentais.

a.2.) despatrimonialização e repersonalização do direito civil, com destaque para valores


existenciais e do espírito. E reconhecimento e desenvolvimento dos direitos da
personalidade.

Antigo Código Civil perdia terreno no campo do direito privado. Várias leis
específicas foram editada, formando microssistemas autônomos em relação ao Código:
alimentos, filiação, divórcio, locação, consumidor, criança e adolescente, e sociedades
empresariais.
Deu-se a "descodificação" do direito civil, sem grandes alterações depois da
promulgação de novo Código Civil em 2002, com vigência a partir de 2003.

2.7.8. Jurisprudência
REsp 1602907 / PR RECURSO ESPECIAL 2016/0137638-9. Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN. Segunda Turma. J. 27.06.2017
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PROGRAMA NACIONAL DE
REFORMA AGRÁRIA. RETIRADA IMOTIVADA DE ENTIDADE FAMILIAR. DIREITO SOCIAL
À MORADIA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC DE 1973.
1. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que
o Tribunal a quo julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, como lhe foi
apresentada.
2. Cuida a hipótese sob exame de Ação proposta pelo Ministério Público Federal com o
escopo de obstar a retirada imotivada em 24 horas, pelo Incra, de entidade familiar,
60

em situação de hipossuficiência, do local em que residem há 12 anos, situado no


lote 36 do Projeto de Assentamento Nhundiaquara/Gleba Pantanal - Município
de Morrentes/RS.
(....)
5. Ademais, o Parquet possui competência para tutelar interesse de entidade familiar,
pois o direito social à moradia não atinge apenas o casal, mas todos os que se
encontram em situação equivalente.
Cuida-se, portanto, de direito individual indisponível, sobre o qual não pode transigir.
6. Hodiernamente, não podemos perder de vista a evolução do direito civil, com a sua
crescente constitucionalização, principalmente com a entrada em vigor do novel Código
Civil, que possibilita a proteção plena da pessoa humana contra a ingerência do Estado.
Sem esquecer que o direito à moradia se constitui em um direito da personalidade, por
isso é inato e indisponível. Dessarte, não existe dúvida sobre a legitimidade ativa do
MPF.
7. Recurso Especial parcialmente provido.

Você também pode gostar