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UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Gene Lep e a obesidade

Karynne de Nazaré Lins de Brito1, Marina Saldanha da Silva Athayde2,


Rafael Lima Kons3, Yara Costa Netto Muniz4, Juliana Dal-Ri Lindenau4
1
Pós-Graduanda no Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e do Desenvolvimento Universidade Federal de
Santa Catarina, Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, Florianópolis, SC
2
Pós-Graduanda no Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina,
Departamento de Educação Física, Florianópolis, SC
3
Universidade Federal da Bahia, Departamento de Educação Física, Bahia, BA
4
Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, Florianópolis, SC
Autor para correspondência - rafakons0310@gmail.com

Palavras-chave: sobrepeso, tecido adiposo, LEPR, desregulação endócrina, gene obese

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 1 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 131


UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A descoberta da leptina demonstrou o papel fundamental das funções do tecido adiposo como
regulador do metabolismo energético e do consumo de alimentos. A leptina é um hormônio
peptídico produzido principalmente pelos adipócitos ou células gordurosas e sua descoberta
marcou uma importante transição sobre os pensamentos acerca das funções desse orgão. O
Gene Lep está ligado à obesidade e fatores associados e a leptina pode ser um agente que
contribui com a doença em dois aspectos, ou o indivíduo possui uma deficiência na produção
da leptina pelos adipócitos ou este possui uma resistência à sua ação, o que leva a um dese-
quilíbrio entre consumo calórico e gasto energético, contribuindo para o aumento de peso e,
consequentemente, um risco potencial à obesidade.

Recombinação alternativa
- Processamento diferencial

Estrutura do gene pode possuir 166 ou 167 resíduos de ami-


noácidos e um peso molecular de aproxima-
do pré-RNA mensageiro, onde
éxons e íntrons são clivados
e reorganizados com padrões
Lep e a proteína damente 16 kDa. A variação no tamanho da
proteína está relacionada a duas isoformas
diferentes. Permite a síntese
de diferentes isoformas de
que ele codifica de leptina, que podem ou não apresentar
um resíduo de glutamina na posição +49 da
proteínas a partir do mesmo
transcrito primário, as quais
cadeia de aminoácidos, devido ao mecanis- podem apresentar diferentes
Em humanos, o LEP é um gene codifican- funções.
te de proteína de cópia única, localizado mo de recombinação alternativa durante o
no braço longo do cromossomo 7, mais es- processamento do pré-RNAm. O gene LEP,
Pré-RNAm - forma primária
pecificamente na região 7q32.1 (Figura 1). também conhecido pelas siglas OB, OBS ou de RNA mensageiro transcrito
O gene apresenta três éxons e dois íntrons. LEPD, é expresso principalmente nas células a partir do DNA e que é
O primeiro éxon é formado por apenas 30 do tecido adiposo branco, além da mucosa processado para formar o RNAm
gástrica, placenta, adeno-hipófise e epitélio maduro.
pares de bases, está localizado na região 5’
não traduzida e contém o sítio de início de mamário. A leptina é secretada na circulação
transcrição do gene. Os éxons 2 e 3 contêm a sanguínea, sendo sua principal função rela-
região codificadora da proteína leptina. LEP cionada à homeostase energética através da Homeostase Energética -
codifica um RNA mensageiro de 4.5 kb, o sua interação com os receptores de leptina Processo regulatório ativo que
qual é traduzido na proteína Leptina, que (LEPR). visa igualar a quantidade de
energia adquirida do ambiente,
através da alimentação,
com a energia utilizada para
manutenção das necessidades
fisiológicas essenciais e
voluntárias.

Figura 1.
Esquema da localização e
estrutura do gene LEP. O gene
da leptina está localizado na
região 7q32.1 do cromossomo
7 em seres humanos. O gene
apresenta três éxons, sendo
que a região codificando para o
leptina encontra-se nos éxons
2 e 3.

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Mecanismo de zimática. A isoforma LEPR-e é secretada na


circulação e é considerada um receptor solú-
ação da leptina vel de leptina envolvido no seu carreamento
na corrente sanguínea.
Proteína transmembrana
A secreção da leptina é regulada pelo esta- A leptina atua principalmente sobre o Siste- - proteínas integrais das
do energético do organismo. Em um esta- ma Nervoso Central, especialmente sobre o membranas celulares,
do nutricional recém-alimentado, com alto hipotálamo. Entre as diferentes isoformas de apresentam um domínio que se
suprimento de energia, a leptina é liberada encontra inserido na bicamada
LEPR, LEPR-b é considerada a forma com- lipídica, um domínio extracelular
na circulação pelo tecido adiposo branco e pleta do receptor, sendo associada aos efei- e outro intracelular.
sinaliza para o cérebro o excesso de energia tos do hormônio, desencadeando uma série
disponível para vários eventos biológicos, de eventos intracelulares, como ilustrado na
como regulação do metabolismo energético Figura 2.
e sistema imune (Figura 2). Em uma situa-
ção de baixo estado nutricional, com pouca A leptina é secretada pelas células do tecido
energia disponível para as funções celulares, adiposo na circulação. No hipotálamo, esse
a secreção de leptina é reduzida. hormônio liga-se ao seu receptor específico
presente na membrana plasmática e o ativa,
A ação da leptina ocorre através da sua inte- desencadeando vias de sinalização intracelu-
ração com seu receptor específico (Figura 2), lar, sendo a via Jak-STAT a principal a ser
o LEPR, conhecido também como Ob-R. Já Via Jak-STAT - Janus
ativada. O processo de sinalização celular Kinase/signal transducers
se identificaram cinco isoformas de LEPR, culmina com a regulação da expressão de and activators of transcription
sendo quatro isoformas (a-d) proteínas diferentes genes que estão associados ao me- - principal via de sinalização
transmembranas localizadas na membrana tabolismo energético, como o gene do Hor- intracelular ativada por
plasmática. A leptina liga-se à região extra- mônio Liberador de Corticotrofina (CRH) citocinas.
celular do receptor, levando à ativação da re- (Figura 2).
gião intracelular que apresenta atividade en-

Figura 2.
Mecanismo de ação do
hormônio leptina. A leptina
é secretada pelas células do
tecido adiposo branco e age
sobre as células do hipotálamo,
que apresentam em suas
membranas os receptores
específicos de Leptina
denominados LEPR. A ligação
do receptor com o hormônio
ativa uma via de sinalização
regulatória, denominada Jak-
STAT, que regula a expressão
de vários genes envolvidos na
homeostase energética.

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A leptina atua como um mecanismo de re- seja, este hormônio comunica ao cérebro Lipólise - Processo de
troalimentação negativa do tecido adiposo se as reservas de gorduras são suficientes e degradação de lipídios em
ácidos graxos e glicerol.
para o cérebro, sendo que a sensação de sa- reduz o consumo de alimentos. Além disso,
ciedade e diminuição da fome estão relacio- estimula o maior gasto energético, sendo um
nadas a uma maior secreção desta proteína importante regulador do metabolismo ener-
(Figura 3). Quanto maior a quantidade de gético, ao estimular, por exemplo, a lipólise
gordura corporal, maior é a secreção de lep- do tecido adiposo e inibir a lipogênese neste Lipogênese - Processo
tina e menor é a ingestão de alimentos, ou tecido. metabólico que sintetiza ácidos
graxos e triglicérides.

Figura 3.
Relação da secreção de
leptina com a taxa de gordura
corporal. A síntese de leptina
é proporcional à quantidade
de tecido adiposo. Indivíduos
que apresentam alta taxa de
massa de gordura expressam
e secretam mais leptina na
circulação do que indivíduos
magros. O hormônio leptina age
sobre o hipotálamo, levando à
maior sensação de saciedade e
maior gasto energético, além
de reduzir o apetite. Indivíduos
que possuem menor taxa de
gordura corporal secretam
menos leptina e apresentam
maior apetite e menor sensação
de saciedade.

A importância do hormônio na regulação da resistência à leptina, indivíduos obesos apre-


homeostase energética pôde ser comprovada sentam níveis plasmáticos do hormônio ele-
em modelos tanto animais quanto huma- vados (hiperleptinemia). Este aumento pode
nos que apresentam deficiência de LEP ou ser uma tentativa de compensar falhas na si-
LEPR. Todos eles apresentam altos níveis de nalização intracelular ativada pela leptina, ou
glicocorticoides, infertilidade hipotalâmica e seja, o organismo aumentar a expressão de GRE - Elemento responsivo a
Glicocorticoides presente na
diminuição das funções tireoidianas e imu- LEP e a secreção de leptina para balancear o
região regulatória do gene.
nológicas, assim como do crescimento. A pouco efeito fisiológico observado, o que aca-
deficiência de leptina mimetiza o estado de ba causando uma resistência ao hormônio.
fome do indivíduo, levando ao aumento do
anabolismo e do armazenamento de gordura
corporal.
Lep: descoberta do
É importante ressaltar que a patogenicidade gene e regulação
da obesidade em humanos está mais associa-
da à resistência à leptina do que à deficiên-
da expressão
cia do hormônio. Estudos mostraram que O gene da leptina foi descrito pela primeira
o tratamento com leptina exógena não foi vez em camundongos, nos anos 90. E ainda
completamente eficaz em reduzir o consumo nessa década estudos realizados em camun-
de alimentos e promover a perda de peso em dongos mostraram a associação do gene Lep
humanos com obesidade. A leptina exógena com o desenvolvimento de obesidade. Foi,
tem um maior efeito em crianças obesas, que assim, inicialmente chamado de gene Obe-
apresentam deficiência na síntese de leptina, se (OB), o qual estaria altamente associado
com redução de apetite e adiposidade, do à alimentação, ao metabolismo e ao peso
que em adultos. Corroborando a teoria de corporal. Em seguida, o homólogo do gene

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Hiperfagia - Desordem
Obese de camundongos foi caracterizado em tecido adiposo, o qual foi, durante muito alimentar causada pela
humanos. tempo, considerado como apenas um local ingestão excessiva de alimentos
ultrapassando a quantidade
de armazenamento de gordura. Tal revelação
Desde sua descoberta, o gene LEP foi iden- necessária para atender as
elevou o tecido adiposo de um simples arma- demandas energéticas do
tificado em diferentes espécies de mamíferos, zenador para um órgão endócrino altamente organismo.
como ratos, coelhos e morcegos, além de importante no metabolismo energético, uma
répteis e peixes. Ele é altamente conservado vez que a leptina é um hormônio que apre-
entre espécies, sendo que a leptina humana Adiponectina - Hormônio
senta um papel fundamental na sinalização proteico secretado pelo tecido
possui cerca de 84% de semelhança com a para o cérebro do controle da ingestão de adiposo na corrente sanguínea
leptina de camundongos. A função da lepti- alimentos e do gasto energético. Atualmente, associado à obesidade,
na é também conservada tanto em mamífe- sabe-se que o tecido adiposo secreta outras síndrome metabólica e diabetes
ros quanto em não mamíferos. moléculas, tais como adiponectina e diver-
tipo 2.

O alelo ob do gene LEP é caracterizado por sos tipos de citocinas, confirmando o tecido
Citocinas - Grupo de pequenas
uma mutação sem sentido, que codifica uma como importante órgão imunoendócrino re- proteínas que regulam
proteína truncada, sem atividade funcional. gulador do metabolismo corporal, envolvido a resposta imunológica,
Camundongos homozigóticos recessivos com uma gama de processos fisiopatológicos. importantes para imunidade,
inflamação e hematopoiese.
para o alelo ob/ob são obesos, hiperfágicos, A expressão de LEP é regulada por vários
diabéticos e estéreis. fatores metabólicos e endócrinos (Figura 4).
Seres humanos com mutações no gene LEP, Por exemplo, a insulina é um importante
Insulina - Hormônio produzido
ou no gene do receptor LEPR, que inviabi- regulador de LEP, sendo que baixos níveis pelo pâncreas endócrino
lizam a função do hormônio, também apre- plasmáticos desse hormônio estão relaciona- responsável por controlar os
sentam obesidade e hiperfagia. Em huma- dos à diminuição da leptina. A baixa expres- níveis de glicose no sangue.

nos, entretanto, a associação da leptina com são de LEP também está relacionada a baixas
obesidade não é assim tão clara, porque a temperaturas, estimulação adrenérgica, GH,
GH - Hormônio do Crescimento
obesidade é uma característica (ou condição) hormônios tireoidianos. Já o aumento na - além de estar relacionado
multifatorial, determinada por vários genes expressão de LEP está relacionado a altas ao desenvolvimento ósseo
concentrações plasmáticas de hormônios gli- e crescimento em estatura,
(poligênica) em combinação com o estilo de esse hormônio produzido pela
vida e fatores ambientais, como sedentaris- cocorticoides e citocinas pró-inflamatórias.
adeno-hipófise também está
mo e dieta com alto teor calórico, por exem- A secreção de leptina varia de acordo com o relacionado à regulação do
plo. Devido à natureza multifatorial da obe- metabolismo energético, tendo
ciclo circadiano, sendo maior durante a noi- uma ação semelhante à da
sidade, as mutações no gene da leptina não te. Também possui variação pelo sexo, uma leptina.
são a única causa da condição. vez que já foi observado que entre mulheres
e homens que apresentam a mesma massa de Hormônios tireoidianos - São
Pode-se dizer que a descoberta do gene LEP os hormônios Triiodotironina
e a função da leptina revolucionaram o en- gordura, a secreção de leptina é mais acen- (T3), Tiroxina (T4) e calcitonina,
tendimento que se tinha até então sobre o tuada em mulheres. responsáveis por controlar o
metabolismo e a homeostase
em todo o organismo.

Figura 4.
Representação esquemática dos mecanismos regulatórios da expressão
de LEP. A caixa verde apresenta os fatores estimulatórios da expressão
do gene e a caixa vermelha apresenta fatores inibitórios da síntese de
leptina. Setas para cima indicam aumento dos níveis plasmáticos; setas
para baixo indicam diminuição dos níveis plasmáticos. Fonte: autores.

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Variações no gene LEP já foram identifica- Já o polimorfismo rs8179173 foi associado


das, sendo algumas classificadas como po- a maiores valores de índice de massa corpó-
limorfismos, os Polimorfismos de Nucleo- rea, todos eles apontando a relação da leptina
tídeo Único (SNPs), que levam a troca de com fatores relacionados à obesidade.
SNP - Polimorfismo de
aminoácidos na sequência proteica da lep- Nucleotídeo Único (Single
tina ou mutações que alteram o quadro de
leitura do gene; assim como marcadores de
Para saber mais nucleotide polimorphis),
causado por mutação de um
microssatélites, já foram identificados pró- 2021. LEP leptin (Homo sapiens). NCBI Database. único nucleotídeo na sequência
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ do DNA.
ximos ao gene LEP e vêm sendo estudados
gene/3952. Acesso em 24 de abril de 2021.
para buscar uma possível associação com o
desenvolvimento da obesidade. Um exemplo AIRES, Margarida de Mello. Fisiologia. 4.ed. Rio de
de polimorfismo no LEP é o rs7799039, que Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.
se localiza na posição -2548 da região pro- FREITAS, Priscila Correa et al. Relação entre leptina,
motora do gene. Alguns estudos sugerem obesidade e exercício físico. Clinical & Biomedical
que este polimorfismo está associado a uma Research, v. 33, n. 3/4, 2013.
Microssatélites - Unidades
variação nos níveis plasmáticos de leptina e MAMMES, Olivier et al. Novel polymorphisms in the de repetições de pequenos
com isso, ocasionaria um aumento na sus- 5'region of the LEP gene: association with leptin trechos de nucleotídeos na
cetibilidade à obesidade. Outros polimor- levels and response to low-calorie diet in human sequência de DNA. Variável
fismos no gene do receptor LEPR, como o obesity. Diabetes, v. 47, n. 3, p. 487-489, 1998. entre indivíduos.
rs1137100, apresentaram associação com al- MÜNZBERG, Heike; MORRISON, Christopher
tos níveis de leptina circulante, ocasionando D. Structure, production and signaling of leptin.
alterações no metabolismo de carboidratos. Metabolism, v. 64, n. 1, p. 13-23, 2015.

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